Artigo - rae.fgv.br · O início da década de 70 parecia anunciar o fim do "milagre" japonês....

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Artigo 1. Política industrial no Japão; 2. O papel do MUi (Ministry of International Trade and Industry) na política econômica e industrial do Japão; 3. A evolução da automação industrial no Japão; 4. O sistema japonês de administração na encruzilhada. Política industrial no Japão: tendências e perspectivas Henrique Rattner Professor na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo; ex-professor no Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da EAESP / FG V. 1. POLfTICA INDUSTRIAL NO JAPÃO Após a 11Guerra, os esforços do governo japonês con- centraram-se na reconstrução da economia do país, to- talmente arrasada pelos bombardeios norte-america- nos. Foram declarados prioritários os quatro setores in- dustriais que historicamente constituíam a espinha dor- sal da indústria japonesa - a siderurgia, o carvão, a construção naval e·a geração de energia - e que deviam receber as matérias-primas e recursos financeiros para seu desenvolvimento. Para agilizar a reconstrução, o governo japonês criou o Instituto Financeiro de Reconversão, a fim de apoiar o sistema "prioritário" de produção, com a incumbên- cia de prover fundos às empresas privadas visando o rei- nício da produção industrial. Ao mesmo tempo, foram implantadas políticas visando o controle da inflação, a modernização das plantas e equipamentos industriais e o fomento das exportações. As empresas exportado- ras foram contempladas com isenções tributárias e di- versos programas creditícios, para facilitar a aquisição de bens de capital. O capital estrangeiro, sob forma de empréstimos e investimentos diretós, patentes e licen- ças industriais e transferência de tecnologia, contribuiu também para a modernização da indústria japonesa. Para estimular as exportações de produtos manufa- turados, foram implantados escritórios de informação comercial no exterior, para assessorar as empresas ja- ponesas na colocação de seus produtos nos mercados externos e, eventualmente, ajudar as empresas estran- geiras nas compras e negociações, no mercado japonês. Uma série de acontecimentos externos contribuiu favo- raveÍmente para o desenvolvimento da economia japo- nesa: a Guerra na Coréia (1950-53), a admissão do Ja- pão no Fundo Monetário Internacional e no Gatt (Acor- do Geral sobre Tarifas e Comércio) e, sobretudo, a Guerra do Vietnã (:1963-73),durante a qual uma gran- de parcela dos produtos consumidos pelas tropas nor- te-americanas foi fabricada no Japão, impulsionaram o crescimento industrial e econõmico, de forma prati- camente ininterrupta durante duas décadas. O período dos "milagres" começou em 1950, quan- do as tropas norte-americanas lutando na Coréia com- praram materiais e equipamentos no valor (atualizado) de US$1Obilhões. O ingresso de divisas foi fundamen- tal para a importação de máquinas e bens de capital para a indústria automobilística e outros. A década de 50 foi marcada pelo Jimmu boom, assim denominado pelos meios de comunicação japonesa em recordação à pros- peridade do reino do Imperador Jimmu, por volta do ano 660. O início da década de 60 trouxe o Iwato boom, ou tempos felizes nunca mais experimentados desde o período mitológico remoto, quando a deusa do sol Amatarasu Omikami foi despertada de sua reclusão nas cavernas de Iwata. O plano do governo Ikeda (1960-64), proclamando como meta a duplicação da renda per ca- pita em 10anos (de fato cumprida em apenas sete anos), induziu a expansão dos investimentos públicos e priva- dos, à razão de 25070ao ano, resultando em uma taxa média de crescimento do PIB de 13% a.a. e trazendo o Izanami boom (1967-69), referido a um passado ainda mais mitológico, quando a deusa Izanami, em ato de procriação com seu irmão, deu à luz as ilhas nipônicas. Durante todas essas fases de prosperidade, o fator principal de crescimento não foram as exportações, mas sim os investimentos. De 1950até 1970, os investimen- tos privados anuais cresceram em mais de 10vezes, fi- nanciados por uma poupança privada que alcançou 25% da renda disponível em 1974. Mesmo as crises de petróleo de 1973e 1978não conseguiram diminuir o rit- mo da poupança privada dos japoneses, estimada, em 1986, em 10milhões de ienes por família (entre US$40 mil e US$50 mil, dependendo da taxa de conversão uti- lizada). Durante esses sucessivos períodos, além do reergui- mento das indústrias pesada e química, foram destina- dos recursos de vulto para o desenvolvimento da in- fra-estrutura - estradas, ferrovias, portos, água, ener- gia, identificados como pontos de estrangulamento do processo de crescimento. Junto com a expansão e a mo- dernização da rede de transportes, procedeu-se a uma relocação e descentralização dos estabelecimentos in- dustriais e à implantação de um programa de constru- ções habitacionais, visando uma melhora efetiva do pa- drão de vida da população japonesa. De fato, na déca- da de 1960-70, o aumento da renda per capita superou as metas do governo, alcançando 10,9% ao ano, em vez de 7,2% do plano. É interessante notar a complementariedade dos ob- roivos do Plano, combinando metas econômicas, so- Ilev. Adm. Empr. Rio de Janeiro, 27 (1): 11-24 jan./mar.1987

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Artigo1. Política industrial no Japão;

2. O papel do MUi (Ministry of International Tradeand Industry) na política econômica e industrial do

Japão;3. A evolução da automação industrial no Japão;

4. O sistema japonês de administração naencruzilhada.

Política industrial noJapão: tendências e

perspectivas

Henrique RattnerProfessor na Faculdade de Economia e Administração da

Universidade de São Paulo; ex-professor no Departamento deFundamentos Sociais e Jurídicos da EAESP /FG V.

1. POLfTICA INDUSTRIAL NO JAPÃO

Após a 11Guerra, os esforços do governo japonês con-centraram-se na reconstrução da economia do país, to-talmente arrasada pelos bombardeios norte-america-nos. Foram declarados prioritários os quatro setores in-dustriais que historicamente constituíam a espinha dor-sal da indústria japonesa - a siderurgia, o carvão, aconstrução naval e·ageração de energia - e que deviamreceber as matérias-primas e recursos financeiros paraseu desenvolvimento.

Para agilizar a reconstrução, o governo japonês criouo Instituto Financeiro de Reconversão, a fim de apoiaro sistema "prioritário" de produção, com a incumbên-cia de prover fundos às empresas privadas visando o rei-nício da produção industrial. Ao mesmo tempo, foramimplantadas políticas visando o controle da inflação, amodernização das plantas e equipamentos industriaise o fomento das exportações. As empresas exportado-ras foram contempladas com isenções tributárias e di-versos programas creditícios, para facilitar a aquisiçãode bens de capital. O capital estrangeiro, sob forma deempréstimos e investimentos diretós, patentes e licen-ças industriais e transferência de tecnologia, contribuiutambém para a modernização da indústria japonesa.

Para estimular as exportações de produtos manufa-turados, foram implantados escritórios de informaçãocomercial no exterior, para assessorar as empresas ja-ponesas na colocação de seus produtos nos mercados

externos e, eventualmente, ajudar as empresas estran-geiras nas compras e negociações, no mercado japonês.Uma série de acontecimentos externos contribuiu favo-raveÍmente para o desenvolvimento da economia japo-nesa: a Guerra na Coréia (1950-53), a admissão do Ja-pão no Fundo Monetário Internacional e no Gatt (Acor-do Geral sobre Tarifas e Comércio) e, sobretudo, aGuerra do Vietnã (:1963-73),durante a qual uma gran-de parcela dos produtos consumidos pelas tropas nor-te-americanas foi fabricada no Japão, impulsionaramo crescimento industrial e econõmico, de forma prati-camente ininterrupta durante duas décadas.

O período dos "milagres" começou em 1950, quan-do as tropas norte-americanas lutando na Coréia com-praram materiais e equipamentos no valor (atualizado)de US$1Obilhões. O ingresso de divisas foi fundamen-tal para a importação de máquinas e bens de capital paraa indústria automobilística e outros. A década de 50 foimarcada pelo Jimmu boom, assim denominado pelosmeios de comunicação japonesa em recordação à pros-peridade do reino do Imperador Jimmu, por volta do ano660. O início da década de 60 trouxe o Iwato boom,ou tempos felizes nunca mais experimentados desde operíodo mitológico remoto, quando a deusa do solAmatarasu Omikami foi despertada de sua reclusão nascavernas de Iwata. O plano do governo Ikeda (1960-64),proclamando como meta a duplicação da renda per ca-pita em 10anos (de fato cumprida em apenas sete anos),induziu a expansão dos investimentos públicos e priva-dos, à razão de 25070ao ano, resultando em uma taxamédia de crescimento do PIB de 13% a.a. e trazendo oIzanami boom (1967-69), referido a um passado aindamais mitológico, quando a deusa Izanami, em ato deprocriação com seu irmão, deu à luz as ilhas nipônicas.

