artigo 1 espaços públicos.pdf

10
7/23/2019 artigo 1 espaços públicos.pdf http://slidepdf.com/reader/full/artigo-1-espacos-publicospdf 1/10  1 | 10 Reflexões sobre a vitalidade de uma praça pública em Natal/RN Trícia Caroline da Silva Santana (1), Gleice Azambuja Elali (2). (1) Dep. de Arquitetura e Urbanismo, UFERSA, Brasil. E-mail: [email protected] (2) DArq/PPGAU/UFRN, Brasil. E-mail: [email protected]  Resumo: Este artigo discute a ocupação da Praça Luiz Raimundo de Souza (PçLR) localizada em  Natal/RN. Embora a literatura comente o desuso ou subutilização dos espaços livres públicos em  função de aspectos morfo-espaciais que concorrem para isso, a análise da PçLR evidencia sua vitalidade, mesmo diante da presença de vários preditores que indicavam o contrário. O estudo investigou várias escalas de elementos que constituem a praça - desde a sua localização na malha urbana até seu mobiliário – e recorreu a multimétodos, por meio de análise espacial, mapeamento comportamental e entrevistas com usuários. Os resultados indicam a importância do entendimento dos espaços públicos como lugares e a percepção dos usuários como fator fundamental para a sua vitalidade. Além disso, por serem mais facilmente percebidos pelas pessoas, os elementos que afetam diretamente o conforto e a estadia dos indivíduos (favorecendo ou inibindo seu comportamento), aparentam contribuir mais decisivamente para esta percepção e, portanto, para o uso do lugar.  Palavras-chave: espaços públicos, praças, percepção ambiental.  Abstract: This article discusses the occupation of the square Luiz Raimundo de Souza (PcLR) located in Natal/RN. Although the literature comment the disuse or the under-use of public open spaces dueto morphological and spatial aspects that contribute to this, the analysis of PcLRreveals its vitality, despite the presence of several indicators that pointed to the contrary. The study investigated various scales of elements that constitute the square - from its location in the urban grid to its furniture - and resorted to multi-method, through spatial analysis, behavioral mapping and interviews with users. The results indicate the importance of understanding public spaces as places and the perceptions of users as a key factor for its vitality. Moreover, for being more easily perceived by people, the elements that directly affect the comfort and stay of individuals (promoting or inhibiting their behavior), appear to contribute more significantly to this perception and therefore to the use of the  place.  Key-words: public spaces; squares; environmental perception. INTRODUÇÃO A temática trabalhada nesse artigo é a vitalidade urbana, assunto de grande importância na atualidade, cujas nuances podem ser discutidas a partir de referencias derivadas de vários campos do conhecimento. como Geografia, Filosofia, Sociologia, Psicologia e Arquitetura e do Urbanismo. O estudo focaliza o uso da Praça Luiz Raimundo de Souza a partir das suas características morfológicas e da percepção de seus usuários.  O artigo é um recorte de uma tese de doutorado recém concluída (Santana, 2015), em cuja base encontram-se dois temas importantes para o entendimento da vida na cidade contemporânea: (a) a chamada “crise dos espaços públicos”, que denuncia o acentuado esvaziamento dos locais de convívio coletivo na cidade; (b) o atual debate sobre elementos que promovem a ocupação do espaço público, o qual, em contraponto à ideia anterior, volta-se para a ampliação deste uso. Longe de serem antagônicas, tais ideias mostram-se complementares entre si, sendo importante entendê-las conjuntamente.

Transcript of artigo 1 espaços públicos.pdf

Page 1: artigo 1 espaços públicos.pdf

7/23/2019 artigo 1 espaços públicos.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/artigo-1-espacos-publicospdf 1/10

 

1 | 10

Reflexões sobre a vitalidade de uma praça pública em Natal/RN

Trícia Caroline da Silva Santana (1), Gleice Azambuja Elali (2).

(1) Dep. de Arquitetura e Urbanismo, UFERSA, Brasil. E-mail: [email protected]

(2) DArq/PPGAU/UFRN, Brasil. E-mail: [email protected]

 Resumo: Este artigo discute a ocupação da Praça Luiz Raimundo de Souza (PçLR) localizada em

 Natal/RN. Embora a literatura comente o desuso ou subutilização dos espaços livres públicos em

 função de aspectos morfo-espaciais que concorrem para isso, a análise da PçLR evidencia sua

vitalidade, mesmo diante da presença de vários preditores que indicavam o contrário. O estudo

investigou várias escalas de elementos que constituem a praça - desde a sua localização na malha

urbana até seu mobiliário – e recorreu a multimétodos, por meio de análise espacial, mapeamentocomportamental e entrevistas com usuários. Os resultados indicam a importância do entendimento

dos espaços públicos como lugares e a percepção dos usuários como fator fundamental para a sua

vitalidade. Além disso, por serem mais facilmente percebidos pelas pessoas, os elementos que afetam

diretamente o conforto e a estadia dos indivíduos (favorecendo ou inibindo seu comportamento),

aparentam contribuir mais decisivamente para esta percepção e, portanto, para o uso do lugar.

