Apontamentos sobre consciência e realidade nacional

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1 APONTAMENTOS SOBRE “CONSCIÊNCIA E REALIDADE NACIONAL” DE ÁLVARO VIEIRA PINTO POR: GERALDO MEDEIROS DE AGUIAR Imagem fractal. Fonte: GOOGLE RECIFE, JUNHO DE 1978. (REVISITADO, MODIFICADO E REVISTO ENTRE DEZEMBRO DE 2011 E FEVEREIRO DE 2012)

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Sinópse da magnífica obra do filósofo brasileiro álvaro vieira pinto, intitulada “consciência e realidade nacional”, com paráfases, compilações e interpretações pessoais de Geraldo Aguiar.

Transcript of Apontamentos sobre consciência e realidade nacional

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APONTAMENTOS SOBRE “CONSCIÊNCIA E REALIDADE NACIONAL” DE ÁLVARO VIEIRA PINTO

POR: GERALDO MEDEIROS DE AGUIAR

Imagem fractal. Fonte: GOOGLE

RECIFE, JUNHO DE 1978.

(REVISITADO, MODIFICADO E REVISTO ENTRE DEZEMBRO DE 2011

E FEVEREIRO DE 2012)

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ESTES APONTAMENTOS PROCURAM SER UMA SINÓPSE

DA MAGNÍFICA OBRA DO SÁBIO FILÓSOFO BRASILEIRO ÁLVARO VIEIRA PINTO, INTITULADA

“CONSCIÊNCIA E REALIDADE NACIONAL”, A PARTIR DE PARÁFASES, COMPILAÇÕES E INTERPRETAÇÕES PESSOAIS.

REPRESENTA, AINDA, UM BREVE CONJUNTO DA OBRA

ACIMA CITADA PUBLICADA EM DOIS VOLUMES (1.077 PÁGINAS), NO RIO DE JANEIRO, EM 1960, PELO INSTITUTO SUPERIOR DE

ESTUDOS BRASILEIROS – ISEB DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA.

HOUVE BREVES MODIFICAÇÕES NA: FORMA, CONTEÚDO E

ITEMIZAÇÃO DOS TEXTOS ORIGINAIS.

OS ERROS DE INTERPRETAÇÕES, DE PARÁFASES, DE COMPILAÇÕES E DE SÍNTESES MAL ELABORADAS,

ENCONTRADAS NOS TEXTOS, AQUI DIVULGADOS, SÃO DE NOSSA INTEIRA RESPONSABILIDADE E NÃO DAQUELE SAUDOSO

E EMÉRITO PROFESSOR, FILÓSOFO E CIENTISTA.

A ELE PRESTO MINHAS HOMENAGENS PÓSTUMAS REVISITANDO E DANDO AO PÚBLICO FRAGMENTOS DE UMA DE

SUAS OBRAS.

GERALDO MEDEIROS DE AGUIAR

ÁLVARO VIEIRA PINTO: NASCEU EM CAMPOS EM 11 DE

NOVEMBRO DE 1909 E FALECEU NO RIO DE JANEIRO EM 11 DE JUNHO

DE 1987. MÉDICO, MATEMÁTICO, POLIGLOTA E FILÓSOFO. PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO BRASIL (HOJE, UFRJ). EX-

DIRETOR E PROFESSOR D0 ISEB (INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS

BRASILEIROS) DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA (INCENDIADO PELOS MILITARES NO GOLPE DE ABRIL DE 1964).

AUTOR DOS SEGUINTES LIVROS: � Consciênia e Realidade Nacional. 2 volumes,1.077p.

� Ciência e Existência � Sete Lições sobre Educação de Adutos

� O Conceito de Tecnologia. 2 volumes, 1.328p. � Por que os Ricos não Fazem Greve? � Ideologia e Desenvolvimento Nacional

� A Questão da Universidade � A Sociologia dos Países Subdesenvolvidos

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SUMÁRIO

Sumário ............................................................................................................................................. 3

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................ 8

I. CONSCIÊNCIA E SOCIEDADE...........................................................................................................10

Consciência privada e consciencia coletiva ...................................................................... 10

As modalidades da consciência ....................................................................................... 10

Necessário condicionamento de todo ponto de vista ........................................................ 10

As idéias da comunidade ................................................................................................. 10

