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ARTIGOS

107Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 16(1): 107-116, abril, 2004

Fonoaudiologia em saúdepública/coletiva: compreendendo

prevenção e o paradigmada promoção da saúde

Regina Zanella Penteado*

Emilse Aparecida Merlin Servilha**

Resumo

O paradigma da saúde e promoção da saúde representa transformações importantes nos pressupostos,diretrizes, políticas, concepções e práticas em Saúde Pública/Coletiva, com repercussões na formação enos papéis sociais dos profissionais da saúde. Na Fonoaudiologia e em diversas áreas prevalecem dúvidase confusões na compreensão do conceito de Promoção da Saúde, ainda entendido como parte do modelode prevenção proposto por Leavel e Clark (1976). O objetivo deste artigo é apresentar algumas diferençasentre prevenção e Promoção da Saúde, de maneira a subsidiar reflexões e discussões sobre as tendênciasatuais e as perspectivas futuras da Fonoaudiologia em Saúde Pública/Coletiva, referenciadas pelospressupostos da Promoção da Saúde.

Palavras-chave: promoção da saúde; prevenção; saúde pública; fonoaudiologia.

Abstract

The paradigm of health and health promotion represents important transformations in the guidelines,policies, concepts, beliefs and practices of public/collective health, with repercussions on the educationand social rules of health professionals. In speech and language therapy and several other areas, doubtsand misunderstandings of the concept of health promotion still prevail and it is still understood as part ofthe prevention model proposed by Leavel and Clark (1976). It is necessary to understand the conceptsand conceptions underlying the health promotion proposal, especially regarding aspects which make itdistinct from prevention. The objective of this article is to present some differences between healthprevention and health promotion in order to subsidize reflections and discussions on the present trendsand future perspectives of speech and language therapy in public/collective health, based on the theoriesof Health Promotion.

Key-words: health promotion; prevention; public health; speech-language pathology.

* Fonoaudióloga, doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP); espe-cialista em Linguagem (CFFa); especialização em Voz (CFFa); docente do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Metodistade Piracicaba – Unimep. ** Fonoaudióloga, doutora em Psicologia (Ciência e Profissão) pela Pontifícia Universidade Católica deCampinas (PUC-Campinas); docente dos cursos de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas e da Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep.

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Resumen

El paradigma de salud y promoción de salud representa transformaciones importantes en conceptos,directrices, políticas, concepciones y prácticas en Salud Pública Colectiva, con repercusiones en laformación y en los papeles sociales de los profesionales del área de salud. En Fonoaudiología y endiversas áreas prevalecen dudas y confusiones en la comprensión del concepto de promoción de salud,aún entendido como parte del modelo de prevención propuesto por Leavel y Clark (1976). El objetivo deeste artículo es presentar algunas diferencias entre la prevención y la promoción de salud, de manera apropiciar reflexiones y discusiones sobre las tendencias actuales y las perspectivas futuras de laFonoaudiología en salud pública / colectiva, referenciadas por los conceptos de promoción de salud.

Palabras-clave: promoción de la salud; prevención; salud pública; fonoaudiología.

1 Neste trabalho preferem-se os termos “fonoaudiologia em saúde pública/coletiva” ou “fonoaudiologia comunitária” - ao termo“fonoaudiologia preventiva”; dada a restrição que este último representa à práxis fonoaudiológica, especialmente no que dizrespeito ao paradigma, enfoque ou o modelo a ser assumido, conforme será abordado mais adiante neste trabalho.2 Entende-se ator social como um sujeito reconhecido em sua autonomia, um cidadão inserido em um contexto histórico, político,cultural e social do qual ele é, ao mesmo tempo, representante , constituinte e agente, conforme Paim (1994) e L’Abbate (1994).

Introdução

A área preventivo-comunitária é uma das maisrecentes no percurso histórico da Fonoaudiologiabrasileira e encontra-se em processo de conquistade suas especificidades, da (re)construção de suaidentidade e caracterização da práxis em SaúdePública/Coletiva.1

As diretrizes e políticas de Saúde Pública na-cionais e internacionais sofreram transformaçõessignificativas nos últimos 20 anos, representadaspela proposta de Promoção da Saúde, e vêm in-fluenciando mudanças na sociedade, na concepçãode saúde e em seu modelo de atenção, na organiza-ção dos serviços, nos papéis desempenhados pelosatores sociais2 e na formação dos profissionais dasaúde. Entretanto, ainda predomina uma diversi-dade de interpretações em relação a esse conceitonas diversas profissões da saúde.

Na Fonoaudiologia, observa-se o crescenteemprego do termo Promoção da Saúde; contudo,uma análise mais cuidadosa evidencia, na maioriadas vezes, a superficialidade da fundamentaçãoteórico-conceitual e das concepções que as nor-teiam; o que leva o leitor a construir uma percep-ção às vezes equivocada de que Promoção da Saúdeseja apenas um novo nome, uma nova roupagempara a já conhecida prevenção.

