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73 ARTEFACTUM – REVISTA DE ESTUDOS EM LINGUAGEM E TECNOLOGIA ANO III– N° 1 – FEVEREIRO 2010 MOVIMENTO SOFTWARE LIVRE: POR UMA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA DO CIBERESPAÇO Katja Augusto [email protected] lattes: http://lattes.cnpq.br/1456728333074919 Monique Lima [email protected] lattes: http://lattes.cnpq.br/2492740222266396 RESUMO Na sociedade atual, a internet cada vez mais se configura como o principal meio de comunicação, tendo em vista o seu crescimento exponencial. Apesar de ser um espaço caracterizado pelo modelo de comunicação “todos- todos”, ainda é visível a distinção entre produtor e consumidor. Este artigo pretende abordar os movimentos de internautas em prol da democratização da comunicação e de que forma a rede proporciona essas mobilizações. Palavras-chave: Internet, Movimento Software Livre, Democratização. MOVIMENTO SOFTWARE LIVRE: POR UMA CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA DO CIBERESPAÇO A primeira vez que a expressão “sociedade da informação” apareceu foi em 1973, no livro O advento da sociedade pós-industrial, do sociólogo norte- americano Daniel Bell. O autor afirmava que o eixo norteador da sociedade atual seria o conhecimento, sendo que, para tal, seria imprescindível que a nova economia estivesse centrada na oferta de meios que promovessem conteúdo informativo e, consequentemente, o conhecimento 1 . Entretanto, foi na década de 1990 que o termo ganhou força graças ao desenvolvimento da Internet e das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC's). Manuel Castells defende que, embora a tecnologia exerça um papel significativo na sociedade, ela – a tecnologia – não a determina, nem tampouco 1 BURCH, Sally. “Sociedade da informação/Sociedade do conhecimento”. Disponível em: http://vecam.org/article519.htmlhttp://vecam.org/article519.html Acessado em 19/04/2010.

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  • 73 ARTEFACTUM REVISTA DE ESTUDOS EM LINGUAGEM E TECNOLOGIA

    ANO III N 1 FEVEREIRO 2010

    MOVIMENTO SOFTWARE LIVRE: POR UMA CONSTRUO DEMOCRTICA DO CIBERESPAO

    Katja Augusto

    [email protected] lattes: http://lattes.cnpq.br/1456728333074919

    Monique Lima

    [email protected] lattes: http://lattes.cnpq.br/2492740222266396

    RESUMO Na sociedade atual, a internet cada vez mais se configura como o principal meio de comunicao, tendo em vista o seu crescimento exponencial. Apesar de ser um espao caracterizado pelo modelo de comunicao todos-todos, ainda visvel a distino entre produtor e consumidor. Este artigo pretende abordar os movimentos de internautas em prol da democratizao da comunicao e de que forma a rede proporciona essas mobilizaes.

    Palavras-chave: Internet, Movimento Software Livre, Democratizao.

    MOVIMENTO SOFTWARE LIVRE: POR UMA CONSTRUO DEMOCRTICA DO CIBERESPAO

    A primeira vez que a expresso sociedade da informao apareceu

    foi em 1973, no livro O advento da sociedade ps-industrial, do socilogo norte-

    americano Daniel Bell. O autor afirmava que o eixo norteador da sociedade

    atual seria o conhecimento, sendo que, para tal, seria imprescindvel que a

    nova economia estivesse centrada na oferta de meios que promovessem

    contedo informativo e, consequentemente, o conhecimento1. Entretanto, foi na

    dcada de 1990 que o termo ganhou fora graas ao desenvolvimento da

    Internet e das Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC's).

    Manuel Castells defende que, embora a tecnologia exera um papel

    significativo na sociedade, ela a tecnologia no a determina, nem tampouco 1 BURCH, Sally. Sociedade da informao/Sociedade do conhecimento. Disponvel em: http://vecam.org/article519.htmlhttp://vecam.org/article519.html Acessado em 19/04/2010.