 Palavras-chave: espaços públicos, praças, percepção ambiental.

 Abstract: This article discusses the occupation of the square Luiz Raimundo de Souza (PcLR) located

in Natal/RN. Although the literature comment the disuse or the under-use of public open spaces dueto

morphological and spatial aspects that contribute to this, the analysis of PcLRreveals its vitality,

despite the presence of several indicators that pointed to the contrary. The study investigated various

scales of elements that constitute the square - from its location in the urban grid to its furniture - and

resorted to multi-method, through spatial analysis, behavioral mapping and interviews with users.

The results indicate the importance of understanding public spaces as places and the perceptions of

users as a key factor for its vitality. Moreover, for being more easily perceived by people, the

elements that directly affect the comfort and stay of individuals (promoting or inhibiting their

behavior), appear to contribute more significantly to this perception and therefore to the use of the

 place.

 Key-words: public spaces; squares; environmental perception.

INTRODUÇÃO

A temática trabalhada nesse artigo é a vitalidade urbana, assunto de grande importância na atualidade,cujas nuances podem ser discutidas a partir de referencias derivadas de vários campos doconhecimento. como Geografia, Filosofia, Sociologia, Psicologia e Arquitetura e do Urbanismo. Oestudo focaliza o uso da Praça Luiz Raimundo de Souza a partir das suas características morfológicase da percepção de seus usuários. O artigo é um recorte de uma tese de doutorado recém concluída(Santana, 2015), em cuja base encontram-se dois temas importantes para o entendimento da vida nacidade contemporânea: (a) a chamada “crise dos espaços públicos”, que denuncia o acentuadoesvaziamento dos locais de convívio coletivo na cidade; (b) o atual debate sobre elementos quepromovem a ocupação do espaço público, o qual, em contraponto à ideia anterior, volta-se para aampliação deste uso. Longe de serem antagônicas, tais ideias mostram-se complementares entre si,

sendo importante entendê-las conjuntamente.

Page 2: artigo 1 espaços públicos.pdf

7/23/2019 artigo 1 espaços públicos.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/artigo-1-espacos-publicospdf 2/10

 

2 | 10

O senso comum e a literatura especializada (ARENDT, 1991; HABEMAS, 1984; JACOBS, 2001 1,

SENNET, 19882

) apontam o colapso da vida coletiva no contexto público a partir da segunda metadedo século XX, o qual relegou importantes estruturas urbanas ao desuso. Em consequência, muitaspráticas sociais que eram características desses espaços foram direcionadas a locais que favorecemmaior permanência do usuário por ofertarem mais conforto e segurança, como clubes exclusivos,shoppings centers, centros empresariais e parques temáticos. Ou seja, quanto maiores aspossibilidades de vida coletiva e recreativa em âmbito privado, maiores as possibilidades dedesvalorização dos espaços públicos. Nesse sentido, Caldeira (2000) comenta que os chamados‘enclaves fortificados’ direcionados ao consumo, lazer, trabalho, moradia e entretenimento das classesmédia e alta (como condomínios fechados e clubes privados) estão mudando a paisagem das cidades,suas normas de segregação espacial, a natureza de seus espaços públicos e a interação entre diversosestratos sociais. Além disso, Gomes (2002), Castello (2004) e Gehl (2006) argumentam que a busca

por segurança faz com que atualmente vivenciemos o declínio do uso dos espaços urbanos públicosenquanto local de permanência, lazer, recreação e sociabilidade.

Por outro lado, Hillier (1989), Peponis (1989) e Holanda (2002) defendem que a presença humana nosespaços livres públicos precisa ser incentiva, pois potencializa a vida social nas cidades, favorecendoa interação social, a sensação de segurança e retroalimentando o uso dos locais, como um ciclo.Diante dessas considerações, este artigo enfatiza a relação entre a percepção dos usuários e a presençade elementos que influenciam o uso dos espaços públicos, segundo a literatura especializada.

