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A UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO
Giorgia Sena Martins
NORMA AMBIENTAL: COMPLEXIDADE E CONCRETIZAO
Florianpolis
2013
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Giorgia Sena Martins
NORMA AMBIENTAL: COMPLEXIDADE E CONCRETIZAO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao Stricto Sensu em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito obteno do ttulo de Mestre em Direito.
Orientadora: Profa. Dra. Cristiane Derani
Coorientador: Prof. Dr. Jos Rubens Morato Leite
Florianpolis
2013
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Ficha de identificao da obra elaborada pela autora, atravs do
Programa de Gerao Automtica da Biblioteca Universitria da UFSC.
Martins, Giorgia Sena
Norma Ambiental [dissertao] : complexidade e
concretizao / Giorgia Sena Martins ; orientadora,
Cristiane Derani ; coorientador, Jos Rubens Morato
Leite. - Florianpolis, SC, 2013.
317 p. ; 21cm
Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Centro de Cincias Jurdicas. Programa de Ps-
Graduao em Direito.
Inclui referncias
1. Direito. 2. Crise ambiental. 3. Economia ecolgica.
4. Pensamento complexo. 5. Norma jurdica. I. Derani,
Cristiane. II. Leite, Jos Rubens Morato. III.
Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Ps-
Graduao em Direito. IV. Ttulo.
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Giorgia Sena Martins
NORMA AMBIENTAL: COMPLEXIDADE E CONCRETIZAO
Esta Dissertao foi julgada adequada para obteno do Ttulo de Mestre e aprovada em sua forma final pelo Programa de Ps-graduao Stricto Sensu em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina
Local, 12 de Abril de 2013.
________________________ Prof. Luiz Otvio Pimentel, Dr.
Coordenador do Curso
Banca Examinadora:
________________________ Profa. Cristiane Derani, Dra.
Orientadora - UFSC
________________________ Prof. Jos Rubens Morato Leite, Dr.
Coorientador - UFSC
________________________ Prof. Airton Lisle Cerqueira Leite Seelaender, Dr.
Universidade Federal de Santa Catarina
________________________ Prof. Guilherme Jos Purvin de Figueiredo, Dr.
Universidade So Francisco
________________________ Prof. Rogrio Silva Portanova, Dr.
Universidade Federal de Santa Catarina
________________________ Profa. Letcia Albuquerque, Dra.
Universidade Federal de Santa Catarina (suplente)
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Dedico este trabalho a minha me,
Benilda Sena, fonte inesgotvel de estmulo e inspirao, e a minha av Olga Lunelli Sena, exemplo de fora, amor e coragem.
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AGRADECIMENTOS
Professora Dra. Cristiane Derani, minha orientadora. Mais que a minha gratido por sua orientao, registro aqui minha profunda admirao por sua inteligncia e sagacidade. Esta dissertao , em grande parte, fruto de seus preciosos insights! Ao Professor Dr. Jos Rubens Morato Leite, coorientador deste trabalho e Coordenador do Grupo de Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco, do qual participo, pelo carinho, pelo exemplo, pelo constante incentivo acadmico, bem como pela experincia adquirida durante o estgio de docncia que cumpri sob sua superviso. Agradeo, ainda, pelas contribuies ao projeto de pesquisa e por ter me instado fortemente a aliar teoria e prtica neste trabalho. Ao Dr. Marcelo da Silva Freitas, Procurador-Chefe da Procuradoria Federal em Santa Catarina, por me permitir o gozo de setenta dias de licena-capacitao para a concluso deste trabalho. Aos Analistas e Tcnicos Ambientais do IBAMA, pelas lies que me permitiram ver e entender o Direito Ambiental para alm da letra fria da lei. Agradeo por me inspirarem com sua paixo e comprometimento com a causa ambiental. Em especial, agradeo aos analistas ambientais Antnio Ganme, Miguel Bernardino dos Santos, Vincent Kurt Lo, Jury Patrcia M. Semo e sis Akemi Morimoto, pelo treinamento sobre fauna e pelos valiosos subsdios que me forneceram. Ao Professor Doutor Rabah Benakkouche, Professor Titular de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina, pela leitura atenta do primeiro captulo deste trabalho, que sepultou meu medo de haver cometido alguma grande impropriedade em termos econmicos. Aos Professores Doutores Patryck Arajo Ayala, Jos Eduardo Ramos Rodrigues, Ricardo Camargo, meus queridos amigos, pelos debates e por haverem lido os originais deste trabalho, presenteando-me com valiosssimas sugestes. Aos meus amados amigos do PPGD Andr Soares, Gabriela Navarro, Fabiano Dauwe, Luiza Christman, Kamila Guimares Moraes, Renata Guimares Reynaldo, Melissa Ely Melo, Liz Sass, Clarissa Dri, Ademar Pozzatti Jr., Flvia Frana Dinnebier, Lusa Bresolin, Patrcia Kotzias, Adailton Pires Costa, Alexandre Hubert, Kamila Brandl, Andreia Rosenir Silva pelos debates acadmicos e, principalmente, por terem tornado a minha vida mais feliz durante o mestrado! Aos meus queridssimos amigos Procuradores Federais Osvaldo Antnio Bertemes, Csar Dirceu Obrego Azambuja, Martin Erich Rodacki e Henrique Albino Pereira pelo companheirismo, pela luta que compartilhamos, pelas risadas e pelas infindveis (e profcuas) discusses ambientais. Aos meus grandes amigos Miguel Teixeira Gomes Pacheco, Renata Cordeiro e Elena Lemos Pinto Aydos, pela incondicional amizade, carinho, apoio e incentivo em todos os momentos!
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minha querida mezinha, Benilda Sena, por ter sempre a palavra certa, na hora certa e por ter sido o melhor exemplo de pesquisadora e de ambientalista que eu poderia ter na vida. Por tudo, mesmo! Mamis, te amo! A Deus, sobre todas as coisas! Aos anjos e santos, budas e boddhsatvas, a todos seres de luz que nos circundam. A todos os seres, enfim... queles que vejo, queles que no vejo, queles que me protegem, queles que me desafiam. A todos com quem tenho a honra de compartilhar este Planeta.
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Tudo, creio, j foi pensado e dito por tantos e tontos. Ou quase tudo. Ou quase tontos.
De modo que no h novidades sob o sol e isso tambm j foi dito.
Ento, o que se pode fazer de melhor dizer de outra forma.
Manuel de Barros
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A aprovao da presente dissertao no significar o endosso do contedo por parte da Professora Orientadora, da Banca Examinadora e da Universidade Federal de Santa Catarina cosmoviso que a fundamenta ou que nela exposta.
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RESUMO
Este trabalho busca demonstrar que o enfrentamento da crise ambiental, por meio de instrumentos jurdicos, deve passar necessariamente pelo pensamento complexo (Edgar Morin), em oposio abordagem cartesiana (Ren Descartes). Inicialmente, com fundamento nos clssicos da Economia ecolgica (Daly, Boulding e Georgescu-Roegen), busca demonstrar que a sociedade de risco (Ulrich Beck) resultado da ausncia de complexidade na abordagem econmica tradicional, que desconsiderou a varivel ambiental e concebeu a Economia como um sistema fechado e o planeta terra como um sistema aberto, de modo a permitir o crescimento infinito. Como forma de contornar a crise, sugere-se o retorno ao pensamento complexo que, na esfera jurdica, se d por meio da ruptura do paradigma positivista (Hans Kelsen) e pela reformulao do conceito de norma jurdica, que no deve corresponder apenas ao texto normativo mas tambm ao mbito da norma, ou seja, realidade (Friedrich Mller). Sugere, assim, a aplicao desse novo conceito de norma argumentao jurdica deduzida nas lides ambientais, de modo a permitir que o intrprete compreenda a complexidade das interaes ecolgicas subjacentes s demandas ambientais. Indica, como forma de concretizao da norma ambiental, a readequao do discurso, por meio de uma argumentao simples, clara e contudente. Sugere tambm o uso de metforas e de argumentos metajurdicos (imagens, grficos, exemplos, reportagens, argumentos de ordem econmica, sociolgica e holstica), bem como a busca por sensibilizao ecolgica dos operadores do Direito. Por fim, analisa casos concretos, julgados pelo Tribunal Regional Federal da 4 Regio, em que se utilizou a abordagem proposta, com sucesso. Palavras-Chave: Crise Ambiental. Economia Ecolgica. Pensamento Complexo. Norma Jurdica. Teoria Estruturante do Direito.
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ABSTRACT
This work aims to demonstrate that engagement of the environmental crisis, by means of juridical instruments, must necessarily pass by the use of the complex thought (Edgar Morin), in opposition to the Cartesian approach (Ren Descartes). Initially, grounded in the classics of ecological economy (Daly, Boulding e Georgescu-Roegen), aims to demonstrate that the risk society (Ulrich Beck) is the result of the lack of complexity in the traditional economic approach, which disregarded the environmental variable and conceived the economy as a closed system and the planet earth as an open system so it allows infinite growth. As a way to go around the crisis it is suggested the return to complex thought which, in the juridical sphere, happens by means of the rupture of positivist paradigm and the reformulation of the concept of the juridical norm, which should not corresponded solely to the normative text but also to the scope of the norm, that is, reality (Friedrich Mller). Suggests, thus, the application of this new concept of norm to the juridical argumentation in the environmental arguing, as to allow the interpreter to understand the complexity of the ecological interactions underlying the environmental demands. It shows, as a form of concretion of the environmental norm, the readjustment of the speech, by means of a simpler argumentation, clear and strait to the point. Suggests as well the use of metaphors and meta juridical arguments (images, graphics, examples, news stories, arguments of economical, sociological and holistic nature) as the search for ecological sensibilization of the law operators. Finally it analyzes concrete cases judged by Fourth Region Federal Regional Court where the proposed approach was used with success
Keywords: Environmental Crisis. Ecological Economics. Complex Thinking. Rule of Law. Structuring Theory of Law.