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    a sociedade que dita a trajetria das transformaes tecnolgicas, pois h um

    conjunto de fatores que so essenciais a esse processo e influenciam no s a

    descoberta cientfica, como tambm as inovaes tecnolgicas e suas

    aplicaes sociais (1999: p. 43). Porm,

    embora no determine a tecnologia, a sociedade pode sufocar seu desenvolvimento principalmente por intermdio do Estado. Ou ento, tambm principalmente pela interveno estatal, a sociedade pode entrar num processo acelerado de modernizao tecnolgica capaz de mudar o destino das economias, do poder militar e do bem-estar social em poucos anos. Sem dvida, a habilidade ou inabilidade de as sociedades dominarem a tecnologia e, em especial, aquelas tecnologias que so estrategicamente decisivas em cada perodo histrico, traa seu destino a ponto de podermos dizer que, embora no determine a evoluo histrica e a transformao social, a tecnologia (ou sua falta) incorpora a capacidade de transformao das sociedades, bem como os usos que as sociedades, sempre em processo conflituoso, decidem dar ao seu potencial tecnolgico (CASTELLS, 1999: 44-45).

    Apesar do no-determinismo, Castells admite que o surgimento de um

    novo sistema eletrnico de comunicao caracterizado pelo seu alcance global,

    integrao de todos os meios de comunicao e interatividade potencial est

    mudando e mudar para sempre nossa cultura (1999: p. 414). A quase

    anulao do tempo e das distncias permitiu, ao contrrio da homogeneizao

    da sociedade, o surgimento de diversas identidades e movimentos que

    transpem fronteiras geogrficas. O desenvolvimento das TIC's e os novos

    meios de comunicao esto sendo responsveis pela eminncia de redes

    transnacionais que compartilham afinidades, objetivos, lutas, sem espao fsico

    e, por isso, acessveis de qualquer lugar.

    Castells, ao caracterizar esse contexto, denominado paradigma

    tecnolgico, base da sociedade da informao, destaca cinco aspectos

    fundamentais para o entendimento dessa transformao social. Primeiramente,

    a tecnologia que age sobre a informao, diferentemente do que acontecia

    nas revolues predecessoras. Em seguida, a capacidade das novas

    tecnologias em moldar quer a existncia do indivduo quer a do coletivo. Em

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    terceiro est a lgica das redes, que permite a interao, sem afetar a sua

    recrudescente complexidade. Na continuao aparece a flexibilidade

    proporcionada pelo paradigma tecnolgico na medida em que facilita a

    reorganizao ou modificao das instituies. E, por fim, a crescente

    convergncia das tecnologias numa s rede (CASTELLS, 1999: p.108-109).

    A partir dessa ordem de fatores, surgiu um cenrio que, em virtude da

    adeso massiva de usurios e de um esprito de troca e compartilhamento de

    mensagens, deu origem, por sua vez, ao que Pierre Lvy chamou de

    inteligncia coletiva (1999: p. 28). Esse fenmeno, que um dos principais

    motores da cibercultura (idem: p.28), s possvel num meio em que a

    comunicao se d de forma horizontal, ou seja, numa relao todos-todos,

    onde qualquer usurio produtor e receptor de contedo, diferentemente das

    mdias tradicionais, em que a emisso e recepo ocorrem unidirecionalmente

    e o indivduo assume um papel de passividade. A Internet e o ciberespao,

    com a difuso e abrangncia cada vez maior das TIC's, criaram um ambiente,

    seno ideal uma vez que ainda no atingiu a perfeio , pelo menos

    propcio para o aparecimento e desenvolvimento dessa inteligncia. Isso

    porque o ciberespao tem como caractersticas, entre outras, a acessibilidade e

    o compartilhamento de bancos de dados e o upload de arquivos e programas,

    fundamentais para a disponibilizao, transferncia e circulao da informao.