Como base na literatura mencionada, entende-se vitalidade urbana como a da capacidade de animaçãoem função das relações sociais que acontecem em um lugar, sendo condicionada pelos atributosmorfológicos do ambiente, mas também pela percepção que seus usuários têm dele. Supõe-se, assim,

que existe um tipo de vitalidade urbana desejável para cada tipo de espaço, isto é, que uma áreacomercial exige um tipo de animação diferente daquela necessária a um setor residencial, emboraalguns dos elementos/atributos dessa vitalidade urbana possam ser válidos para ambos.

Além de contribuir para mostrar a atualidade do tema abordado, espera-se que este artigo saliente arelevância de questionar as práticas vigentes que norteiam as intervenções nas praças públicasenquanto espaços que repercutem o processo de mudanças vivenciado pela sociedade e pela cidade,traçando um paralelo com outras pesquisas nesse campo, a fim de compreender alguns aspectos davitalidade urbana em praças da cidade de Natal.

Adotando uma perspectiva multimetodológica, o trabalho combinou ferramentas de cunhoquantitativo e qualitativo: análise da morfologia das (entorno imediato e a praça em si), salientando oselementos que são favoráveis à vitalidade. Além disso, foi feito mapeamento comportamental dapraça (quarta-feira, sábado e domingo, das 6 às 20h) e entrevista com 30 usuários. Essa estratégiapermitiu apontar relações entre a morfologia da praça e a percepção ambiental de seus usuários, a fimde discutir a influência destes fatores na promoção da vitalidade daquele local.

2. ESTUDO DE CASO: A Praça Luiz Raimundo de Sousa e a vitalidade urbana percebida

A Praça Luiz Raimundo de Sousa (PçLR) está localizada no bairro da Praia do Meio, na regiãoadministrativa leste da capital potiguar, na porção central do bairro e apresenta uma área de 1.793m2.

Contém uma quadra poliesportiva, uma academia de concreto, um  playground , um quiosque, um

1 Primeira edição publicada em 1961.2 Primeira edição publicada em 1974. 

Page 3: artigo 1 espaços públicos.pdf

7/23/2019 artigo 1 espaços públicos.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/artigo-1-espacos-publicospdf 3/10

 

3 | 10

ponto de ônibus com banco. Não existem lixeiras nem bancos, exceto do abrigo de transporte

coletivo. O seu estado de conservação é razoável, mas constatou-se a presença de lixo e a degradaçãototal dos bancos que foram arrancados pouco tempo após a seleção do espaço para a pesquisa. Aquadra, por sua vez, está em bem conservada haja vista que passou por uma reforma no início desseano. A iluminação é feita por um único poste alto e pelos refletores da quadra quando estão emfuncionamento (Figura 1).

2.1. Propriedades espaciais

2.1.1. Quanto ao entorno imediato

O entorno imediato da Praça Luiz Raimundo de Sousa possui uma padaria e um pequenomercado/padaria, uma igreja e um bar/restaurante, além de uma loja de materiais de construção,

apresentando com essa distribuição, uma alta diversidade no uso do solo, o que é favorável àvitalidade urbana. Quanto às características das vias, a praça é delimitada pelas ruas Feliciano Dias,Monte Carlos, Pedro Afonso e Vila São Geraldo. Com exceção da última, o tráfego nessas vias éintenso embora estejam rotuladas como vias locais, especialmente na R. Pedro Afonso. Diante dessecenário, estamos em um ambiente com poucas vias de grande circulação, situação pouco favorável àvitalidade urbana.

Na caracterização das calçadas, o item segurança (sinalização horizontal e travessias sinalizadas) nãofoi encontrado na maior parte das calçadas (3 de um total de 4 calçadas) e em apenas uma não hádesníveis acima de 15cm. A ocorrência de barreiras arquitetônicas foi presenciada em todos os trechose percebe-se a existência de rampas, escadarias e gradis na faixa de serviço da calçada. Como todas ascalçadas na área apresentam problemas que interferem na acessibilidade dos indivíduos, esse entornoé pouco acessível, logo pouco favorável à vitalidade urbana.

Quanto aos turnos de uso, a diversidade temporal das atividades não residenciais é baixa, pois apenasum estabelecimento comercial está na categoria III (o bar/restaurante funcionando nos três períodos,entre 10 e 22h), e os demais funcionam apenas um período. Com essa condição o local é poucofavorável à vitalidade urbana.

