Artigo

34
3 O Teatro do Oprimido: as cinco categorias dos joguexercícios Nós somos uma pré-humanidade (nós não podemos dizer ainda que somos seres humanos), mas o teatro pode ajudar a eclosão dessa humanidade, o teatro pode ajudar a explosão dessa humanidade, o teatro pode ajudar o nascimento de uma verdadeira humanidade que só vai existir quando houver solidariedade. Sem solidariedade nós somos bichos, bestas selvagens. É isso que ainda somos infelizmente, mas analisando isso a gente pode passar a uma nova etapa e dizer finalmente um dia, nós agora somos seres humanos, porque nós agora somos solidários [ . . .] O Teatro do Oprimido é baseado na ideia de que todo mundo é teatro mesmo que não faça teatro. Uma coisa é fazer teatro e outra coisa é ser teatro. Fazer teatro é aprender em primeiro lugar um ofício. Fazer teatro como . . . como cenógrafo, tem que aprender cenografia, como ator, tem que aprender atuação, tem que aprender usar a voz, tem que aprender usar o corpo. Você aprende o metieu, você aprende um ofício. Aí você vai para o palco, ou vai escrever a sua peça. Isso é fazer teatro. Mas ser teatro é ser humano. O que é o ser humano, diferente dos outros animais . . . o ser humano é aquele que carrega em si o ator e o espectador de si mesmo. Quer dizer no momento que eu estou falando com você eu estou agindo, isto é ação, eu sou ator, mas eu estou me observando muito bem, eu tô vendo minha mão, e tô vendo corpo, eu tô ouvindo minha voz eu estou coordenando meu pensamento. Então eu sou o ator, mas eu sou também o espectador de mim mesmo, o espectador privilegiado, porque eu sou também o escritor do meu texto. Eu sou um dramaturgo no momento do diálogo que cabe a mim. Sou eu quem estou compondo essa parte, então eu sou o meu escritor . . . eu sou o meu figurinista, estou vestido com essa camisa, porque e achei que seria melhor para esse programa, entende, fui eu quem botei, então eu sou o meu figurinista e pra dirigir essa gente toda que eu sou, eu tenho também que ser o meu diretor. Então cada um de nós é tudo que existe dentro do teatro. E a linguagem que a gente usa é a linguagem que o ator usa no palco. Só que ele tem consciência de que está usando essa linguagem e nós na vida real não temos, na vida cotidiana não temos. Então o Teatro do Oprimido é um conjunto de jogos, de técnicas especiais que ajudam qualquer cidadão, destes que estão nos ouvindo e estão nos vendo [ou lendo], agora na televisão [ou no texto], independente da sua profissão, independente da sua idade, pode ter noventa anos, como pode ter quatro ou cinco, quer dizer em qualquer profissão, em qualquer idade ou atividade, o teatro ajuda essas pessoas perceberem quer queiram quer não, pois as pessoas falam teatro, as pessoas são teatro e fazem teatro. Então melhor usar bem, do que usar querendo ou não querendo. Então o Teatro do Oprimido não é um catecismo, não é um receituário. Não é o faça assim porque é assim que dá certo, mas é um método para desenvolver as pessoas, é por isso que ele pode ser praticado em continentes como a África e a Europa, como a Oceania e a América Latina e a Ásia. Quer dizer, no mundo inteiro hoje existem grupos de Teatro do Oprimido. Então pra que serve . . . serve para que usando a linguagem teatral, uma linguagem muito poderosa, e ela é muito poderosa, porque é a soma de todas as linguagens. Não é porque ela tem uma coisa só de especial . . .ela soma todas as linguagens e ela cria essa possibilidade que nós temos de nos observar, quer dizer, o teatro é a representação do real. Você na representação do real, pode se estudar melhor que na vida cotidiana, do dia-a-dia. Então você

Transcript of Artigo

  • 107

    3 O Teatro do Oprimido: as cinco categorias dos joguexerccios

    Ns somos uma pr-humanidade (ns no podemos dizer ainda que somos seres humanos), mas o teatro pode ajudar a ecloso dessa humanidade, o teatro pode ajudar a exploso dessa humanidade, o teatro pode ajudar o nascimento de uma verdadeira humanidade que s vai existir quando houver solidariedade. Sem solidariedade ns somos bichos, bestas selvagens. isso que ainda somos infelizmente, mas analisando isso a gente pode passar a uma nova etapa e dizer finalmente um dia, ns agora somos seres humanos, porque ns agora somos solidrios [ . . .] O Teatro do Oprimido baseado na ideia de que todo mundo teatro mesmo que no faa teatro. Uma coisa fazer teatro e outra coisa ser teatro. Fazer teatro aprender em primeiro lugar um ofcio. Fazer teatro como . . . como cengrafo, tem que aprender cenografia, como ator, tem que aprender atuao, tem que aprender usar a voz, tem que aprender usar o corpo. Voc aprende o metieu, voc aprende um ofcio. A voc vai para o palco, ou vai escrever a sua pea. Isso fazer teatro. Mas ser teatro ser humano. O que o ser humano, diferente dos outros animais . . . o ser humano aquele que carrega em si o ator e o espectador de si mesmo. Quer dizer no momento que eu estou falando com voc eu estou agindo, isto ao, eu sou ator, mas eu estou me observando muito bem, eu t vendo minha mo, e t vendo corpo, eu t ouvindo minha voz eu estou coordenando meu pensamento. Ento eu sou o ator, mas eu sou tambm o espectador de mim mesmo, o espectador privilegiado, porque eu sou tambm o escritor do meu texto. Eu sou um dramaturgo no momento do dilogo que cabe a mim. Sou eu quem estou compondo essa parte, ento eu sou o meu escritor . . . eu sou o meu figurinista, estou vestido com essa camisa, porque e achei que seria melhor para esse programa, entende, fui eu quem botei, ento eu sou o meu figurinista e pra dirigir essa gente toda que eu sou, eu tenho tambm que ser o meu diretor. Ento cada um de ns tudo que existe dentro do teatro. E a linguagem que a gente usa a linguagem que o ator usa no palco. S que ele tem conscincia de que est usando essa linguagem e ns na vida real no temos, na vida cotidiana no temos. Ento o Teatro do Oprimido um conjunto de jogos, de tcnicas especiais que ajudam qualquer cidado, destes que esto nos ouvindo e esto nos vendo [ou lendo], agora na televiso [ou no texto], independente da sua profisso, independente da sua idade, pode ter noventa anos, como pode ter quatro ou cinco, quer dizer em qualquer profisso, em qualquer idade ou atividade, o teatro ajuda essas pessoas perceberem quer queiram quer no, pois as pessoas falam teatro, as pessoas so teatro e fazem teatro. Ento melhor usar bem, do que usar querendo ou no querendo. Ento o Teatro do Oprimido no um catecismo, no um receiturio. No o faa assim porque assim que d certo, mas um mtodo para desenvolver as pessoas, por isso que ele pode ser praticado em continentes como a frica e a Europa, como a Oceania e a Amrica Latina e a sia. Quer dizer, no mundo inteiro hoje existem grupos de Teatro do Oprimido. Ento pra que serve . . . serve para que usando a linguagem teatral, uma linguagem muito poderosa, e ela muito poderosa, porque a soma de todas as linguagens. No porque ela tem uma coisa s de especial . . .ela soma todas as linguagens e ela cria essa possibilidade que ns temos de nos observar, quer dizer, o teatro a representao do real. Voc na representao do real, pode se estudar melhor que na vida cotidiana, do dia-a-dia. Ento voc

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 108

    podendo estudar melhor e voc sendo teatro, voc pode inventar o futuro, em vez de esperar por ele. Se voc espera pelo futuro, o pior vir. Se voc inventa o futuro, o melhor possvel, no o melhor ideal, mas o melhor possvel, voc pode obt-lo. Ento o Teatro do Oprimido um teatro que pensa no passado, pra analisando o passado no presente, inventar o futuro.

    (Augusto Boal - Srie Encontro Marcado com a Arte)26

    Uma arma para os oprimidos lutarem contra a opresso, pela libertao de

    todos os oprimidos do mundo. O Teatro do Oprimido de todos os oprimidos e

    dele podem se apropriar para transformar suas realidades. assim que Augusto

    Boal define seu mtodo.

    Os meios de produo do teatro esto constitudos pelo prprio ser

    humano, algo que no to fcil de se manejar. O corpo humano sua primeira

    e principal fonte de gestos e sons (Boal, 1991).

    Conforme Augusto Boal, para se dominar os meios de produo teatral,

    necessrio, assim, conhecer o prprio corpo para torn-lo mais expressivo. S

    aps esse conhecer (se) que o espectador estar habilitado a praticar formas

    teatrais que, por etapas, ajudem-no a liberar-se de sua condio de espectador

    e assumir a de ator, deixando de ser objeto a passando a ser sujeito,

    convertendo-se de testemunha em protagonista (1991, p. 143).

    O Teatro do Oprimido surge no final da dcada de 1960, quando grupos

    ligados ao Teatro de Arena de So Paulo trabalhavam com Teatro Jornal em

    sindicatos, associaes, igrejas, etc (Metxis, 2001).

    Depois de ser banido pelo regime militar em 1971, Augusto Boal funda o

    Centro de Teatro do Oprimido em Paris e inicia a sistematizao de sua

    metodologia.