    Tendo em vista a potencialidade do ciberespao, esse tornou-se um

    espao de disputa entre as megacorporaes e os conglomerados de

    comunicao. Seguindo a lgica de mercado de mximo lucro, magnatas do

    capitalismo veem a internet como um ambiente perfeito para a prtica de

    transaes comerciais, endossando, desse modo, o liberalismo econmico. Na

    contramo dessa viso, est uma outra dimenso da rede, que perpassa no

    s pela coexistncia pacfica de vrios interesses e culturas (CASTELLS,

    1999: p. 439-440), como tambm permite o surgimento de uma nova forma de

    comunidade, que rene as pessoas on-line ao redor de valores e interesses em

    comum (idem, p: 442). Como afirma Lvy, proporcionada pelo ciberespao,

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    a cibercultura a expresso da aspirao de construo de um lao social, que no seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relaes institucionais, nem sobre as relaes de poder, mas sobre o compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaborao. O apetite para as comunidades virtuais encontra um ideal de relao humana desterritorializada, transversal, livre. As comunidades virtuais so os motores, os atores, a vida diversa e surpreendente do universal por contato. (1999: p. 130)

    A web 2.0, que se diferencia das anteriores pela mudana para uma

    internet como plataforma (CONRADO, 2007: p. 44), se enquadra

    perfeitamente nesse cenrio de interatividade e cooperao. Para Tim O'Reilly,

    percursor da terminologia web 2.0, a regra mais importante [da nova web]

    desenvolver aplicativos que aproveitem os efeitos de rede para se tornarem

    melhores quanto mais so usados pelas pessoas, aproveitando a inteligncia

    coletiva (idem: p. 44). Nesse sentido, que as comunidades virtuais exercem,

    assim, um papel decisivo na promoo e desenvolvimento da inteligncia

    coletiva.

    MOVIMENTOS SOCIAIS DA REDE

    Partindo do princpio que a internet tem como grande promessa

    romper com as barreiras entre produtor e consumidor (...) criando um territrio

    neutro, aberto, que tornasse o indivduo o centro da informao (LEMOS,

    2005: p. 258), constatamos que para a web chegar a esse nvel ainda h um

    longo caminho a percorrer. Embora a descentralizao e a democratizao

    totais ainda estejam no plano imaginrio, a aglomerao de internautas nas

    comunidades virtuais em prol de uma internet mais livre tem criado uma

    presso significativa sobre os produtores e distribuidores de contedo, para

    que esses ideais de comunicao se concretizem no mundo virtual-real.

    atravs dessa demanda e consequente reivindicao e luta que

    surgem os movimentos sociais na grande rede, cujas principais caractersticas

    so a desterritorializao, a transnacionalizao e a virtualizao. Os

    movimentos sociais virtuais para democratizao de acesso s tecnologias,

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    que destacaremos ao longo deste artigo, se colocam, dessa forma, contra o

    sistema capitalista vigente, pois seguem na contramo da lgica do mercado

    industrial dos produtos de informtica. Pierre Lvy elucida a compreenso da

    luta pela difuso tecnolgica como movimento social:

    pode parecer estranho falar de 'movimento social' quando se trata de um fenmeno habitualmente considerado como 'tcnico'. Eis, portanto, a tese que vou tentar sustentar: a emergncia do ciberespao fruto de um verdadeiro movimento social, com seu grupo lder (a juventude metropolitana escolarizada), suas palavras de ordem (interconexo, criao de comunidades virtuais, inteligncia coletiva) e suas aspiraes coerentes. (1999: p.123)

    Entendemos, sobretudo, o significado do termo movimento social sob a

    perspectiva de Scherer-Warren quando afirma que o movimento se caracteriza

    pela identificao de sujeitos coletivos em torno de valores, objetivos ou

    projetos em comum, os quais definem os atores ou situaes sistmicas

    antagnicas que devem ser combatidas e transformadas (1989: p. 24).

