Artigo Primeiras Damas

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A DIFÍCIL ARTE DE SER PRIMEIRA DAMA - UMA ANÁLISE DISCURSIVA ACERCA DA FORMAÇÃO IDEOLÓGICA ENVOLVENDO MULHERES Margareth Michel 1 Resumo: este artigo tem propões uma análise das Formações Discursivas e das Formações ideológicas envolvendo mulheres, no caso as Primeiras Damas, a partir dos pressupostos da Análise de Discurso Francesa e com base em Orlandi, Pêcheux, Ernst e outros autores e utiliza como objeto, recortes da mídia, textos jornalísticos que se referem à essas mulheres. Palavras-chave: Análise de Discurso- AD, Formação Discursiva - FD, Formação Ideológica - FI, Mídia, Primeira-Dama. Abstract: This article presents an analysis of the discursive formations and ideological formations involving women, in this case the First Ladies, based in the theories of the French discourse analysis based in Orlandi, Pêcheux, Ernst and other authors and uses as subject , clippings of media, journalistic texts that refer to these women. Keywords: Discourse analysis - DA, Discursive formation - DF, Ideological Formation -IF, Media, First-Lady. Aparato Teórico A Análise do Discurso - AD, foi proposta por Michel Pêcheux 2 , na França, a partir da filosofia materialista 3 quando põe em questão a prática das ciências humanas e a divisão do trabalho intelectual, com o objetivo de produzir um espaço de reflexão no qual as ciências se confrontassem, particularmente a história, a psicanálise e a linguística. Este espaço de discussão e compreensão é chamado de entremeio, e o objeto que é estudado aí é o "discurso" 4 . Assim, é no entremeio das disciplinas que ocorre a reflexão discursiva. 1 Mestranda em Letras - Linguística Aplicada, professora da Escola de Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas. 2 Michel Pêcheux em sua tese "Analyse Automatique du Discours" em 1969. 3 O objeto de estudo dos estruturalistas sempre foi a língua por ela mesma. A sua intenção era simplesmente a de descrever os diversos sistemas lingüísticos, independentemente das condições de produção ou até mesmo dos falantes que deles faziam uso. Se por um lado essa postura proporcionou à lingüística o status de ciência formalmente constituída, por outro acabou gerando uma série de equívocos 4 Discurso não é a transmissão de informação, mas sim o efeito de sentidos entre os interlocutores, enquanto parte do funcionamento social geral. Falar em discurso, segundo Cazarin (2005) significa reportar-se a um dos aspectos materiais da ideologia, pois é nele que língua e ideologia se encontram. (p.69) Para Cazarin, o trabalho do analista é o de realizar uma leitura crítica da forma de existência histórica do discurso, procurando compreender o funcionamento do mesmo, para depois, se for o caso, nos procedimentos da análise, explicitar de qual (is) característica(s) o mesmo se reveste e que efeitos de sentido isso provoca. (p69-70). As idéias de Pêcheux , conforme a autora, possibilitam pensar o discurso na sua ordem própria, distinta da materialidade da língua, mas que, conforme escreve Courtine (1999): se realiza na língua: não na ordem do gramatical, mas na

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Este artigo tem propõe uma análise das Formações Discursivas e das Formações ideológicas envolvendo mulheres, no caso, as Primeiras Damas, a partir dos pressupostos da Análise de Discurso Francesa e com base em Orlandi, Pêcheux, Ernst e outros autores e utiliza como objeto, recortes da mídia, textos jornalísticos que se referem à essas mulheres.

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  • A DIFCIL ARTE DE SER PRIMEIRA DAMA - UMA ANLISE DISCURSIVA ACERCA DA FORMAO IDEOLGICA ENVOLVENDO MULHERES

    Margareth Michel1

    Resumo: este artigo tem propes uma anlise das Formaes Discursivas e das Formaes ideolgicas envolvendo mulheres, no caso as Primeiras Damas, a partir dos pressupostos da Anlise de Discurso Francesa e com base em Orlandi, Pcheux, Ernst e outros autores e utiliza como objeto, recortes da mdia, textos jornalsticos que se referem essas mulheres.

    Palavras-chave: Anlise de Discurso- AD, Formao Discursiva - FD, Formao Ideolgica - FI, Mdia, Primeira-Dama. Abstract: This article presents an analysis of the discursive formations and ideological formations involving women, in this case the First Ladies, based in the theories of the French discourse analysis based in Orlandi, Pcheux, Ernst and other authors and uses as subject , clippings of media, journalistic texts that refer to these women.

    Keywords: Discourse analysis - DA, Discursive formation - DF, Ideological Formation -IF, Media, First-Lady.

    Aparato Terico A Anlise do Discurso - AD, foi proposta por Michel Pcheux2, na Frana, a

    partir da filosofia materialista3 quando pe em questo a prtica das cincias humanas e a diviso do trabalho intelectual, com o objetivo de produzir um espao de reflexo no qual as cincias se confrontassem, particularmente a histria, a psicanlise e a lingustica. Este espao de discusso e compreenso chamado de entremeio, e o objeto que estudado a o "discurso"4. Assim, no entremeio das disciplinas que ocorre a reflexo discursiva.

    1 Mestranda em Letras - Lingustica Aplicada, professora da Escola de Comunicao Social da Universidade

    Catlica de Pelotas. 2 Michel Pcheux em sua tese "Analyse Automatique du Discours" em 1969.

