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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ART.28, DA LEI 11.343/2006: DESCRIMINALIZAÇÃO OU DESPENALIZAÇÃO DA CONDUTA DO USUÁRIO DE DROGAS VANESSA FERNANDA RUBICK Biguaçu, 30 de maio de 2008.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ART.28, DA LEI 11.343/2006: DESCRIMINALIZAÇÃO OU DESPENALIZAÇÃO DA CONDUTA DO USUÁRIO DE DROGAS

VANESSA FERNANDA RUBICK

Biguaçu, 30 de maio de 2008.

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ART.28, DA LEI 11.343/2006: DESCRIMINALIZAÇÃO OU DESPENALIZAÇÃO DA CONDUTA DO USUÁRIO DE DROGAS

VANESSA FERNANDA RUBICK

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professora Marilene do Espírito Santo

Biguaçu, 30 de maio de 2008.

ii

AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente este Trabalho a Deus, sendo meu grande Professor da Vida, à Minha

Família que incentivou nos momentos mais difíceis da minha vida, em especial a Professora

Marilene do Espírito Santo pela atenção e dedicação proporcionada a orientação do meu

Trabalho.

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meus pais, por ter me proporcionado muito amor, me apoiando em todos

os meus caminhos percorridos durante o Curso de Graduação de Direito.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu , 30 de maio de 2008.

Vanessa Fernanda Rubick Graduanda

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduada Vanessa Fernanda Rubick, sob o

título Art. 28, da Lei nº. 11.343/2006: Descriminalização ou Despenalização da

conduta do usuário de Drogas, foi submetida em 18 de junho de 2008 à banca

examinadora composta pelos seguintes professores: Marilene do Espírito Santo

(Presidente da banca), Alceu de Oliveira Pinto Junior (membro), Helena

Nastassya Paschoal Pitsíca (membro), e aprovada com a nota 10,00 (dez).

Biguaçu, 30 de maio de 2008.

Professora Marilene do Espírito Santo Orientadora e Presidente da Banca

Professor Msc. Helena N. P. Pitsica Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

ROL DE ABREVIATURAS OU DE SIGLAS

CP Código Penal

TJ Tribunal de Justiça

§ Parágrafo

Nº. Número

ART. Artigo

OMS Organização Mundial da Saúde

SISNAD Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

DEC Decreto

ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Crime

Toda violação imputável dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, da Lei

penal. É sinônimo de delito. Para que haja configuração de crime, consideram-

se dois fatores: o material, a ação praticada pelo autor, e o moral, que é a

vontade livre e inteligente de agente. Considera-se o crime no momento em

que é cometido, mesmo que o seu resultado não ocorra imediatamente.1

Pena

Sanção de caráter civil, fiscal ou administrativo, pecuniária ou não, proveniente

de infrações previstas nas respectivas leis, e, quando às civis, também nos

contratos.2

Droga

Consideram-se drogas todas as substâncias ou produtos com potencial de

causar dependência, com a condição de que estejam relacionadas em

dispositivos legal competente.3

Despenalização

Despenalização consiste em diminuir a pena de um delito sem, entretanto,

retirar do fato o caráter de ilícito penal.4

Descriminalização

1 BENASSE, Paulo Roberto. Dicionário jurídico de bolso: terminologia jurídica. Termos e expressões latinas e uso forense. Campinas: Bookseller, 2000, p. 123. 2 HILDEBRAND, A .R. Dicionário de Termos Técnicos Jurídicos e Brocardos Latinos. Editora Mizuno, 2004, p. 247. 3 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial. 3.ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 2. 4 Webartigos.com Disponível em < http://www.webartigos.com/ >. Acesso em 8 de maio de 2008.

Descriminalização significa retirar do âmbito do direito penal, seja formalmente

ou de fato, condutas não graves e que deixaram de ser delitivas. A

descriminalização formal seria o reconhecimento legal e social de uma conduta

anteriormente criminalizada, eliminando-se nesse caso toda a ilicitude do fato.

A descriminalização de fato ocorre quando sem que tenha perdido a

competência para atuar, o sistema penal deixa de funcionar, eliminando-se

apenas a aplicação efetiva da pena, permanecendo ileso o caráter ilícito

penal.5

5 Disponível em <http:www.webartigos.com>. Acesso em 8 de maio de 2008.

SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃO ................................................................................ 1

CAPÍTULO 1 ................................................................................... 3

BREVE HISTÓRICO DE LEGISLAÇÃO ANTIDROGAS ................ 3

1.1 Preocupação mundial com a elaboração de uma Lei antidrogas.. 3

1.1.1 Breve histórico da legislação sobre drogas no Brasil ..................... 4

1.1.2 Introdução à nova Lei de drogas: Lei nº 11.343 criada em 23 de

agosto de 2006............................................................................................ 13

CAPÍTULO 2 ................................................................................. 16

CONCEITO DE CRIME, dE PENA E SUAS PRINCIPAIS

CARACTERÍSTICAS .................................................................... 16

2. 1 Caracterização e Conceituação de Crime.......................................... 16

2.1.1 Teorias sobre ação: teoria causal-naturalista, teoria social e teoria

finalista. ....................................................................................................... 18

2.1.1.1 Teoria causal – naturalista............................................................. 18

2.1.1.2 Teoria social da ação...................................................................... 19

2.1.1.3 Teoria finalista da ação .................................................................. 20

2.1.2 Estrutura do crime: tipicidade, ilicitude e culpabilidade................ 24

2.1.2.1 Tipicidade ........................................................................................ 24

2.1.2.2 Tipo objetivo ................................................................................... 25

2.1.2.3 Tipo subjetivo.................................................................................. 25

2.1.3 ilicitude ............................................................................................... 27

2.1.4 Culpabilidade ..................................................................................... 28

2.2 Breve análise do conceito de pena ..................................................... 29

2.2.1 Tipos de pena admitidos pelo Código Penal Brasileiro ................. 30

CAPÍTULO 3 ................................................................................. 37

ART. 28, DA LEI Nº. 11.343/2006: DESCRIMINALIZAÇÃO OU

DESPENALIZAÇÃO. .................................................................... 37

3.1 Conceito do delito previsto no art. 28 da Lei nº. 11.343/2006 ........... 37

3.1.1 Comparação entre o art. 28 da Lei nº. 11.343/2006 e art. 16 da Lei

nº. 6.368/1976: principais modificações. .................................................. 41

3.1.2 O uso de drogas como infração de menor potencial ofensivo (Lei

nº. 9.099/95). ................................................................................................ 44

3.1.2 O art 28 da lei nº. 11343/2006: despenalização ou

descriminalização....................................................................................... 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................... 56

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS....................................... 58

RESUMO

O presente trabalho objetivou o estudo da Lei de drogas,

ou seja, a Lei nº. 11.343/2006, com enfoque na conduta do usuário de drogas,

que está disciplinada no art. 28 da mencionada Lei. Buscou, inicialmente,

oferecer um breve histórico acerca da legislação que tinha o objetivo de

reprimir o uso de substância que cause dependência física e psíquica, e,

também, prevenir os malefícios causados pela droga. Foi realizada, também,

uma análise do crime e da pena, de modo geral, abrangendo suas principais

características. E por fim, abordou a conduta do agente que possuir droga para

consumo próprio, bem como os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais

que discutem se houve, no tocante ao delito referido, descriminalização ou

despenalização.

Palavras chave: Descriminalização. Despenalização.

Posse de droga para consumo próprio.

ABSTRACT

This research aimed to study the Brazilian Law of Drugs -

Law n. 11.343/2006, focusing on the drug use as a criminal conduct, which is

disciplined in article n. 28 of the mentioned law. It sought, initally, to present a

brief history of the legislation which had the objective of suppressing the use of

the chemical substance that causes physical and psychological dependence,

and also prevent the harm caused by drugs. It was made, also, an analysis of

the criminal conduct itself and its correspondent penalty, covering its main

features. And at last, it’s discussed the criminal conduct of possession of illegal

drugs for personal consumption, on doctrinal and judicial decisions’s views, if

whether there is decriminalization or exclusion of penalty.

Keywords: Decriminalization. Exclusion of Penalty.

Possession of illegal drugs for personal consumption.

1

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o art. 28, da Lei

11.343/2006: Descriminalização ou Despenalização da conduta do usuário de

drogas.

O objetivo deste trabalho é a análise dos entendimentos

doutrinários e jurisprudenciais, no que tange à descriminalização ou

despenalização da conduta de possuir droga para consumo próprio.

No Capítulo 1, será abordado um breve histórico da

preocupação mundial acerca da produção de uma Lei Antidrogas, e o histórico da

legislação brasileira sobre Drogas.

No Capítulo 2, será estudado o conceito de crime e de pena,

destacando as principais características dos institutos penais.

No Capítulo 3, objetivo é a análise da conduta constante no

art. 28 da Lei nº. 11.343/2006, com uma breve comparação entre as leis citadas, e

a Lei nº. 6.368/76, no que tange a conduta propriamente, bem como do rito

processual. Por fim, realizar a análise dos posicionamentos doutrinários e

jurisprudenciais da questão de que a nova lei de drogas teria operado a

descriminalização ou despenalização da conduta.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre ora tratado.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

questões:

O que se entende por despenalização?

Qual o significado do instituto penal descriminalização?

2

O art. 28 da Lei nº. 11.343/2006 despenalizou ou

descriminalizou a conduta de possuir droga para consumo próprio?

O dependente de droga pode ser apenado com pena de

prisão?

O usuário de drogas será beneficiado com o procedimento

da Lei nº. 9.099/95?

Quanto à Metodologia empregada foi utilizado o Método

Indutivo.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

CAPÍTULO 1

BREVE HISTÓRICO DE LEGISLAÇÃO ANTIDROGAS

Para realizarmos o estudo da lei de drogas, a Lei nº.

11.343/2006, é importante fazer uma retrospectiva no ordenamento jurídico

brasileiro das leis que a antecederam.

1.1 Preocupação mundial com a elaboração de uma Lei antidrogas

João Vieira, em análise da questão do uso de drogas,

afirma que:

As drogas, que hoje constituem um verdadeiro flagelo social, até a primeira década do século XX, tinha livre circulação, e drogar-se era uma escolha puramente individual, sem ser crime, e as pessoas assim faziam, por atitude estética e existencial. Com o advento dos psicotropicos (drogas que atuam sobre a mente), o seu abuso adquiriu características de uma doença social epidêmica, havendo a necessidade de estudos, de medidas restritivas à ingestão de drogas estupefacientes, especialmente entre a juventude, reforçando uma luta que não é apenas de um país, mas de toda a civilização. E o Estado usa o seu direito subjetivo de punir, tendo em vista o equilíbrio social e sua preservação, como de proteger um bem público, que é a saúde. O comércio clandestino ou facilitação de uso de entorpecentes, conforme dispunha o diploma legal, estava apenas incluso no código, dentro dos crimes contra a saúde pública, isto é, crimes de perigo comum, enquadráveis na classe geral de crimes contra a incolumidade pública.6

No mesmo sentido, João Claudino de Oliveira e Cruz,

descreve a preocupação dos governantes em relação ao uso e tráfico de

drogas:

Desde o início do século XX o tráfico e o uso de substâncias entorpecentes têm despertado profunda preocupação em todas as nações civilizadas. A predisposição a estados neuróticos e psicóticos e à criminalidade, a aniquilação da vontade, a desagregação da

6 VIEIRA, João. O magistrado e a lei antitóxico. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 03-04.

4

família, a corrupção dos costumes, o abandono dos princípios éticos de convivência social e a desintegração da unidade nacional, são alguns dos efeitos perniciosos da utilização indevida dessas substâncias. Os malefícios causados ao indivíduo e à coletividade pela difusão do consumo de entorpecentes amplamente analisados pela ciência, exigiram a elaboração de planos nacionais e internacionais de combate ao seu uso, em defesa da saúde, dos bons costumes e do bem comum.7

1.1.1 Breve histórico da legislação sobre drogas no Brasil

De acordo com Vicente Grego Filho, a primeira legislação

que abordou o tema no Brasil está nas ordenações Filipinas:

Podemos encontrar a origem da preocupação da legislação brasileira em relação ao tóxico nas ordenações Filipinas em 1603. O Código criminal do Império não tratou da matéria, mas o regulamento, de 29 de setembro de 1851, disciplinou-a ao tratar da política sanitária e da venda de substâncias medicinais e de medicamentos.8 As Ordenações Filipinas, primeira legislação brasileira no

qual punia o uso e o comércio de drogas em seu título 89 disciplinava “Que

ninguém tenha em casa rosalgar, nem a venda, nem outro material venenoso”.9

É de suma importância enfatizar o significado jurídico de

“rosalgar”, consiste “nome vulgar do óxido de arsênio, empregado como

pigmento em pirotecnia e como raticida”.10

Aduz Valdir Sznick, em sua obra, que no Brasil já

encontra-se registros de proibição e prevenção do uso e mercancia de tóxicos,

em 1737:

Já em 1737, quanto ao ópio, a Câmara de São Paulo proibia a venda, permitindo apenas a médicos, cirurgiões e boticários, estabelecendo que não se podia ter a venda “rosalgar, branco nem vermelho, nem amarelo, nem mesmo limão ou água dele, escamoneya nem ópio, outro algum gênero de medicamento venenoso. 11

Posteriormente, o Código de 1890 considerou crime as

condutas “expor a venda” ou “ministrar” substâncias venenosas, sem

7 OLIVEIRA E CRUZ, João Claudino de. Tráfico e uso de entorpecentes. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p 13. 8 GRECO FILHO, Vicente. Lei de Drogas anotada: Lei nº. 11343/ 2006. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 01. 9 Ibd

, pág 01 10 Dicionário Online da Língua Portuguesa. Disponível em <http://www.workpedia.com.br>. Acesso em 26 de abril de 2008. 11 SZNICK, Valdir. Entorpecentes. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981, p. 50.