    Quando retorna ao Brasil em 1986, inicia o projeto da Fbrica Popular de

    Teatro, cujo objetivo era formar curingas, multiplicadores que pudessem

    desenvolver grupos populares de teatro por todo o estado do Rio de Janeiro, e a

    partir de ento se inicia a divulgao de sua metodologia por todo o pas (2001).

    26

    IN: http://www.youtube.com/watch?v=LWwzzDN2A1c&feature=related . Acesso: 24 set. 2011.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 109

    Mas como se processa a metodologia do Teatro do Oprimido? Tendo seu

    paralelo nas metodologias de Educao Popular Latino-americana de Paulo

    Freire e na Teologia da Libertao da qual Leonardo Boff seu principal

    expoente - o Teatro do Oprimido prima pela participao ativa do espectador

    (uma palavra feia conforme Boal, melhor seria espect ator) na cena teatral.

    A primeira etapa do Teatro do Oprimido consiste num conjunto de

    exerccios, jogos e tcnicas teatrais que visam desmecanizao fsica e

    intelectual de quem o pratica. O Teatro do Oprimido uma metodologia

    transformadora e prope o dilogo como meio de refletir e buscar alternativas

    para conflitos interpessoais e sociais (2001).

    Em seguida, se constri com esses sujeitos cenas teatrais onde

    expressem sua realidade e seus questionamentos resumidos nas opresses que

    vivenciam e convida o pblico, a sociedade, para intervir na cena, realizando um

    verdadeiro ensaio e interveno na realidade.

    Durante as dcadas de 80 e 90, o Teatro do Oprimido se espraia sobre

    outras faces da questo social no Brasil e no mundo, inserindo-se no MST, nos

    movimentos da terceira idade, das pessoas portadoras de necessidades

    especiais, nas discusses / aes tnicas, sobre o sistema prisional, nas

    discusses/aes de gnero, no oramento participativo, nos fruns, na

    participao de uma forma geral, entre muitas outras.

    Conforme Boal (1991), as etapas para a converso do espectador em ator

    so respectivamente quatro e podem ser sistematizadas da seguinte forma:

    PRIMEIRA ETAPA - Conhecimento do Corpo Seqncia de exerccios em que se comea a conhecer o prprio corpo, suas limitaes e suas possibilidades, suas deformaes sociais e suas possibilidades de recuperao;

    SEGUNDA ETAPA Tornar o Corpo Expressivo Seqncia de jogos em que cada pessoa comea a se expressar unicamente atravs do corpo, abandonando outras formas de expresso mais usuais e cotidianas;

    TERCEIRA ETAPA - O Teatro como Linguagem Aqui se comea a praticar o teatro como linguagem viva e presente, e no como produto acabado que mostra imagens do passado:

    PRIMEIRO GRAU Dramaturgia Simultnea: os espectadores escrevem, simultaneamente com os outros atores que representam;

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 110

    SEGUNDO GRAU Teatro Imagem: os espectadores intervm diretamente, falando atravs de imagens feitas com os corpos dos demais atores ou participantes;

    TERCEIRO GRAU Teatro Debate: os espectadores intervm diretamente na ao dramtica, substituem os atores e representam, atuam!

    QUARTA ETAPA Teatro como Discurso Formas simples em que o espectador-ator apresenta o espetculo segundo suas necessidades de discutir certos temas

    ou de ensaiar certas aes. Exemplo:

    1) teatro jornal 2) teatro invisvel 3) teatro fotonovela 4) quebra de represso 5) teatro mito 6) teatro julgamento 7) rituais e mscaras

    (1991, p. 143 e 144)

    O Teatro Jornal foi desenvolvido inicialmente pelo grupo Ncleo de Teatro

    de Arena de So Paulo, do qual Boal foi diretor artstico desde 1956 at 1971,

    quando foi exilado pela Ditadura Militar no Brasil. [. . .] Consiste em diversas

    tcnicas simples que permitem a transformao de notcias de jornal ou de

    qualquer outro material no-dramtico em cena teatral (1991, p. 165).

    O Teatro Invisvel consiste

    [ . . . ] na representao de uma cena em um ambiente que no seja o teatro, e diante de pessoas que no sejam espectadores. O lugar pode ser um restaurante, uma fila, uma rua, um mercado, um trem, etc. As pessoas que assistem cena sero as pessoas que a se encontrem acidentalmente. Durante todo o espetculo, essas pessoas no devem sequer desconfiar de que se trata de um espetculo, pois se assim fosse, imediatamente se transformariam em espectadores (1991, p. 167).

    O Teatro Fotonovela

    [. . .] objetiva a desmistificao da fotonovela e consiste em ler para os participantes, em linhas gerais, o texto de uma fotonovela , pedindo-lhes que representem a histria que se vai contando. Os participantes no devem saber aprioristicamente que se trata de fotonovela. Deve representar a histria de maneira que lhes parea mais correta. Quando terminem, compara-se a histria tal como foi representada com a verso original da fotonovela, e se discutem as diferenas. (1991, p. 171).

    A Quebra de Represso

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 111

    [ . . . ] consiste em pedir a um participante que se recorde de algum momento em que se sentiu particularmente reprimido, em que aceitou essa represso, passando a agir de uma maneira contrria aos seus interesses, ou aos seus desejos. Esse momento tem que ter um profundo significado pessoal; eu, proletrio, sou oprimido! portanto, o proletariado oprimido! Deve-se partir do particular para o geral e no vice-versa; deve-se escolher alguma coisa que aconteceu a algum particularmente, mas que, ao mesmo tempo, seja tpico do que acontece com todas as demais pessoas nas mesmas circunstncias. (1991, p. 174)

    O Teatro Mito trata-se [ . . . ] simplesmente de descobrir o bvio atrs do

    mito: contar uma histria (um mito conhecido) de uma forma lgica, revelando as

    verdades, evidenciando as verdades escondidas (1991, p. 175).

    No Teatro Julgamento

    [. . . ] Um dos participantes conta uma histria e em seguida os atores improvisam. Depois se decompe cada personagem em todos os seus papis, e pede-se que os participantes escolham um objeto fsico, cenogrfico, para simbolizar cada papel [. . . ] (1991, p.177).

    Rituais e mscaras assim,

    [ . . . ] consiste precisamente em revelar as superestruturas, os rituais que coisificam todas as relaes humanas, e as mscaras de comportamento social que esses rituais impe sobre cada pessoa, segundo os papis que ela desempenha na sociedade e os rituais que deve representar. (1991, p.179)

    No sistema teatral de Augusto Boal, essa ciso entre o pblico e a cena

    revogada e aquele passa a intervir nesta diretamente atravs de substituio do

    ator, dando sua opinio na ao propriamente: como reagiria se estivesse na

    situao em que se encontra o personagem que opta por substituir, no intuito de

    descobrir coletivamente sadas possveis para desconstruir a opresso que a

    cena retrata. Essa forma de Teatro do Oprimido em que a plateia intervm e

    modifica a cena se chama Teatro Frum e uma das formas que se

    desenvolveram a partir das etapas iniciais do mtodo. Serve para discutir de

    forma crtica e participativa as opresses que so vividas no cotidiano.

    O Teatro do Oprimido parte do pressuposto de que o teatro j est em ns.

    Ns somos teatro, diz Boal. Todo o trabalho realizado com as tcnicas, jogos e

    exerccios do Teatro do Oprimido servem para potencializar essa essncia. Boal

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 112

    cria assim o conceito de espect(ator), pois aquele que antes era apenas

    espectador, aquele que v, assiste passivamente, passa expectativa de atuar.

    Boal diz que espectador uma palavra feia, porque esse um ser passivo,

    menos que um homem, e preciso re-humaniz-lo, faz-lo descobrir-se ativo,

    sujeito, ator, pleno (1991).

    Em se falando de Teatro, e, em especial de Teatro do Oprimido, preciso

    sempre lembrar tambm a dimenso ldica que esta arte contm. Quem faz

    teatro faz pelo prazer de atuar, de ser ativo de se dizer ao mundo e expressar o

    que pensa. O Teatro do Oprimido no um fim em si mesmo, mas um

    instrumento, atravs do qual os oprimidos se dizem e posicionam diante dos

    opressores, enfrentam a opresso. Para tanto, Augusto Boal lanou um livro sob

    o ttulo O Teatro como Arte Marcial.

    Outra dimenso que intrnseca ao Teatro do Oprimido a participao,

    entendida como nica forma de se enfrentar a dominao e reafirmar os direitos

    conquistados ao longo da histria das lutas da classe trabalhadora.

    O teatro historicamente tem sido apropriado pelas elites e colocado em

    imveis luxuosos, pois quando o povo o pratica, isso tende a se tornar perigoso,

    pois uma prxis. Quem faz teatro em geral so as classes dominantes, que

    produzem imagens acabadas, imagens da classe dominante, de um mundo que

    lhes conveniente. [. . .] O espectador do teatro popular (o povo) no pode

    continuar sendo vtima passiva dessas imagens (Boal, 1991, p. 180). A ao

    dramtica passa a modificar a ao real, pois transforma gradualmente as

    conscincias dos seus praticantes.

    O Teatro do Oprimido um teatro limite porque est entre a fico e a

    realidade. E a est o extraordinrio poder desse instrumento para potencializar

    a luta, dar vez e voz a todos os oprimidos de todos os estratos de classe social,

    organizar as classes subalternas. Realizaremos aqui um cruzamento de alguns

    conceitos da grande rea das cincias humanas com as 5 categorias de

    joguexerccios do Teatro do Oprimido.

