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Revista Expressão, Mossoró-RN, v. 41, n. 1, p. 117-130, jan./jul. 2010 A RETEXTUALIZAÇÃO EM AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO SUPERIOR Maria Coeli Saraiva Rodrigues * Bernardete Biasi-Rodrigues ** RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de analisar as transformações que podem ocorrer quando um texto oral é transformado em um texto escrito, e como podemos desenvolver essa atividade em salas de aula de língua portuguesa. Através dessa pesquisa, procuramos demonstrar, principalmente aos alunos, que não há certo ou errado quando se trata de um texto falado ou um texto escrito, o que na verdade existe são diferenças quando transformamos um texto em outro. A importância da escrita, em comparação com a fala, sempre foi vista como sendo mais complexa e mais elaborada, tendo assim, um status mais importante na sociedade, até mesmo por estar ligada tanto à ascensão profissional, como à econômica, como afirma Marcuschi. Estudos realizados sobre o assunto, como os dos professores Fávero e Marcuschi, nos mostram que a fala é tão complexa, ou até mais complicada, que a escrita. Com base nessa afirmação, no que se refere à coleta de dados, extraímos um corpus, através de uma atividade de retextualização aplicada a uma turma do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará, na qual os alunos produziram textos a partir da música Poema, do compositor Cazuza. Diante da análise nota-se que os recursos utilizados por um falante não é o mesmo quando um texto oral passa para o texto escrito, assim como pode, também, ocorrer uma mudança de gênero entre um texto e outro, sem que assim ocorram alterações no assunto abordado no texto utilizado como base para o exercício realizado com os alunos em sala de aula. Palavras-chave: Gênero textual, Ensino de Língua, Retextualização. * Mestranda em Linguística pela Universidade Federal do Ceará e Bolsista CNPq. E-mail: [email protected] ** Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina e Professora Associada II da Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected]

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Revista Expressão, Mossoró-RN, v. 41, n. 1, p. 117-130, jan./jul. 2010

A RETEXTUALIZAÇÃO EM AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO SUPERIOR

Maria Coeli Saraiva Rodrigues*

Bernardete Biasi-Rodrigues**

RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de analisar as transformações que podem ocorrer quando um texto oral é transformado em um texto escrito, e como podemos desenvolver essa atividade em salas de aula de língua portuguesa. Através dessa pesquisa, procuramos demonstrar, principalmente aos alunos, que não há certo ou errado quando se trata de um texto falado ou um texto escrito, o que na verdade existe são diferenças quando transformamos um texto em outro. A importância da escrita, em comparação com a fala, sempre foi vista como sendo mais complexa e mais elaborada, tendo assim, um status mais importante na sociedade, até mesmo por estar ligada tanto à ascensão profissional, como à econômica, como afirma Marcuschi. Estudos realizados sobre o assunto, como os dos professores Fávero e Marcuschi, nos mostram que a fala é tão complexa, ou até mais complicada, que a escrita. Com base nessa afirmação, no que se refere à coleta de dados, extraímos um corpus, através de uma atividade de retextualização aplicada a uma turma do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará, na qual os alunos produziram textos a partir da música Poema, do compositor Cazuza. Diante da análise nota-se que os recursos utilizados por um falante não é o mesmo quando um texto oral passa para o texto escrito, assim como pode, também, ocorrer uma mudança de gênero entre um texto e outro, sem que assim ocorram alterações no assunto abordado no texto utilizado como base para o exercício realizado com os alunos em sala de aula. Palavras-chave: Gênero textual, Ensino de Língua, Retextualização.

* Mestranda em Linguística pela Universidade Federal do Ceará e Bolsista CNPq. E-mail: [email protected] ** Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina e Professora Associada II da Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected]

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Introdução

Tratando-se do ensino de Língua Portuguesa (doravante LP), nota-se que tem sido dada uma especial atenção, pelos professores, ao uso de gêneros textuais como ferramentas de ensino, nas aulas de língua materna. Essa preocupação vem crescendo, de acordo com Rojo (2005), desde quando surgiram os primeiros estudos, em 1995, a respeito de gêneros como eventos sóciocomunicativos, como também se manifesta nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN - 1998), que evidenciam a importância de se utilizar o gênero como objeto de ensino, considerando as suas características no que tange à leitura e à produção de textos. Apesar disso, constata-se que muitos alunos ainda chegam ao ensino superior sem saber diferenciar tipos textuais de gêneros. Essas questões têm provocado muitas discussões, dentre elas, segundo Biasi-Rodrigues (2002), a seguinte: de que forma o profissional que atua no ensino de línguas pode elaborar atividades relacionadas ao tratamento de gêneros em sala de aula?

