Artigo - Ação de Depósito e Prisão Civil - Fev/2012

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Partindo da concepção clássica da Ação de Depósito no direito brasileiro, elabora rápida apresentação dos modelos existentes e suas características. Passa a desenvolver os meios de coação judicial para efetivar a devolução da coisa depositada: como a busca e apreensão e a prisão civil. Prolonga o debate da prisão civil para o campo constitucional e sua efetiva aplicação após a edição da Emenda Constitucional 45. Trabalha o posicionamento do Supremo Tribunal Federal com julgamento paradigmático do Ministro Gilmar Mendes sobre a norma supralegal e apresenta rapidamente alguns posicionamentos provectos dos anos 1940 e 1950 do pretório excelso.

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  • AO DE DEPSITO E MEIOS DE COERO: UMA ANALISE DA

    APLICABILIDADE DA PRISO CIVIL DO DEPOSITRIO INFIEL

    VALMOR JNIOR CELLA PIAZZA1

    RESUMO

    Partindo da concepo clssica da Ao de Depsito no direito brasileiro, elabora rpida

    apresentao dos modelos existentes e suas caractersticas. Passa a desenvolver os meios de

    coao judicial para efetivar a devoluo da coisa depositada: como a busca e apreenso e a

    priso civil. Prolonga o debate da priso civil para o campo constitucional e sua efetiva

    aplicao aps a edio da Emenda Constitucional 45. Trabalha o posicionamento do

    Supremo Tribunal Federal com julgamento paradigmtico do Ministro Gilmar Mendes sobre

    a norma supralegal e apresenta rapidamente alguns posicionamentos provectos dos anos 1940

    e 1950 do pretrio excelso.

    Palavras-chave: Ao de Depsito. Depositrio Infiel. Priso Civil. Direitos Humanos. Norma

    Supralegal.

    1 Aluno do Mdulo I da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (ESMESC). Bacharel em

    Direito pela Universidade do Vale do Itaja. Correio eletrnico: [email protected]

  • 1 INTRODUO

    Com o presente trabalho, pretende-se ter maiores esclarecimentos sobre a ao de

    depsito dentro do processo civil. Analisar-se- quais so os modelos de depsito dentro da

    cincia jurdica processual e material brasileira, bem como se averiguar a voluntariedade ou

    coercitividade de ter em depsito coisa alheia com base nos instrumentos normativos

    vigentes.

    Examinar-se- quais so as opes que surgem ao detentor do direito de ao contra

    aquele que se nega a restituir a coisa depositada; quais so os instrumentos processuais que o

    Cdigo de Processo Civil brasileiro elenca quele que busca a devoluo do seu bem e a

    legalidade destes meios. Tambm se buscar respostas aos meios de indenizao nos casos de

    descumprimento do depsito no voluntrio.

    Uma vez apresentadas todas as ferramentas disposio do credor, na ao de

    depsito, para reaver a coisa depositada (como a busca e apreenso, o ressarcimento do

    equivalente em dinheiro e at mesmo a priso civil), far-se- uma anlise a respeito da

    constitucionalidade ou no da priso civil como medida coercitiva para o cumprimento da

    obrigao por parte do depositrio infiel. Ponderar-se- sobre a tcnica da priso civil neste

    caso e sua proporcionalidade e legalidade frente modernidade jurdica atual.

    Realizar-se- uma anlise da eficcia e validade dos tratados internacionais de direitos

    humanos no direito interno e sua equiparao com a normatizao constitucional. Submeter-

    se- a exame a tese jurdica adotada pela Suprema Corte para compreender a ilicitude deste

    arcaico instrumento de cumprimento de obrigaes. Finalizar-se- com uma pesquisa

    doutrinria e jurisprudencial para trazer maior clareza e conhecimento a respeito deste tema

    que at algum tempo gerava grande discusso no cenrio jurdico nacional e agora aos poucos

    comea a repousar sobre o manto da smula vinculante n. 25.

    2 AO DE DEPSITO

    O depsito surge de uma relao de confiana intuito personae, onde algum se

    encarrega da guarda de coisa corprea alheia, com a obrigao de restitui-la2. Este contrato

    tem base e regulamentao dada pela lei n 10.406, de 10 de janeiro de 20023, que institui o

    2 THEODORO JNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil: Procedimentos Especiais. 39. ed.

    Rio de Janeiro: Forense. 2008. 3 v. p. 54. 3 BRASIL. Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponvel em:

  • Cdigo Civil (CC).

    Esta obrigao pode ser classificada como voluntria ou necessria. O voluntrio,

    tambm conhecido como contratual, regulado pelos artigos 627 646 do CC4 e tem como

    caracterstica a livre conveno entre as partes atravs de contrato escrito5. J o depsito

    necessrio ou extracontratual independe do acordo de vontade entre as partes e decorre ou da

    vontade direta da lei ou de circunstncias imprevistas e imperiosas6 e regulado pelos

    artigos 647 ao 652 do CC7.

