ARTIGO-CORTICÓIDES TÓPICOS REVISÃO

7
REVISÕES Rev Port Clin Geral 2005;21:367-73 367 propriedades. A eficácia clínica de um corticóide tópico depende das propriedades do fármaco, da sua aplicação e tam- bém do indivíduo que necessita de tratamento. Esta revisão bibliográfica preten- de: rever as propriedades farmacodi- nâmicas dos corticóides tópicos; classificar os corticóides tópicos existentes no mercado português, quanto à sua potência e forma galé- nica, indicando as suas denomina- ções internacionais e seus nomes comerciais; determinar alguns factores que influenciam a eficácia clínica dos corticóides tópicos, em relação ao fármaco (estrutura química, con- centração, veículo e adição de outras substâncias), à sua aplicação (quan- tidade, modo, frequência e duração de aplicação) e ao indivíduo (nature- za, localização e extensão da lesão, sexo e idade do indivíduo); identificar algumas indicações, contra-indicações e efeitos laterais da corticoterapia tópica; referir algumas considerações gerais relativas à prescrição dos der- mocorticóides. Efectuou-se uma revisão bibliográfi- ca baseada em pesquisa na base de dados Medline e nas consultas de livros da especialidade, do Simpó- sium Terapêutico e da página de In- ternet do Infarmed. Na pesquisa na base de dados Medline entre os anos 1993 e 2004, com a introdução dos descritores «topical corticosteroids» e «cutaneous», obtiveram-se 232 arti- Corticóides tópicos Considerações sobre a sua aplicação na patologia cutânea ANA DIAS COSTA*, SUSANA MACHADO**, MANUELA SELORES*** *Interna Complementar Medicina Geral e Familiar, Unidade de Saúde Familiar Serpa Pinto. **Assistente Hospitalar do Serviço de Dermatologia do Hospital Geral Santo António, SA. ***Directora do Serviço de Dermatologia do Hospital Geral Santo António, SA. O s corticóides tópicos são fármacos muito usados no tratamento de pa- tologia inflamatória, proliferativa ou de causa imunológi- ca da pele, podendo também ser efi- cazes no tratamento de sintomas cutâneos tais como prurido e sensa- ção de queimadura 1 . Actualmente, existem no mercado português inú- meros corticóides tópicos, com dife- rentes potências, diferentes veícu- los e, consequentemente, diferentes RESUMO Introdução: Actualmente, existem em Portugal inúmeros corticóides tópicos, com diferentes potências, diferentes veículos e, consequente- mente, diferentes propriedades. A eficácia clínica de um corticóide tópico depende das suas propriedades e modo de aplicação, bem como do tipo de lesão e do indivíduo em causa. Objectivos: Esta revisão bibliográfica pretende rever as propriedades farmacodinâmicas dos corticóides tópicos, caracterizar os corticóides tópicos disponíveis em Portugal, determinar alguns factores que influenciam a sua eficácia clínica e descrever as suas indicações, contra- -indicações e efeitos laterais tendo em conta a sua aplicação na práctica clínica em doentes com patologia cutânea. Método: Efectuou-se uma revisão bibliográfica baseada em pesquisa na base de dados Medline, entre os anos 1993 e 2004 e nas con- sultas de livros da especialidade, do Simpósium Terapêutico e da página de Internet do Infarmed. Foi reunida informação actualizada sobre corticoterapia tópica no tratamento de patologia cutânea. Palavras-chave: Corticoterapia Tópica; Pele. INTRODUÇÃO MÉTODOS

Transcript of ARTIGO-CORTICÓIDES TÓPICOS REVISÃO

Page 1: ARTIGO-CORTICÓIDES TÓPICOS REVISÃO

REVISÕES

Rev Port Clin Geral 2005;21:367-73 367

propriedades.A eficácia clínica de um corticóide

tópico depende das propriedades dofármaco, da sua aplicação e tam-bém do indivíduo que necessita detratamento.

Esta revisão bibliográfica preten-de:– rever as propriedades farmacodi-nâmicas dos corticóides tópicos;– classificar os corticóides tópicosexistentes no mercado português,quanto à sua potência e forma galé-nica, indicando as suas denomina-ções internacionais e seus nomescomerciais;– determinar alguns factores queinfluenciam a eficácia clínica doscorticóides tópicos, em relação aofármaco (estrutura química, con-centração, veículo e adição de outrassubstâncias), à sua aplicação (quan-tidade, modo, frequência e duração

de aplicação) e ao indivíduo (nature-za, localização e extensão da lesão,sexo e idade do indivíduo);– identificar algumas indicações,contra-indicações e efeitos lateraisda corticoterapia tópica;– referir algumas consideraçõesgerais relativas à prescrição dos der-mocorticóides.