    De forma suscinta, o mtodo de Augusto Boal parte dessas etapas, graus

    e tcnicas que visam transformar o espectador em ator. Porm ao longo dos

    anos e, em contextos determinados, as prticas em Teatro do Oprimido foram

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 113

    ampliando esse arsenal em novas tcnicas, jogos, exerccios tornando mesmo o

    Teatro do Oprimido uma frondosa rvore, a rvore do Teatro do Oprimido como

    podemos ver na ilustrao 19.

    O Teatro do Oprimido comea sempre pelo alimento de sua rvore que a

    tica e a Solidariedade. Todas as cenas surgem de uma urgncia, uma

    necessidade do grupo, uma opresso que seus participantes vivenciam e

    querem discutir com a sociedade.

    O cho, a base que sustenta todas as intervenes do Teatro do Oprimido,

    a realidade, consubstanciada na Economia, na Poltica e na Cultura.

    Todos os exerccios do Teatro do Oprimido se estruturam sobre trs

    alicerces da comunicao: Palavra, Som e Imagem (razes axiais). A Palavra

    recriada, est associada poesia, narrativa e ao teatro. O Som privilegia

    aqueles produzidos no e pelo corpo e com objetos do lixo (o lixo tem haver com

    o que rejeitado, desprezado, o oprimido. Por isso temos que recri-lo). E a

    Imagem, ao alegrico expressando sempre a cara de cada grupo praticante do

    Teatro do Oprimido.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 114

    Ilustrao 17- rvore do Teatro do Oprimido. Fonte: Projeto Teatro do Oprimido na Preveno Violncia e Criminalidade ES, 2008.

    As imagens falam, gritam, cantam, danam, expressam. Somos o tempo

    todo invadidos por palavras, sons e imagens que nos ditam ordens imperativas

    de consumo e alienao.

    Cada grupo de Teatro do Oprimido, por exemplo, incentivado a criar sua

    bandeira, que uma verso crtica do grupo sobre a bandeira do Brasil, usando

    cores e formas que mostram a realidade tal como ela e como queremos que

    seja.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 115

    Prossigamos a entender a tcnica (forma) Teatro Frum. Conforme relato

    dos curingas Olivar Bendelak e Cludia Simone em oficina no Centro de Teatro

    do Oprimido do Rio de Janeiro em 2006 (que tambm est presente na verso

    de Boal em seu livro Teatro do Oprimido e Outras Poticas Polticas), surgiu de

    uma situao em um grupo quando uma participante trouxe para o encontro

    algumas cartas que o marido guardava, cartas essas de sua amante.

    Como ela no sabia ler e escrever ele sempre a enganava dizendo que

    eram recibos do terreno que estavam comprando. Sempre que se aproximava do

    marido para conversar, esse, nervoso, mandava ela servir rapidamente o jantar.

    Ela ento levou a situao para o grupo ajud-la a resolver. Criou-se uma cena

    de TO e levaram a situao de opresso a pblico. Uma mulher da plateia se

    indignou muito e indicava aos atores como queria que fosse a interveno. S

    que nenhum dos atores e atrizes faziam da forma como ela desejava.

    Ento, aps algumas tentativas, quando a mulher da plateia j ia

    desistindo e saa chateada do encontro, Augusto Boal a indagou por que ela

    estava se retirando. E a chamou ento para subir e ela mesma fazer a cena do

    jeito que queria. E ela subiu, executou a cena no lugar da atriz, abriu o jogo com

    o marido, deu lhe uma surra, o perdoou, e o colocou para servir o jantar. E

    assim surgiu a primeira interveno do tipo Teatro Frum, onde o prprio pblico

    convidado a subir ao palco para realizar a interveno na realidade que est

    sendo retratada na cena teatral. Um verdadeiro ensaio para a realidade mesma.

    O Teatro Frum vem sempre para responder a uma questo ou um problema

    que o oprimido e/ou o grupo ainda no sabe como resolver.

    Outra forma teatral da rvore do Teatro do Oprimido o Teatro Invisvel

    (que vimos de forma suscinta acima), onde alguns atores ensaiam um texto que

    retrate uma situao que seja uma necessidade do grupo. Depois de alguns

    ensaios, se vai para a rua, ou um nibus, um espao pblico. As pessoas nesse

    espao no sabem que a situao se trata de teatro e os atores fazem de tal

    forma a convencer as pessoas de que uma situao cotidiana.

    Dentro da situao alguns atores soltam frases que levem a uma

    discusso mais poltica sobre a situao que seria meramente cotidiana sem

    essa necessria mediao. No se diz que teatro ao final da interveno. E da

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 116

    seu carter invisvel. A inteno que as discusses continuem nos nibus,

    casas, etc. Ao final, os atores, um a um saem da situao e retornam ao grupo

    para discutir os resultados (longe dali, claro).

    O Teatro Legislativo uma mistura interessante de Teatro Frum com o

    ritual da cmara legislativa. E consiste no seguinte: realiza-se as intervenes do

    pblico na cena e, aps, retira-se encaminhamentos que se transformam em

    proposta de leis. Quando Boal foi vereador no municpio do Rio de Janeiro,

    foram aprovadas 15 leis (13 municipais e 2 estaduais e existem mais algumas

    em tramitao). Todas foram retiradas das demandas discutidas na rua e em

    diversos espaos pblicos, tendo a interveno ativa dos participantes. Uma

    dessas leis, por exemplo, foi uma sugesto de uma moa de 15 anos em uma

    apresentao de Teatro Frum e sesso de Teatro Legislativo no meio da rua a

    respeito do tema DST AIDS. A sugesto dela virou um projeto de lei, que foi

    aprovado e hoje serve de base para um amplo programa na Secretaria de Sade

    do municpio do Rio e Janeiro, entre diversas experincias em variadas reas

    como Terceira Idade, Sade Mental, Criana e Adolescente, Juventudes,

    Reforma Agrria, Racismo, Direitos Humanos etc.

    O Arco-ris do Desejo consiste numa srie de exerccios que trabalham

    com as demandas subjetivas. Surgiu no exlio de Boal na dcada de 70, quando

    passou a praticar Teatro do Oprimido na Europa. As pessoas com as quais

    praticava diziam que no tinham problemas econmicos e polticos como na

    Amrica Latina, onde surgiu o Teatro do Oprimido, mas reclamavam de solido,

    depresso, tristeza, problemas (sociais) de ordem subjetiva.

    Para tanto, Boal estruturou uma srie de exerccios e jogos que

    culminaram no Arco-ris do desejo. A inteno final de Boal fazer com que as

    demandas desses exerccios sejam levadas para o Teatro Frum e, discutidas

    socialmente, sejam encontradas sadas coletivas: ver de quanto objetivo temos

    no subjetivo.

    Em seu livro O Arco-ris do Desejo, Boal diz:

    [ . . .] Ser ator perigoso; porqu? Porque a catarse que assim se busca no inevitvel. Mesmo tendo todas as seguranas da profisso, mesmo tendo todas as protees dos rituais teatrais, mesmo que se estabeleam teorias sobre o que a

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 117

    fico e o que a realidade, mesmo assim esses personagens despertados podem se recusar a voltar a dormir, esses lees podem se recusar a voltar para o zoolgico das nossas almas e s suas jaulas.

    Se assim , podemos pelo menos contemplar a hiptese contrria: uma personalidade doente pode, teoricamente, tentar despertar personagens sadios, e isto com a inteno, no de reinvi-los ao esquecimento, mas de mistur-los sua personalidade. Se tenho medo, tenho dentro de mim o corajoso; se posso acord-lo, posso talvez mant-lo desperto. [ . . .] Se o Ator pode ficar doente, o doente pode ficar Ator.(Boal, 2006, p. 52)

    O Teatro Jornal surgiu na dcada de 1970, quando Boal praticava TO em

    associaes, sindicatos e igrejas para discutir a questo poltica no Brasil e

    enfrentar a Ditadura Militar.

    As Aes Diretas acontecem quando o grupo preparado vai para a rua,

    para o espao pblico realizar as intervenes diretas na realidade.

    O Teatro Imagem em termos prticos visa montar a imagem da opresso

    atravs de expresses com os corpos dos integrantes do grupo. Montar

    verdadeiras fotografias da cena. Uma pessoa sempre ficar de fora como

    testemunha, para dizer se a imagem montada realmente retrata a crise. Realizar

    rodzio de imagem com diferentes pessoas para montar e para ser testemunha.

    Na pintura: contar uma histria com trs imagens pintadas pelo grupo.

    Deixar sempre que o pblico faa primeiro seus comentrios, depois o grupo se

    manifesta; nas esculturas: com objetos diversos, e materiais reciclveis montar

    esculturas da situao de opresso e criar figuras de seres humanos onde cada

    participante coloca um objeto por vez sem tirar do lugar a posio do objeto de

    outra pessoa. Experimentar tambm em diversas posies no espao.

    A realizao de exerccios de imagem da cena descondiciona o

    aprisionamento do corpo, das aes e da imaginao que a palavra pode criar

    se comeamos direto pelo texto. Na esttica do Teatro do Oprimido os objetos

    tambm contam histria, integrados na trade PALAVRA SOM IMAGEM,

    para potencializar as faculdades perceptivas dos oprimidos. Nesse processo so

    experimentadas diversas linguagens artsticas.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 118

    A Esttica do Oprimido fundamenta-se na acertiva de que ns somos mais

    do que pensamos ser, podemos nos expandir intelectual e esteticamente para

    compreender o mundo e buscar sua transformao.