    Quando trata-se da coisa depositada, a doutrina cria duas novas classificaes. Para

    Antonio Carlos Marcato:

    Levando em considerao a coisa objeto do depsito, este classifica-se em regular

    ou irregular. Regular o depsito de coisa infungvel e inconsumvel [...], devendo

    ela prpria ser devolvida ao depositante; irregular o que tem por objeto coisa

    fungvel, sendo por isso mesmo regido pelas normas concernentes ao mtuo [...].8

    Como na maioria das relaes jurdicas, o depsito cria direitos e deveres de ambas as

    partes. A ao de depsito moderada pelos arts. 901 906 da lei n 5.869, de 11 de janeiro

    de 19739, tambm conhecida como Cdigo de Processo Civil (CPC). Porm, esta ao serve

    apenas para satisfazer as pretenses do depositante; rege o Cdigo: Esta ao tem por fim

    exigir a restituio da coisa depositada. (Art. 901)10.

    De acordo com Furtado Fabrcio nesta ao o autor busca reaver o que seu, no sob

    a forma substitutiva e estilizada da reparao do dano decorrente do inadimplemento, mas de

    modo direto, pela restituio da mesma11. Para esta garantia o depositante vale-se de

    instrumentos processuais a sua disposio como a busca e apreenso da coisa e, antigamente,

    a priso civil.

    2.1 MEIOS DE COERO

    . Acesso em: 26 mar.2012.

    4 Ibid., loc. cit.

    5 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos Especiais. 10. ed. So Paulo: Atlas, 2004. p. 129.

    6 THEODORO JNIOR, Humberto, op. cit., loc. cit.

    7 BRASIL. op. cit., loc. cit.

    8 MARCATO, Antonio Carlos. op. cit., loc. cit.

    9 BRASIL. Lei n 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponvel em:

    . Acesso em: 30. mar.2012. 10

    Ibid. loc. cit. 11

    FABRICIO, Adroaldo Furtado. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

    v. 8. p. 70 apud MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos Especiais. 10. ed. So Paulo: Atlas, 2004. p.

    130.

  • No direito romando o depositarius (depositado) era simples detentor, de sorte que o

    uso da coisa confiada sua guarda lhe era proibido, sob pena de cometer furto (futus

    usus)12.Caso se figurasse o depositrio infiel, o deponens (depositante) podia se utilizar da

    actio in duplum, ao que visava uma condenao no dobro do valor da coisa depositada.13

    No direito brasileiro, a ao de depsito possui vrias ferramentas para garantir a

    entrega da coisa depositada. Alm disso, tem-se na sentena condenatria uma eficcia direta

    de execuo. Humberto Theodoro Junior elucida:

    Para atender a pretenso real do depositante, isto , pretenso coisa depositada, a

    lei processual joga com tcnicas variadas, tanto de condenao como de coao e

    execuo, mas o cunho marcante do sistema escolhido , sem dvida, voltado

    totalmente para um fim executivo tpico, qual seja, o de dar realidade a uma

    restituio forada.

    [...]

    Diversamente do que se constata nas aes condenatrias (ordinrias), [...] a ao

    executiva lato sensu [...] contm, na mesma demanda, o pedido de execuo,

    operando-se esta por eficcia direta da sentena e, pois, sem necessidade de nova

    demanda e novo processo. [...] [Desta maneira] toda sentena que condene a parte a

    entregar ou restituir coisa cumpre-se, de plano, sem necessidade de recorre actio

    iudicati.14

    Diante da necessidade de se criar um mecanismo para garantir a aplicao da sentena

    no que concerne ao direito real do autor, o legislador constituinte optou por permitir a priso

    civil como meio de coero ao depositrio infiel. Este instrumento possui fulcro na

    Constituio Federal, Art. 5, LXVII15

    e no art. 652 do Cdigo Civil16

    .

    O doutrinador Furtado Fabrcio esclarece a necessidade desta medida:

    Em existindo no Direito Constitucional a correspondente autorizao, e tendo-se

    utilizado dela o legislador ordinrio ainda na esfera do direito substancial,

    imprescindvel tornou-se que a lei de processo, cumprindo seu papel instrumental,

    suprisse os meios procedimentais de imposio daquela sano. perfeitamente

    bvio que o procedimento comum, em qualquer dos seus subtipos, sendo genrico

    por definio, no poderia conter regras sobre cominao e decretao de medida

    restritiva de liberdade fsica. E, pois, a instituio de procedimento especial

    exigida pelas regras de direito material.17

    Importante se faz distinguir a priso civil da priso penal. Enquanto esta uma pena

    pblica a ser cumprida como resultado de uma sentena penal condenatria, aquela mera

    12

    THEODORO JNIOR, Humberto, op. cit. p. 55. 13

    MARCATO, Antonio Carlos. op. cit. p.127. 14

    THEODORO JNIOR, Humberto, op. cit. p. 57. 15

    BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. loc. cit. 16

    BRASIL. Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002. loc. cit.; 17

    FABRICIO, Adroaldo Furtado. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,

    1984. v. 8. p 165 apud THEODORO JNIOR, Humberto, op. cit. p. 63.