    3 O objeto de estudo dos estruturalistas sempre foi a lngua por ela mesma. A sua inteno era simplesmente a

    de descrever os diversos sistemas lingsticos, independentemente das condies de produo ou at mesmo dos falantes que deles faziam uso. Se por um lado essa postura proporcionou lingstica o status de cincia formalmente constituda, por outro acabou gerando uma srie de equvocos 4 Discurso no a transmisso de informao, mas sim o efeito de sentidos entre os interlocutores, enquanto

    parte do funcionamento social geral. Falar em discurso, segundo Cazarin (2005) significa reportar-se a um dos aspectos materiais da ideologia, pois nele que lngua e ideologia se encontram. (p.69) Para Cazarin, o trabalho do analista o de realizar uma leitura crtica da forma de existncia histrica do discurso, procurando compreender o funcionamento do mesmo, para depois, se for o caso, nos procedimentos da anlise, explicitar de qual (is) caracterstica(s) o mesmo se reveste e que efeitos de sentido isso provoca. (p69-70). As idias de Pcheux , conforme a autora, possibilitam pensar o discurso na sua ordem prpria, distinta da materialidade da lngua, mas que, conforme escreve Courtine (1999): se realiza na lngua: no na ordem do gramatical, mas na

  • Orlandi (1996), coloca que a AD trabalha com as relaes de contradio que se estabelecem no espao existente entre a lingustica e as cincias das formaes sociais, que, como uma disciplina de entremeio, caracteriza-se por repensar os conceitos destas cincias, questionando na lingustica "a negao da historicidade inscrita na linguagem e, nas cincias das formaes sociais, a noo de transparncia da linguagem sobre a qual se assentam as teorias produzidas nestas reas"5 Assim, a AD, por se constituir s margens das cincias humanas, opera nestas um profundo deslocamento de terreno, no sendo apenas a aplicao da lingstica sobre as cincias sociais e vice-versa, mas sim produzindo um outro lugar de conhecimento com sua especificidade.

    Conforme Ferreira6 (2004), Nesse sentido, importante ressaltar que os conceitos que a AD traz de outras reas de saber, como a psicanlise, o marxismo, a lingstica e o materialismo histrico, ao se integrarem ao corpo terico do discurso, deixam de ser aquelas noes com os sentidos estritos originais e se ajustam especificidade e ordem prpria da rede discursiva. o que acontece, por exemplo, com os conceitos de inconsciente, ideologia, lngua e histria.

    Desta forma, a AD permite trabalhar em busca dos processos de produo do sentido e de suas determinaes histrico-sociais, implicando no reconhecimento de que h uma historicidade inscrita na linguagem na qual no se pode considerar a existncia de um sentido literal (j posto), nem tampouco pensar que o sentido possa ser qualquer um, pois toda interpretao regida por condies de produo. Segundo Ernst7 (2006), em seu quadro epistemolgico Pcheux contesta a semntica formal pois ela no v a questo do sujeito ligado histria que antecede o momento da enunciao, suas condies de produo8.

    A AD, conforme Pcheux, opera um deslocamento nos conceitos de lngua, historicidade e sujeito, abrindo um campo de questes no interior da prpria

    ordem do enuncivel, na ordem do que constitui o sujeito falante em sujeito de seu discurso e ao qual ele se assujeita em contrapartida. (p.71) CAZARIN, Erclia Ana. Identificao e representao poltica: uma anlise do discurso de Lula. Iju: Ed. Uniju, 2005.

    5 Glossrio de termos do discurso, disponvel no seguinte endereo: http://www.discurso.ufrgs.br/glossario.html-

    acesso em 01/09/2006. 6 FERREIRA, Maria Cristina. As Interfaces da Anlise de Discurso no Quadro das Cincias Humanas.

    Disponvel em http://www.discurso.ufrgs.br/article.php3?id_article=3 acesso em 15/02/2007 7 ERNST, Aracy, em abordagem realizada em sala de aula em 22/09/2006.

    8 Reformulao feita por Pcheux que diz respeito aos processos scio-histricos, onde os sentidos so

    determinados pela ideologia.

  • lingustica, cuja funo singular pois em sua constituio epistemolgica9 se inscreve na confluncia de trs regies do conhecimento cientfico, todas elas atravessadas e articuladas por uma teoria da subjetividade (de natureza psicanaltica): a) o materialismo histrico, como teoria das formaes sociais, incluindo a a ideologia ; b) a lingstica, como teoria dos mecanismos sintticos e dos processos de enunciao ; c) a teoria do discurso, como teoria da determinao histrica dos processos semnticos.

    Conforme Ferreira (2004), a AD visa tematizar o objeto discursivo (consiste num objeto-fronteira - atua nos limites das outras divises disciplinares ) o qual se constitui de uma materialidade lingstica e de uma materialidade histrica, simultaneamente, recortando, portanto, seu objeto terico (o discurso), distinguindo-se da lingstica imanente, que se centra na lngua, nela e por ela mesma, e tambm das demais cincias humanas, que usam a lngua como instrumento para a explicao de textos. Prope ainda, o deslocamento das noes de linguagem10 e sujeito11 que ocorre a partir de um trabalho com a ideologia.

    O sujeito, dadas as foras e interesses que sobre ele operam e se confrontam, esse sujeito que fala e interpreta sentidos, na verdade no livre para dizer o que quer, pois levado a formular enunciados12 - de acordo com o lugar social que ocupa - sem sequer se conscientizar disso. por isso que na AD deve ser considerado, na produo de um determinado discurso, o contexto histrico-ideolgico que atua sobre o sujeito.

    9 Atravs de sua preocupao com o mtodo e de suas discusses sobre o acontecimento e sobre o

    estatuto do sujeito na linguagem, Pcheux (1988) trouxe contribuies fundamentais para a constituio da AD. Ao conceber o discurso como uma instncia inteiramente histrica e social, ele rompe com o narcisismo da estrutura, demonstrando que a linguagem, enquanto discurso, no pode ser compreendida como uma unidade significativa, mas como um efeito de sentido entre os sujeitos que a utilizam. In: Ferreira (2004). 10

    Entendida enquanto produo social e considerando-se a exterioridade como constitutiva. 11

    Deixa de ser centro e origem do seu discurso para ser entendido como uma construo polifnica, lugar de significao historicamente constitudo 12De acordo com Charaudeau e Mainguenau (2004: 196), em anlise de discurso francfona, a oposio estabelecida por Guespin entre discurso e enunciado exerceu uma influncia precisa: "O enunciado a sucesso de frases emitidas entre dois brancos semnticos, duas pausas da comunicao; o discurso o enunciado considerado do ponto de vista do mecanismo discursivo que o condiciona. Assim, olhar um texto sob a perspectiva de sua estruturao "em lngua' permite torn-lo um enunciado; um estudo lingustico das condies de produo desse texto possibilita consider-lo um discurso.(1971:10)