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LISTA DE SIGLAS
AGU Advocacia-Geral da Unio CITES - Conveno sobre o Comrcio Internacional de Espcies Ameaadas da Fauna e Flora Silvestres DPU Defensoria Pblica da Unio IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis JFSC Justia Federal de Santa Catarina MPF Ministrio Pblico Federal ONU Organizao das Naes Unidas PF/SC Procuradoria Federal em Santa Catarina TRF4 Tribunal Regional Federal da 4 Regio UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
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SUMRIO
INTRODUO 21
1 ECOLOGIA, ECONOMIA E COMPLEXIDADE: DA INTERDEPENDNCIA
CONCEITUAL AO ENFRENTAMENTO DA CRISE 29
1.1 CONSIDERAES PRELIMINARES 29
1.2 DA ECONOMIA TRADICIONAL ECONOMIA ECOLGICA: OS
FUNDAMENTOS DA CRISE AMBIENTAL E A SADA DO LABIRINTO 33
1.2.1 O Diagrama do Fluxo Circular versus a Teoria da Entropia: Economia e
Ecologia na Teoria dos Sistemas 34
1.2.2 O Fluxo Metablico 37
1.2.3 Tamanho da Economia versus Alocao de Recursos 44
1.2.4 Crescimento versus Desenvolvimento 446
1.2.5 Comunidade Nacional versus Livre Comrcio 499
1.3 A SOCIEDADE DE RISCO: COROLRIO DA ECONOMIA TRADICIONAL 51
1.4 A TEORIA DA COMPLEXIDADE: O ELO PERDIDO ENTRE A ECONOMIA
TRADICIONAL E A SOCIEDADE DE RISCO 60
1.4.1 Origens do Pensamento Complexo 63
1.4.2 Complexidade no Pensamento Ocidental 66
2 O DIREITO E A COMPLEXIDADE: A NORMA JURDICA E A REALIDADE 73
2.1 A RACIONALIDADE JURDICA TRADICIONAL: DESCARTES E KELSEN 75
2.2 FRIEDRICH MLLER: A TEORIA ESTRUTURANTE DO DIREITO, O PS-
POSITIVISMO E O PENSAMENTO COMPLEXO 77
2.3 INTERPRETAO E CONCRETIZAO DA NORMA 83
2.3.1 Metdica Estruturante: Breves Apontamentos 87
2.4 A CONCRETIZAO DA NORMA AMBIENTAL 91
2.4.1 A Racionalidade Jurdica Tradicional e o Esvaziamento dos Institutos
Jurdicos Ambientais 92
2.4.2 Eu No Vejo, Logo No Existe 97
2.4.3 A Readequao da Linguagem 101
2.4.4 O Uso de Metforas 110
2.4.5 A Sensibilizao Ecolgica 114
2.4.6 Outros Argumentos Metajurdicos 122
3 JURISPRUDNCIA AMBIENTAL: DO PENSAMENTO CARTESIANO AO
PENSAMENTO COMPLEXO 127
3.1 O CASO DO PAPAGAIO DO MANGUE: NEM A LEI, NEM O LAUDO 132
3.2 CASO CORNLIA: COSTUME ARRAIGADO E AUSNCIA DE MAUS
TRATOS 141
3.3 O CASO DA DEFENSORIA PBLICA: IGNORNCIA, INSIGNIFICNCIA E
HIPOSSUFICINCIA 157
3.4 O CASO DO PLANTEL 166
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4 CONSIDERAES FINAIS 179
REFERNCIAS 191
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 203
ANEXO A - Bibliografia referente reabilitao, soltura, reintroduo ou
translocao de psitacdeos (papagaios, araras e periquitos) elaborada pela
Campanha Nacional de Proteo Fauna/IBAMA/SP 215
ANEXO B Pea processual exemplificativa da concretizao da norma
ambiental (Apelao Caso Cornlia) (cap. 2 e item 3.2) 227
ANEXO C Acrdo do Tribunal Regional Federal da 4 Regio (TRF4)
referente a Organismos Geneticamente Modificados (cap. 2) 26159
ANEXO D Sentena referente Proteo do Patrimnio Gentico (cap. 2) 2675
ANEXO E Deciso Liminar Caso do Papagaio do Mangue (item 3.1) 273
ANEXO F - Acrdo Caso do Papagaio do Mangue (item 3.1) 277
ANEXO G - Sentena Caso Cornlia (item 3.2) 283
ANEXO H - Acrdo Caso Cornlia (item 3.2) 293
ANEXO I Deciso interlocutria Caso da Defensoria Pblica (item 3.3) 301
ANEXO J - Sentena Caso do Plantel (item 3.4) 305
ANEXO L - Acrdo Caso do Plantel (item 3.4) 311
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INTRODUO
Um homem dos vinhedos falou, em agonia,
junto ao ouvido de Marcela. Antes de morrer revelou a ela o segredo:
- A uva - sussurrou - feita de vinho. Marcela Prez-Silva me contou isto, e eu pensei:
se a uva feita de vinho, talvez a gente seja as palavras
que contam o que a gente .
Eduardo Galeano, O Livro dos Abraos
Ultrapassando qualquer elucubrao terica ou inquietao acadmica, esta
dissertao nasce de um problema de ordem prtica: a constatao emprica, da
Autora, em mais de uma dcada de atuao direta no contencioso ambiental federal,
de que o Direito Ambiental no suficientemente compreendido e aplicado pelo
Poder Judicirio, dando margem a decises que reduzem ou esvaziam o espectro
de proteo ambiental.
Os laudos tcnicos, as evidncias cientficas e o prprio texto normativo
cedem espao ao voluntarismo judicial, ao senso comum e a meras opinies, em
uma abordagem retrica, destituda da competente fundamentao ambiental. O
desconhecimento das interaes ecolgicas abre alas ao princpio da insignificncia.
A pobreza serve de fundamento para a delinquncia ambiental, enquanto a riqueza
(o simples pagamento de multas) permite a regularizao de infraes. Cestas
bsicas substituem a responsabilizao criminal e, at mesmo, a recuperao do
dano. Solues de ordem formal so garimpadas para evitar o conhecimento do
mrito. Decises alimentam boletins estatsticos, mas matam mngua a necessria
e urgente proteo ambiental.
Velhos cnones afetos s lides interindividuais e ao Direito Privado balizam
decises ambientais altamente complexas, relacionadas danosidade difusa. A
racionalidade mecanicista e fragmentada aplicada, sem filtros, ao mundo vivo,
orgnico, prenhe de interaes. O Direito Ambiental adaptado a institutos jurdicos
ultrapassados. No se amplia a tica jurdica para entender a Ecologia; ao revs,
reduz-se a Ecologia para que o Direito lhe seja aplicvel.
O que surge, naturalmente, aps os sentimentos de frustrao, impotncia e
desespero, a busca por uma sada. Como levar ao Judicirio uma nova viso?
Como fazer o operador do Direito entender as lides ambientais? Como modificar a
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racionalidade jurdica tradicional? Como demonstrar que o Direito Ambiental no
funciona sob a vetusta lgica das relaes entre Mvio e Tcio?
As questes formuladas encontram resposta jurdico-normativa na Teoria
Estruturante do Direito de Friedrich Mller, especialmente em sua concepo de
norma jurdica. Essa nova norma jurdica, que conjuga ser e dever ser, texto
normativo e realidade, deve ser preenchida, do ponto de vista material (ambiental),
pela Teoria da Complexidade, trazida aos meios acadmicos ocidentais por Edgar
Morin.
Este trabalho encerra uma tentativa de enfrentamento da crise ambiental por
meio dos instrumentos de que dispe o Direito, a partir da lei posta. Busca-se a
concretizao da norma jurdica ambiental. A ideia que perpassa todo a pesquisa
que no h como compreender as questes ambientais sem transpor a abordagem
tradicional cartesiana. necessrio o recurso ao pensamento complexo, como
forma de preencher a norma ambiental de realidade.
Explicar ou definir em poucas palavras a complexidade soa reducionista e
contraditrio. Entretanto, um exemplo pode ilustr-la sob a tica ambiental: a guarda
domstica irregular de um papagaio. Segundo a viso cartesiana, fragmentada, isso
significa que apenas um papagaio que foi retirado da natureza e essa conduta pode
ser tida por insignificante ou de baixa lesividade.
Do ponto de vista do pensamento complexo, um papagaio no apenas um
papagaio, mas uma rede de relaes. A retirada de um papagaio da natureza
implica que aqueles papagaios que ficaram no ninho no sero alimentados e
perecero. Alm disso, cabe considerar que as aves alimentam-se de frutas e
excretam as sementes: resta, ento, comprometida a disperso de sementes que
contribuem para a manuteno da floresta.
Outro aspecto a ser considerado o trfico de animais: uma ave irregular
uma ave oriunda do trfico. E o trfico de animais uma das atividades humanas
mais danosas biodiversidade, haja vista que cerca de 90% das aves traficadas
morrem durante esse processo. Assim sendo, para que se tenha a guarda
domstica ilegal de um papagaio, cerca de nove papagaios morreram pelo caminho.
Alm disso, um animal silvestre em cativeiro irregular pode se tornar
agressivo, causar acidentes (mordeduras), alm de transmitir doenas aos humanos
(zoonoses, psitacoses etc.) e contrair doenas humanas de difcil tratamento..
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23
Ainda preciso considerar que um animal retirado da natureza um animal
que deixa de se reproduzir. A partir dos seis anos, um papagaio pode gerar cerca de
quatro filhotes por ano. Assim, ao fim de 35 anos, a retirada de um exemplar da
espcie pode significar o impacto exponencial de mais de 3500 papagaios que
deixaram de nascer, considerando-se apenas os descendentes diretos, em duas
geraes1. E isso apenas o incio de uma longa cadeia causal de abstraes que
podem ser realizadas do ponto de vista da Ecologia e suas interrelaes.
O exemplo do papagaio singelo e paradigmtico: em termos ambientais,
no se pode considerar apenas aquilo que se v, pois a maioria das interaes est
distante dos olhos do observador e as consequncias no so diretas ou imediatas,
tais quais em um acidente de carro. preciso ir mais longe e visualizar a teia de
infinitas relaes, nas quais h que se considerar a interdependncia entre os
fatores antrpicos, biticos e abiticos. Se um singelo papagaio permite avaliar
tantos desdobramentos, o que dizer da construo de uma usina hidreltrica, por
exemplo?
O texto normativo, ao dispor sobre a ilicitude da guarda de um animal
silvestre, no consegue abarcar toda essa realidade. As questes relativas ao trfico
de animais, crueldade que lhe subjaz, a disperso de sementes e tudo o mais que
conduz substancial perda de biodiversidade no constam do texto normativo e no
podem ser constatadas a partir de um processo hermenutico lgico-dedutivo.
O texto da norma apenas o incio de um processo de aplicao do Direito.
A norma precisa ser construda, conjugando-se o texto normativo com a realidade,
que muito mais rica, ampla e complexa do que pode prever a letra fria da lei. O
mecanismo subsuntivo de interpretao afigura-se insuficiente diante da magnitude
do caso concreto, que ganha ainda mais relevo quando o assunto meio ambiente.
preciso ir alm e trazer a realidade (o mbito da norma) para o processo
de aplicao do Direito. a que entram Friedrich Mller e Edgar Morin, com as
ideias de concretizao e complexidade, aqui aplicadas especificamente rea
ambiental.