5

autorização e sem as formalidades previstas nos regulamentos sanitários. Nas

palavras de Greco Filho:

O código de 1890 considerou crime “expor à venda ou ministrar substâncias venenosas sem autorização e sem formalidades previstas nos regulamentos sanitários. Tal dispositivo, porém, isolado, foi insuficiente para combater a onda de toxicomania que invadiu nosso país após 1914, sendo que em São Paulo chegou a formar-se, à semelhança de Paris, um século antes, um clube de toxicômanos.”12

De outro norte, a Convenção de Haia, de 1921,

impulsionou a produção de legislação sobre a questão das drogas:

A convenção de Haia, de 1921, na qual se inspirou nossa primeira legislação sobre a matéria: o Decreto nº 4. 294, de 06 de julho, modificado em 1932 e 1934. Na ocasião, a toxicofilia ainda podia dizer-se entre nós um malefício à margem, que só atemorizava o perigo de contágio.13

Greco Filho assim discorre a respeito da Convenção da

Haia:

Em dezembro de 1911, reuniu-se em Haia a primeira Conferência Internacional de Ópio, da qual resultou, em 1912, convenção internacional prejudicada em sua execução pela I Grande Guerra, tendo entrado em vigor apenas em 1921. Com a criação da Sociedade das Nações, sua convenção constituída reconheceu a atribuição de elaboração de acordos sobre o tráfico de ópio e outras drogas nocivas, tendo sido criada em fevereiro de 1921 a “Comissão Consultiva do Ópio e Outras Drogas Nocivas”.14

João Vieira, ao se referir ao Decreto nº. 4.294/1921,

esclarece que este é fruto de uma preocupação não só brasileira, mas mundial

no que concerne aos males do uso e venda de drogas:

12 GRECO FILHO, 2007, p. 01. 13 ASSEMBLÉIA GERAL DA OIPC – INTERPOL. XLII. Viena, de 2 a 9 de outubro de 1973. Das providências brasileiras no combate ao uso

de tóxicos, p. 07. 14 GRECO FILHO, op. cit., p.08

6

Antes da promulgação do Código Penal de 1940, o primeiro diploma legal reprimindo penalmente o comércio clandestino de entorpecentes foi o Dec. nº. 4.294, de 1921, sob a inspiração da Convenção de Haia, em 1912, em face da crescente difusão da toxicomania, que já se encaminhava para um flagelo mundial, ensejando a promoção de convenções e conferências, no sentido de uma conjunta ação preventiva e repressiva contra tal fato.15

Entretanto, o Decreto nº. 4.294/ 1921 não se mostrou

efetivo no combate ao uso e a venda de drogas, de forma que em 1932, novo

Decreto passou a disciplinar a matéria.

Assim esclarece Vicente Grego Filho “Por falta de

condições de efetivação da legislação também ainda incipiente, os resultados

da repressão foram precários, tendo sido, em janeiro de 1932, editado o

Decreto nº. 20.930, modificado pelo Decreto nº. 24.505, de junho de 1934”. 16

Posteriormente, foi editado o Decreto nº. 780, de 28 de

abril de 1936, na tentativa de melhor reprimir o uso e venda de drogas.

Conforme Vicente Grego Filho:

Grande impulso na luta contra a toxicomania foi dado pelo Decreto nº. 780, de 28 de abril de 1936, modificado pelo Decreto nº. 2953, de agosto de 1938. Em seguida, foi criada a Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes, pelo Decreto – Lei nº. 3114, de março de 1941, alterado pelo Decreto- Lei nº. 8647, de 1946, com atribuições de estudar e fixar normas gerais sobre fiscalização e repreensão em matéria de entorpecentes, bem como consolidar as normas dispersas a respeito. Dos trabalhos desse órgão, surgiu o projeto para a edição do Decreto – Lei nº. 891, de 25 de novembro de 1938, ainda fonte básica de nossa legislação sobre a matéria.17

João Claudino de Oliveira e Cruz, em relação ao Decreto-

Lei nº. 891/1938, acima mencionado, assevera que:

Na ordem interna, a partir de 1921, foram promulgadas numerosas leis visando a repreensão ao comércio clandestino de tóxicos. Destaca-se entre estas, o Decreto-lei nº. 891, de 25 de novembro de 1938, que enumerou as substâncias entorpecentes em geral, dispôs sobre a sua produção, tráfico e consumo, regulou a internação e interdição civil dos toxicômanos, definiu os crimes e as penas,

15 VIEIRA, 1992, p. 05. 16 GRECO FILHO, 2007, p. 02. 17 Ibd, p. 02.

7

estabeleceu a competência da Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes e deu outras providências. Em natureza criminal, as disposições do Decreto-Lei mencionado foram substituídas pelo art. 281 do Código Penal (Decreto-lei nº. 2848, de 7 de dezembro de 1940) que pune o comércio clandestino ou facilitação de uso de entorpecentes.18

Ainda sobre o Decreto – Lei 891 / 1938, Grego Filho

destaca que tal legislação foi inspirada na convenção de Genebra de 1936 e

tratou com maior abrangência o tema:

Na parte penal, o Decreto – Lei nº. 891 modificou o Decreto nº. 20.930, que havia integrado a Consolidação das Leis Penais, o qual em seu art. 159 punia ações semelhantes às do art. 281 do Código Penal de 1940. O texto do Decreto – Lei nº. 891 inspirou-se na Convenção de Genebra de 1936 e traz a relação das substâncias consideradas entorpecentes, normas restritivas de sua produção, tráfico e consumo, bem como trata da internação e interdição civil dos toxicômanos.19

Com o Código Penal de 1940, o Decreto – Lei 891 foi

alterado especificando-se ainda mais a conduta:

Art. 281. Importar ou exportar, produzir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ministrar ou entregar de qualquer forma, a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena - reclusão, de 1 (um) a 6 (seis) anos e multa de 50 (cinqüenta) a 100 (cem) vezes o maior Salário-mínimo vigente no País. § 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: Matérias-primas ou plantas destinadas à preparação de entorpecentes ou de substâncias que determinem dependência física ou psíquica. I - importa ou exporta, vende ou expõe à venda ou oferece, fornece, ainda que a título gratuito, transporta, traz consigo ou tem em depósito, ou sob sua guarda, matérias-primas destinadas à preparação de entorpecentes ou da substâncias que determinem dependência física ou psíquica; Cultivo de plantas destinadas à preparação de entorpecentes ou de substâncias que determinem dependência física ou psíquica.

18 CRUZ E OLIVEIRA, João Claudino de. Tráfico e uso de entorpecentes. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 13. 19 GRECO FILHO, 2007, p. 02.

8

II - faz ou mantém o cultivo de plantas destinadas à preparação de entorpecentes ou de substâncias que determinem dependência física ou psíquica; Porte de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. III - traz consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica; Aquisição de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. IV - adquire substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Prescrição indevida de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. § 2º Prescrever o médico ou dentista substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, ou em dose evidentemente maior que a necessária, ou com infração do preceito legal ou regulamentar: Pena - detenção de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 30 (trinta) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. § 3º Incorre nas penas de 1 (um) a 6 (seis) anos de reclusão e multa de 30 (trinta) a 60 (sessenta) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no País, quem: Induzimento ao uso de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica. I - instiga ou induz alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica; Local destinado ao uso de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica. II -utiliza o local, de que tem a propriedade, posse, administração ou vigilância ou consente que outrem dele se utilize, ainda que a título gratuito, para uso ilegal de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica; Incentivo ou difusão do uso de entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica. III - Contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso de entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica. Forma qualificada. § 4º As penas aumentam-se de 1/3 (um terço), se a substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica é vendida, ministrada, fornecida ou prescrita a menor de 21 (vinte e um) anos ou a quem tenha por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação. A mesma exasperação da pena se dará quando essas pessoas forem visadas pela instigação ou induzimento de que trata o inciso I do § 3º. Bando ou quadrilha. § 5º Associarem-se duas ou mais pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer qualquer dos crimes previstos neste artigo e seus parágrafos. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Forma qualificada. § 6º Nos crimes previstos neste artigo e seus parágrafos, salvo os referidos nos §§ 1º, inciso III, e 2º, a pena, se o agente é médico, dentista, farmacêutico, veterinário ou enfermeiro, será aumentada de 1/3 (um terço). Forma qualificada. § 7º Nos crimes previstos neste artigo e seus parágrafos as penas aumentam-se de 1/3 (um terço) se qualquer de suas fases de

9

execução ocorrer nas imediações ou no interior de estabelecimento de ensino, sanatório, unidade hospitalar, sede de sociedade ou associação esportiva, cultural, estudantil, beneficente ou de recinto onde se realizem espetáculos ou diversões públicas, sem prejuízo da interdição do estabelecimento ou local, na forma da lei penal.20

Outrossim, em 1941, tentando eliminar o mal que

alastrava a sociedade, através da fiscalização, foi elaborado o Decreto – Lei nº.

3.114, de 13 de março:

Posteriormente, em 1941, ampliou-se o sistema legislativo de combate ao mal através do Decreto – Lei nº. 3114, de 13 de março, alterado em 1946, pelo Decreto – Lei nº. 4647, que criou a Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes com atribuições de estudar e fixar normas gerais sobre fiscalização e repressão em matéria de entorpecentes, bem como de consolidar as normas dispersas a respeito. 21

Na mesma linha dispõe as chamadas Providências

Brasileiras, resultado do trabalho apresentado pela Delegação do Brasil a

INTERPOL, no combate ao uso de tóxicos, em 1942, que fixou normas acerca

do cultivo de plantas entorpecentes:

Em 1942, o Decreto-Lei nº. 4.720 fixou normas gerais para o cultivo de plantas entorpecentes e para extração, transformação e purificação de seus princípios ativo-terapêuticos. Nesse ano, entrou em vigor o novo Código Penal Brasileiro, inovando o tratamento da matéria, com quase exaustiva tipificação dos delitos. 22

Importante destacar também, que em 1957 foi criada no

Estado de São Paulo, uma Delegacia de Polícia especializada em Tóxicos,

tudo com vistas a combater o uso e o comércio de entorpecentes:

20 BRASIL. Decreto – Lei nº. 1848, Código Penal. , 7 de dezembro de 1940. Disponível em <http: www.portalmunicipal.com.br>. Acesso em 17 de março de 2008. 21 ASSEMBLÉIA GERAL DA OIPC – INTERPOL. XLII. Viena, de 2 a 9 de outubro de 1973. Das providências brasileiras no combate ao uso de tóxicos, p 08. 22 ASSEMBLÉIA GERAL DA OIPC – INTERPOL. XLII. Viena, de 2 a 9 de outubro de 1973. Das providências brasileiras no combate ao uso de tóxicos, p. 08.

10

É interessante salientar que, em 1957, foi criada no Estado de São Paulo – cidade de maior desenvolvimento e mobilidade social do País, uma Delegacia de Polícia Especializada em Tóxicos. A especialização da repressão era a contrapartida do alastramento do mal. 23

Posteriormente, Decreto – Lei nº. 159, de 10 de fevereiro

de 1967, trouxe importante inovação ao classificar como entorpecente qualquer

substância que causasse dependência, ampliando consideravelmente o rol até

então utilizado:

Diploma legal de importância na repreensão ao uso de substâncias que causam dependência física ou psíquica, foi editado, em 10 de fevereiro de 1967, o Decreto – Lei nº 159, que equiparou as substâncias capazes de determinar dependência física ou psíquica aos entorpecentes para fins penais e de fiscalização e controle. Nesta matéria, o Brasil foi o segundo país do mundo a enfrentar o problema, considerando tão nocivo quanto ao uso de entorpecente o uso, por exemplo, dos anfetamínicos, ou dos alucinógenos. 24

Ainda com o objetivo de exercer um controle efetivo sobre

as ações ligadas aos entorpecentes, nova legislação foi editada:

O decreto – lei nº. 753 completou as disposições relativas à fiscalização de laboratórios que produzam ou manipulem substâncias ou produtos entorpecentes e seus equiparados de firma distribuidoras ou depositárias e seus equiparados de firma distribuidoras ou depositarias das referidas substâncias, e distribuição de amostras. 25

Em seguida, através do Decreto – Lei nº. 385, de 26 de

dezembro de 1968, o usuário de entorpecentes e o traficante de drogas

passaram a receber a mesma pena, de modo que as duas condutas foram

equiparadas. 26

23 ASSEMBLÉIA GERAL DA OIPC – INTERPOL. XLII. Viena, de 2 a 9 de outubro de 1973. Das providências brasileiras no combate ao uso de tóxicos, p. 08 24 GRECO FILHO, 2007, p. 02-03 25 Ibd, p. 03. 26 MENA BARRETO, João de Deus Lacerda. Estudo Geral da Nova Lei de Tóxicos. – 2. ed. ver e aum. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976, p.34

11

E mais, o mesmo decreto, além da equiparação acima

mencionada passou a tratar como crime à conduta trazer consigo, modificando

o art. 281 do Código Penal.27

Em 1971, através da Lei nº. 5.726, passou-se a discutir a

questão da prevenção do uso de drogas:

Em 29 de outubro de 1971, veio à luz a Lei nº. 5.726. Esta lei não só dispõe sobre medidas preventivas e repreensivas ao tráfico e consumo de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, como altera a redação e sentido de outros dispositivos penais sobre a matéria e sua forma de processo e julgamento, agora sumária e rápida quanto necessária a uma reação pronta.28

João Vieira esclarece que a partir da Lei mencionada, o

legislador brasileiro revisou seus conceitos acerca do uso de drogas e passou

a tratar, novamente, o usuário como um indivíduo doente que necessita, não só

de punição, mas de auxílio:

A lei nº. 5.726/ 71 corrigia de algum modo o Dec. – Lei nº. 385, concedendo aos infratores viciados uma atenção diferente, não os considerando criminosos se dependentes de drogas, mas simplesmente enfermos a merecer tratamento. Infelizmente não estabelecia a nova lei à diferenciação entre experimentador e o traficante, nivelando-os num mesmo plano, o que só veio a acontecer cinco anos depois, com a promulgação da Lei nº. 6.368, sem, no entanto, diferenciar ou distinguir, esta lei, o usuário contumaz daquele que faz uso de tóxicos pela primeira vez.29

Isaac Sabbá Guimarães descreve que a Lei nº. 6.368 de

21 de outubro de 1976 foi subdividida em cinco títulos, quais sejam: da

prevenção, do tratamento e da recuperação, dos crimes e das penas, do

procedimento criminal e das disposições gerais.30

27 CRUZ E OLIVEIRA, 1973, p. 13-14 28 ASSEMBLÉIA GERAL DA OIPC – INTERPOL. XLII. Viena, de 2 a 9 de outubro de 1973. Das providências brasileiras no combate ao uso de tóxicos, p. 10 29 VIEIRA, 1992, p. 07. 30 GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxico: Comentários, Jurisprudência e Prática (à luz das leis 10.409/02 e 6.368/76). 3. ed.ver,atual e ampl. Curitiba: Juruá, 2004, p. 25.