Durante todas essas fases de prosperidade, o fatorprincipal de crescimento não foram as exportações, massim os investimentos. De 1950até 1970, os investimen-tos privados anuais cresceram em mais de 10vezes, fi-nanciados por uma poupança privada que alcançou25% da renda disponível em 1974. Mesmo as crises depetróleo de 1973e 1978não conseguiram diminuir o rit-mo da poupança privada dos japoneses, estimada, em1986, em 10milhões de ienes por família (entre US$40mil eUS$50 mil, dependendo da taxa de conversão uti-lizada).

Durante esses sucessivos períodos, além do reergui-mento das indústrias pesada e química, foram destina-dos recursos de vulto para o desenvolvimento da in-fra-estrutura - estradas, ferrovias, portos, água, ener-gia, identificados como pontos de estrangulamento doprocesso de crescimento. Junto com a expansão e a mo-dernização da rede de transportes, procedeu-se a umarelocação e descentralização dos estabelecimentos in-dustriais e à implantação de um programa de constru-ções habitacionais, visando uma melhora efetiva do pa-drão de vida da população japonesa. De fato, na déca-da de 1960-70, o aumento da renda per capita superouas metas do governo, alcançando 10,9% ao ano, em vezde 7,2% do plano.

É interessante notar a complementariedade dos ob-roivos do Plano, combinando metas econômicas, so-

Ilev. Adm. Empr. Rio de Janeiro, 27 (1): 11-24 jan./mar.1987

ciais e políticas, tais como estas, fornecidas pela Eco-nomic Planning Agency of Japan:

• o desenvolvimento do capital social;• a integração da estrutura industrial;• a promoção do comércio e da cooperação internacio-nal;• o fomento ao desenvolvimento científico e tecnoló-gico;• a diminuição das disparidades entre grandes e peque-nas empresas;• a consecução da estabilidade social e política.

Enquanto orientava as empresas industriais, fixan-do metas a longo prazo, o governo japonês procurouevitar qualquer ingerência na atividade privada, permi-tindo, assim, que empresas e setores industriais formu-lassem suas próprias diretrizes de crescimento.

O início da década de 70 parecia anunciar o fim do"milagre" japonês. Primeiro, a desvalorização do dé-lar em 1971 e, posteriormente, o "choque" do petróleoafetaram profundamente os rumos da economia nipô-nica. Diante das pressões dos parceiros comerciais (mor-mente os EUA), para reduzir e controlar a política deexportação agressiva, passou-se à promoção de impor-tações e à liberalização de movimentos de capital de ris-co, enquanto internamente, identificando os limites deexpansão das indústrias pesada e química, a ênfase foideslocada para a promoção e o desenvolvimento de ra-mos P&D intensivos.

Tabela 1Distribuição da força de trabalho

japonesa, 195~85

Ano Setor Setor Setor Totalprimário secundário terciário (%)

1950 48,3 21,9 29,8 100,01960 32,6 29,2 38,2 100,01970 19,3 33,9 46,8 100,01985 8,6 34,0 57,4 100,0

Fonte: Bank of Japan. Comparative IntemlltioruzlStatisttes: 1985.

Posta em prática desde o início da década de 80, a no-va política industrial procura dar o máximo de apoio aodesenvolvimento tecnológico nacional, visando estimu-lar a criatividade industrial, elevar o valor agregado natransformação industrial e, ao mesmo tempo, difundirinformações relevantes para conservar recursos energé-ticos, adquirir especialização industrial a nível interna-cionale para atender as necessidades básicas da popu-lação, crescentemente concentrada em áreas e ativida-des urbanas, conforme a tabela 1.

2. OPAPEL DO MITI (MINISTRY OFINTERNATIONAL TRADE AND INDUSTRY)NA POLfTICA ECON6MICA E INDUSTRIALDO JAPÃO

Criado em 1949, a partir da Junta de Comércio, o ór-gão intermediador entre o comando supremo das for-

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ças de 9Cupaçlo norte-americanas e o governo japonas,o Miti passou a exercer as funções de planificação, for-mulação e implantação das políticas industriais do J a-pão. Entre essas funções convém destacar:

• A realização de estudos prospectivos sobre o desen-volvimento e as mudanças necessárias, na estrutura in-dustrial japonesa. De acordo com esses estudos, são fi-xadas as metas a serem alcançadas pelo setor privado,para que seja mantida a competitividade dos produtosjaponeses, nos mercados internacionais.

• Elaborar políticas e diretrizes para que aqueles seto-res considerados estratégicos possam obter os recursosfinanceiros dos bancos estatais e semi-estatais, para seudesenvolvimento. Essas políticas são elaboradas em es-treita colaboração com o Ministério de Finanças, queorienta os bancos privados na concessão de crédito àsindústrias, de acordo com suas normas.

• Embora considere o desenvolvimento tecnológico ta-refa precípua do setor privado, as novas indústrias e tec-nologias (microeletrônica, informática, automação in-dustrial, biotecnologia, novos materiais etc.) recebemapoio governamental; porque:- requerem longos períodos de pesquisa e desenvolvi-mento;- exigem investimentos de grande vulto;- constituem prioridades, no plano nacional de desen-volvimento;- necessitam da coordenação do governo, por exigi-rem a colaboração de diversas empresas, normalmenteconcorrentes em um mesmo mercado.

• Constitui incumbência do Miti selecionar as indústriasa serem desenvolvidas pelo Japão e, logo, elaborar asdiretrizes e políticas para apoiá-las. Essas medidas po-dem ser sintetizadas na proteção de concorrência estran-geira a indústrias nascentes e nos estímulos e incentivospara que alcancem a capacidade competitiva com seusprodutos, no mercado internacional, o mais rápido pos-sível.

O controle de câmbio e de divisas estrangeiras, tari-fas sobre produtos importados e o controle das impor-tações e dos investimentos estrangeiros constituem al-guns dos instrumentos de proteção às indústrias japo-nesas, aos quais se acrescentam, desde 1980, o apoio fi-nanceiro e as isenções fiscais-tributárias. Devem-se men-cionar, também, as barreiras "invisíveis" ou não-tari-fárias, representadas pelos critérios extremamente rigo-rosos de qualidade e de conformidade com as normastécnicas japonesas, bem como a inclinação e preferên-cia dos consumidores japoneses por produtos de origeme marcas nacionais.

• Além de promover as "indústrias do futuro" , oMitidesempenha papel decisivo na formulação das políticasindustriais nas chamadas "indústrias recessivas", taiscomo a têxtil, a de construção naval, a petroquímica eo alumínio, incentivando-as a diversificar suas ativida-des mediante a inovação de produtos. Assim, algumasempresas têxteis começam a produzir circuitos integra-dos, empresas petroquímicas entram na área de biotec-nologia eprodutores de relógios desenvolvem novos ti-

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pos de diafragma para câmaras fotográficas efloppydisk-drives. O Miti atua também como coordenador deprojetos de pesquisa e desenvolvimento realizados coma participação do governo e do setor privado, tais co-mo os de automação industrial, optoeletrônica e o pro-jeto nacional de computadores super-rápidos.! Um dosprojetos coordenados pelo Miti e que chamou a aten-ção dos observadores internacionais refere-se aos com-putadores da "quinta geração", de "inteligência" su-perior aos que atualmente estão em uso. A "quinta ge-ração" deve ter capacidade de simular processos dedu-tivos, receber ordens em língua natural, entendendo pa-lavras que não estão armazenadas em sua memória etc.

Dividido em três etapas, o projeto "quinta geração"realizou, na primeira (1982-84), a pesquisa e o desen-volvimento dos elementos tecnológicos básicos para aconstrução do sistema, tendo sido os resultados positi-vos divulgados em um congresso, em Tóquio, em finsde 1984.

Na segunda etapa (1985-88) estão sendo desenvolvi-dos os algoritmos e as arquiteturas básicas para os sub-sistemas e os modelos de pequena e média escalas.

Na etapa final (1989-91) será construído o protóti-po de um sistema "quinta geração" , integrando todosos resultados dos trabalhos anteriores.

Esse projeto teve repercussões nos países do merca-do comum europeu e nos EUA. Assim o governo britâ-nico lançou o projeto Alvey; a CEE está implantandoo projeto Esprit; o governo francês prossegue com oprojeto Eureka; e, nos EUA, tanto as empresas priva-das quanto o Departamento de Defesa estão desenvol-vendo projetos de inteligência artificial.

• Outros projetos de destaque, com profundas impli-cações para o futuro do setor, estão sendo financiadospelo Miti2 para ajudar um grupo de empresas de fia-ção, tecelagem, costura e eletrônica a desenvolver umsistema automatizado de costura, até 1990, integrandoCAD/CAM e robôs na indústria de confecções. Fazparte do projeto uma linha de montagem que deve re-duzir o tempo da entrega, desde a encomenda, de me-ses para alguns dias. O desenho dos modelos far-se-á pormeio de CAD, o corte com raio laser e a costura commáquinas eletrônicas, eliminando as perdas de materiale o tempo morto entre uma operação e outra.

Essa tecnologia deve restaurar a liderança do setoràs empresas japonesas, ultimamente pressionadas pe-lo produtos mais baratos dos países do sudeste asiáti-co.