Efectuou-se uma revisão bibliográfi-ca baseada em pesquisa na base dedados Medline e nas consultas delivros da especialidade, do Simpó-sium Terapêutico e da página de In-ternet do Infarmed. Na pesquisa nabase de dados Medline entre os anos1993 e 2004, com a introdução dosdescritores «topical corticosteroids» e«cutaneous», obtiveram-se 232 arti-

Corticóides tópicosConsiderações sobre a sua aplicação na patologia cutâneaANA DIAS COSTA*, SUSANA MACHADO**, MANUELA SELORES***

*Interna Complementar Medicina Geral e Familiar, Unidade de Saúde

Familiar Serpa Pinto.**Assistente Hospitalar do Serviço de Dermatologia do Hospital Geral

Santo António, SA.***Directora do Serviço de Dermatologia

do Hospital Geral Santo António, SA.

Os corticóides tópicos sãofármacos muito usadosno tratamento de pa-tologia inflamatória,

proliferativa ou de causa imunológi-ca da pele, podendo também ser efi-cazes no tratamento de sintomascutâneos tais como prurido e sensa-ção de queimadura1. Actualmente,existem no mercado português inú-meros corticóides tópicos, com dife-rentes potências, diferentes veícu-los e, consequentemente, diferentes

RESUMOIntrodução: Actualmente, existem em Portugal inúmeros corticóides tópicos, com diferentes potências, diferentes veículos e, consequente-mente, diferentes propriedades.A eficácia clínica de um corticóide tópico depende das suas propriedades e modo de aplicação, bem como do tipo de lesão e do indivíduo emcausa.Objectivos: Esta revisão bibliográfica pretende rever as propriedades farmacodinâmicas dos corticóides tópicos, caracterizar os corticóidestópicos disponíveis em Portugal, determinar alguns factores que influenciam a sua eficácia clínica e descrever as suas indicações, contra--indicações e efeitos laterais tendo em conta a sua aplicação na práctica clínica em doentes com patologia cutânea.Método: Efectuou-se uma revisão bibliográfica baseada em pesquisa na base de dados Medline, entre os anos 1993 e 2004 e nas con-sultas de livros da especialidade, do Simpósium Terapêutico e da página de Internet do Infarmed.Foi reunida informação actualizada sobre corticoterapia tópica no tratamento de patologia cutânea.

Palavras-chave: Corticoterapia Tópica; Pele.

FUINTRODUÇÃO

MÉTODOS

Page 2: ARTIGO-CORTICÓIDES TÓPICOS REVISÃO

REVISÕES

gos, tendo-se seleccionado para aredacção final os artigos mais perti-nentes relativamente aos objectivosdefinidos.

Foi reunida informação actualiza-da sobre corticoterapia tópica no tra-tamento de patologia cutânea.

Propriedades farmacodinâmicasOs corticóides tópicos possuem osseguintes tipos de actividade far-macológica que determinam a suaacção clínica 2,3:

ACÇÃO ANTI-INFLAMATÓRIA

É o efeito terapêutico mais procura-do e caracteriza-se pela diminuiçãodo edema e eritema subjacentes aqualquer causa de inflamação –acção não específica.

ACÇÃO VASOCONSTRITORA

Efeito importante na diminuição doeritema e edema da reacção infla-matória. Esta propriedade serve debase ao teste de McKenzie que esta-belece uma escala de potências dosdermocorticóides uma vez que existerelação entre a acção vasoconstrito-ra e actividade anti-inflamatóriadestes fármacos.

ACÇÃO ANTI-PROLIFERATIVA

(ANTI-MITÓTICA)Inibição não específica do ciclo celu-lar, responsável por alguns efeitoslaterais locais, como a atrofia e a hi-popigmentação. Esta acção tem in-teresse terapêutico em alguns ca-sos, nomeadamente, no tratamentodas cicatrizes quelóides.

ACÇÃO IMUNOSUPRESSORA

É útil no tratamento de patologiaque tenha subjacente mecanismosimunológicos mas também é res-ponsável pelo agravamento de infec-

ções cutâneas localizadas nos locaisde aplicação do fármaco.