II. CONSCIÊNCIA E DESENVOLVIMENTO ...........................................................................................12

Fatores ideologicos na produção e condução do desenvolvimento .................................. 12

O subdesenvolvimento como contradição ........................................................................ 12

Componentes volitivos da consciencia ideológica e a intencionalidade da consciência coletiva ............................................................................................................................. 12

Comportamentos emocionais das massas ....................................................................... 13

III. CONSCIÊNCIA OCUPADA E DESENVOLVIMENTO .........................................................................14

A consciência e a práxis do desenvolvimento .................................................................. 14

A prática no país subdesenvolvido ................................................................................... 14

O trabalho e a pràtica ....................................................................................................... 14

Trabalho e filosofia no país subdesenvolvido ................................................................... 14

As filosofias: existencialistas, estruturalistas e pragmatistas, como filosofias dos centros dominantes....................................................................................................................... 15

Conceito de amanualidade. O mundo como dado e como efeito ...................................... 15

A superação do subdesenvolvimento pela acumulação do trabalho ................................. 16

A filosofia da tecnica. A inércia da tecnica e a técnica como invenção ............................. 16

IV. CONSCIÊNCIA INGÊNUA E CONSCIÊNCIA CRÍTICA. CONCEITUAÇÃO DAS FORMAS DA

CONSCIÊNCIA ...................................................................................................................................17

Distribuição social e histórica das modalidades de consciência ....................................... 17

V. CONSCIÊNCIA POLITICA E DESENVOLVIMENTO ............................................................................19

Dois sofismas relativos ao desenvolvimento .................................................................... 19

Os profissionais liberais, os politicos e a consciência ingênua ......................................... 19

O trabalho, fator de transmutação da realidade e da consciência .................................... 19

A democracia e o processo de consciência nascente ...................................................... 20

O significado da educação para o desenvolvimento ......................................................... 20

O equivoco da predominância do técnico sobre o politico ................................................ 21

VI. CONSCIÊNCIA DA MASSA E PENSAMENTO BRASILEIRO ..............................................................22

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A ambiguidade do conceito de massa .............................................................................. 22

A constituição da massa no processo de desenvolvimento .............................................. 22

A massa como origem da ideologia do desenvolvimento ................................................. 22

A produção da ideologia a partir da massa....................................................................... 23

A conversão do pensamento à realidade nacional ........................................................... 23

VII. A CONSCIÊNCIA INGÊNUA ..........................................................................................................24

1. DEFINIÇÂO GERAL E CARÁTER FUNDAMENTAL .................................................... 24

2. CARÁTER SENSITIVO ................................................................................................ 24

3. CARATER IMPRESSIONISTA ..................................................................................... 25

4. CONDICIONAMENTO PELO ÂMBITO INDIVIDUAL .................................................... 25

5. ABSOLUTIZAÇÃO DE SUA POSIÇÃO ........................................................................ 26

6. INCOERÊNCIA LÓGICA .............................................................................................. 26

7. IRASCIBILIDADE ......................................................................................................... 27

8. INCAPACIDADE DE DIALOGAR ................................................................................. 28

9. PEDANTISMO.............................................................................................................. 28

10. AUSÊNCIA DE COMPREENSÃO UNITÁRIA ............................................................. 29

11. INCAPACIDADE DE ATUAÇÃO ORDENADA ............................................................ 30

12. MORALISMO ............................................................................................................. 31

13. IDEALIZAÇAO DOS DADOS CONCRETOS .............................................................. 31

14. APELO À VIOLÊNCIA ................................................................................................ 32

15. DESPREZO PELA MASSA ........................................................................................ 32

16. CULTO AO HERÓI SALVADOR................................................................................. 33

17. MESSIANISMO DA REVOLUÇÃO ............................................................................. 34

18. ADMISSÃO DA EXISTÊNCIA DE UM PROBLEMA SUPREMO ................................. 35

19. COISIFICAÇÃO DAS IDÉIAS ..................................................................................... 36

20. MALEDICÊNCIA E PRECIPITAÇÃO DE JULGAMENTO ........................................... 36

21. CRENÇA NA IMUTABILIDADE DOS PADRÕES DE VALOR .................................... 37

22. DESPREZO PELA LIBERDADE................................................................................. 38

23. INTELECTUALISMO NA CONCEPÇÃO DOS PROBLEMAS SOCIAIS ...................... 39

24. CULTO AO BOM SENSO........................................................................................... 39

25. DEFESA DO PROGRESSO MODERADO ................................................................. 40

26. IGNORÂNCIA DO POTENCIAL POLÍTICO NA ATUAÇÃO INTERNACIONAL .......... 41

27. VISÃO ROMÂNTICA DA HISTÓRIA .......................................................................... 42

28. ROMANTISMO NA CONCEPÇÃO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS E POLÍTICAS . 42

29. PESSIMISM0 ............................................................................................................. 43