    Entre as inmeras articulaes sociais, daremos enfoque aos que

    defendem a liberdade de escolha pelo software/sistema operacional, ou,

    simplesmente, Movimento Software Livre (MSL). Observamos nesses

    movimentos uma expresso contempornea das relaes antagnicas da

    intelectualidade, uma reformulao do materialismo histrico, a nova dialtica

    entre aqueles que detm do meio de produo e os que possuem a mo-de-

    obra produtiva. Alm de validar, ainda na perspectiva de Scherer-Warren, o

    exerccio da Prxis, como elemento de transformao social propulsor da

    libertao (...) e da necessidade das classes se organizarem, enquanto grupos

    de interesses, na busca de autonomia (idem: p. 24).

    Dentro do MSL h conceitos e resqucios de movimentos sociais que

    legitimam a ao social, no s pela democratizao das tecnologias, ou pela

    incluso de indivduos que, coletivamente, constroem uma forma de

    socializao de conhecimento computacional. Mais do que isso:

    O Movimento Software Livre surge com a perspectiva de mobilizar e esclarecer a comunidade tcnica e outros interessados sobre o uso dos programas livres. Mas

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    atualmente smbolo de outras lutas que vo alm da perspectiva tcnica, baseando-se numa lgica de liberdades, carrega consigo discusses sobre direitos autorais, socializao do conhecimento, contra-cultura e contra-hegemonia2.

    Partimos da premissa de que este um dos movimentos que mais

    mobiliza a juventude, que atua sem fronteiras, neste mundo globalizado, na

    luta pela quebra do fetichismo sobre o produto intelectual de criao de

    sistemas operacionais de computadores, nesta virada de sculo.

    SOFTWARE LIVRE OU INTELECTO LIVRE?

    Para compreendermos melhor do que se trata o Movimento Software

    Livre, necessrio que saibamos as distines bsicas no referente ao

    funcionamento computacional. Assim descreve Viviani Teixeira: O computador

    composto de hardware e software. Hardware a parte fsica, isto , a

    mquina. Software uma sentena escrita em uma linguagem computvel,

    para a qual existe uma mquina (computvel) capaz de interpret-la. O

    hardware e o software se completam. Teixeira afirma que a comercializao

    dos dois produtos , geralmente, realizada em conjunto. O que fomenta o

    comrcio mundial de software.3

    O Software Livre , portanto, disponibilizado gratuitamente. O termo

    software livre foi criado por Richard M. Stallman, um dos fundadores da Free

    Software Foundation (1985) e do movimento chamado Manifesto GNU. Lker

    afirma, GNU was the name of the rst free software project, where Stallman

    titled it upon the industry standart operating system Unix (2008: p. 16).

    2 Teixeira, Viviani. Os movimentos sociais e a sociedade da informao: Reflexes sobre a restrio no uso da tecnologia. IV Congreso de La CiberSociedad 2009. Disponvel em: http://www.cibersociedad.net Acessado em 2/05/2010. 3 idem.

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    Vale ressaltar que no objetivo deste artigo, aprofundar nas questes

    tcnicas da informtica sobre a produo desses programas, mas sim tentar

    compreender o movimento jovem por detrs da construo desse coletivo.

    Em referncia ao estabelecido pela Free Software Foundation sobre as

    definies do software livre, destacamos:

    un programa es software libre siempre y cuando los usuarios de este tengan garantizadas cuatro libertades bsicas: (1) la libertad de ejecutar el programa sea cual sea su propsito; (2) la libertad de estudiar y modificar el programa para ajustarlo a sus necesidades; (3) la libertad de redistribuir copias, ya sea de forma gratuita, ya sea a cambio del pago de un precio, y (4) la libertad de mejorar el programa y luego hacerlo pblico para el bien de toda la comunidad. (ALBERICH e ROIG, 2008: p.3)

    Stallman defende que el software libre es una cuestin de libertad, no

    de precio (2004: p.41). Ele argumenta que o significado de libre nesta frase

    deve ser o mesmo de libertad de expresin (idem: p. 12).