TAQUIFILAXIA

Define-se como resistência clínica aotratamento após aplicação prolonga-da e ininterrupta do corticóide e variacom a potência e concentração dofármaco, verificando-se que elevadaspotência e concentração se associama desenvolvimento mais rápido detaquifilaxia. Este fenómeno não seconstata em relação aos efeitos late-rais, que tendem a acentuar-se.

ACÇÃO MINERAL E GLUCOCORTICÓIDE

O seu efeito sobre o eixo hipotálamo--hipofisário manifesta-se por dimi-nuição do cortisol plasmático, sendoraramente sintomático.

ClassificaçãoA potência de um dermocorticóidedepende das características quími-cas e farmacológias da molécula, dasua concentração no veículo e danatureza do veículo. A sua classifi-cação baseia-se na acção vasocons-tritora do fármaco e no resultado deensaios clínicos2,4.

A classificação americana con-sidera 7 classes (I, II, III, IV, V, VI eVII), de potência decrescente, sendoa classe I a de maior potência.

A classificação europeia consisteem 4 classes (I, II, III e IV), de potên-cia crescente, correspondendo àclasse I a menor potência. No Qua-dro I classificam-se os corticóides tó-picos existentes no mercado portu-guês, em 2004, quanto à sua potên-cia e forma galénica.5,6

Factores que determinam aeficácia clínica dos corticóidestópicosNa década de 1950-60, reconheceu--se a eficácia da hidrocortisona tópi-ca no tratamento de patologia cutâ-nea inflamatória ou proliferativa.

Esta descoberta veio revolucionar aterapêutica tópica, uma vez que, atéentão, o tratamento deste tipo de pa-tologia da pele era empírico e poucoeficaz1, 2,3.

Ao longo dos anos, introduziram--se alterações na estrutura inicial dahidrocortisona com o objectivo deaumentar a sua potência. Contudo,verificou-se que essas modificaçõesaumentavam também o risco deefeitos indesejáveis, nomeadamentea atrofia cutânea. Assim, foi neces-sário desenvolver novas moléculasque reunissem maior potência deacção, mas com efeitos laterais lo-cais comparáveis aos dos corticóidesde mais fraca potência4,7,8,9.

Em 1977, descreveu-se pela pri-meira vez, com o butirato de clobeta-sol, uma melhor relação entre eficá-cia clínica e efeito de atrofia local.Esta melhoria foi possível devido àsíntese de moléculas com absorçãolimitada, moléculas com afinidademuito específica para os receptorescutâneos ou moléculas que apresen-tam elevada actividade na pele massão rapidamente metabolizadas emmetabolitos inactivos 7,9.

Assim, são exemplos de dermo-corticóides de nova geração o acepo-nato de hidrocortisona, o aceponatode metilprednisolona, o prednicar-bato, o proprionato de fluticasona, obudesonido e o furoato de mometa-sona2,9. De entre estes estão comer-cializados em Portugal o aceponatode metilprednisolona, furoato demometasona e o propionato de fluti-casona, que possuem elevado nívelde actividade anti-inflamatória combaixo risco de toxicidade sistémica7,8.Apesar de não ser consensual, pare-cem estar também associados amenor risco de atrofia cutânea2,8.

A eficácia clínica dos dermocorti-cóides depende de factores inerentesao fármaco (estrutura química, con-centração, veículo e adição de outras

368 Rev Port Clin Geral 2005;21:367-73

CORPO DA REVISÃO

Page 3: ARTIGO-CORTICÓIDES TÓPICOS REVISÃO

Rev Port Clin Geral 2005;21:367-73 369

substâncias), à sua aplicação (quan-tidade, modo, frequência e duração)e ao indivíduo (natureza, localizaçãoe extensão da lesão; sexo e idade doindivíduo).

FÁRMACO

Estrutura químicaA lipossolubilidade na camada cór-nea favorece a penetração do corti-cóide2. Factores como conservantes,fragâncias, cor, agentes de libertaçãoe outros excipientes podem aumen-tar a biodisponibilidade ou a acei-

tação cosmética do fármaco4.

ConcentraçãoQuanto maior a concentração dofármaco maior é a sua potência4.Contudo, deve-se salientar que o usode um corticóide com potência maiselevada do que o necessário não temqualquer vantagem no tratamento eacarreta um aumento do risco deefeitos laterais4,10.

