ARTIGO RMN

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52 Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento - n” 21 - julho/agosto 2001 * Primeiros passos PESQUISA RESSON´NCIA MAGNÉTICA NUCLEAR: Gradus Primus* ClÆudia Jorge do Nascimento Professora do Instituto de Química - UnB Carlos Bloch Jr. Professor do Instituto de Química - UnB Pesquisador da EMBRAPA Recursos GenØticos e Bioctenologia [email protected] INTRODU˙ˆO Por quase meio sØculo, a determi- naçªo de estrutura tridimensional (3D) de proteínas vem sendo feita por mØtodos de cristalografia e difraçªo de raio-X; Ø inquestionÆvel a impor- tância e a contribuiçªo que aplica- çıes dessa tØcnica tŒm proporciona- do à Bioquímica. Entretanto, hÆ mais ou menos vinte anos, a Ressonância MagnØtica Nuclear (RMN), que jÆ ocupava um local de destaque nos estudos estruturais de pequenas mo- lØculas, começou a ser utilizada na determinaçªo da estrutura tridimensi- onal de peptídeos e proteínas em soluçªo, independentemente de da- dos cristalogrÆficos. Para que isso fosse possível, sensíveis avanços na instrumentaçªo e na metodologia dessa tØcnica tiveram que ocorrer, incluindo-se, entre os mais importan- tes, o uso de campos magnØticos homogŒneos de alta intensidade, novas tØcnicas de pulso e a introdu- çªo de mØtodos computacionais mais avançados para a produçªo e a inter- pretaçªo dos dados de RMN de ma- cromolØculas. Atualmente, mais de duas mil es- truturas 3D de proteínas determina- das por RMN tŒm suas coordenadas atômicas depositadas no Brookhaven Protein Data Bank (http:// www.rcsb.org/pdb/) e esse nœmero vem crescendo rapidamente. Verifi- caram-se tambØm significativos pro- gressos na determinaçªo estrutural de outros biopolímeros por RMN, como Ø o caso dos Æcidos nuclØicos e dos oligossacarídeos, antes obtidos apenas por difraçªo de raio-X. Com a chegada da era pós-genô- mica, nunca se exigiu tanto dos mØ- todos para obtençªo de estruturas 3D de biomolØculas. Tradicionalmente, esse trabalho tem sido efetuado com características quase artesanais de- vido à alta complexidade da tarefa, ao tempo necessÆrio para a obtençªo de apenas uma estrutura (vÆrios me- ses) e aos elevados custos com infra- estrutura e manutençªo. Por essas e por outras razıes Ø que o uso da RMN em Bioquímica ainda se encontra restrito a poucos grupos de excelŒn- cia espalhados pelo mundo e que seus fundamentos teóricos permane- cem obscuros para a maioria daque- les que tŒm algum interesse nos mais recentes avanços dessa nova era de descobertas científicas. O presente artigo tem como obje- tivo primordial oferecer a leitores que nªo sejam da Ærea de RMN, mas que possuam noçıes bÆsicas em física e em química, uma visªo global dos fenômenos que fundamentam essa tØcnica, e da maneira como tais fenô- menos sªo utilizados no processo de determinaçªo estrutural de substânci- as relativamente simples, permitindo- lhes dar os primeiros passos para uma melhor compreensªo das metodolo- gias desenvolvidas na obtençªo de estruturas 3D de moleculas bem mais complexas (peptídeos, proteínas e Æci- dos nuclØicos) disponíveis na literatu- ra. É importante ressaltar que a abor- dagem escolhida serÆ bastante simpli- ficada, uma vez que para uma verda- deira compreensªo do fenômeno que representa a Ressonância MagnØtica Nuclear seria necessÆria uma descri- çªo em termos de Mecânica Quântica, com a utilizaçªo de operadores quân- ticos e matrizes de densidade, 1-4 o que estÆ fora dos objetivos deste artigo. Figura 1: A Radiaçªo EletromagnØtica

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52 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 21 - julho/agosto 2001

* Primeiros passos

PESQUISA

RESSONÂNCIA MAGNÉTICANUCLEAR: Gradus Primus* Cláudia Jorge do Nascimento

Professora do Instituto de Química - UnB

Carlos Bloch Jr.Professor do Instituto de Química - UnBPesquisador da EMBRAPA RecursosGenéticos e [email protected]

INTRODUÇÃO

Por quase meio século, a determi-nação de estrutura tridimensional (3D)de proteínas vem sendo feita pormétodos de cristalografia e difraçãode raio-X; é inquestionável a impor-tância e a contribuição que aplica-ções dessa técnica têm proporciona-do à Bioquímica. Entretanto, há maisou menos vinte anos, a RessonânciaMagnética Nuclear (RMN), que jáocupava um local de destaque nosestudos estruturais de pequenas mo-léculas, começou a ser utilizada nadeterminação da estrutura tridimensi-onal de peptídeos e proteínas emsolução, independentemente de da-dos cristalográficos. Para que issofosse possível, sensíveis avanços nainstrumentação e na metodologiadessa técnica tiveram que ocorrer,incluindo-se, entre os mais importan-tes, o uso de campos magnéticoshomogêneos de alta intensidade,novas técnicas de pulso e a introdu-ção de métodos computacionais maisavançados para a produção e a inter-pretação dos dados de RMN de ma-cromoléculas.