    Conforme Boal,

    A Esttica do Oprimido se baseia no fato cientfico de que quando, em cada indivduo, so ativados os neurnios da percepo sensorial clulas do sistema nervoso esses neurnios no ficam lotados de barriga cheia, como bytes de um computador, armazenando informaes estticas. Eles no se esgotam nem se repletam o saber no ocupa espao diz a sabedoria popular! Ao contrrio dos bytes solitrios, os neurnios estimulados formam circuitos que se tornam cada vez mais capazes de receber e transmitir mais mensagens simultneas sensoriais ou motoras, abstratas ou emocionais enriquecendo suas funes e ativando neurnios vizinhos para que entrem em ao, criando redes cada vez maiores de circuitos, estabelecendo relaes entre circuitos conjugados que nos fazem lembrar outros circuitos, estabelecendo relaes entre circuitos que, entre si, mantenham alguma semelhana ou afinidade, o que nos permite criar, inventar, imaginar. (Projeto Teatro do Oprimido na Preveno Violncia e Criminalidade. Esprito Santo, 2008, p. 12)

    Na Esttica do Oprimido so trs as principais vertentes, razes da rvore

    do Teatro do Oprimido, que ora citamos: Palavra, Imagem e Som.

    A Palavra como smbolo, expresso dos desejos, esperanas,

    necessidades, experincias. A palavra e o sentido que recebe, carregada de

    desejos. Boal cita o exemplo da palavra Maria que vem associada a: Maria, faz

    a comida, Maria lava, passa e varre a casa. Maria prenncio de ordem,

    continncia.

    Mas quando Maria escreve seu nome sobre o papel, porque sobre si tem

    muito a dizer, reflete sobre ele e o associa ao amor, ao prazer. Boal conclui

    sobre a palavra: Escrever uma maneira de dominar a palavra, ao invs de ser

    por ela dominado (2008, p. 13).

    A Imagem criada e produzida por ns e no apenas pelas mquinas27

    serve para recriar o mundo. Mudar a realidade, modificando as imagens dessa

    realidade. Atravs da pintura, da escultura, da poesia e da msica se recria,

    reinventa o mundo.

    27

    Estamos na era da reprodutibilidade tcnica na expresso de Walter Benjamin, ou alm dos Tempos Modernos de Chaplin?

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 119

    Som, a msica est presente em todos os recantos da vida humana. No

    corpo atravs dos ritmos cardacos, respiratrios, circadianos (sono e fome). A

    msica liga o humano ao seu divino perdido ou adormecido. Boal diz que por

    ser to importante (e perigosa diante da conscincia desse ser humano) que os

    festivais e empresas fonogrficas, distribuidoras encarceram a msica para

    apenas alienar os ouvintes. A Msica, o som produzido no e pelo corpo, com

    objetos reciclveis e tambm instrumentos cria a possibilidade de expanso do

    oprimido (2008).

    A Sinestesia a percepo simultnea de sensaes diferentes. Palavra,

    Imagem, Som, Gosto, Cheiro, o todo que nos toma e nos leva de uma a outra

    rea perceptiva (2008).

    A tica no Teatro do Oprimido o ponto de partida para qualquer ao,

    exerccio ou reflexo. necessrio a todo instante que o praticante de Teatro do

    Oprimido saiba por que age e qual o significado da ao tica de cada sujeito.

    Sem dvida uma tica-crtica, que envolve cada sujeito humano e nos convida a

    fazer parte, agir. Em uma palavra: deixar de ser espectador para assumir a

    tarefa histrica de atuar. Afinal como diz Boal, Todos podem fazer teatro, at os

    atores.

    Um aspecto importante do mtodo so as 5 categorias de jogos e

    exerccios. Conforme Boal, a maioria de ns, nem sempre, usa os sentidos

    plenamente. Vivemos uma vida sem senti-la, e, tristemente, muitos no se do

    conta disso durante toda a vida. Boal destaca que preciso despertar o corpo,

    pleno de possibilidades para exercitar toda a sua potencialidade. No s as

    palavras comunicam, temos um corpo pleno de expressividade, capaz de criar

    imagens, sons e palavras, que, recriadas artisticamente, possam romper com

    toda forma de opresso e que seja capaz de conduzir todos os oprimidos

    descoberta da Liberdade e da Libertao: criarmos nossos caminhos ao

    caminhar.

    Para tanto, Boal estruturou os joguexerccios em cinco categorias descritas

    a seguir que associamos a conceitos das cincias sociais e da histria para

    problematizar nosso objeto emprico.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 120

    3.1 Sentir tudo o que se toca lugar, territorialidade e territrio

    Boal comea citando o exemplo do [ . . .] maior dos mmicos, o palhao, o

    bailarino, Charles Chaplin, quando j no podia dobrar os joelhos no final de

    sua vida, pois, mesmo em seu meticuloso exerccio do ofcio de ator, mecanizara

    os movimentos . Assim Boal (2007) destaca que todos os exerccios que dividem

    o corpo em suas articulaes, msculos, controle cerebral, tarso, metatarso e

    dedo, cabea, trax, pelve, pernas, braos, face esquerda e direita etc. (2007)

    so bons e bem-vindos, bem como aquecimentos e alongamentos para

    despertar o corpo e prepar-lo para dizer o que tem de ser dito e romper com o

    silncio e a opresso. Nesta srie no se usa a palavra.

    Sentir o que se toca implica, a nosso ver, uma vivncia do concreto, do

    espao que associamos aos conceitos da Geografia de lugar, territorialidade e

    seu pressuposto territrio.

    O gegrafo chins Yi-Fu Tuan (1983) em seu livro Espao e lugar: a

    perspectiva da experincia nos diz que o espao, um conceito amplo se torna

    lugar ao realizar um movimento que vai ao particular, pela experincia que

    estabelecemos atravs dos sentidos.

    A pele, por exemplo, pode [ . . .] transmitir certas idias espaciais e pode

    faz-lo sem o apoio dos outros sentidos, dependendo somente da estrutura do

    corpo e da capacidade de movimento (Tuan, 1983, p. 16) (sic).

    A respeito dos sons, nos diz que o ser humano, [ . . .] Tendo viso e

    possibilidade de mover-se e de usar as mos, os sons enriquecem muito o

    sentimento humano em relao ao espao [ . . .] (1983, p. 16), sendo possvel a

    criao de um "espao auditivo, podendo assumir tamanho, ou seja, volume e

    distncia (1983, p. 16).

    O autor exemplifica:

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 121

    Os cegos desenvolvem uma aguda sensibilidade para os sons; so capazes de us-los e a suas ressonncias para avaliar o carter espacial do meio ambiente. As pessoas que podem ver so menos sensveis aos indicadores auditivos porque no dependem tanto deles. Todos os seres humanos aprendem a relacionar som e distncia ao falar. Alteramos o tom da nossa voz de baixo para alto, de ntimo para pblico, de acordo com a distncia social e fsica percebida entre ns e os outros. O volume e a expresso de nossa voz, tanto como o que procuramos dizer, so lembretes permanentes de proximidade e distncia. (1983, p. 17).

    Assim, os sons transmitem impresses espaciais. O trovo, por exemplo,

    volumoso (espesso) e um giz, riscando um quadro, fino.

    Tuan (1983, p. 17) nos diz: Com freqncia se diz que a msica tem

    forma (sic). Estabelece-se pela experincia no espao a conscincia da

    forma, ou seja, o onde se est d a sensao de orientao.

    O autor nos fala tambm de um espao visual diferenciando dos

    espaos auditivo e ttil sensrio-motor. O som produz, assim, volume e

    espaciosidade: sensaes.

    Relacionando Yi Fu Tuan (1983) a Augusto Boal, podemos dizer que o

    corpo um territrio de sensaes, emoes, percepes, o que Boal (2009)

    chama de pensamento sensvel, diante do pensamento simblico, o mundo

    das palavras, dos nmeros e quantificaes.

    O prprio Boal nos dizia em seus seminrios que no corpo temos

    plancies de conhecimento a ser explorado: descoberto e recriado!. Nosso

    primeiro territrio o corpo, nossa primordial e derradeira casa.

    Assim nos diz Boal (2009, p. 15):

    Sempre lamentamos que nos pases pobres, e entre os pobres dos pases ricos, seja to elevado o nmero de pr-cidados, fragilizados por no saberem ler nem escrever; o analfabetismo usado pelas classes, cls e castas dominantes como severa arma de isolamento, represso e explorao.

    Mais lamentvel o fato de que tambm no saibam falar, ver, nem ouvir. Esta igual ou pior, forma de analfabetismo: a cega e muda surdez esttica. Se aquela probe a leitura e a escritura, este aliena o indivduo da produo da sua arte e da sua cultura, e do exerccio criativo de todas as formas de Pensamento Sensvel. Reduz indivduos, potencialmente criadores, condio de espectadores

    Dessa forma Tuan (1983, p. 18) tambm nos diz que:

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 122

    A dependncia visual do homem para organizar o espao no tem igual. Os outros sentidos ampliam e enriquecem o espao visual. Assim, o som aumenta a nossa conscincia; incluindo reas que esto atrs da nossa cabea e no podem ser vistas. E o que mais importante: o som dramatiza

    28 a experincia social.