1 As informaes acerca do trfico de animais, bem como aquelas especficas relacionadas aos
papagaios baseiam-se no treinamento Aspectos Legais e Ambientais na Conservao da Fauna Silvestre, promovido pela AGU, em conjunto com o IBAMA/SP (GANME, 2009; KURT LO, 2009; MORIMOTO, 2009, SANTOS, 2009; SEINO, 2009). Foi anexada a este trabalho ampla bibliografia tcnica referente reabilitao, soltura, reintroduo ou translocao de psitacdeos (Anexo A).
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As hipteses que pautam este trabalho so, portanto: a) que o contedo
ambiental da norma no suficientemente compreendido por parcela do Poder
Judicirio, o que resulta em decises que no salvaguardam o meio ambiente; b)
que a abordagem tradicional, pautada pela mera indicao de textos legais, doutrina
e princpios no tem se mostrado suficiente para a promoo da compreenso dos
institutos jurdico-ambientais; c) que a compreenso e aplicao do Direito Ambiental
demandam uma nova abordagem e uma nova forma de argumentao, a qual deve
passar pela demonstrao da complexidade subjacente norma ambiental.
O objetivo geral deste trabalho propor fundamentos de concretizao da
norma jurdica ambiental, conjugando texto normativo e realidade, com base na
transposio do paradigma cartesiano e o apelo ao pensamento complexo.
Os objetivos especficos deste trabalho so: a) contextualizar a crise
ambiental, utilizando argumentos relativos Economia Ecolgica e sociedade de
risco, em sua conexo com o pensamento complexo; b) demonstrar, por meio da
comparao entre as concepes de norma em Kelsen e Mller, a necessidade de
superao do pensamento cartesiano e a adoo do pensamento complexo de
forma a permitir a compreenso do contedo ambiental da norma e sua correta
aplicao; c) demonstrar, do ponto de vista prtico, a insuficiente compreenso da
norma ambiental por parcela do Poder Judicirio e a utilizao de instrumentos de
concretizao da norma ambiental, bem como os resultados obtidos a partir da
utilizao desses instrumentos.
O mtodo de abordagem adotado nesta pesquisa o mtodo indutivo, por
meio de anlise qualitativa. Utiliza-se preponderantemente o Mtodo de
Procedimento Monogrfico. A temtica ser desenvolvida com a tcnica de
documentao indireta por meio de pesquisa documental em fontes primrias
(processos judiciais/decises judiciais/jurisprudncia) e pesquisa bibliogrfica
interdisciplinar.
Para as citaes, optou-se pelo sistema autor-data (NBR 10520/2002, da
Associao Brasileira de Normas Tcnicas), regra que tambm fundamenta a
utilizao das notas de rodap explicativas, haja vista a vedao de utilizao
simultnea das mesmas com as notas de referncia bibliogrfica.
Para alcanar os objetivos propostos, a dissertao foi dividida em trs
captulos, que contemplam respectivamente teoria de base, problematizao e teste
da hiptese.
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O primeiro captulo trata da crise ambiental: aborda as relaes entre
Ecologia e Economia luz da Teoria da Complexidade. Busca demonstrar que a
crise ambiental decorre da forma como a teoria econmica tradicional concebe o
mundo, atribuindo Economia as caractersticas de sistema fechado, sem portas de
entrada e sada, que desconsidera, em suas bases, a varivel ambiental. Como
sistema fechado, a Economia um verdadeiro moto-contnuo, que opera dentro de
um sistema aberto (o Planeta Terra), que pode comportar um crescimento
econmico infinito. Essa concepo deixa de considerar as ligaes entre a
Economia e a Ecologia e os impactos recprocos, considerando equivocadamente o
planeta como uma fonte inesgotvel de recursos e uma fossa infinita de dejetos.
Trata-se de uma viso fragmentada e estanque, que ignora a complexidade
subjacente s relaes. Essa crtica feita por meio da conjugao da Economia
Ecolgica com a Teoria da Complexidade.
Constata-se, assim, que a abordagem econmica tradicional erigiu a
chamada sociedade de risco (Ulrich Beck). Analisam-se, ainda no primeiro captulo,
as caractersticas das ameaas e danos ambientais que perpassam a sociedade de
risco, bem como os mecanismos de proteo simblica, ocultamento e negao do
risco que objetivam permitir a continuidade do desenvolvimento tecnoindustrial e
explorao indiscriminada dos recursos naturais.
Buscam-se, finalmente, as bases do pensamento complexo para a
compreenso da realidade ambiental, como forma de transpor a racionalidade
dominada pelo pensamento cartesiano, pautado em uma viso mecanicista,
reducionista, interindividual, insuficiente ao enfrentamento da crise ambiental
contempornea.
Constata-se que a crise decorre de uma viso alheia complexidade e que
a uma sada possvel seria a retomada da complexidade perdida. Portanto, a teoria
da complexidade apresentada no primeiro captulo, mas permeia integralmente os
demais.
Como o objetivo ltimo do trabalho propor uma alternativa jurdica para
minimizar a crise ambiental, indispensvel contextualizar a crise, mostrando suas
origens ligadas teoria econmica tradicional e teoria kelseniana da norma, que
tm em comum o dficit de complexidade. A retomada da complexidade o que se
prope nesta pesquisa, dentro da concepo de norma jurdica proposta por
Friedrich Mller.
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Assim, o segundo captulo cuida precisamente da complexidade dentro da
Teoria do Direito. Para tanto, realiza-se a problematizao por meio de uma
comparao entre o conceito de norma jurdica em Kelsen e em Mller. As ideias de
Kelsen so relacionadas ao pensamento cartesiano, enquanto as ideias de Mller
mostram-se ligadas ao pensamento complexo. Busca-se distinguir o processo de
subsuno lgico-dedutivo, que pauta a tradicional interpretao dos textos
normativos com o processo indutivo e criativo de construo da norma jurdica em
Mller.
Traadas tais distines, apresentam-se, ainda no segundo captulo,
sugestes de concretizao da norma jurdica ambiental, como resposta aos
problemas apresentados, sugerindo o uso de uma argumentao que ultrapasse a
simples abordagem lgica, dogmtica e racional como meio de conduzir os
operadores do Direito a uma nova racionalidade ambiental.
Essa nova abordagem passa pela readequao da linguagem, pela
sensibilizao ecolgica, pelo uso de metforas, analogias, exemplos imagens,
reportagens e uma srie de argumentos metajurdicos (de ordem econmica,
sociolgica, ecossistmica, holstica etc.), cujo objetivo dar concretude ao
contedo ambiental da norma. O rol de sugestes apresentado exemplificativo e
comporta tantas opes quanto a criatividade do operador do Direito o permitirem.
Como forma de exemplificar a abordagem proposta, anexou-se a este
trabalho uma pea processual elaborada pela Autora, em conformidade com os
moldes sugeridos no segundo captulo. Trata-se de pea j utilizada em juzo,
referente a processo judicial integralmente analisado neste trabalho (Item 3.2, Caso
Cornlia, Anexo B).
O terceiro captulo, como teste da hiptese, apresenta uma abordagem
prtico-terica. Busca demonstrar, no mbito do processo, as premissas
anteriormente abordadas. Cuida, assim, da anlise de casos concretos, julgados
pela Justia Federal da 4 Regio.
De forma a garantir fidedignidade s anlises, so apresentados os
principais argumentos arrolados pelo autor da demanda e pelo ru, assim como os
fundamentos jurdicos de cada deciso. H, portanto, uma preocupao
descritiva/narrativa, com a finalidade de permitir a compreenso global da lide, e no
apenas de alguns argumentos invocados. Pelas mesmas razes, as decises
principais decises judiciais mencionadas foram anexadas dissertao, para
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permitir que o leitor confira o exato teor das mesmas, sepultando dvidas acerca de
uma eventual distoro interpretativa da Autora.
Optou-se pela anlise qualitativa em lugar da apresentao de dados
estatsticos, por se entender que essa a melhor forma de elucidar a falta de
compreenso do contedo ambiental da norma veiculada por determinados setores
do Poder Judicirio. Assim, viu-se por bem aprofundar a anlise dos fundamentos
utilizados pelos Magistrados, como forma de ilustrar a incompreenso que ainda
existe nos meios jurdicos.
A pesquisa em fontes primrias limita-se anlise de decises de primeiro e
segundo graus da Justia Federal da 4 Regio, cuja escolha pautou-se em duas
razes: a primeira, de ordem prtica, por se tratar do Tribunal no qual a Autora atua,
o que lhe facultou o acesso direto s decises e processos judiciais; a segunda
razo, no menos importante, por ser um Tribunal com alta qualidade tcnica.
O Judicirio Federal costuma primar por rigorosos critrios de recrutamento
de Juzes Federais. Possui, teoricamente, operadores do Direito capacitados para a
compreenso e aplicao da norma jurdica ambiental. Realizou-se, portanto, o corte
a partir da anlise da jurisprudncia das decises de um tribunal que figura,
tecnicamente falando, dentre os melhores tribunais brasileiros.
Foram selecionados quatro casos recentes, julgados no ano de 2012, de
modo a demonstrar a contemporaneidade dos posicionamentos. O recorte efetuado
refere-se ao cativeiro de animais silvestres e exticos. Essa escolha deve-se ao fato
de que, nesses processos, se pode aferir com preciso a (in) compreenso acerca
da matria ambiental, sem que outras ponderaes sejam contrapostas
(desenvolvimento, gerao de empregos etc.). Busca-se demonstrar que mesmo os
processos ambientais aparentemente simples no so facilmente compreendidos e
demandam uma leitura luz do pensamento complexo.
Os processos analisados seguem uma ordem crescente de complexidade
(aqui tomada em sentido vulgar), apresentando alguns dos principais fundamentos
que redundam no esvaziamento dos institutos ambientais: desconsiderao do texto
normativo, dos laudos tcnicos, justificao das infraes ambientais no costume, na
ausncia de maus tratos, na insignificncia, na pobreza, na ignorantia legis , bem
como na distoro interpretativa do contedo ambiental da norma.
A seguir, demonstram-se os esforos em busca de concretizao da norma,
assim como os resultados obtidos. A anlise de cada caso concreto feita tanto
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luz da teoria da complexidade, quanto em relao teoria da norma proposta por
Mller, conectando teoria e prtica.
Alm das referncias bibliogrficas, consta deste trabalho bibliografia
recomendada que permite o aprofundamento em diversos temas aqui mencionados
e que podem ser utilizadas em desenvolvimentos posteriores acerca da matria.
Espera-se, finalmente, que este trabalho possa contribuir para suscitar
novas reflexes sobre a forma de trabalhar o Direito Ambiental e sobre a
necessidade de se atentar s suas peculiaridades, para as quais os mecanismos
tradicionais de interpretao, argumentao e aplicao do Direito se mostram
insuficientes.