    A luta pela liberdade de escolha e de criao gera uma proliferao

    cultural em diversas reas e d origem a outros movimentos, como o Software

    Open Source, ou de fonte aberta, que surgiu em 1997. Segundo Stallman el

    open source es un mtodo de desarrollo; el software libre es un movimiento

    social. Para ele el movimiento de software libre y el movimiento open source

    son hoy en da movimientos separados con diferentes puntos de vista y

    objetivos (STALLMAN, 2004: p.75). De acordo com Lker, The open source

    concept was proposed by Eric Raymond in The Cathedral and Bazaar (1997).

    The article provoked a new point of view interested in enterprise level of

    commerce (2008: p. 17).

    Viviani Teixeira explica que o Movimento Software Livre denominado

    assim no Brasil, mas em outros pases atende por terminologias distintas,

    apesar da similaridade nas ideologias, como por exemplo, o Open Source,

    FLOSS (Free, Libre and Open-Source Software) e FOSS (Free and Open

    Source Software). Para ela, o MSL recruta cada vez mais adeptos por ser um

    movimento com caractersticas contra hegemnicas, com conceitos de

    autonomia e justia econmica.

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    O Movimento Software Livre no pode ser considerado um movimento revolucionrio anti-capitalista ou anti-business, mas sim de oposio ao modelo de comrcio das indstrias de software proprietrios vigente. O MSL no adota regras econmicas ortodoxas como seu nico opositor. Ele vai alm e questiona princpios at mesmo dos modelos econmicos vigentes que giram em torno da informatizao e da esfera virtual.4

    Resulta disso os livres: filmes, msicas, livros, fotografias, artes

    grficas etc. A maioria criada no universo virtual de possibilidades, em grupos

    cujos componentes muitas vezes s se conhecem pelos apelidos e geralmente,

    sem contatos de primeiro grau. Compreendemos a atuao desses sujeitos

    coletivos, protagonistas do movimento social pela liberdade de expresso e

    criao intelectual no ciberespao, como uma renovao das relaes sociais

    entre indivduos, tempo e espao, fora de produo e meios de produo.

    O DIREITO DE SER LIVRE!

    O debate acerca dos direitos que envolvem a comercializao, licenas

    de uso e a livre permisso de utilizao e, por vezes, de alterao dos

    softwares nos remete a uma busca pela maior compreenso das leis que

    regem os patrimnios no-materiais.

    Lessig explica que no sculo XVIII ainda no havia uma regularizao

    sobre as obras intelectuais If I copied your poem by hand, over and over again,

    as a way to learn it by heart, my act was totally unregulated by the 1790 act.

    (b) Today the story is very different: If you write a book, your book is

    automatically protected5. Ele defende a ideia de que hoje h um processo

    automtico de proteo em sequncia criao.

    4 TEIXEIRA, Viviani. Os movimentos sociais e a sociedade da informao: Reflexes sobre a restrio no uso da tecnologia. IV Congreso de La CiberSociedad 2009. Em http://www.cibersociedad.net Acessado em 2/05/2010 5 LESSIG, Lawrence. Free culture: how big media uses technology and the law to lock down culture and control creativity. The Penguin Press, New Cork, 2004. Disponvel em: http://free-culture.org Acessado em: 10/10/2010

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    There is no need to register or mark your work. The protection follows the creation, not the steps you take to protect it. That protection gives you the right (subject to a narrow range of fair use exceptions) to control how others copy the work, whether they copy it to republish it or to share an excerpt.

    Para Zimmermann (1999) h diferentes formas de se proteger uma

    obra: o copyright protge l'expression d'une ide plutt que l'ide elle-mme;

    o certificado protge les droits de proprit sur la manire de faire quelque

    chose; o segredo de fabricao protge l'ide sous-jacente d'une invention

    plutt qu'une expression particulire, il a l'avantage pour l'innovateur de ne pas

    divulguer l'information, mais il ne confre pas en revanche de monopole

    d'exploitation e que a lgica do CopyLeft protger le libre.