30. UFANISMO ................................................................................................................ 44

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31. SAUDOSISMO ........................................................................................................... 45

32. PRIMARISMO POLÍTICO ........................................................................................... 46

33. AMBIGUIDADE E CONCILIAÇÃO DE IDÉIAS INCOMPATÍVEIS ............................... 46

34. RECUSA DA ATRIBUIÇAO DE INGENUIDADE ........................................................ 47

ViII. CONSCIÊNCIA CRITICA ...............................................................................................................49

1. CARÁTER GERAL ...................................................................................................... 49

2. CATEGORIA DE OBJETIVIDADE ................................................................................ 50

Alteração do real e a percepção das massas ..............................................................................50

O cuidado e a ocupação no país subdesenvolvido......................................................................51

3. A CATEGORIA DE HISTORICIDADE .......................................................................... 51

A realidade como processo .......................................................................................................52

O presente como dinamismo e virtualidade ..............................................................................53

Interação entre consciência e processo .....................................................................................53

4. A CATEGORIA DE RACIONALIDADE ........................................................................ 54

Sensibilidade social e pensar crítico ...........................................................................................55

Correlações causais e consciência útil ao desenvolvimento .......................................................55

A dialética da razão no país subdesenvolvido ............................................................................56

A) Inconveniência do pensamento formal .................................................................................56

B) Necessidade do pensamento dialético ..................................................................................56

c) A dialética das contradições no país subdesenvolvido ............................................................57

D) O “salto histórico" no país subdesenvolvido ..........................................................................58

E) A ação recíproca no país subdesenvolvido .............................................................................58

F) A unidade dos contrários no país subdesenvolvido ................................................................59

G) Peculiaridades dialéticas do subdesenvolvimento. "diferencial histórica" e progresso da

consciência................................................................................................................................59

5. A CATEGORIA DE TOTALIDADE ...............................................................................................61

Objeções à concepção da totalidade .........................................................................................62

A totalidade como conexão de sentido ......................................................................................63

A insuficiência do conceito de “causalidade-circular" ................................................................64

A nação como totalidade envolvente ........................................................................................64

Estar no mundo e ser no mundo................................................................................................65

A ideologia do desenvolvimento é um humanismo ....................................................................65

O mundo como nação ...............................................................................................................65

O desenvolvimento e a categoria de totalidade .........................................................................66

Generalidade, totalidade e doação de sentido ...........................................................................67

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Revolução nacional e projeto de destino ...................................................................................68

Unificação do tempo histórico ...................................................................................................68

Uma consequência do conceito ingênuo de totalidade: o municipalismo ..................................69

6. A CATEGORIA DE ATIVIDADE ................................................................................... 69

Pensamento e ação ...................................................................................................................70

O trabalho e a nação como projeto ...........................................................................................71

A alienação internacional do trabalho .......................................................................................72

Ação e resistência à ação ...........................................................................................................72

Caráter histórico e social dos valores .........................................................................................74

A ética do desenvolvimento ......................................................................................................75

Responsabilidade individual na ética do desenvolvimento .........................................................75

A prática inautêntica e o romantismo revolucionário ................................................................79

7. A CATEGORIA DE LIBERDADE .................................................................................................80

Concepções ingênuas de liberdade ............................................................................................80

O ato livre e o pertencimento ao mundo ...................................................................................81

A liberdade é o libertar ..............................................................................................................82

A dialética da liberdade .............................................................................................................82

O equívoco da liberdade interior ...............................................................................................83

As “situações-limite” e sua superação histórica .........................................................................84

A existência autêntica ...............................................................................................................84

A liberdade concreta e a consciência política .............................................................................85