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1 ECOLOGIA, ECONOMIA E COMPLEXIDADE: DA INTERDEPENDNCIA
CONCEITUAL AO ENFRENTAMENTO DA CRISE
Eu tive um sonho que eu estava certo dia Num congresso mundial discutindo Economia
Argumentava em favor de mais trabalho Mais emprego, mais esforo, mais controle, mais-valia
Falei de polos industriais, de energia Demonstrei de mil maneiras como que um pas crescia
E me bati pela pujana econmica baseada na tnica da tecnologia Apresentei estatsticas e grficos
Demonstrando os malficos efeitos da teoria Principalmente a do lazer, do descanso
Da ampliao do espao cultural da poesia Disse por fim para todos os presentes
Que um pas s vai pra frente se trabalhar todo dia Estava certo de que tudo o que eu dizia
Representava a verdade pra todo mundo que ouvia Foi quando um velho levantou-se da cadeira
E saiu assoviando uma triste melodia Que parecia um preldio bachiano
Um frevo pernambucano, um choro do Pixinguinha E no salo todas as bocas sorriram
Todos os olhos me olharam, todos os homens saram Um por um
Fiquei ali naquele salo vazio De repente senti frio, reparei: estava nu
Despertei assustado e ainda tonto Me levantei e fui de pronto pra calada ver o cu azul
Os estudantes e operrios que passavam Davam risada e gritavam: Viva o ndio do Xingu!
(Gilberto Gil, Um sonho)
1.1 CONSIDERAES PRELIMINARES
O bvio nem sempre visto e compreendido, embora seja, muitas vezes,
evidente. Assim, preciso demonstr-lo. Ecologia e Economia interimplicam-se,
como realidades indissociveis. O desenvolvimento econmico irrefreado e
irresponsvel impacta o meio ambiente, causando desequilbrio. O desequilbrio
conduz s catstrofes ambientais, que impactam fortemente a Economia. O
processo circular e recursivo. No entanto, em termos prticos, essa correlao
bsica no foi efetivamente incorporada pelo pensamento econmico.
O impacto do furaco Sandy, que deixou Nova York em um cenrio ps-
apocalptico, serve para ilustrar essa estreita conexo entre Ecologia e Economia.
Cerca de 50 milhes de pessoas foram diretamente afetadas. Mais de 8 milhes de
endereos ficaram sem energia eltrica. As Bolsas deixaram de movimentar 117,4
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bilhes de dlares ao dia nos EUA. Mais de 15 mil voos de companhias nacionais e
internacionais foram cancelados. Uma usina eltrica explodiu na ilha de Manhattan.
Cinquenta casas foram consumidas por um incndio no Queens. Inundaes
ameaaram a central nuclear de Oyster Creek. Em Nova Jersey, Sandy custou pelo
menos 29,4 bilhes de dlares em destruio. O montante de 138 bilhes de dlares
foi apontado como o custo estimado das catstrofes naturais no ano de 2012.
Metade desse valor corresponde aos danos provocados pelo Furao Sandy e pela
seca que afetou os Estados Unidos. (SANDY..., 2012a; 50 MILHES..., 2012;
BOLSAS..., 2012; NMERO..., 2012; SANDY..., 2012b; FURACO..., 2012;
FURACO..., 2012a; 2012b; 2012c; RELATRIO..., 2013).
Relatrio da Organizao das Naes Unidas 2 , divulgado no dia 14 de
maro de 2013, apresenta previses alarmantes: o mundo pode viver um colapso
ambiental em 2050. Os desastres naturais deverso ocorrer com maior frequncia e
intensidade, gerando grandes danos econmicos e perdas humanas. So estimadas
cerca de 2,7 bilhes de pessoas vivendo em extrema pobreza em 2050, como
consequncia da degradao do planeta. A estimativa de que mais de 3 (trs)
bilhes de pessoas vivam na misria nos prximos 37 anos (RELATRIO..., 2013).
Economia e meio ambiente coexistem de forma interdependente: a
economia depende do meio ambiente. Paradoxalmente, o destroi. Da mesma forma,
por ele impactada, num crculo vicioso. Nenhuma anlise ecolgica pode, portanto,
dispensar uma abordagem econmica. O inverso tambm verdadeiro. H que se
perscrutar a raiz do problema. A crtica comporta diversas vertentes. Neste trabalho,
a compreenso da crise ambiental parte da elucidao prvia de algumas categorias
da Economia tradicional e da Economia Ecolgica. A partir da, constata-se o dficit
de complexidade da abordagem tradicional e seu corolrio, a sociedade de risco.
Parte-se de duas premissas insofismveis: a primeira que no h
essencialmente uma separao material entre Economia e Ecologia. (DERANI,
2009, p. 173). A segunda, que se vive uma crise ambiental sem precedentes. A
partir da, recorre-se o aparato jurdico estatal como forma de equilibrar a tenso
existente:
A sociedade, por consumir elevadas quantidades de energia e provocar profundas alteraes nos ecossistemas, necessita de subsistemas jurdicos destinados normatizao das tcnicas de produo e consumo, que lhe
2 Relatrio de Desenvolvimento Humano 2013, elaborado pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
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sirvam de moldura apta a alcanar um grau timo de aproveitamento energtico com o mnimo de degradao dos recursos naturais. Estas normas integram o contedo do Direito Ambiental. (FIGUEIREDO, 2010, p. 32)
Assim, por meio do contraste entre Ecologia e Economia luz da teoria da
complexidade, pode-se traar uma linha do tempo que demonstra que a Economia
Tradicional, baseada na ideia de um moto-contnuo e na consequente iluso da
possibilidade de crescimento infinito, levou a sociedade moderna a um
desenvolvimento tecnocientfico avassalador. Esse desenvolvimento, porm,
desconsiderou a varivel ambiental, conduzindo sociedade de risco, na qual se
constata a existncia macroperigos, cuja previso e controle escapam aos
mecanismos tradicionais de gesto, quer polticos, quer cientficos, quer jurdicos.
Portanto, em uma relao de causa-efeito, tem-se que a abordagem
econmica tradicional a causa e a sociedade de risco, a consequncia da
abstrao da varivel ambiental, que gerou a crise.
A desconsiderao da varivel ambiental , por sua vez, decorrncia do
paradigma cartesiano, mecanicista e fragmentador, que isola o homem de suas
relaes. O paradigma complexo, por outro lado, reconecta homem e natureza,
Economia e Ecologia, Direito e realidade, apontando uma sada para a crise.
Franois Ost (1995, p.390) resume essa ligao:
A sorte do planeta e a sorte da humanidade so indissociveis. Antroposfera e biosfera so solidrias, de forma que a injustia das relaes sociais gera a injustia das relaes com a natureza. Todo combate ecolgico consequente, conduz, necessariamente a um requestionar da ordem econmica.
A tentativa de enfrentamento da crise proposta nesse trabalho parte de uma
breve, porm indispensvel, anlise econmica, sob o vis da complexidade, aqui
apresentada como porta de entrada e de sada dos problemas ambientais.
A abordagem econmica clssica no leva em conta a complexidade
ecolgica. O enfrentamento dos macroperigos decorrentes da sociedade de risco,
por sua vez, somente pode se dar fazendo-se o caminho inverso, ou seja, por meio
de uma viso que tome em conta essa complexidade. O caminho de volta para
casa o caminho da retomada da complexidade perdida.
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32
A partir dessa abordagem, que perscruta as causas da crise, buscando na
teoria econmica clssica a origem provvel, prope-se, como soluo, uma
abordagem jurdica3. Segundo Derani (2009, p. 183):
[...] quando se trata da posio que assume o Direito atualmente diante das relaes econmicas, discute-se precisamente sobre um papel indito que ele assume como organizao da sociedade perante a situao sem precedentes causada pelo desenvolvimento industrial.
Ainda acerca do papel fundamental do Direito como instrumento de
transformao/conformao social, a mesma autora afirma que:
Pelo Direito ambiental e econmico so tratados os meios da atividade industrial neste caso, o domnio da natureza pelo homem e a finalidade desta atividade para a produo de mercadorias. Reflete o Direito, portanto, diretamente as consequncias dessa revoluo, que, por seus aspectos imprevisveis, implanta no ordenamento jurdico um carter dinmico capaz de conduzir e ser conduzido pelas mudanas vertiginosas que se operam na sociedade do homem industrial. (DERANI, 2009, p. 182)
A incorporao da varivel ambiental ao pensamento econmico, assim
como ao pensamento jurdico, depende da compreenso das bases da Ecologia e
do pensamento complexo. Esses conceitos, que se interpenetram, devem ser
estendidos seara da argumentao jurdica, como forma de transpor a abordagem
tradicional, dando tratamento efetivo crise ambiental por meio do esclarecimento
do contedo ambiental da norma.
Jos Lutzemberger (1977, p. 12) define a Ecologia como "a cincia da
sobrevivncia" e assinala que "a sobrevivncia de cada uma das partes depende do
funcionamento harmnico da Ecosfera como um todo". A Ecosfera comparada a
uma sinfonia, em que os instrumentos musicais devem coexistir de forma
perfeitamente entrosada: cada instrumento individual promove a grandiosidade do
todo e existe em funo do todo. Assim como numa orquestra, nenhuma espcie
tem sentido isoladamente, pois todas so peas de "uma grande unidade funcional,
em que cada pea tem uma funo especfica, complementar s demais."
(LUTZEMBERGER, 1977, p.12)
A ideia de complexidade surge, portanto, nas primeiras linhas do Manifesto
Ecolgico Brasileiro: "A Natureza no um aglomerado arbitrrio de fatos isolados,
arbitrariamente alterveis ou dispensveis. Tudo est relacionado com tudo." Ali j
consta, tambm, a crtica essencial Economia tradicional: "a Nave Espacial Terra
finita. Seus recursos so limitados." (LUTZEMBERGER, 1977, p. 11). Essa
3 A abordagem jurdico-terica feita no segundo captulo, enquanto o terceiro dedicado prtica.
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constatao, embora elementar, foi desprezada pela sociedade industrial. o que
ser visto no ponto a seguir.
1.2 DA ECONOMIA TRADICIONAL ECONOMIA ECOLGICA: OS
FUNDAMENTOS DA CRISE AMBIENTAL E A SADA DO LABIRINTO
Ainda hoje, a sociedade contempornea pauta-se na viso econmica
tradicional, que comeou a ser cunhada na segunda metade do sculo XVIII e que
constitui fator determinante da crise ambiental. Essa viso concebe, teoricamente, a
possibilidade de crescimento infinito, na qual o planeta Terra estaria apto a fornecer
recursos ilimitadamente e suportar, sem restries, todos os resduos gerados pelo
processo produtivo. Nesse sentido, a Terra seria uma fonte infinita de recursos e
uma fossa infinita de dejetos.
No contexto ps-Revoluo Industrial, o mundo se via encantado com as
mquinas e com a viso mecanicista que caracterizou aquele momento histrico.