VeículoEm cada formulação, as proporções

relativas de princípio activo e veícu-lo são de 0,025% e 99,975% res-pectivamente, o que determina a im-portância do veículo na eficácia clíni-ca do fármaco11. A penetração é fa-vorecida pelo excipiente gordo (efeitooclusivo) e pelo propileno glicol (so-lubilisante)2,9.– Pomada: contém um excipientegordo, que porporciona boa hidra-tação e potência a penetração docorticóide por efeito oclusivo1,2,10.Qualquer concentração de corticóideé mais potente no veículo pomada doque no veículo creme ou loção1,4. Émais hidratante do que o creme,mas é pouco cosmético1,10. Este veí-culo é mais apropriado para o trata-mento de lesões liquenificadas, es-pessas e fissuradas1. É o veículo deescolha para as dermatoses cróni-cas10.– Creme: é mais cosmético do quea pomada1,2,10. Pode secar, pelo quepode existir benefício na administra-ção adicional de hidratante1. Requerconservantes, que podem ser res-ponsáveis por irritação local e reac-ções alérgicas1. Pode ser usado empele hidratada e em áreas intertrigi-nosas1. É o veículo de escolha paradermatoses agudas e subagudas1,10.– Solução: é o veículo mais cos-mético para uso no couro cabeludoou outras áreas pilosas1,10. O poderde penetração é inferior ao da po-mada ou creme2,4. Frequentemente,contêm álcool e propileno glicol, quefavorecem a penetração, mas podemser responsáveis por irritação e quei-madura, se aplicados em derma-toses agudas, erosões ou fissuras1,2.

Adição de outras substânciasA adição de um queratolítico, comoo ácido salicílico, ou de um hidratan-te, como a ureia, aumenta a permea-bilidade cutânea e, consequente-mente, a penetração do dermocor-ticóide2,3,9.

REVISÕES

QUADRO I

CLASSIFICAÇÃO DOS DERMOCORTICÓIDES DISPONÍVEIS EM PORTUGAL, EM 20045,6

Classe Denominação Potência Internacional Comum Nome Comercial® Forma GalénicaI Hidrocortisona Dermimade pomadaFraca HidrocortisonaPotência Hidalone creme, pomada

Lactisona emulsãoPandermil creme, pomada, solução

II Butirato de Clobetasona Emovate creme, pomadaModerada Butirato Hidrocortisona Locoid creme, pomada,Potência lipocreme, emulsão, loção

Butirato Propionato Pandel creme, pomadaHidrocortisonaDesonido Locapred creme

Zotinar creme, loçãoDipropionato de Alclometasona Miloderme cremeValerato de Dexametasona Dexaval creme, solução

III Acetonido Fluocinolona Synalar cremePotente Dipropionato de Betametasona Diprosone creme, pomada

Diprosone NV creme, pomada, loçãoSoluderme solução

Valerato de Betametasona Betnovate creme, pomada, loçãoCilestoderme cremeDibetop creme, pomadaVabeta creme, solução

Nova Aceponato Metilprednisolona Advantan creme, pomada, emulsão, solução geração Furoato de Mometasona Elocom creme, pomada, solução

Propionato de Fluticasona Cutivate cremeUbizol creme

IV Halometasona Sicorten creme, pomadaMuito Potente Propionato de Clobetasol Dermovate solução

Page 4: ARTIGO-CORTICÓIDES TÓPICOS REVISÃO

REVISÕES

A associação, na mesma prepara-ção, de um anti-infeccioso (anti-sép-tico, antibiótico, antifúngico) rara-mente se justifica e pode-se asso-ciar a risco de sensibilização2,3, sen-do apenas usadas em situaçõesclínicas particulares e por períodoscurtos, por exemplo quando se pre-tende aliar as propriedades anti-in-fecciosas ao efeito anti-inflamatório.

Os manipulados com corticóidestópicos podem ter interesse para otratamento de áreas extensas, masé necessário ponderar quais os cons-tituintes e respectivas concentraçõesindicados para a lesão e o indivíduoem causa. O uso destes manipula-dos pode ser limitado por dificuldadeem assegurar a estabilidade do cor-ticóide, após diluição ou associaçãoa outras moléculas2,3.

APLICAÇÃO DO FÁRMACO

QuantidadeUm método usado para controlar aquantidade de fármaco aplicado é ométodo «finger tip unit – FTU» (Qua-dro II). Uma FTU é a quantidade depomada, creme ou gel que sai de umtubo com orifício de 5mm e se apli-ca na falange distal do dedo indica-dor de um adulto e que corresponde,aproximadamente, a 0,5gr. Estaquantidade é suficiente para umasuperfície cutânea de 300 cm2 12, 13.