Seria a promoção da saúde uma parte da pre-venção? Há diferenças entre esses conceitos?A saúde é entendida igualmente no modelo pre-

ventivista e naquele voltado à Promoção de Saúde?As ações, nos dois modelos, são divergentes?É nesse contexto que este artigo se propõe a transi-tar, buscando esclarecer algumas questões e levan-tar pontos para reflexões.

Faz-se relevante que a Fonoaudiologia acom-panhe as mudanças teórico-metodológicas do cam-po da Saúde Pública/Coletiva e, pautando-se por elas,participe do processo de implantação de uma políti-ca de saúde nacional, definindo seu papel e lugarjunto à Promoção da Saúde da população de manei-ra reflexiva, consciente, responsável e atuante.

Este artigo tem como objetivo apresentar espe-cificidades e diferenças entre os conceitos de pre-venção e promoção da saúde, e destacar algumastendências atuais e perspectivas futuras da Fonoau-diologia em Saúde Pública/Coletiva, referenciadaspelos pressupostos da Promoção da Saúde.

Inicia-se com um breve resgate do percurso daárea preventivo-comunitária, na Fonoaudiologiabrasileira, de modo a possibilitar a compreensãodas práticas, dos enfoques e das concepções teóri-cas a elas subjacentes em cada contexto histórico-social; em seguida, apresentam-se as diferençasentre os dois modelos. Por fim, destacam-se algu-mas tendências atuais e perspectivas futuras daFonoaudiologia em Saúde Pública/Coletiva, sub-sidiadas por esta nova perspectiva de entender asaúde e seus desdobramentos.

Pretende-se, com esse artigo, oferecer umacontribuição para futuras agendas de pesquisas em

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Fonoaudiologia nos eixos de Saúde Pública/Cole-tiva ou Preventivo/Comunitária, tendo como refe-rência os pressupostos da Promoção da Saúde; en-tretanto, não se tem, aqui, a pretensão de esgotar oassunto, mas sim iniciar um diálogo para fecundasdiscussões.

Metodologia

O presente trabalho refere-se a um ensaio teó-rico reflexivo (Severino, 1996) que se apóia emreferenciais interdisciplinares – em especial da Saú-de Pública/Coletiva –, e, a partir deles, apresentaalgumas peculiaridades e diferenças entre preven-ção e promoção da saúde, como ponto de partidapara discussão de algumas tendências atuais e pers-pectivas futuras da Fonoaudiologia em saúde pú-blica/coletiva, referenciada pelos pressupostos daPromoção da Saúde.

Resgate histórico

O fonoaudiólogo iniciou sua prática voltadapara a saúde escolar, nas décadas de 20, 30 e 40, nocontexto sociopolítico do movimento nacionalistae desenvolvimentista que tinha, na escola, o lugarprivilegiado para a reorganização da sociedade. Re-fletindo a ideologia do Estado Novo, a doutrina hi-gienista nacional e as idéias escolanovistas da edu-cação, as práticas de Higiene Escolar, Educação emSaúde ou Saúde Escolar configuravam um proces-so mais amplo de pedagogização da saúde, medi-calização da educação e de exclusão social que, pormeio da fixação de limites entre o normal e o pato-lógico, o saudável e o doente, localizava os proble-mas no aluno e atribuía ao indivíduo a questão dadeterminação saúde/doença mantendo longe dofoco das discussões as políticas sociais e as condi-ções de trabalho e vida da população (Gomes, 1991;Berberian, 1995; Smeke e Oliveira, 2001).

Mais tarde, entre as décadas de 50 a 70, o fo-noaudiólogo direcionou seu trabalho para os con-sultórios particulares e clínicas de reabilitação.Nesse período, surgiram os primeiros cursos deFonoaudiologia, cuja formação legitimava as prá-ticas que tinham como foco de atenção a doençaou o distúrbio da comunicação e que privilegia-vam a reabilitação clínica individual, em detrimentode ações preventivas ou de maior alcance(Masson, 1995). Tais práticas, por serem realiza-das à margem da realidade de vida da população,

configuravam-se como elitistas e excludentes, numcontexto em que a complexidade do processo saú-de/doença era reduzida à realização de testes e exa-mes e à verificação da sintomatologia, para a clas-sificação dos indivíduos como doentes ou saudá-veis, e a ação terapêutica era voltada para a neutra-lização dos sinais e sintomas observados (Fontes,1999). A concepção de saúde predominante era apreconizada em 1948 pela Organização Mundialda Saúde: saúde como “um estado de completobem-estar físico, mental e social, e não somente aausência de doenças”. Tal concepção desconside-rava os aspectos dinâmicos e processuais da con-dição de viver e obscurecia a formulação de açõese objetivos concretos na realidade cotidiana já que,nessa concepção, saúde era um estado estanque,idealizado e praticamente inatingível ou inaplicá-vel à maioria das pessoas.