Assim, a Economia tambm foi concebida como uma mquina: uma mquina
perfeita, que poderia, teoricamente, funcionar de maneira incessante, sem
necessitar de combustvel, nem gerar resduos que fossem dignos de nota no mbito
da teoria econmica.
Esse modelo ideal, por bvio, no condiz com a realidade fsica do planeta e
apresenta, certo, efeitos indesejados que no foram originalmente previstos. O
crescimento infinito, promessa da Economia tradicional, no se sustenta do ponto de
vista ambiental.
Assim, este captulo apresenta uma crtica aos fundamentos teoria
econmica luz da Economia Ecolgica, a partir de quatro pilares essenciais: a
teoria dos sistemas, o fluxo metablico, a escala da Economia e o cenrio em que
as trocas econmicas devem acontecer.
O primeiro aspecto analisado a relao entre Economia e Ecologia dentro
da teoria dos sistemas: a posio ocupada pela Economia em cotejo com a posio
ocupada pela Ecologia, em uma relao continente-contedo. O segundo ponto
introduz a ideia de um fluxo metablico real em contraposio ao fluxo monetrio
circular da Economia tradicional. O terceiro aspecto analisado o tamanho da
Economia (preocupao da Economia Ecolgica) em contraposio alocao de
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recursos e mera substituio dos fatores de produo, que pautam a Economia
tradicional.
Por fim, analisa-se o cenrio em que essas transformaes econmicas so
(ou podem ser) geradas: em um mundo globalizado, baseado no livre comrcio
(Economia Tradicional) ou no mbito das comunidades nacionais (Economia
Ecolgica).
Todos os pontos a serem abordados interligam-se e sua anlise depende da
compreenso do conceito que lhe antecede, razo pela qual se optou por uma
anlise integrada dos quatro aspectos descritos. A diviso feita a seguir, a rigor, no
existe, na prtica, e objetiva, to somente, facilitar a exposio das ideias.
1.2.1 O Diagrama do Fluxo Circular versus a Teoria da Entropia: Economia e
Ecologia na Teoria dos Sistemas
O ponto de partida da teoria econmica convencional o "diagrama do fluxo
circular", que no contempla a ideia de entropia que fundamenta a Economia
Ecolgica. Segundo o diagrama do fluxo circular, as riquezas circulam entre as
empresas e as famlias, em um sistema fechado, conforme a ilustrao a seguir:
Fonte: http://blogdoenriquez.blogspot.com.br/2010/01/para-e-as-possibilidades-de-um.html
A Economia tradicional pauta-se na Primeira Lei da Termodinmica, segundo
a qual, nada se perde (em um sistema fechado, a energia dos sistemas se
conserva).
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J a Economia Ecolgica baseia-se na Segunda Lei, que prev a existncia
de perdas: aceita a irreversibilidade de determinados processos, o que torna as
perdas inevitveis.
A compreenso dessas teorias depende, contudo, de noes oriundas da
Teoria dos Sistemas, que teve como precursor, no mbito da Economia Ecolgica, o
matemtico Kenneth Boulding (1967). Cabe, desde logo, definir sistemas isolados,
abertos e fechados:
Sistemas isolados so os que no envolvem trocas de energia nem matria com seu exterior. O nico exemplo razovel o do prprio universo. No extremo oposto esto os sistemas abertos, que regularmente trocam matria e energia com seu meio ambiente, como o caso da Economia. E os sistemas fechados s importam e exportam energia, mas no matria. A matria circula no sistema, mas no h entrada nem sada de matria do mesmo. Na prtica o caso do planeta Terra, pois so irrisrios os casos de meteoros que entram ou de foguetes que no voltam. [grifos no original] (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 35)
Para a teoria econmica tradicional, a Economia seria sistema fechado
(diagrama do fluxo circular), um todo do qual o meio ambiente apenas uma das
partes. Assim, sob uma tica utilitarista, a Economia considera alguns elementos do
meio ambiente como setores da macroeconomia: pesca, minerao, agropecuria,
ecoturismo etc. O meio ambiente, portanto, parte da Economia. Logo, a Economia
vista como um sistema fechado e a Terra como um sistema aberto, que pode
crescer ilimitadamente (CECHIN; VEIGA, 2010).
O diagrama do fluxo circular funciona apenas teoricamente, dentro de uma
viso estanque, que no computa aquilo que entra e aquilo que sai, ou seja, os
recursos naturais que alimentam o sistema e os resduos gerados.
Do ponto de vista fsico, no isso que acontece. O meio ambiente fornece
recursos para a economia e recebe os resduos no utilizados e inutilizveis:
assim que o sistema econmico mantm sua organizao material e cresce em
escala: ele aberto para a entrada de energia e materiais de qualidade, mas
tambm para a sada de resduos. (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 4). Toda a vida
econmica se alimenta de energia e matria de baixas entropias e gera como
subprodutos resduos de alta entropia. (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 5).
Essa ideia descrita por Lutzemberger (1977, p. 13) como um fluxo
unidirecional que se move entre dois infinitos: num extremo, matria prima e energia
inesgotveis; no outro, capacidade ilimitada de absoro de detritos, que
indefinidamente amplivel em volume e velocidade.
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A economia tradicional, portanto, ao fechar os olhos para a realidade, no
precisa se preocupar com a finitude dos recursos ou com o destino dos dejetos
gerados. Construiu um mundo ideal, em que se tem a possibilidade de crescimento
sem limites, um verdadeiro moto-contnuo. Essa ideia insustentvel, mas
extremamente conveniente sociedade de consumo. Basta produzir mais e mais.
Assim, os pases se desenvolvem, riquezas so criadas, erradica-se a pobreza. O
meio ambiente fica fora da equao.
A cmoda ideia de crescimento infinito dispensa maiores reflexes: no h
que se pensar em racionalizao do uso dos recursos naturais, em reduo do
consumo, em frugalizao da vida. Basta crescer indefinidamente. Sob esse
raciocnio, pensa-se na erradicao da pobreza (atravs do crescimento econmico
contnuo, constante e generalizado) como soluo da crise ecolgica quando, talvez,
seja a erradicao da riqueza 4 o caminho mais vivel para a almejada
sustentabilidade.
A teoria econmica tradicional, por desconsiderar a fonte e a destinao dos
recursos naturais, leva cegueira ambiental: porque a natureza no entra em
nossas cogitaes econmicas que no nos damos conta da gravidade de nossas
agresses, no vemos que nos encontramos em pleno processo de
desmantelamento da Ecosfera, cujo fim significar o fim tambm da economia
humana. (LUTZEMBERGER, 1977, p. 14).
J a concepo de mundo da Economia Ecolgica parte de um raciocnio
diametralmente oposto: nele, a Economia um sistema aberto que est dentro de
um ecossistema fechado, a Terra; a Economia apenas uma parte desse
ecossistema. Assim, o crescimento econmico tem limites, pois a Terra no pode se
expandir.
Em sntese: para a Economia tradicional, o meio ambiente uma parte da
Economia. A Economia Ecolgica inverte essa lgica: o meio ambiente o todo, do
qual a Economia parte. Inverte-se a relao continente-contedo.
Alm disso, para os clculos da Economia Tradicional, a Economia no se
comunica com o meio, um sistema fechado. Para a Economia Ecolgica, a
Economia comunica-se com o meio: um sistema aberto. J o Planeta Terra, para a
4 A ideia de erradicao da riqueza como substituio clssica tese de erradicao da pobreza foi desenvolvida pela Autora deste trabalho durante o curso de Mestrado, a partir da reflexo acerca da diferena entre a pegada ecolgica dos pobres e dos ricos. Essa ideia foi apresentada oralmente em sala de aula e em alguns eventos cientficos. Ser objeto de estudos futuros.
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Economia tradicional, no tem limites, um sistema aberto, que comporta o
crescimento infinito. Na Economia Ecolgica, o planeta tem limites, um sistema
fechado. Os recursos so finitos e devem ser usados parcimoniosamente.
Cechin e Veiga (2010, p. 2) consideram que "a macroeconomia parte de
um todo bem mais amplo que a envolve e sustenta", e que a Economia um
subsistema aberto de um sistema bem maior, que finito e no aumenta.
materialmente fechado, ainda que aberto para a energia solar.
Nesse sentido, Lutzemberger (1977, p. 13) afirma que as cincias
econmicas deveriam ser encaradas como aquilo que realmente so um captulo
apenas da Ecologia. No entanto, o que se constata que a Economia se acredita
existente num plano transcendente natureza, cujo nico contato se d na
explorao de matria prima gratuita.
Assim, partindo-se dessas constataes, tem-se claro que qualquer
expanso da macroeconomia ter um custo, uma contrapartida natural.
(CECHIN;VEIGA, 2010, p. 3). E esse custo a gnese de toda a crise ambiental.
a dvida no paga do progresso para com a vida, suas geraes presentes e futuras.
As ideias de sistema fechado/aberto e a relao continente e contedo ora
abordadas relacionam-se diretamente com o item a seguir, que trata do fluxo
metablico, inserindo o conceito de entropia na anlise econmica, que migra,
assim, de uma viso mecanicista e fragmentada para uma concepo orgnica e
conectada com a realidade fsica do Planeta.
1.2.2 O Fluxo Metablico5
O segundo ponto a ser considerado, aps uma breve anlise da posio da
Economia e do meio ambiente dentro da teoria dos sistemas, a ideia de
metabolismo. A Economia tradicional inicia seus estudos no chamado diagrama de
fluxo circular, que mecnico e dispensa por completo o conceito de metabolismo,
de cunho biolgico. Em sua concepo, a economia poderia ser equiparada a uma
mquina; j a Economia ecolgica, ela seria o equivalente a um ser vivo.
5 Chamado por Herman Daly (1989) de one-way entropic throughput of matter-energy, conceito
ausente da Economia atual, sem o qual impossvel relacionar Economia e meio ambiente.
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O chamado diagrama de fluxo circular da Economia tradicional est ligado
ideia de sistema fechado e explica a relao entre produo e consumo por meio da
circulao dos produtos, insumos e dinheiro entre empresas e famlias as
primeiras produzem, as segundas consomem. Segundo essa concepo, a
Economia um sistema fechado no qual nada entra e nada sai, fora do qual, nada
h. uma representao da circulao interna do dinheiro e dos bens, sem
absoro de materiais ou liberao de resduos.
Trata-se, contudo, de uma fico: Se a Economia no gerasse resduos,
nem exigisse novas entradas de matria e energia, seria o moto-contnuo. Seria um
reciclador perfeito. (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 4-5). Se essas premissas fossem
verdadeiras, no haveria problemas ecolgicos. Essa teoria significa, em termos
ambientais, uma espcie de elixir da longa vida.