12

Acrescenta ainda o mesmo autor:

O presente capítulo I dispõe sobre a política de prevenção, orientando-se de três vertentes principais. A primeira, arranca do principio de que o narcotráfico e o uso de substâncias entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica são verdadeiros males sociais que não podem ser tratados unicamente pelas instâncias formais de controle.Por isso que a lei firma normas de compromisso que co-envolvem as pessoas físicas e jurídicas. Ou seja, estabelece metas compromissórias entre todos, que se tornam responsáveis pelas ações de prevenção. A segunda vertente tendente à política de prevenção perfilha uma política de controle, pela qual cabe precipuamente ao Estado fiscalizar as atividades científicas, terapêuticas e comerciais de substâncias que determinem a dependência física ou psíquica, para que se evite sua má destinação. Para tanto, determina certas normas para aquelas atividades e poderes para sancionar, inclusive com a possibilidade de destruição de plantações, culturas, colheitas de plantas que possam ser utilizadas como entorpecentes ou matéria-prima para a fabricação de substâncias que determinem dependência física ou psíquica. A terceira vertente procura dar um aspecto orgânico a esta política, centralizando-a num Sistema Nacional Antidrogas.31

Neste panorama legislativo foi promulgada a Constituição

da República Federativa do Brasil, em 1988, reafirmando a necessidade de se

dar tratamento diferenciado ao usuário e o endurecimento em relação ao

traficante:

Ao entrar em vigor a Constituição de 1988 verificou-se que o tratamento diferenciado para os traficantes continuava em plena marcha. Por força de disposição constitucional o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins passou a ser inafiançável e insuscetível de graça ou indulto.32

Acrescenta ainda José Ernani de Carvalho Pacheco:

O lance derradeiro do processo de recrudescimento no trato aos traficantes deu-se com a entrada em vigor da Lei 8072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). Tal lei, de duvidosa constitucionalidade, impediu que se concedesse liberdade provisória aos acusados por tráfico, determinando mais que devem ele cumprir a pena privativa de liberdade integralmente sob regime fechado, dispondo ainda que somente pode requerer livramento condicional o condenado por tal infração quando já tiver cumprido mais de dois terço da pena, havendo alteração fundamental no tocante à questão dos prazos processuais que, a partir da entrada em vigor da citada lei, passam

31 GUIMARÃES, 2004,p. 25-26. 32 PACHECO CARVALHO, José Ernani de. Tóxicos. 6ª. Ed. Curitiba: Juruá, 1997. p. 10.

13

a, de forma inadmissível, ser computados em dobro, relativamente àqueles originalmente previstos.33

A Lei nº. 10.409, de 11 de janeiro de 2002, se propôs a

substituir a Lei nº. 6368/76:

A Lei n. 10.409, 11 de janeiro de 2002, pretendeu, enquanto projeto, substituir a Lei nº. 6.368/76, integralmente. Dada a péssima qualidade no seu aspecto mais importante, qual seja, a definição dos crimes, o Poder Executivo foi obrigado a vetar todo o capítulo III, “ Dos crimes e das penas”. De forma coerente, o Poder Executivo também vetou o art. 59 do projeto, que disporia sobre a revogação da Lei nº. 6368/76. A lei nº. 10409/2002 referia-se todas às medidas de prevenção repreensão ao tráfico ilícito de entorpecentes, ficaria afastada. Em acréscimo, outra questão que surgiu, essa pertinente e relevante, foi relativa à aplicabilidade da parte processual da Lei nº. 10.409/2002”.34

1.1.2 Introdução à nova Lei de drogas: Lei nº 11.343 criada em 23 de

agosto de 2006

Já em 2006 a Lei nº. 11.343 entrou em vigor, revogando

totalmente a Lei 6.368/76 e trazendo diversas inovações no que concerne a

repressão ao tráfico de drogas:

Pretensão de se introduzir no Brasil uma sólida política de prevenção ao uso de drogas, de assistência e de reinserção social do usuário; eliminação da pena de prisão ao usuário (ou seja: em relação a quem tem posse de droga para consumo pessoal); rigor punitivo contra o traficante e financiador do tráfico, clara distinção entre o traficante “profissional” e o ocasional; louvável clareza na configuração do rito procedimental; inequívoco intuito de que sejam apreendidos, arrecadados e, quando o caso, leiloados os bens e vantagens obtidos com os delitos de drogas.35

33 PACHECO CARVALHO, 1997. p. 10. 34 GRECO FILHO, 2007, pág. 07, 35 GOMES, Luiz Flávio. Lei de Drogas comentada artigo por artigo: Lei 11.343/2006, de 23.08.2006. – 2. ed.re., atual. e ampl. – São Paulo:

Editora Revistas dos Tribunais, 2007, p. 07

14

O novo diploma legal, substituiu a expressão substância

entorpecente por drogas, caracterizada como todo produto que cause

dependência, abrangido por esta lei.36

Com a nova redação dada à legislação sobre drogas,

com a criação da Lei 11.343/2006, não será mais a pena de prisão ao usuário

de entorpecentes cominada, aplicando-lhe assim penas alternativas, seguindo

desta forma o rito sumaríssimo da Lei nº. 9099/95, como descreve Luiz Flávio

Gomes:

Ao usuário não se comina pena de prisão. Pretende-se que ele nem sequer passe pela polícia. O infrator da Lei será enviado diretamente aos Juizados Criminais, salvo onde inexistem tais Juizados em regime de plantão. Não há que se falar, de outro lado, em inquérito policial, sim em termo circunstanciado. Não é possível a prisão em flagrante: o agente surpreendido é capturado, mas não se lavra auto de prisão em flagrante (no seu lugar, elabora-se o termo circunstanciado). A competência para a aplicação de todas as medidas alternativas é dos Juizados Criminais. Na audiência preliminar é possível a transação penal, aplicando-se as penas alternativas do art. 28. Não aceita (pelo agente) a transação penal, segue o rito sumaríssimo da Lei 9.099/95. Mas, no final, de modo algum será imposta pena de prisão, sim, somente as medidas alternativas do art. 28. A distinção entre usuário e traficante continua tendo por base o caso concreto. Devem ser levados em conta a natureza da droga, sua quantidade, local e condições da prisão, modo de vida do agente, seus antecedentes.37

Ricardo Antonio Andreucci conceitua os diferentes tipos

de usuários de drogas, conforme a terminologia da Organização Mundial da

Saúde (OMS):

A organização Mundial da Saúde adotou, segundo informes contidos em publicação da Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD (um guia para a família), a seguinte terminologia, no que se refere a drogas: Experimentador – pessoa que experimenta a droga, levada geralmente por curiosidade. Aquele que prova a droga uma ou algumas vezes e em seguida perde o interesse em repetir a experiência. Usuário ocasional – pessoa que utiliza uma ou várias drogas quando disponíveis ou em ambiente favorável, sem rupturas (distúrbios) afetiva, social ou profissional. Usuário Habitual – pessoa que faz uso freqüente, porém sem que haja ruptura afetiva, social ou profissional, nem perda de controle. Usuário dependente – pessoa

36 ANDREUCCI, 2007, p. 02 37 ANDREUCCI, 2007 p. 03.

15

que usa a droga de forma freqüente e exagerada, com rupturas dos vínculos afetivos e sociais. Não consegue parar quando quer.38

Luiz Flávio Gomes destaca sobre o rigor da nova lei de

drogas em relação ao traficante de drogas, principalmente no que tange a pena

mínima imposta, a qual foi aumentada de três a cinco anos. Por outro lado

poderá ser diminuída a pena do acusado de um sexto a dois anos, proibindo-se

a conversão da reprimenda corporal de natureza privativa de liberdade em

restritiva de direito, sendo agraciado deste benefício desde que o acusado seja

primário e não se dedique a atividades criminosas.39

Ricardo Antonio Andreucci acrescenta que para ser

concedida a redução da reprimenda corporal, ou seja, prevista do art. 33, §3 º

da Lei 11.343/ 2006, configurando delito de menor potencial ofensivo, pois a

pena é de detenção de 6 meses a 1 ano, regulada pelo procedimento da Lei nº.

9.099/95 tendo esta benesse somente o traficante que esteja oferecendo a

droga à pessoa de seu relacionamento para juntos consumirem de forma

eventual a título de gratuidade.40

No próximo capítulo será abordado o conceito de crime,

bem como as formas de penalização, com vistas a dar suporte para o terceiro

capítulo no qual a descriminalização ou despenalização da conduta “uso de

entorpecente” é o objetivo principal.

38 ANDREUCCI, 2007, p. 03. 39 GOMES, 2007, p. 08 40 ANDREUCCI, 2007, Pág 53

16

CAPÍTULO 2

CONCEITO DE CRIME, DE PENA E SUAS PRINCIPAIS

CARACTERÍSTICAS

2. 1 Caracterização e Conceituação de Crime

O conceito de crime há muito vem sendo discutido ante a

sua importância. Cesare Becarria, oferece a seguinte definição para crime:

A verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade. Cada delito, embora privativo ofende a sociedade, mas nem todo delito procura a destruição imediata. Os atentados contra a segurança e a liberdade do cidadão constituem, pois, um dos maiores delitos, e nessa classe se incluem não apenas os assassinos e os furtos praticados por plebeus, mas também os dos grandes e dos magistrados, cuja influência age a maior distância e com maior vigor, destruindo nos súditos as idéias de justiça e de dever, substituindo-as pela do direito do mais forte, igualmente perigoso para quem o exerce e para quem sofre”.41

De acordo com Luiz Regis Prado, o delito pode ser

dividido sob o critério formal, também chamado de nominal, material ou

substancial e analítico ou, ainda, dogmático:

Formal – o delito é definido sob o ponto de vista do direito positivo, isto é, o que a lei penal vigente incrimina; Material ou substancial “são socialmente danosas às condutas que afetam de forma intolerável à estabilidade e o desenvolvimento da vida em comunidade, só sendo admissível o emprego da lei penal quando haja a necessidade essencial de proteção da coletividade ou de bens vitais do individuo”; Analítico ou dogmático decompõe-se o delito em suas partes constitutivas estruturadas axiologicamente em uma relação lógica. Assim concebido, o delito vem a ser toda ação ou omissão típica, ilícita ou antijurídica e culpável.42

41 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Livraria Martins, Editora LTDA:, 1991, p. 57-59 42 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Vol.1, 3. ed.rev., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002, p 206-207.

17

Para Fernando Capez a definição de crime exige a

presença de alguns elementos: “Conduta penalmente relevante é toda ação ou

omissão humana, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma

finalidade, típica ou não, mas que produz ou tenta produzir um resultado

previsto na lei penal como crime”.43

Para o autor, delito vem a ser toda ação positiva ou

negativa exercida pelo ser humano na forma acima destacada.

Luiz Regis Prado, classifica as infrações penais da seguinte forma:

As infrações penais costumam classificar, segundo sua gravidade, em principalmente, dois sistemas: o Tripartido e o bipartido. Pelo primeiro, as infrações penais são crimes, delitos e contravenções e pelo segundo, crimes ou delitos e contravenções. O Direito Penal brasileiro, como também o alemão, o italiano e o português, entre outros, agasalha a divisão geral bipartida das infrações penais em crime ou delito e contravenção. A diferença entre eles é meramente quantitativa (gravidade da conduta/ pena). Os crimes ou delitos são punidos com penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa, e a contravenção é sancionada com prisão simples e multa.44

Sobre a concepção bipartida Fernando Capez afirma:

A culpabilidade não integra o conceito de crime. Com o finalismo de Welzel, descobriu-se que o dolo e culpa integravam o fato típico e não a culpabilidade. A partir daí, com a saída desses elementos, a culpabilidade perdeu a única coisa que interessava ao crime, ficando apenas com elementos puramente valorativos. Com isso, passou a ser mero juízo de valoração externo ao crime, uma simples reprovação que o Estado faz sobre o autor de uma infração penal.45

Ante a adoção pelo direito penal brasileiro da

classificação bipartida, importa analisar no próximo item; as teorias que

estudam a ação.

43 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 10. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006 – p. 116, V. 1 44 PRADO, 2002, p. 208-209. 45 CAPEZ, op. cit., p.112-113

18

2.1.1 Teorias sobre ação: teoria causal-naturalista, teoria social e teoria

finalista.

2.1.1.1 Teoria causal – naturalista

Damásio de Jesus esclarece que a teoria naturalista ao

estudar o comportamento humano, não objetiva analisar se a conduta praticada

pelo ser humano foi licita. Esta teoria visa aplicar as leis da natureza no campo

do Direito Penal.46

Cezar Roberto Bitencourt em análise da ação afirma:

Ação é o movimento corporal voluntário que causa modificação no mundo exterior. A manifestação de vontade, o resultado e a relação de causalidade são os três elementos do conceito de ação. Abstrai-se, no entanto, desse conceito o conteúdo da vontade, que é deslocado para a culpabilidade (dolo ou culpa).47

Damásio de Jesus argumenta que a teoria naturalista da

ação, não se mostrou eficaz, pois não soube explicar o delito omissivo,

preocupando-se unicamente com as leis da natureza, sem observância ao

caráter sociológico da conduta delituosa.48

O mesmo autor esclarece que tal teoria recebeu severa

crítica do penalista Welzel que defendeu o finalismo da teoria da ação:

Para ele, o conteúdo da vontade, que antecipa mentalmente as conseqüências possíveis de uma conduta voluntária e que dirige, de acordo com o plano do autor baseado no plano causal, o suceder externo, foi convertido pelos naturalistas em simples reflexo do processo causal externo da alma do sujeito. Além disso, a teoria mecanicista peca na doutrina da tentativa. Ela afirma que o conteúdo da vontade não pertence à conduta (ação), sendo que esta é apenas causa do resultado.Para que se diga que exista tentativa de determinado crime é preciso dizer que houve uma conduta tendente à produção de certo resultado, que o sujeito desejou produzir certo evento, não alcançando por circunstâncias independentes de sua

46 JESUS, Damásio E. Direito Penal. Parte Geral. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 230 V.1 47 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 199-200, V.1. 48 Id, 2005, p.230.