    De acordo com Stallman, o Copyright no uma lei natural, mas um

    monopolio artificial impuesto por el Estado que limita el derecho natural de los

    usuarios a copiar. O criador do Movimento Software Livre explica que o

    Copyleft uma contrapartida s determinaes do Copyright: o Copyleft utiliza

    la ley de copyright, pero dndole la vuelta para servir a un propsito opuesto al

    habitual: en lugar de privatizar el software, ayuda a preservarlo como software

    libre. (2004: p. 28)

    Lker defende que, de acordo com Lawrence Liang, o termo CopyLeft

    was originally derived by Ray Johnson for describing his mail-art works which

    were made by using mixed media sources during the 1960s (2008: p. 25), mas

    que a sua popularidade emergiu aps a adaptao pelo MSL.

    A discusso em torno desses movimentos que lutam pelo direito de

    liberdade de cpia e de alterao do software analisada por Lessing como

    Free Culture. Ele define que a free culture is not a culture without property e

    que o oposto disso a permission culture a culture in which creators get to

    create only with the permission of the powerful, or of creators from the past6.

    6 Lessig, Lawrence. Free culture: how big media uses technology and the law to lock down culture and control creativity. The Penguin Press, New Cork, 2004. Em http://free-culture.org

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    Para Laura J. Murray, em sua tese sobre o filme Rip: Um manifesto

    remixado, de Brett Gaylor, freedom in this discourse is a transcendent moral

    value; brandished in this way, it is all or nothing (2009: p. 4). Takhteyev explica

    que a esta uma questo de justia social: Free circulation of ideas and

    remixability of culture is essential not only for cultural innovation but often also

    for social justice7.

    Liberdade a palavra-chave do MSL. Quando o software de

    propriedade privada, sua cpia crime de pirataria. Com base nas ideias de

    Viviani Teixeira,

    o software rotulado como proprietrio de posse nica e de manuteno exclusiva, exceto no caso dos softwares piratas. (...) No caso dos softwares piratas, poderamos dizer que so clones dos originais, instalados em mquinas diferentes, mas com o mesmo nmero de srie, e, no caso de inspeo legal, ou por parte de instituies responsveis pela compra das licenas, seriam classificados como ilegais8.

    Baseado na concepo de mercado e da mdia, podemos observar que

    o crime de pirataria na internet atribudo aos hackers. Stallman argumenta

    que el uso de la palabra hacker para definir al que rompe sistemas de

    seguridad es una confusin promovida por los medios de comunicacin. Ele

    suscita distines entre as terminologas hacker e cracker: Puedes ayudar a

    subsanar este malentendido haciendo una simple distincin entre la intromisin

    en la seguridad de un sistema y las actividades de hacking, empleando el

    trmino cracking para la primera. Stallman argumenta que o hacker alguien

    que ama la programacin y disfruta explorando nuevas posibilidades, pois

    hacking significa explorar los lmites de lo posible con un espritu de sagacidad

    imaginativa. (2004, p. 20)

    7 TAKHTEYEV, Yuri. The Source in Free Culture. p. 3. Disponvel em: http://openpdf.com/ebook/takhteyev-pdf.html 8 TEIXEIRA, Viviani. Os movimentos sociais e a sociedade da informao: Reflexes sobre a restrio no uso da tecnologia. IV Congreso de La CiberSociedad 2009. Em http://www.cibersociedad.net

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    ANO III N 1 FEVEREIRO 2010

    Manuel Castells salienta que os Hackers no so o que a mdia diz

    que so e que a cultura hacker desempenha um papel axial na Internet, pois

    ela se d no ambiente fomentador de inovaes tecnolgicas capitais

    mediante a cooperao e a comunicao livre, alm de fazer a ponte entre o

    conhecimento originado na cultura tecnomeritocrtica e os seus produtos

    empresariais que difundem a Internet na sociedade geral. Castells ressalta

    que Eric Raymond, um dos mais destacados observadores

    analistas/participantes da cultura hacker e um cone dela, afirma que hackers

    so aqueles que a cultura hacker reconhece como tais (CASTELLS, 2003:

    p.38). Ele salienta ainda que:

    Suprema nesse conjunto de valores a liberdade. Liberdade para criar, liberdade para apropriar todo conhecimento disponvel e liberdade para redistribuir esse conhecimento sobre qualquer forma ou por qualquer canal escolhido pelo hacker9. (idem: p.42)

    Castells argumenta que h na cultura hacker um sentimento

    comunitrio, baseado na integrao ativa numa comunidade, que se estrutura

    em torno de costumes e princpios de organizao social informal (idem: p.