Cabe aqui a metfora apresentada por Daly (1989): o diagrama do fluxo
circular utilizado pela ECONOMIA TRADICIONAL seria equivalente, do ponto de
vista biolgico, a entender os animais apenas pelo seu sistema circulatrio, sem
reconhecer o fato de que eles tm tambm o sistema digestivo.
O fluxo metablico no circular. E o trato digestivo tambm no circular:
ele conecta o animal com o meio ambiente nas duas pontas. Sem o trato digestivo, o
animal seria um moto perptuo, funcionaria sem cessar. E assim tambm a
Economia: alm do fluxo circular, a Economia tem entradas e sadas que se
originam na natureza e a ela se destinam.
Concentrados num fluxo circular monetrio, os economistas tradicionais
esqueceram-se de um fluxo metablico real. (CECHIN; VEIGA, 2010, p.7). Isso
ocorre porque os economistas lidam com a escassez e, durante os anos formativos
da teoria econmica, o meio ambiente era considerado, como j afirmado, uma fonte
infinita de recursos e uma fossa infinita de dejetos. Como o meio ambiente no
parecia escasso, ele era naturalmente abstrado da equao. Apenas os itens
escassos entravam no diagrama de fluxo circular, que tem sido a frmula at hoje
utilizada para entender a Economia (DALY, 1989).
Com a escassez dos recursos naturais, o diagrama de fluxo circular
mostrou-se econmica e fisicamente inadequado. Esse diagrama no tem comeo
nem fim, nem pontos de contato com nada que esteja fora dele. Assim, estando o
meio ambiente fora da equao, impossvel registrar (internalizar) os custos da
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degradao e da poluio, assim como seus efeitos histricos irreversveis (DALY,
1989).
Logo, a concepo clssica do diagrama circular no serve para explicar a
Economia atual, nem para resolver o problema ambiental. preciso recorrer teoria
da entropia (fluxo metablico). A Economia tradicional se descreve como um
diagrama circular, composto de blocos indestrutveis de matria e energia que
podem simplesmente circular mais e mais rpido em torno da produo e do
consumo. Nada se perde (DALY, 1989).
J para a Segunda Lei, h algo que se perde. No matria e energia
propriamente, mas sua capacidade de rearranjar-se. A energia se conserva, mas
no pode mais ser utilizada: so os resduos. A dissipao da energia tende ao
mximo em um sistema isolado, como o universo. E energia dissipada no pode ser
mais utilizada (DALY, 1989). Nesse sentido:
A segunda Lei da Termodinmica a chamada Lei da entropia segundo a qual a degradao energtica tende a atingir um mximo em um sistema isolado como o universo. E no possvel reverter esse processo. Isso significa que o calor tende a se distribuir de maneira uniforme por todo o sistema, e calor uniformemente distribudo no pode ser aproveitado para gerar trabalho. [...] a energia e matria aproveitveis so de baixa entropia e quando utilizadas na manuteno e organizao do prprio sistema, so dissipadas, tornando-se, portanto, de alta entropia. Os organismos vivos existem, crescem e se organizam importando energia e matria de qualidade de fora de seus corpos e exportando a entropia. (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 6)
Assim sendo, a entropia do universo aumenta continuamente. E a qualidade
da energia no universo tende a se degradar, tornando-se inutilizvel. A relao
entre essa energia desperdiada ou perdida que no pode mais ser usada para
realizar trabalho - e a energia total do sistema chamada entropia produzida. A 2
Lei da Termodinmica a nica lei da Fsica que define a flecha do tempo,
explicando a direo de todos os processos, fsica ou quimicamente espontneos.
Sob essa tica, como a dissipao do calor inerente a toda e qualquer
transformao energtica, qualquer que seja o sistema s pode ter uma direo no
tempo. (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 10)
Ou seja, pela Segunda Lei da Termodinmica, h processos irreversveis. E
isso vale no apenas em um nvel microscpico, mas tambm para processos
industriais, como no caso da produo de resduos inutilizveis. J a Mecnica
clssica, com base no princpio da conservao da energia (Primeira Lei da
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Termodinmica) considera que todos os movimentos so reversveis, tal como a
lgica de funcionamento de um relgio. No entanto, a Ecologia no funciona apenas
segundo as leis da mecnica: Ao mundo-relgio, [...] sucede agora um cosmos
incerto repleto de desordem e sempre ameaado de entropia. (OST, 1995, p. 278)
O aspecto problemtico da Economia tradicional, com sua lgica
mecanicista, que a mecnica abstrai o tempo histrico e a dissipao irreversvel
de energia preocupando-se apenas com os aspectos reversveis da locomoo.
[...] No entanto, os processos irreversveis constituem a regra na natureza.
(CECHIN; VEIGA, 2010, p. 10). Nessa viso de tempo constata-se um dficit de
complexidade na Economia Tradicional:
tambm viso cartesiana do tempo que necessrio renunciar. Para Descartes, o tempo era reversvel; precisamente como o relgio, ele deixa-se atrasar, uma vez que o Universo guiado pelo princpio da inrcia, homogneo e estvel: as mesmas leis produzem eternamente os mesmos efeitos, sem perdas nem ganhos. Ora, o segundo princpio da termodinmica demonstrou, pelo contrrio, que a matria csmica est em extenso constante e que, atacado de entropia, o Universo tende a dissipar a sua energia. impossvel, desde logo, voltar atrs: a matria histrica, a ordem irreversvel. Todo acontecimento representa um alterao que determina as condies de supervenincia da alterao seguinte. Os efeitos reflectem-se nas causas, segundo o princpio da recursividade, e a evoluo , assim, parcialmente imprevisvel. (OST, 1995, p. 281-2). A Economia Tradicional continua, contudo, presa fsica do sculo XIX. Nem de longe incorporou os avanos ocorridos no sculo passado. Assim, a proximidade com a mecnica impediu que o estudo do processo econmico fosse permeado pela ateno s relaes biofsicas com seu entorno. Afinal, a metfora mecnica na Economia implica no reconhecer os fluxos de matria e energia que entram e saem do processo, assim como a diferena qualitativa entre o que entra e o que sai. (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 11).
Ost (1995, p. 281) aponta a oposio entre a complexidade e o mtodo
cartesiano, classificando este ltimo como mtodo do simples, que isola objetos,
destacando-os de seu ambiente, como se fosse possvel pensar o elemento fora do
sistema que o constitui. Alm disso, as relaes so pensadas segundo um
esquema mecanicista: movimentos lineares, causalidades nicas [...] sem que
tenham lugar as ideias de recursividade, de causalidades mltiplas e circulares, de
interaces e probabilidades. Tudo determinado como o movimento do relgio.
Sintetizando, contrariamente primeira Lei da Termodinmica, as
transformaes qualitativas promovidas pelo processo econmico tm direo no
tempo e so irreversveis. O sistema produtivo transforma matria-prima em
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41
produtos que a sociedade valoriza, e gera algum tipo de resduo, que no entra de
novo na cadeia. (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 11).
Mesmo que um produto seja reciclado, a energia que se perdeu na
reciclagem no pode ser recuperada. No possvel juntar o monxido de carbono
que sai do escapamento do caminho e da chamin da fbrica, transform-lo
quimicamente, comprimi-lo e criar carvo mineral para alimentar novamente a
indstria sem perdas de energia.
Fica, assim, demonstrada a insuficincia/inaptido da Fsica newtoniana da
para a compreenso dos processos econmicos: Se a Economia capta recursos de
qualidade de uma fonte natural, e depois devolve resduos sem qualidade
natureza, ento no possvel trat-la como um sistema isolado. Por isso, a
transformao econmica jamais poder ser explicada pela Fsica da primeira
metade do sculo XIX. (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 11).
Essa falta de complexidade permeia toda a Economia Tradicional, que prev
o tempo de forma mecnica, linear, sem recursividade; no toma em conta as
causalidades mltiplas ao extrair os recursos da natureza, nem ao devolv-los a ela;
usa de simplificao (o chamado mtodo do simples) ao visualizar a Economia do
ponto de vista do diagrama do fluxo circular e desconsiderar a entropia; isola a
Economia como objeto de estudo, quando a prev como um sistema fechado (ou
isolado, dependendo da abordagem) e desconsidera as trocas com o meio. E aqui
cabe lembrar Ost (1995, p. 286), quando afirma que
Ao contrrio da ideia tenaz de uma natureza, dada a priori e dotada de um equilbrio ideal e intangvel, apercebemo-nos agora, simultaneamente, do milagre altamente improvvel que representou a emergncia da vida, e da precariedade dos equilbrios dinmicos, pelos quais ela assegura sua manuteno e reproduo.
O dficit de complexidade redundou, certo, em uma abordagem que
explicou a relaes econmicas durante certo tempo, em que a natureza ainda era
pouco explorada e que a finitude dos recursos no era um problema efetivo: ainda
havia muito espao para o crescimento e a quantidade resduos produzidos era
menor, no havendo qualquer preocupao com a sua destinao. Todavia, na
atualidade, diante do aumento populacional, do acelerado e contnuo
desenvolvimento tecno-industrial, da exacerbao do consumo, da capacidade de
destruio ampliada, esse modelo cartesiano mostrou suas falhas. As
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consequncias desse sistema, abstradas da teoria econmica tradicional, so hoje
um problema do qual a sociedade j no pode se furtar.
A entropia conhecida h tempo suficiente para poder ter sido levada em
conta pela teoria econmica. Parece, contudo, que os industriais e os tericos da
economia centraram-se, apenas, em parte do processo, porque olhar para o todo
evidenciaria as limitaes do progresso econmico: poluio, mais-valia e
desigualdade. Essa cegueira conceitual autoimposta pode ser entendida em seu
carter ideolgico.
Herman Daly, no seu discurso de despedida do Banco Mundial, onde
exerceu o cargo de economista-chefe do Departamento de Meio Ambiente at 1994,
afirmou: Creio que o crescimento realmente no satisfaz mais as verdadeiras
necessidades humanas de comunidade, bons relacionamentos e paz. Uma
Economia calcada no crescimento leva guerra por recursos e territrio.
(HERMAN..., 2012, doc. eletrnico, pgina no indicada).
No mbito da ECONOMIA TRADICIONAL, parece no haver sada para
crise. As tentativas feitas dentro desse sistema parecem fadadas ao insucesso, eis
que o caminho , de antemo, equivocado do ponto de vista ecolgico.
necessrio mudar o rumo. Nesse sentido, Serres e Latouche (apud TAIBO, 2010)
explicitam algumas metforas, que facilitam a compreenso:
[...] estamos num barco que, a 25 ns por hora, se encaminha cara a uma costa acidentada. uma resposta adequada a que preconiza reduzir a velocidade numa dcima parte sem modificar em modo nenhum o rumo? Servir de algo, sem assumir mudanas nesse rumo, bater um pouco mais tarde com a costa? (Michel Serres). O mesmo razoamento expressa-o Latouche quando assinala que, se apanhamos um trem, um comboio, equivocado, no basta com rogar ao condutor que reduza a velocidade; ser preciso descer do trem e apanhar outro diferente. Ou, por diz-lo duma ltima maneira: se estivermos fechados num quarto onde por fora o ar acabar por faltar, salvar-nos-emos reduzindo o ritmo da nossa respirao, em vez de procurar diretamente uma sada?