Embora resulte em eliminação de empregos, os sin-dicatos dos trabalhadores da indústria têxtil, ainda quereticentes, têm concordado com a introdução das no-vas tecnologias.3

Novamente, a incursão dos laboratórios japonesesde pesquisa no setor têxtil encontra paralelos nos EUA,onde empresas privadas estão desenvolvendo sistemasde confecçõe8robotizados, e na CEE, que contratou umprojeto semelhante.

Ainda em sua fase de desenvolvimento experimen-taI, os principais problemas do projeto parecem concen-trar-se na área de software, ou seja, de programas ca-pazes de interligar todos os equipamentos e operaçõesem um sistema integrado.

• Outra função importante do Miti se situa nas nego-ciações com as empresas privadas, a fim de obter seuconsenso em ações orientadas para a implantação de di-retrizes da polftica econômica. Como exemplo, pode-mos citar a solicitação às empresas para que reduzam"voluntariamente" as exportações de determinadosprodutos (automóveis, vídeos etc.). Outro exemplo maisrecente constitui a solicitação do Miti às empresas líde-res para que aumentem suas importações, a fim de di-minuir os conflitos com os parceiros comerciais do Ja-pão, afligidos por elevados déficits comerciais.

O Miti conta, para o exercício de suas funções, alémde seus funcionários permanentes e institutos filiadosde estudos e pesquisas, com um corpo de consultores,do qual fazem parte representantes da indústria, das fi-nanças, acadêmicos, jornalistas e consumidores. O gru-po mais destacado de consultores encontra-se no Indus-trial Structure Council (ISC), que pesquisa e recomen-da, por iniciativa própria ou por solicitação do Miti,ações referentes às polfticas industriais básicas a longoprazo.

2.1 O Miti e as empresas

Logo após o fim da 11 Guerra Mundial, o governo ja-ponês procedeu à reconstrução da economia nacionale, em particular, daquelas indústrias capazes de com-petir com seus produtos nos mercados externos. tais co-mo as de produtos químicos, aço e eletrônica. Foramelaboradas polfticas e diretrizes visando motivar as em-presas a diversificar e desenvolver as linhas de produ-tos, cujo sucesso dependia da competitividade nos mer-cados interno e externo. O baixo custo dos produtos ja-poneses - transistores, máquinas fotográficas, rádiose outros -levaram empresas norte-americanas e euro-péias a subcontratar a produção de determinados pro-dutos, posteriormente comercializados com suas pró-prias marcas. A baixa qualidade inibiu, contudo, o de-senvolvimento mais rápido da produção, o que levouas indústrias a procurarem consultoria e tecnologia noexterior. O próprio Miti incentivava as empresas a im-portar tecnologia, embora controlasse as condições con-tratuais, para não causar prejuízo às políticas industriaisdo governo, nem à autonomia e à capacidade de inova-ção das firmas. Para obter licenças de importação de tec-nologia, as empresas deveriam apresentar ao Miti estu-dos detalhados da capacidade de produção estimada edos planos de comercialização. Com base nessas infor-mações, procurou-se regulamentar ou evitar importa-ções indiscriminadas e controlar, ainda que oficiosa-mente, as empresas e os investimentos em cada setor.

Através do Miti, o governo limitou o número de com-panhias desejosas de entrar em determinados segmen-tos tecnológicos, procurando evitar a concorrência in-terna excessiva, pelo menos até que as firmas pioneirastivessem conseguido economias de escala suficientes pa-ra tornar seus produtos competitivos.

Durante esse processo de seleção de tecnologias es-trangeiras e de apoio às indústrias renascentes, oMititomou cuidado para manter um certo equilíbrio: apro-var os pedidos de importação de determinada tecnolo-gia para várias empresas, a fim de evitar a formação demonopólios. As empresas estrangeiras normalmente

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não foram autorizadas a estabelecer subsidiárias no Ja-pão, por receio de que monopolizassem o mercado lo-cal, a não ser em casos especiais em que se exigia a trans-ferência de tecnologia às empresas japonesas.s

Iniciada a produção local de um certo produto, foilimitada a importação de 'Similares capazes de compe-tir com o nacional. Assim se assegurava o abastecimentodo mercado interno, atual e futuro, com produtos daindústria nacional. No caso dos computadores, quan-do as firmas japonesas ainda não estavam aptas a con-correr com similares dos outros países, no começo dadécada de 60, o governo japonês impôs restrições às im-portações, a fim de proteger as empresas nacionais, emparticular da pressão da IBM. Cada caso particular deimportação de computadores requeria licença especialdo Miti, concedida ou não de acordo com o enquadra-mento da solicitação nas normas e diretrizes governa-mentais.

As empresas interessadas na introdução de determi-nadas tecnologias estrangeiras poderiam conquistaruma fatia importante do mercado e, com isto, conse-guir uma situação econômico-financeira favorável que'lhes permitisse continuar o processo de inovação e in-corporação de tecnologias.

As empresas japonesas responderam de forma efi-ciente às políticas e diretrizes tecnológicas do governo,pois, no fim da década de 70, o registro de patentes in-dustriais no Japão era três vezes maior que o da Repú-blica Federal da Alemanha, embora os gastos das em-presas alemãs com P&D, em percentagem de suas ven-das, fossem bem superiores.

As políticas tributárias tiveram também um papel im-portante no desenvolvimento da indústria. Por exem-plo, no caso da eletrônica, quando começava a fabri-cação de televisores em cores, foram reduzidos os im-postos sobre os aparelhos que incorporavam circuitosintegrados, procurando, assim, incentivar o uso de se-micondutores e reduzir o custo de sua fabricação. Re-duzindo os custos e, conseqüentemente, os preços, es-timulou-se a demanda, fato que repercutiu entre os fa-bricantes, visando inovar as tecnologias de produção eo desenho dos produtos finais. A diminuição do númerode peças e do tempo necessário para a montagem finaldos aparelhos! foi conseguida com uma série de inova-ções tecnológicas cujo resultado foi também uma me-lhoria da qualidade dos produtos.

O clima de concorrência agressiva causou tambémsuas vítimas: empresas que não conseguiram' 'sobrevi-ver" foram absorvidas pelas mais dinâmicas ou encer-raram suas atividades. Em casos que representam im-pactos econômicos e sociais mais sérios, o Miti assumea responsabilidade de orientar e incentivar as empresasem declínio, para outras áreas de tecnologia.

Essa orientação éde tipo informal, quando o núme-ro de empresas é pequeno, através de reuniões para tro-car idéias e levá-las às atitudes e decisões consideradasnecessárias. Quando se trata de setores tecnológicos emque concorrem muitas firmas, o Miti pode assumir po-sições mais rígidas, mediante decretos e regulamenta-ções.é

Em retrospectiva, é lícito afirmar que o sucesso dareconstrução da economia nipônica foi alcançado de-vido à colaboração efetiva entre as empresas e o gover-

no, bem como à estabilidade e à continuidade do mes-mo, ao longo de várias décadas. Os órgãos governamen-tais, especialmente o Miti, orientam e incentivam as em-presas para expandir-se nos ramos e setores considera-dos favoráveis à economia nacional, e as instituições fi-nanceiras são orientadas para seguirem, em suas polí-ticas creditícias, as mesmas diretrizes.

Ademais, para reforçar essa cooperação entre o go-verno e as empresas, funciona um intercâmbio de pes-soal bastante intenso, sendo correntes os casos de trans-ferência de administradores de empresas para reparti-ções governamentais ou designação como adidos às em-baixadas japonesas no exterior. O movimento em sen-tido oposto, mais raro e ocorrendo, sobretudo, no fimde carreira, embora útil nos contatos entre as empresase as diversas repartições do poder público, encerra o ris-co de corrupção, da qual também o mundo de negóciosjaponês não está totalmente isento.

3. A EVOLUÇÃO DA AUTOMAÇÃOINDUSTRIAL NO JAPÃO

Com os avanços conseguidos na tecnologia microeletrô-nica, a tendência em direção à automação das fábricasacelerou-se, expandindo-se o mercado de equipamen-tos relacionados. Este crescimento do mercado tem in-duzido a entrada de empresas de outros ramos, acirran-do-se a concorrência. Paradoxalmente, as empresas ja-ponesas enfrentam agora os mesmos problemas que elascriaram, há duas décadas, para a Europa ocidental e osEUA: Coréia do Sul, Taíwan e outros países asiáticos,com baixos níveis salariais, competem vigorosamenteem mercados atualmente dominados pelas empresas ni-pônicas, aproveitando as lições aprendidas do Japão.Em contrapartida, as empresas e conglomerados japo-neses, que tradicionalmente lançaram mão de uma es-tratégia copiadora e imitativa, a fim de alcançar seusconcorrentes, agora percebem a necessidade de criar no-vas tecnologias, para manter-se na liderança dos mer-cados. Neste sentido, estão tentando emular algumasdas condições básicas - a pesquisa pura e o desenvol-vimento intenso - que fizeram, no passado, dos EUA,o centro de inovações tecnológicas.

Tornando-se a luta pelos mercados globais cada vezmais acirrada, convém aprender do Japão como fazertransitar idéias inovadoras, dos laboratórios e centrosde pesquisa, para as linhas de produção e os mercados.