    Para os povos indgenas Dakota e Pueblo, [. . .] os espaos esto no

    extremos conceitual do continuum experiencial. Existem trs tipos principais,

    com grandes reas de superposio o mtico, o pragmtico e o abstrato ou

    terico [ . . .] (1983, p. 19).

    Assim,

    Os homens no apenas discriminam padres geomtricos na natureza e criam espaos abstratos na mente, como tambm procuram materializar seus sentimentos, imagens e pensamentos. O resultado o espao escultural e arquitetural e, em grande escala, a cidade planejada (1983, p. 19).

    Tuan (1983, p. 20) discrimina ento o conceito de lugar:

    O lugar um tipo de objeto. Lugares e objetos definem o espao, dando-lhe uma personalidade geomtrica. [ . . .] Objetos e lugares so ncleos de valor [ . . .] Um objeto ou lugar atinge realidade concreta quando nossa experincia com ele total, isto , atravs de todos os sentidos, como tambm com a mente ativa e reflexiva.

    Tuan (1983) nos diz que o corpo envolve relaes pessoais e valores

    espaciais e estrutura princpios fundamentais da organizao espacial:

    1. Postura e estrutura do corpo humano;

    2. Relaes quer prximas ou distantes entre as pessoas.

    O homem, como resultado de sua experincia ntima com seu corpo e

    com outras pessoas, organiza o espao a fim de conform-lo e suas

    necessidades biolgicas e relaes sociais (1983, p. 39).

    O corpo um corpo vivo e o espao um constructo do ser humano

    (1983, p. 40).

    28

    O grifo nosso.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 123

    Toda pessoa est no centro de seu mundo, e o espao circundante

    diferenciado de acordo com o esquema de seu corpo (1983, p. 46).

    Quando o espao nos inteiramente familiar, torna-se lugar (1983, p. 83)

    O corpo humano aquela parte do universo material que conhecemos

    mais intimamente (1983, p. 83)

    A terra o corpo humano em grande escala (1983, p. 101). O corpo

    humano um microcosmo.

    O gegrafo chins ainda nos diz:

    [ . . .] O espao mtico um constructo intelectual. Pode ser muito sofisticado. O espao mtico tambm uma resposta do sentimento e da imaginao s necessidades humanas fundamentais [. . . ] O pequeno espelha o grande. O supremo acessvel a todos os sentidos humanos. (Tuan,1983, p. 112)

    Dessa forma Espao e Tempo se tornam categorias centrais que veremos

    na discusso de territrio e territorialidade, pois as [ . . .] pessoas se diferenciam

    quanto conscincia de espao e tempo e na maneira de elaborar um mundo

    espcio-temporal (1983, p. 133)

    O que nos interessa atravs da aplicao dos exerccios e jogos de Teatro

    do Oprimido em Caieiras Velhas investigar como se do as percepes

    espcio-temporais das mulheres (e dos/das jovens) Tupiniquim em seu territrio

    re-conquistado.

    Para falar de territrio e territorialidade, precisamos primeiramente abordar

    trs elementos centrais que precedem os prprios conceitos e fundam linhas de

    pensamento e categorias tericas e empricas. So eles: o tempo, o espao e os

    agentes sociais.

    Quando falamos do tempo, estamos nos remetendo ao tempo histrico, ou

    temporalidade, enquanto conjunto de relaes especficas. Se observarmos

    bem, at as palavras mudam de um tempo histrico para o outro e mudam

    tambm os valores e os sentidos dessas. A experincia histrica, para lembrar

    Walter Benjamin, fala de uma constelao de fatos, conceitos, aes, obras,

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 124

    crticas que produzem a alegoria, a memria e a experincia em si, em seu

    contexto especfico e a experincia histrica, de uma poca (Matus, 2010).

    Ao falarmos do elemento espao, estamos nos referindo diretamente ao

    territrio, a partir de seu uso e apropriao. Aqui a obra de Milton Santos ganha

    destaque, ao abordar o espao geogrfico, a partir de sistemas de objetos e

    sistemas de aes, donde surgem formas hbridas, as tcnicas. As perguntas

    que Milton Santos far so: como o territrio usado? Por quem? Por qu? Para

    qu? Isso a fim de delimitar perodos e redescobrir contextos em busca do [ . . .]

    que o novo no espao e como se combina com o que j existia (Santos, 2004,

    p. 11).

    Para tanto Milton Santos ir contar com a histria do territrio, do meio

    natural, do meio tcnico, do meio tcnico-cientfico-informacional, dos sistemas

    tcnicos, dos objetos e das formas de fazer e de regular. Dessa forma, Santos

    (2004), diz que a constituio do territrio, a partir de seus usos, leva em conta o

    movimento do conjunto e de suas partes, enquanto complementaridades, e de

    onde surge a diviso territorial do trabalho e os crculos de cooperao que

    passam a [ . . .] pensar o territrio como ator e no apenas como um palco, isto

    , o territrio em seu papel ativo (2004, p. 11).

    Espao e territrio no so, pois, a mesma coisa. Para uns o territrio viria

    antes do espao. Para outros, o contrrio. Partimos ainda a noo de lugar do

    gegrafo chins Yi Fu Tuan (1983). O territrio , pois, uma [. . .] extenso

    apropriada e usada (2004, p.19), e implica uma territorialidade, ou

    territorialidades. Milton Santos define territorialidade, por [ . . .] pertencer quilo

    que nos pertence. (2004, p. 19). Conforme o autor, a territorialidade se extende

    aos prprios animais, quando criam uma rea de vivncia e reproduo. A

    territorialidade humana, porm, implica a preocupao com o destino. A

    construo do futuro entre os seres vivos um privilgio do homem (2004).

    O territrio em seu sentido mais restrito o nome poltico dado ao espao

    de um pas (territrio nacional). Milton Santos (2004) infere que [ . . .] a

    existncia de uma nao nem sempre acompanhada da posse de um

    territrio e nem sempre supe a existncia de um Estado (2004: 19). Existe

    assim, uma territorialidade sem Estado, mas no um Estado sem territrio. O

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 125

    espao territorial estaria, assim, sujeito a transformaes sucessivas. O

    territrio usado aparece como sinnimo de espao geogrfico (2004, p. 20).

    Porm, nos diferentes momentos histricos (lembremos o elemento tempo) o

    territrio assume seu papel de unidade e/ou diversidade (2004, p. 20).

    Surge nesse contexto o que o gegrafo Rogrio Haesbaert (2004) ir

    chamar de mito da desterritorializao. Trata-se, pois do [ . . .] mito dos que

    imaginam que o homem pode viver sem territrio, que a sociedade pode viver

    sem territorialidade, como se o movimento de destruio de territrios no fosse

    sempre, de algum modo sua reconstruo em novas bases

    (2004, p. 17).

    Haesbaert (2004) ir nos falar que o dilema do incio deste milnio parece

    ser no a desterritorializao enquanto fenmeno, mas [. . .] a

    multerritorializao, a exacerbao dessa possibilidade que sempre existiu, mas

    nunca nos nveis contemporneos de experimentar diferentes territrios ao

    mesmo tempo, reconstruindo constantemente o nosso (2004, p. 18).

    Conforme o autor de Territrios Alternativos, os mltiplos territrios

    envolvem tambm os territrios precrios onde se encontram os sem-teto, os

    sem-terra e tantas minorias que nos aparecem como os sem-lugar nos espaos

    des-ordenados das cidades. Em especial essa mobilidade sobre o territrio,

    ocasionada pela tecnologia trouxe consigo o interesse de grupos econmicos

    sobre o territrio dos indgenas no Brasil, por exemplo. A racionalidade

    colonialista no menos ator que cenrio da destruio, do roubo do territrio e

    do extermnio das territorialidades tradicionais de naes indgenas inteiras.

    Destaca-se aqui a contribuio fundamental do gegrafo francs Claude

    Raffestin. O autor em destaque aborda o carter poltico do territrio, fazendo

    uma reflexo crtica sobre o Estado a partir de Michel Foucault com as distintas

    variantes do poder para alm do prprio Estado, incluindo as instituies, as

    empresas, nas relaes sociais da vida cotidiana, para o controle e a dominao

    sobre os homens e as coisas. Apia-se tambm em Henri Lefebvre para afirmar

    que o territrio um espao modificado pelas relaes de trabalho, revelando,

    dessa forma, relaes de poder e signos da vida cotidiana. Todos somos atores

    sintagmticos, produtores de sentidos do territrio (Saquet, 2006).

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 126

    O territrio, desta maneira, objetivado por relaes sociais, de poder e dominao, o que implica a cristalizao de uma territorialidade, ou de territorialidades, no espao, a partir de diferentes atividades. Isso, de acordo com Raffestin, assenta-se na construo de malhas, ns e redes, delimitando campos de aes, de poder, nas prticas espaciais que constituem o territrio. ( . . .) As redes tm centralidade em sua proposta de abordagem territorial, compreendidas atravs da complementaridade existente entre a circulao e a comunicao, como fluxos materiais e imateriais, na produo do territrio. (2006, p. 73).

    Para Raffestin h uma postura mltipla frente ao territrio e

    territorialidade com suas dimenses na poltica, na economia e na cultura de

    forma simultnea. As representaes do espao esto embebidas de controle e

    domnio e revelam a imagem do territrio. Traz nessa linha, pelo menos mais

    duas contribuies basilares: 1 - a reflexo da natureza (recursos naturais) e

    suas transformaes como relaes de poder, o territrio como apropriao do

    espao geogrfico; 2 o que denomina de processo TDR (territorializao-

    desterritorializao-reterritorializao), tendo como base os fatores,

    principalmente, econmicos: o mercado como um espao de emisso de

    smbolos, sinais e cdices. A territorializao seria um processo de perda e

    reconstruo de relaes sociais.