Atualmente, mais de duas mil es-truturas 3D de proteínas determina-das por RMN têm suas coordenadasatômicas depositadas no BrookhavenProtein Data Bank (http://www.rcsb.org/pdb/) e esse númerovem crescendo rapidamente. Verifi-caram-se também significativos pro-gressos na determinação estruturalde outros biopolímeros por RMN,como é o caso dos ácidos nucléicos edos oligossacarídeos, antes obtidos

apenas por difração de raio-X.Com a chegada da era pós-genô-

mica, nunca se exigiu tanto dos mé-todos para obtenção de estruturas 3Dde biomoléculas. Tradicionalmente,esse trabalho tem sido efetuado comcaracterísticas quase �artesanais� de-vido à alta complexidade da tarefa,ao tempo necessário para a obtençãode apenas uma estrutura (vários me-ses) e aos elevados custos com infra-estrutura e manutenção. Por essas epor outras razões é que o uso da RMNem Bioquímica ainda se encontrarestrito a poucos grupos de excelên-cia espalhados pelo mundo e queseus fundamentos teóricos permane-cem obscuros para a maioria daque-les que têm algum interesse nos maisrecentes avanços dessa nova era dedescobertas científicas.

O presente artigo tem como obje-tivo primordial oferecer a leitoresque não sejam da área de RMN, mas

que possuam noções básicas em físicae em química, uma visão global dosfenômenos que fundamentam essatécnica, e da maneira como tais fenô-menos são utilizados no processo dedeterminação estrutural de substânci-as relativamente simples, permitindo-lhes dar os primeiros passos para umamelhor compreensão das metodolo-gias desenvolvidas na obtenção deestruturas 3D de moleculas bem maiscomplexas (peptídeos, proteínas e áci-dos nucléicos) disponíveis na literatu-ra.

É importante ressaltar que a abor-dagem escolhida será bastante simpli-ficada, uma vez que para uma verda-deira compreensão do fenômeno querepresenta a Ressonância MagnéticaNuclear seria necessária uma descri-ção em termos de Mecânica Quântica,com a utilização de operadores quân-ticos e matrizes de densidade, 1-4 o queestá fora dos objetivos deste artigo.

Figura 1: A Radiação Eletromagnética

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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 21- julho/agosto 2001 53

PRINCÍPIOS BÁSICOS DAESPECTROSCOPIA DE

RESSONÂNCIAMAGNÉTICA NUCLEAR

A Espectroscopia é o estudo dainteração da radiação eletromagnética(REM) com a matéria. Essa radiaçãopode ser vista como uma onda comduas componentes, uma elétrica e ou-tra magnética, que oscilam perpendi-cularmente entre si, sendo ambas tam-bém perpendiculares à direção de pro-pagação da luz (Figura 1). A interaçãoentre a radiação eletromagnética e amatéria pode ocorrer de duas formas:pela sua componente elétrica ou pelasua componente magnética.

Uma das diferenças fundamentaisentre a RMN e as outras formas deespectroscopia reside no fato de que,na RMN, essa interação se dá com ocampo magnético da REM e não com ocampo elétrico, como é o caso, porexemplo, do infravermelho ou do ul-travioleta.

A REM de interesse em análisesquímicas vai desde os raios gama (altaenergia) até as ondas de rádio (baixaenergia). Para cada tipo de espectros-copia é exigido um tipo de excitação e,para cada uma delas, existe uma quan-tidade definida de energia, ou seja,esses fenômenos são quantizados. Issoquer dizer que uma radiação de fre-qüência determinada e característica éabsorvida para uma determinada tran-sição.

A RMN encontra-se na região dasondas de rádio (radiofreqüências). Emprincípio, pode-se dizer que a RMN éuma outra forma de espectroscopia deabsorção. Em um campo magnético,sob determinadas condições, umaamostra pode absorver REM na regiãoda radiofreqüência (rf), absorção essagovernada por características da amos-tra. Essa absorção é função de determi-nados núcleos presentes na molécula,que são sensíveis à radiação aplicada e,por isso, esses núcleos são alvo deestudo para a compreensão da RMN.

1- A DEFINIÇÃO DESPIN NUCLEAR

A grandeza física envolvida emRMN é o spin nuclear. O conceito despin nuclear provém da Mecânica Qu-ântica, não possuindo conceito equi-valente na Mecânica Clássica. Esse con-ceito é fundamental para a compreen-são do fenômeno e pode ser compre-endido como uma propriedade quedeterminados núcleos apresentam. Taisnúcleos, devido à sua configuraçãonuclear, assumem um comportamentocaracterístico de momento angular,capaz de gerar um momento magnéti-co (Figura 2), pois uma carga emmovimento gera um campo magnéti-co. O momento magnético µµµµµ geradopode ser descrito em termos do núme-ro de spin I, cujos valores, calculadospela mecânica quântica5,6, podem ser0, 1/2, 1, 3/2 etc. Como se sabe,núcleos que apresentam tanto massasatômicas quanto números atômicos

pares não possuem spin, sendo, conse-qüentemente, o número de spin iguala zero. É o caso do 12C, 16O, 32S etc.(Tabela 1). Esses núcleos não têmmomento angular associado e, portan-to, não exibem propriedades magnéti-cas, o que implica a ausência de sinaisdetectáveis por RMN. Núcleos comspin I ≠ 0 são, em princípio, detectáveispor RMN. A detecção desses núcleosestá relacionada a condições experi-mentais especiais, que não serão aquiabordadas.