    43). A Internet o alicerce organizacional dessa cultura. A comunidade

    hacker, em geral, global e virtual (idem: p. 44).

    PODE O CIBERESPAO SER EXCLUDENTE?

    O engajamento dos internautas, atrelado ao aprimoramento das TIC's e

    da Internet, estimula o desenvolvimento da cibercultura que, por sua vez,

    proporciona a inteligncia coletiva. Tal como afirma Pierre Lvy, permitir que

    os seres humanos conjuguem suas imaginaes e inteligncia a servio do

    desenvolvimento e da emancipao das pessoas o melhor uso possvel das

    tecnologias digitais (1999, p. 208). Apesar dos movimentos em prol da

    democratizao desse espao, isto , da eliminao da hierarquia que ainda

    9 Castells. Manuel. A Galxia da Internet: reflexes sobre a internet, os negcios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

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    persiste entre produtor e consumidor, a fim de torn-lo totalmente livre e

    igualitrio, a cibercultura continua sendo excludente. E permanecer sendo at

    o momento em que medidas sejam tomadas para reverter esse quadro.

    Tanto a inteligncia coletiva quanto as tecnologias que a favorecem

    no devem estar condicionadas a setores sociais e regies economicamente

    ativas.

    O acesso ao ciberespao exige infra-estruturas de comunicao e de clculo (computadores) de custo alto para as regies em desenvolvimento. Alm disso, a apropriao das competncias necessrias para a montagem e manuteno de centros servidores representa um investimento considervel. (...) preciso ainda superar os obstculos 'humanos'. Em primeiro lugar h os freios institucionais, polticos e culturais para formas de comunicao comunitrias, transversais e interativas. H, em seguida, os sentimentos de incompetncia e de desqualificao frente s novas tecnologias. (LVY, 1999: p. 235-236)

    Talvez a soluo mais sensata para o problema em questo fosse

    proporcionar o acesso a todos e reduzir os custos da conexo. Contudo, para

    Lvy, estar munido de todos os dispositivos tecnolgicos para imergir no

    ciberespao no o suficiente. O indivduo, acima de tudo, no deve estar

    apenas preparado para participar do ambiente virtual, mas tambm ter

    conhecimento do seu funcionamento. Tendo em vista que a internet no s o

    presente como, principalmente, ser o futuro, acreditamos que, nesse ponto,

    fundamental que o Estado implemente polticas pblicas nas escolas, que

    possibilitem aos jovens um conhecimento e um uso sbio das potencialidades

    que este meio oferece.

    Alm disso, no adianta que o Brasil tenha 67,5 milhes de internautas,

    segundo as estatsticas do Ibope/Nielsen, ou esteja em primeiro lugar quanto

    ao tempo mdio de navegao por ms.10 Cabe pensar, sim, diante da

    10 http://www.tobeguarany.com/internet_no_brasil.php Acessado em 22/05/2010.

  • 85 ARTEFACTUM REVISTA DE ESTUDOS EM LINGUAGEM E TECNOLOGIA

    ANO III N 1 FEVEREIRO 2010

    relevncia da internet nos dias atuais, nos motivos pelos quais ainda h mais

    de 120 milhes de brasileiros fora do mundo virtual.

    CONCLUSO

    No nosso imaginrio tecnolgico, o ciberespao um ambiente de total

    liberdade de movimentao e criao de dispositivos, programas e contedos,

    que permitem a cada indivduo explorador da internet contribuir para a sua

    construo. Fazer da rede como um meio onde ainda vigorem as hierarquias

    presentes na mdia tradicional, impedindo que estas sejam desconstrudas,

    minar o seu maior potencial: o de ser o nico espao igualitrio, sem qualquer

    distino social.