8. A CATEGORIA DE NACIONALIDADE ........................................................................ 86

O processo de formação nacional ..............................................................................................88

O nacionalismo como fenômeno histórico .................................................................................89

As supostas "contradições” do nacionalismo .............................................................................91

O nacionalismo como fenômeno de massa ................................................................................92

Conteúdo e sentido dos atos nacionalistas ................................................................................92

A expressão teórica do nacionalismo .........................................................................................93

O encontro das consciências no país subdesenvolvido...............................................................94

9. ALIENAÇÃO, FORMAÇÃO NACIONAL E REGIONAL ................................................ 94

A nação como universal concreto ..............................................................................................94

A relação de dominação ............................................................................................................95

A educação como instrumento de dominação ...........................................................................96

O nacionalismo como supressão da alienação ...........................................................................98

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A nação como origem de significações e fundação da cultura brasileira...................................102

Desenvolvimento e problemas regionais .................................................................................102

IX. PRINCÍPIOS DE UMA POLÍTICA NACIONALISTA..........................................................................109

1. A INCORPORAÇAO DO TRABALHO NACIONAL AO PAÍS ...................................... 110

2. A REPRESSÃO AO CAPITAL PRIVADO ESTRANGEIRO ESPECULATIVO ............ 113

3. O DESENVOLVIMENTO VISA HUMANIZAR A EXISTÊNCIA .................................... 116

4. O MONOPÓLIO ESTATAL DOS FATORES ECONÔMICOS BÁSICOS .................... 116

5. A DEFESA DA INDÚSTRIA NACIONAL AUTÊNTICA ................................................ 117

6. A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL ........................................................... 118

7. A REFORMA AGRÁRIA ............................................................................................. 119

8. AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE PLENA SOBERANIA ................................... 121

9. A EDUCAÇÃO POPULAR PARA O DESENVOLVIMENTO ....................................... 122

10. A CULTURA DO POVO ........................................................................................... 123

11. A SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL COM AS NAÇÕES EM LUTA PELA LIBERTAÇÃO POLÍTICA E ECONÔMICA ..................................................................... 124

X. IDÉIAS PARA UM MODELO AUTÔNOMO DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO .........................127

XI. A DIVISÃO DO TRABALHO E UM MUNDO SEM EMPREGOS .......................................................144

O AUTOR ........................................................................................................................................151

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APRESENTAÇÃO O presente resumo com interpretações, paráfrases e compilações do livro

"CONSCIÊNCIA E REALIDADE NACIONAL” (1º e 2º volumes), do professor, cientista e filósofo Brasileiro ÁLVARO VIEIRA PINTO publicado pelo Ministério da Educação e Cultura através do Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB se prende aos seguintes motivos:

A partir de abril de 1964 (até os dias de 1978), além de vários revezes foram impostos às forças nacionalistas e a consciência critica nacional, um controle arbitrário, inquisidor e despótico sem, porém, anular sua ação. Entretanto, durante todo esse triste e obscuro período aumentou e fortaleceu-se, mais ainda, o contingente daqueles que passaram a adotar o modo critico de pensar que, por isso mesmo, nos incentivou a resumir e parafrasear esta importante obra de ÁLVARO VIEIRA PINTO, em 1978, com o intuito de ajudar àqueles que buscavam a essência da teoria nacionalista tão combatida pelas forças retrógradas e reacionárias do Brasil.

Outro motivo que muito nos incentivou a resumir e parafasear a supramencionada obra filosófica foi à ansiedade que têm os estudantes das universidades nordestinas em compreender e apreender os problemas concernentes à realidade braseira, deliberada e conscientemente ocultadas e distorcidas pelas mídias falada, escrita, televisiva e, também, pelas autoridades docentes em comum acordo com os órgãos de repressão do Estado Brasileiro. Assim sendo, acreditavamos que este resumo pode servir de estímulo e indicador de numerosos estudos, teses e dissertações fundamentadas no sistema categorial apresentado nos textos.

Com a agonia do chamado "milagre brasileiro" durante a ditadura e, conseqüentemente, a falência dos poderes despóticos e do estado de arbítrio institucionalizado, havia motivação e indução, na época, para elaborar o resumo, em tela, também, no propósito de servir de plataforma e conteúdo de um programa político-partidário nacional a ser criada com a esperada e almejada “abertura política” ou com o fim do estado de arbítrio.