A automação das fábricas no Japão, durante a erade crescimento econômico muito rápido, procuravapreencher a falta de mão-de-obra qualificada, por umlado, e conseguir elevar a eficiência da produção emmassa, de urna limitada variedade de produtos.

Posteriormente à crise do petróleo, os consumido-res passaram a demandar produtos industriais de qua-lidade e de variedade, o que levou as indústrias à pro-dução em pequenos lotes. Tanto na indústria automo-bilística quanto na elétrica, há dezenas e, às vezes, cen-tenas de modelos os quais, combinados com diferentescores, oferecem mais de mil variações. Esse tipo de pro-dução em pequenos lotes implica, necessariamente, al-tos custos, cuja redução exige aumento da produtivida-de.

Figura 1Modelo de uma linha de produção de SFF

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Assim, surgiu a tendência à automação, definida co-mo um sistema que automatiza e integra todos os pro-cessos de produção, a fim de elevar o índice de produ-ção em pequenos e variados lotes.

Distinguem-se três subsistemas:

- SFF (Sistema de Fabricação Flexível) para automa-tizar processos de fabricação;

- sistemas de CAD/CAM, que proporcionam o apoiodo computador à elaboração do projeto e ao processode uma fabricação;

- sistemas de controle de produção, incluindo o con-trole computadorizado dos estoques, da dístríbuíçãofí-sica dos insumos e do registro das operações.

oSistema de Fabricação Flexível éuma combinaçãosistemática de MFCN, robô, CAD/CAM e outros dis-positivos microeletrônicos, cujo planejamento e opera-ção são controlados por computadores. Essa combina-

ção da engenharia mecânica com a microeletrônica vi-sa à consecução de economias de escala para a produ-ção em lotes. Um computador central on fine controlaas máquinas-ferramentas, os robôs, os depósitos e ou-tras seções, a transferência de componentes e peças, eos processos de usinagem, solda, montagem etc. A as-sociação da flexibilidade com o controle central permite,além da produção eficiente em pequenos lotes, ganhosde produtividade mediante a reorganização do lay-oute dos processos de trabalho.

Em um sistema de FF, os materiais são retirados deum depósito automatizado e levados às máquinas detransformação por veículos sem condutores. As máqui-nas-ferramentas ou centros de usinagem realizam suasoperações de acordo com programas controlados e asdimensões e a precisão das peças são automaticamenteverificadas. Os produtos montados por robôs, com oscomponentes e peças, são novamente submetidos aocontrole de qualidade, antes de serem encáminhados pa-ra outro depósito automatizado.

Entre as vantagens de um SFF merecem destaque:

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- a economia de mão-de-obra;- custos de estoques mais baixos, devido à diminuiçãodo ciclo de produção;- a operação contínua do equipamento, durante 24 ho-ras, dispensando pessoal;- a melhor qualidade e menos refugos.

da e menos demorada. A eficiência de CAD/CAM seevidencia no desenvolvimento de produtos semelhan-tes àqueles produzidos anteriormente. Introduzidos osdados do produto no computador, o desenho de um se-melhante pode ser criado, simplesmente modificando,numa tela gráfica, os respectivos componentes. O pro-duto pode então ser automaticamente produzido, poruma MFCN, com base nas informações do projeto de-senhado.

Recentemente, foi desenvolvido um sistema maisavançado do CAB (computer-aided-engeneering). Uti-lizando-se esse sistema, é possível prever e verificar o de-sempenho e as características operacionais, para osquais seria necessário, sem o recurso do CAB, construirum protótipo. Assim, é possível encurtar o tempo de de-senvolvimento e reduzir seus custos ainda mais do quecom o CAD/CAM.

Sistemas de controle de produção são sistemas com-putadorizados para o controle da distribuição e diver-sos tipos de registro, como, por exemplo, dos estoques.

Num exemplo típico de uma planta (ver tabela 2) fun-cionando com SFF, o número de pessoal foi reduzidode 70 para 16; o ciclo de produção foi encurtado de 19dias para quatro, e a taxa de operação aumentou de 20070para 70070.

O SFF permite também reduzir os custos do equipa-mento, pois as linhas de produção podem ser adapta-das para fabricar modelos diferentes, enquanto no sis-tema convencional é necessário sucatear cada vez quese muda o modelo.

O sistema CAD/CAM utiliza um computador demodo interativo, para reduzir a mão-de-obra intensivana elaboração do projeto, para torná-la mais sofistica-

I Estágio das instalações

Quadro 1Implantação recente de CAD CAM e SFF (exemplos)

I EmpresasSetores

Hitachi Ltd.

Máquinaselétricas

e eletrônica

Toshiba Corp.

Mitsubshi Eletric Corpo

Fuji Eletric Corpo

Promove SFF dese e 1982, quando foi constituída uma comissão de automação,especialmente par a Divisão de Tecnologia de Produção. Atualmente (1985)existem 46 unidad s de SFF em funcionamentoCriou um conselh para estratégia de automatização em 1982. Vende SFF aclientes e também I>S promove dentro do grupo. Tem 50 SFF em funcionamento(ventiladores, televisores (fabricação de peças)Criou um comitê interno de SFF em 1981. Vinte sistemas em operação. Intro-duziuSFF para montagens de precisão, inclusive VCR.Elaborou um plano trienal, a partir de 1985, segundo o qual transformará 30linhas de produção em SFF.

Máquinas deprecisão

Sankyo SeikiSeiko Instruments

Seiko

Construiu novo estabelecimento com SFF para produção de érgãos eletrônicos.Desenvolve SFF para processamento de corte de relógios.Instalou SFF para fabricação de relógios.

Máquinas-ferramentas

Yamazaki Mazok Co.Hitachi Seiki Co.

Makino Milling Co.

Opera com SFF na produção de MFCN.Processamento de componentes com SFF.SFF instalado na fábrica de Atsugi.

Ikegai Corp. SFF instalado numa nova fábrica, em Ibasaki.Toshiba Machine Co. Introduziu equipamento de SFF em vários escritórios de unidades produtivas.

Máquinas agrícolase de construção

Kubota Ltd.

lseki & Co., Ltd.Komatsu Ltd.

Instalações convertidas para SFf. Produção de pequenos motores.SFF iniciado na fábrica de Matsuyama.SFF para produção de niveladoras e pás hidráulicas.

Kobe Steel Ltd. SFF para produzir ferramentas de corte.

Máquinas pesadase para

construção naval

Mitsubishi Yeavy Ind. SFF para processar lâminas de turbinas.Hitachi Zosen Corp. Introdução de CAD/CAM na fábrica de Ariake.

Mitsui Eng. andShipbuilding Co. Processamento de máquinas convertido para SFF.

Nissan Motor Co.

Automóveis

Primeira montadora a usar robôs nas linhas de montagem. 350 sistemas deCAD/CAM instalados.

Toyota Motor Corp. Introdução de SFF em grande escala para produção de motores. Aumentou onúmero de terminais de·CAD/CAM de 90 para 250.

Matsuda Motor Co. Novas unidades de SFF para produção de peças e componentes de motores.Fonte: Relatórios publiClldos em/ornau e revutas.

16 . Revi'ttI de AdminiltTtlçrf'o de Emprelll'

Tabela 2Exemplos de vantagenseconômico-financeirase de economia da mão-de-obrade SFF

Horas de Custosoperação das ope-

(dia) rações

T Taxa deempo .de utilização

ope~çoes equipa-dias mentos

SFFN.o de má- Operá- Custos dequínas-fer- rios por equipamentosramentas dia - 100 milhões

de ienes

Toschiba Tungalloy Co. Ltd.Kawasaki DivisionYanmar Diesel Engie Co. Ltd.Hanshin Division

Hatachi Ltd.Shimizu FactoryNiigata Converter Co. Ltd.Kamo FactoryNíigata Engineering Co. Ltd.Niigata Internai CombustionEngine FactoryNippon Yusoki Co. Ltd.Main FactoryBrother Industries Ltd.Mizuho FactoryYamatake-Honeywell Co. Ltd.Samukawa FactoryYamazaki Mazak Co. Ltd.Oguchi FaetoryOkuma Machinary Works Ltd.Mori Seiki Co. Ltd.Iga Factory

4 -72% + 180%

1.480 -+350 -50%

-90%

-20% 24-+24 + 100

15 -+ 15

31-+5 31 -+4

31 -+6 31-+4

42 -+25 24-+2

8 1/7

18 250-+12

7 -+7 20-+4

54-+13 27 -+3

15 -+ 22 -60%

8 -+21 O 16 -+4

9 -+21 16 -+4

-0% -30%

1/2 1/3

24

16 -+ 24 55 -+75

8-+24 67 -+93

4

4,5

Fonte: Machinery Society Joumal;

Sistemas de controle da produção ajudam a reduzir osestoques e a melhorar os métodos de produção. Exis-tem, todavia, possibilidades de elevar a eficiência geral,pois, desde a entrada dos componentes e insumos atéa saída dos produtos acabados, o tempo total de esperaé 20 vezes superior ao tempo de trabalho de fato.