Modo de aplicaçãoA oclusão aumenta a hidratação, atemperatura local e a duração de

contacto do corticóide com a pele,podendo aumentar a sua penetra-ção em cerca de 10 vezes. Contudo,a oclusão pode também ser respon-sável por retenção do suor, infecçõese aumento do risco de efeitos late-rais locais e sistémicos2,9,10.

Frequência de aplicaçãoDados os problemas de toxicidadesistémica, efeitos laterais locais, ta-quifilaxia, custo e compliance dodoente, é importante determinar amínima frequência de aplicação efi-caz14.

Devido ao «efeito reserva», os corti-cóides tópicos podem permanecerna camada córnea durante doisdias, ou duas semanas se aplicadosem oclusão, sendo progressivamen-te libertados para as camadas maisprofundas da epiderme e derme2,14.

Vários estudos referem que emrelação aos corticóides muito poten-tes não se verificam diferenças naresposta ao tratamento com uma ouduas aplicações diárias e, em relaçãoaos corticóides potentes ou modera-damente potentes, as diferenças nosresultados do tratamento com umaou duas aplicações diárias são míni-mas ou mesmo inexistentes14.

As palmas e plantas são locais emque a camada córnea é espessa e emque a medicação pode ser facilmenteremovida e podem necessitar deaplicação mais frequente1.

Uma frequência de aplicaçãomais elevada do que a necessária

não tem qualquer vantagem no tra-tamento e acarreta um aumento norisco de efeitos laterais2,4,14.

Duração de aplicaçãoSempre que possível, a aplicaçãodiária de corticóides de elevada po-tência, no adulto, não deve excederas três semanas1.

Os corticóides potentes e modera-damente potentes podem ser usadosaté três meses, no adulto, sem riscosignificativo de efeitos laterais, ex-cepto na face e áreas intertriginosas1.

Os efeitos laterais associados aouso de preparações de fraca potên-cia são raros. Contudo, mesmo comesta classe de fármacos, em trata-mentos de longa duração é preferí-vel o seu uso intermitente1.

A aplicação prolongada e ininter-rupta do corticóide pode provocarresistência clínica – taquifilaxia2,3.

INDIVÍDUO

A absorção cutânea ocorre pelas viastransepidérmica e transfolicular. Apenetração do dermocorticóide nacamada córnea ocorre por difusãopassiva e depende do conteúdo li-pídico e espessura dessa camada3.

Existe uma variação individual naabsorção cutânea, uma vez que in-divíduos nas mesmas condições ab-sorvem quantidades diferentes, masexistem outros factores, como a na-tureza, a localização e a extensão dalesão ou a idade e o sexo do indiví-duo, que determinam a eficáciaclínica do corticóide tópico.

Natureza da lesãoLesões erosivas e/ou inflamatóriasem que a barreira cutânea está al-terada permitem maior absorção dofármaco do que a pele normal1, 2.

Lesões agudas, inflamatórias e fi-nas respondem a corticóides de fra-ca ou moderada potência1.

Lesões crónicas, hiperqueratóti-

370 Rev Port Clin Geral 2005;21:367-73

QUADRO II

NÚMERO DE FTU DE ACORDO COM A IDADE E A LOCALIZAÇÃO CORPORAL13,14

3-12 meses 1-2 anos 3-5 anos 6-10 anos adultosCabeça e pescoço 1 11/2 11/2 2 21/2

Membro superior 1 11/2 2 21/2 4Membro inferior 11/2 2 3 41/2 8Tronco 1 2 3 31/2 7

Page 5: ARTIGO-CORTICÓIDES TÓPICOS REVISÃO

Rev Port Clin Geral 2005;21:367-73 371

cas, liquenificadas ou endurecidaspodem responder apenas a corticói-des potentes ou muito potentes1.

Localização da lesãoA principal barreira à absorção cu-tânea é a espessura da camada cór-nea, que varia com a localização e aidade2.

Locais em que a camada córneaé mais fina, nomeadamente, a face(particularmente as pálpebras), asáreas intertriginosas e o escroto, sãoparticularmente susceptíveis aefeitos laterais1,2,4. Nestes locais de-vem-se usar, preferencialmente, pre-parações de fraca potência e, casoseja necessário o uso de corticóidesde maior potência, este deve ser decurta duração1.