  • Desta forma, para a AD, todo o discurso formado por diferentes vozes. De acordo com este pressuposto, um enunciado resultado de outros dizeres, de produes enunciativas j ditas. Assim toda formao discursiva heterognea e implica na noo de Formao Discursiva13 (FD):

    "No quadro terico do marxismo althusseriano, ele propunha que toda "formao social", caracterizvel por uma certa relao entre as classes sociais, implica a existncia de "posies polticas e ideolgicas, que no so feitas de indivduos, mas que se organizam em formaes que mantm entre si relaes de antagonismo, de aliana ou dominao" . Essas formaes ideolgicas incluem "uma ou vrias formaes discursivas interligadas, que determinam o que pode e deve ser dito [...] a partir de uma posio dada em uma conjuntura dada". (Haroche, Henry e Pcheux, 1971: 102). Essa tese tem incidncia sobre a semntica, pois "as palavras 'mudam de sentido', quando passam de uma formao discursiva a outra" (ibid). nas formaes discursivas que se opera o "assujeitamento", a "interpelao" do sujeito como sujeito ideolgico." (Charaudeau e Mainguenau, 2004:241)

    A noo de Formao Discursiva (FD) constitui elemento importante para a composio deste quadro terico, pois esto filiadas s Formaes Ideolgicas14 (FI), que interpelam um sujeito que ideolgico, que acredita que dono do que fala, mas que na realidade, fala do lugar ou posio que ocupa em uma classe social de uma determinada formao social. Em razo dito h sujeitos que tm uma postura ideolgica enquanto outros tm uma postura ideolgica contrria, confrontando ou aderindo aos sentidos das palavras, utilizando escolhas lexicais distintas para produzi-las. Quando uma mesma seqncia existe dentro de diferentes FDs pode ter mais de uma significao pois "as condies de produo determinam ou limitam o sentido de um enunciado", e a partir da pode-se entender a noo de "memria discursiva15" na qual so possveis "repeties de discursos", os quais sustentam as posies ideolgicas dos sujeitos.

    A noo de discurso como efeito de sentidos entre sujeitos que ocupam lugares determinados na estrutura de uma formao social (PCHEUX, 1990, p. 82), permite afirmar que as identidades so um processo e um efeito de discurso,

    13 Introduzida por Foucault e reformulada por Pcheux no quadro da anlise de discurso.

    14 Segundo Pcheux, impossvel analisar um discurso como um texto, isto , como uma seqncia lingstica

    fechada sobre si mesma, sendo necessrio remet-lo ao conjunto que o cerca. Logo, fundamental entender a noo de ideologia, que, na concepo marxista, est intimamente ligada aos anseios de uma classe dominante que determina, atravs de um construto coerente de regras, normas, representaes e valores, todo o modo de pensar e agir de um perodo histrico. Assim, esse grupo que detm a autonomia social reparte entre os homens seu pensamento e cria nestes uma conscincia ilusria da realidade as Formaes Ideolgicas (FI) -, que passa a ser aceita por todos e permite excluir contradies entre as foras de produo e relaes sociais resultantes da diviso social do trabalho material e intelectual.

    15 Charaudeau e Mainguenau (2004: 324) explicam "memria discursiva": dizendo que o discurso tem relao

    com a memria de maneira constitutiva, em dois planos complementares: o da textualidade e o da histria.

  • porque emergem pelo emprego de estratgias especficas no interior de prticas discursivas.

    Contextualizando as mulheres brasileiras na histria e no discurso

    A diferenciao dos gneros acompanhou toda a histria da civilizao, desta maneira, passando por vrias reas da sociedade. A luta das mulheres pela igualdade de direitos histrica, pois vista na maioria das culturas como "o segundo sexo", isto , aquele que deriva do primeiro - o masculino, a mulher representou durante longo tempo uma mercadoria de troca, um bem a ser possudo16.

    A histria do movimento feminista tem sido responsvel, atravs das lutas e conquistas de tantas mulheres (muitas delas mrtires de seu ideal) no decorrer de quase dois sculos, por diversas conquistas. Os resultados destas lutas leva a humanidade a iniciar um novo milnio diante da aparente constatao de que ela buscou e conquistou seu lugar, de que mais que isso, a mulher assegurou seu direito cidadania, legitimando seu papel enquanto agente transformador.

    O movimento feminista acontece no contexto mundial e por conseqncia, tambm no Brasil, consistindo num fenmeno que se relaciona entre si, no importando onde se localiza.

    No decorrer do tempo, tanto o feminismo mundial quanto o feminismo brasileiro mudaram, fosse o movimento sufragista ou emancipacionista do sculo XIX, levando a mulher a obter uma maior participao no espao pblico depois da Primeira Guerra, do desenvolvimento industrial e do acesso a melhor escolaridade, assim como a divulgao da sua causa atravs da imprensa.

    Embora os avanos alcanados e a possibilidade de ingresso no mercado de trabalho, muitos eram os empecilhos para o desenvolvimento de suas atividades profissionais17.

    16 No patriarcalismo capitalista, a idia era a de posse dos bens e a garantia da herana dela para as futuras

    geraes. A sexualidade da mulher, nesta viso mercantil era percebida como repasse de bens materiais, atravs da herana e de reproduo da sua linhagem. A mulher passou a ser propriedade do marido e sua funo foi sendo restrita ao mundo domstico, submissa ao homem. Ns no queremos mais desigualdade entre homem e mulher! (Sandra Pedra II). Falco, Almeida, Moraes, e Arajo, em seu artigo "Dia Internacional da Mulher no Municpio de Carabas/RN - Um Resgate Histrico"

    17 Segundo Maluf & Mott (1998, p. 401-402), "Professora, enfermeira, ou atuando em outras reas, mulheres

    casadas "precisavam da autorizao do marido para exercer qualquer profisso fora do lar atividade que s era considerada legtima quando necessria para o sustento da famlia, raramente para realizao pessoal".