A seguir, o Brasil passou por vinte anos de re-gime de ditadura militar e somente no final dos anos80, durante o processo de redemocratização do país,ocorreu a implantação da nova política de saúde, oSUS – Sistema Único de Saúde. Influenciada pe-las discussões e reestruturações internacionais nocampo da atenção à saúde, a nova política de saúdebrasileira avançou na consideração da saúde vin-culada às condições de vida da sociedade e princí-pios doutrinários de Universalização, Integridadee Eqüidade. A concretização dessa reforma sanitá-ria implica uma série de transformações: o redi-mensionamento da concepção de saúde; a reorga-nização dos serviços, mudança do modelo de aten-ção à saúde e da formação dos profissionais da saú-de; contratação de novos profissionais para os qua-dros públicos (dentre os quais o fonoaudiólogo),dentre outras.

No início da década de 90, com a significativainserção de fonoaudiólogos nos serviços públicosde saúde, constatou-se que a formação e a atuaçãodesse profissional não dava conta dos (novos) de-safios do trabalho em Saúde Pública. Aquela atua-ção elitista e excludente, focalizada no indivíduoisolado de seu contexto histórico-cultural, não maisinteressava a uma Fonoaudiologia que começava aassumir uma postura crítica perante a sua prática ea sua própria identidade.

Iniciou-se, então, segundo Cavalheiro (1996),um movimento de reflexão e de mudanças que de-veria, em conformidade com a nova política de saú-de, ampliar e redirecionar a prática fonoaudiológi-ca numa perspectiva social, coletiva e preventiva.

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Tendo à frente um novo e fecundo campo para atua-ção e reflexão nos campos da saúde e educação eimbuídos de um espírito crítico instaurador demudanças, os fonoaudiólogos começaram a pro-duzir e a publicar diversos relatos de experiênciasque apontavam a construção de conhecimentos nocampo da Fonoaudiologia preventivo-comunitária.

Instaurou-se, com Andrade (1996), um mode-lo de Fonoaudiologia Preventiva fundamentado nomodelo de Medicina Preventiva de Leavel e Clark(1976), o qual incorpora a noção de “História Na-tural das Doenças”, segundo os períodos de pato-genia (pré-patogênico, antes de a doença se insta-lar, e período patogênico, quando a doença já seencontra instalada), e propõe a divisão da preven-ção em três fases: prevenção primária, secundáriae terciária, subdivididas em cinco níveis, nas quaisaplicam-se medidas específicas, num enfoque vol-tado para indivíduos, grupos e populações de riscode adoecimento. Nesse modelo, a Promoção daSaúde compõe o primeiro momento da prevençãoprimária, ao lado da proteção específica, no perío-do pré-patogênico, e é dividida em atenção aos fa-tores meta-pessoais determinantes da qualidade devida (realidade econômica, social, cultural, políti-ca, econômica, moradia, transporte, educação sa-nitária, lazer, acesso aos serviços de saúde, direi-tos assegurados e etc.) e fatores pessoais (caracte-rísticas biológicas, psicológicas, espirituais, lingüís-ticas, sociais próximas e hábitos de vida – cuida-dos, nutrição, atividade física e etc.) que possamrelacionar-se a uma determinada patologia. O ob-jetivo da promoção da saúde, segundo esse mode-lo, é desenvolver uma saúde geral ótima, protegen-do o homem dos agentes patológicos e estabele-cendo barreiras contra tais agentes.

Essa noção dos “níveis de prevenção” orien-tou, inclusive, o estabelecimento dos “níveis deatenção”, no âmbito de sistemas de serviços de saú-de. Na busca da construção de uma prática voltadapara o coletivo e para a intervenção precoce, osfonoaudiólogos encontram, nesse modelo de pre-venção, um referencial teórico que subsidia as açõesfonoaudiológicas até os dias atuais.

Modelos que têm como fio condutor a doençae sua progressão propõem ações que envolvem eta-pas de trabalho em níveis de complexidade cres-cente, que promovem saúde quando não há doen-ça; proteger quando existe o risco de algum agravoà saúde e reabilitam quando o sujeito estiver aco-metido pela doença.

Uma análise mais acurada desse modelo pre-ventivista revela que, mesmo representando umavanço para as práticas de saúde da época, ele apre-senta limites pouco abordados no campo da Fo-noaudiologia, como o fato de não dar conta de com-preender o processo saúde-doença na complexida-de da relação homem-vida-saúde, que não abarcaas peculiaridades da comunicação e do sujeito co-municante, e que tende a negligenciar as particula-ridades dos processos subjetivos, sociais, históri-cos e culturais de cada contexto/comunidade,conforme já ressaltavam Masson (1995) e Lewis(1996).

Apesar das restrições, críticas e inadequaçõesdesse modelo para o campo da Fonoaudiologia, éele que vem referenciando os profissionais fonoau-diólogos em suas práticas em saúde pública/coleti-va, já que os mesmos parecem não reconhecer seupapel e suas ações numa sociedade tão desigual eexcludente como se apresenta a realidade brasilei-ra. Alia-se a isso uma tradição de ações em saúdesustentadas por concepções positivistas, que levamos profissionais da saúde a atuar prioritariamenteno segundo momento da prevenção primária, ouseja, na proteção específica, de indivíduos e/ou gru-pos focalizados, contra os fatores de risco causa-dores de doenças particulares. Apesar da relevân-cia desse foco de atuação, um equívoco se instauraquando a ação de proteção ganha o status de Pro-moção da Saúde que, desse modo, perde toda suaabrangência.