    O Movimento Software Livre, tal como muitos outros que existem no

    ciberespao, a expresso da luta para que esse ideal de liberdade, ainda no

    mundo da imaginao, se concretize no plano real-virtual. Enquanto o

    desenvolvimento de programas depender exclusivamente da indstria dos

    produtos de informtica, a internet permanecer um ambiente excludente, na

    medida em que os usurios manter-se-o merc das decises das lgicas de

    mercado do sistema capitalista vigente. Iniciativas como as do MSL, legitimam

    a luta por um mundo democrtico.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALBERICH, Jordi, ROIG, Antoni. Creacin y produccin audiovisual colaborativa. Implicaciones sociales y culturales del uso de software libre y recursos audiovisuales de cdigo abierto. Revista sobre la sociedade del conocimiento. 2008. Disponvel em: http://uocpapers.uoc.edu CASTELLS. Manuel. A Galxia da Internet: reflexes sobre a internet, os negcios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. __________. Sociedade em rede. a era da informao: economia, sociedade e cultura. So Paulo: Paz e Terra, 1999. CONRADO. Adolpho Vaz. Google Marketing: o guia definitivo do marketing digital. Novatec, 2007 2 edio. LEMOS, Ronaldo. O Creative Commons e as tranformaes da propriedade intelectual. In: BARBOSA FILHO, Andr; CASTRO, Cosette; TOME, Takashi

  • 86 ARTEFACTUM REVISTA DE ESTUDOS EM LINGUAGEM E TECNOLOGIA

    ANO III N 1 FEVEREIRO 2010

    (org.). Mdias digitais: convergncia tecnolgica e incluso social. So Paulo, Paulinas, 2005. LESSING, Lawrence. Free culture: how big media uses technology and the law to lock down culture and control creativity. The Penguin Press, New Cork, 2004. Disponvel em: http://free-culture.org LVY, Pierre. Cibercultura. So Paulo: Ed. 34, 1999. LKER, K. Revolution of open source and film making towards open film making. 2008. Disponvel em: http://www.thesis.bilkent.edu.tr/0003556.pdf

    MURRAY, Laura J. RIP: A Remix Manifesto. 2009. Disponvel em: www.culturemachine.net STALLMAN, R.M. Software libre para una sociedad libre. Traficantes de Sueos. Madrid: 2004. Disponvel em: http://biblioweb.sindominio.net/pensamiento/softlibre/softlibre.pdf ____________. On Hacking. 2002. Disponvel em: http://traficantes.net SCHERRER-WARREN, Ilse. Movimentos sociais: um ensaio de interpretao sociolgica. Florianpolis: Ed. da UFSC, 1989 3edio. TAKHTEYEV, Yuri. The Source in Free Culture. Disponvel em: http://openpdf.com/ebook/takhteyev-pdf.html ZIMMERMANN, Jean-Benot. Logiciel et propriete intellectuelle: du copyright au copyleft. 1999. Disponvel em: http://www.freescape.eu.org/biblio/IMG/pdf/99b07.pdf

    SOBRE AS AUTORAS

    Katja Augusto possui graduao em Comunicao Social - Jornalismo pela Universidade Estcio de S (2008). Cursa ps-graduao em Mdias Digitais, na Universidade Estcio de S (previso de formatura: 2010), e graduao em Histria, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ (previso de formatura: 2012). Atualmente, estagiria em Assessoria de Comunicao Do Decanato de Ensino de Graduao da UFRRJ.

    Monique Lima possui graduao em Comunicao Social com habilitao em Jornalismo. Atualmente Assessora de Comunicao do Decanato de Ensino de Graduao da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Tem experincia na rea de Comunicao Empresarial. Estuda Cincias Sociais na

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    Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro desde 2010 I. aluna especial da disciplina Educao e Democracia: um diagnstico poltico-educacional do Programa de Ps-gradao em Educao, Contextos Contemporneos e Demandas Populares - IE / IM / UFRRJ.