  • tcnica processual de coero (meio indireto de execuo)18. Enquanto uma um fim, a

    outra um meio.19

    Deve-se tomar o cuidado para no confundir o objeto da ao de depsito. Como

    elucidado no item 2, a finalidade desta ao a restituio da coisa depositada e no a priso

    civil do depositrio infiel. Prova disto que tal medida no serve como extino do direito do

    credor, e sim como instrumento de cumprimento adequado da obrigao.20

    A priso civil tem prazo mximo estipulado pelo art. 652 do CC: Seja o depsito

    voluntrio ou necessrio, o depositrio que no o restituir quando exigido ser compelido a

    faz-lo mediante priso no excedente a um ano [...].21 O art. 902 da mesma lei tambm a

    declara com carter exaustivo, ou seja, somente poder ser utilizada uma nica vez em cada

    caso.

    Como no se trata de pena, e sim de instrumento processual, a priso somente poder

    existir enquanto a coisa no for restituda. No momento em que o processo cumprir a sua

    finalidade (restituio da coisa depositada ou equivalente em dinheiro), a legalidade da priso

    cessar e o ru dever ser posto imediatamente em liberdade.22

    A priso civil medida facultativa ao credor, e pode ser requisitada na petio inicial

    ou em qualquer outra fase do processo. Desta forma, por ser qualidade da parte, o juiz no

    poder decret-la ex officio. Mesmo que o autor opte por utilizar a priso civil como meio de

    coero, no h de se falar em prejuzo para se utilizar de outros meios de promover a

    execuo da sentena.23

    3 DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM

    Os Direitos Fundamentais do Homem configuram-se como o ltimo baluarte na

    fronteira entre um Estado Autoritrio e um Estado Democrtico de Direito. inadmissvel

    pensar uma democracia que no tenha, em suas razes, preceitos fundamentais para a

    condio do ser humano. esta gigantesca barreira que impede a sociedade, atravs do

    Estado, de invadir as privacidades do indivduo e romper, em ltima instncia, com o pacto

    18

    THEODORO JNIOR, Humberto, op. cit.. p. 63. 19

    Melhor abordagem sobre a legalidade, legitimidade e validade desta medida ser feito no item 4 deste

    trabalho. 20

    THEODORO JNIOR, Humberto, op. cit. p. 63. 21

    BRASIL. Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002. loc. cit. 22

    THEODORO JNIOR, Humberto, op. cit. p. 64. 23

    THEODORO JNIOR, Humberto, op. cit. p. 63.

  • social; onde todo poder emana do povo.24

    A UNESCO define os Direitos Fundamentais do Homem considerando-os:

    [...] a proteo de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra

    os excessos do poder cometidos pelos rgos do Estado ou regras para estabelecer

    condies humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.25

    Importante considerao faz Jean Morange quando compara a expresso direitos

    humanos com liberdades pblicas. De acordo com seus escritos, mais se adequaria ao

    meio jurdico esta, uma vez que , de certa forma, mais palpvel. Em suas palavras:

    Sob certos aspectos, ambas as expresses apareciam como sinnimas. Tudo

    dependendo da definio que cada autor dava aos termos empregados. Entretanto,

    no talvez por acaso que a expresso direitos humanos atraia as preferncias dos no juristas. Sua atualidade, que no retira nada de seu valor, deve-se a seu carter

    mais subjetivo, e, por consequncia, mais vago. Mais impositiva, a defesa dos

    direitos humanos tambm mais incerta. Mais brandas, as liberdades pblicas so,

    em compensao, mais reais. Seu estudo consiste em precisar o regime jurdico dos

    direitos e liberdades de que dispem os cidados de um determinado Estado num

    certo momento de sua histria.26

    Porm, a transformao que este conjunto de direitos e garantias sofrera durante a

    existncia de qualquer forma de Estado organizado, tamanha que seria impossvel

    transcrever em simples expresses o seu real e completo significado. Entretanto, Jos Afonso

    da Silva parece ter melhor se aproximado, ao definir que:

    [...] direitos fundamentais do homem constitui a expresso mais adequada a este

    estudo, porque, alm de referir-se a princpios que resumem a concepo do mundo

    e informam a ideologia poltica de cada ordenamento jurdico, reservada para

    designar, no nvel do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituies que ele

    concretiza em garantias de uma convivncia digna, livre e igual de todas as

    pessoas.27

    24

    Norberto Bobbio, na obra infracitada, discorre acerca da ideia de legitimao do poder do Estado. Sua real

    pergunta : Admitido que o poder poltico o poder que dispe do uso exclusivo da fora num determinado grupo social, basta a fora para faz-lo aceito por aqueles sobre os quais se exerce, para induzir os seus

    destinatrios a obedec-lo?. Em uma interpretao mais refinada na leitura desta e outras obras, pergunta-se: legtimo a democracia acabar com a democracia?

    BOBBIO, Norberto, Estado, Governo, Sociedade; por uma teoria geral da poltica. 11 ed. So Paulo:

    Editora Paz e Terra S/A. 2004. p. 86. 25

    VASAK, Karel, Les dimensions internacionales des droit de l'homme, Lisboa: UNESCO, 1978, p. 11

    apud QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de, Resumo jurdico de Direitos Humanos. So Paulo: Quartier

    Latin, 2006. 22 v. p. 27. 26

    MORANGE, Jean, Direitos Humanos e Liberdades Pblicas. 5 ed. Traduo Eveline Bouteiller. Barueri:

    Manole, 2004 p. XIV. 27

    SILVA, Jos Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo. 13 ed. So Paulo: Malheiros, 1997. p 174.