Este artigo tem como objetivo tratar da produção de textos no ensino superior, por meio de uma atividade de retextualização proposta na disciplina Comunicação em Língua Portuguesa I1. Nesta atividade, buscou-se explicar para os alunos, através da música Poema, do compositor Cazuza, as mudanças que poderiam ocorrer quando um texto produzido para ser cantado (musicado) é transformado em um texto escrito de outra natureza, bem como os diversos gêneros que podem se realizar a partir desta transformação. Explicaram-se, também, as variáveis linguísticas que podem ser utilizadas nessa atividade de produção textual, de acordo com o gênero textual escolhido e a situação comunicativa em que se insere. Os alunos, além de terem a oportunidade de reconhecer os gêneros que poderiam resultar no processo de retextualização, passaram por um exercício de compreensão do texto do poema, antes de reescrevê-lo.

A concepção de retextualização que dá suporte teórico à tarefa toma por base Marcuschi (2001) e Dell‟Isola (2007), e a análise do fenômeno da variação linguística apoia-se em Bortoni-Ricardo (2004).

1 Disciplina ofertada para o Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará no primeiro semestre de 2008.

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Este artigo está dividido em quatro seções. Na primeira, tratamos do embasamento teórico, apresentando explanações feitas por alguns autores sobre retextualização, oralidade e escrita e variação linguística. Na segunda, descrevemos como foi planejada a aula para a coleta do corpus. Logo após, apresentamos os dados e mostramos como os alunos fizeram a retextualização do texto proposto pelo professor. Finalmente, trazemos considerações com as quais acreditamos oferecer contribuições para o trabalho docente.

Sobre retextualização e entornos

O termo retextualização foi empregado pela primeira vez por

Travaglia (1993) para fazer referência à tradução de uma língua para a outra. Abaurre (1995) acrescenta a ideia de refacção ou reescrita de um texto, e Marcuschi (2001) trata da transformação de textos orais em textos escritos, especialmente.

Segundo Marcuschi (2001, p.46 e 47), a atividade de retextualização é um fato comum na vida diária de um falante e não uma questão artificial que parece ocorrer apenas em exercícios acadêmicos ou escolares. O autor afirma, ainda, que esse processo acontece naturalmente e não mecanicamente, e que envolve operações complexas que interferem tanto no código como no sentido. No que diz respeito à prática desta atividade em aulas de LP, a autora Dell‟Isola (2007, p. 11) constata que se trata de um “excelente recurso para o trabalho com o gênero”, e elabora um esquema para exemplificar possíveis atividades de retextualização. Para melhor delinearmos nosso estudo, apresentamos abaixo o esquema utilizado pela autora. N o esquema, cada R representa uma retextualização possível: R1 é o processo da fala para a escrita; R2, da escrita para a escrita; R3, da escrita para a fala; R4 E R5, da fala para a fala.

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Fonte: Retextualizações, Regina L. Péret Dell‟Isola(2007, p.37)

Na atividade de retextualização, como assevera Marcuschi (2001),

deve-se considerar um aspecto muito importante, a saber: a compreensão. Primeiramente, antes de qualquer atividade de transformação textual, faz-se necessário que se compreenda o que foi dito no texto base para que não aconteçam problemas relativos à coerência. Este também é o ponto de vista de Dell‟Isola (2007, p.36) que considera, ao se reescrever um texto, a necessidade de um planejamento que abrange duas importantes etapas, que são (i) a leitura, compreensão e identificação dos gêneros, e (ii) a reescrita de textos.

Além disso, para Marcuschi (2001, p.48), existem quatro possibilidades no que diz respeito à reescrita de um texto:

1. Da fala para a escrita

Por exemplo: de uma entrevista oral para uma entrevista impressa.