19

vontade. Então, na conduta da tentativa existe o conteúdo da vontade. Como diz Welzel, a tentativa não é um mero processo causal que não produz seu efeito, mas uma conduta que aponta a um resultado escolhido previamente; por conseguinte, uma ação na qual o conteúdo da vontade é um elemento constitutivo.49

2.1.1.2 Teoria social da ação

O objetivo da teoria social da ação é punir, através da

legislação penal a conduta exercita por determinado agente que gera grave

repercussão social.50

A teoria social objetiva esclarecer que ação é toda

conduta praticada pelo ser humano que resulta grande repercussão na

sociedade.51

Nas palavras de Damásio de Jesus, teoria social entende

como ação todo comportamento humano que resulta importante relevância

social, e que o resultado seja desejado pelo agente que praticou a conduta.52

Acrescenta ainda:

Essa teoria, como causal propriamente dita, dá muita importância ao desvalor do resultado, quando o que importa é o desvalor da conduta. Se a ação é a causação de um resultado socialmente relevante, então não há diferença entre uma conduta de homicídio culposo e um comportamento de homicídio culposo, já que o resultado é idêntico aos dois casos. A diferença será feita não na ação ou no fato típico, mas no terreno da culpabilidade. Diante disso, não se pode com propriedade falar em conduta dolosa de homicídio. Só a análise do fato diante da culpabilidade é que permitirá o emprego de tal expressão.53

Cezar Roberto Bittencourt, ainda acerca da teoria social

da ação, acrescenta:

49 JESUS, 2005, p.232. 50 CAPEZ, 2006, p. 128 51 Ibd, p. 128. 52 JESUS, 2005., p 233. 53 CAPEZ, 2006, p. 233.

20

Segundo Eb. Schimidt, para quem ao Direito Penal interessa somente o sentido social da ação, o conceito final de ação determina o sentido da ação de forma extremamente unilateral em função da vontade individual, quando deverá faze-lo de uma forma objetiva sob um ponto de vista social. A esse argumento crítico de Eb. Schmidt, Welzel respondeu afirmando que o sentido social de uma ação determina-se não só pelo resultado, mas também pela direção da vontade que o autor emprega a ação.54 O mesmo autor esclarece qual é o objetivo central da

teoria social da ação:

A teoria social da ação surgiu como uma via intermédiaria, por considerar que a direção da ação não se esgota na causalidade e na determinação individual, devendo ser questionada a direção da ação de forma objetivamente genérica. Esta teoria tem a pretensão de apresentar uma solução conciliatória entre a pura consideração ontológica e a normativa, sem excluir os conceitos causal e final da ação.55

A teoria social da ação recebeu severas criticas, haja

vista que se preocupou unicamente em estudar o desvalor do resultado,

quando na verdade, deveria dar mais ênfase ao desvalor da conduta, de forma

que, para tal teoria não há diferença entre o crime praticado dolosamente e

culposamente.56

2.1.1.3 Teoria finalista da ação

A teoria finalista da ação teve como seu maior defensor e

criador Welsel. Segundo esta teoria o estudo da ação gera efeitos na estrutura

do tipo, da ilicitude e da culpabilidade.57

Welzel esclarece que para a teoria finalista: ação não é

um acontecimento causal, mas sim, o exercício de uma atividade final:

54 BITENCOURT, 2004, p. 204- 205 55 JESUS, 2005, p.232

56 Ibd, p.205

57 JESUS, 2005, p.233

21

Ação humana é o exercício de atividade final. A ação é, portanto, um acontecer ‘final’ e não puramente ‘causal’. A ‘finalidade’ou o caráter final da ação baseia-se em que o homem, graças a seu saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as conseqüências possíveis de sua conduta. Em razão de seu saber causal prévio pode dirigir os diferentes atos de sua atividade de tal forma que oriente o acontecer causal exterior a um fim e assim determine finalmente”58 A atividade final – prossegue Welzel – é uma atividade dirigida conscientemente em função do fim, enquanto o acontecer causal não está dirigido em função do fim, mas é a resultante causal da constelação de causas existentes em cada caso. A finalidade é, por isso –dito graficamente- “vidente”, a causalidade “cega”.59 Para Welzel, a vontade é a espinha dorsal da ação final, considerando que a finalidade baseia-se na capacidade de vontade de prever, dentro de certos limites, as conseqüências de sua intervenção no curso causal e de dirigi-lo, por conseguinte, conforme a um plano, a consecução de um fim. Sem a vontade, que dirige o suceder causal externo, convertendo-o em uma ação dirigida finalisticamente, a ação ficaria destruída em sua estrutura e seria rebaixada a um processo causal cego. A vontade final sustentava Welzel, como fator que configura objetivamente o acontecer real, pertence, por isso, à ação.60

Assim, o ser humano ao praticar uma ação, poderá prever

as conseqüências que lhe poderá advir desta atitude, ou seja, sempre que se

pratica determinada conduta, busca-se alcançar os objetivos traçados,

resultando do fim desejado.

Discorre Welzel citado por Bitencourt sobre as

conseqüências do exercício de uma ação, em sob o ponto de vista da teoria

finalista:

Segundo a concepção finalista, somente são produzidas finalisticamente aquelas conseqüências a cuja realização se estende a direção final. Em outros termos, a finalidade – vontade de realização – compreende, segundo Welzel, o fim, as conseqüências que o autor considera necessariamente unidas à obtenção do fim, e aquelas previstas por ele como possíveis e com cuja produção contava. Ficam fora da vontade de realização, por conseguinte, aquelas conseqüências que o autor prevê como possíveis, mas confia sinceramente que não se produzam.61

58 WELZEL, 1970,p. 25 apud BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral.9.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, v.1,p.53. 59 Ibd. p 202

60 Ibd, p202

61 Ibd.203

22

Sobre o conteúdo da vontade Damásio de Jesus

acrescenta, que os fatos diferenciadores de um crime doloso do culposo

verifica-se, no momento em que o agente pratica a ação delituosa:

O desvalor do resultado não constitui elemento diversificador. A diferença está na ação: é o desvalor da ação que faz que um homicídio doloso seja apenado mais severamente do que um homicídio culposo, embora o resultado morte seja elementar dos dois delitos. Diante disso, viram que os crimes não se diferenciam só pelo desvalor do resultado, mas principalmente pelo desvalor do comportamento típico.62

Capez sustenta que a teoria finalista da ação se

preocupou principalmente diferenciar o crime doloso do culposo, defendendo

que o crime está preferencialmente ligado ao desvalor da ação do agente.63

Ainda sobre a vontade como parte da ação, Damásio de

Jesus completa:

A vontade finalista pertence à ação, quer dizer, aquilo que os mecanicistas chamam de conteúdo da vontade, que corresponde à vontade tendente à produção de determinado fim, pertence à conduta, primeiro elemento do fato típico. A vontade abrange: a) os meios que o agente pretende alcançar; b) os meios empregados; c) as conseqüências secundárias. O nexo finalista da ação só se estende a esses elementos, quais sejam, aos resultados propostos pela vontade. Em relação ao não proposto pela vontade, rege o principio causal.64

A propósito do conceito de dolo e culpa, o mesmo autor

os distingue da seguinte forma:

O dolo funciona como elemento subjetivo do tipo.A figura típica possui duas partes: uma subjetiva, de cunho final, e outra objetiva, de natureza causal, dirigida por aquela. Em conseqüência, o dolo retirado da culpabilidade, não constituindo espécie (teoria psicológica) ou elemento da culpabilidade (teoria psicológica-normativa), mas elemento subjetivo do tipo, integrando a conduta, primeiro elemento do fato típico. No crime culposo, a conduta descrita no tipo está integrada pela inobservância do dever de diligência na vida de relação. Quem tem habilidade para realizar uma conduta

62 JESUS, 2005, p. 233-234 63 CAPEZ, 2006, p 123

64 JESUS, op.cit, p. 234

23

“adequadamente”, deve executa-la “adequadamente”. Aquele que não possui tal habilidade deve abster-se de realizar o comportamento desejado. “Com o comportamento adequado que assim se estabelece, deve ser comparado o efetivo comportamento do agente, para verificar-se se ele é típico no sentido de um crime culposo: toda ação que não corresponder a tal comportamento adequado é típica no sentido do crime culposo”.65

O dolo é característica de toda ação que objetiva um fim

desejado, previamente arquitetado pelo infrator. Já no crime culposo, agiu de

forma imprudente, negligente ou imprudente, porém sem desejar a produção

do resultado.

A teoria finalista na forma como foi apresentada, recebeu

profundas críticas, posto que só fazia previsão da forma dolosa, sem abranger

os delitos culposos. Tal levou a reelaboração da teoria por Welzel, inserido a

forma culposa de delito:

A critica mais contundente sofrida pela teoria finalista refere-se aos crimes culposos, cujo resultado se produz de forma puramente causal, não sendo abrangido pela vontade do autor. Essas críticas levaram a Welzel a reelaborar sua concepção de culpa, primeiramente, em 1949, através do critério da finalidade potencial. Nos delitos culposos, dizia Welzel, há uma “causação que seria evitável mediante uma atividade finalista”. No entanto, as contundentes e procedentes criticas de Mezger, Niese e Rodriguez Munoz, segundo os quais a constatação da evitabilidade da causação, através de uma atividade finalista, já implica o juízo de culpabilidade, obrigaram Welzel a abandonar o critério da finalidade potencial, e reestruturar a sua concepção, admitindo a existência de uma ação finalista real dos crimes culposos, cujos fins são, geralmente, irrelevantes para o Direito Penal1. Com efeito, nos crimes culposos, na verdade, decisivos são os meios utilizados ou a forma de sua utilização, ainda que a finalidade pretendida seja em si mesma irrelevante para o Direito Penal. Assim, Welzel passou a afirmar que “o conteúdo decisivo do injusto nos delitos culposos consiste, por isso, na divergência entre a ação realmente empreendida e a que devia ter sido realizada em virtude do cuidado necessário”.66

Cezar Roberto Bitencourt faz uma breve comparação

entre as três teorias da ação:

Teoria causal leva à imputação do resultado e ao desvalor do resultado; a teoria finalista destaca a natureza intencional da ação e o desvalor desta; e, finalmente, a teoria social insere o contexto social

65 JESUS, 2005, p. 236

66 BITENCOURT, 2004, p. 203

24

geral na valoração da ação. Em outros termos, a teoria causal da ação não considera a essência da ação humana, mas a possibilidade de atribuir determinado resultado a dita ação. As teorias final e social, ao contrário valorizam a essência da ação humana em si, embora sob ponto de vista distintos: a teoria final da ação em relação ao fenômeno humano interno, e a teoria social enquanto acontecimento da vida social comum.67

Após a análise das teorias da ação, será abordado, no

próximo item, o crime e sua estrutura.

2.1.2 Estrutura do crime: tipicidade, ilicitude e culpabilidade

2.1.2.1 Tipicidade

É importante enfatizar a diferença entre tipo e tipicidade.

Podemos conceituar como tipo à “descrição do comportamento proibido e

compreende as características objetivas e subjetivas do fato punível. Já a

tipicidade é a adequação do fato humano ao tipo de ilícito contida na norma

incriminadora”.68

A tipicidade penal é abrangida por elementos objetivos,

ou seja, os elementos contidos na norma penal incriminadora e também de

elementos subjetivos.69

Acrescenta Dotti, que elemento subjetivo consiste “a

caracterização do delito penal a demonstração de elementos internos”.70

Esclarece Capez o que se entende por elementos

objetivos e subjetivos:

Elementos objetivos referem-se ao aspecto material do fato. Existem concretamente no mundo dos fatos e só precisam ser descritos pela norma. São elementos objetivos: o objeto do crime, o lugar, o tempo, os meios empregados, o núcleo do tipo (verbo). Elementos subjetivos (internos) do tipo são os que pertencem ao campo psíquico-espiritual e ao mundo da representação do autor. Encontra-

67 BITENCOURT, 2004, p 207 68 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 311 69 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.115. 70 DOTTI, op.cit., p. 313..

25

se, antes de tudo, nos denominados ‘delitos de intenção’, em que uma representação especial do resultado ou do fim deve ser acrescentada à ação típica executiva como tendência interna transcedente.71

2.1.2.2 Tipo objetivo

Os tipos objetivos apresentam elementos descritivos,

normativos e subjetivos. Nos elementos descritivos está a conduta praticada

pelo agente que é punível pela norma penal incriminadora. E verificada pelo

simples conhecimento, sem que se tenha que recorrer a qualquer avaliação. Já

nos normativos a apreciação, não depende exclusivamente do conhecimento

cognitivo, pois necessita de interpretação, e por último, o elemento subjetivo,

caracteriza-se pela avaliação interna do sujeito que praticou a conduta punível,

que no caso é o dolo e a culpa.72

2.1.2.3 Tipo subjetivo

O tipo subjetivo é composto pelo dolo, culpa, e a

preterintencionalidade. O dolo pode ser classificado como direto, ou seja, o

indivíduo quis que o resultado se consumasse, e dolo eventual, quando o

agente assumiu o risco do resultado.73

Para René Ariel Dotti, a configuração do dolo como

elemento típico, é fruto da reforma feita no Código Penal em 1984, a qual

permite a classificação do dolo em genérico e específico, a qual recebe críticas

na doutrina:

Com a reforma de 1984, a localização do dolo efetivamente no interior do fato típico e não como elemento de culpabilidade, segundo antigo e superado entendimento. Uma parte da doutrina ainda admite

71 CAPEZ, 2006, p. 194-195. 72 DOTTI, 2005.,p. 312-313 73 Ibd,p. 313/315

26

a divisão estabelecida pela doutrina clássica em dolo genérico e dolo especifico. O dolo seria genérico quando o agente se limita a realizar a um fato proibido (ou se omitir de uma ação esperada), querendo o resultado como expressão de vontade ou assumindo o risco de sua ocorrência; e seria especifico quando revelasse uma particular direção de conduta ou um fim especial. Ferri denunciava o equívoco dessa classificação em termos irredutíveis, esclarecendo que o dolo específico (consistindo no fim proposto pelo delinqüente) é, em cada crime, inseparável do dolo genérico (consistindo na intenção e na vontade), porque ninguém (exceto nos casos de ação inconsciente) age sem um escopo a conseguir, isto é, sem um motivo determinado.74

A culpa, por sua vez, é característica de uma forma de

realização da conduta, não descrita na norma penal, e que consiste na

comparação da conduta do agente em relação do indivíduo que pratica

determinado ato com prudência, analisando todas as circunstâncias que podem

ocasionar de determinado ato, gerando dano a terceiros.75

Damásio de Jesus assim define culpa:

Culpa é elemento do tipo, faz-se referência à inobservância do dever de diligência. A conduta torna-se típica a partir do instante em que não se tenha manifestado o cuidado necessário nas relações com outrem, ou seja, a partir do instante em que não corresponda ao comportamento que teria dotado de discernimento e prudência, colocada nas mesmas circunstâncias que o agente. A inobservância do cuidado necessário objetivo é elemento do tipo.76

No mesmo sentido René Ariel Dotti, liga a culpa à

violação do dever de cuidado:

Existe crime culposo quando o agente, violando o dever de cuidado objetivo a que está obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado previsível ou, prevendo-o, supõe leviamente que o mesmo não ocorreria ou que poderia evitá-lo. A imprudência consiste na inconveniência, falta de cautela ou de precaução exigíveis nas circunstâncias do atuar concreto; a negligência significa desatenção ou o desleixo, enquanto a imperícia é a falta de habilitação ou de experiência para desenvolver uma atividade. A primeira hipótese se caracteriza pelo comportamento ativo; a segunda por uma conduta passiva.77

74 DOTTI, 2005,p. 313 75 CAPEZ, 2006, p. 206. 76 JESUS, 2005, p. 297. 77 DOTTI, 2005, p. 314-315.

27

Ainda, a culpa se divide em inconsciente e consciente. No

primeiro caso, embora o resultado seja previsível, o agente não o prevê, mas

ainda assim viola o dever de cuidado. Por outro lado, na culpa consciente, o

indivíduo prevê o resultado, mas acredita que este não ocorrerá, ante a

confiança em sua habilidade.78

E por fim, a preterintencionalidade é a junção da

modalidade do dolo com culpa, com discorre Bitencourt: “Crime preterdoloso ou

preterintencional tem recebido o significado de crime cujo resultado vai além da

intenção do agente, isto é, a ação voluntária inicia dolosamente e termina

culposamente, porque, a final, o resultado efetivamente produzido estava fora

da abrangência do dolo”.79

Sobre a estrutura do crime, cumpre analisar também a

ilicitude.