  • Desta forma, a Constituio da Repblica Federativa do Brasil28

    , prev os Direitos

    Fundamentais do Homem, em seu Ttulo II, atravs da expresso Direitos e Garantias

    Fundamentais. Divide-os ainda em cinco subcaptulos: Dos direitos e Deveres Individuais e

    Coletivos; Dos Direitos Sociais; Da Nacionalidade; Dos Direitos Polticos; Dos Partidos

    Polticos.29

    Os direitos individuais e coletivos esto previstos basicamente no Art. 5 da

    Constituio Federal30

    , e correspondem aos direitos diretamente ligados ao conceito de

    pessoa humana e de sua prpria personalidade31. Neste quadro esto expostos direitos como

    liberdade, vida, dignidade, igualdade e cultura.

    Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,

    garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade

    do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos

    seguintes: [incisos]

    Neste artigo, a Constituio Federal define em setenta e oito incisos e quatro

    pargrafos a tnue linha que divide o poder abusivo do Estado e os Direitos Fundamentais do

    Homem.

    3.1 REFORMA CONSTITUCIONAL E CLUSULAS PTREAS

    O legislador constituinte de 1988 optou por permitir a existncia de um poder

    constituinte derivado; Teria legitimidade para reformar partes da Constituio e seria exercido

    pelo Congresso Nacional. Apesar de a Constituio Federal possuir 56 emendas

    Constitucionais32

    , ela classificada pela doutrina como uma Constituio Rgida. Esta

    classificao se d devido ao dificultoso e exaustivo processo legislativo que exige a edio

    de cada emenda constituio.

    Paulo Bonavides elucida este conceito:

    Rgidas, [so] as [constituies] que no podem ser modificadas da mesma maneira

    que as leis ordinrias. Demandam um processo de reforma mais complicado e

    solene. [...] Do sistema de constituies rgidas resulta uma relativa imutabilidade do

    texto constitucional, a saber, uma certa estabilidade ou permanncia que traduz at

    certo ponto o grau de certeza e solidez jurdica das instituies num determinado

    28

    BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. loc. cit. 29

    BRASIL, ob. cit. 30

    BRASIL, ob. cit. 31

    MORAES, Alexandre de, op. cit. loc. cit. 32

    BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. loc. cit.

  • ordenamento estatal.33

    A Constituio Federal, em seu artigo 60, possui o dispositivo que prev esta reforma:

    Art. 60. A Constituio poder ser emendada mediante proposta:

    I - de um tero, no mnimo, dos membros da Cmara dos Deputados ou do Senado

    Federal;

    II - do Presidente da Repblica;

    III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federao,

    manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

    [...]

    2 - A proposta ser discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em

    dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, trs quintos dos votos

    dos respectivos membros.

    3 - A emenda Constituio ser promulgada pelas Mesas da Cmara dos

    Deputados e do Senado Federal, com o respectivo nmero de ordem.

    [...]

    5 - A matria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por

    prejudicada no pode ser objeto de nova proposta na mesma sesso legislativa.34

    O poder constituinte derivado, contudo, possui sua natureza jurdica limitada implcita

    e explicitamente. Restries que podem ocorrer pelo momento; pela circunstncia; ou pela

    matria a ser reformada. Suas limitaes so muito bem delimitadas por Bonavides:

    Afigura-se-nos porm que a questo se atenuar desde que consagramos, com o

    necessrio rigor, a distino entre poder constituinte originrio e poder constituinte

    derivado. [...] O primeiro, entendido como um poder poltico fora da Constituio e

    acima desta, de exerccio excepcional, reservado a horas cruciais no destino de cada

    povo ou na vida das instituies; o segundo como poder jurdico, um poder menor,

    de exerccio normal, achando-se contido juridicamente na Constituio e sendo de

    natureza limitado. No poder ele sobrepor-se assim ao texto constitucional. bvio

    pois que a reforma da Constituio nessa ltima hiptese s se far segundo os

    moldes estabelecidos pelo prprio figurino constitucional;35

    Desta forma, o poder constituinte originrio no permitiu ao derivado abolir, atravs

    de emenda constitucional, matria relativa aos direitos e garantias individuais. Para Alexandre

    de Moraes: Tais matrias formam o ncleo intangvel da Constituio Federal, denominado

    tradicionalmente de 'clusulas ptreas'.36 O pargrafo 4 do artigo 60 da Constituio

    expressa essa medida:

    4 - No ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir:

    I - a forma federativa de Estado;

    33

    BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 8 ed. So Paulo: Malheiros, 1999. p. 66 173. 34

    BRASIL, op. cit. 35

    BONAVIDES, Paulo, op. cit. p. 178. 36

    MORAES, Alexandre de, Constituio do Brasil Interpretada e Legislao Constitucional. 5 ed. So

    Paulo: Atlas, 2005. p. 1131.

  • II - o voto direto, secreto, universal e peridico;

    III - a separao dos Poderes;

    IV - os direitos e garantias individuais.