Dentre os diferentes núcleos detec-táveis por RMN, núcleos com I = ½ sãobastante apropriados para uma com-preensão mais simplificada da técnica.

2- APLICAÇÃO DE UM CAMPOMAGNÉTICO: A ENERGIA E A

FREQÜÊNCIA EM RMN

Na ausência de um campo magné-tico, os spins nucleares estão orienta-dos randomicamente, não apresentan-do nenhuma orientação definida (Fi-gura 3). Entretanto, quando uma amos-tra é submetida a um campo magnéticoexterno B

0, de alta intensidade e ho-

mogêneo, os spins nucleares tendem aassumir determinadas orientações. Se-gundo a mecânica quântica, o númerode spin I determina o número deorientações que um núcleo pode assu-mir diante de um campo magnéticoexterno pela relação7:número de orientações possíveis = 2I + 1

No caso de um núcleo com númerode spin I = ½, apenas duas orientaçõessão possíveis, quando há aplicação deum campo magnético: uma �parcial-mente alinhada� com o campo magné-tico aplicado e outra �parcialmentecontra� o campo magnético (Figura

Tabela 1: Mostra a correlação existente entre o número atômico (Z) e onúmero de massa (A) com o número de spin (I)

IMeio inteiro

InteiroZero

AÍmparParPar

ZPar ou ímpar

ÍmparPar

Exemplos *1H(1/2), 17O (5/2), 15N (1/2)

2H (1), 14N (1), 10B (3)12C (0), 16O (0), 32S (0)

* O número entre parênteses indica o número de spin I do núcleoexemplificado

Figura 2: Momento magnéticoµ gerado a partir do momentoangular

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4). O ângulo θθθθθ que define a orientaçãodo vetor com relação a B

0 também é

determinado pela mecânica quântica(seus valores aproximados são 55º e125º). As duas orientações represen-tam diferentes estados energéticos. Issoacontece porque um núcleo com spincria seu próprio campo magnético,como já mencionado. Quanto �maisparalelo� forem esses dois campos (odo núcleo e o campo magnético exter-no), menor será a energia desse esta-do. Assim, o estado de menor energiaé aquele que se encontra �parcialmen-te alinhado� com o campo e é denomi-nado estado ααααα (ou +½), e o estado demaior energia, o �parcialmente con-tra�, é denominado estado βββββ (ou -½)(Figura 5). As energias desses níveispodem ser descritas como Eα = - µB

0 e

Eβ = µB0, o que equivale a dizer que a

diferença de energia entre os doisníveis pode ser expressa por8: ∆E = (Eβ

- Eα) = 2µB0, desde que I = ½.

A diferença de energia ∆∆∆∆∆E quesurge entre os dois níveis está relacio-nada com vários fatores, dentre eles,segundo a equação anterior, a intensi-dade do campo magnético B

0 aplicado:

quanto maior for o campo magnéticoaplicado, maior será a diferença deenergia entre os dois níveis (Figura 6)e maior a diferença de população asso-ciada a esses níveis. Isso significa que,para uma melhor resolução de spinsnucleares em ambientes químicos se-melhantes, são desejáveis espectrôme-tros com campos cada vez mais inten-sos.

É interessante observar que a dife-rença entre níveis de energia � inicial-mente inexistente � surge devido ao

efeito do campo magnético externo B0

aplicado sobre o sistema de spins emestudo. Essa é mais uma das diferençasbásicas entre a RMN e outros tipos deEspectroscopia: em infra-vermelho eultra-violeta, por exemplo, já existemdiferentes níveis energéticos (vibracio-nais e eletrônicos, respectivamente),bastando a aplicação de uma radiaçãode freqüência apropriada para queuma transição (vibracional ou eletrôni-ca) ocorra. No caso da RMN, os dife-rentes níveis energéticos devem serprimeiramente criados pela aplicaçãode um campo magnético de alta inten-sidade (B

0); só assim é que se pode

proceder à Espectroscopia, aplicando-se, então, a radiação de freqüênciaapropriada para cada núcleo.

O fenômeno da RMN ocorre naregião das radiofreqüências (MHz) e a

interação da radiação eletromagnéticacom a matéria dá-se com a sua compo-nente magnética. Portanto, para seproceder a RMN, deve ser aplicado umsegundo campo magnético (chamadode B

1), proveniente de uma fonte de

radiofreqüência aplicada perpendicu-larmente ao campo B

0. É esse segundo

campo magnético que permite a obser-vação de absorções em RMN.