2.1.3 ilicitude

Fernando Capez conceitua ilicitude como “a contradição

entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas

tornam-se ilícitas”.80

A ilicitude penal pode ser classificada em formal e

material. A formal consiste na contradição entre a conduta praticada pelo

agente e o que está prescrito no ordenamento jurídico penal, sem se perquirir o

caráter sociológico do fato, já no ilícito material o que se tem é a contrariedade

do fato em relação ao conceito de justiça.81

René Ariel Dotti, assevera os elementos da ilicitude:

A ilicitude tem como elementos: a) uma conduta humana; b) uma lesão ou um perigo de lesão de um bem; c) a proteção desse bem. Quanto ao primeiro, mantém-se o dogma segundo o qual somente os eventos são produzidos pela vontade humana são suscetíveis de merecer a qualificação jurídica de ilicitude. O segundo elemento reafirma o conceito material de ilicitude, fazendo perder substância a

78 BITENCOURT, 2004, p. 314 79 Ibd, p. 285. 80 CAPEZ, 2006, p. 268. 81 Ibd, p. 271.

28

artificiosa classificação entre ilicitude formal e ilicitude material. A concepção unitária de ilicitude é fundamental posto que permite a admissão das causas supralegais de justificação ao lado das causas legais. Sob outro aspecto, a visão material da ilicitude confere maior dinamismo ao sistema penal, provocando os movimentos de descriminalização, despenalização, neocriminalização ou neopenalização, segundo a flutuação dos interesses individuais e sociais que cercam os bens jurídicos. Finalmente, é através do ordenamento positivo que a ilicitude se completa, máxime porque dentro de uma visão finalista do tipo – que inclui o dolo e a culpa stricto sensu -, a ilicitude será sempre uma ilicitude típica.82

Completando o estudo acerca da estrutura do crime,

passa-se à análise da culpabilidade.

2.1.4 Culpabilidade

Para Julio Fabbrini Mirabete, culpa é diferente de

culpabilidade: “As palavras culpa e culpado tem sentido lexical comum de

indicar que uma pessoa é responsável por uma falta, uma transgressão, ou

seja, por ter praticado um ato condenável”.83

No mesmo norte, Damásio de Jesus esclarece que

culpabilidade “é a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o

homem um fato típico e antijurídico”.84

É importante enfatizar que o ordenamento jurídico, em

relação à culpabilidade, adotou a concepção normativa, no qual “a

culpabilidade não consiste, somente na voluntariedade de um evento ilícito

(concepção psicológica), mas também, em ser ilícita à vontade de que o crime

provém”.85

Ainda, Neste sentido, Fernando Capez destaca segundo

disposta na teoria finalista da ação, a culpabilidade não integra o conceito de

crime, mas sim é pressuposto para a aplicação da os elementos da

culpabilidade quais sejam: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude,

exigibilidade de conduta diversa:

82 DOTTI, 2005, p. 334. 83 MIRABETE, 2001, p. 195. 84 JESUS, p. 155. 85 DOTTI, 2005,p. 344.

29

Imputabilidade é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com este entendimento. O agente deve ter condições física, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter condições de controle sobre sua vontade. Potencial consciência da ilicitude (Erro de Direito – efeitos) – o descumprimento da lei é inescusável, pois ninguém pode deixar de cumpri-la alegando que não conhece.Exigibilidade de conduta diversa consiste na expectativa social de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente. Somente haverá exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar do sujeito que tivesse atuado de outra forma.86

Feita a análise da estrutura do crime, importa estudar a

pena e suas características.

2.2 Breve análise do conceito de pena

Para Paulo Roberto Benasse, pena é “Sanção prevista

em todos os ramos do direito para quem infringe os seus mandamentos: prisão,

multa, perda de posse.”87

Na mesma linha, Edmundo José de Bastos Júnior define

pena:

A pena é em geral definida como um sofrimento imposto pelo estado ao autor de uma infração penal. Os estudos sobre os fundamentos e fins da pena compreendem três grupos de teorias: absolutas; relativas; mistas. As teorias absolutas sustentam que a pena é exigência de justiça e sua finalidade é exclusivamente retributiva; é o mal justo que se opõe à injustiça do mal praticado pelo criminoso. As teorias relativas atribuem à pena um fim unitário, de prevenção, que é geral, como forma de intimidação aos criminosos potenciais, e especial, quando aplicadas a quem delinqüiu. As teorias mistas buscam a conciliação das outras: afirma-se o caráter retributivo da pena, mas sua finalidade, além da prevenção geral e especial, é a recuperação do criminoso.88

O ordenamento penal brasileiro entende como pena uma

espécie de castigo, imposto ao agente que praticou conduta definida como

crime. Ainda, como finalidade da pena, o direito brasileiro adotou a teoria mista,

86 CAPEZ, 2006, p. 306/320/326. 87 BENASSE, 2000, pág. 250. 88 BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em Exemplos Práticos. Florianópolis: OAB/SC, 2000, p. 152.

30

de forma que a sanção serve como retribuição pelo mal causado, bem como

prevenção especial, atingindo o próprio agente e, geral, direcionada a toda a

sociedade.

As penas podem ser classificadas em corporais;

privativas de liberdade; restritivas da liberdade; pecuniárias e privativas ou

restritivas de direitos:

Penas corporais são as se aplicam diretamente sobre o corpo do condenado, lesando-lhe a integridade física ou eliminando a própria vida, como as mutilações, açoites e a morte. As penas privativas da liberdade retiram o criminoso de seu ambiente social, confinando-o por certo tempo, ou mesmo para sempre. Restritiva da liberdade são as penas que limitavam o direito de locomoção do condenado, como o banimento. A pena pecuniária atinge o patrimônio do delinqüente, forçado a pagar importância fixada na sentença. Nesta classificação se inclui também o confisco, comum nas leis antigas, como as Ordenações. Privativas ou restritivas de direito são penas que impedem os suspendem o exercício de direito, como o pátrio poder ou desempenho de atividade profissional, ou impõem prestação de serviços comunitários. Seu emprego vem crescendo amplamente como alternativa à privação da liberdade.89

2.2.1 Tipos de pena admitidos pelo Código Penal Brasileiro

As penas adotadas pela legislação penal brasileiro são:

as privativas de liberdade, restritivas de direito, multa.90

2.2.1.1 Pena Privativa de Liberdade

A pena privativa de liberdade é a sanção mais grave

prevista no Código Penal, posto que restringe a liberdade do agente, retirando-

o do convívio social.91

René Ariel Dotti, sobre a execução da pena privativa de

liberdade, esclarece:

89 BASTOS JÚNIOR, 2000, p. 153. 90 GOMES, Luiz Flávio (Org.). Constituição Federal, Código Penal, Código de Processo Penal; obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais. 8. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pág 325.

91 DOTTI, 2005, p 448.

31

A pena privativa de liberdade é executada em meio fechado e em meio livre. Os estabelecimentos destinados ao primeiro tipo de cumprimento da pena são a penitenciaria e as colônias. E o reservado para o segundo tipo é a casa do albergado, que se caracteriza pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga. A pena de perda da liberdade também se executa em meio livre através das modalidades de recolhimento domiciliar e do cumprimento das condições do livramento condicional.92

Damásio de Jesus ainda enfatiza a distinção entre pena

de reclusão e pena de detenção, não corresponde somente à espécie de

regime, mas também ao estabelecimento penal de cumprimento (segurança

máxima, média e mínima).93

Esclarece Julio Fabbrini Mirabete, quais são as distinções

entre reclusão e detenção como regime de cumprimento da pena:

Enquanto na lei anterior se estabelecia uma diferença na execução, consistente no facultativo isolamento absoluto por um período não superior a três meses exclusivamente para a reclusão, a distinção cinge-se agora ao disposto no art. 33, em que possibilita o cumprimento da pena de reclusão nos três regimes (fechado, semi-aberto, aberto) e a detenção apenas nos dois menos severos. Permite-se, porém, no caso de regressão, que o condenado a pena de detenção venha a cumpri-la em regime fechado. Tratando-se de crime a que é cominada pena de detenção e, sendo o agente inimputável, faculta-se ao juiz a substituição da medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico pela sujeição a tratamento ambulatorial. A contrario sensu, se ao crime é praticado pelo inimputável é cominada abstratamente pena de reclusão, aplica-se à medida de segurança detentiva. Além disso, a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, como efeito da condenação, só ocorre quando o agente for condenado por crime a que é cominada abstratamente pena de reclusão.94

Outra espécie da pena privativa de liberdade é a prisão

simples, que é imposta às contravenções penais. A pena corporal é cumprida

em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime

prisional semi-aberto ou aberto.95

2.2.1.2 Pena Restritiva de Direito

92 Ibd, p. 448. 93 JESUS, 2005, p. 523-524. 94 MIRABETE, 2001, p. 253. 95 DOTTI, 2005, p. 451.

32

As penas restritivas de direito têm como objetivo central

restringir determinados direitos do agente.96

Julio Fabbrini Mirabete, classifica as penas restritivas de

direito em únicas, conjuntas, paralelas e alternativas:

No que tange a sua aplicabilidade, as penas podem ser classificadas como: únicas – quando exige uma só pena e não há qualquer opção para o julgador; conjuntas – nas quais se aplicam duas ou mais penas (prisão e multa) ou uma pressupõe a outra (prisão com trabalhos forçados); paralelas – quando se pode escolher entre duas formas de aplicação da mesma espécie de pena (por exemplo, reclusão ou detenção); alternativas – quando se pode eleger entre penas de natureza diversas (reclusão ou multa, por exemplo).97

René Ariel Dotti acrescenta que:

Atualmente, as penas restritivas de direito previstas no art. 43 do Código Penal são as seguintes: a) prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; d) interdição temporária de direitos; e) limitação de fim de semana. E as penas de interdição temporária de direitos se subdividem em: a) proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como mandato eletivo; b) proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; c) suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; d) proibição de freqüentar determinados lugares.98

Damásio de Jesus entende que as penas restritivas de

direito são de natureza autônoma, ou seja, não consiste em pena corporal

acessória, e portanto, não depende de sanção detentiva. As penas alternativas

têm caráter substitutivo, de modo que, primeiramente o magistrado deve aplicar

as sanções de natureza privativa de liberdade e, posteriormente, se o acusado

preencher os requisitos previstos na Lei, substitui por medidas alternativas,

destacando que devem ser aplicadas diretamente, mas não de maneira

cumulativa com as privativas de liberdade.99

96 DOTTI, 2005, p. 452. 97 MENDES, Nelson Pizzoti (2001). apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 17.ed. São Paulo: Atlas, 2001. 54-99. 98 DOTTI, Op.cit., p. 452-453. 99 JESUS, 2005, p. 532.

33

A prestação pecuniária consiste no pagamento de uma

quantia em dinheiro à vítima, pelo bem que foi lesionado. Os crimes que

geralmente admitem este tipo de imposição penal são os delitos praticados

contra os meios ambientais.100

René Ariel Dotti afirma que a prestação pecuniária

“consiste no pagamento em dinheiro a vítima, a seus dependentes ou a

entidades públicas ou pública com destinação social, de importância fixada

pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e

sessenta salários mínimos”.101

Julio Fabbrini Mirabete faz a distinção em prestação

pecuniária e multa reparatória:

Não se confunde a pena prestação pecuniária com a de multa reparatória, cominada no art.297 da Lei nº. 9503, de 23-9-97 (Código de Trânsito Brasileiro), uma vez que esta somente é cabível quando houver dano material ao ofendido, causado pelo ilícito, enquanto aquela é admissível ainda na ausência de prejuízo individual. Havendo dano à vítima, a quantia apurada será a ela destinada ou, na sua falta, a seus dependentes; caso contrário o produto irá para entidade pública ou privada com destinação social, por decisão do juiz encarregado da execução. Caso o ofendido venha propor ação de reparação civil, ou a execução civil da sentença condenatória penal transitada em julgado, o valor referente à prestação pecuniária pago ao ofendido será descontado do total da condenação civil ou penal. Dispõe ainda, no art. 45, §2, que se houver aceitação do beneficiário, ou seja, do ofendido ou da entidade pública ou privada com destinação social, a prestação pecuniária poderá constituir-se, por decisão do juiz, em prestação de outra natureza, como, por exemplo, o fornecimento de cestas básicas. É obrigatória, pois a consulta ao beneficiário, pelo juiz da execução, para que se efetue a referida substituição.102

A perda de bens e valores é espécie de pena restritiva de

direito, consistente na retirada da esfera de proteção do condenado, bens de

sua propriedade, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, sendo que o valor

poderá atingir o dano causado pelo agente à vítima.103

Sobre bens e valores, René Ariel Dotti define:

Para os efeitos do dispositivo previsto no art. 43, II, do CP, entende-se por bem a coisa material ou imaterial que tem valor econômico e

100 MIRABETE, 2001, p. 269. 101 DOTTI, 2005, p. 459. 102 MIRABETE, op.cit., p. 269. 103 MIRABETE, p. 269.

34

pode servir de objeto a uma relação jurídica. São caracteres essenciais: a) idoneidade para satisfazer um interesse econômico; b) gestão econômica autônoma; c) subordinação jurídica ao seu titular; d) possibilidade de ser apropriado1. De um modo geral, consideram-se valores as coisas que têm interesse econômico. No sentido especifico, são os títulos de crédito, públicos ou particulares e outros bens disponíveis representativos de dinheiro que podem ser negociados na Bolsa.104

A prestação de serviços à comunidade consiste no

cumprimento por parte do condenado, de tarefas determinadas, como forma de

cumprimento de pena.105

No que concerne ao cumprimento da prestação de

serviço à comunidade ou a entidades públicas esclarece Julio Fabbrini

Mirabete:

O trabalho é gratuito e, por isso, já se afirmou que a prestação de serviços à comunidade “corresponde o autêntico trabalho imposto ao condenado, ou seja, verdadeiro trabalho forçado, de há muito banido de nossa legislação penal”. Trata-se, porém de pena amplamente aceitável, de um ônus para o condenado, e não de uma relação de emprego. Certamente, o sentenciado preferirá submeter-se a essa sanção a afrontar a pena privativa de liberdade, quando o trabalho também é obrigatório. Essa pena atende às exigências da retribuição sem degradar ou corromper.106

Na interdição temporária de direitos verifica-se a restrição

do exercício de determinados atos e do gozo de direitos. René Ariel Dotti

assinala que a busca a palavra interdição no vocábulo latim advém de

“interdictio, de interdicere (proibir, vedar) e exprime, em amplo sentido, toda

proibição relativa à prática ou à execução de certos atos ou à privação de

certas faculdades”.107

O Código Penal, sobre as penas de interdição

temporárias de direitos, prevê:

Art.47. As penas de interdição temporária de direitos são: I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;

104 DOTTI, 2005, p. 461. 105 Ibd, p 463. 106 MIRABETE, 2001, p. 270-271. 107 DOTTI, 2005, p. 467-468.

35

II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo IV – proibição de freqüentar determinados lugares.108

A respeito da pena restritiva de direito, na modalidade de

interdição temporária de direito, Fernando Capez discorre:

Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como mandato eletivo – trata-se de pena especifíca, uma vez que só pode ser aplicada ao crime cometido no exercício do cargo ou função, com violação de deveres a estes inerentes, e desde que preenchidos os requisitos legais para a substituição. Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, autorização ou licença do Poder Público – também se trata de restritiva específica, pois só se aplica aos crimes cometidos no exercício da profissão ou atividade e se houver violação de deveres a estas relativos. Suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veículo – cuida-se aqui de pena específica, só aplicável aos delitos culposos de trânsito (não se enquadram nessa categoria os veículos movidos à tração animal e propulsão humana). Proibição de freqüentar determinados lugares – além de pena restritiva de direitos, funciona como sursis especial, conforme disposto no art. 78,§2º,a, do Código Penal.109

A limitação de final de semana, última espécie de sanção

de restritiva de direito consiste no confinamento do condenado nos finais de

semana, ou seja, sábado e domingo, em casa de albergado, sendo que lá será

proporcionado cursos e palestras, com o intuito educativo, com duração de

cinco horas diárias.110

A pena de multa consiste prestação pecuniária adotada

pelo Código Penal, tem como objetivo central, a obrigação do condenado a

pagar determinado valor pecuniário, o qual será fixado na sentença, em dias-

multa. A multa tem as seguintes características: “(a) não implica perda da

liberdade e não tem caráter infamante como ocorre com a prisão; b) não

restringe direitos como ocorre com a prestação de serviços gratuitos e outras

sanções de direitos; c) deve ser proporcional às condições econômicas do

condenado”.111

108 GOMES, Luiz Flávio (Org.). 2006, pág 325.. 109 CAPEZ, 2006, p. 408-409. 110 MIRABETE, 2001, p. 275. 111 DOTTI, 2005, p. 459.