    O Supremo Tribunal Federal (STF), em deciso logo aps a promulgao da

    Constituio Federal em 1988, julgou a Ao Direta de Inconstitucionalidade n 466/91, com

    relatoria do ilustre ministro Celso de Mello; neste sentido:

    O Congresso Nacional, no exerccio de sua atividade constituinte derivada e no

    desempenho de sua funo reformadora, est juridicamente subordinado deciso

    do poder constituinte originrio que, a par de restrio de ordem circunstancial,

    inibitrias do poder reformador (CF, art. 60, 1), identificou, em nosso sistema

    constitucional, um ncleo temtico intangvel e imune ao revisora da instituio

    parlamentar As limitaes materiais, definidas no 4 do art. 60 da Constituio da

    Repblica, incidem diretamente sobre o poder de reforma, conferido ao Poder

    Legislativo da Unio, inibindo-lhe o exerccio nos pontos ali discriminados. A

    irreformabilidade desse ncleo temtico acaso desrespeitada, pode legitimar o

    controle normativo abstrato, e mesmo a fiscalizao jurisdicional concreta da

    constitucionalidade37

    Deve-se destacar que a intangibilidade deste ncleo se d quanto abolio de algum

    dos direitos ali elencados pelo constituinte originrio. Porm, muito sabiamente, este mesmo

    constituinte permitiu reformas que pudessem aumentar o rol de direitos e garantias j

    subscritos na carta magna. A evoluo e modificao da sociedade exigem que novos avanos

    sociais sejam sempre almejados; mas, jamais, esta mesma sociedade, de acordo com o

    constituinte originrio de 1988, dever regredir. Pelo menos no sob o abrigo desta

    Constituio.

    4 TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

    Tratado internacional um pacto firmado entre dois ou mais sujeitos do direito

    internacional e que representa a afluncia de intenes destes em determinado ramo jurdico,

    econmico, social, com o objetivo de produzir efeitos jurdicos em todos aqueles que o

    firmaram. No Brasil, o sistema utilizado o dualismo, e para que os tratados internacionais

    possam ter validade jurdica interna, devem passar por algumas fases: Celebrao do tratado

    pelo Presidente da Repblica (CF, art. 84, VIII)38

    ; Deliberao e aprovao de decreto

    37

    BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ao Direta de Inconstitucionalidade n 466/91.

    Disponvel em: < http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466&classe=ADI>.

    Acesso em: 30. mar.2012. 38

    BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. loc. cit.

  • legislativo pelo presidente do Congresso Nacional (CF, art. 49, I)39

    ; Depsito do tratado nos

    pases signatrios e; Promulgao pelo Presidente da Repblica de Decreto do Poder

    Executivo.

    Porm, deve-se sempre ater ao cuidado de que as normas de direito internacional

    pblico tem o mesmo peso que a legislao infraconstitucional. Desta forma, sempre dever

    passar por um filtro da Constituio Federal, podendo incorrer na inconstitucionalidade da

    norma.

    Neste sentido, Quiroga Lavi afirma que se o tratado vulnera a Constituio, no

    pode ser aplicado; porm, se no h incompatibilidade com as normas constitucionais, o

    tratado devidamente incorporado ter plena vigncia, com hierarquia equivalente s leis

    federais40.

    4.1 EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004

    Em breve explanao sobre a evoluo histrica do Direito Internacional dos Direitos

    Humanos, Alexandre de Moraes ensina:

    A necessidade primordial de proteo e efetividade aos direitos humanos

    possibilitou, em nvel internacional, o surgimento de uma disciplina autnoma ao

    direito internacional pblico, denominada Direito Internacional dos Direitos

    Humanos, cuja finalidade precpua consiste na concretizao da plena eficcia dos

    direitos humanos fundamentais, por meio de normas gerais tuteladoras de bens da

    vida primordiais e previses de instrumentos polticos e jurdicos de sua

    implementao.41

    Acredita-se que uma nao to desenvolvida quanto o respeito e o tratamento que d

    aos seus cidados. Por crer nisto, em 1948, a Assembleia Geral das Naes Unidas proclamou

    a Declarao Universal dos Direitos Humanos como um documento ideal a ser seguido por

    todos os pases.42

    A partir desta declarao, o Brasil passou a ser signatrio de vrios outros tratados

    internacionais sobre direitos humanos. Entre eles, o Pacto Internacional dos Direitos

    Econmicos, Sociais e Culturais de 1966, a Conveno sobre a Eliminao de todas as

    Formas de Discriminao Racial de 1965, a Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos

    39

    ibid. loc. cit. 40

    LAVI, Humberto Quiroga. Derecho Constitucional. 3 ed. Buenos Aires: Depalma, 1993. p. 425 apud

    MORAES, Alexandre de, op. cit. p. 458. 41

    MORAES, Alexandre de, op. cit. p. 460. 42

    NAES UNIDAS. Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948. Disponvel em:

    . Acesso em: 30. mar.2012.

  • ou Penas Cruis, Desumanas ou Degradantes de 1984 e, entre outros, os dois mais

    importantes para este trabalho cientfico: o Pacto de San Jos da Costa Rica de 1969 e o Pacto

    Internacional dos Direitos Civis e Polticos, somente ratificados pelo Brasil no ano de 1992.