3- O CONCEITO DE CONSTANTEGIROMAGNÉTICA - A EQUAÇÃO

FUNDAMENTAL DA RMN

Na ausência do campo magnéticoexterno B

0, os estados ααααα e βββββ são dege-

nerados, uma vez que não há distinçãode energia. Aplicando-se o campo B

0,

entretanto, um estado é mais estávelque o outro, devido a uma interaçãoentre o campo e o momento magnéticoassociado ao spin nuclear. A absorçãoem RMN é, portanto, uma conseqüên-cia das transições entre o nível demenor energia e o de maior energia,possíveis pela aplicação de um segun-do campo magnético na região daradiofreqüência.

O momento angular L e o momentomagnético µµµµµ podem ser representadospor vetores e a proporcionalidade en-tre eles é chamada de constante (ourazão) giromagnética. Essa constante,que determina a freqüência de resso-nância do núcleo, constitui um parâ-metro muito importante em RMN e érepresentada por γγγγγ, apresentando umvalor próprio para cada núcleo, poden-do ser expressa pela relação:

γ = 2πµ / hIonde h é a constante de Plank (∆E =hν).

Se a constante giromagnética γγγγγ forpositiva, como é o caso dos núcleos de1H e 13C, o estado +½ representa umnível de menor energia. Caso a cons-tante giromagnética seja negativa, como,por exemplo, para o 15N, ocorre ooposto.9

Além de ser responsável pela fre-qüência de ressonância de cada nú-cleo, a constante giromagnética influ-encia outros fenômenos importantesda Ressonância Magnética Nuclear,10

como é o caso do acoplamento despins (que será abordado mais adian-te), da sensibilidade dos núcleos, emprocessos de polarização cruzada, en-tre outros.

Figura 3: Spins randomica-mente orientados

Figura 4: Direções quantizadasassumidas pelos spins sob açãode um campo magnético B

0

Figura 5: Níveis energéticoscriados pela ação do campomagnético B

0

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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 21- julho/agosto 2001 55

Substituindo-se as equações an-teriores (∆E = hν e γ = 2πµ / hI) , pode-se chegar a:

ν = γB0 /2π

que é a equação fundamental utilizadaem RMN e que define a condição deressonância para um núcleo com spinI = ½.

4- A MAGNETIZAÇÃO LÍQUIDA

Em um campo magnético externo,o momento magnético µ apresenta umângulo θθθθθ com a direção do campomagnético B

0 aplicado (Figura 4). Se-

gundo a Mecânica Clássica, bastanteútil para a visualização de muitos con-ceitos de RMN, a interação entre umnúcleo com um momento magnético µµµµµe o campo B

0 faz com que o momento

magnético precesse em torno daqueleeixo (Figura 7). A freqüência dessemovimento é chamada freqüência deLarmor, e seu valor é dado pela expres-são anterior ν = γB

0 /2π em Hertz.

Os dois estados energéticos corres-pondem, então, à precessão de µ emtorno do eixo, alinhado (menor ener-gia, se γγγγγ for positiva) ou oposto aocampo magnético aplicado B

0. Consi-

derando que o campo B0 esteja aplica-

do na direção z, no equilíbrio, osvetores dos momentos magnéticos es-tarão distribuídos em dois cones, emtorno dos eixos +z e �z (Figura 8).11

A população dos dois diferentesestados energéticos α e β (respectiva-mente nα e nβ) pode ser obtida a partirda equação de Boltzmann:7

nα/nβ = e∆E/kT

onde k é a constante de Boltzmann e T,a temperatura expressa em escala Kel-vin.

Pode-se deduzir que, à temperatu-ra ambiente, como a diferença de ener-gia ∆∆∆∆∆E é muito menor que kT (∆E <<kT), haverá um pequeno excesso depopulação de spins no estado menosenergético. Assim, para um valor posi-tivo de γγγγγ, haverá um ligeiro excesso depopulação para o estado α, ou seja,para os núcleos que estão alinhadoscom o campo magnético. Esse excesso

de população resulta em uma magne-tização líquida na direção +z, uma vezque no plano xy, a resultante é nula(Figuras 9, 10).

5- O EFEITO DA APLICAÇÃO DE B1

SOBRE A MAGNETIZAÇÃO

Em RMN, a aplicação do campo B1

é feita perpendicular ao campo B0

aplicado (portanto, na direção x ou y).Assumindo que B

1 seja aplicado na

direção x, o campo oscilante nessadireção é equivalente à soma vetorialde dois vetores de igual amplitude,movendo-se em direções opostas noplano xy (Figura 11). A magnitude decada uma dessas componentes corres-ponde à metade do vetor B

1 e somente

uma delas tem efeito no vetor magne-tização. A outra pode, portanto, sernegligenciada.12,13

O campo B1 é aplicado na forma de

um pulso, ou seja, a fonte de r.f.permanece ligada por períodos con-

trolados da ordem de microssegundos(µs) a milissegundos (ms). O pulsoeletromagnético é criado por manipu-lação da fonte de radiação eletromag-nética, ligando-a ou desligando-a, e aduração do pulso (µs a ms) é o tempopara o qual a fonte de radiação seencontra ligada.