    O terceiro elemento, os Agentes Sociais, no caso os Tupiniquim, soma

    mais de 511 anos de violncias por parte da racionalidade colonialista 29, que

    ocasionaram fraturas em sua identidade, que por sinal sempre foi e continua

    sendo territorial, ligada ao bioma da Mata-Atlntica, h mais de 44 anos

    sistematicamente devastada para a implantao da monocultura do Eucalipto.

    Atualmente, nesse mesmo territrio, outras formas de viv-lo, outras

    territorialidades, fundamentalistas e desligadas da tradio, da memria e da

    histria desse povo vm progressivamente devastando o que ainda h de

    autctone na cultura Tupiniquim, como fez o motoserra com a mata. So as

    igrejas evanglicas e pentecostais que chegam s aldeias Tupiniquim pela BR

    que corta ao meio a aldeia Caieiras Velhas. Soma-se a isso a ao inslita do

    Estado com polticas pblicas depositrias, igualmente devastadoras.

    Os conceitos de territrio e territorialidade e tambm cultura, identidade

    e formas de resistncia social assumem centralidade e direcionam nosso olhar

    29

    Expresso do socilogo Boaventura de Souza Santos que abordaremos mais adiante.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 127

    para novas, porm antigas, questes sociais sempre proteladas, esquecidas e

    silenciadas. So vozes sufocadas pela opresso dos colonizadores de todos os

    credos e matizes, vozes que ecoam nas toadas do Congo, ressurgindo como o

    canto de uma fnix, das cinzas da Histria no reco-reco das casacas e no

    baticum dos tambores de tajibibuia30 do mangue, nos movimentos cadenciados

    das procisses, na puxada do mastro e sua fincada no dia 25 de novembro, que

    afirmam: este o nosso territrio, nossa terra, nossa aldeia nosso cho, com

    direito nossa terra, com direito e com razo, como testemunha o canto do

    Congo de Caieiras Velhas. dessa forma que os Tupiniquim buscam viver e r-

    existir (na feliz expresso de Carlos Walter Porto-Gonalves) em novas e

    variadas formas de resistncia social. preciso identific-las e extrair da seus

    significados, para, em seguida, buscar a criao e implementao de polticas

    pblicas identitrias e territoriais, do direito terra indgena, mas tambm de

    viver de forma digna, de acordo com suas tradies, sua cultura, e da escolha de

    seu prprio destino enquanto povo, de sua liberdade.

    Percorrendo mesmo uma parte do territrio do municpio de Aracruz-ES,

    no presente momento, pode se perceber o tamanho do desafio que esses povos

    (Tupiniquim e Guarani-Mby) enfrentam, depois da expropriao de suas terras:

    os poucos remanescentes de Mata-Atlntica sumiram quase que totalmente, a

    devastao da vegetao, do solo, dos lenis freticos, a extino da fauna e

    flora, da biodiversidade. Onde se planta eucalipto, no nascem mais outras

    plantas, no vivem animais alm de formigas e cupins. Forma-se o que se

    chama de Deserto Verde.

    O territrio se pe como questo central na discusso desta luta, pois a

    relao entre implicaes territoriais e propriedade privada no recente, est

    desde a constituio do Estado territorial centralizado e depois o Estado-Nao,

    que a base geogrfica, por excelncia, da sociedade moderno-colonial (Porto-

    Gonalves, 2004).

    Conforme o gegrafo Carlos Walter Porto-Gonalves (2004),

    30

    Tajibibuia rvore oca do mangue de onde se faz o tambor e a casaca, instrumentos primordiais do Congo que remontam a musicalidades indgenas anteriores a 1500, conforme mestres e pesquisadores do Congo. O Congo tem influncias de 3 principais culturas: indgena, negra e europeia. (Lins, 2009)

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 128

    [. . .] O Estado territorial moderno tende a ser monocultural. A colonialidade, v-se, mais do que o colonialismo. com base na propriedade privada que se instaura a idia de territrios mutuamente excludentes, que comea com uma cerca na escala do espao vivido e se consagra, pelo direito romano, escala nacional [ . . .] (2004, p. 67)

    Dessa maneira, Porto-Gonalves (2004) argumenta que privar um bem

    torn-lo escasso. E a escassez o princpio da propriedade privada, pois assim

    tudo se mercantiliza. Quanto mais escasso um bem, mais caro se cobra por

    ele.

    O antroplogo Sandro Jos da Silva (2000) argumenta que no processo de

    luta dos Tupiniquim pelo territrio, a Terra Indgena passa a ser uma das

    finalidades: a demarcao espacial como [ . . .] objeto de um campo semntico

    bastante rico [ . . .] e arena poltica (2000 p. 25) com embates e luta para se

    definir simbolicamente o espao (Bordieu, 1989 apud Silva, 2000).

    Yi Fu Tuan (1983, p. 151) nos diz que: O espao transforma-se em lugar

    medida que adquire definio e significado.

    E continua: A arte constri imagens do sentimento, tornando-o acessvel

    contemplao e meditao. Ao contrrio, o bate-papo social e a comunicao

    feita de clichs entorpecem a sensibilidade (1983, p. 16).

    A arte cria (pode criar) um sentido de lugar atribuindo valor a um espao: o

    que Walter Benjamin chama de aura.

    As prprias aproximaes que o autor deste estudo realizou em Caieiras

    Velhas com a metodologia do Teatro do Oprimido desde o ano de 2006 deram a

    ele um sentido de lugar, descobrindo elementos da cultura Tupiniquim e

    construindo pertenas com seus agentes (ou atores) sociais.

    Para Tuan (1983, p. 198): O lugar um mundo de significado organizado.

    E continua guisa de concluso, O que pode significar o passado para

    ns? As pessoas olham para trs por vrias razes, mas uma comum a todos:

    a necessidade de adquirir um sentido do eu e da identidade (1983, p. 206).

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 129

    3.2 Escutar o que se ouve - identidade

    Trata-se de uma srie de exerccios que visam ampliar nossa audio

    associando, ritmo, movimento e som. Nestes exerccios, igualmente categoria

    anterior, no se usa ainda a palavra.

    Associamos a essa categoria de joguexerccios uma discusso sobre o

    conceito de identidade indgena Tupiniquim.

    Para lanarmos um olhar sobre a cultura Tupiniquim acreditamos que de

    extrema importncia o que Manuela Carneiro da Cunha (2000), nos aponta a

    respeito dos conceitos de cultura e identidade a partir de dois modos bsicos.

    O primeiro v cultura e identidade como coisas e parte de uma

    abordagem platnica, onde a identidade seria um horizonte almejado, ser

    idntico a um modelo: seria precedida por uma essncia. Cultura aparece,

    nessa viso, como [ . . .] um conjunto de itens, regras, valores, posies, etc.

    previamente dados. (2000, p. 129) .

    Conforme a autora, em alternativa a essa perspectiva, a identidade pode

    ser entendida como a percepo [ . . .] de uma continuidade, de um processo,

    de um fluxo, em suma, uma memria (2000, p. 129). Cultura aparece nessa

    definio no como um conjunto de traos dados, mas [ . . .] a possibilidade de

    ger-los em sistemas perpetuamente cambiantes (2000, p. 129 e 130).

    Em seus trabalhos anteriores Manuela Carneiro da Cunha usa largamente

    o conceito de etnicidade, repousando sobre os conceitos-chave da

    Antropologia de identidade e cultura, substituindo as noes de raa, para se

    pensar as culturas nas sociedades multitnicas, fora da lgica essencialista e

    prximo a uma abordagem estrutural (2000).

    Os traos culturais assumem dois ou mais sentidos: interiores e exteriores

    cultura. Evidencia-se aqui um cdigo semntico mltiplo e complexo (2000).

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 130

    Conforme Cunha (2000), emerge, pois a, o paradigma da scio-

    diversidade. As culturas como patrimnio de diversidade da humanidade, em um

    meio que social e natural. A autora lembra Lvy-Strauss, quando diz que a

    scio-diversidade to importante quanto a biodiversidade. Estamos falando

    no de traos, mas de processos. [ . . .] Para mant-los em andamento, o que

    se tem de garantir a sobrevivncia das sociedades que os produzem (2000, p.

    141).

    Nesse trabalho estaremos dando relevncia scio-diversidade das

    culturas indgenas no Brasil e em especial da cultura Tupiniquim no litoral norte

    do estado do ES e suas atuais formas de resistncia social dominao.

    Pensar cultura e identidade no sculo XX e XXI, porm, exige que

    lancemos tambm um olhar mais detido sobre os fenmenos da Globalizao,

    pois ter um profundo impacto sobre as culturas em todo o globo.

    Em Globalizao - as conseqncias humanas, o socilogo Zygmunt

    Bauman (1999) comea seu texto dizendo que estamos todos sendo

    globalizados, e isso o destino irremedivel do mundo, afetando todos na

    mesma medida e da mesma maneira. Declara que a globalizao tanto divide

    como une, das finanas e do comrcio ao fluxo de informao, acontece um

    movimento localizador, de fixao no espao. O que para uns globalizao,

    para muitos localizao, como um destino indesejvel e cruel.

    No mundo de globais, argumenta o autor, tende a ser um fardo fixar-se na

    localidade, um estado de privao e degradao que leva segregao

    espacial, separao e excluso (1999).