  • No contexto dos movimentos cujo "objeto" era sempre reivindicatrio, no sculo 18, foi o direito a educao, no sculo 19, o direito ao voto. Aqui surge a segunda onda do movimento feminista, nos anos 60, em torno da afirmao de que o "pessoal poltico", quando acontece um grande e profundo questionamento dos parmetros conceituais do poltico, tendo este conceito (at ento entendido no mbito da esfera pblica e da relaes sociais que a acontecem) os seus limites rompidos. A poltica passa no mbito da esfera pblica, a ser entendida como o uso limitado do poder social ao afirmar que o pessoal poltico,

    "o feminismo trs para o espao da discusso poltica as questes at ento vistas e tratadas como especficas do privado, quebrando a dicotomia pblico-privado base de todo o pensamento liberal sobre as especificidades da poltica e do poder poltico. O movimento resignificou o poder poltico e a forma de entender a poltica ao colocar novos espaos no privado e no domstico. Sua fora est em recolocar a forma de entender a poltica e o poder, de questionar o contedo formal que se atribuiu ao poder a as formas em que exercido. Distingue-se dos outros movimentos de mulheres por defender os interesses de gnero das mulheres, por questionar os sistemas culturais e polticos construdos a partir dos papeis de gnero historicamente atribudos s mulheres, pela definio da sua autonomia em relao a outros movimentos, organizaes e o Estado e pelo princpio organizativo da horizontalidade, isto , da no existncia de esferas de decises hierarquizadas (ALVAREZ: 1990, p.23).

    As temticas femininas passam a abranger desde as questes de gnero at o tratamento nas reas de violncia e de direitos humanos e vo percorrendo perspectivas partidrias, profissionais, ecolgicas, comunitrias, e outras, nas quais novos conhecimentos e novas snteses vo sendo produzidas, onde suas linhas de atuao especializam-se abrangendo estudos e pesquisa, assessoria, defesa e promoo de direitos e de cidadania, capacitao, articulao, comunicao poltica18.

    A politizao do espao privado pelas feministas vem da reflexo sobre o processo de segregao e submisso que as mulheres sofreram por milhares de anos quando os elementos opressores aos poucos comeam a ser denunciados proporcionando assim, a recuperao da esfera do privado e sua respectiva politizao que apontam para a importncia de se construir projetos de felicidade, de democracia, de fraternidade no mbito das relaes interpessoais.

    O feminismo brasileiro mudou tambm em relao aos anos 70, 80 e 90.

    18 Em 1967 foi elaborada a primeira Constituio aps a Declarao Universal dos Direitos Humanos que garante

    a igualdade legal, sem distino de sexo.

  • A dcada de setenta constituiu um marco para o movimento de mulheres no Brasil, que apesar da ditadura poltica, vo s ruas reivindicando a redemocratizao do pas e a melhoria nas condies de vida e de trabalho da populao brasileira e na dcada de oitenta, o movimento se amplia e se diversifica, ocupando os espaos polticos, sindicatos e associaes de bairro.

    A luta da mulher pela igualdade e pelo reconhecimento de seus direitos chega ao sculo vinte e um com muitas vitrias19, algumas das quais tem grande relao com o impacto e poder dos meios de comunicao de massa na sociedade. A poltica, na qual tambm a mulher se insere, torna-se um espetculo mediatizado pelos meios de comunicao de massa, cujo poder simblico, de acordo com J.B. Thompson, causa grande impacto na comunicao social, e no permite que a comunicao entre as pessoas fique inalterada, criando um discurso prprio, atravs do qual so criadas novas relaes sociais e novas maneiras de relacionamento dos indivduos com os outros e consigo.

    A Modernidade trs consigo o processo de expanso das redes de comunicao, os fluxos de informao e sua globalizao, assim como seu entrelaamento com as formas de poder - econmico, poltico e militar que utilizado pelos atores sociais (individuais e coletivos) na conquista e alcance de seus objetivos. Ocorre o desenvolvimento acentuado das instituies miditicas, e o crescimento de novas redes de comunicao e informao, que atuam no imaginrio popular e permitem a criao de dolos e de mitos. O discurso miditico seduz (Ferrs, 1998) e permite que especialmente o discurso poltico, uma vez midiatizado torne-se sedutor.

    Thompson (1998) explora o impacto do discurso da mdia na relao entre o pblico e o privado e na mudana do vnculo entre a visibilidade e o poder20, considerando que o movimento de liberao da mulher um movimento contnuo no qual est sempre presente uma disputa de poder, seja econmico (gerado pelo lucro) ou simblico (gerado pelas informaes) que consistem nas principais maneiras de obter sucesso e que com a evoluo da sociedade. O autor coloca que

    19 preciso destacar aqui que os movimentos feministas obtiveram avanos significativos no Ocidente e que

    apenas em alguns pases e reas do Oriente este avano ocorreu. H muitos pases em que as condies das mulheres ainda so extremamente precrias. 20

    No Livro "A mdia e a modernidade: uma teoria social da mdia " ( Petrpolis, RJ : Vozes, 1998) J. B. Thompsom nos esclarece que "poder a capacidade de agir para alcanar os prprios objetivos ou interesses, a capacidade de intervir no curso dos acontecimentos e em suas conseqncias"

  • ocorreu tambm a evoluo da noo de cidadania, a qual est representada/ mostrada na mdia e que se relaciona diretamente com a mulher.