No método pulsado, os núcleos sãoexcitados em uma região de freqüênci-as por um ou mais pulsos. Na resso-nância, o campo B

1, aplicado na forma

de um pulso, faz com que algunsnúcleos � que se encontravam emsituação de equilíbrio (magnetizaçãolíquida em z), apenas sob influência deB

0 � absorvam energia e seus momen-

tos magnéticos nucleares passem aprecessar no plano xy (Figura 12).14

Ou seja, o campo B1 altera a direção de

precessão da magnetização, acarretan-do, portanto, uma perturbação do sis-tema, retirando-o do equilíbrio.

A nova componente gerada no pla-no xy pode ser observada com auxíliode um detector no mesmo plano deprecessão. Para isso, a fonte de r.f.deve ser desligada. Quando isto ocor-re, o sistema tende a retornar à situaçãooriginal de equilíbrio. Este retorno éconhecido por processo de relaxação,que faz com que os núcleos percam oexcesso de energia e retornem às suasposições originais de equilíbrio.

O decaimento da magnetização xy� que dá origem ao sinal de RMN � pararetornar à sua posição de equilíbrio éexponencial e dá origem ao chamadosinal FID (Free Induction Decay). Os

Figura 6: Efeito do campo B0

na diferença de energia entreos estados α e β

Figura 7: Precessão nuclear

Figura 8: Cone de precessãonuclear

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56 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 21 - julho/agosto 2001

sinais da FID (Figura 13) são detecta-dos como uma função do tempo, en-contrando-se aí todas as informaçõessobre acoplamento e deslocamentoquímico (fenômenos que serão vistos aseguir) contidos em um espectro deRMN. Como existem vários núcleos emuma amostra, também são originadosvários sinais de FID que se superpõem,de forma que se torna muito difícil aextração das informações desejadas(Figura 14). Para que as informaçõesse tornem acessíveis ao usuário, ou

seja, para que a interpretação do es-pectro seja facilitada, os sinais da FIDsão convertidos para um domínio defreqüências de ressonância, caracterís-ticas de cada núcleo, através de umaoperação matemática chamada trans-formada de Fourier. A transformada deFourier dos diferentes sinais de FID dáorigem ao espectro de RMN comumen-te analisado15 (Figura 15). Em outraspalavras, um espectro de RMN consisteem uma série de ressonâncias em dife-rentes freqüências, denominadas des-locamentos químicos.

6- O DESLOCAMENTO QUÍMICO

Segundo a equação fundamentalda RMN já apresentada (ν = γB

0 /2π),

em um espectro de RMN, todas asabsorções devidas a um mesmo tipo denúcleo deveriam ocorrer a uma mesmafreqüência, uma vez que, segundoessa equação, a freqüência ννννν dependeapenas do campo B

0 aplicado e da

constante giromagnética de cada nú-cleo. O espectro obtido experimental-mente, no entanto, mostra que a situ-ação não é exatamente assim, poden-

do ser observadas diferentes absor-ções a diferentes freqüências (Figura15).

O fator que rege essa diferença defreqüências de absorção é denomina-do blindagem. Esse fenômeno podeser compreendido levando-se em con-ta a vizinhança (núcleos e elétrons) naqual se encontra o núcleo que estásendo objeto de análise.

Cada uma dessas partículas carre-gadas está sujeita à influência de cam-pos magnéticos. Tomando como exem-plo um átomo de hidrogênio em umamolécula, observa-se que, quando elaé submetida a um campo magnético, ocampo induz uma circulação dos elé-trons em torno do hidrogênio, em umplano perpendicular ao campo exter-no. Essa carga circulante gerada é talque o campo magnético gerado (cha-mado induzido) pode se opor ou nãoao campo externo. No primeiro caso,diz-se que os elétrons produzem umefeito de blindagem sobre o hidrogê-nio, no segundo, o efeito é de desblin-dagem desse núcleo (Figura 16). Des-sa forma, o núcleo fica sujeito a umcampo magnético efetivo (B

efet = B

0 -

Binduzido

), e o grau de blindagem oudesblindagem dependerá da densida-de eletrônica próxima dele, ou seja, doambiente químico em que ele se en-contra. Isso justifica diferentes absor-ções para núcleos próximos a átomoseletronegativos, onde a desblindagemé maior, uma vez que átomos eletrone-gativos diminuem a densidade eletrô-nica dos átomos de hidrogênio queestejam em suas vizinhanças. Para oetanol (Figura 15), por exemplo, osátomos de hidrogênio do grupo -CH

2

encontram-se mais próximos do áto-mo de oxigênio do que os do grupo �CH

3. Por isso, a densidade eletrônica

na região próxima ao grupo �CH2 será

menor que na região próxima ao grupo�CH

3, o que torna os primeiros mais

desblindados com relação a esses últi-mos.

Conclui-se, então, que núcleos emdiferentes ambientes químicos apre-sentarão diferentes freqüências de ab-sorção devido a diferentes graus deblindagem ou desblindagem. A dife-rença entre essa freqüência de absor-

Figura 9: Resultante no plano xy

Figura 10: Magnetização líquida

Figura 11: Em vermelho estão mostradas as componentes de B1

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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 21- julho/agosto 2001 57

ção com relação a um determinadonúcleo-referência (chamado padrão) édenominada deslocamento químico.Assim, núcleos quimicamente equiva-lentes (em semelhantes ambientes ele-trônicos) apresentam o mesmo deslo-camento químico. No etanol, todos ostrês núcleos de hidrogênio do grupo �CH

3 apresentam o mesmo desloca-

mento químico, ocorrendo a mesmacoisa com os dois núcleos de hidrogê-nio do grupo �CH

2.