Para fazer frente crise e tomar um outro trem, Nicholas Georgescu-
Roegen, um dos precursores da Economia ecolgica, formulou um programa mnimo
com oito pontos:
Primeiro: proibir totalmente a guerra e todos os instrumentos de guerra. Segundo: ajudar os pases desenvolvidos a atingir o mais rpido possvel uma existncia digna de ser vivida, mesmo que sem luxos. Terceiro: diminuir progressivamente a populao at um nvel no qual uma agricultura orgnica bastasse sua conveniente nutrio. Quarto: evitar todo e qualquer desperdcio de energia enquanto se aguarda que a utilizao da energia solar se torne vivel ou que se consiga controlar os riscos da energia nuclear.
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Quinto: parar com o desejo de ter objetos completamente suprfluos e desnecessrios, como os gadgets, fazendo assim com que cesse sua produo. Sexto: acabar com a moda - uma doena do esprito humano, segundo ele - fazendo os produtores s fabricarem bens durveis. Stimo: estimular o conserto das mercadorias durveis, que seriam concebidas justamente para durar e no para serem descartadas to rapidamente como acontece. Oitavo: reduzir o tempo de trabalho e redescobrir a importncia do lazer para uma existncia digna. (VEIGA; ZATZ, 2008).
Herman Daly, por sua vez, ao deixar o Banco Mundial, fez uma dura crtica
quilo que chamou de viso no-realista do desenvolvimento, como se esse fosse
uma generalizao do superconsumo dos pases do Norte para as massas do Sul,
que se multiplicam rapidamente viso esta que, segundo ele, tem levado a muitos
fracassos externos, econmicos e ecolgicos. (HERMAN..., 2012).
Nessa ocasio, afirmou que cairia na tentao de fazer uma pregao e
receitar alguns remdios para as infirmezas de meia idade que afligem o Banco.
Assim, para que o Banco Mundial servisse melhor ao objetivo de um
desenvolvimento sustentvel atravs de suas polticas e aes, apresentou quatro
sugestes6, aplicveis no apenas ao Banco Mundial, mas Economia de forma
geral:
1. Suspender a contabilizao do consumo do capital natural como receita Subentende-se que devemos manter nossa capacidade produtiva intacta com o passar do tempo. Mas esta capacidade produtiva tem sido tradicionalmente vista como capital humano apenas, excluindo o capital natural. Habitualmente temos contado o capital natural como um bem gratuito. Isto pode ter feito algum sentido no mundo vazio de antigamente, mas no planeta cheio de hoje isto claramente antieconmico. 2. Taxar menos o trabalho e mais o fluxo de recursos. O sistema atual incentiva as empresas a dimunurem o nmero de empregados. Seria melhor economizar no fluxo de recursos, pelo alto custo externo do seu prprio esgotamento e da poluio gerada, e ao mesmo tempo, utilizar mais mo de obra pelos benefcios sociais decorrentes da reduo do desemprego. Ao mudar a base de impostos em direo ao fluxo de recursos, est se induzindo uma maior eficincia neste fluxo, e tambm internalizando, ainda que grosseiramente, as externalidades da exausto destes recursos e da poluio. Esta mudana deveria ser uma pea chave nos ajustes estruturais [que vem sendo propostos e realizados em pases em desenvolvimento pelo FMI e Banco Mundial], mas deveria, antes de mais nada, ser iniciado nos pases do Norte. De fato, o prprio desenvolvimento sustentvel deveria ser estabelecido nestes pases em
primeiro lugar. um absurdo esperar qualquer sacrifcio em direo sustentabilidade no Sul se medidas similares no tiverem sido tomadas no Norte. A maior fraqueza do Banco, em propalar o desenvolvimento sustentvel que ele s tem influncia no Sul, no no Norte. Deve-se achar
6 Apresentamos aqui apenas as trs primeiras sugestes. A quarta sugesto refere-se ideia de que
a alocao tima somente pode ser conseguida por meio das comunidades nacionais, e no do mercado globalizado. Esse aspecto ser mencionado no item 2.4.
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alguma forma de empurrar o Norte tambm. Os pases nrdicos e a Holanda j comearam a fazer isto. 3. Maximizar a produtividade do capital natural no curto prazo e investir no aumento de seu suprimento no longo prazo Para recursos renovveis e no-renovveis, necessrio investimento para fortalecer a produtividade do fluxo de recursos. Tambm aumentar a produtividade dos recursos certamente um bom substituto para novas descobertas de depsitos destes. Acredito que a incapacidade do Banco em cobrar dos usurios os custos do capital natural certamente desestimula investimentos em projetos de recuperao. (HERMAN..., 2012).
Tanto ideias de Georgescu-Roegen, quanto as de Herman Daly, mostram-
se, fato, como uma utopia, no seu melhor sentido, aquele mencionado por
Eduardo Galeano, que equipara a utopia ao horizonte: A utopia est l no horizonte.
Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o
horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcanarei. Para que
serve a utopia? Serve para isso: para que eu no deixe de caminhar." (apud
ANDRIOLI, 2006).
Mostram-se, ainda, como um ideal de difcil implementao dentro dos
valores da modernidade, que no se mostra nem um pouco disposta a mudar de
trem.
Prosseguimos, contudo, na nossa anlise confrontando o tamanho da
Economia (que aspira ao crescimento infinito) com a principal preocupao
existente, no mbito da Economia Tradicional, que a alocao de recurso.
1.2.3 Tamanho da Economia versus Alocao de Recursos
Como nada se perde e a Terra considerada um sistema aberto que pode
crescer indefinidamente, a macroeconomia no se ocupa das dimenses da
Economia, ou seja, o quanto ela pode crescer: o tamanho timo ou escala tima
que so tomados em conta quando se fala em microeconomia - no figuram dentre
as preocupaes macroeconmicas. As empresas so aconselhadas a crescer at
certo ponto, a partir do qual tornam-se antieconmicas7. O mesmo ocorre com a
7 A se aplica o conceito de custo marginal, que o custo decorrente da produo de uma unidade a mais, em termos de capacidade de gerao de lucro. precisamente quando se chega ao custo marginal que a empresa tem o sinal para aumentar o preo do bem que ser oferecido no mercado. Claro que isto mais terico que prtico: nenhuma empresa espera chegar l para aumentar o preo e para se expandir (SAMUELSON, 1997). Contudo, as questes afetas microeconomia no so objeto deste estudo, cuja abordagem econmica feita para explicar a crise ambiental.
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Economia tomada de forma global, mas essa preocupao est adstrita aos estudos
da Economia ecolgica e, nem de longe, figura dentre as inquietaes da
abordagem convencional.
Os economistas tradicionais, conforme j mencionado, levam
emconsiderao apenas a primeira Lei da Termodinmica (conservao da energia).
Dentro da Economia, a energia permanece constante. Assim, o nico problema seria
a alocao de recursos (DALY, 1989). J a Economia ecolgica preocupa-se com a
escala:
O fundamento central da Economia ecolgica no se refere, portanto, alocao de recursos, ou repartio da renda, as duas grandes problemticas que praticamente absorveram todo o pensamento econmico ao longo de seus parcos sculos de existncia. Esse fundamento se refere terceira, que, ao contrrio, foi inteiramente desprezada por todas as abordagens que hoje fazem parte da ECONOMIA TRADICIONAL: a questo da escala. Isto , do tamanho fsico da Economia em relao ao ecossistema em que est inserida. Para a Economia ecolgica existe uma escala tima alm da qual o aumento fsico do subsistema econmico passa a custar mais do que o benefcio que pode trazer ao bem estar da humanidade. (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 31).
A ECONOMIA TRADICIONAL busca, assim, a alocao tima dos recursos
(trabalho, capital e recursos naturais). O que importa a forma como os recursos
so distribudos. Mas esses mesmos recursos naturais no so vistos como
componentes de um fluxo metablico entrpico, que entra e sai do meio ambiente,
mas como tijolos, elementos indestrutveis de um fluxo circular) (DALY, 1989).
Segundo a lgica mecanicista, , nada se perde, portanto a alocao dos
recursos o nico problema a ser resolvido. E essa alocao tima dos recursos
pode ser atingida em qualquer lugar, com qualquer tamanho de populao,
indistintamente:
A ECONOMIA TRADICIONAL provm de analogias e metforas sobre outro importante ramo da fsica: a mecnica clssica. Ela parte do princpio de que possvel entender os fenmenos, independente de onde, quando e por que ocorrem. Um pndulo simples um sistema mecnico ideal, portanto seu funcionamento um bom exemplo. Ser igual aqui ou no Japo, hoje ou daqui a mil anos. Tampouco importa quem deu incio ao movimento do pndulo. possvel prever a posio exata do pndulo com base em poucas informaes. (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 10).
Para o economista tradicional, basta substituir os fatores, quando eles se
tornam escassos. E aqui cabe, para exemplificar e esclarecer, a metfora do
confeiteiro: faz-se bolo com uma batedeira (capital), farinha, ovos e acar (fluxos de
entrada). No possvel dobrar a quantidade de bolos produzidos apenas dobrando-
se a quantidade de confeiteiros e batedeiras. preciso aumentar a quantidade de
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farinha, ovos e acar. No entanto, a questo da alocao dos recursos baseia-se
numa substituio sem limites, na qual o fluxo de recursos naturais pode ser sempre
substitudo pelo capital: ou seja, acredita-se que com mais batedeiras haver mais
bolos sem alterar a quantidade de ovos, farinha e acar (CECHIN; VEIGA, 2010).
Isso resulta da f incondicional no poder redentor da tecnologia: acredita-se que
sempre haver uma tecnologia nova para equacionar a escassez. Dessa maneira, o
dogma do crescimento ilimitado permanece inclume. Retomando os pontos j
abordados, tem-se que os dois maiores problemas da abordagem tradicional so
ignorar o fluxo inevitvel de resduos e apostar na substituio sem limites dos
fatores. (CECHIN; VEIGA, 2010, p. 14).
O conceito de eficincia econmica indiferente ao tamanho da Economia e
distribuio da renda8. Equidade na distribuio da renda e sustentabilidade de
escala esto fora do conceito de eficincia do mercado. Alocar otimamente os
recursos numa escala no-tima significa fazer o melhor em uma situao ruim.