3.1 Avanços recentes na automação industrial

Nos últimos cinco anos (1980-85)foram instalados mui-tos subsistemas de CAD/CAM e de SFF.

Robôs, que antes foram empregados somente no pro-cessamento mecânico, passaram recentemente, com amelhora de seu desempenho, a funcionar em linhas demontagem sem operadores, ajustando, por exemplo,componentes eletrônicos em painéis de circuitos impres-sos. Algumas empresas utilizam os robôs na montagemde VTR (Video TapeRecorders), impressoras e máqui-nas calculadoras. Na indústria automobilística, o usode robôs é amplamente difundido nas seções de soldae, também, na montagem final. Uma dessas linhas demontagem "inteligente" dispõe de sensores visuais emi-crocomputadores e realiza uma variedade de operações,como a colocação de pára-brisas, pneus, janelas etc.

Com o uso crescente de robôs, os SFF passam a serutilizados ativamente nas áreas de eletrônica, automó-veis e máquinas-ferramentas. Algumas empresas gran-des (Hitachi, Toshiba e Mitsubishi Eletric) instalarammais de 100 linhas de produção baseadas em SFF.

PoIitktl útdrutrltllno JIIfIÍIO

Sistemas de CAD/CAM são empregados na produ-ção de máquinas de precisão e fundição de metais, on-de ocorrem freqüentemente mudanças de modelos. Sis-temas de CAD/CAM vêm sendo empregados, em gran-de escala, já há vários anos, na construção naval e naindústria automobilística. Desde 1975, todavia, foramdesenvolvidos sistemas de CAD/CAM baseados em mi-nicomputadores e, atualmente, sistemas de CAD/CAMbaseados em computadores pessoais (micro) estão setornando populares.

3.2 A expansão do mercado de automação industrial

Concomitantemente com a instalação de robôs, SFF,CAD/CAM, o mercado para os equipamentos relacio-nados com a automação industrial tem crescido rapida-mente.

Em 1976, o total das vendas foi de 80 bilhões de ie-nes, para alcançar, em 1984, 1,1 trilhão de ienes, como crescimento médio, no Japão, de 20010ao ano.

A produção de MFCN cresceu de 51,2 bilhões de ie-nes em 1976para 340 bilhões de ienes em 1980e 590bi-lhões de ienes em 1984, dos quais 200 bilhões, ou 34010,foram exportados para os EUA.

Com esse crescimento da produção, o Japão tor-nou-se o maior produtor de MFCN no mercado.

A produção de robôs industriais aumentou de 14,1bilhões de ienes em 1976, para 100bilhões de ienes em1981e 250 bilhões de ienes em 1984, tendo como prin-

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Tabela 3

Tendências dos mercados de equipamentos automáticos - unidade: 100 milhões de ienes

Tipo de Tamanho total MFCN Robôs Siste- Contro- Sensoresmáq. do mercado Veículos pepósitos Jadores utilizados Servoautoma- mas na auto ma-sem con- CAD/ pr<?gr~- Im°toresExpor- Expor- Expor- dutores tizados tização da

Ano tação tação tação CAM maveis fábrica

1976'.

837 184 512 181 141 3 - 72 23 70 - 191977 1.238 373 805 364 215 9 - 85 26 80 - 271978 1.598 635 1.076 628 273 7 - 69 45 97 - 381979 2.949 1.002 2.054 995 424 7 - 122 140 140 - 691980 5.055 1.746 3.394 1.727 784 19 - 145 219 270 157 861981 6.602 2.248 4.340 2.189 1.077 59 60 189 230 410 199 971982 7.379 1.838 4.217 1.633 1.484 205 85 205 572 445 241 1301983 8.387 1.887 4.266 1.554 1.817 333 100 249 951 553 295 1561984 11.639 2.747 5.897 2.247 2.473 500 150 261 1.550 700 355 253

Taxa de cresci-mento médio 31,6 22,3 23,5 17,7 42,3 134,8 - 16,4 61,7 38,0 - 33,81979-84 (%)

Taxa de cresci-mento médio 20,8 6,9 10,8 0,9 31,9 95,9 35,7 11,4 88,9 19,5 21.2 37,71981-84 (%)

cipal fonte de demanda a indústria elétrica-eletrônica,superando a automobilística, a partir de 1981.

As exportações de robôs, particularmente para osEUA, aumentaram bastante: de 5,9 bilhões de ienes em1981 para 50 bilhões de ienes em 1984.

As vendas de sistemas CAD/CAM aumentaram 6,7vezes em três anos, de 23 bilhões de ienes em 1981 para155 bilhões de ienes em 1984, tornando-seoCAD/CAMo tipo de equipamento de automação de mais rápidocrescimento.

Um aumento contínuo da produção de dispositivosde controle e de componentes, tais como controladoresprogramáveis, sensores e servomotores para uso na au-tomação das fábricas, foi registrado no mesmo perío-do, conforme a tabela 3.

oconjunto desses equipamentos de automação apre-senta evidentes vantagens econômicas, possibilitadaspelo avanço rápido e o desenvolvimento da tecnologiamicroeletrônica.

Comparando os custos da instalação de um robô in-dustrial com os gastos para remunerar um trabalhador,verifica-se que, de 1975 a 1984, as despesas por empre-gado praticamente duplicaram de 2,7 milhões de ienespara 5,3 milhões de ienes por ano. No mesmo período,os custos de instalação de um robô foram reduzidos emaproximadamente 40010,de 13 milhões de ienes para 8milhões de ienes. Essa queda de custos de instalação derobôs, de quatro vezes para I,S vez as despesas com ooperário, encorajou muito sua difusão e adoção por inú-meras empresas, grandes e pequenas.

A expansão desse mercado atraiu muitos novos par-ticipantes, entrando no ramo de equipamentos de au-tomação industrial, sendo a área mais concorrida a derobôs industriais. Inicialmente desenvolvidos por pro-dutores de máquinas pesadas e empresas lideres da in-dústria eletrônica, foram ingressando, paulatinamen-

18

te, empresas de máquinas de precisão e de microeletrô-nica.

Atualmente (1986), existem aproximadamente 220companhias atuando no negócio de robôs industriais,das quais 180 vendem os robôs a outras empresas, alémde empregá-los, elas próprias, nas mais variadas tare-fas e processos. Algumas dessas empresas tentaramacompanhar o crescimento do mercado, construindonovas fábricas ou ampliando as existentes, sendo queuma delas programou o aumento da capacidade, de 300robôs por mês para 1 mil unidades mensais.

3.3 Tendências da automação industriale perspectivas do mercado

Num futuro próximo, as empresas líderes tentarãoavançar do estágio atual de operar separadamente SFF,CAD/CAM e sistemas de controle de produção, parao estágio de integração de todos os subsistemas em umsistema total. O objetivo é, inicialmente, integrar a ela-boração do projeto e a fabricação, via associação deCAD/CAM com SFF, acrescentando, posteriormente,um sistema de controle da produção, para criar o Icam(integrated computer-aided manufacturingi, que rela-ciona, via computador, todos os equipamentos da em-presa. Contudo, várias tecnologias necessitam de desen-volvimento para a integração em um sistema compreen-sivo. Um exemplo típico é representado pelos robôs atérecentemente incapazes de reconhecer os objetos que de-vem manipular. Entretanto, o desenvolvimento de sen-sores visuais tem progredido bastante ultimamente, che-gando a identificar a posição e a forma dos objetos a se-rem manipulados, antes de iniciar a operação. Um dosproblemas com robôs de montagem foi sua baixa velo-cidade operacional, apanhando a peça, montando-a eapertando os parafusos. Os robôs atualmente coloca-dos no mercado são mais rápidos, com movimentos debraços de 3,9-S,lm/segundo, em vezde2,Sm/segundo,

como anteriormente. Ademais, o preço de instalação deum sistema de sensores visuais baixou de 10milhões deienes para 5 milhões de ienes e o custo mais baixo atraios potenciais usuários.

Na área de MFCN, foram desenvolvidos centros deusinagem de alta precisão, capazes de detectar o desgastedas ferramentas durante o processo, parando a máqui-na.

Outro tipo de tecnologia necessária para a integra-ção da automação industrial é o desenvolvimento desoftware para ligar, via computador, robôs, máqui-nas-ferramentas e outros equipamentos.

Os sistemas de comunicação atualmente em uso va-riam de um fabricante para outro, tornando pratica-mente impossível a comunicação entre os diferentescomponentes do sistema ou com o subsistema de super-visão e controle. Neste contexto, vale a pena mencio-nar o projeto MAP (Manufacturing Automation Pro-tocol) em desenvolvimento pela General Motors dosEUA e que chamou a atenção da indústria de automa-ção industrial do mundo inteiro. Visando criar um pro-tocolo uniforme para ligar robôs, MF e outros equipa-mentos em uma rede integrada, em escala local (LAN- local automated network), o MAP terá certamentegrande impacto na integração de subsistemas de auto-mação.

Previsões feitas, ainda no final de 1985,baseadas nabusca de racionalização e economia de mão-de-obra dasempresas, apostaram numa contínua expansão do mer-cado de equipamentos de automação industrial, à ra-zão de 15% ao ano.