As fronteiras suaves quase inexistem, restringindo-se às mesas do bar/restaurante (locadas na calçadafrontal). Portanto, entende-se que a ocorrência desse atributo na área é baixa, condição poucofavorável à vitalidade urbana. Quanto à presença de portas e janelas, a grande maioria dos edifícios(59%) é da categoria II (imóvel com porta/portão e janela), não sendo registrados imóveis da

categoria I (muro cego) e havendo apenas 11,4% da categoria II (muro com porta/portão). Assim,trata-se de um ambiente com muitas portas e janelas, o que é favorável à vitalidade urbana.

Figura 1- Espaços da Praça Luiz Raimundo de Souza. Fonte: Santana, 2015

Page 4: artigo 1 espaços públicos.pdf

7/23/2019 artigo 1 espaços públicos.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/artigo-1-espacos-publicospdf 4/10

 

4 | 10

2.1.2. Quanto ao ambiente em si

Quanto ao mobiliário e equipamentos urbanos, dispõe de quadra poliesportiva em bom estado deconservação, playground  deteriorado, academia de concreto, quiosque de venda de bebida/comida eabrigo de ônibus. A iluminação noturna é feita por um poste petalado alto e pelos refletores da quadra.Com essa situação, entende-se que sua qualidade é apenas razoável, com parte dos elementos limpos econservados, e parte necessitando de cuidados, situação que favorece parcialmente a vitalidadeurbana.

A arborização aparece predominantemente na área marginal a R. Monte Carlos com árvores de médioe grande porte que incidem sobre parte do passeio, do quiosque e do playground . Do lado oposto têm-se dois coqueiros próximos à quadra poliesportiva. Com essa conformação têm-se uma praça comarborização categoria II, na qual as copas de algumas árvores apenas se tocam e/ou a maior parte das

árvores apresentam copas isoladas, sendo algo pouco favorável à vitalidade urbana. O conjunto decanteiros existentes mostrou-se carente de manutenção, com a grama e os exemplares arbustivosdeteriorados ou inexistentes. Com essa situação a praça tem seus elementos compositivos  poucoexplorados, o que é pouco favorável à vitalidade urbana.

Quanto aos elementos sentáveis há um banco de concreto do ponto de ônibus, mas o local dispõe deelementos sentáveis informais, muretas que delimitam os canteiros e o playground, que estão em bomestado de conservação e limpeza. Não existe variedade dos espaços sentáveis. Diante dessa condiçãoo têm-se algo pouco favorável à vitalidade urbana.

Diante disso, têm-se que os itens relativos ao raio de influência e ao ambiente em si são os maisdeficitários, já que todos foram classificados como negativos/ruins. Poucos aspectos foram avaliados

como favoráveis. Nenhum item do ambiente em si teve um desempenho considerado favorável àvitalidade urbana (Figura 2).

2.2. Mapeamento comportamental

A planta-baixa da PçLR foi dividida em cinco setores (Figura 3): 1) quiosque; 2) playground ; 3)quadra poliesportiva; 4) ponto de ônibus e 5) ATI.

Na quarta-feira  foram registradas 103 pessoas no espaço, das quais 16 estavam de passagem e 6esperavam transporte coletivo. As demais atividades foram classificadas como de permanência (81):

Figura 2- Esquema de avaliação configuracional da praça. Fonte: Santana, 2015. 

Page 5: artigo 1 espaços públicos.pdf

7/23/2019 artigo 1 espaços públicos.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/artigo-1-espacos-publicospdf 5/10

 

5 | 10

atividade física, conversar/namorar e jogar/brincar (17). A praça é bastante utilizada especialmente á

tarde e à noite, sendo o horário noturno o que mais recebeu visitantes, e o início da manhã (6h) o quemenos registrou-se usuários. Devido à presença de um ponto de ônibus foi registrada uma grandequantidade de pessoas apenas de passagem ou à espera do transporte coletivo. Além do setor 4 (pontode ônibus), a quadra também foi bastante requisitada (setor 3), indicando sua importância para o usodo espaço. É notável o uso do setor 2 (playground) para atividades de permanência (comoconversar/namorar e jogar/brincar).

No sábado  foi observada uma diversidade superior de atividades e um número maior de visitantes,sendo registrados 113 usuários, dos quais 48 estavam de passagem e 12 esperavam ônibus. Outrosusos foram computados como trabalhar (5), sentar/contemplar (3), comer/beber (15) e jogar/brincar

(22). Nesse dia o setor 4 foi o que mais recebeu usuários e o horário das 19h contou com a maiorquantidade de visitantes que jogavam/brincavam.