36

A multa pode ser dividida em penitenciária quando o valor

é destinada ao Fundo Penitenciário Nacional, ou reparatória, quando visa

restituir a vítima do dano causado em virtude do crime praticado de autor da

infração penal.112

Feita a análise do crime e da pena, no terceiro capítulo

será abordada a conduta do usuário de droga, mencionada no art. 28 da Lei nº.

11.343/2006. Como finalidade deste último capítulo é apresentar os

argumentos que sustentam a descriminalização ou a despenalização da

conduta expressa no art. 28, da Lei citada.

112 Ibd, p. 459-460

37

CAPÍTULO 3

ART. 28, DA LEI Nº. 11.343/2006: DESCRIMINALIZAÇÃO OU

DESPENALIZAÇÃO.

3.1 CONCEITO DO DELITO PREVISTO NO ART. 28 DA LEI Nº.

11.343/2006

Primeiramente, para iniciar o estudo da conduta prevista

no art. 28 da Lei nº. 11.343/2006, é necessário entendermos o que dispõe o

diploma legal.

Assim é a redação do art. 28 da Lei nº. 11.343 de 23 de

agosto de 2006:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. § 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

38

I - admoestação verbal; II - multa. § 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.113

O disposto no art. 28 descreve o ato de adquirir, guardar,

ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo próprio, visando

proteger a saúde da incolumidade pública.114

Sobre tais condutas Capez esclarece:

Adquirir é obter mediante troca, compra ou a título gratuito; guardar é a retenção da droga em nome à disposição de outra pessoa,isto é, consiste em manter a droga para um terceiro. Quem guarda, guarda para alguém; ter em depósito é reter a coisa à sua disposição, ou seja, manter a substância para si mesmo; transportar pressupõe o emprego de algum meio de transporte, pois, se a droga for levada junto ao agente, a conduta será de “trazer consigo”. Trata-se de delito instantâneo que se consuma no momento em que o agente leva a droga por um meio de locomoção qualquer; trazer consigo é levar a droga junto a si, sem o auxílio de algum meio de locomoção; semear é espalhar, prolatar, deitar, lançar sementes ao solo para que germinem. O crime é instantâneo, pois se consuma no instante em que a semente é colocada na terra; Cultivar é fertilizar a terra pelo trabalho, dar condições para o nascimento da planta, cuidar da plantação, para que esta se desenvolva. É figura permanente, protaindo-se a consumação do delito enquanto estiverem as plantas ligadas ao solo e existir um vínculo entre o indivíduo e a plantação; Colher é retirar, recolher a planta, extraindo-a do solo.115

Importante ressaltar que a Lei equiparou a posse para

consumo pessoal à conduta de semear, cultivar e colher plantas com principio

ativo que caracterize substância que cause dependência física e psíquica,

desde que seja para consumo próprio. 116

A respeito do objetivo do disposto no art. 28, da Lei de

Drogas é o posicionamento jurispudencial:

A repreensão ao uso e tráfico de substâncias entorpecentes, capazes de causar dependência física ou psíquica, não visa ao dano estritamente pessoal, ou seja, ao mal ou males causados ao usuário.

113 BRASIL. Lei nº. 11.343/2006, 23 de agosto de 2006. Institui o sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve

medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à

produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso

em 5 de maio de 2008. 114 GRECO FILHO, 2007, p. 45. 115 CAPEZ, 2006, p. 682/688-689. 115 ANDREUCCI, 2007, p. 37 . 116 Ibd, p. 37

39

Sua punição leva em conta o perigo que elas representam para a saúde pública.117

Andreucci comenta sobre a configuração do delito de

consumo pessoal previsto na Lei nº. 11.343/2006:

Para determinar se a droga destina-se a consumo pessoal, o juiz deve atender à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais. Bem como a conduta e aos antecedentes do agente.118

O momento da classificação do delito inicia-se na

abordagem policial, até a sentença, de modo a se diferenciar entre o crime de

uso próprio ou a difusão de droga com objetivo de lucro, ou seja,

comercialização de substâncias que causem dependência física e psíquica:

A necessidade de classificação da conduta, como enquadrável no art. 28 ou no art. 33, coloca-se não apenas no momento da sentença, mas desde do flagrante ou atuação policial, porque o delito do art. 28, não prevendo pena privativa da liberdade e estando no regime da Lei nº. 9.099/95, não admite o flagrante, diferentemente o que ocorre com o art. 33. Neste caso, caberá à autoridade que proceder a detenção justificar a decisão sobre determinada classificação legal do fato. Posteriormente, por ocasião da denúncia, poderá o Ministério Público entender diferentemente, denunciando pelo art. 33, com os consectários legais, pedindo inclusive, se for o caso, a prisão preventiva. A classificação do delito pelo órgão do Ministério Público, como é evidente, também não é definitiva, cabendo a definição conclusiva ao juiz, que deverá, conforme o caso, aplicar os arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal para a adequação da acusação aos fatos colhidos no processo.119

Após a análise da conduta descrita no art. 28 da Lei nº.

11.343/2006, importa estudar as penas a ela cominadas, quais sejam:

advertência sobre efeitos da droga, prestação de serviço à comunidade,

comparecimento a programa ou curso educativo, admoestação verbal, multa.

Sobre o primeiro tipo de sanção penal prevista para o art.

28, da Lei em estudo, Andreucci discorre:

Cuida-se de nova modalidade de sanção não privativa de liberdade, sem precedentes na legislação penal pátria. Tem a advertência

117 ANDREUCCI, 2007, p 569-306.

118 Ibd, pág 31 119 GRECO FILHO, 2007, p. 48-49.

40

natureza jurídica de pena, podendo gerar inclusive, reincidência. O Juiz deverá aplica-la na própria audiência preliminar, já que o rito processual, nestes casos, segue o disposto do arts. 60 e seguintes da Lei nº. 9.099/95, conforme determina o art. 48 da nova lei. Na audiência preliminar, havendo a proposta de transação pelo Ministério Público, consistente em advertência sobre os efeitos da droga, aceita pela defesa, deverá o juiz censurar levemente o autor do fato, esclarecendo-o sobre os efeitos nocivos da droga (não somente para ele próprio, mas também para toda a sociedade), de tudo lavrando-se termo, que deverá ser subscrito pelos presentes (juiz, promotor de justiça, autor do fato e defensor. Caso não seja aplicada em audiência preliminar, deve o juiz designar audiência para tal fim, nos moldes da audiência admonitória da suspensão condicional da pena.120

O mesmo autor, a respeito da prestação de serviço à

comunidade, esclarece:

A prestação de serviço à comunidade foi erigida à categoria principal, perdendo seu caráter substitutivo que lhe é imposto pelo Código Penal. Essa pena terá o prazo máximo de 5 meses, devendo ser gratuita e seguir as regras do art. 46, §3º, do Código Penal, sendo atribuída conforme as aptidões do autor do fato e cumprida a razão de uma hora tarefa por dia da semana, de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. Na nova Lei de Drogas, a prestação de serviço à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados, sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. Em caso de não-cumprimento, a prestação de serviço à comunidade poderá ser substituída por admoestação verbal ou multa.121

O comparecimento a programa ou curso educativo é

também uma modalidade nova no ordenamento jurídico penal, criada na nova

Lei de Drogas como medida educativa. Ela gera reincidência e tem o prazo

máximo de 5 meses. O descumprimento desta pena poderá, ser substituída por

admoestação verbal ou multa. 122

A admoestação verbal tem como objetivo que o infrator

cumpra as medidas descritas no art. 28, II e III da Lei nº. 11.343/2006. É uma

penalidade mais séria em relação à advertência.123

Ainda sobre admoestação verbal:

120 ANDREUCCI, 2007p. 31-32. 121 Ibd, p. 32. 122 Ibd, p. 32- 33. 123 GRECO FILHO, 2007, p. 53.

41

Cuida-se de nova modalidade de pena instituída pelo art. 28, §6º, I, da Lei de Drogas, aplicável ao agente que, injustificadamente, se recuse a cumprir as medidas educativas de prestação de serviço à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo. Deve consistir em censura verbal feita pelo juiz, concitando o agente a cumprir à medida que lhe foi aplicada. O agente deve ser submetido a admoestação verbal em audiência para este fim designada, de tudo lavrando-se termo, por todos assinados (juiz, promotor de justiça, autor do fato e defensor).124

A última espécie de pena prevista é a multa que pode ser

assim entendida:

Consiste em sanção pecuniária, aplicável ao agente que, injustificadamente, se recuse a cumprir as medidas educativas de prestação de serviço à comunidade e comparecimento a programas ou curso educativo. Deve suceder a admoestação verbal. Será imposta pelo juiz atendendo à reprovabilidade da conduta e fixada em dias-multa. Consistirá, no mínimo, em 40 e, no máximo, em 100 dias-multa. O valor do dia-multa, segundo a capacidade econômica do agente, será de, no mínimo, um trinta avos e de, no máximo, três vezes o maior salário mínimo. Os valores decorrentes dessa multa serão creditados ao Fundo Nacional Antidrogas.125

As penas impostas por este dispositivo legal poderão ser

aplicadas isolada ou cumulativamente, como também é possível a substituição

a qualquer tempo, desde que seja ouvido o órgão ministerial.126

3.1.1 COMPARAÇÃO ENTRE O ART. 28 DA LEI Nº. 11.343/2006 E ART.

16 DA LEI Nº. 6.368/1976: PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES.

Dispõe o art. 16 da Lei nº. 6.368/76:

Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.127

Enquanto o art. 28 da Lei nº. 11.343/2006 regula:

124 ANDREUCCI, 2007, p. 33. 125 Ibd, p. 33. 126 GRECO FILHO, 2007, p. 52. 127 BRASIL. Lei nº. 6.368, 21 de outubro de 1976. Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de

substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica e dá outras providências. Disponível em <http://www.soleis.adv.br>.

Acesso em 8 de maio de 2008.

42

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso

educativo. § 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo

pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal; II - multa. § 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à

disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.128

Numa visão panorâmica podemos perceber que ao art. 28

foi acrescentado a expressão gramatical “ter em depósito e transportar”

substância que cause dependência psíquica, e as penas cominadas no novo

dispositivo legal, são medidas alternativas, com intuito de reincerir o usuário no

convívio social.

Explica Capez que com a revogação da Lei nº. 6368/76

foi substituída a expressão substância entorpecente que determine

dependência química ou psíquica, por termo mais abrangente: droga.

Ao contrário da revogada Lei nº. 6368/76, a nova lei não utiliza mais a expressão “substância entorpecente que determine dependência química ou psíquica”, mas, sim, o termo mais amplo “droga”. De

128 BRASIL. Lei nº. 11.343/2006, 23 de agosto de 2006. Institui o sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve

medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à

produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso

em 5 de maio de 2008.

43

acordo com o art. 1º, parágrafo único, “Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim especificados em Lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Público da União”. 129

O mesmo autor destaca a inserção de novos tipos penais

no art. 28 da Lei nº. 11.343/2006:

Criou duas novas figuras típicas: transportar e ter em depósito. Substituiu a expressão substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica por drogas; não mais existe a previsão de pena privativa de liberdade para o usuário; passou a prever as penas de advertência, prestação de serviço à comunidade e medidas educativa; tipificou a conduta daquele que, para consumo pessoal, semeia, cultiva e colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.130

A respeito das modificações resultantes da Lei nº.

11.343/2006, que concerne ao tipo consumir substância que cause

dependência física e psíquica, Greco Filho acrescenta:

Retirou o crime trazer consigo para uso pessoal das proximidades topológicas do crime de tráfico, colocando-o no título relativo à prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuário de dependentes de droga, a fim de abrandar o estigma da pena criminal. Houve substituição da expressão “para uso próprio” por “para consumo pessoal”. A alteração é relevante porque amplia a possibilidade de enquadramento no tipo mais benéfico das condutas quando para consumo próprio ou de outrem em caráter pessoal, ou seja, sem o animus de disseminação. Na lei anterior somente poderia ser aplicado o art. 16, desqualificando-se o art. 12, se o agente trazia consigo para uso exclusivamente próprio, caracterizando-se o então art. 12 se a droga fosse também para uso pessoal de terceiro. O texto atual, portanto, é mais amplo e benéfico, abrangendo situação que era antes considerada injusta, a de punir com as penas do art. 12 aquele que, por exemplo, dividia a droga com companheiros ou a adquiria para consumo doméstico de mais de uma pessoa. 131

Andreucci menciona a distinção existente entre ambas as

Leis, sobre a plantação, semeadura e colheita de substância que cause

dependência física e psíquica:

Na sistemática da lei anterior, a semeadura, cultivo ou colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecentes configurava crime

129 CAPEZ, 2006, p. 683. 130 Ibd, p. 682. 131 GRECO FILHO, 2007, p. 44.

44

de tráfico ilícito, Já sob a égide da lei anterior orientava-se a jurisprudência no sentido de que, comprovado inequivocadamente que a plantação (semeadura ou cultivo) se destinava a uso próprio do agente, não havia de se falar em tráfico ilícito, mas em posse para uso próprio. Na nova lei, deixou clara o legislador sua intenção de equiparar à posse para consumo pessoal a semeadura, cultivo ou colheita de plantas, para consumo pessoal, destinada a preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.132

3.1.2 O USO DE DROGAS COMO INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL

OFENSIVO (LEI Nº. 9.099/95).