    Com o avano dos modelos democrticos nacionais, uma maior efetivao dos

    tratados internacionais sobre direitos humanos comeou a ser adotado nas constituies.

    Exemplo disto que em 1994 a Constituio da Repblica Argentina (Art. 75, 22) passou a

    adotar em seu texto a possibilidade de tratados referentes a direitos humanos possurem

    hierarquia superior s leis, ou seja: nvel constitucional.43

    No Brasil surge a emenda constitucional n 45 de 200444

    ; que, entre outras coisas,

    altera o artigo 5 da Constituio Federal, incrementando os pargrafos 3 e 4:

    3 Os tratados e convenes internacionais sobre direitos humanos que forem

    aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trs quintos

    dos votos dos respectivos membros, sero equivalentes s emendas constitucionais.

    4 O Brasil se submete jurisdio de Tribunal Penal Internacional a cuja criao

    tenha manifestado adeso.45

    A partir da promulgao desta emenda, o povo brasileiro avana mais um passo no

    fortalecimento de suas instituies democrticas e de respeito ao cidado. Todos os tratados

    internacionais sobre direitos humanos, desde que passem pelo devido processo legislativo,

    passam a ter fora de emenda constitucional.

    Neste ponto, vale ressaltar que, mesmo a Constituio Federal sendo omissa ou

    negativa em algum direito ou garantia fundamental, no momento de incorporao do tratado

    esta garantia passa a vigorar como se dela emanasse.

    5 PRISO CIVIL

    A priso civil proibida pela Constituio Federal em seu artigo 5, LXVII:

    Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,

    garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade

    do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos

    seguintes:

    [...]

    43

    ARGENTINA. CONSTITUCIN DE LA NACIN ARGENTINA. Disponvel em:

    . Acesso em: 02.mai.2012. 44

    BRASIL. Emenda Constitucional n 45 de 30 de dezembro de 2004. Disponvel em:

    . Acesso em: 30.

    mar.2012. 45

    BRASIL. Emenda Constitucional n 45 de 30 de dezembro de 2004. loc. cit.

  • LXVII - no haver priso civil por dvida, salvo a do responsvel pelo

    inadimplemento voluntrio e inescusvel de obrigao alimentcia e a do depositrio

    infiel; 46

    Porm, como se percebe, a Constituio abre uma fenda e permite esta modalidade de

    priso em apenas dois casos: (a) inadimplemento voluntrio e inescusvel de obrigao

    alimentcia e (b) depositrio infiel.

    Ocorre que, com o advento da EC 45/04 e a insero do pargrafo 3 no artigo 5 da

    Constituio, o Pacto de San Jos da Costa Rica47

    , inserido no ordenamento ptrio como

    Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992, passa a ter especial validade frente

    normatizao ordinria federal. Desta maneira o artigo 7, 7, do referido pacto, revoga

    tacitamente a priso civil derivada do Depositrio Infiel.

    Artigo 7 - Direito liberdade pessoal

    [...]

    7. Ningum deve ser detido por dvidas. Este princpio no limita os mandatos de

    autoridade judiciria competente expedidos em virtude de inadimplemente (sic) de

    obrigao alimentar.48

    Tambm o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, em seu artigo 11, veda

    qualquer tipo de priso civil proveniente do descumprimento de obrigaes contratuais:

    [Artigo 11] Ningum poder ser preso apenas por no poder cumprir com uma obrigao

    contratual.49

    No h de se falar em inconstitucionalidade da medida por afetar clusula ptrea da

    Constituio Federal, pois o artigo 60 prev que no poder ser objeto de emenda

    constituio: proposta que tende a abolir direito ou garantia individual. Neste caso ocorre que

    os tratados vm apenas adicionar uma garantia individual normatizao brasileira.

    A soluo foi encontrada pelo iminente Ministro Gilmar Mendes, quando da

    ventilao de tese alem sobre a supralegalidade dos tratados internacionais que versem sobre

    direitos humanos. Veja as razes em seu voto no Recurso Extraordinrio 349.703, com

    julgado finalizado em 03 de dezembro de 2008:

    [...] parece mais consistente a interpretao que atribui a caracterstica da

    46

    BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. loc. cit. 47

    BRASIL. Conveno Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San Jos da Costa Rica, 1969. Disponvel em: . Acesso em: 30.

    mar.2012. 48

    Ibid. op. cit. 49

    BRASIL. PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLTICOS. Disponvel em: <

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>. Acesso em: 26 mar.2012.

  • supralegalidade aos tratados e convenes de direitos humanos. Essa tese pugna

    pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam

    infraconstitucionais, porm, diante de seu carter especial em relao aos demais

    atos normativos internacionais, tambm seriam dotados de um atributo de

    supralegalidade.

    Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos no poderiam afrontar a

    supremacia da Constituio, mas teriam especial reservado no ordenamento

    jurdico. Equipar-los legislao ordinria seria subestimar o seu valor especial no

    contexto do sistema de proteo de direitos da pessoa humana.50

    Esta tese da supralegalidade j havia sido aventurada pelo Ministro Seplveda

    Pertence, quando do julgamento do RHC 79.785/RJ nos idos dos anos 2000; e antes ainda, a

    jurisprudncia daquela egrgia corte j possua entendimento mesmo na dcada de 1940,

    afirmando que os tratados e convenes internacionais, por se tratar de documentos e

    obrigaes firmadas por esta repblica com outros pases soberanos, no poderiam

    simplesmente ser tingidos e modificados pela mera promulgao de legislaes ordinrias.