Os valores de deslocamento quími-co em unidades de freqüência sãovalores muito próximos. Por isso, émuito usual a chamada escala delta (δδδδδ),dada pela relação:

δ = νamostra

x 106 / νespectrômetro

onde νννννamostra

é dada em Hertz e νννννespectrô-

metro em MHz. A escala δδδδδ é, portanto,

adimensional com valores expressosem ppm. Os núcleos mais blindadosapresentam valores de δδδδδ menores, en-quanto os mais desblindados apresen-tam valores de δ δ δ δ δ maiores. No espectrode RMN de hidrogênio (RMN-1H) doetanol (Figura 15), podem ser obser-vados dois valores de deslocamentoquímico: um primeiro, próximo a 1ppm, mais blindado em relação aosegundo, próximo a 3,5 ppm. Como os

núcleos de hidrogênio da �CH3 são

mais blindados que os do -CH2, os

primeiros absorvem a 1 ppm e essesúltimos a 3,5 ppm.

7- ACOPLAMENTO SPIN-SPIN

Observando-se um espectro deRMN, pode-se ver que os sinais origi-nados das absorções nem sempre apa-recem como picos únicos ou singletos,mas podem aparecer também comodupletos, tripletos, quartetos etc. (Fi-gura 15), o que está relacionado como que se chama acoplamento spin-spin. Esse fenômeno é originado quan-do núcleos em diferentes ambienteseletrônicos estão próximos entre si(normalmente o efeito é observado ematé três ligações, exceto quando existi-rem duplas ou triplas ligações).

Basicamente, existem dois tipos deacoplamento spin-spin: o acoplamen-to homonuclear, quando o acopla-mento ocorre entre o mesmo tipo denúcleos, como, por exemplo, quandohidrogênios em diferentes ambientesquímicos acoplam entre si, e o acopla-mento heteronuclear, que ocorre entrenúcleos diferentes, como, por exem-

plo, entre hidrogênio e carbono.Por meio da Mecânica Quântica,7

sabe-se que o desdobramento de umsinal de singleto para dupleto, tripleto,etc. (chamado de multiplicidade) podeser dado pela relação 2nI+1, onde n éo número de núcleos vizinhos emdiferentes ambientes químicos e I é onúmero de spin do núcleo que estásendo analisado. Para núcleos comspin I = ½ , a multiplicidade será dadasimplesmente por (n+1).

Assim, no espectro de hidrogêniodo etanol (Figura 15), desprezando-se o hidrogênio do grupo �OH, devidoao processo de troca química, (nãoabordado aqui), serão observados doissinais devidos a acoplamento homo-nuclear: um relativo aos hidrogêniosda metila e outro aos hidrogênios dogrupo �CH

2, uma vez que se encon-

tram em diferentes ambientes eletrôni-cos e que, portanto, apresentarão dife-rentes deslocamentos químicos. Essessinais, entretanto, não aparecem comosingletos (Figura 15). A multiplicida-de é dada por (n+1): os três hidrogê-nios da metila têm dois vizinhos (osdois hidrogênios do grupo �CH

2); logo,

o seu sinal aparecerá no espectro comoum tripleto (2 + 1 = 3), observado emtorno de 1 ppm. Analogamente, os doishidrogênios do grupo �CH

2 têm como

vizinhos os três hidrogênios da metilae seu sinal será um quarteto (3 + 1 = 4),cuja absorção é obervada em torno de3,5 ppm.

A intensidade dos picos de ummultipleto não é a mesma. Ela estáassociada ao número de transiçõesnaquela determinada freqüência decada um dos picos observados. Paranúcleos com I = ½, a intensidade dospicos do multipleto pode ser obtida apartir do triângulo de Pascal (Figura17), dispensando o cálculo dos núme-ros de transições associadas a cada umdos picos. Assim, para um dupleto, porexemplo, a intensidade dos sinais seráde 1:1; para um tripleto, de 1:2:1; paraum quarteto, de 1:3:3:1; e assim pordiante, segundo os valores expressosno triângulo de Pascal.

A distância entre cada um dos picosde um multipleto é chamada de cons-tante de acoplamento J (Figura 18), e

Figura 12: Influência de B1 na magnetização líquida

Figura 13: Decaimento exponen-cial do sinal de RMN

Figura 14: FID do etanol

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indica o quanto um acoplamento entrenúcleos é efetivo: uma maior constantede acoplamento significa um acopla-mento mais efetivo.