No domingo o lugar recebeu 108 pessoas, a maior parte nos horários da tarde (45) e da noite (39).Estar de passagem foi a atividade mais registrada (43), seguida de jogar/brincar (28). Nesse dia maishomens (43) estiveram no local, seguido das mulheres (33). Notou-se que para o público infantil apraça é um espaço de jogos e brincadeiras, para os adultos atende prioritariamente à função depassagem, embora alguns ainda conversem ou comam/bebam no local. Os setores 3 e 4 foram os maisrequisitados, sendo computadas as funções de estar de passagem e jogar/brincar com maior número deusuários. O setor 5 foi o menos utilizado especialmente no horário das 8h no qual não foramregistrados quaisquer usuários na área.

Segundo a escala proposta, o desempenho do local é avaliado da seguinte maneira (Figura 4):

- Em relação à variedade das atividades – a praça apresenta alta diversidade de atividades jáque foram registradas atividades de passagem (como ‘estar em deslocamento’, ‘esperarônibus’) e sete tipos de atividades de permanência (jogar/brincar, comer/beber,conversar/namorar, passear com pessoa/animal, contemplar), o que entendemos ser umacondição favorável à vitalidade urbana.

- Em relação à densidade de uso - a praça possui 1.793m2 e a quantidade máxima de usuáriosregistrada simultaneamente foi de 58 (no sábado às 19h), resultando em cerca de30m2/pessoa, o que representa uma densidade de uso mediana, o que é razoavelmente

favorável à ambiência urbana. 

Figura 3- Planta-baixa esquemática com setores. Fonte: Santana, 2015. 

Page 6: artigo 1 espaços públicos.pdf

7/23/2019 artigo 1 espaços públicos.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/artigo-1-espacos-publicospdf 6/10

 

6 | 10

2.3. A percepção dos usuários

De um total de 30 pessoas, foram entrevistadas 16 mulheres. A faixa etária dos participantes ficouprincipalmente entre 19 e 30 anos (12/30), havendo poucas pessoas com mais de 51 anos (04/30). Amaioria tanto residia no bairro (17/30) como trabalhava nele (26/30). Grande parte afirmou ter entre 1e 2 filhos (19/30) e era solteira (16/30) ou casada (11/30). Para esta população, as três primeiras

palavras que surgem na mente ao pensar na praça foram “abandonada” (32), seguida por “lazer” (25).Nota-se que mesmo percebendo o lugar como abandonado, ele é considerado importante para aprática do lazer sob o ponto de vista desses indivíduos. De um total de 30 pessoas, foram entrevistadas16 mulheres. A faixa etária dos participantes ficou principalmente entre 19 e 30 anos (12/30), havendopoucas pessoas com mais de 51 anos (04/30). A maioria tanto residia no bairro (17/30) comotrabalhava nele (26/30). Grande parte afirmou ter entre 1 e 2 filhos (19/30) e era solteira (16/30) oucasada (11/30). Para esta população, as duas primeiras palavras que surgem na mente ao pensar napraça foram “abandonada” (32), seguida por “lazer” (25). Nota-se que mesmo percebendo o lugarcomo abandonado, ele é considerado importante para a prática do lazer. Ao comentarem o que achamda praça, surgiram discursos que ilustram o envolvimento das pessoas com o ambiente, evidenciandosua importância como espaço de convívio. As respostas enfatizaram principalmente a necessidade de

conservação, manutenção, limpeza e segurança da área (15). Contudo, ainda houve aqueles queconsideram o lugar bom (8), assim como indivíduos que acham o local razoável ou pouco seimportam com o local (12).

A maior parte das pessoas visita o ambiente todos os dias da semana, inclusive aos sábados edomingos (12). Os horários preferidos pelas pessoas para visitação são o meio/final da tarde (12) e oinício da noite (11) não havendo qualquer menção em utilizá-la no meio do dia. Estas escolhas podemestar relacionadas ao trabalho ou estudo durante o dia, mas, também, podem ter relação com suascaracterísticas físicas (pouca arborização) que inibem seu uso em horários de grande incidência solardevido à ausência de sombra.

Muitas atividades desenvolvidas foram citadas pelos respondentes, tanto que exigem permanência,

como conversar/encontrar amigos (17) ou jogar/brincar/fazer atividade física (8) quanto maispassageiras, como só deslocar-se (7). Para a maioria das pessoas entrevistadas, quem mais visita apraça são os jovens (23) e as crianças (12), sendo o público idoso o menos citado (2).