    Como exemplo o julgamento da Apelao Cvel 7.872/RS, em 1943, pelo ento Ministro

    Philadelpho Azevedo, que citado pelo agora Ministro Gilmar Mendes no voto acima citado.

    Tarefa interessante , porm, a de situar esses atos (tratados internacionais) em face

    do direito interno [...]. Interessante examinar, em suas devidas propores, o

    problema do tratado no tempo, sendo claro que ele, em princpio, altera as leis

    anteriores, afastando sua incidncia, nos casos especialmente regulados. A

    dificuldade est, porm, no efeito inverso, ltimo aspecto a que desejvamos atingir

    o tratado revogado por leis ordinrias posteriores, ao menos nas hipteses em que o seria uma outra lei? A equiparao absoluta entre lei e tratado conduziria

    resposta afirmativa, mas evidente o desacerto de soluo to simplista, ante o carter

    convencional do tratado, qualquer que seja a categoria atribuda s regras do direito

    internacional. [...] [Afirma] Acioli: os tratados revogam as leis anteriores mas posteriores no prevalecem sobre eles, porque teriam de o respeitar. (op. cit. vol 1 30)

    51

    Tambm cita, Gilmar Mendes, outro julgado do Supremo Tribunal Federal, porm, do

    ano de 1951. Na ocasio, aquela corte se pronunciou pelo voto vencedor do ento Ministro

    Orozimbo Nonato, relator da Apelao Civil n. 9.587/DF da seguinte forma: J sustentei, ao

    proferir voto nos embargos na apelao civil 9.583, de 22 de junho de 1950, que os tratados

    constituem leis especiais e por isso no ficam sujeitos s leis gerais de cada pas, porque,

    em regra, visam justamente excluso destas mesmas leis. [grifo nosso]52.

    Desta forma, a equao demonstra que existe mais um degrau na pirmide

    normativa nacional; qual seria a norma supralegal, ocupada pelos tratados e convenes

    50

    BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinrio 349.703/RS. Disponvel em: <

    http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=595406>. Acesso em: 26 mar.2012. 51

    ibid. loc. cit. 52

    Ibid. loc. cit.

  • sobre direitos humanos, ratificados pela Repblica Federativa do Brasil e que no se

    submeteram ao rito especial do pargrafo 3, do artigo 5 da Constituio Federal. Estes

    estariam abaixo da Constituio, porm, acima da legislao ordinria.

    Por estarem abaixo da Constituio, no se discute que a priso civil do depositrio

    infiel constitucional. Porm, se esto acima da legislao ordinria, todas as regras que

    instrumentalizam a priso civil do depositria infiel, tidas no Cdigo Civil e no Cdigo de

    Processo Civil, no possuem real efetividade; isto porque esto eivadas de vcio material ante

    a vedao legal de o Pacto de San Jos da Costa Rica e o Pacto Internacional dos Direitos

    Civis e Polticos.

    5.1 MUDANA DA JURISPRUDNCIA NACIONAL

    Os tribunais de todo o Brasil digladiavam-se com jurisprudncias para todos os lados;

    alguns permitindo a priso civil proveniente do descumprimento da devoluo da coisa

    depositada, outros somente a permitiam quando do depositrio infiel stritu sensu (vedando-a

    quando da mutao jurdica da alienao fiduciria), e outros, ainda, no a permitindo em

    nenhum caso como instrumento processual coercitivo para satisfao de obrigao

    contratual.53

    At mesmo o Supremo Tribunal Federal possua divergncia em seus julgados;

    Exemplo o habeas corpus 92.257/SP, de relatoria da Ministra Crmen Lcia, julgado em 26

    de fevereiro de 2008 pela Primeira Turma do STF:

    EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PRISO CIVIL. ORDEM

    DE PRISO QUE TEM COMO FUNDAMENTO A CONDIO DE SER O

    PACIENTE DEPOSITRIO JUDICIAL INFIEL: POSSIBILIDADE.

    PRECEDENTES. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. A jurisprudncia

    predominante deste Supremo Tribunal firmou-se no sentido da viabilidade da priso

    civil do depositrio judicial infiel.54

    Quando em 2008, aps o homrico voto do Ministro Gilmar Mendes, aquele pretrio

    excelso modificou e pacificou sua jurisprudncia no sentido da ilegalidade da priso civil do

    depositrio infiel em qualquer hiptese. A questo chegou a gerar uma Smula Vinculante

    53

    BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA. Disponvel em: . Acesso em:

    30.mar.2012. 54

    BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus 92.257/SP. Disponvel em: <

    http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=520107>. Acesso em: 26 mar.2012.

  • com aprovao na sesso plenria de 16 de fevereiro de 2009: ilcita a priso civil de

    depositrio infiel, qualquer que seja a modalidade do depsito. (Smula Vinculante n. 25)55

    Com a edio da referida smula vinculante, ficou soterrada toda e qualquer

    possibilidade legal deste tipo de priso no ordenamento jurdico infraconstitucional brasileiro.