Contudo, 1986parece ter-se constituído em divisorde águas. A deterioração do dólar (de 240 ienes porUS$I, em fins de 1985, para aproximadamente 160ie-nes em meados de 1986)e as conseqüentes dificuldadesde continuar o ritmo das exportações, além da compe-tição crescente de NIC - como Coréia do Sul, Taiwan,que, trabalhando com tecnologia japonesa, porém, comum custo da mão-de-obra entre um quarto e um quintodo da indústria japonesa - colocam em pauta uma re-definição da política industrial e econômica do Japão,com graves implicações para o equilíbrio social e a es-tabilidade política, condições fundamentais para o su-cesso do "milagre japonês" .

As ondas de choque que sacudiram a economia ja-ponesa, na primeira metade de 1986, com a queda ver-tiginosa do dólar e a correspondente valorização do ie-ne, difundiram as dúvidas nos meios de negócios e daadministração pública, sobre a necessidade de um su-perávit tão grande e seus impactos negativos nas eco-nomias ocidentais e do mundo em geral.

Em que pese às dificuldades de uma reconversão ereorientação das políticas industrial e monetário-fiscal,cumpre reconhecer a capacidade ímpar do povo japo-nês, ao longo de sua história, de adaptar-se e vencer osdesafios emergentes, com um senso de organização, dedisciplina e de perseguição, até fanática, dos objetivoscoletivos.

4. O SISTEMA JAPONÊS DEADMINISTRAÇÃO NA ENCRUZILHADA

O crescimento rápido e praticamente ininterrupto daeconomia japonesa, acompanhado de aumento signi-

ficativo da produtividade, tem atraído a atenção e o in-teresse de homens de negócios, políticos e acadêmicos,dispostos a descobrir o segredo do' 'milagre" japonês,a fim de copiar e imitar seu sucesso.

Pesquisadores e professores universitários apontampara os indicadores de produtividade, o planejamentoa longo prazo e as relações industriais como fatores prin-cipais do bom desempenho das empresas nipônicas.Tentaremos argumentar que, para compreender a estru-tura e o funcionamento do sistema japonês de adminis-tração, é necessário pesquisar e estudar suas origens nahistória e nas tradições culturais dessa sociedade. As-sim, seria difícil, senão impossível, reproduzir o siste-ma japonês de administração no Brasil, nos EUA oualhures, pela ausência total das condições culturais e fa-tores psicossociais específicos que presidiram alSuaori-gem. A simples cópia de certas partes isoladas por ad-ministradores atuando em outros países não deve pro-duzir resultados significativos, pois no próprio Japão,com as mudanças que despontam no horizonte, as prá-ticas administrativas tendem a evoluir.

No período pós-guerra, aprendendo de seus concor-rentes ocidentais, os japoneses realizaram profundasmudanças na organização das linhas de produção e dosprocessos de trabalho, envolvendo aspectos como:

a) absoluto controle de qualidade;b) a racionalização do lay-out;c) a flexibilidade das linhas de produção;d) a produção just in time;e) paternalismo e colaboração.

Entretanto, esse sistema de administração, tãobem-sucedido nas últimas três décadas, está em vias desofrer profundas transformações, devido ao envelhe-cimento da força de trabalho, à valorização do iene, àcrise do sistema econômico mundial, à internacionali-zação crescente do mercado e das empresas japonesase às enormes diferenças vigentes em termos de saláriosebenefícios, entre conglomerados e pequenas emédiasempresas.

Cumpre observar que as vantagens das empresas ja-ponesas no setor industrial não são devidas a uma tec-nologia superior. Nenhuma das grandes inovações' 're-volucionárias" dás últimas décadas teve sua origem empesquisas básicas realizadas no Japão. Mas as empre-sas japonesas mostraram-se capazes de aplicar e apro-veitar mais rapidamente as tecnologias que surgiram co-mo resultados dos esforços de P&D, em outros países.Em retrospectiva histórica, esta foi, sem dúvida, umapolítica apropriada para a sobrevivência e a competiti-vidade da indústria japonesa, no mercado internacio-nal.

Trataremos, a seguir, ainda que rapidamente, de al-gumas características básicas da sociedade japonesa eseus impactos na administração das empresas.

19

4.1 A estrutura social hierarquizada

Na sociedade japonesa, as atividades econômicas, co-mo todas as relações sociais, são organizadas em pa-drões hierárquicos de seniority diferentemente das so-ciedades ocidentais, onde muitas associações se regempelos princípios de relacionamento horizontal. A estru-tura vertical resultou, no Japão, em determinadas re-lações entre a administração e os operários, aproveita-das, com vantagens, pela direção das empresas.

Dentro desse sistema, a unidade social básica é o lar(ie) e a empresa é considerada um lar do qual fazem partetodos os empregados, com o empresário agindo comoseu chefe natural. O grupo assim formado é caracteri-zado por uma certa homogeneidade e exclusividade, ge-rando nos seus membros sentimentos de identidade, se-gurança e autovalorização, baseados na consciência de"nós" contra os "outros".

Em conseqüência, a empresa japonesa não funcio-na apenas como organização econômica, mas tambémcomo grupo social. Sua posição é determinada pelos ati-vos e vendas; todavia, o prestígio e a reputação de seusempregados são determinados por fatores não-econô-micos. Mesmo um operário de pouca qualificação terástatus como funcionário de um conglomerado de grandeprestígio. O prestígio de um grupo de trabalho terá pe-·so preponderante na determinação do status pessoal nasociedade japonesa.

A competição a nível pessoal e das empresas trava-sehorizontalmente, em todos os graus, entre grupos de pa-res ou firmas que atuem no mesmo ramo, reforçandoo antagonismo contra os "outros" do mesmo nível, ahierarquia e as relações verticais em cada corporação.

A garantia de emprego funciona de acordo com asrígidas normas hierárquicas. Os empregados são recru-tados para iniciarem suas funções na base da pirâmide,sendo posteriormente promovidos, em etapas pré-pro-gramadas pela seniority e não por sua capacidade e de-sempenho. Este procedimento elimina a competição in-terna e vertical pelo lugar - não se pode ser promovi-do antes, ou a uma posição superior à de seu sênior.

Oferecendo life-Iong employment e outros benefí-cios, como, por exemplo, acesso facilitado à habitação,o sistema condiciona a imobilidade dos empregados. Amentalidade de nós (UChl) e os outros (soto) não favo-rece o estabelecimento de contato com outras organi-zações. Um empregado que abandone seu emprego évisto com suspeita pelos recrutadores das outras empre-sas, por causa da "falta de lealdade" ao seu grupo. Se,eventualmente, for contratado, será tratado com ressen-timento pelos membros do grupo e taxado de intruso.

A organização proporciona uma rede de relaçõescom subordinados, pares e superiores que regula a vi-da dos indivíduos, os quais, quando incapazes de esta-belecer esse tipo de relacionamento, experimentam sé-rio desconforto psicológico. Contrariamente ao homemna cultura ocidental, que se considera o centro do uni-verso, o japonês se vê e reconhece através do grupo. Re-ferindo-se ao conceito de alienação, no Ocidente dir-se-ia "ele não se encontrou", enquanto no Japão a mes-ma idéia seria expressa com a frase "ele não pertence" .

20

Dentro da organização, a ênfase é colocada no tra-balho de grupo, na harmonia e nas relações humanas,sendo notável a ausência de funções ou papéis claramen-te diferenciados para cada membro. A forte coesão gru-pal faz com que cada empregado se sinta responsávelpelo resultado ou produto final, em consonância como clima de responsabilidade mútua e de harmonia en-fatizado na empresa e na sociedade japonesa em geral.

O líder do grupo, administrador ou supervisor, é res-ponsável pela harmonia e deve demonstrar capacidadede motivar os outros e promover o consenso, fundamen-tado em uma mentalidade coletiva.

4.2 O estilo de administração no Japão

As empresas japonesas conseguiram désenvolver as re-lações entre os trabalhadores e a administração de mo-do favorável à consecução de elevadas taxas de produ-tividade e de produtos de alta qualidade.

A orientação grupal- mola mestra das organizaçõese da sociedade japonesa - estimula nos trabalhadoresa lealdade e dedicação à empresa da qual fazem parte.O sucesso da administração é devido também ao siste-ma de life-Iong employment e à estrutura dos saláriospor seniority, que reforçam o sentimento de lealdade.

Entretanto, essas práticas não decorrem simplesmen-te das características da sociedade tradicional, mas sur-gem como fenômeno singular no período pós-guerra,caracterizado por um crescimento econômico extraor-dinário.

Antes da 11Guerra Mundial, a política de mão-de-obra do capital japonês refletia a prática das empresasno Ocidente, demitindo ou contratando a mão-de-obrade acordo com as flutuações do mercado.

Nas recessões de 1949 e 1953, muitas empresas ten-taram demissões em massa, que provocaram violentosdistúrbios, ameaçando a própria existência das mesmas.O boom da Guerra da Coréia e os subseqüentes perío-dos de expansão econômica levaram à percepção do errocometido pelas demissões em massa de pessoal com ex-periência. Além dos custos envolvidos em recrutamen-to e treinamento, verificou-se aguda escassez de mão-de-obra.