Nas palmas e plantas a camadacórnea é mais espessa, o que difi-culta a absorção das preparações etorna necessário o uso de corticóidespotentes e muito potentes1,2.

Extensão da lesãoDada a probabilidade de absorçãosistémica dos corticóides devem-seusar preparações de fraca ou mode-rada potência quando a área atingi-da é extensa1.

Idade e sexo do indivíduoAs crianças possuem elevada rela-ção superfície corporal/peso e a suacamada córnea é mais fina, o queaumenta o risco de efeitos lateraissistémicos2,4. Também nos idosos acamada córnea é mais fina, o quejustifica especial atenção na apli-cação do corticóide tópico1,4.

As mulheres parecem ser maissusceptíveis aos efeitos laterais dacorticoterapia tópica4.

Algumas indicações e contra-indicações da corticoterapia tópicaO tratamento com corticoterapia tó-

pica está indicado nas afecções quebeneficiam das acções anti-inflama-tória, anti-proliferativa ou imunos-supresora desses fármacos.

No Quadro III estão alguns exem-plos de patologias que respondemfavoravelmente à corticoterapia tópi-ca, em função do seu nível de acti-vidade2, 3, 12.

A corticoterapia tópica não estáindicada na urticária.

A escolha do nível de potência do corticóide tópico mais adequa-do para cada lesão deve consideraros restantes factores que deter-minam a eficácia clínica destes fár-macos, nomeadamente a idade do indivíduo e a localização da le-são3,12.

São contra-indicações da corti-coterapia tópica3:– dermatoses infecciosas devido aoseu efeito imunossupressor (virais,bacterianas, fúngicas e parasitá-rias);– dermatoses ulceradas devido aoseu efeito anti-proliferativo (atrasa acicatrização);– dermatoses faciais com compo-nente vasomotora ou folicular;– dermatites de contacto alérgicasaos corticóides.

Efeitos laterais da corticoterapia tópicaEFEITOS LATERAIS LOCAIS

(QUADRO IV)Os efeitos laterais locais dependemde factores indivíduais e muitos sãoreversíveis. No entanto, são mais fre-quentes quando se usam corticóidespotentes ou muito potentes, durantelongos períodos de tempo ou emoclusão1,2, 10.

Determinados locais em que a ca-mada córnea é mais fina e, por isso,a penetração do corticóide é maior,são mais susceptíveis a desenvolverefeitos laterais. Pelo mesmo motivo,também as crianças e os idosos es-tão em maior risco3.

A atrofia cutânea no local de apli-cação é o efeito lateral cutâneo maisfrequente2.

A aplicação de dermocorticóidesna face é sempre uma atitude quedeve ser bem ponderada em termosde risco/benefício. O aparecimentoou agravamento de lesões eritemato-sas, telangiectásicas ou papulopus-tulosas é muito comum, o que impli-ca um diagnóstico e uma prescriçãocriteriosas.

Devido ao seu efeito imunossu-pressor, os corticóides tópicos agra-

REVISÕES

QUADRO III

INDICAÇÕES DE CORTICOTERAPIA TÓPICA EM FUNÇÃO DA POTÊNCIA DO CORTICÓIDE2,3,13

Patologia Cutânea Nível de Actividade do Corticóide TópicoQueimadura solar moderada ou potenteEczema atópico moderada ou potente; fraca na face, pregas e lactentesDermatite seborreica fraca, moderada ou potenteEczema de contacto moderada ou potentePrurido anal, vulvar ou do escroto fraca, moderada ou potentePsoríase moderada ou potente; muito potente na palmo-plantarLíquen plano moderada, potente ou muito potenteCicatrizes hipertróficas e quelóides muito potenteAlopécia areata potente ou muito potenteVitiligo fraca, moderada ou potentePicada de insecto moderada ou potente

Page 6: ARTIGO-CORTICÓIDES TÓPICOS REVISÃO

REVISÕES

vam as infecções cutâneas existen-tes nos locais onde são aplicados.Para além deste agravamento, a apli-cação dos corticóides tópicos emlesões cutâneas de etiologia infeccio-sa (ex: tinha – infecção fúngica) alte-ra significativamente o aspecto típi-co das lesões, dificultando o seu pos-terior diagnóstico (ex: «tinha incóg-nito»).