Assim, se a Economia continuar a crescer, isso significa continuar fazendo o melhor
em uma situao cada vez pior. Esse o problema do diagrama circular: se a
Economia um sistema isolado, sem dependncia do meio ambiente, ento ela
nunca exceder a capacidade do meio ambiente (DALY, 1989).
1.2.4 Crescimento versus Desenvolvimento
O tamanho da Economia em relao ao meio ambiente assunto
completamente indiferente Economia Tradicional. Para Daly (1989), o tamanho da
Economia to importante quanto a alocao dos valores. Os economistas
tradicionais pensam tudo em termos de alocao dos recursos e transformam
problemas que so de escala em problemas de alocao de recursos. No entanto,
8 Essa a crtica feita por Herman Daly e pela Economia Ecolgica. No entanto, h quem entenda que, num mercado sem falhas, a distribuio de renda efeito da eficincia, no sentido de que ela seria uma espcie de recompensa a quem mais se esforou em contribuir para o bom funcionamento do mercado. A viso do Vilfredo Pareto e da Anlise Econmica do Direito, de Posner, que se reporta ao economista de Lausanne, que foi tambm um dos primeiros entusiastas de Mussolini, bem esta No h indiferena em relao distribuio de renda: ela tida como a manfestao da atribuio a cada um do que merece, efetivamente. (PARETO, 1984; POSNER, 2009; 2010a; 2010b) Para uma crtica a essa posio, ligada viso que tinha Pareto acerca dos efeitos da seleo natural, cf. CAMARGO, Ricardo Antonio Lucas. Economia poltica para o curso de Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2012, p. 129; idem. Custos dos direitos e reforma do Estado. Porto Alegre, RS: Sergio Antonio Fabris, 2008, p 59-61.
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um barco que tenta carregar peso demais ir naufragar, mesmo se o peso estiver
otimamente alocado.
O crescimento econmico aumenta a riqueza em termos lquidos? Alm de
um determinado ponto - o tamanho timo - o crescimento deixa de ser econmico e
passa a ser antieconmico. O tamanho timo no um conceito estranho aos
economistas, mas visto apenas na microeconomia. Na microeconomia, h uma
regra que determina o tamanho timo da empresa. As empresas tm um tamanho
certo, a partir do qual no valem a pena. Os custos passam a ser maiores que os
benefcios (DALY, 1989).
A necessidade de se pensar em um tamanho timo para a Economia
decorre da constatao, j exaustivamente demonstrada, de que a expanso tem
limites, haja vista que a Economia um subsistema aberto (que faz trocas com o
meio) dentro de um sistema fechado, a Terra. Esse problema no existiria se a
premissa da qual parte a Economia Tradicional fosse verdadeira, ou seja, se a
Economia no funcionasse de maneira a gerar entropia e no necessitasse de
trocas com o meio. Tambm no seria necessrio pensar em um tamanho timo se
os recursos naturais pudessem ser facilmente substitudos por capital e tecnologia.
No entanto, o mximo que se pode conseguir o aumento da eficincia; nunca a
substituio indefinida desses fatores entre si.
Cechin e Veiga (2010, p. 4) advertem que o crescimento econmico no
ocorre no vazio e no gratuito. Ele tem um custo que pode se tornar mais alto que
o benefcio, gerando um crescimento antieconmico. A Economia ecolgica no se
coaduna com a ideologia do crescimento contnuo, que uma teoria sedutora,
porque politicamente oferece uma soluo para a pobreza sem a disciplina moral do
compartilhar.
A implicao bvia dessa constatao que o crescimento deve parar
quando atingir uma escala tima. Essa a ideia bsica de Daly (1989) ao se referir
Economia do Estado Estacionrio9. Diferentemente de Georgescu-Roegen, ele
no fala em decrescimento, mas na ideia de limitao do crescimento da Economia
at que esta atinja um tamanho timo, a partir do qual o crescimento se torna
antieconmico.
9 Originalmente, Steady-State Economy.
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A teoria do fluxo circular, por sua vez, no traz esses problemas, pois
apresenta uma viso simplificadora, reducionista e cartesiana, que isola a Economia
como objeto de estudo. Sem contato com a realidade, a Economia desconhece
limites, como num conto de fadas.
No entanto, a ideia de limitao do crescimento ou mesmo de
decrescimento - no implica a limitao do desenvolvimento, o qual salutar e
desejvel, atendendo aos anseios humanos de busca por uma vida melhor.
Independentemente da teoria que se adote 10 , h que fazer a distino entre
crescimento e desenvolvimento.
Crescimento implica uma escala quantitativa, de incremento das dimenses
fsicas da Economia, enquanto a ideia de desenvolvimento pressupe uma melhora
qualitativa. Um exemplo disso a substituio da matriz energtica termoeltrica
pela matriz hidreltrica: a Economia no aumenta de tamanho, mas melhora em
termos de qualidade. Crescimento seria, numa metfora biolgica, ter mandbulas
maiores e um sistema digestivo maior, enquanto desenvolvimento equivaleria a uma
digesto mais completa (DALY, 1989).
Assim, Daly (1989) prope desenvolvimento sem crescimento, ideia que
pauta o estado estacionrio, em que a Economia, assim como o Planeta Terra, do
qual apenas um subsistema, deveria se desenvolver sem crescer em termos
quantitativos. O desenvolvimento no limitado, tal qual o crescimento, pois
pressupe condies de vida cada vez melhores. A avidez por mais coisas
substituda pela busca por melhores coisas. E aqui cabe uma nova metfora, a
metfora da biblioteca: a Terra seria como uma biblioteca cheia, na qual no cabe
mais um nico livro: para comprar um livro novo, melhor, seria necessrio desfazer-
se de um livro velho, de pior qualidade.
Conclui-se, assim, que a preocupao com a alocao de recursos no
resolve os problemas ecolgicos gerados pela ECONOMIA TRADICIONAL, sendo
necessrio um novo paradigma tendente a resolver as questes relacionadas com o
tamanho/escala timas.
10
Em se tratando dos pioneiros da Economia Ecolgica, pode-se citar Kenneth Boulding, Herman E. Daly e Georgescu-Roegen que, a partir das mesmas premissas propem solues diferentes
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1.2.5 Comunidade Nacional versus Livre Comrcio
Por fim, e novamente fazendo a conexo com o raciocnio anteriormente
exposto, tem-se que a ECONOMIA TRADICIONAL pauta-se na alocao tima dos
recursos, enquanto a Economia ecolgica preocupa-se com o tamanho da
Economia, no apenas com a alocao dos recursos.
No pode haver comunidade sem indivduos, nem identidade individual sem
o contexto da comunidade que fornece uma rede de relaes pelas quais a
identidade definida. O conceito de pessoa em comunidade captura a dualidade
que denegada tanto pelo individualismo, quanto pelo coletivismo. Algumas coisas
devem ser feitas individualmente, outras coletivamente. (DALY, 1989, p. 81,
traduo da Autora).
Os indivduos, isoladamente falando, podem conseguir uma tima alocao
dos recursos via sistema de preos. J as comunidades (coletividades) podem
atingir a escala tima (DALY, 1989).
Contudo, tem-se que o nacionalismo foi erodido pela luta contra a proteo
do mercado. O mundo tem uma Economia global altamente interdependente e
nessa Economia global que se faz a alocao tima dos recursos, dentro de uma
filosofia individualista cosmopolita (DALY, 1989).
Quando o individualismo cosmopolita ficou forte por conta da reao contra
o protecionismo econmico das naes, as pessoas comearam a pensar apenas
em termos de alocao de recursos, ou seja, em termos de preos (pautadas na
ideia circular). Por outro lado, cabe lembrar que a viso entrpica est ligada
escala tima (tamanho timo). A escala tima no pode surgir da busca por
benefcio individual. O benefcio individual somente funciona para a alocao de
recursos, e no para a definio de escala tima (DALY, 1989).
A escala tima, por sua vez, somente pode ser conseguida atravs da
comunidade. A comunidade vai da famlia ao bairro, do bairro cidade, da cidade ao
estado, estado ao pais etc. A escala tima s pode ser conseguida atravs de
pequenos centros de poder, ou seja, comunidade, limitando-se s comunidades
nacionais. Isso porque a escala tima no uma conquista individual, mas somente
pode vir da poltica, a nica chance de se conseguir a escala tima ser por meio do
nvel de comunidade que tiver a estrutura poltica mais forte e organizada, com os
maiores recursos no caso, as naes. No mundo atual, a unidade poltica mais
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forte seriam as comunidades nacionais. So as naes que podem fixar polticas
pblicas para a fixao de uma escala tima (DALY, 1989).
Concluindo, a escala tima (ou tamanho timo) somente pode ser
conseguida atravs da comunidade, que no global. A ideia de alocao est
ligada a um mundo sem fronteiras, globalizado, enquanto a ideia de escala est
ligada s comunidades nacionais.
Herman Daly, no j citado discurso de despedida no Banco Mundial
apresentou, sob a tica econmica, medidas tendentes a solucionar (ou mitigar) a
crise ambiental. Merecem destaque alguns trechos diretamente relacionados aos
efeitos da globalizao na obteno de uma Economia de tamanho timo:
Abandonar a ideologia de integrao econmica global pelo livre comrcio, livre mobilidade de capital e crescimento baseado na exportao em favor de uma orientao mais nacionalista, que procure desenvolver produo domstica para mercados internos como primeira opo, recorrendo ao comrcio internacional quando claramente muito mais eficiente. No momento atual, a interdependncia global celebrada como um evidente bem. A estrada real para o desenvolvimento, a paz e a harmonia tida como aquela que passa atravs da incessante conquista do mercado de cada nao por todas as outras. A palavra nacionalista adquiriu conotaes pejorativas. Tanto assim que se torna necessrio lembrarmos que Banco Mundial existe para servir os interesses de seus membros, que so naes-Estados, comunidades nacionais no a indivduos, corporaes ou mesmo ONGs. O Banco no tem o mandato para servir a esta viso cosmopolita de integrao global, de mundo sem-fronteiras de converso de Economias nacionais ainda relativamente independentes, vagamente dependentes do comrcio internacional para uma rede firmemente integrada, uma Economia global da qual as naes enfraquecidas dependem para sua sobrevivncia mais bsica. O globalismo cosmopolita enfraquece as fronteiras nacionais e o poder das comunidades nacionais e subnacionais, ao passo que refora o poder relativo das empresas transnacionais. Como no h nenhum governo planetrio capaz de regulamentar e fiscalizar o capital globalizado em nome do interesse global, ser necessrio tornar o capital menos global e mais nacional. Sei que isso impensvel no momento tomem isso como uma profecia. Daqui a dez anos o bordo ser renacionalizao do capital e o enraizamento do capital nas comunidades para o desenvolvimento nacional e das Economias locais. (HERMAN..., 2012)
A Economia ecolgica pode ser sintetizad