É este modelo que atravessa e sobrepõe-se àcompreensão do verdadeiro sentido de Promoçãoda Saúde, provocando equívocos de interpretaçãoe interferindo nos avanços conceituais.

Ocorre que, após a segunda metade da décadade 90, no Brasil, a Promoção da Saúde vem sendoreferida tendo como base os conceitos propostosnas Cartas e Declarações das Conferências Inter-nacionais, representando uma mudança de paradig-ma que desloca o eixo patologia/tratamento/con-trole/prevenção de doenças para o eixo saúde/pro-moção da saúde (Ministério da Saúde, 2001, eRocha, 2001). Nesse novo paradigma, a Promoçãoda Saúde transcende uma etapa ou “nível de pre-venção primária” para se constituir no eixo nortea-dor de toda e qualquer prática em saúde, nos di-ferentes contexto sociais (clínico, institucional ecoletivos) trazendo em seu bojo ressignificaçõesdos conceitos de saúde e doença, sujeito e educa-ção e seus desdobramentos na práxis profissional.

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A saúde passa agora a ser considerada comoum processo dinâmico, uma dimensão da qualida-de de vida, recurso para enfrentar e responder aosdesafios da vida, um direito humano fundamentalpara o desenvolvimento de uma nação. Saúde dei-xa de ser responsabilidade de instituições ou pro-fissionais específicos e passa a ser de responsabili-dade de diversos setores da sociedade envolvidosna construção e implantação de políticas públicassaudáveis e criação de ambientes saudáveis para aeqüidade e melhoria da qualidade de vida (Minis-tério da Saúde, 2001). Por conseqüência, Promo-ção da Saúde se revela como um processo de in-vestimentos e ações que propiciam o desenvolvi-mento integral e fortalecimento das pessoas, au-mentando a sua auto-estima num processo de em-poderamento. O termo emponderamento decorreda palavra inglesa empowerment, definida como

(...) um processo de ação social que promove a par-ticipação das pessoas, organizações e comunidadesno sentido de melhorar o controle individual e co-munitário, a eficácia política, a qualidade de vida ea justiça social. (Wallerstein, 1992, p. 198)

Desenvolvido por pesquisadores canadenses eamericanos, esse conceito tem suas raízes nas idéiasdo educador brasileiro Paulo Freire, para quem aeducação (em saúde) visa transformar o poder co-munitário e encorajar as pessoas a assumirem ocontrole e direcionamento de suas vidas (Freire,1969). Firma-se aqui o compromisso com o sersocial e histórico, considerado em seu contexto devida, condições de trabalho e modos de produção.

O fonoaudiólogo é, nessa nova perspectiva,chamado a se comprometer com os projetos deconstrução de uma sociedade justa e digna e desuperação das desigualdades sociais e da exclusão,tão marcantes e persistentes em nosso país. Comisso, um dos grandes desafios é contribuir para osprocessos de representação da população perante opoder, por meio da ampliação da participação e depráticas sociais que possibilitem, cada vez mais, ainclusão de classes e segmentos sociais como par-te da construção da qualidade de vida e da cidada-nia (Minayo, 2000). E, aqui, o compromisso daFonoaudiologia com a Promoção da Saúde da po-pulação e com o desenvolvimento da linguagemtranscende os limites tradicionais da clínica fonoau-diológica e das instituições públicas de saúde eeducação e supera as demandas com alterações delinguagem, de maneira a envolver, como sujeitos

das práticas de desenvolvimento da linguagem,quaisquer cidadãos em suas relações e contextossociais de convivência (Penteado, 2000). Trata-se,assim, de uma responsabilidade com os setoresexcluídos da sociedade, numa reedição do papelsocial até então representado e, mais do que isso,trata-se de ocupar um lugar social junto à promo-ção da saúde da população (lugar antes inviabili-zado). A Promoção da Saúde requer, do fonoau-diólogo, o redimensionamento de seu papel e fun-ção, muito mais amplos do que aqueles previstospelo modelo preventivista.

Mas são ainda bastante incipientes, na Fonoau-diologia, as mudanças na concepção de linguagem,sujeito, educação e saúde que contribuam nessesentido. Há muito que se avançar nas reflexões acer-ca da práxis fonoaudiológica em saúde pública/coletiva, no sentido da Promoção da Saúde. Naspalavras de Cera da Silva (2002), há a necessidadede a Fonoaudiologia trilhar novos caminhos, re-pensar suas práticas tornando-as transformadorase condizentes com os pressupostos do SUS e parti-cipar da construção de um novo modelo de aten-ção à saúde coletiva, que amplie o debate sobre osdeterminantes da saúde e o objeto de ação das suaspráticas, tendo a linguagem como condição básicapara uma vida com qualidade.

A seguir, serão detalhadas algumas diferençasentre um enfoque preventivo e aquele orientadopela Promoção da Saúde.