A sensibilização aos corticóidesverifica-se, mais frequentemente,nos indivíduos com dermatosescrónicas e que são tratados comvários dermocorticóides2. O eczemade contacto pode ser devido à pró-pria molécula do corticóide, ao con-servante ou ao veículo da prepa-ração. Outros dos efeitos laterais co-muns dos dermocorticóides são oaparecimento de máculas hipopig-mentadas ou o aumento do pêlo, noslocais de aplicação desses tópicos.Estes efeitos são, na maioria dasvezes, reversíveis aquando a sus-pensão dos corticóides.

Os efeitos oculares são pouco fre-quentes e devem-se à aplicação decorticóides potentes ou muito po-

tentes nas pálpebras e região peri--orbitária10.

EFEITOS LATERAIS SISTÉMICOS

(QUADRO V)Os efeitos laterais sistémicos são ra-ros, podendo estar presentes apósutilização prolongada de corticóidespotentes, em grandes superfícies, emoclusão ou em epiderme alterada1,2,10.

As crianças são mais susceptíveisaos efeitos laterais sistémicos do queos adultos, porque possuem relaçãosuperfície corporal/peso mais ele-vada2.

As novas moléculas são muito úteisdado que a sua relação benefí-cio/risco é claramente superior àdas moléculas iniciais. Entre estasnovas moléculas, o propionato defluticasona e o furoato de mometa-sona têm menor risco de sensibili-zação. O aceponato de metipredni-solona possui efeito anti-inflama-tório e inibição do cortisol semelhan-tes ao furoato de mometasona masassocia-se a menos efeitos lateraislocais15.

Antes de prescrever a aplicação deum corticóide tópico deve-se efec-tuar um diagnóstico preciso, porqueo seu uso incorrecto pode alterar oumascarar as lesões em causa, difi-cultando posteriormente o seu diag-nóstico, ou mesmo agravando a pa-tologia. Após a conclusão de indica-ção terapêutica com corticóide tópi-co, deve-se escolher uma preparaçãoadequada à lesão e ao indivíduo, ten-do em conta as características referi-das anteriormente.

Os corticóides de fraca potênciasão usados na face, axilas, virilhas,genitais e região perineal, devendo--se evitar o uso crónico de corticói-des potentes ou muito potentes naface.

As preparações muito potentespodem ser necessárias nas palmase plantas ou em lesões liquenifi-cadas e hipertróficas.

A pomada é uma boa escolha naslesões secas, espessas e descamati-vas, estando contra-indicada naspregas e lesões exsudativas. O cremeé preferível para as lesões exsudati-vas, húmidas e finas. A loção é apro-priada às áreas pilosas como o courocabeludo e está contra-indicada naslesões exsudativas.

Os doentes devem ser esclareci-dos sobre a forma como a aplicação

372 Rev Port Clin Geral 2005;21:367-73

QUADRO IV

PRINCIPAIS EFEITOS LATERAIS LOCAIS ASSOCIADOS À CORTICOTERAPIA TÓPICA1,3,10

Atrofia cutânea telangiectasias (mais frequentemente na face)púrpura (mais frequente no dorso e mãos)estrias (mais frequentes nas pregas)

Dermatite da face pseudorosácea ou agravamento de rosácea pré-existenteerupção acneiforme ou agravamento acne pré-existentedermatite peri-oral

Infecções cutâneas mascara infecções (acção anti-inflamatória)agrava infecções (acção imunossupressora)

Eczema contacto eczema que não responde à corticoterapia tópicaHipopigmentação pode ser reversível com a interrupção do corticóideHipertricose com a interrupção do corticóide pode ser lentamente reversívelEfeitos oculares hipertensão ocular

glaucomacataratasinfecção do saco lacrimal

QUADRO V

PRINCIPAIS EFEITOS LATERAIS SISTÉMICOS ASSOCIADOS À CORTICOTERAPIA TÓPICA1,2,10

Sindrome de CushingSupressão do eixo hipotálamo-hipófise-suprarenalAtraso do crescimento nas criançasOsteoporoseDiminuição do cortisol plasmáticoElevação dos valores da glicemiaElevação dos valores da tensão arterial

CONCLUSÃO

Page 7: ARTIGO-CORTICÓIDES TÓPICOS REVISÃO

Rev Port Clin Geral 2005;21:367-73 373

deve ser feita, quer em termos dequantidade de fármaco, quer quan-to ao modo, frequência e duração dotratamento.

Dados os riscos de taquifilaxia ede efeitos laterais locais e sistémicos,estes fármacos devem ser usadosnas quantidades, frequência e du-ração de aplicação mínimas neces-sárias para a eficácia clínica pre-tendida.