Registrou-se um número importante de pessoas acompanhadas de crianças, como filhos ou netos (16),e adultos com namorado/a, esposa/marido, amigo/a (12). Apenas 6 costumam ir ao local sozinhos.Grande parte dos usuários se sente bem no lugar, citando sentimentos positivos como ficar feliz (12),relaxado (7), animado (5) ou confortável (5). Contudo, também foram registradas pessoas que sentem-se tristes (4), inseguras (2) ou atentas (3). Mais da metade dos entrevistados afirmou que a praça é umlocal bom (16), embora 9 indivíduos a tenham avaliado como ruim. A maior parcela dos usuáriospercebe os outros como indivíduos legais (10), amigáveis (5) ou bons (5), embora alguns também

identifiquem pessoas inconvenientes (9), referindo-se especialmente à usuários de drogas.

Figura 4- Escala de averiguação dos itens comportamentais. Fonte: Santana, 2015. 

Page 7: artigo 1 espaços públicos.pdf

7/23/2019 artigo 1 espaços públicos.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/artigo-1-espacos-publicospdf 7/10

 

7 | 10

Quanto aos itens que favorecem a permanência no lugar, a comodidade de estar próximo à residência

foi o mais citado (13) seguido de fácil localização e acesso (10) e estar próximo a comércios (5),revelando a importância da maneira da inserção do espaço na malha urbana. Outras amenidadescitadas foram: ter brinquedo/quadra (6), ser local de encontro/animado (4) e ser agradável (3), todasrelacionadas ao ambiente em si. Já os principais problemas apontados pelos usuários foram: limpeza(12), manutenção precária (16) e segurança (10) além do local ser mal frequentado (2) e ser feio (1).

A seguir, o indivíduo deveria atribuir uma nota entre 1 (péssimo) e 5 (ótimo) aos 12 itens, sendocalculada a média simples ao final. Os resultados mostraram a vizinhança (média: 3,6) como oelemento melhor avaliado, seguido da quadra (média: 3,46) e da pavimentação do ambiente (média:2,86). Os pontos com pior avaliação foram: a academia e os bancos (ambos com média: 1,0). Por fim,quanto à sugestão de mudanças no local, os usuários enfatizaram principalmente os elementosrelacionados ao mobiliário e equipamentos urbanos, como inserção de bancos (12), colocação debrinquedos infantis (9) e de uma ATI (7), a segurança e a limpeza (9).

3. UMA REFLEXÃO ACERCA DA VITALIDADE URBANA NA PRAÇA LUIZ RAIMUNDODE SOUZA.

De acordo com as análises realizadas, a PçLR teria poucas chances de atrair e manter usuários ematividades de permanência em sua área (apenas 3 itens positivos). No entanto, ao investigarmos seuuso observamos uma mescla de pessoas presentes (homens e mulheres; crianças jovens, adultos eidosos) indicando que estamos diante de espaços potencialmente utilizáveis por vários públicos, comalgumas ressalvas, especialmente no que tange à reduzida presença de idosos. Além disso, o

mapeamento mostrou que, embora homens e mulheres utilizem o local, a quantidade de homens foisuperior. Um dos motivos para isso pode ser o tipo de atividade que ocorre no local, em especial jogare comer/beber, nas quais as mulheres aparentam se envolver menos. Para as mulheres, as principaisatividades são esperar ônibus e fazer atividade física (caminhada). Essa situação parece corroborarindicações da literatura como: (i) as mulheres são mais exigentes quando à qualidade do ambiente e àspossibilidades de uso que oferece (SALLES-COSTA el al., 2003); e (ii) no desenvolvimento deatividades ‘necessárias’ (como estar de passagem ou esperar ônibus) a qualidade do local influenciamenos (GEHL, 2006).

Assim, PçLR é bastante utilizada, o que nos leva a pensar quais dos atributos investigados estãoinfluenciando mais fortemente esse uso, e na possibilidade de outros elementos também estarem

atuando no local para que a vitalidade urbana ocorra e se sustente.

A diversidade no uso do solo pode potencializar o movimento de pessoas trafegando pelo entorno,gerando maiores possibilidades do espaço ser apropriado (JACOBS, 2001; GEHL, 2006; WHYTE,2009; ALEXANDER at al., 1977). Para tanto é importante que usos não residenciais ocorram nopavimento térreo, haja presença de empreendimentos voltados às atividades como alimentação, eexistam vitrines amplas e coloridas. Na PçLR a diversidade no uso do solo é alta e comentando arelação da praça com as áreas contíguas o que ajuda a entender tais aspectos naqueles contextos,alguns usuários ressaltaram:

Todo dia venho prá padaria e dou uma paradinha aqui prá falar com opessoal... sempre acho um conhecido e rola um papo (PçLR22m28).