Além disso, a constante de acopla-mento também pode servir para iden-tificar diferentes acoplamentos no es-pectro. Essa identificação é facilitadatendo-se em conta que, se um núcleoA acopla-se a um núcleo B com umaconstante de acoplamento J

AB, a cons-

tante de acoplamento de B com A (JBA

)deve ser igual a J

AB (J

AB = J

BA). Tabelas

contendo diferentes valores de cons-tantes de acoplamento para diferentesgrupos funcionais e moléculas podemser encontradas na Literatura,7-10 o quefacilita a interpretação dos sinais emum espectro de RMN de uma maneirainequívoca. Os valores das constantesde acoplamento J são dados em unida-des de freqüência (Hz) e são chamadas1J, 2J, 3J,�, nJ, dependendo do númerode ligações existentes entre os núcleosque acoplam (1, 2, 3, �, n ligações,respectivamente).

A RESSONÂNCIA MAGNÉTICANUCLEAR EM DUAS

DIMENSÕES

Nas últimas quatro décadas, a rea-lização de experimentos de RMN emvárias dimensões elevou sobremaneiraa capacidade de resolução dessa técni-ca, ampliando, conseqüentemente, osseus horizontes de aplicação. A RMNem duas dimensões (RMN-2D) foi pro-posta em 1971,16 e hoje representa uma

poderosa técnica para a elucidaçãoestrutural de moléculas orgânicas, inor-gânicas e principalmente de biomolé-culas. Essas moléculas apresentavamespectros de difícil interpretação devi-do, principalmente, à superposição desinais ao longo de toda a faixa espectrale/ou em uma dada região de freqüên-cia17 (Figura 19). A RMN-2D possibili-tou a interpretação dos espectros des-sas moléculas, antes dificilmente iden-tificadas pelos métodos em uma di-mensão.

Para entender as razões disso e oque é um espectro de RMN em duasdimensões, assim como o seu proces-samento, é necessário compreenderconceitos como tempo de preparação,

tempo de evolução e tempo de detec-ção.

Tempo de preparação é o períododurante o qual um sistema de spins épreparado para atingir o equilíbrio tér-mico. Esse tempo pode incluir a aplica-ção de um ou mais pulsos ou, simples-mente, ser um período t ≠ 0; pode atémesmo nem existir, dependendo doexperimento que está sendo realizado.O importante é que o sistema de spinsse encontre em equilíbrio antes que oexperimento seja iniciado.

O tempo de evolução (chamado t1)

constitui o experimento de RMN pro-priamente dito, durante o qual o siste-ma de spins evolui fora da situação deequilíbrio pela aplicação de um oumais pulsos, dependendo da informa-ção que se deseja obter. O tempo dedetecção (ou tempo de aquisição, cha-mado t

2) é o período durante o qual se

adquire o sinal do FID.Um experimento unidimensional

pode apresentar esses três tempos (Fi-gura 20). O tempo de evolução (t

1) é

fixo e o sinal recebido é apenas funçãodo tempo de detecção (t

2), que é

variável. Em um experimento conven-cional em uma dimensão, o tempo deevolução t

1 é zero e a detecção é

realizada imediatamente após o pulsode radiofreqüência (Figura 21). Osspins sofrem ação do campo B

1 e o

resultado é, então, detectado. O sinal

Figura 15: Espectro de hidrogênio do etanol

Figura 16: Blindagem e desblindagem de um núcleo

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Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 21- julho/agosto 2001 59

detectado no domínio temporal (FID)é transformado para o domínio dasfreqüências mediante a transformadade Fourier e o espectro resultante é um�gráfico� de amplitude x freqüência,chamado unidimensional porque ape-nas um dos eixos corresponde a fre-qüências de absorção (Figura 15).

Em um experimento bidimensio-nal, é válido o mesmo diagrama tem-poral (Figura 20). A principal diferen-ça é que existem obrigatoriamente doisperíodos variáveis: o tempo de evolu-ção (t

1, que em um experimento 1D

pode ser zero) e o tempo de aquisição(t

2). Fazendo-se uma série de experi-

mentos nos quais variem progressiva-mente os valores do tempo de evolu-ção, desde zero até t

1, tem-se duas

variações no domínio temporal: umadevida a t

1 e outra devida a t

2. Se uma

série de FIDs for detectada a partirdesses experimentos nos quais se vari-am os valores de t

1, a transformada de

Fourier ao longo de t2 dessas diferentes

FIDs fornecerá uma série de espectros1D. Se uma outra transformada deFourier for realizada ao longo de t

1,

então poderemos obter um espectrobidimensional, com sinais observados

ao longo de duas dimensões, F1 e F

2.18

Dessa forma, informações comple-xas, que antes apareciam em apenasuma dimensão (por exemplo, hidrogê-nios em ambientes químicos seme-lhantes que apresentam deslocamen-tos químicos muito próximos, o quepode levar à superposição de sinais),aparecem agora em duas dimensões,facilitando a interpretação do espectropara determinação da estrutura mole-cular.

O espectro bidimensional resultan-te pode ser representado de duas for-mas: o gráfico superposto (stacked),que mostra o espectro em três dimen-sões (F

1, F

2 e intensidade); e o gráfico

de contorno, que representa um cortehorizontal do gráfico stacked. Essecorte é selecionado pelo próprio usu-ário de acordo com a intensidade quese deseja obter. O corte leva a umgráfico bidimensional F

1 x F

2 (Figuras

22, 23).Embora o gráfico stacked seja mais

fácil de ser visualizado, é, entretanto,mais difícil de ser analisado, uma vezque interpretação em três dimensõesse torna mais complexa. Por isso, umcorte transversal que gera um gráfico

Figura 17: Triângulode Pascal mostrando aintensidade relativa dospicos para diferentesvalores de multiplicida-de (n+1): para umtripleto, n=2; para umquarteto, n=3; e assimpor diante.