    O desenvolvimento da mdia teve enorme influncia na mudana dessa relao, superando a publicidade da co-presena para a miditica. Desloca a relao privado/pblico para a de visibilidade/invisibilidade. Tal mudana teve enorme repercusso na poltica, expondo os polticos a uma publicidade maior, que eles procuram administrar, mas sobre a qual no tm total domnio [...]. (THOMPSON, 1998)

    Ocorre que, embora as vitrias alcanadas, a disputa de poder levantada por Thompsom est presente e as mulheres ainda vivem numa sociedade que lhe d respostas ineficazes, em que a supremacia dos homens no permite o atendimento dos verdadeiros anseios da populao feminina, embora a mulher tenha direito ao voto, torne-se independente, possa exercer sua atividade profissional sem depender da autorizao de ningum, e torne-se "dona" do prprio corpo

    A mdia consiste um locus especial de anlise da ao do discurso e das imagens das mulheres modelando-as e assujeitando-as a uma certa representao do feminino. Em seus discursos, articula elementos discursivos diversos e heterogneos para a produo de identidade(s) das mulheres, nos quais ocorre uma descontinuidade entre os enunciados e os aspectos resgatados de nossa memria histrica.

    Por isso, apesar de evidentes modificaes nas relaes de gnero, o que aqui se pretende analisar a dimenso das representaes sociais do feminino, especificando que tipos de sentidos so produzidos sobre sua identidade no discurso da mdia, quais as representaes constitutivas das configuraes identitrias das mulheres aqui representadas pelas primeiras-damas (j que presentes na apreenso do real), e compreender, a partir do dispositivo terico-metodolgico da Anlise de Discurso francesa, a relao entre o discurso da mdia hoje, e prticas discursivas que procuraram objetivar a mulher por elas representada.

    As Primeiras Damas - mulheres brasileiras em espaos de representao pblica na mdia

  • A produo de sentido decorrente dos discursos presentes nas mensagens veiculadas pela mdia21 gera calorosos confrontos presentes numa dinmica social que envolve processos organizados e organizadores mltiplos, em que esto presentes grandes corporaes de mdia e a sociedade como um todo. As prticas cotidianas e a produo miditica geram grande desequilbrio na capacidade de organizao dos relatos/discursos e de velocidade dos fluxos de informao entre as organizaes miditicas e os processos comunicativos do dia-a-dia, dos quais a mdia uma referncia marcante entre tantas outras.

    Os relatos/discursos dos veculos de comunicao fornecem um referencial simblico comum que faz falar, e a mdia se constitui num lugar social a partir do qual novos relatos surgiro. Ferrs (1996: 110) coloca que "O receptor costuma viver com a convico de que nos relatos no h discurso. Na realidade, tanto os personagens do relato como a prpria estrutura da narrativa so portadores de significaes. So reflexo da ideologia do autor, legitimam-na, reforam-na."

    Os discursos enunciados pela mdia alimentam-se de referncias sociais e de uma memria dinmica que enriquecem as diversas comunicaes realizadas e provocam na relao entre a mdia e as prticas cotidianas, uma tenso dialtica que fora um movimento entre lugares organizados pela mdia e o espao criado pelas prticas cotidianas, resultando em diferentes contextos. "A criao de contextos tambm um recurso eficaz para conferir valor e dignificao realidade de maneira aleatria, pouco ou nada racional e quase sempre inconsciente." Ferrs, 57).

    21 Mdia no Brasil : um termo utilizado em comunicao e pode apresentar vrios significados: os meios de

    comunicao; os veculos de comunicao; a comunicao de massa; mdia: rea da publicidade responsvel pela veiculao de anncios, ou ainda, uma mdia de armazenamento o suporte no qual pode se registrar a informao digital, entre outros. Retirado de "http://pt.wikipedia.org/wiki/M" consulta em 27/07/2006. Para Gohn (2000: 19), "mdia o conjunto de instituies, negcios ou norganizaes que produz e transmite informsaes para determinados pblicos, de audincia, leitores e grupos especializados. A autora inclui jornais, rdios, estaes de televiso (canais regulares e a cabo), magazines, boletins, mdia computadorizada "on-line", mdia interativa via computador, filmes e vdeos. A mdia, cuja produo vai ser analisada neste artigo, consitui-se da mdia impressa e digital, de produo jornalstica. A sofisticao das ferramentas de pesquisa vm permitindo fazer identificao precisa de diferentes nichos de consumidores, analisando seus conjuntos de valores e as sutis diferenas em seus estilos de vida". Nessa perspectiva, segundo a ANER- Associao Nacional de Editores de Revistas- as revistas se tornam imbatveis para atingir o pblico certo da maneira exata e de modo eficiente e objetivo. Falando diretamente com o leitor sobre contedos de interesse especfico na linguagem que ele vivencia, as revistas se tornam ainda mais ntimas e, porque no dizer, cmplices de seus pblicos. H uma revista certa para cada tipo de consumidor e h um consumidor certo para cada tipo de revista. O mercado editorial de revistas um mercado bastante competitivo. Mensalmente, so lanados cerca de 2000 ttulos de revistas, distribudos nos 30 mil pontos de vendas de bancas brasileiras." Quanto mdia digital, neste caso, a Internet, "O elevado nvel de segmentao que o mercado editorial apresenta permite focar diferentes segmentos de comunicao, propiciando espaos alternativos para expressar opinies e divulgar / tematizar diferentes reas de interesse.

  • Ao afirmar que " a informao, no a realidade, a que constri a sociedade" Ferrs (1996:164) fala na construo de modelos pelo discurso miditico, afirmando que as informaes (especialmente as polticas) despertam interesse e possuem uma eficcia socializadora em funo das implicaes emotivas que provocam atravs dos mecanismos psicolgicos de identificao e de projeo.

    H ento uma necessidade de realizar um trabalho interdisciplinar, lanando mo tanto dos conhecimentos da rea da Comunicao, quanto da Psicologia e da Lingustica para analisar o discurso da mdia. Leite (2003:101), afirma que "uma das grandes contribuies da Anlise de Discurso para o estudo do texto articular o lingustico ao scio-histrico, este entendido como exterior constitutivo daquele. Isto significa que a exterioridade se inscreve no prprio texto e no como algo que est fora e se reflete nele. "Assim, na materialidade do discurso 'exibe-se a articulao da lngua com a Histria' (Gregolin, 2000)." Aqui esta articulao ocorre tambm com a mdia.