Page 8: artigo 1 espaços públicos.pdf

7/23/2019 artigo 1 espaços públicos.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/artigo-1-espacos-publicospdf 8/10

 

8 | 10

Aqui é caminho, sempre passo por aqui para ir e voltar do trabalho e sempre

tem um conhecido, é bom...(PçLR,13f22).

Outro item a considerar são as características das vias de tráfego veicular, que, em uma conformaçãoadequada, possibilitam a chegada das pessoas aos locais (a pé ou em veículos) e podem torná-las maisconscientes do espaço (SABOYA et. al., 2014), ampliando as chances de uso. Tal tipo de situação foiobservada na PçLR, que tem em seu raio de influência alguns PGTs de grande porte, mas a topografiada área dificulta que, ao saírem ou se dirigirem a tais empreendimentos, os indivíduos passem pelapraça.

Note-se que estes elementos atuam como suporte para o desenvolvimento das funções, sendo

fundamentais para a composição da paisagem e podendo interferir diretamente nas atividadesdesenvolvidas no lugar (DEL RIO, 1990), e não devendo representar barreiras ao movimento daspessoas. Embora na PçLR o mobiliário e os equipamentos não tenham obtido um bom desempenho naanálise espacial, todos os tipos de atividades também foram observadas no local, tais como, namorar,conversar, jogar/brincar, estar de passagem, sendo a quadra um atrativo significativo, o que corroborao estudo de Oliveira (2006), segundo o qual o esporte é um dos fatores que mais atrai os jovens para autilização dos espaços públicos, o que também está nos relatos dos usuários:

Essa quadra é a única coisa que presta nessa praça, só ela pra eu vir aqui(PçLR27f37)

Se não fosse essa quadra aqui..sei não viu?! (PçLR5m25).

Isso mostra que as quadras poliesportivas constituem uma estratégia positiva no sentido de ampliar aco-presença das pessoas nos espaços públicos, em especial jovens. Outro importante atrator depessoas para os espaços livres é a presença de locais que vendem bebida/comida (WHYTE, 2009). Napraça existem quiosques que funcionam durante a semana e nos horários em que o quiosque estáfuncionando normalmente registrou-se a presença de mais pessoas realizando atividades estacionáriasem suas mesas e cadeiras, como ilustram alguns indivíduos:

Já é coisa de muito tempo. Eu sempre venho aqui beber uma com os amigos(PçLR20m32).

Aqui é bom quando a cigarreira (quiosque) está funcionando, fica cheio de

gente, bem animado (PçLR13f25).Além disso, onde não há bancos, o mapeamento mostrou que as muretas atendem àqueles que queremsentar, mas não favorece a presença de idosos (o que talvez explique sua ausência no local). Nasentrevistas, a inexistência de bancos foi indicada como um ponto negativo, reforçando suaimportância, como mostram alguns relatos:

Difícil ficar aqui, não tem onde sentar (PçLR21f58)

Arrancaram todos os bancos, assim o jeito é sentar nesse muro aí (mureta) ea prefeitura não faz nada (PçLR14f50)

A ligação entre arborização e utilização dos ambientes da praça pode ser vista na PçLR o local mais

sombreado abriga aqueles que, nos horários de maior incidência solar, querem conversar/namorar oucontemplar, como foi enfatizado nos discursos:

Page 9: artigo 1 espaços públicos.pdf

7/23/2019 artigo 1 espaços públicos.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/artigo-1-espacos-publicospdf 9/10

 

9 | 10

Esse canto aqui (área sombreada) é mais concorrido, todo mundo fica aqui

(risos). Acho que a gente só precisa de um pouquinho de natureza, né?(PçLR17m27)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento desse estudo apontou a importância dos espaços públicos das cidades serempensados não apenas a partir de suas características morfoespaciais, mas, sobretudo, com um olharatento para suas particularidades socioculturais e com a valorização da percepção dos usuários,possibilitando a utilização do espaço público como suporte para práticas cotidianas.