Prevenção e promoção da saúde –especificidades e diferenças

Soto (1997) e Czeresnia (1999) esclarecem queprevenir significa preparar, conhecer antecipada-mente, prever, evitar ou impedir que se realize umdano, um mal ou um perigo. Desse modo, o objeti-vo da prevenção é a ausência da doença. De outrolado, promover significa gerar novas perspectivas,fomentar. A Promoção da Saúde indica um olharabrangente e positivo para o desenvolvimento hu-mano, tendo como objetivo maximizar a saúde eos recursos das comunidades.

Os mesmos autores ainda explicam que a pre-venção se baseia no conhecimento do funcionamen-to das doenças e dos mecanismos para o seu con-trole e evitação. Contrariamente, a Promoção daSaúde baseia-se na identificação das necessidadese condições de vida das pessoas e atenta-se às dife-renças, singularidades e subjetividades implicadas

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nos acontecimentos individuais e coletivos de saú-de. A saúde e a qualidade de vida estão no foco daPromoção da Saúde.

Soto (1997) aponta uma similitude entre o mo-delo preventivista e aquele orientado pela promo-ção da saúde: ambos têm como meta a saúde. Ape-sar disso, há divergência na concepção de saúde sub-jacente a cada modelo. Na prevenção, saúde é com-preendida em oposição à doença e como um estadoidealizado e estanque a ser buscado. Contrariamen-te, a perspectiva da Promoção da Saúde prevê umarelação saúde-doença como processo: a saúde não éuma meta a ser atingida, mas sim um recurso positi-vo aplicável à vida cotidiana das pessoas e comuni-dades e compreendida como um componente dinâ-mico das experiências e manifestações da vida.

Outra das similitudes entre prevenção primá-ria e promoção da saúde é o enfoque coletivo, ouseja, o trabalho com grupos, comunidades ou par-celas da população. O que diferencia os dois mo-delos, contudo, são os objetivos, a metodologia econcepção de educação empregadas e o papel dapopulação envolvida nas ações.

Desse modo, na prevenção são identificadosgrupos de riscos específicos para os quais se vol-tam as ações preventivas focadas na redução e con-trole desses fatores de risco, assim como na prote-ção dos indivíduos e grupos contra tais fatores. APromoção da Saúde dirige-se não somente a gru-pos específicos, mas também à população em ge-ral, grupos, comunidades e a processos sociais,culturais e políticos que influenciam a qualidadede vida da população. Vale, aqui, lembrar que asações de promoção da saúde são extensivas a su-jeitos, ambientes – tal como as propostas de am-bientes saudáveis como escolas, hospitais, empresas,etc. – e a grupos com demandas e necessidadesespecíficas; a diferença encontra-se nas concepçõesque orientam as práticas e no foco das ações.

O foco das ações de Prevenção está nos indi-víduos e em ambientes específicos, enquanto o daPromoção está na participação de todos os setoresda sociedade na busca da transformação dos deter-minantes das condições de vida e saúde, via cons-trução de políticas públicas saudáveis e formaçãode ambientes saudáveis (Restrepo, 2001).

Os campos de ação, referenciais utilizados eos modelos de atenção à saúde também sinalizamdiferenças importantes. As atividades de preven-ção desenvolvem-se em campos mais limitados evalem-se da fundamentação e divulgação de infor-

mações técnico-científicas na busca da racionali-zação, das normatizações, das prescrições e dasrecomendações para mudanças de hábitos e com-portamentos de indivíduos e grupos de risco emserviços ou setores específicos (Czeresnia, 1999).Já na Promoção da Saúde a atividade é basicamen-te no campo social e combina diversos objetivos erecursos, que incluem o fortalecimento da popula-ção, o desenvolvimento comunitário, a construçãoda cidadania, a informação, a comunicação social,a legislação, as medidas fiscais e a educação decaráter democrática, participativa, problematizado-ra e emancipatória (Soto, 1997). Nessa perspecti-va, os modelos de atenção são sociopolítico, eco-lógicos e socioculturais, com revalorização do ter-ritório mais imediato no qual se constitui o espaçopúblico de convivência diária e favorecimento demudanças nas relações de poder voltadas à mobili-zações para a construção de políticas públicas eambientes saudáveis (Teixeira, 2001)

Prevenção e Promoção da Saúde reservam,também, diferenças de metodologia de pesquisa.Na prevenção, predominam as pesquisas quantita-tivas com base no modelo biológico e no uso dedados técnico-científicos na busca da racionaliza-ção. Na Promoção da Saúde, os modelos socioeco-lógicos sinalizam a importância das pesquisas edados de característica qualitativa e da integraçãode enfoques e metodologias a fim de responder àcomplexidade do processo saúde doença e da qua-lidade de vida.

Os dois modelos em discussão empregamações educativas em saúde, sendo, portanto, esseum ponto comum. No entanto, é nas concepçõesde sujeito e de educação e na forma de viabilizá-laque se encontram as diferenças.