O sistema de garantia de emprego foi implantado co-mo resposta ao problema. Convém frisar, todavia, quesomente uns 30% da força de trabalho japonesa - aque-les empregados nas grandes corporações - se benefi-ciam daquele sistema e 98010das empresas japonesas nãooferecem "emprego por toda a vida". Ademais, nãoexiste contrato entre empregados e empregador que ga-ranta essa permanência. Os primeiros assumem que asituação do segundo é suficientemente sólida para semanter em operação e que a empresa proverá de acor-do com suas necessidades pessoais, em compensação àdedicação e à lealdade.

As empresas recrutam os graduandos das universi-dades e das escolas de nível médio e os submetem a umtreinamento interno, de cunho técnico e moral, de acor-do com a filosofia da administração. Individualismo ecriatividade são relegados, na expectativa de que todosos empregados se conformem aos padrões de harmoniae espírito coletivo, decorrentes da consciência grupal .

Rel/llta deÂdmlllinrrlçiío de Empre.,

o treinamento proporcionado pela empresa permite aosempregados acesso à tecnologia moderna, molda-osconforme as normas e a filosofia da organização. O tra-balhador não é contratado para uma função específi-ca, mas para qualquer tipo de tarefa determinada pelaadministração, sendo praxe a rotatividade entre depar-tamentos e ocupações diferentes, em intervalos irregu-lares. Não havendo especialistas, elimina-se pratica-mente a mobilidade interempresa de trabalhadores efuncionários experientes. Por outro lado, esse tipo detreinamento (TWI) capacita todos os trabalhadores e,particularmente, os administradores para uma visão ecompreensão bastante amplas de sua empresa. Tornan-do-se especialistas da estrutura e do funcionamento de"sua" empresa, a lealdade para com esta é reforçadaà medida que cresçam as dificuldades de mudar de em-prego.

Um valor muito grande éatribuído ao conceito' 'umavida, uma carreira" . Na empresa, os operários conse-guem introduzir melhorias em seu trabalho eadaptar-sea mudanças de todos os tipos. A ampla experiência as-sim acumulada se mostra valiosa na hora da introdu-ção de novas máquinas e equipamentos.

Contudo, o processo que produz generalistas à cus-ta de especialistas é, eventualmente, menos prejudicialnos serviços.de bancos, supermercados e grandes lojas,enquanto gera pontos de estrangulamento nas indústriasde alta tecnologia, pesquisando e desenvolvendo novosprodutos e processos. Essa consciência está sendo per-cebida nos conglomerados líderes, que passaram a re-crutar pessoal treinado em tecnologia a nível universi-tário, antes considerado excessivamente especializadoe indesejável.

A falta de especialização leva a um tipo de tomadade decisão todo peculiar às empresas japonesas, cuja ad-ministração funciona construindo um sistema de con-senso (ringi seido), do qual participam todos os mem-bros da organização, circulando propostas de baixo pa-ra cima evice-versa. A moral e a lealdade dos emprega-dos são estimuladas mediante um sentimento - real oumanipulado - de participação nas decisões, com o en-corajamento a formular sugestões e propostas.

Quanto ao processo decisório baseado em consenso,na realidade alguém toma a iniciativa e os outros endos-sam sua posição ou proposta. Embora considerem quetodos participam do processo em pé de igualdade, de fa-to poucos ousariam manifestar uma opinião minoritá-ria ou discordante. A necessidade de se preservar a har-monia do grupo leva indivíduos a ocultar sua honne ousentimento verdadeiro, revelando apenas a máscara outatemae, alinhando com os outros.

Organizações complexas são constituídas por umavariedade de grupos ou facções diferentes, capazes deapresentar propostas ou soluções multifacetadas. A fimde obter o apoio de uma ampla maioria dentro da em-presa, deve haver barganhas e transigências, e as deci-sõeslevam muito tempo. Embora a conclusão deste pro-cesso nem sempre esteja clara em seu conteúdo, o pro-cesso de responsabilidade compartilhada evita o riscode um fracasso individual. Se o projeto falhar, não se-rá por culpa da pessoa ou departamento que original-mente o lançou, pois todos concordaram com sua exe-cução. Apesar do consenso grupal, a administração tem

maior peso nas decisões, pois as propostas circulam nabase da pirâmide para o seu topo, e podem ser muda-das ou vetadas em qualquer parte de sua trajetória, an-tes de serem postas novamente em circulação, para seobter a aprovação de todos.

4.3 Emprego garantido e responsabilidade social

O tão elogiado paternalismo das empresas japonesas co-meça a evidenciar suas disfunções sociais. Estar depen-dente de seu empregador não somente nos salários, mastambém na habitação, recreação e na vida social seria,de acordo com os padrões ocidentais, um cerceamentoinadmissível da liberdade pessoal e os jovens trabalha-dores japoneses começam a se queixar. Contrariamen-te a certas concepções errôneas e idealizadoras, o ope-rário japonês não é um fanático do trabalho por natu-reza - sua ética, as atitudes e o comportamento no tra-balho são induzidos e manipulados pela administração.

O sistema de "emprego por toda a vida" está-se tor-nando um ônus cada vezmais pesado para as empresas,na conjuntura e em vista das tendências da economiamundial.

O que era necessário para formar e treinar um cor-po de trabalhadores dedicados e experientes agora estácriando problemas para a produtividade e os lucros e,portanto, a competitividade das empresas, que lançammão de todos os meios para tratar com trabalhadoresredundantes, devido a inovações e/ou à recessão eco-nômica.

Devido a sua dependência total da empresa, o ope-rário, uma vez demitido, dificilmente poderá encontraroutro emprego, tornando-se um problema social mui-to sério.

Expedientes temporários adotados - tais como atransferência para outros estabelecimentos da mesmacompanhia, a transferência para empresas subcontra-tadas, treinamento ou reciclagem para outra função, namesma empresa, ainda que em outros prédios e locali-dades, a indicação para aposentadoria antecipada evo-luntária - mostram-se pouco eficazes, com o aprofun-damento da crise estrutural do sistema.

As maiores vítimas dessas novas circunstâncias - aqueda da atividade econômica a nível mundial, a valo-rização do iene, concorrência crescente da Coréia doSul, Taiwan etc. - têm sido os administradores de ní-velmédio, de difícil reciclagem, refletindo-se nos núme-ros relativamente elevados de desempregados, entre tra-balhadores da faixa de idade de 40 a 50 anos. Uma vezdesempregados, esses trabalhadores terão dificuldadesde encontrar outro emprego, devido a sua experiênciae especialização em determinada empresa.

Os japoneses foram treinados para um trabalho es-forçado e dedicado à empresa, chegando a sacrificar suavida pessoal para o crescimento e a expansão da mes-ma. Foram doutrinados a derivar sua autovalorizaçãodo lugar de trabalho e não de suas realizações pessoais.Foram contratados, não tanto por seus talentos e habi-lidades, mas por sua aptidão de aceitar e conformar-secom a filosofia da empresa.

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A tendência atual, combinando baixas taxas de cres-cimento com uma força de trabalho envelhecida, obri-ga as direções dos grandes conglomerados a reavaliaros conceitos e práticas de garantia de emprego, lealda-de, promoções por seniority e outros que caracteriza-ram a administração japonesa de negócios. A tão apre-goada introdução de robôs, desenvolvidos para solucio-nar alguns dos problemas causados pelo envelhecimentoda força de trabalho, está criando o problema de desem-prego tecnológico, num período de queda de demandainterna e externa.

A internacionalização da produção e dos, mercadosde trabalho obriga as empresas a reavaliar sua estraté-gia administrativa. Embora reconheçam a necessidadede mudar a fim de se adaptar aos novos desafios, aindanão estão preparadas para as inovações exigidas.

4.4 Os Círculos de Controle deQualidade (CCQ)

Curiosamente, homens de negócios do mundo capita-lista literalmente invadiram o Japão nos últimos anos,a fim de estudar os CCQ, uma prática proposta e desen-volvida por um consultor norte-americano (W.E. De-ming), chamado para resolver os problemas das empre-sas japonesas. Ainda nos anos 50, produtos japoneseslevavam o estigma de baixa qualidade, e Deming ten-tou demonstrar, por meio de estatísticas, a correlaçãoentre produtividade e controle de qualidade. Postulan-do o controle de qualidade como eliminação do desper-dício, o que exigiria a cooperação de cada operário, De-ming apontou para os aspectos fundamentais das rela-ções humanas na empresa, cujo equacionamento e so-lução levariam à elevação da produtividade. Suas pro-postas foram de pronto aceitas, porque as empresas,além da melhor qualidade de seus produtos, procura-ram também meios de contornar e neutralizar o poderdos sindicatos e evitar o pagamento de horas extras (asatividades dos CCQ - Jishu Kanri - são geralmenterealizadas nos intervalos ou após as horas de trabalhoregulares). Por serem consideradas reuniões "voluntá-rias" , as empresas raramente pagam as horas extras porelas devidas. Entretanto, quase 90% dos operários daprodução nas grandes empresas participam dessas ati-vidades. Um levantamento estatístico efetuado pelo Mi-nistério do Trabalho, em 1985, evidenciou a existênciade mais de 200 mil CCQ, contando com a participaçãoefetiva de mais de 1.600mil trabalhadores, na indústriajaponesa.