2. Da fala para a fala Por exemplo: de uma conferência para a tradução simultânea.

3. Da escrita para a escrita Por exemplo: de um livro para uma resenha escrita.

4. Da escrita para a oralidade

Debate oral em reunião de condomínio

R1 Produção de texto escrito: Regulamento

R2 Produção de texto escrito: Adendo de convenção de condomínio

Debate oral em reunião de condomínio

R5

Produção de texto oral: conversa sobre a

conversa

R4

Produção de texto oral: Conversa sobre o adendo

R3

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Por exemplo: de um esquema escrito para uma exposição oral.

Como se pode observar neste quadro, o processo de

retextualização não ocorre somente na passagem da fala para a escrita, o que corrobora a idéia de que se pode trabalhar com diversas possibilidades de retextualizar, como por exemplo, os atos de resumir, parafrasear, parodiar, transformar textos de um sistema semiótico em outro (de verbal a não verbal ou vice-versa), de livros a filmes ou novelas, de verso em prosa (ou vice-versa.

Ainda é importante ressaltar, segundo Dell‟Isola, que as “formas verbais orais ou escritas que resultam de enunciados produzidos em sociedade e, no âmbito do ensino e aprendizagem de português, são vias de acesso ao letramento” (Dell‟Isola, 2007 p.19). Isto equivale a dizer que o aluno deve saber adequar seu texto, seja ele oral ou escrito, ao contexto em que está inserido. A escrita e a oralidade são eventos de letramento, embora, para a sociedade, a escrita tenha um maior prestígio que a fala.

Para Marcuschi (2007), a escrita não é representação da oralidade, porque aquela não consegue reproduzir muitos dos fenômenos desta, como o movimento dos olhos e a gestualidade, por exemplo. Além disso, o autor afirma que a escrita possui caracterizações próprias que não podem ser representadas na oralidade, como cores e formato de letras. Embora diferentes, não são “suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas lingüísticos, nem uma dicotomia” (Marcuschi, 2007, p.17), a escrita é uma modalidade de uso da língua complementar à oralidade.

No que se refere ao ensino de LP, Bortoni-Ricardo (2005, p.15) nos diz que os professores têm que estar conscientes de que existem várias maneiras de se dizer a mesma coisa, e os alunos precisam saber disso. Os docentes devem estar de acordo que essas formas alternativas servem a propósitos comunicativos distintos e são concebidas de forma diferenciada pela sociedade. Nesta perspectiva, merece destaque, também, a opinião de Marcuschi (2007) de que os textos escritos não são mais complexos que os textos orais, por isso não cabe à sociedade privilegiar uma modalidade de linguagem em detrimento da outra. Sobre o assunto, a autora Dell‟Isola (2007) afirma que

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os profissionais da linguagem precisam levar os alunos a compreender e procurar explicar como se manifestam os diferentes gêneros textuais. A identidade, os relacionamentos e o conhecimento dos seres humanos são determinados pelos gêneros textuais a que estão expostos, que produzem e consomem. (DELL‟ISOLA, 2007, P. 24)

Ainda no que diz respeito às diferenças entre textos orais e

escritos, Bronckart afirma que facilmente podemos distinguir um texto falado de um texto escrito, sendo esta distinção feita exclusivamente no plano do contexto. Apesar disso, o autor ressalta que “todo texto produzido em modalidade oral pode, em seguida, ser transcrito e que todo texto produzido em modalidade escrita pode, a seguir, ser reproduzido oralmente” (Bronckart, 1999, p.185).

Cabe acrescentar, baseando-se em Marcuschi (2001), que há diferença entre transcrição e retextualização, pois, na primeira, há operações que causam mudanças, mas estas não devem interferir na natureza do discurso do ponto de vista da linguagem. Já no caso da retextualização, ocorre uma maior e mais sensível interferência, em especial na linguagem. Sobre a atividade de retextualização

A atividade de retextualização foi realizada em uma aula de uma

hora e quarenta e cinco minutos, na disciplina de Comunicação em Língua Portuguesa I, em maio de 2008, com uma turma do primeiro semestre do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará.

Inicialmente, explicou-se o que é retextualização demonstrando que ela pode acontecer, por exemplo, quando se resume um texto, podendo ser um texto escrito, como um artigo, ou um texto oral, como o de um filme. Em seguida, pediu-se aos alunos que lessem os resumos que haviam produzido sobre o conteúdo da aula anterior. Através dessa atividade, mostrou-se que a retextualização de um texto oral em um texto escrito pode provocar algumas mudanças como, por exemplo, a ausência de repetições ou hesitações do texto oral, como também a modificação de tempos verbais.