    As elites se tornam cada vez mais extraterritoriais e globais e o restante da

    populao localizada. Acontece a uma ruptura de comunicao entre as duas

    partes. A condio humana, porm, o que nos une (1999).

    Manuel Castells (1999) ir nos alertar que no sculo XX e XXI, diante das

    tendncias conflitantes entre globalizao e identidade, preciso ficarmos

    atentos ao surgimento da sociedade em rede, a partir da revoluo da

    tecnologia da informao e da reconstruo do capitalismo. Esses so fatores

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 131

    que transformaram de forma irrevogvel o que chamamos de

    contemporaneidade.

    O autor argumenta que o cenrio que se nos apresenta na atualidade

    passa por 4 pontos principais: 1. Globalizao das atividades econmicas; 2.

    Organizao em redes; 3. Flexibilidade e instabilidade do emprego; 4.

    Individualizao da mo-de-obra.

    Emerge, pois, na atualidade uma cultura da virtualidade, onde a mdia se

    torna onipresente e assume expresses poderosas de identidade coletiva diante

    do desafio da globalizao e do cosmopolitismo (1999).

    Surge nesses contextos a resistncia como singularidade cultural que visa

    o controle das pessoas sobre suas prprias vidas e ambientes, um movimento

    de tendncia ativa que busca a transformao das relaes humanas em seu

    nvel mais bsico. A exemplo dessas reividicaes podemos observar o

    surgimento do feminismo e do ambientalismo. Tambm uma alta gama de

    movimentos reativos de resistncia em defesa de Deus, da nao, da etnia, da

    famlia, da regio. At a existncia do Estado-nao questionada diante da

    crise da noo de democracia poltica (1999).

    As identidades, surgem como fonte de significados para os prprios atores

    (ou agentes) sociais. So originadas e construdas enquanto um processo de

    individuao. Dessa forma, identidades organizam significados. Papeis

    organizam funes (1999).

    O significado, por sua vez, uma identificao simblica constituda pelo

    ator (ou agente) social a partir de uma ao praticada (1999).

    A chave de leitura so as relaes de poder que estruturam, assim, trs

    formas- origens na construo de identidades. Conforme Castells (1999) so

    elas:

    1. Identidade Legitimadora: introduzida pelas instituies dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominao em relao aos atores sociais, tema que est no cerne da teoria de autoridade e dominao de Senett, e se aplica a diversas teorias do nacionalismo (1999, p. 24).

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 132

    2. Identidade de Resistncia: criada por atores que se encontram em posies/condies desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lgica da dominao, construindo assim, trincheiras de resistncia e sobrevivncia com base em princpios diferentes dos que permeiam as instituies da sociedade, ou mesmo opostos a estes ltimos, conforme prope Calhoun ao explicar o surgimento da poltica de identidade. (1999, p. 24)

    3. Identidade de Projeto: quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posio na sociedade, e, ao faz-lo, de buscar a transformao de toda a estrutura social. Esse o caso, por exemplo, do feminismo que abandona as trincheiras de resistncia da identidade e dos direitos da mulher, para fazer frente ao patriarcalismo, a famlia patriarcal, e, assim, a toda a estrutura de produo, reproduo, sexualidade e personalidade sobre a qual as sociedades historicamente se estabeleceram.(1999, p. 24)

    Castells (1999) infere a respeito dessas trs formas de identidade que [. . .]

    nenhuma delas encerra, per se, valor progressista ou retrgrado se estiver fora

    de seu contexto histrico [ . . .] (1999, p. 24).

    Outro autor que aborda o conceito identidade Stuart Hall (2004). Inicia

    seu texto Identidade Cultural na Ps Modernidade dizendo que as velhas

    identidades que sustentaram o mundo social esto em declnio e que novas

    identidades tm surgido diante da fragmentao do indivduo moderno,

    configurando o que se convencionou chamar de uma crise de identidade.

    Anuncia em seguida que ir abordar algumas questes da identidade cultural na

    modernidade tardia que passam pelo sentido de pertencimento a culturas

    tnicas, raciais religiosas e nacionais. As identidades modernas estariam sendo

    descentradas, deslocadas ou fragmentadas. O prprio conceito de identidade

    muito complexo, argumenta. Sua pergunta : no a prpria modernidade que

    est se transformando?

    Bauman (1999) nos diz que estar proibido de mover-se ser um smbolo de

    impotncia, incapacidade e dor. A globalidade da elite desfere uma clara

    criminalizao da pobreza, e acrescento, dos movimentos sociais, como uma

    ameaa dos locais. A meu ver esses rebeldes deixam de aceitar a condio de

    excluso. Se tornam perigosos. Da a ordem que temos visto no Brasil, por

    exemplo, de violncia corporal, simblica e mesmo o extermnio, por parte da

    polcia dos criminosos: negros, homossexuais, pobres, indgenas que

    reivindicam seus direitos identitrios e territoriais. Essa rejeio e extermnio,

    tpica da mentalidade fascista dos campos de concentrao fruto da

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 133

    fragmentao e do isolamento na base e de uma globalizao no topo e que tem

    no territrio, em sua dinmica local-global um terreno frtil para movimentos,

    gestos, falas e atos de resistncia social (Scott, 2004) e constituem novas

    formas de identidade diante das relaes de subalternidade e dominao.

    3.3 Ativando os vrios sentidos territorialidade, identidade, subalternidade e formas de resistncia social

    Dentre todos os sentidos, a viso o mais monopolizador. Porque somos capazes de ver, no nos preocupamos em

    sentir o mundo exterior atravs dos demais sentidos, que ficam adormecidos ou atrofiados [. . .]

    (Boal, 2007, p. 154).

    Para reverter essa situao, Boal prope mltiplos exerccios para serem

    feitos de olhos fechados, a fim de que estimulem os nossos vrios sentidos.

    Certa vez em oficina que ministrei com jovens ex-presidirios um dos integrantes

    do grupo disse aps alguns encontros que depois de termos realizado exerccios

    dessa categoria, quando passava na rua parava para ouvir o som das asas dos

    pombos. Jamais esse jovem usar seus sentidos da mesma forma depois de ter

    vivido essa experincia. De pssaros e asas nascem poesias que podem falar

    da liberdade e da libertao.

    Aqui territorialidade, identidade se cruzam, pois a base identitria dos

    povos indgenas territorial, passa necessariamente pela sua relao com a

    terra. Mesmo com a devastao da Mata-Atlntica, os Tupiniquim seguem r-

    existindo e recriando novas formas de ser e estar no territrio, novas

    identidades. Algumas, porm, vm se chocar com a identidade baseada na

    tradio, no no sentido da multiplicidade, mas no intento de homogeneizar a

    cultura: so as identidades fundamentalistas crists que vimos na etnografia de

    Salvador (Nizim) e sua luta para manter, com poucos ncleos familiares dentro

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 134

    de Caieiras Velhas, a tradio e a ancestralidade de seu povo, por exemplo, na

    preservao da Banda de Congo, na recriao das danas tradicionais

    Tupiniquins e confeco de tangas para serem usadas nas festividades da

    aldeia e do povo Tupiniquim.

    Outro gesto de resistncia social que observamos nas etnografias

    (primeira parte deste trabalho) foi o de M. M. S., viva do paj Alexandre

    Sizenando, mulher branca, no-ndia, que ao se casar com o paj adquire e

    agencia toda uma territorialidade Tupiniquim, principalmente ligada ao segredo

    das plantas e das curas espirituais ensinadas pelo paj. Mesmo apontada por

    alguns fundamentalistas cristos da aldeia de ser macumbeira, Maria segue

    resgatando razes e agenciando a fala do paj, maneira de Spivak (2010),

    mesmo diante da negativa e das crticas.

    3.4 Ver tudo o que se olha identidade, territrio, territorialidade e resistncia social

    Esta categoria trata da [. . . ] observao pelo dilogo visual entre duas

    ou mais pessoas (Boal, 2007, p. 172). A linguagem verbal ainda proibida. O

    silncio o desafio nessa serie de exerccios. Aqui se estende o Teatro Imagem

    e visa desenvolver a linguagem visual.

    Associamos esta categoria ao campo dos smbolos, cones (que tambm

    se articulam identidade e territorialidade), mas est ligada principalmente s

    formas de resistncia social. Todo esse trabalho se constitui o alicerce de uma

    reflexo sobre o teatro do poder (Scott, 2004), como metfora das relaes

    sociais (e das relaes de poder) dentro da aldeia Caieiras Velhas. Indo alm,

    propusemos o Teatro do Oprimido enquanto metodologia de transformao

    social a ser desenvolvido e analisado.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 135

    3.5 A Memria dos Sentidos experincia e memria

    Conforme Boal, esta categoria de joguexerccio visa trazer conscincia

    sobre cada sensao para podermos delas nos lembrar no futuro e retomar

    determinada emoo atravs da memria e da imaginao.

    Podemos falar tambm de uma memria corporal, pois trazemos em nosso

    corpo as marcas do passado. Cada corpo carrega em si a histria do indivduo,

    de sua coletividade e da prpria humanidade.

    Associamos aqui a ltima categoria dos jogos e exerccios do Teatro do

    Oprimido com alguns dos principais aportes de Walter Benjamin como a noo

    de experincia e o conceito de memria.

    Podemos comear dizendo que os ndios mortos nos fazem demandas.