    Uma vez que o objeto de estudos sobre o qual lanamos o olhar refere-se mdia, mais especificamente prtica jornalstica, pertinente lembrar que segundo Romo22:

    O discurso jornalstico impresso permite que os movimentos de trnsito do sujeito sejam marcados por uma materialidade fsica, ou melhor, ao manusear os cadernos de um jornal, possvel aumentar ou diminuir o zoom, aproximar-se mais de uma determinada notcia no caderno de cultura, olhar a vista panormica da primeira pgina, localizar-se em meio s letras esportivas, deslocar-se para os relatos sobre poltica, usando a organizao j dada pelo jornal sob a forma de cadernos, sesses, nmeros das pginas etc. Existe tambm a chance de ler apenas as manchetes e as linhas finas, observar to somente as fotografias, dedicar-se a alguns cadernos em especial buscando deslizar os olhos sobre algo que traduza interesse, desfolhar os cadernos e as pginas e ajunt-los novamente, deslocar-se de maneira linear, ou desordenada que seja, mas, ainda assim, marcada e atravessada pelo corpo fsico do papel jornal, e essa fisicalidade apresenta um limite por onde o sujeito pode se mover, circular e produzir sentidos.

    O tema "Primeiras-Damas" torna-se interessante e motivador tendo em vista que refere-se a um determinado olhar da mdia sobre a mulher, e principalmente sua trajetria na sociedade, ligando-se poltica.

    O material de anlise para este trabalho, todo ele relativo s primeiras-damas, foi coletado atravs de artigos jornalsticos, em revistas e no site Observatrio da Imprensa na Internet, dos quais sero aproveitados fragmentos.

    22 ROMO. Luclia Maria Sousa. (FFCLRP/USP)O DISCURSO JORNALSTICO IMPRESSO E ELETRNICO:

    CONSIDERAES SOBRE O SUJEITO - apresentado no XXI Encontro Nacional da ANPOLL - Domnios do saber: histria, instituies e, pr[aticas, realizado de 19 a 21/07/2006 na PUC-SP em So Paulo

  • Foi Lgia Martins de Almeida, ex-reprter do Jornal da Tarde (SP), tambm da revista Veja, ex-editora da Nova e da Claudia e ex-redatora-chefe da Mxima, atualmente diretora do site Muito Melhor23, quem comeou, na campanha eleitoral de 2006, o debate em torno do papel de uma primeira-dama e de sua funo poltica, no site Observatrio da Imprensa24 ao questionar a funo da esposa do presidente. Jornalista, ela cobrou da mdia - no caso a imprensa brasileira - uma maior profundidade ao tratar o tema, de forma que ficassem claros pontos que justificassem esse papel poltico. No se trata aqui exclusivamente da imprensa feminina, pois vrios jornalistas do sexo masculino, em revistas dirigidas ao pblico em geral, tambm abordam o tema.

    Os artigos25, cujos fragmentos sero analisados, contm abordagens relativas ao papel histrico das primeiras-damas26, ligadas s atividades que os jornalistas lhes atribuem, em sua maioria ligadas assistncia social, especialmente no Brasil. O discurso relativo ao assistencialismo atribudo s primeiras-damas tradicional e neste aspecto podem ser encontrados registros e referncias no s na mdia jornalstica, mas tambm em documentos do governo, tais como o documento preliminar para a 1 Conferncia Nacional de Assistncia Social em que "o Presidente do Conselho Nacional de Assistncia Social (CNAS) poca afirmava que "historicamente, a assistncia social tem sido vista como a ao tradicionalmente paternalista e clientelista do poder pblico, associada s Primeiras-Damas, com um carter de "benesse", transformando o usurio na condio de "assistido", "favorecido", e nunca como cidado, usurio de um servio a que tem

    23 www.muitomelhor.com.br

    24 O Observatrio da Imprensa uma iniciativa do Projor Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo e

    projeto original do Laboratrio de Estudos Avanados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). um veculo jornalstico focado na crtica da mdia, com presena regular na internet desde abril de 1996. Nascido como site na web, em maio de 1998 o Observatrio da Imprensa ganhou uma verso televisiva, produzida pela TVE do Rio de Janeiro e TV Cultura de So Paulo, e transmitida semanalmente pela Rede Pblica de Televiso. Entidade civil, no-governamental, no-corporativa e no-partidria que pretende acompanhar, junto com outras organizaes da sociedade civil, o desempenho da mdia brasileira. O Observatrio da Imprensa funciona como um frum permanente onde os usurios da mdia leitores, ouvintes, telespectadores e internautas , organizados em associaes desvinculadas do estabelecimento jornalstico, podero manifestar-se e participar ativamente num processo no qual, at h pouco, desempenhavam o papel de agentes passivos. Disponvel em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/index.asp acesso em 15/03/2007. 25

    As primeiras-damas mudaram 22/01/2003, Imprensa e as Primeiras-Damas O lado fashion do poder - 16/5/2006 e O que faz a primeira-dama? (10/10/2006), reportagens de Ligia Martins de Almeida, publicadas em diferentes veculos de comunicao e retiradas do Observatrio da Imprensa; Primeiras Damas da jornalista Andria Bahia no Jornal Opo On Line de 31 de agosto a 06 de setembro de 2003; Primeira dama na Berlinda - Marcone Formiga Flash News - no. 174 26

    Primeira-dama o nome que recebe a esposa de um governante (no caso do Brasil: presidente da Repblica, governador de estado ou prefeito de municpio).Durante as juntas militares provisrias, de 24 de outubro de 1930

  • direito. Desta forma, confundia-se a assistncia social com a caridade da Igreja, com a ajuda aos pobres e necessitados...."27

    Aqui o enunciado presente na maioria das reportagens implica na construo de uma identidade das primeiras-damas, enquanto mulheres, filiada uma formao ideolgica, onde a mulher na sociedade continua sendo subordinada ao homem e s suas prticas polticas.