A concepção de sujeito, na prevenção, implicao indivíduo que precisa de proteção e que, para obtê-la deverá assumir determinados cuidados, postu-ras, condutas, comportamentos e hábitos saudáveisevitando e afastando aqueles comportamentos ti-dos como “de risco”. A Promoção da Saúde levaem conta aspectos culturais e subjetivos e relevaos atores sociais/população com suas opções, va-lores e interpretações, reservando a eles uma parti-cipação consciente, responsável e compromissadacom um viver melhor e saudável. Desse modo, vis-lumbra-se um sujeito social, ator social de mudan-ças. A Promoção da Saúde diz respeito à constru-ção da autonomia, ao exercício da capacidade deescolha e ao fortalecimento no sentido da identifi-

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cação e transformação das condições de vida quesubjazem ao processo saúde/doença de sujeitos ecomunidades (Czeresnia, 1999).

No que respeita às ações educativas, no mode-lo preventivo, estas se dão, tradicionalmente, deforma unidirecional, nem sempre compartilhada,por vezes até autoritária e com enfoque comporta-mental que visa as mudanças de hábitos e de esti-los de vida, como sugerem Buss (2003) e Czeresnia(2003). Já a perspectiva da Promoção da Saúdesugere abordagens educativas democráticas, parti-cipantes, problematizadoras e transformadoras, quedesempenhem um papel conscientizador e liberta-dor e contribuam para o fortalecimento da capaci-dade individual e coletiva na conquista da cidada-nia (Westphal, 1998; Buss, 2003).

O avanço da Fonoaudiologia na configuração econsolidação de um lugar e de uma práxis em Pro-moção da Saúde requer, assim, a revisão das con-cepções e práticas implicadas em relação à saúde,sujeito, educação em saúde, campos e focos de ação,população alvo, modelos de pesquisa e de atenção àsaúde, enfim, uma superação de paradigma.

A fonoaudiologia na perspectivada promoção da saúdeTendências atuais e perspectivaspara o devir

Na última década, o tema saúde entra, de for-ma mais freqüente e incisiva, na pauta de discus-são da Fonoaudiologia, com um aumento signifi-cativo do engajamento dos seus profissionais emações de saúde pública/coletiva e da produção edivulgação de trabalhos e pesquisas em eventoscientíficos da área; tanto que foi criado, em 2001,o Comitê de Saúde Pública da Sociedade Brasilei-ra de Fonoaudiologia (CRFa. 2001).

O fonoaudiólogo foi se inserindo em projetossociais mais amplos, com participação em discus-sões interdisciplinares que culminaram na elabo-ração de uma proposta de inclusão da Fonoaudio-logia no Programa de Saúde da Família (CRFa2ª REGIÃO, 2002).

Apesar disso, nem sempre se verifica, nos tra-balhos fonoaudiológicos, uma concepção ampla,processual e dinâmica da saúde, nem tampouco aconsideração, pelo fonoaudiólogo, do fato de quea linguagem e a comunicação fazem diferença nasaúde e na vida das pessoas – já que propiciam aohomem reflexão sobre si mesmo e o mundo, agili-

zam a aprendizagem, induzem a participação e ca-pacitam para mudanças na busca da redução dasiniqüidades, na construção da cidadania e de umavida de qualidade.

Os cursos de graduação em Fonoaudiologia,por meio das ações de ensino-pesquisa-extensão,vêm desempenhando um papel significativo naconstrução da história da Fonoaudiologia em Saú-de Pública/Coletiva. Porém, Cera da Silva (2002)constata que ainda há um campo localizado de atua-ção para o fonoaudiólogo, de modo a ampliar osconhecimentos da população sobre os determinan-tes dos problemas fonoaudiológicos, buscar formasde superá-los e realizar atendimento integral nor-teado pelos princípios preconizados pelo SUS. Maisdo que isso, há um espaço aberto para fomentar, napopulação, a busca ativa, pela/na linguagem e co-municação, de seu lugar e papel de cidadão.

Marcadamente, um dos segmentos da Fonoau-diologia que vem avançando no sentido de realizarações coletivas em saúde é a área de voz, antes res-trita à clínica, mas que, desde 1999, vem realizando,a cada ano, eventos importantes como as quatro gran-des Campanhas Nacionais da Voz. Tais campanhas,imbuídas de prevenir alterações vocais, focalizarama doença, especialmente o câncer de laringe, man-tendo esse tema presente ainda quando o foco dacampanha foi a voz profissional, em 2002. Sem ne-gar a importância da detecção precoce das disfoniase do câncer de laringe, cabe destacar que o foco nadoença e nas alterações vocais permite classificar ascampanhas como de prevenção – a despeito do fatode elas não se dirigirem a grupos de risco, mas sim àpopulação em geral. Aqui, vislumbra-se um exem-plo de uma iniciativa de prevenção com enfoquepopulacional. Há ainda que se avançar na elabora-ção de campanhas em voz na perspectiva da Promo-ção da Saúde, no sentido de que estas venham a ex-plorar as dimensões e funcionalidades da voz na vidadas pessoas e que englobem a prevenção, sem que aela se restrinjam (Penteado, 2003).