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Após esta introdução, solicitou-se aos alunos que, individualmente, fizessem a retextualização da música Poema, do compositor Cazuza. Para complementar, eles ouviram a canção na voz de Ney Matogrosso e depois receberam a letra da canção para ler como segue:

Poema - Cazuza Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo Eu acordei com medo e procurei no escuro Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo Porque o passado me traz uma lembrança Do tempo que eu era criança E o medo era motivo de choro Desculpa pra um abraço ou um consolo Hoje eu acordei com medo mas não chorei Nem reclamei abrigo Do escuro eu via um infinito sem presente, passado ou futuro Senti um abraço forte, já não era medo Era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim De repente a gente vê que perdeu ou está perdendo alguma coisa Morna e ingênua que vai ficando no caminho Que é escuro e frio mas também bonito porque é iluminado Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás

Percebeu-se que os alunos demonstraram, inicialmente, alguma

dificuldade em entender o processo de retextualização, apesar de realizarem esse exercício com muita frequência em outras aulas, mesmo que não intencionalmente. Alguns discentes tinham dúvidas em relação ao gênero que podiam utilizar para retextualizar, pois achavam que tinham, obrigatoriamente, que reescrever o texto em forma de poesia. Por sua vez, outros sentiram dificuldade quanto à compreensão do texto.

Diante desses problemas, buscou-se, através da leitura da canção, trabalhar algumas questões para facilitar a compreensão e, em seguida, deixou-se claro que o importante não era o gênero escolhido, mas sim que o tema do texto original fosse mantido.

Dentre os trinta e oito textos produzidos pelos alunos, foram selecionados seis (numerados de 1 a 6) para representar a variedade de

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gêneros produzidos, e alguns excertos ilustram a análise apresentada a seguir. Sobre o desempenho da tarefa

Os textos produzidos pelos alunos revelaram o uso de diversos

gêneros escolhidos para retextualizar a letra da música Poema, de Cazuza. Para uma melhor visualização, elaboramos uma tabela com os gêneros produzidos pelos alunos e indicadas suas respectivas porcentagens.

Gênero Porcentagem

1. Bilhete 2,63%

2. Carta 31,57%

3. Poema 15,78%

4. Crônica 15,78%

5. Conto 28,94%

6. Mensagem SMS 2,63%

7. Charge 2,63%

TOTAL = 38 TOTAL = 100% Gêneros produzidos por retextualização e suas porcentagens

Pode-se constatar, através dos dados acima, que, apesar de o

texto-base ser um poema, a maioria dos alunos optou por escrever uma carta, provavelmente porque, no texto original, é evidente o distanciamento entre os interlocutores representados. Essa mesma hipótese estende-se aos gêneros bilhete e mensagem SMS.

Outro fator que merece destaque refere-se à maneira pela qual os alunos optaram por iniciar os seus textos, como se pode verificar nos exemplos de crônica (aluno 1), conto (aluno 2) e carta (aluno 3) que se seguem:

Aluno 1: “Lembrar da infância me traz muito nostalgia. Eu nunca fui uma dessas pessoas que esquece as coisas facilmente. A razão pela qual escrevo esta crônica, é que ontem tive um pesadelo de cinema.” Aluno 2: “Subitamente, num quarto escuro, pouco iluminado por uma lua ainda cheia, um homem acorda

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de um pesadelo sob uma nostalgia que não tinha razão no momento. Uma saudade da infância, um medo que o choro de criança não resolvia mais.” Aluno 3: “Querida mamãe, hoje, em especial, senti uma enorme saudade de você, talvez porque tive um pesadelo, acordei assustada, com medo, e lembrei do seu carinho, do tempo que eu era criança, quando qualquer medo era motivo de choro, só para receber de você um abraço ou um consolo.”

Os exemplos citados mostram que os alunos basearam-se

diretamente no trecho inicial da música para começarem os seus textos, independente do gênero que escolheram para a retextualização. Isso foi observado em 97,37% dos escritos dos estudantes que participaram da atividade, certamente na intenção de se manterem fiéis à temática do texto original.

Em relação à adequação da linguagem poética-musical à modalidade escrita (prosa, em geral), pode-se observar que, em sua maioria, os textos apresentaram uma adaptação da primeira para a segunda, em termos de estrutura sintática (aluno 4), perdendo, desta forma, os traços que poético-musicais. O mesmo não pode ser constatado nos exemplos em que os alunos fizeram uso do gênero poesia (aluno 5).