Dado o efeito reserva da camadacórnea, geralmente é suficiente umaaplicação diária de corticóide tópico.

A retirada do corticóide tópicodeve ser lenta para evitar o efeito «re-bound» (agravamento da lesão apósretirada do fármaco)7. Este desma-me do corticóide pode ser facilitadopelo uso alternado de um emoliente.

Os corticóides tópicos são medica-mentos de fácil acesso ao doente, pe-lo que cabe ao médico prescritor aobrigatoriedade de informar os doen-tes tanto das suas vantagens, es-pecificamente na patologia em cau-sa, como dos riscos inerentes ao seuuso/abuso de forma inadequada.

1. Drake LA, Dinehart SM, FarmerER, Goltz RW, Graham GF, HordinskyMK, et al. Guidelines of care for the useof topical glucocorticosteroids. J AmAcad Dermatol 1996 Oct; 35 (4): 615-9.

2. Lebrun-Vignes B., Chosidow O.Dermocorticoïdes. Ann Dermatol Vene-reol 2004 Jan; 131 (1 Pt 1): 39-48.

3. Corticostéroides topiques cutanés,Principes et règles d’utilisation, posolo-gie. Ann Dermatol Venereol 2000Oct;127 (Spec No 1): A180-5.

4. Brodkin RH, Janniger CK. The art-ful use of topical steroids. Cutis 1998Mar; 61 (3): 125-6.

5. Simposium Terapêutico: Enci-clopédia de Especialidades Farmacêuti-cas Portuguesas. 48ª ed. Lisboa: Edii-ções Simposium; 2004.

6. Prontuário Terapêutico Online.

URL: http://www.infarmed.pt/prontua-rio/index.php

7. Fiadeiro T. Corticóides tópicos denova geração. Cadernos do Generalista.1995: 3-6.

8. Smith CH. New approaches to topi-cal therapy. Clin Exp Dermatol. 2000Oct; 25 (7): 567-74.

9. Freedberg IM, Goldsmith LA, KatzS, Austen KF, Wolff K. Fitzpatrick’s Der-matology in General Medicine. 6th ed.New York: McGrawHill; 2003.

10. Brazzini B., Pimpinelli N. New andestablished topical corticosteroids in der-matology: clinical pharmacology andtherapeutic use. Am J Clin Derma-tol.2002; 3 (1): 47-58.

11. Piacquadio D, Kligman A. The cri-tical role of the vehicle to therapeutic ef-ficacy and patient compliance J Am AcadDermatol 1998 Aug;39 (2 Pt 3): S67-73.

12. Oranje A.P. Topical corticoste-roids: safe when correctly used. Derma-tology from young to old 2003; 8: 83-8.

13. Long CC, Mills CM, Finlay AY. A

practical guide to topical therapy in chil-dren. Br J Dermatol 1998 Feb; 138 (2):293-6.

14. Lagos BR, Maibach HI. Frequen-cy of application of topical corticos-teroids: an overview. Br J Dermatol 1998Nov;139 (5):763-6.

15. Kecskés A, Heger-Mahn D, Kuh-lmann RK, Lange L. Comparision of thelocal and systemic side effects of methyl-prednisolone aceponate and mometa-sone furoate applied as ointments withequal antiinflamatory activity. J Am AcadDermatol 1993 Oct; 29 (4): 576-80.

Endereço para correspondênciaAna Dias CostaRua José Joaquim Gomes da Silva, 65, 4º Dto4450–171 MatosinhosTel.: 936 494 456

Recebido para publicação em: 18/02/05Aceite para publicação em: 03/08/05

REVISÕES

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABSTRACTIntroduction: In Portugal there are several topical steroids with distinct strength, different components and,therefore distinct properties. The clinic effectiveness of a topical steroid is inherent to its chemical propertiesand the application procedure, as well as the type of injury and the individual patient.Objectives: This bibliographical review intends to reassess the pharmacokinetic properties of topical steroids,to characterize the topical steroids available in Portugal, to establish some factors that influence their cli-nic effectiveness and to describe their indications, contra-indications and side effects considering their usein patients with skin diseases.Method: A Medline search was performed considering the ears 1993 and 2004 and dermatology text-books were reviewed. The “Infarmed” Webpage and “Simpósium Terapêutico” were also used. Up-to-dateinformation about topical corticosteroids in skin diseases treatment was gathered.

Key-words: Topical Corticotherapy; Skin.