    Mesmo que o Congresso Nacional volte a legislar sobre este tema, seria necessrio, pelo que

    se extrai dos julgamentos acima citados do STF: em primeiro lugar, a Repblica Federativa

    do Brasil deveria denunciar tanto o Pacto de San Jos da Costa Rica, quanto o Pacto

    Internacional dos Direitos Civis e Polticos; aps isso, o Congresso Nacional poderia buscar

    uma revogao no mbito do direito interno de ambos os tratados e para s ento a legislao

    infraconstitucional e infrasupralegal voltar a produzir seus efeitos.

    6 CONCLUSO

    Pelo exposto durante o desenvolvimento deste trabalho cientfico, possvel retirar

    vrios ensinamentos e concluses acerca da Ao de Depsito no direito ptrio. Comea-se

    pelos esclarecimentos a respeito dos objetivos, praticidades, agilidade e finalidades da Ao

    de Depsito.

    Estudou-se as hipteses de depsito, quais sejam: voluntrio, tambm conhecido como

    contratual, pois deriva de uma conveno de vontade entre as partes por meio de um contrato

    escrito, e regulada pelos artigos 627 646 do Cdigo Civil; e necessrio, ou involuntrio,

    pois no decorre da livre manifestao de vontade entre as partes e origina-se, ou diretamente

    de uma imposio legal, ou de situao no previsvel e imperiosa.

    Para compreender melhor os meios de coao para devoluo da coisa depositada,

    retornou-se s fontes pretorianas da Roma Antiga. Desta forma, percebeu-se que vrias so as

    maneiras de coero que o credor possui em seu favor. A comear pela busca e apreenso e

    em ltimos casos a malfadada priso civil do depositrio infiel.

    Uma melhor compreenso dos direitos e garantias fundamentais previstos na

    Constituio Federal foi realizado. Atravs de doutrinas e jurisprudncias, conseguiu-se ter

    maior clareza sobre o materialismo histrico dos Direitos Fundamentais do Homem, sua

    criao, interpretao e positivao nos ordenamentos jurdicos atuais.

    Percebeu-se que a promulgao da emenda constitucional n 45 de 2004 trouxe novo

    55

    BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Smula Vinculante 25. Disponvel em: <

    http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=25.NUME.%20E%20S.FLSV.&base=

    baseSumulasVinculantes>. Acesso em: 26 mar.2012.

  • folego aos ativista dos direitos humanos. A possibilidade de elevao da hierarquia legal dos

    tratados internacionais sobre direitos fundamentais ao grau de norma constitucional, desde

    que ratificados pela Repblica Federativa do Brasil e que passados por um rito legislativo

    especial, um grande avano na consolidao das liberdades pblicas.

    Entretanto, a referida emenda constitucional inseriu, em uma espcie de limbo

    jurdico, aqueles tratados sobre direitos humanos que j haviam sido ratificados antes de

    dezembro de 2004, data da publicao da emenda no Dirio Oficial da Unio. Pois estes

    textos, por no terem passado pelo processo legislativo especial da EC 45, no teriam valor de

    norma constitucional; entretanto, no se poderia apenas esquec-los e relegar a eles o mero

    valor de norma ordinria. A soluo encontrada pelo Supremo Tribunal Federal foi de

    intercal-los entre as normas constitucionais e a normatizao ordinria; criando-se assim as

    normas supralegais.

    Atravs das pesquisas jurisprudenciais, confirmou-se que o materialismo

    jurisprudencial nacional cada vez mais rico em casos onde o posicionamento minoritrio,

    com o passar do tempo, torna-se majoritrio. Esta nova postura tomada pelo Supremo

    Tribunal Federal acabou por retirar da legislao ordinria os mecanismos que

    instrumentalizavam a priso civil do depositrio infiel, varrendo-a assim do ordenamento

    processual civil brasileiro, apesar de ainda ser constitucional a sua existncia. Coloca-se um

    ponto final nesta discusso que a muito se arrastava. Uma questo como esta, apesar de ser

    um leve passo dentro de uma medida civilmente coercitiva, enche de legitimidade o avano

    de um modelo nacional democrtico e de respeito s liberdades pblicas.

    DEPOSIT ACTION AND COERCIONS MEANS: AN ANALYSIS OF THE APPLICABILITY OF CIVIL PRISON TO THE UNFAITHFUL DEPOSITARY

    Abstract: Starting from the classical conception of Deposit of

    Action in Brazilian law. This article produces a quick presentation of

    their forms and characteristics. It develops the ways of judicial

    coercion to enforce the return of deposited personal belongings: such

    as search and seizure and civil prison. It extends the discussion about civil prison for the constitutional field and its

    effective application after the issue of Constitutional Amendment 45.

    It deals with the Supreme Court placement with the

    Minister Gilmar Mendess paradigmatic judgment about the supralegal rule and it shows briefly some Supreme Court positions of

    the years 1940 and 1950.

    Keywords: Deposit Action. Unlawful Possession. Civil Prison.

    Human Rights. Supralegal Rule.

  • 7 REFERNCIA BIBLIOGRFICA

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