Aluno 4: Querido irmão, hoje tive um pesadelo e levantei atenta, procurando no escuro do quarto algum consolo, como quando eu dormia na casa da vovó.

Aluno 5: “Sonhei/Eu não quis acreditar/Mas, quando, de repente, acordei/Apenas a sua lembrança estava aqui/a me encarar”.

Como se pode observar, a depender do gênero, os alunos

produziram um texto adequado às necessidades do evento comunicativo. Por isso levaram em consideração não apenas a mensagem que desejavam transmitir em seu texto, como também as características de cada gênero. Sendo assim, fizeram uso de um léxico adequado à situação sóciocomunicativa, como se pode verificar no exemplo a seguir:

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Aluno 6: Lembrei d vc, daqueles velhos tempos. To com saudads. bjs. (mensagem SMS)

Ainda hoje, muitos professores de LP não trabalham as diversas

variantes existentes no português do Brasil, em atividades de ensino-aprendizagem. Nas palavras de Bortoni-Ricardo (2004, p.38),

uma pedagogia que é culturalmente sensível aos saberes dos educandos está atenta às diferenças entre a cultura que eles representam e a da escola, e mostra ao professor como encontrar formas efetivas de conscientizar os educandos sobre essas diferenças. Na prática, contudo, esse comportamento é ainda problemático para os professores, que ficam inseguros, sem saber se devem corrigir ou não, que erros devem corrigir ou até mesmo se podem falar em erros.

Para a autora, os professores ainda não sabem como proceder em

relação à variantes não padrão utilizadas no ambiente de sala de aula e, por isso, chamam de “erro de português” o que na verdade se trata de uma variante da língua portuguesa. Esse comportamento inibe a possibilidade de realizar exercícios, como os de retextualização, por parte dos docentes, pois as noções de certo e errado na língua seriam colocadas acima da liberdade dos alunos no momento da produção de textos.

O comportamento dos professores, diante de algumas produções realizadas pelos alunos, não está de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, pois o mesmo preconiza, entre outros pontos, que o aluno deve ter noção de que os textos distribuem-se num contínuo de gêneros estáveis, com características próprias, e são socialmente organizados tanto na fala como na escrita. Outro fator abordado pelo mesmo documento é que os professores devem dar maior atenção para a língua em uso, sem se fixar no estudo da gramática como um conjunto de regras, mas frisando a relevância da reflexão sobre a língua. De acordo com Del‟Isola (2007),

no ensino, devem ser desenvolvidos recursos para uma melhor compreensão dos aspectos cognitivos e esquemáticos que contribuem para que um determinado discurso aconteça. Os professores devem promover

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oportunidades para um aprendizado igualitário com vistas a vários letramentos que levam os aprendizes a compreensões de como funcionam os textos nas sociedades. (DELL‟ISOLA, 2007, P. 25)

Porém, o que se observa de fato nas aulas de Língua Materna é o

uso da Gramática Normativa, o que se distancia dos pressupostos do PCN Língua Portuguesa e não prepara o aluno para o cotidiano. Considerações finais

Nesta pesquisa, com base nos resultados obtidos, buscamos

compreender as relações existentes entre a importância da atividade de retextualização, o trabalho com gêneros textuais em salas de aula de LP do ensino superior, bem como a adequação do uso de variantes linguísticas na produção dos textos pelos alunos.

As observações nos levaram a concluir que os alunos, independente do tema do texto base, conseguirão adequá-lo a qualquer que seja o gênero, no processo de retextualização. Na passagem do texto em versos para o texto em prosa, também se observou que os discentes conseguiram adequar o texto que produziram às normas da modalidade escrita, sem que assim ocorresse uma alteração no assunto abordado pelo texto-base.

Nesse sentido, acreditamos que a atividade de retextualização seja uma importante ferramenta que o professor de língua materna poderá utilizar no trabalho com gêneros em sala de aula, explorando, além da produção dos textos com todos os seus recursos de textualização, questões linguísticas de natureza gramatical.

No que refere às variantes linguísticas, o trabalho com a retextualização favorece, por parte dos professores, a aceitação das diferenças reveladas nos textos produzidos em sala de aula. Com o surgimento de novas tecnologias, que permitem a comunicação via computadores e celulares, por exemplo, os alunos têm levado para dentro de sala de aula exemplos da linguagem utilizada nesses ambientes virtuais.