    A assistente social Dr. Teresa Matus, professora da Universidade do Chile

    em seu seminrio Aportes de Walter Benjamin al Trabajo Social

    Contemporneo, no segundo semestre de 2010, nos deu uma enorme

    contribuio a respeito da noco de experincia em Walter Benjamin,

    reclamada desde um estado de degradao, homologada empiricamente ao

    territrio, ao lugar dos acontecimentos e contraposta com uma abstraco que

    encarnaria a teoria.

    Conforme Matus (2010), na atualidade, no h justia feita nem teora

    nem praxis. Para entender a teoria crtica em Walter Benjamin temos que sair

    do dualismo.

    Benjamin manifestar sua angstia ante a metdica destruio da

    experincia, o precrio estado da experincia genuna e a queda da poca

    moderna barbrie (Jay, 2009)

    Para Benjamin a crise da experincia comparvel ao desastre humano

    da reificao, a essncia da explorao capitalista, e da alienao, coforme G.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 136

    Lukcs. Detlev Claussen diz que estamos a viver a experincia da perda da

    experincia (2009).

    O valor da experincia em Benjamin diz respeito importncia dos

    detalhes aparentemente triviais, dos momentos da infncia, da aura mgica e do

    significado do nome de certos lugares, por exemplo. Destaca o valor da memria

    e da experincia, sobretudo da infncia, antes de qualquer indagao filosfica.

    E nos deixa claro que a experincia sem esprito (poesia a meu ver) no conduz

    a nenhuma parte.

    Essa afirmao pode ser elevada ao nvel do social e nos exige um

    resgate da infncia da prpria humanidade como uma busca da sua

    ancestralidade. Isso implica a valorizao de nossos povos indgenas, sua

    histria, sua mitologia, sua memria, seu pensamento, sua liberdade. E passa

    por uma retomada do sentido do sagrado em uma sociedade degradada pela

    perda da experincia ritual como um resgate de nossa prpria essncia.

    preciso, assim, reconhecer os erros cometidos na juventude. Spinoza

    nos diz: o erro forma parte da busca da verdade (2009). E quais foram os erros

    da juventude da humanidade, e, em especial, de nosso pas? Como podemos

    aprender com eles? Quais foram os erros cometidos contra a alteridade e

    humanidade dos vrios povos e culturas tradicionais? Como podemos agir a

    partir de uma reflexo com base na Histria social da humanidade? No

    estamos na urgncia de construir uma nova experincia de humanidade?

    La experiencia puede ser penosa para quien lucha, mas raras veces lo

    conduce a la desesperanza (2009, p. 368). Lembrar refere-se ao de onde se

    veio (Brando, 1998, p. 12)

    Carlos Rodrigues Brando em seu livro Memria Serto cenrio, cenas,

    pessoas e gestos nos sertes de Joo Guimares Rosa e Manuelzo nos

    convida a sete visitas morada da memria e nos alerta para o que Habermas

    adverte: [ . . .] a esperana de um novo futuro s poder ser cumprida

    mediante a memria do passado oprimido (Habermas, 1989 apud Brando,

    1998, p. 12).

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 137

    Assim,[ . . .] O imaginrio de experincias a realizar como futuro deve ser,

    antes, a recuperao como memria das expectativas no realizadas na

    experincia das geraes do passado (1998, p. 29).

    Koseleck apud Brando (1998) nos falar de um espao da experincia e

    um horizonte de expectativas como um dilema da modernidade entre tradio e

    projeto (1998, p. 29).

    Dessa forma

    [ . . .] As expectativas no realizadas no nosso passado atravs de outros que nos antecederam, e de cujos sofrimentos, de cujos limites e frustraes toca a ns, homens do presente, sermos testemunhas, no so para ns uma espcie de resduo esquecvel, uma falha silenciosa e a ser silenciada no curso de nossos projetos de futuro. Ao contrrio, a sua presena na memria o que torna compreensveis as prprias experincias ligadas como tradio na cultura. (1998, p. 32)

    Ecla Bosi nos diz que:

    Pela memria, o passado no s vem tona as guas presentes, misturando-se com as percepes imediatas, como tambm empurra, desloca estas ltimas, ocupando o espao todo da conscincia. A memria aparece como fora subjetiva, ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora (Bosi, 1994, p. 47).

    Para Bergson a memria aparece como [ . . .] lado subjetivo de nosso

    conhecimento das coisas (Bergson, 1959 apud BOSI, 1994, p. 47)

    O passado atua sobre o presente atravs do comportamento no que Bosi

    (1994) chama de memria hbito e memria dos mecanismos motores.

    Acontecem, porm, lembranas isoladas e singulares capazes de trazer o

    passado tona. So as chamadas imagens lembrana que se mostram nos

    sonhos e devaneios.

    Bosi (1994, p. 54) afirma que falta em Bergson [ . . .] um tratamento da

    memria como fenmeno social.

    Bosi (1994) destaca a funo social do sujeito que lembra como uma tarefa

    de construo social da memria, entre a narrao e a interpretao dos fatos

    criando universos de discurso e universos de significado (1994, p. 67).

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 138

    Assim,[ . . .] os fatos que no foram testemunhados perdem-se, omitem-

    se, porque no costumam ser objeto de conversa e narrao, a no ser

    excepcionalmente (1994, p. 67).

    A memria assume, assim, seu papel de conservao ou elaborao do

    passado, entre o instinto e a inteligncia (1994, p. 68).

    Bosi afirma ento O que poder mudar enquanto a criana escuta na sala

    discursos igualitrios e observa na cozinha o sacrifcio constante dos

    empregados . A verdadeira mudana d-se a perceber no interior, no concreto,

    no cotidiano, no mido [...] (1994, p.63).

    Assim,

    H dimenses de aculturao que, sem os velhos, a educao dos adultos no alcana plenamente: o reviver do que se perdeu, das histrias e tradies, o reviver dos que j partiram e participam ento em nossas conversas e esperanas, enfim o poder que os velhos tm de tornar presente na famlia os que se ausentaram, pois deles ainda ficou alguma coisa em nosso hbito de sorrir, de andar. No se deixam para trs essas coisas, como desnecessrias. Esta fora, essa vontade de revivescncia, arranca do que passou seu carter transitrio, faz com que entre de modo constitutivo no presente. (1994, p. 74)

    [...] Morre a arte da narrativa quando morre a reteno da legenda. Perdeu-se tambm a faculdade de escutar, dispersou-se o grupo de escutadores [...] A narrao uma forma artesanal de comunicao. Ela no visa a transmitir o em si do acontecido, ela o tece at atingir uma forma boa. Investe sobre o objeto e o transforma (1994, p.88).

    Dessa luta emergem as experincias francamente picas do tempo: a

    esperana e a recordao [ . . .] (Lukcs apud Bosi, 1994, p. 90).

    A arte de narrar uma relao alma, olho e mo: assim transforma o

    narrador a sua matria, a vida humana (1994, p. 90).

    Uma atmosfera sagrada circunda o narrador (1994, p. 91)

    Entre os indgenas, utilizar a ferramenta do Teatro do Oprimido com base

    na memria, articulada identidade, territorialidade e observao das formas

    de resistncia social desses povos, pode nos possibilitar um tipo de ao num

    eterno retorno, como diz Mircea Eliade, fonte dos indivduos em sua cultura,

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 139

    pois concordamos com Walter Benjamin que a inovao como futuro est no

    passado.

    3.6 Um antroplogo lendo um teatrlogo Scott conversa com Boal

    A partir das noes de discurso pblico e discurso oculto de James

    Scott, e tendo em vista as categorias tericas que associamos s cinco

    categorias de jogos e exerccios do Teatro do Oprimido, ser feita, em

    desdobramentos futuros desta, uma nova investigao com as mulheres

    Tupiniquim utilizando as tcnicas do Teatro do Oprimido para extrair elementos

    da memria, da identidade, do territrio, da territorialidade, do lugar, das formas

    de resistncia social, e das relaes de poder e subalternidade em Caieiras

    Velhas. Ser privilegiada a tcnica do Teatro Frum.

    Teatro Frum: a compreenso e interveno na realidade

    A palavra Ascese

    A curinga Brbara Santos em seus Seminrios Razes e Asas I e II, no

    Centro de Teatro do Oprimido (RJ) em 2010 e 2011, nos alertou que o

    movimento de entender o contexto social (geral e conjuntural), a partir das

    relaes pessoais, pela metfora (representao, compreenso e

    transformao), presentes no debate e interveno com a plateia no Teatro

    Frum, opera o que Augusto Boal chamou de Ascese.

    A Ascese se d no Frum. Quanto mais clara for a pergunta, melhor a

    plateia vai intervir.

    De acordo com os temas que surgem no grupo, o multiplicador tem que

    buscar esse movimento da Ascese (ascender ao geral, conjuntural) e retornar ao

    real para interrog-lo, a partir da necessidade e do desejo do oprimido em

    romper com a cadeia de opresso, buscando formas de super-la. No podemos

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA

  • 140

    impor desejo ao espect(ator), mesmo que para o multiplicador e o curinga esteja

    clara a situao de opresso. O desejo nasce do sujeito desejante que

    abandona o situao de objeto e toma as rdeas da ao em sua vida. Quem

    tem que assum-la o prprio oprimido. Precisamos, assim, ir com os ouvidos e

    olhos abertos, mais que a boca. O Frum o momento em que a inverso do

    jogo social se torna possvel pela ao dos espect(atores).

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 1011789/CA