    Tais afirmativas encontram eco em matrias jornalsticas como as da jornalista Lgia Martins de Almeida (O que faz a primeira-dama), quando ao mesmo tempo em que questiona o que faz uma primeira-dama ela afirma que a mdia brasileira precisa copiar a imprensa americana na cobertura de eleies com relao ao destaque dado s esposas dos candidatos. Na mesma matria a jornalista refere-se ao fato da atual primeira-dama brasileira, dona Marisa Silva, apareceu raras vezes na imprensa e sempre "por motivos fteis":

    "A primeira apario foi na cobertura da posse, graas ao elegante vestido vermelho. Nas vezes seguintes, s mereceu algumas linhas por fazer reformas, nada essenciais, em sua moradia em Braslia: trocou a roupa de cama do palcio, modificou o projeto paisagstico do belo jardim com uma estrela de flores vermelhas e dedicou-se, acima de tudo, a se manter em forma (com direito a personal trainer) e com uma aparncia bem cuidada."

    Segundo Andria Bahia28, na Primeira Repblica no Brasil (1889-1930) "as primeiras-damas se limitavam aos afazeres domsticos". A jornalista afirma que "Passaram a ocupar um papel mais relevante a partir de Darcy Vargas, mulher de

    a 3 de novembro de 1930, e de 31 de agosto de 1969 a 30 de outubro de 1969, as respectivas esposas dos chefes do Executivo no so consideradas primeiras-damas. 27

    Carlos Alberto Monteiro de Aguiar em seu artigo " Assistncia Social no Brasil: a mudana do modelo de gesto" primeiro assegura a assistncia social como direito do cidado, afirmando a seguir que esse papel atribudo s primeiras-damas tradicional e que atravs dele a assistncia social era vista "de forma dicotomizada, com carter residual, prxima das prticas filantrpicas, um espao de reproduo da excluso e privilgios e no como mecanismo possvel de universalizao de direitos sociais. A assistncia sempre se apresentou aos segmentos progressistas da sociedade como uma prtica e no como uma poltica". Em seu artigo o autor coloca que "O "primeiro-damismo" a institucionalizao do assistencialismo na figura da mulher do governante(...) A assistncia social como poltica pblica se ocupa do provimento de atenes para enfrentar as fragilidades de determinados segmentos sociais, superar excluses sociais e defender e vigiar os direitos dos mnimos de cidadania e dignidade. (....)". Ele faz uma crtica poltica existente que aponta para o "primeiro-damismo", e que reserva esposa do governante (com ou sem formao ou conhecimento na rea) um trabalho de assistncia social, embora na maior parte dos governos existam estruturas especficas para isto, ocorrendo a aprtir da duplicao de comandos, conflitos explcitos ou velados, como na ex-FLBA e o MBES em nvel nacional, podendo porm o conflito ocorrer tambm nos Estados e nos Municpios. " Esse papel atribudo s primeiras-damas tradicional e atravs dele, muitas vezes, processa-se uma poltica de carter clientelista"". Disponvel em www.fundap.sp.gov.br/publicacoes/TextosTecnicos/textec3.htm - 89k acesso em 15/03/2007 28

    Em seu artigo Primeiras-Damas, no jornal Opo - On Line de 31 de agosto a 06 de setembro de 2003

  • Getlio Vargas e fundadora da LBA."29 Bahia analisa as primeiras-damas brasileiras em sucesso cronolgica, colocando que Yolanda Costa e Silva teve maior papel de destaque durante o regime militar, mas sua passagem espalhafatosa por Braslia s foi ofuscada por Dulce Figueiredo (que entrou para a histria como exibicionista e sem classe). Marly, a esposa de Jos Sarney foi o extremo da discrio no papel de primeira-dama pois jamais opinou sobre assuntos de governo. De Rosane Collor " lembramos da peruce, dos escndalos na LBA, do comportamento provinciano e das roupas e cortes de cabelos de extremo mau gosto" ao passo que " Ruth Cardoso30, desde que assumiu o posto de primeira-dama, manteve o mesmo estilo de vida anterior ao poder e, em vez de distribuir cestas bsicas, idealizou o programa Comunidade Solidria." De Marisa Silva Andria fala que:

    Marisa neta de imigrantes italianos, filha de agricultores e ex-operria. Est com Lula desde a primeira campanha presidencial, em 1989, mas, pela primeira vez, participou ativamente. Para aparecer nos programas eleitorais, Marisa emagreceu, mudou o corte do cabelo com Wanderley Nunes, o cabeleireiro de Gisele Bndchen, trocou as saias floridas por terninhos elegantes e se submeteu a uma cirurgia plstica e um lifting facial que a rejuvenesceu vrios anos. Coisas do marqueteiro Duda Mendona. Era apresentada por Lula em todos os comcios como sua cara-metade. [...] Falam de uma mulher discreta, que se contentava em estar atrs do marido, que comeou a trabalhar aos 9 anos como pajem e mais tarde deixou a rede municipal de ensino para cuidar dos filhos. Durante a campanha, Marisa dizia que, se Lula fosse eleito, iria se dedicar aos trabalhos com a juventude e combater a violncia. Mas, at hoje, sua principal funo a de dama de companhia do presidente. [...]No So Paulo Fashion Week, dividiu as atenes com a top model Gisele Bndchen. [...] Para escolher seus terninhos, Marisa Letcia conta com uma assessoria especializada, assim como tem funcionrias pagas pelo dinheiro pblico para cuidar de sua agenda, que a mesma do presidente. Sua equipe pessoal ainda composta de uma cabeleireira e maquiadora, e uma consultora de moda .