Naturalmente, os dados que analisamos apontam, também, para outros aspectos que não foram considerados neste estudo, como as estratégias utilizadas pelos alunos nas escolhas dos gêneros para a

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atividade proposta. Isso nos levará, possivelmente, a outras experiências com retextualização, bem como a outras possíveis estratégias que se pode utilizar em sala de aula, no tratamento da língua por meio de gêneros textuais. Referências

BIASI-RODRIGUES, Bernardete. A diversidade de gêneros textuais na escola: um novo modismo? Revista Perspectiva, Florianópolis: Ed. da UFSC, v.20, n.1, p. 49-64, jan./jun./2002.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora?: sociolingüística & educação. São Paulo: Parábola, 2005.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolingüística em sala de aula. 4. ed. São Paulo: Parábola, 2004.

BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. 2. ed. São Paulo: EDUC, 1999.

DELL‟ISOLA, Regina Lúcia Péret. Retextualização de gêneros escritos. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.

FÁVERO, L.L.; KOCH, I.G.V. Lingüística Textual: uma introdução. São Paulo: Cortez, 1988

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.

ROJO, Roxane. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J.L., BONINI, Adair & MOTTA-ROTH, Désirée (orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005.

Recebido em 20/02/10. Aprovado em 06/04/10

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ABSTRACT: THE RETEXTUALIZATION IN CLASSES OF PORTUGUESE LANGUAGE OF HIGHER TEACHING This paper aims at analyzing changes that may occur when an oral text is transformed into a written text, and how we can develop this activity in classes about Portuguese language. Through this research, we inted to demonstrate, especially to students, that there is no right or wrong when it comes to a spoken text or written text, but actually there are differences when we convert one modality of the language into another. Writing, compared with oral speech, has always been considered more complex and more sophisticated and, as a consequence, it presents a more important status in society. That is why it is related both to professional and economical advancement, as Marcuschi (2001) assures. Studies on the subject, such as Fávero (1988) and Marcuschi (2001), show us that oral speech is as complex, or even more complicated than writing. Based on this statement, regarding to data construction, we selected a corpus, from an activity of retextualization applied to students of Journalism degree from the Federal University of Ceará, in which students produced texts from the music “Poem”, whose composer is Cazuza. Due to the analysis, we note that the resources used by a speaker are not the same when an oral text is passed into written text. This speaker may also experience a gender change between a text and another, but it does not presume the change of the topic approached in the txt as the basis for the exercise developed by the students in the classroom. Keywords: Textual Gender, Language Education, Retextualization. RESUMEN: LA ACTIVIDAD DE RETEXTUALIZACIÓN EN CLASES DE LENGUA PORTUGUESA DE LA EDUCACIÓN SUPERIOR Este trabajo pretende analizar los cambios que pueden producirse cuando um texto oral se tranforma em um texto escrito, y cómo podemos desarrollar esta actividad em aula portuguesas. A través de esta investigación, se demuestra, sobre todo a los estudiantes,que no hay bien o mal cuando se trata de um texto hablado o um texto escrito, lo que realmente existe son las diferencias cuando transformamos un texto a otro. La escritura, en comparación con el habla, ha sido siempre visto como algo más complejo y más elaborado, y por lo tanto un estatus más importante en la sociedad, incluso por estar vinculado tanto a su carrera profesional como la economía, tal como se indica Marcuschi (2001). Los estudios sobre el tema, como los de Fávero (1988) y Marcuschi (2001), nos muestran que el discurso es tan complejo, o incluso más complicado que escribir. Sobre la base de esta declaración en lo que respecta a la recopilación de datos, extraemos um corpus, a través de una actividad de retextualization aplicado a una clase de grado de Periodismo de la Universidad Federal de Ceará, en el que los

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estudiantes producen textos de la música “Poema”, del compositor Cazuza. A partir del análisis se observa que los recursos utilizados por un hablante no es lo mismo al pasar un texto oral al texto escrito, y también pueden experimentar un cambio de género entre un texto y otro, de manero que no se producen câmbios em el tema discutido em el texto utilizado como base para el ejercicio realizados por los alumnos em el aula. Palabras-Claves: Género Textual, Educación del Lenguaje, Retextualization.