Outra iniciativa importante na área de voz sãoos Seminários de Voz Profissional promovidos pelaPUC-SP, os quais, a partir da visão interdiscipli-nar, vêm, num crescendo, empreendendo esforçospara entender e ampliar a visão da voz no campocoletivo, a partir de seu entrelaçamento com o tra-balho humano. As questões de voz/saúde vocal in-serem-se no campo da Saúde do Trabalhador queera, tradicionalmente, área de pesquisa da Audio-logia. Essa iniciativa, promovida pela PUC-SP, tem

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propiciado fecundas discussões a respeito das rela-ções entre voz, saúde e trabalho, em que começama ser considerados as condições e a organização dotrabalho no processo saúde/doença de algumas ca-tegorias de trabalhadores que fazem o uso profis-sional da voz, tais como o professor e o operadorde telemarketing. Aqui, ao contrário do exemploanterior, nota-se que algumas experiências fonoau-diológicas, com categorias e grupos profissionaisespecíficos, representam passos importantes, quecomeçam a ser dados, na compreensão mais abran-gente do processo saúde-doença e das ações na áreade voz, na direção da Promoção da Saúde.

A Fonoaudiologia começa a se aproximar dasCiências Sociais e a fundamentar seus estudos empressupostos sociológicos, pressupondo um movi-mento dialético entre sujeito e sociedade, em que ohomem é compreendido como produtor da históriae de si próprio (Guareschi e Jovchelovitch, 2000).Isso traz implicações e novas perspectivas de en-foque nos estudos na área de saúde coletiva, es-pecialmente na Promoção da Saúde em locais detrabalho e nas questões de Saúde do Trabalhador.Assim, assume-se que o sujeito, suas percepções,representações, os usos que faz de seu corpo e asinterpretações sobre sua funcionalidade e seu pro-cesso saúde-doença são constituídos pela sociabi-lidade num contexto histórico-cultural em que ossujeitos são levados a se ajustar e a se adequar àsnormas e aos padrões da cultura nos contextos co-tidianos, inclusive no de trabalho. Então, impor-tam as condições de vida e trabalho e como o tra-balhador se deixa afetar e como interpreta essascondições (Ribeiro et al., 2002).

Nesse sentido, podem ser mencionadas algu-mas produções na área de voz, em que os proces-sos sociais e o jogo interacional assumem lugar dedestaque na compreensão da produção vocal e lin-güística (Chun, 2000). Entretanto, são incipientesos estudos que buscam as relações entre voz, tra-balho e relações sociais (Servilha, 2000; Garcia,2000). Começam a ser investigados os sentidos, aspercepções, as representações e os contextos so-ciais de vida e trabalho dos sujeitos usuários devoz profissional, na busca de uma relação de de-terminação cultural e social do processo saúde/doença vocal, especialmente quando envolve cate-gorias ou grupos sociais diversos, com oportunida-des de vida desiguais, diferenças de sujeição a ris-cos sanitários e de acessibilidade aos serviços desaúde (Algodoal, 2002; Garcia, 2000; Gobbi, 2000).

A conjugação entre Fonoaudiologia e constru-ção de ambientes saudáveis apresenta-se por de-mais incipiente. Ainda há poucos relatos de expe-riências e pesquisas que incluem temas da área fo-noaudiológica nos contextos de ambientes saudá-veis, tais como as propostas de Escolas Promoto-ras de Saúde, de Hospitais e Maternidades Saudá-veis ou Hospitais Amigos da Criança. No contextodas propostas de construção de ambientes saudá-veis, as ações fonoaudiológicas hão que ser maisabrangentes e processuais na consideração e res-posta às questões e necessidades de saúde da co-munidade, o que implica uma reestruturação da-quelas com os diferentes atores sociais envolvidos,redirecionamento do foco de atuação, ampliaçãodo leque de abrangência de sua população alvo eenvolvimento dos diversos segmentos da comuni-dade e do seu entorno (Penteado, 2002).

No tocante às ações educativas em saúde, ofonoaudiólogo começa a se aperceber que a atitu-de normativa e prescritiva, sem envolvimento dacomunidade, encontra-se em processo de falência,e procura novas formas de aproximação, sensibili-zação e comunicação com a população. Ouvir oque a população pensa, quer, sonha, planeja e, maisdo que isso, considerá-la ativa e capaz de mudan-ças (ao invés de mera espectadora ou depositáriade orientações acerca da saúde) – e, por isso, par-ceira do fonoaudiólogo nas conquista da informa-ção e da saúde – torna-se uma opção de bastanteinteresse na implementação das ações.

Para viabilizar tal mudança, a proposta de tra-balho com grupos configura-se como uma possibi-lidade de dar voz à população, pois favorece a trocade informações e conhecimentos e tende a impulsi-onar os sujeitos para transformações das condiçõesambientais, sociais e organizacionais do seu traba-lho e da sua vida. Isso favorece a construção de vín-culos significativos entre a Fonoaudiologia e a co-munidade (Penteado, 2000; Cera da Silva, 2003).