Figura 18: Constante de Acoplamento (J)

de contornos (Figuras 22, 23) émuito mais utilizado, já que com elese obtém um diagrama bastante cla-ro, constituído por linhas de contor-no que são bem mais convenientesde ser analisadas.

Existem hoje diferentes tipos deexperimentos em RMN multidimen-sional (2D e 3D) que utilizam dife-rentes recursos tanto em termos desoftware como de hardware.13

Experimentos menos recentestambém continuam sendo muito uti-lizados para elucidação estrutural.Os experimentos COSY (CorrelatedSpectroscopY) e HETCOR (HETero-nuclear CORrelation) são exemplosdisso. O espectro COSY fornece cor-relações para o mesmo núcleo (porexemplo, 1H com 1H, Figura 22). Oespectro de 1H aparece ao longo dadiagonal. Os pontos fora dessa dia-gonal representam correlações entrehidrogênios não-equivalentes e sãodenominados �cross-peaks�.

Os cross-peaks, como mostra aFigura 22, devem, obrigatoriamen-te, formar um triângulo retângulocom relação aos picos correspon-dentes na diagonal, em razão dasimetria do espectro, dado de grandeimportância na interpretação do es-pectro, pois é uma garantia de que ospicos realmente estão acoplando.Caso não seja formado um triânguloretângulo, pode-se garantir que ospicos em análise não estão acoplan-do. Além disso, o experimento COSYapresenta também a vantagem deobter os valores das contantes deacoplamento J em unidades de fre-qüência Hz, o que representa maisuma garantia do acoplamento entreos picos que estão sendo analisados.

No caso do espectro obtido peloexperimento HETCOR (Figura 23),o espectro não aparece na diagonal.Em uma dimensão, aparece o espec-tro do hidrogênio, por exemplo, en-quanto em outra dimensão apareceo espectro do outro núcleo (no casodo espectro da Figura 23, o outronúcleo é o de carbono-13). O espec-tro bidimensional mostra as correla-ções existentes entre os dois núcleoscomo em um gráfico do tipo xy.

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CONCLUSÃO

Apesar de relativamente recente, aRessonância Magnética Nuclear já éreferência mundial para a análise deestruturas moleculares em diversas áreasdo conhecimento. Na Bioquímica mo-derna, essa técnica permitiu, de formainédita, a investigação de estruturastridimensionais de biomoléculas emcondições próximas do estado fisioló-gico (soluções aquosas). Tal fato pos-

sibilitou um considerável avanço nosestudos de dinâmica molecular que,antes da RMN, limitavam-se quase queexclusivamente a dados cristalográfi-cos. Mesmo com todo o avanço tecno-lógico registrado ultimamente nessecampo, a determinação da estruturatridimensional de uma biomoléculaainda não pode ser considerada umatarefa trivial. As limitações e peculiari-dades dessa técnica, bem como a gi-gantesca demanda imposta pelos vári-

os projetos genomas concluídos nestecomeço de século, além daqueles queainda estão por vir, indicam as dimen-sões do trabalho que se tem pelafrente.

De fato, vários grupos de pesquisatêm-se unido em consórcios (The Rese-arch Collaboratory for Structural Bio-informatics, http://www.rcsb.org/index.html), assim como empresas debiotecnologia (Celera Genomics; http://www.celera.com/), para atacar de for-

Figura 19: Espectro de RMN-2D de uma proteína (Bloch Jr. C., et al. 1998)

Figura 20: Tempospossíveis em um experi-mento de RMN

Figura 21: Experimento de RMN em uma dimensão

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ma mais eficiente a etapa consideradamais fascinante e desafiadora dessesvários projetos, que é a determinaçãodas estruturas tridimensionais de todasas proteínas sintetizadas por um dadoser vivo, ao longo de todas as etapasmetabólicas de seu desenvolvimento.

É possível que os próximos anostestemunhem iniciativas ousadas, aexemplo do projeto genoma humano,na área de determinação estrutural deproteínas, nos quais, tanto a cristolo-grafia de raio-X quanto a RMN multidi-mensional deverão ocupar papéis de-

cisivos na obtenção de estruturas 3Dem larga escala. Espera-se que o pre-sente artigo possa dar uma contribui-ção, por menor que seja, nessa direçãoa partir da difusão dos fundamentosaqui apresentados e como introduçãoa uma próxima publicação dedicadaexclusimente à RMN de proteínas.

AGRADECIMENTOS

Ao Professor José Daniel FigueroaVillar pelos espectros do etanol gentil-mente fornecidos e a Rodrigo A.V.

Figura 22: Espectro COSY do etanol

Morales, pelos elaboração e arte devárias figuras apresentadas neste artigo.

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Figura 23: Espectro HETCOR do etanol