    Lgia Martins de Almeida31 referindo-se a dona Marisa Silva32 comenta que "Teve tambm o caso do gabinete que ela ganhou ou exigiu no mesmo andar em

    29 As mulheres de presidentes comearam a ter visibilidade nos Estados Unidos e a primeira a possuir luz prpria

    foi Eleanor Roosevelt, por sua inteligncia. Mas toda a simbologia do cargo foi construda em torno da imagem sofisticada de Jackeline Kennedy, desfilando ao lado de John Kennedy. 30

    Ruth Cardoso nunca se fez presente onde no era necessria. Por isso, talvez se tenha saudade de seu estilo discreto, seu tailler em cores pastel e suas opinies ponderadas que, por mais de uma vez, divergiram das do ento presidente Fernando Henrique Cardoso. Numa entrevista, j no final do mandato do marido, disse que a imprensa, no comeo, incomodou. Discutia suas roupas, suas jias, seus culos e cabelo, sem lembrar de uma vida toda dedicada carreira universitria e famlia. Mas durou pouco. Afinal, uma primeira-dama que repete roupas e jias e que faz um trabalho srio no rende boas fotos e textos divertidos. Com Ruth terminou - felizmente - a era das "peruas" e da futilidade no Alvorada. Ela abriu caminho para um novo momento que poderia comear logo, se a imprensa feminina resolvesse falar srio com Marisa da Silva. Afinal, no se enfrenta o trabalho na fbrica, a luta sindical, a priso do marido e 12 anos de campanha poltica para chegar Presidncia sem adquirir uma clara viso da poltica nacional. 31

    O que faz a primeira-dama? (10/10/2006). 32

    Depois da professora Ruth Cardoso, chegou a vez da operria Marisa da Silva. E a imprensa, que saudou a intelectual, se rende elegncia da ex-operria. Os destaques vo para o vestido vermelho da posse, a simplicidade em usar um cabeleireiro de Braslia para a festa da investidura do marido e, claro, a habilidade culinria da primeira-dama. Afinal, no qualquer dona-de-casa que tem no currculo o fato de ter preparado,

  • que despacha o marido presidente onde, por dever do cargo, deveria fazer o trabalho de coordenao do Fundo Social da Presidncia. Se fez e o que fez, a imprensa ainda no contou" e conclui:

    Talvez seja hora de a imprensa informar ao pblico quais so os direitos e deveres da primeira-dama. J que uma parte do oramento da Unio reservado para que a mulher do presidente faa um trabalho, os eleitores tm direito de saber se o dinheiro bem gasto. [...] seria interessante saber se ela fez alguma coisa nesse mandato que termina agora, alm de mudar a cor do cabelo e detalhes da decorao do Palcio da Alvorada.

    O jornalista Marcone Formiga em seu artigo "A difcil arte de ser a primeira-dama", na revista Flash news, faz uma referncia provocao da sua colega Lgia Almeida, e tenta de certa forma responder ao seu questionamento. Ao fazer isto, ele busca um resgate de quem e quais foram as primeiras-damas no Brasil, constri atravs das enunciaes de seu discurso sobre elas, identidades vinculadas a diferentes formaes ideolgicas atravs do tempo, citando caractersticas e atividades por elas desenvolvidas, numa realidade histrica e heterognea em que vrias vozes se mesclam. Referindo-se Darcy Vargas, Donas Santinha, Dulce Figueiredo, Rosane Collor, Ruth Cardoso e Dona Marisa da Silva, o jornalista citando caractersticas e atividades por elas desenvolvidas, discorda de Andria Bahia sobre Yolanda Costa e Silva, que de acordo com ele, tinha personalidade forte e controvertida, a ponto de ser temida pelos ministros civis e odiada pelos militares, tendo sido sem dvida, uma eminncia parda durante a passagem do marido pelo poder).

    Almeida critica a imprensa feminina, que se vangloria de prestar servios s mulheres, afirmando que no necessrio deixar de lado temas como moda, beleza, decorao e temas afins, mas que necessrio abrir espao em sua pauta para assuntos de real importncia, mostrando que a mulher deixou de ser a mulher escondida atrs de um grande homem, "Que, como fez questo de enfatizar o presidente Lula, somos "companheiras" no sentido mais amplo da palavra?", aproveitando para falar srio e mostrar as atividades sociais srias e responsveis que lhes cabem.

    A configurao da FD acerca das primeiras-damas - mulheres brasileiras

    com sucesso, um frango com polenta para o comandante Fidel Castro. No mais, fala-se do romance do primeiro casal, da criao dos filhos e da maneira discreta como sabe se conduzir.

  • Nos fragmentos de textos analisados percebe-se a existncia de uma "unidade" em alguns pontos: as primeiras-damas ou so discretas e voltadas para atividades assistenciais, ou se preocupam com a beleza, a moda, a sociedade. Percebe-se que h nos textos da mdia a iluso de unidade de sentido, pois para Gregolin (2003: 97) "as mdias desempenham o papel de mediao entre seus leitores e a realidade. O que os textos da mdia oferecem no a realidade, mas uma construo que permite ao leitor produzir formas simblicas de representao da sua relao com a realidade concreta". Assim a Formao Discursiva presente remete a uma viso de mulher presente nas sociedades capitalistas em que a mulher "serve ao homem". Os jornalistas, em especial, as mulheres jornalistas, conforme vimos no aparato terico, dadas as foras e interesses que sobre eles operam e se confrontam, quando falam e interpretam sentidos, no dizem o que querem, mas sim, formulam enunciados de acordo com o lugar social que ocupam sem tomar conscincia deste fato devido ao contexto histrico-ideolgico que sobre eles atua.

    As FDs presentes nos discursos analisados existem historicamente no interior de determinadas relaes de classe e derivam de condies de produo especficas; identificando um domnio de saber e dissimulando, pela transparncia de sentido que nelas se constituem. Por vezes essas FDs se confrontam porque representam posies sociais e ideolgicas entre si, agrupando saberes e demandas de classes que se contrapem, no caso deste estudo, homens X mulheres X posio social X poltica.

    As FDs ocorrem, nos artigos que serviram de referncia, num contexto ideolgico e poltico , no seio de uma formao social e numa conjuntura histrica determinada e cuja configurao discursiva uma constante e tem a ver com os diferentes movimentos sociais ocorridos no pas e mesmo no exterior ao longo do tempo.

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    Endereos eletrnicos:

    As Interfaces da Anlise de Discurso no Quadro das Cincias Humanas por Maria Cristina Leandro Ferreira - 10/05/2004 http://www.discurso.ufrgs.br/article.php3?id_article=3