Nesse sentido, em geral, os indivíduos mostram-se mais envolvidos com itens que afetam diretamenteseu bem-estar e se relacionam à imagem do lugar, demonstrando que certos elementos são maisfacilmente perceptíveis que outros, o que pode, inclusive, provocar a grande utilização de lugarespouco adequados, como a PçLR. Dentre os itens que parecem afetar consubstancialmente a vitalidadeurbana da praça estão àqueles mais próximos ao cotidiano das pessoas e mais relacionados aoambiente em si como a arborização, os equipamentos e mobiliário urbano (quadras, ATI, bancos,playgrounds) e a limpeza e conservação daquelas áreas. Embora outros elementos tenham sidoinvestigados, sua presença no imaginário coletivo aparece de maneira indireta, refletida, nos horáriosde utilização, nas atividades presenciadas, nas pessoas que transitam por eles e nas sensações esentimentos que suscitam. Assim, conclui-se que quanto maior a variedade de atividades oferecidasnuma praça, maiores as possibilidades de haver uma diversidade de usuários.

Sob esse ponto de vista, a compreensão dos elementos que constituem as praças públicas, desde a sualocalização até o mobiliário, é essencial ao seu entendimento como lugares, resultando nos usos queali se instalam, sobre os quais também tem grande influência a percepção dos indivíduos.

Almeja-se, que as proposições discutidas nesse artigo, notadamente a valorização da percepção dosusuários com elemento que conduz à participação popular nas intervenções arquitetônicas eurbanísticas, possam, de alguma maneira, fazer parte das agendas de discussões nas políticas públicasque se voltem para a implementação e conservação dos espaços livres públicos da cidade. Ressalta-se,ainda, a importância de ampliar a discussão em torno do uso e da vitalidade dos espaços livrespúblicos, em função da sua relevância para a cidade enquanto local de práticas sociais coletivas queprecisam ser mantidas.

5. REFERÊNCIAS

ALEXANDER, C., et al. (Org.).  A Pattern Language: Towns, Buildings, Construction. Nova York:Oxford University Press,1977.

CALDEIRA, T. P. R. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo:Ed.34/Edusp, 2000.

CASTELLO, L.  A percepção do lugar : repensando o conceito de lugar em arquitetura-urbanismo.Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2007.

DEL RIO, V. Introdução ao Desenho Urbano no processo de planejamento. Pini, São Paulo, 1990.

Page 10: artigo 1 espaços públicos.pdf

7/23/2019 artigo 1 espaços públicos.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/artigo-1-espacos-publicospdf 10/10

 

10 | 10

GEHL, J. La humanización del espacio urbano: la vida social entre los edifícios. Barcelona: Editorial

Reverté, 2006GOMES, P. C. C.  A condição urbana. Ensaios de geopolítica da cidade. Rio de Janeiro: BertrandBrasil, 2002.

HABERMAS, J.  Mudança estrutural da esfera pública. Investigações quanto a uma categoria dasociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

HILLIER, B. The Architecture of the Urban Object . In: Ekistics, 334 & 335 (Special Issue on spacesyntax research)): 1989. 5-22.

HOLANDA, F. O espaço de exceção. Brasília: Ed.UnB, 2002.

JACOBS, J.  Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

PEPONIS, J.  Espaço, Cultura e Desenho Urbano no Modernismo Tardio e Além Dele, Atenas,Grécia, Athens Center of Ekistics, EKISTICS, vol. 56, n. 334/5, jan-abr. 1989, pp.93-108. (Tradução:Frederico de Holanda)

SABOYA, R. T. de; BITTENCOURT, S.; STELZNER, M.; SABBAGH, C.; MORO BINS ELY, V.H. Padrões de visibilidade, permeabilidade e apropriação em espaços públicos abertos: um estudosintático. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 164.01, Vitruvius, jan/2014. Disponível em:<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.164/5015>. Acesso em 15/set/2015.

SALLES-COSTA, R; HEILBORN, M.L, et al. Gênero e prática de atividade física de lazer . Cad.Saúde pública: Rio de Janeiro, 2003. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2003000800014&script=sci_arttext> Acessado em: 01/09/2014.

SANTANA, T. C. Uma reflexão sobre a vitalidade urbana das praças de Natal/RN . Tese dedoutorado. Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal do RioGrande do Norte, 2015.

SENNETT, R.O declínio do homem público – as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia dasLetras, 1988 [1ª edição 1974].

SILVA, E. A. R da. Interação social e envelhecimento ativo: um estudo em duas praças de Natal/RN.Tese. Programa de Pós-graduação em psicologia da UFRN. Natal, 2014.

WHYTE, W. H. The social life of small urban spaces. Nova York: Project for Public Spaces, 2009.