Cunha discorre sobre a importância da Lei nº. 9.099/95,

no âmbito da nova lei de drogas:

Especificamente em relação ao usuário, cuja pena privativa de liberdade prevista para as condutas de adquirir, guardar ou trazer consigo era de seis meses a dois anos, além da multa cumulativa, após a edição da Lei nº. 9.099/95, a qual definiu como infração de menor potencial ofensivo os crimes e as contravenções cujas as penas não ultrapassem um ano, bem como criou outros institutos despenalizadores e consensuais, abriu-se a possibilidade de ser o usuário beneficiado pela suspensão condicional do processo, por dois a quatro anos. Com o advento da Lei nº. 10.259/02, que ampliou no âmbito dos Juizados Especiais Federais o conceito de crime de menor potencial ofensivo, como sendo aquele cuja pena privativa de liberdade máxima não excedesse dois anos, a jurisprudência passou a entender que tal diploma legal, mais favorável, deveria ter sua interpretação estendida para o âmbito estadual, razão pela qual passou o usuário de drogas a poder ser beneficiado também com a transação penal, instituto esse que mitigou a obrigatoriedade da ação penal, estabelecendo um novo modelo de justiça criminal, centrado na busca da solução dos conflitos e não mais na decisão formalista do caso, além de ter por finalidade impedir a imposição de pena privativa de liberdade, contudo, sem deixar de constituir sanção penal.133

A Lei nº. 11.343/2006, em seu art. 48, disciplina que o art.

28 será regulado pela Lei nº. 9099/95, por se tratar de crime de menor

potencial ofensivo tem a seguinte redação:

Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.

132 ANDREUCCI, 2007, pág. 37. 133 CUNHA. Disponível em <http:// www.blogdolfg.com.br. Acesso em 08 de maio de 2008.

45

§ 1o O agente de qualquer das condutas previstas no art. 28 desta Lei, salvo se houver concurso com os crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, será processado e julgado na forma dos arts. 60 e seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais. 134

Em análise do art. 48 citado, Ana Barbosa da Cunha

complementa:

Segundo esse dispositivo, se o agente incorrer nas condutas definidas no artigo 28, relativas ao uso, e ao mesmo tempo também praticar um dos crimes previstos nos artigos 33 a 37, pelo procedimento previstos na Lei 9.099/95, que consensual, quer conflitivo. Essa regra abarca o concurso de crimes praticados por uma só pessoa. Assim, se o agente além de ser usuário também se dedica ao comércio de drogas, não que se cogitar da possibilidade de absorção do crime menor pelo maior. Igualmente, em relação à condutas de usar, não fará jus aos benefícios despenalizadores do estatuto das drogas, nem mesmo o rito sumaríssimo, mas sim deverá ser denunciado e processado nos termos do procedimento próprio para a traficância, previstos nos artigos 55 e seguintes da Lei 11.343/06, haverá alteração de competência instituída como regra, pois o processo deverá tramitar perante a justiça comum e não mais nos Juizado Especial. Da mesma forma, será processado perante a justiça comum sendo a causa complexa e na hipótese de não ser localizado o agente para citação.135

Luiz Flávio Gomes acrescenta que será imposto ao

agente que descumprir a norma constante no art. 28 da Lei nº. 11.343/2006, o

processo previsto nos arts 60 e seguintes da Lei nº. 9.00/95, não ocorrendo o

consenso será seguido o rito sumarrísimo desta Lei.136

Fernando Capez posiciona-se o procedimento penal

adotada na aplicação do art. 28 da Lei nº. 11.343/2006:

Tratando-se da conduta prevista no art.28 dessa Lei, não se importara prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao Juiz competente ou, na falta desse, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários. Ora, se o agente se recusar a assumir o compromisso de comparecer à sede dos Juizados, poderá a autoridade impor a prisão em flagrante? Convém mencionar que, de acordo com o art. 69, par. ún., da Lei nº. 9.099/95, em tal caso, é possível a realização da prisão em flagrante. Ocorre, contudo, que o individuo surpreendido com a posse de droga para consumo pessoal, por expressa determinação legal, se submeterá apenas às medidas

134 BRASIL. Lei nº. 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.

Disponível em <http:www.planalto.gov.br>. Acesso em 8 de maio de 2008.

135 CUNHA. Disponível em <http:// www.blogdolfg.com.br. Acesso em 08 de maio de 2008.

136 GOMES, 2007, p. 124

46

educativas, jamais podendo lhe ser imposta pena privativa de liberdade. Com isso, não é admissível ele ser preso em flagrante ou provisoriamente, quando não poderá sê-lo ao final, em hipótese alguma. Não cabe, portanto, a prisão em flagrante.137

Sustenta acerca da proibição de levar ao cárcere o

agente que for encontrado na posse de droga, Cunha esclarece:

No §2º do artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006 veda-se a imposição de prisão em flagrante ao usuário de drogas surpreendido em umas das condutas tipificadas no artigo 28. É certo que o flagrante possui quatro momentos distintos, sendo eles a captura, a condução do agente até a autoridade competente, a lavratura do auto de prisão em flagrante e o recolhimento ao cárcere. A proibição em questão deve ser compreendida no tocante aos dois últimos momentos, tanto que o próprio dispositivo reza que o usuário deverá ser “imediatamente encaminhado ao juízo competente” ou então assumir o compromisso de comparecer em juízo, ocasião em que será lavrado o termo circunstanciado.138

Ainda, sobre a recusa do agente de prestar o

compromisso de comparecer ao juizado especial, o mesmo autor afirma:

Havendo recusa do agente consumidor em assumir o aludido compromisso de comparecer posteriormente em juízo já não mais se pode impor ao mesmo a lavratura do flagrante e o recolhimento ao cárcere com arbitramento de fiança, consoante dispõe a Lei nº. 9.099/95. Outrossim, se ao final de eventual processo criminal não pode ser aplicada pena de prisão não há que se falar em prisão cautelar. De outro lado, caso o agente que se recuse a aceitar o compromisso supra mencionado realmente não compareça à audiência preliminar, nada impede seja conduzido coercitivamente à presença da autoridade judicial para a audiência.139

Capez acrescenta ainda sobre o procedimento adota pelo

art. 28 da Lei nº. 9.099/95:

Concluídos os procedimentos de que trata o §2º do art. 40, o agente será submetido a exame de corpo de delito, se o requerer ou se a autoridade de policia judiciária entender conveniente, e, em seguida, liberado. Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no §2º desse artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada à detenção do agente. Para os fins do disposto no art. 76 da Lei nº. 9.099/95, que dispõe sobre os juizados Especiais criminais, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena prevista no art. 28 dessa lei, a ser especificada na proposta. 140

137 CAPEZ, Fernando. Legislação penal especial: juizados especiais criminais: interceptação telefônica :crime organizado:drogas. 6.ed. São

Paulo: Ed. Damásio de Jesus, 2007, p. 134-135. 138 CUNHA. Disponível em <http:// www.blogdolfg.com.br. Acesso em 08 de maio de 2008 139 Ibd. Disponível em <http:// www.blogdolfg.com.br. Acesso em 08 de maio de 2008 140 CAPEZ, 2007, p. 135.

47

Cunha relativamente à transação penal comenta:

A primeira providência judicial a ser tomada é a designação de audiência para a propositura de transação penal, devendo o usuário preencher, pelo menos, dois requisitos previstos no art. 76 da Lei nº. 9.099/95. Para fazer jus ao benefício, embora o espírito da droga seja despenalizador, não pode o usuário ostentar condenação definitiva anterior à pena privativa de liberdade pela prática do crime, assim como deve a transação mostrar-se suficiente e necessário para a prevenção, tratamento, conscientização e reinserção social.Quando a impossibilidade de aplicação de nova transação dentro dos cinco anos seguintes à sentença que homologou a primeira transação, que é um dos requisitos negativos previstos no artigo 76 da Lei nº. 9.099/95, da interpretação do artigo 28 da Lei nº. 11.343/06 podemos extrair a inaplicabilidade dessa regra em relação ao consumidor de drogas. Isso porque o §4º do referido artigo 28 prevê \ possibilidade de aplicação do instituto despenalizador na atécnica, denomina “reincidência”.141 Andreucci discorre acerca da hipótese de o agente

descumprir as obrigações previstas na transação penal:

Na antiga Lei, em caso de o infrato violar a transação penal, o órgão ministerial poderia oferecer denúncia por ter infringido o art. 16 da Lei nº. 6.368/76, ou seja, consumir substância entorpecente. Já no art. 28 da Lei nº. 11.343/2006, o agente que violar a obrigação definido no momento da proposta de transação penal, o máximo que o magistrado poderá aplicar é a admoestação verbal ou multa.142

Conforme Cunha, aplica-se à suspensão condicional do

processo ao usuário de drogas se preenche os requisitos legais da Lei nº.

9.099/95:

O crime definido no artigo 28 da nova Lei de Drogas não comina pena de prisão, se presentes os demais requisitos exigidos pelo artigo 89 da Lei nº. 9.099/95, poderá ser elaborada a proposta de suspensão condicional do processo admitida para os crimes cuja pena mínima não suplante um ano, se ocorrerem os demais requisitos. Tendo em conta toda a especialidade que atualmente norteia os crimes envolvendo condutas destinadas ao consumo pessoal de drogas, podemos concluir que a suspensão deverá ter como condições às mesmas definidas no artigo 28, já que, pelo novo diploma legal, o usuário somente pode sofrer incidência daquelas penas e de mais nenhuma outra. Assim, poderá ser imposta a prestação de serviço à comunidade e em vez de comparecer mensalmente em juízo para informar e justificar suas atividades pensamos que se coaduna melhor ao espírito da lei em comendo ser determinada a freqüência mensal a programa ou curso educativo. Igualmente o fato, o fato de antes ou depois da Lei nº. 11.343/06,

141 CUNHA, Disponível em <http:// www.blogdolfg.com.br. Acesso em 08 de maio de 2008 142 ANDREUCCI, 2007, pág 30.

48

não impede outra, assim como processamento por outro crime relativo ao uso. Descumpridas as condições de suspensão, da mesma forma que na transação penal, é mais razoável que o juiz advirta o acusado acerca da necessidade de cumprimento e se ainda persistir tal descumprimento aplique multa. O processo seguirá ulterior prolatação de sentença de mérito na hipótese de não ser cabível a suspensão ou ser ela recusada.143

3.1.2 O ART 28 DA LEI Nº. 11343/2006: DESPENALIZAÇÃO OU

DESCRIMINALIZAÇÃO

Para entendermos o que é despenalização e

descriminalização, importa analisar os seus conceitos.

De acordo com a corrente majoritária da doutrina, descriminalização significa retirar do âmbito do Direito Penal, seja formalmente ou de fato, condutas não graves e que deixaram de ser delitivas. A descriminalização formal seria o reconhecimento legal e social de uma conduta anteriormente criminalizada, eliminando-se nesse caso toda a ilicitude do fato. A descriminalização de fato ocorre quando sem que tenha perdido a competência para atuar, o sistema penal deixa de funcionar, eliminando-se apenas a aplicação efetiva da pena, permanecendo ileso o caráter ilícito penal. Convém lembrar, ainda, a descriminalização substitutiva, configurada quando as penas são substituídas por sanções de natureza diversa. Nesse caso, o comportamento perde a antijuridicidade penal, mas não fica legalizado e nem deixa de ser qualificado como antijurídico e indesejável. A despenalização consiste em diminuir a pena de um delito sem, entretanto, retirar do fato o caráter de ilícito penal.144

Sustenta Cunha que o que ocorreu relativamente ao art.

28, foi a despenalização da conduta de adquirir drogas para consumo próprio,

pois foi feito a previsão de pena, mais branda, é verdade:

A Lei nº. 11.343/06 trouxe despenalização ao crime de possuir drogas para consumo próprio, o qual já havia passado também por despenalização com o surgimento das Leis nº. 9.099/95 e 10.259/02, na medida em que o novo diploma legal vedou a aplicação de qualquer espécie de pena privativa de liberdade, fixando somente penas restritivas de direitos que podem ser aplicadas tanto na fase consensual (transação penal) quanto ao final do procedimento conflitivo (sentença condenatória).145

143 CUNHA. Disponível em <http:// www.blogdolfg.com.br. Acesso em 08 de maio de 2008 144 Disponível em <http:www.webartigos.com>. Acesso em 8 de maio de 2008. 145 CUNHA. Disponível em <http:// www.blogdolfg.com.br. Acesso em 08 de maio de 2008

49

Ricardo Antonio Andreucci, acrescenta seu

posicionamento sobre a discussão acerca da descriminalização ou

despenalização da conduta prevista no art. 28:

Para a mínima parcela da doutrina pátria, a nova redação descriminaliza o porte de drogas para consumo próprio, uma vez que não prevê mais privativa de liberdade ao usuário de drogas, trazendo apenas a pena de advertência e duas penas restritivas de direito.. Não houve, entretanto, a descriminalização da posse de droga para consumo próprio, mas apenas a diminuição da carga punitiva, pois a nova lei, mesmo tratando mais brandamente o usuário, manteve a conduta como crime, fixando lhe, dentre outras medidas, a pena de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, obrigando-o a se tratar, coisas que não acontecia na legislação anterior, onde, ante a permissitividade da Lei nº. 9.099/95, poderia ele transacionar com o Ministério Público, recebendo apenas pena de multa ou pena restritiva de direitos.146

Luiz Flávio Gomes sustenta que o art. 28 descriminalizou

a conduta de posse de droga para consumo próprio:

A conduta descrita neste art. 28, antes achava-se contemplada no art. 16 da Lei nº. 6368/76, que dizia: “Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta)dias-multa”. O fato que acaba ser descrito era considerado “crime” (em razão da cominação da pena de detenção). De qualquer maneira, praticamente ninguém era preso por esse delito, porque a ele incidia a Lei dos Juizados Criminais. No novo texto legal (art. 28) já não se comina a pena de prisão, o fato deixou de ser criminoso (em sentido estrito). Houve descriminalização “penal” (abolitio criminis), porém, sem a concomitante legalização. Se as penas cominadas para a posse de droga para consumo pessoal são exclusivamente alternativas, não há que se falar em “crime” ou em “contravenção penal” ( por força do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal). O art. 28, conseqüentemente, contempla uma infração sui generis (uma terceira categoria, que não se confunde nem com o crime nem com a contravenção penal). Constitui exemplo de direito judicial sancionador. 147