Os requisitos para as atividades do Jishu Kanri sãosua realização em grupo, com objetivo comum e de na-tureza repetitiva. Trabalhadores de turnos diferentes,mas da mesma seção, pertencem a CCQ diferentes, quecompetem entre si, agindo essa competição como umestímulo para as necessidades mentais e psicológicas dosempregados, enquanto melhora também a eficiência dacompanhia. Entre os objetivos, destacam-se: seguran-ça. redução de custos, manutenção, melhoria de quali-dade, aumento de eficiência, zero defeito e outros.

O operário que não se esforça nas sessões do grupocorre o risco de ostracismo, o que constitui uma sançãogravíssima para qualquer japonês. Ademais, os traba-lhadores japoneses estão convencidos de que sua pros-

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peridade individual está diretamente ligada e dependen-te da prosperidade da empresa à qual pertencem. O co-rolário lógico dessa visão ou atitude é a convicção de queou o sucesso ou o fracasso da companhia está nos om-bros dos indivíduos-membros do grupo.

Assim, a qualidade do produto não é simplesmenteo resultado de estatísticas, esforço e tecnologia avança-da, mas deriva fundamentalmente da aplicação de umsistema de administração específico. A harmonia dogrupo, dentro da empresa, constitui o conceito subja-cente que dá apoio ao sistema de administração. O ad-ministrador não somente dirige o trabalho de seus em-pregados, mas também se preocupa com a satisfaçãodos mesmos no emprego e desempenha funções típicasdo departamento de pessoal, em nosso meio, cuidandoda habitação dos trabalhadores, educação dos filhos etc.Em contrapartida, os empregados apóiam o chefe, es-forçando-se no serviço. A avaliação é feita em termosde desempenho do grupo e não do indivíduo. Sistemasou esquemas para melhorar a qualidade ou eficiênciatêm grandes chances de sucesso, por causa do esprit decorpse a procura da harmonia incentivada entre os em-pregados.

Outro aspecto da psicologia japonesa, favorável aocontrole de qualidade, reside nas tradições de uma es-tética de rara delicadeza e refinamento. Na vida cotidia-na, os japoneses estão atentos não somente à função,mas também à forma, herança de sua cultura secular.Assim, os CCQ foram bem-sucedidos nas empresas, de-vido a fatores sociais e psicológicos presentes na socie-dade e cultura japonesas.

4.5 Do outro lado da barricada

A análise precedente seria parcial e incompleta, se nãoprocurasse apresentar o outro lado da moeda, ou a vi-são dos próprios empregados e trabalhadores.

As vantagens e os benefícios tão aclamados, inclu-sive a participação na vida da empresa, têm um customuito alto, em termos do tédio e das frustrações pro-duzidas entre muitos empregados. Sem dúvida, a garan-tia de emprego pode elevar o rendimento do trabalho,especialmente quando resultar numa difusa e oficiosaobrigação de trabalhar horas extras não-remuneradas.Por outro lado, ela amarra o trabalhador à empresa ea um tipo de atividade para os quais não sente necessa-riamente interesse ou vocação. Mas os departamentosde pessoal consideram a mobilidade interempresa umdefeito e não costumam contratar pessoal vindo de ou-tra companhia, por considerá-lo um risco para a har-monia do grupo e da empresa. Pressionados entre asobrigações para com a família e as possíveis sanções àsquais estariam expostos, caso se arriscassem a mudarde emprego, muitos indivíduos reprimem seus desejose vocações, com sérios prejuízos à sua saúde ffsica emental. Quanto mais adiam a decisãode mudar de em-prego, mais difícil 'fica esta, pela perda de salários ba-seados nas promoções por seniority.

Também, o processo de tomada de decisão em gru-po ringi sho, por mais atraente que possa parecer à pri-meira vista, resulta, muitas vezes, na supressão de idéiase da criatividade individual: Qualquer proposta, inde-

pendentemente de sua pertinência e qualidade, neces-sita do apoio do chefe para ser levada adiante.

Oslringe-benefits concedidos - habitação subsidia-da, serviços médicos, centros de recreação e programasde lazer - não deixam de evocar a vida em comunida-des militares, austeras e isoladas, pela completa ausên-cia de padrões e estilos de vida alternativos.

As consultas médicas proporcionadas no hospital daempresa são taxadas de superficiais e queixas de pacien-tes requerendo tratamento mais especializado, como,por exemplo, aconselhamento ou tratamento psicoló-gico, que não são levados a sério, numa cultura ondedoenças mentais são consideradas motivo de vergonha.

Programas de lazer e excursões organizadas pela em-presa reforçam muitas vezes a impressão de que seriadifícil levar a vida sem a tutela constante da companhia.

As reuniões para discutir os problemas da empresa,antes de iniciar-se o trabalho, constituem outra formade auto-ilusão da administração das empresas japone-sas, bem como as horas extras "voluntárias" gastas nosCCQ. Embora possam render muitas sugestões que re-sultem emredução decustos eganhos em qualidade paraa empresa, seu custo real, em termos de milhares de ho-ras de trabalho, não-pagas, nunca é computado. Emcertas empresas e localidades onde existem poucas al-ternativas para uma vida social, a pressão e o desejo deprogredir podem levar os empregados a cumprir até 100horas extras por mês, das quais somente uma parte -até 60, no máximo - será remunerada.

Em situações de recessão ou dificuldades no merca-do, os empregados não são encorajados a declarar maisdo que um terço das horas extras realmente trabalha-das. Eventuais protestos contra essa ou outras práticassocialmente nocivas (por exemplo: poluição do meioambiente) por parte da empresa, senão levam ao ostra-cismo total, prejudicam seriamente a carreira profissio-nal do indivíduo insatisfeito. Mesmo não sendo demi-tido, há uma série de outras sanções das quais se lançamão para "disciplinar" os descontentes.

O preço mais alto pago pelo sucesso da companhiaé, certamente, imputado às mulheres, as quais, embo-ra realizando as mesmas tarefas dos homens, não usu-fruem dos benefícios concedidos a estes e ganham, emmédia, apenas 40 a 500/0 dos salários pagos aos traba-lhadores masculinos.

Pressionadas a casar e deixar o emprego antes de al-cançar os 30 anos de idade, quando voltam mais tardea procurar emprego são contratadas como part-time (ge-ralmente de seis a sete horas por dia), com salários dehoristas e semdireito aos benefícios concedidos aos tra-balhadores estáveis.

Muitos casamentos são celebrados ou arranjados pe-la empresa, o que garante que as esposas irão confor-mar-se com os hábitos dos maridos, de fazer horas ex-tras ou tomar uma bebida, com seus colegas de traba-lho, após o expediente.

Embora transpareça a insatisfação das mulheresdiante dessa situação não se afigura como tarefa fáciluma mudança dos padrões de desigualdade sexual pro-fundamente ancorados na sociedade japonesa. Semdes-

merecer as conquistas econômicas das últimas décadas,cumpre não esquecer os sacrifícios com os quais foramconseguidas e é certamente uma atitude irrealista igno-rar os sinais e os desejos de mudanças, à medida que ostrabalhadores japoneses tomem conhecimento das si-tuações mais privilegiadas de seus pares, nos países docapitalismo ocidental, e seconscientizem da necessida-de e das possibilidades de imprimir novos rumos ao de-senvolvimento social do Japão.

1 Projeto iniciado em 1981, com previsão de 19anos, propõe o de-senvolvimento de computadores 10 vezes mais potentes do que osatuais.

2 The Asian Wall Street Journal, July 15 1986, p. 1.

3 "( ... ) temos sentimentos mistos, mas a tecnologia é essencial paranossa sobrevivência" (T.T. -líder sindical. ibid.).

4 Um exemplo constituía a reinstalação da IBM em 1950, para reas-sumir suas atividades comerciais, interrompidas durante a guerra.

s De 1.200 componentes em 1973, para menos de 600 em 1978, e de4,11 horas/homens para a montagem de um aparelho, para 1,15 nomesmo período.

6 Típicas, a esse respeito, são as discussões que se travam atualmen-te (1986)com os construtores navais, em torno de um plano de racio-nalização dos estaleiros.

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NegociaçõesMundoAfora

Os autores foram movidos pelo propósito depreencher a necessidade de bibliografiaespecífica. em língua portuguesa. sobre tema deImportóncia crescente. principalmente no ómbitolatino-americano.De cunho prótico e didótico. abordasucessivamente: uma síntese extensiva daevolução econômica da América Latina;as bases metodológicos das negociaçõesinternacionais; sete estudos de casos. queanalisam os aspectos formais das diversasmodalidades de negociações e Indicampossibilidades de negociac6es de vãrlosprodutos prlrnórlos e manufaturados. bemcomo de serviços. Negociações Comerciais Internacionais

Dalton DaemonJuan LuisColaiacovoJ. Alberto Novas Sierra

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