Nesse mesmo sentido, outra opção metodoló-gica que se mostra fecunda é repensar as propostasde “oficinas” e grupos fonoaudiológicos intra eextra clínica, de maneira que seu conteúdo não serestrinja às queixas apresentadas pelos participan-tes do grupo, mas, sim, que incorpore uma análisemais ampla das condições de vida dos sujeitos, nabusca da sua qualidade.

Em conformidade com um cenário mundial,de reorientação das políticas públicas em saúde, enacional, de resgate dos valores democráticos e

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Fonoaudiologia em saúde pública/coletiva: compreendendo prevenção e o paradigma da promoção da saúde

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construção da cidadania no país, a Fonoaudiologiapassa a rever as concepções e práticas que orien-tam a construção de um novo lugar social para esseprofissional; um lugar onde a Fonoaudiologia es-teja compromissada com a transformação dessarealidade desigual e excludente que se mostra nopaís. Implica saber fazer da comunicação e da lin-guagem na prática cotidiana uma ação política con-creta que visa à produção de um saber social e cul-turalmente comprometido com o partilhar de benscomuns e com a intervenção e a transformação darealidade de educação e saúde da população, queconcorra para a superação das desigualdades so-ciais e da exclusão, com melhoria da qualidade devida e Promoção da Saúde da população.

Considerações finais

A Fonoaudiologia em Saúde Pública/Coletiva,historicamente, vem construindo seu caminhar e,mais recentemente, aproxima-se de um comprome-timento com as questões sociais, coletivas e as ne-cessidades de saúde da população. Entretanto, essaaproximação necessita estar ancorada em pressupos-tos e concepções coerentes com a proposta de Pro-moção da Saúde. Conhecer essa proposta e saberdistingui-la do modelo preventivo, focado na doen-ça, representa um grande avanço. A possibilidadede esclarecimento e compreensão das similaridadese divergências entre esses dois modelos orienta osprofissionais na busca da construção de uma práxisfonoaudiológica afinada e comprometida com osdesafios da coletividade e a construção de seu saber.

O modelo preventivo obscurece e limita o pa-pel do fonoaudiólogo, enquanto, no novo paradig-ma da Promoção da Saúde, esse profissional podeocupar um lugar importante na medida em que alinguagem possa ser colocada a serviço do proces-so de empoderamento pessoal e comunitário.

A Promoção da Saúde, na perspectiva assumi-da neste trabalho, não se constitui em uma parte daprevenção; pelo contrário, ela envolve ações abran-gentes que incluem, também, a prevenção, poréma transcende. Isso ocorre pois a Promoção da Saú-de parte de pressupostos distintos daqueles do mo-delo preventivo e envolve diferentes concepçõesde saúde, sujeito e educação.

Quando a perspectiva da Promoção da Saúdeé, aqui, destacada como possibilidade interessantepara a orientação da práxis fonoaudiológica, issonão significa subestimar a importância das práti-

cas preventivas e nem, tampouco, do papel desseprofissional na prevenção das alterações e proble-mas relacionados à comunicação humana. As açõesde prevenção continuarão acontecendo, como par-te das responsabilidades do fonoaudiólogo no con-junto das ações integrantes de propostas mais am-plas de Promoção da Saúde. Entretanto, além danecessária mudança de paradigma, é preciso revi-sar as ações de prevenção quanto aos seus objeti-vos, conteúdos, formas de desenvolvimento e àsconcepções que as fundamentam, tornando-as, as-sim, condizentes com as diretrizes das Conferên-cias Mundiais de Saúde e Promoção da Saúde.

O campo de trabalho e pesquisa relativo aoeixo preventivo/comunitário ou da saúde públi-ca/coletiva configura-se como um espaço privile-giado para o encontro da Fonoaudiologia com arealidade de vida da população brasileira. Assim,nos cursos de graduação, especialização, mestra-do ou doutorado em Fonoaudiologia, o eixo deconcentração de estudos que contemplam e repre-sentam a atuação em Saúde Pública/Coletiva des-ponta como um dos que mais perfeitamente se sin-toniza com as necessidades sociais e com o mo-mento sócio-político-econômico do país, subsi-diando a formação de profissionais capazes deidentificar as potencialidades, as demandas e asnecessidades dos sujeitos e comunidades, bemcomo de equacionar os recursos teórico-práticose metodológicos mais apropriados a cada sujeito,a cada comunidade, a cada realidade.

Isso tudo evidencia a importância social e his-tórica da afirmação da área de Fonoaudiologia emSaúde Pública/Coletiva que, melhor caracterizada,representa um eixo essencial na pesquisa e na for-mação do futuro profissional e na configuração dopapel social do fonoaudiólogo na viabilização eaplicabilidade das diretrizes, políticas e propostasmundiais e nacionais de Promoção da Saúde.

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Recebido em maio/03; aprovado em março/04.

Endereço para correspondência:Regina Zanella PenteadoAvenida 41, n. 209, ap. 62 – Ed. Thétis – C.J., Rio Claro (SP)CEP: 13501-190

E-mail: [email protected]