Clarissa Helena afirma que ocorreu a descriminalização

da conduta do usuário de drogas, porém, sem que se afirme que houve a

legalização da conduta prevista no art. 28 da nova Lei Antidrogas:

Em relação ao usuário e/ou dependente de drogas, a nova lei de tóxicos não mais prevê a pena de prisão. Isso significa

146 ANDREUCCI, 2007, p. 29-30 147 GOMES, 2007, p. 118-119

50

descriminalização, legalização ou despenalização da posse de droga para consumo pessoal? A resposta é a "descriminalização", ou seja, a posse de droga para consumo pessoal deixou de ser "crime". Mas a conduta descrita continua sendo ilícita ou que significa que houve a descriminalização, mas não a legalização. São coisas bem diferentes: Descriminalizar significa retirar de algumas condutas o caráter de criminosas. O fato descrito na lei penal (como infração penal) deixa de ser crime. O fato continua sendo ilícito (proibido), porém, exclui-se a incidência do direito penal, deixa de ser punível (do ponto de vista penal). Passa a ser um ilícito administrativo ou de outra natureza. Na legalização o fato é descriminalizado e deixa de ser ilícito, ou seja, passa a não ser objeto de qualquer tipo de sanção. A venda de bebidas alcoólicas para adultos, hoje, está legalizada (não gera nenhum tipo de sanção: civil ou administrativa ou penal).148 Maria Helena Gozzer Benjamin, explica a decisão do

magistrado gaúcho, que defendeu a descriminalização da conduta prevista no

art. 28:

Para o Juiz de Direito Orlando Faccini Neto, da Vara Criminal de Carazinho, de acordo a nova lei de Tóxicos (Lei nº 11.343/06), o porte de tóxicos para uso próprio deixou de existir como crime. Para o magistrado, isso não significa que a conduta seja lícita. “Tem-se, apenas, que, retirada que foi do campo da ilicitude penal, dado que não se cogita de crime ou contravenção, remanesce, entretanto, como ilícito, mas em esfera do direito que não a criminal, tanto que os consectários que lhe são pertinentes se mostram em tudo e por tudo menos gravosos do que os inerentes à prática de um delito.” O Juiz Orlando entende o que está previsto no artigo 28, da Lei 11.343, não se enquadra nem como crime e nem como contravenção, segundo a Lei de Introdução ao Código Penal. “Tendo como pressuposto as modalidades de ilícito penal, e analisando o teor do artigo 28 da Lei nº 11.343/06, verifica-se que não impõe qualquer tipo de prisão; comina como sanções à advertência, a prestação de serviços à comunidade e o comparecimento a programas educativos, permitindo que essas sejam substituídas por admoestação verbal ou multa, em caso de descumprimento”. “O que a Lei nº 11.343/06 fez, ao descriminalizar a posse de drogas para uso próprio, no artigo 28, foi consagrar a inclinação do sistema jurídico brasileiro às tendências de reforma dos sistemas penais, já pensadas nos congressos de prevenção do crime e tratamento do delinqüente, promovidos pela ONU.149

Ainda sobre a descriminalização, sustenta João José Leal

que a conduta do usuário de drogas, pela lei 11.343/06, tornou-se uma infração

penal inominada:

148 SCHNEEDORF NOVI, Clarissa Helena. Os efeitos da descriminalização das drogas. Disponível em <www.atitudefm.com.br>. Acesso em 20 de maio de 2008.

149 BENJAMIN, Maria Helena Gozzer. Juiz entender que porte de droga é infração administrativa e não crime Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 20 de maio de 2008.

51

A Lei 11.343/06 criou uma figura típica inusitada em nosso Direito Penal. A rigor, a conduta de porte para consumo pessoal não pode ser considerada crime ou contravenção, que são as duas espécies de infração admitidas em nosso sistema penal. Nos termos do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, "crime é a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente". É possível argumentar que a Lei Antidrogas é norma posterior e, ao dispor de outro modo, acabou criando uma nova espécie de infração criminal para a qual foram cominadas penas distintas da detenção e da reclusão. Assim, a partir de agora, nosso sistema penal estaria convivendo com duas espécies de crimes, quanto à natureza das penas cominadas. A conduta típica de consumir drogas seria o único crime não punido com pena de detenção ou reclusão, enquanto que todos os demais crimes, previstos no Código Penal ou nas leis especiais, continuariam legalmente classificados pela marca da pena privativa de liberdade. A Lei Antidrogas criou uma nova infração penal, que não se enquadra na classificação legal de crime, nem de contravenção penal. Criou, simplesmente, uma infração penal inominada, punida com novas alternativas penais e isto não contraria a diretiva genérica de classificação das infrações penais, emanada do referido dispositivo da Lei de Introdução ao Código Penal. No texto da Lei Antidrogas, podemos perceber o compromisso com uma nova proposta de Política Criminal em relação ao consumidor de drogas: prevenção, atenção e reinserção social. E isto constitui um forte argumento de hermenêutica jurídica em favor da tese de descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal de drogas. No mínimo, de uma imprópria descriminalização branca.150

Em contrapartida Fernando Capez sustenta que não

ocorreu a descriminalização da posse de droga para consumo próprio, inserida

no art. 28 da Lei nº. 11.343/2006, posto que tal conduta segue os passos de

um processo criminal:

Entendemos, no entanto, que não houve a descriminalização da conduta. O fato continua a ter natureza de crime, na medida em que a própria lei o inseriu no capítulo relativo aos crimes e às penas (Capítulo III), além do que as sanções só podem ser aplicadas por Juiz Criminal, e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do art. 48, §1º, da nova lei). A Lei de Introdução ao Código Penal está ultrapassada nesse aspecto e não pode ditar os parâmetros para a tipificação legal do século XXI.151

150 LEAL, João José. Política Criminal e a Lei nº. 11.343: descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal de drogas?

Disponível em <http://jus2.uol.com.br>. Acesso em 20 de maio de 2008. 151 CAPEZ, 2007, p. 132.

52

Entende a Egrégia Corte Catarinense sobre a conduta do

usuário de drogas:

ART. 28 DA LEI 11.343/06. POSSE DE ENTORPECENTES. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO É CRIME O FATO DEFINIDO COMO TAL PELA NORMA APONTADA. RECURSO DESPROVIDO. (...) A LEI N. 11.343/06 NÃO DESCRIMINALIZOU A POSSE ILEGAL DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL. CONFERIU-LHE APENAS TRATAMENTO DIVERSO DO QUE LHE DAVA O DIPLOMA ANTERIOR, COMINANDO SANÇÕES MAIS BRANDAS DO QUE AS PRIVATIVAS DE LIBERDADE.152

No mesmo sentido é o posicionamento do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul:

A POLÍTICA CRIMINAL DA LEI 11.343/06, ARTIGO 28, NÃO É A DESCRIMINALIZAÇÃO, MAS TRATAR O USUÁRIO COMO COM MEDIDAS PUNITIVAS REPROVADORAS, MAS TAMBÉM PREVENTIVAS QUE TEM COMO FINALIDADE ENVOLVER ATIVAMENTE AS AUTORIDADES, EVITANDO O CRESCIMENTO DA LESÃO À SAÚDE PÚBLICA.153

O Legislador brasileiro ao introduzir penas mais brandas

no art. 28 teve como objetivo alertar o agente que for encontrado na posse de

substância que cause dependência física e psíquica, acerca dos malefícios que

a droga causa a sua saúde e o risco que está colocando a incolumidade

pública.

Sobre o tema extrai-se ainda da Jurisprudência do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

[...] Esta Câmara entende que a Lei de Prevenção e Repressão ao uso de drogas – 11.343/06 –, manteve a descrição típica da conduta do usuário, consumidor, como crime no artigo 28 e § 1º (capítulo III, da Lei), afastando, contudo, a punição em pena privativa de liberdade, estabelecendo como “pena” as medidas restritivas de direitos, elencadas no artigo 5º, inciso XLVI, como penas – Prestação de Serviços Comunitários em instituições que se dediquem à recuperação de dependentes e a Freqüência a Programas Especiais de Recuperação, como consta dos incisos II e III, do artigo 28, inserem-se entre as penas previstas na Constituição Federal, embora no Código Penal, sejam tão-só substitutivas. A Nova Lei pode-se dizer, sem descriminalizar atendeu os principais argumentos de que o dependente necessita de tratamento terapêutico, afastando a carceirização do usuário, mas não afastam a

152 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado. Recurso de Agravo. Processo: 70021978283]. Relator: Desembargador Sérgio Paladino.

Disponível em <http://www.tj.sc.gov.br>. Acesso em 8 de maio de 2008.

153 RIO GRANDE DO Sul. Tribunal de Justiça do Estado. Ap. Crim. Processo: 01087060.312-0000-000. Relator: Desembargadora Elba

Aparecida Nicolli Bastos. Disponível em http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em 8 de maio de 2008.

53

tipicidade, tanto que prevê a reincidência e a aplicação de multa penal. Feitas estas considerações, provê-se em parte o apelo ministerial para afastar a “extinção da punibilidade” na forma do artigo 107, inciso III, do Código Penal, cometido o fato na vigência da nova lei, mantida a condenação em 05 meses de prestação de serviços à comunidade, por incurso nas sanções do artigo 28 da Lei 11.343/06. 154

E mais, a Egrégia Corte do Tribunal de Justiça de São

Paulo decidiu que o art. 28 da Lei nº. 11.343/2006 não foi descriminalizado:

AGRAVO EM EXECUÇÃO – Descriminalização da conduta de porte ilícito de drogas para consumo. Art. 16 da Lei nº. 6.368/76 – Art. 28 da Lei nº. 11.343/06 – Inocorrência – Entendimento no sentido de que aquela conduta continua sendo crime, porquanto é apenada pelo Direito Penal a despeito de a sanção não se encontrar inserida no art. 32, do Código Penal.155

E, por fim o Supremo Tribunal Federal assentou sobre o

tema em estudo:

EMENTA:I. Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da L. 11.343/06 - nova lei de drogas): natureza jurídica de crime. 1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referente. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão "reincidência", também não se pode emprestar um sentido "popular", especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria a regra geral do C. Penal (C.Penal, art. 12). 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão

154 RIO GRANDE DO Sul. Tribunal de Justiça do Estado. Ap. Crim. Processo RE-QO 430105. Relator: Desembargadora Elba Aparecida Nicolli

Bastos. Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em 8 de maio de 2008.

155 SÃO PAULO, Tribunal de Justiça do Estado. Agravo. Processo. 01087060.312-0000-000, TJ/SP. Disponível em <http://www.tj.sp.gov.br>.

Acesso em 8 de maio de 2008.

54

de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis. 156

Assim, no entendimento do Ministro Relator Sepúlveda

Pertence, a conduta prescrita no art. 28 da Lei nº. 11.343/2006 continua sendo

crime, com modificação apenas na pena imposta.

Ainda, conforme a doutrina, e os posicionamentos dos

Tribunais, a nova Lei de Drogas veio para punir com sanções menos severas o

agente que for encontrado na posse de substâncias que podem causar

dependência física e psíquica, tudo com o intuito de advertir o usuário de

drogas dos malefícios que está causando a sua saúde e de toda uma

coletividade pública. Há, pois, manifesta preocupação com o usuário, dando a

ele tratamento diferenciado com o objetivo de que a aquele reflita sobre os

males da sua dependência.

Neste sentido é o Capítulo II da Lei nº. 11.343/2006 que

dispõe sobre atividades de atenção e de reinserção social do usuário ou

dependente de drogas:

Art. 20 Constituem atividades de atenção ao usuário e dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem a melhoria da qualidade de vida e redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas. Art.21 Constituem atividade de reinserção social do usuário ou do dependente de drogas e respectivos familiares, para efeitos desta Lei, aquelas direcionadas para sua integração ou reintegração em redes sociais. Art. 24 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão conceder benefícios às instituições privadas que desenvolverem programas de reinserção no mercado de trabalho, do usuário e do dependente d drogas encaminhados por órgão oficial. Art. 26. O usuário e o dependente de drogas que, em razão da prática da infração penal, estiverem cumprido pena privativa de liberdade ou submetido à medida de segurança, tem garantidos os serviços de atenção a sua saúde, definidos pelo respectivo sistema penitenciário.157 Por fim, conforme todo exposto, a doutrina e a

jurisprudência, na sua maioria, entende que a conduta prevista no art. 28, da

Lei 11.343/06, ainda constitui crime. Por outro lado, é consenso que a nova lei

modificou a forma de interpretação da conduta, na medida em que retirou o

156 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do EstadoRelator: Ministra Sepúlveda Pertence. Disponível em http://www.tj.rj.gov.br/. Acesso em 8 de

maio de 2008. 157 ANGHER, Anne Joyce. Vade Mecum acadêmico de Direito. 6.ed. São Paulo: Rideel, 2008, p. 1292.

55

foco da prática ilícita, e lançou um olhar mais cuidadoso sobre o usuário, por

meio das diversas medidas direcionadas à sua recuperação.

56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso de drogas é um mal que atinge os diversos níveis

sociais da sociedade brasileira, abrangendo diversas faixas etárias. O

legislador brasileiro tem grandes dificuldades na criação de um ordenamento

com o intuito de advertir dos malefícios causados por substância que podem

causar dependência física e psíquica, sendo facilmente alastrado no convívio

social.

O art. 28 da Lei nº. 11.343/2006 veio com intuito de punir

de maneira mais branda o agente que for encontrado no poder de droga, mas

também reinseri-lo no convívio social.

Sendo assim, no Capítulo 1, foi abordada a preocupação

mundial no que tange à criação de uma Lei antidrogas e ainda a evolução

histórica das leis que regulavam as questões relativas às drogas, até a vigência

da atual lei de Drogas, ou seja, a Lei nº. 11.343/2006. Pode observar que com

o avanço das leis que disciplinava sobre a prevenção e repreensão ao uso e

tráfico de substância entorpecente, visou repreender de maneira mais severa o

agente que comercializa droga e o dependente de substância entorpecente

equiparando como um doente, aplicando penas com objetivo de reinseri-lo

novamente ao convívio social.

No Capítulo 2, realizado a análise de crime e pena,

salientando as principais características destes ordenamentos Penais, para

poder compreender no terceiro capítulo os institutos penais despenalizadores e

descriminalizadores, e se a conduta prevista no art. 28 é considerada crime,

pela natureza da pena imposta no mencionado dispositivo legal.

No Capítulo 3, foi enfatizado o art. 28 da Lei nº.

11.343/2006, sendo conceituado o diploma legal desta norma, salientando o

procedimento adotado por esta norma, abarcada pela Lei nº. 9.099/95, delito

de menor potencial ofensivo.

57

Ao analisar o tema, pode-se constatar que é o

entendimento majoritário da doutrina e os entendimentos jurisprudenciais que a

conduta de possuir de droga para consumo próprio despenalizou, pois a

conduta do art. 28 continua sendo crime, sendo punido com penas alternativas.

58

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