O maior incentivo, talvez, à elaboração do resumo, esteja no fato de a obra do citado filósofo, que foi publicada em 1960, ter passado por um severo crivo e, após anos, apresentar-se tão atualizada e autêntica como se tivesse sido escrita naquele ano de 1978. Fica aos leitores a opção de verificar a validade ou não desta assertiva retrocedendo um pouco no tempo.

Cabe, ainda, esclarecer que existem pouquíssimos exemplares da obra em pauta o que, também, demandou este resumo expressando a esperança de que a obra seja reeditada num futuro próximo.

Finalmente, este trabalho reflete direta e indiretamente a nossa experiência e ideologia quer pela opção e necessidade de resumir em paráfrases a obra em apreço, quer pelas modificações na sua forma e conteúdo. Entretanto, as omissões, os equívocos e falta de clareza de alguns trechos e parágrafos não cabem ao saudoso cientista e mestre ALVARO VIEIRA PINTO e sim ao nosso esforço e nossas limitações nas sínteses e interpretações.

Já a revisitação à obra com a revisão daquela 1ª versão deste ensaio

(escrito em 1978) foi realizada em dezembro de 2011 a fevereiro de 2012 motivadas no Encontro Pedagógico de 2011 da Faculdade Boa Viagem quando a palestrante gaúcha, Cleoni Barbosa Fernandes, convidada para o evento, ao citar e comentar a obra do mestre ÁLVARO VIEIRA PINTO ficou surpresa que, o Autor deste ensaio, professor daquela Faculdade e presente à sua conferência, o havia conhecido e participado de várias palestras suas no ISEB e que usava os conhecimentos daquele cientista e filósofo, na FBV, em suas aulas e nos seus escritos, conferências e trabalhos acadêmicos. Outro motivo foi que o Autor havia adquirido um mês antes do evento, em tela, à obra “Conceito de Tecnologia” de ÁLVARO VIEIRA PINTO (dois volumes) publicada no Rio de Janeiro, pela Editora Contraponto, no ano de 2008 (após o achado dos originais em 1974) e havia começado a sua leitura. Também, vale lembrar que o livro “Consciência e Realidade Nacional” se

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encontra de há muito esgotado (sem perspectiva de reedição) e muito dos seus exemplares publicados pelo ISEB foram insinerados pelos militares em abril de 1964 quando incendiaram aquela modelar e importantíssima organização do pensar crítico nacional e que, na época, era uma réplica a Escola Superior de Guerra (ESG).

Nos APONTAMENTOS foram omitidos os textos referentes “A SISTEMATIZAÇÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA” e a “CONCLUSÃO” ambos constantes do segundo volume da obra. Optou-se por se apresentar, em substituição àqueles capítulos, dois apêndices escritos pelo Autor (Idéias para um modelo de desenvolvimento autônomo e a Divisão do trabalho e um mundo sem empregos) como inspiração, interpretação e aplicação das idéias da Obra do Grande Filósofo na contextualização da Realidade Brasileira de hoje (fevereiro de 2012).

NOTA: Os APONTAMENTOS são apresentados em linguagem

coloquial do Autor e não sofreram quaisquer correções gramaticais e ortográficas. Servem como subsídios para seus trabalhos, aulas e conferências.

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I. CONSCIÊNCIA E SOCIEDADE Consciência privada e consciencia coletiva

A transformação da consciência privada em pública e coletiva tem suas raízes no próprio atributo da consciência individual de assumir o duplo papel: exprimir julgamento pessoal e forjar para si o sentimento de estar exprimindo o que todos os outros pensam. Como coletiva, a consciência individual se converte em consciência de classes que se uniformiza pela comunidade dos fundamentos econômico-social em que repousam no processo de produção e circulação de mercadorias.

A consciência individual quando se proclama coletiva assume caráter ideológico desde que esteja ligada a realidade do país. Isto se dá pelo fato da consciência ser reflexo e julgamento da sociedade sobre si mesma, por intermédio de quem acredita exprimir o sentimento coletivo em cuja base material, física e social a consciência uniformiza-se.

Em geral, o indivíduo acredita que exprime o que qualquer outro também pensa, em vez de admitir que a consciência comum seja produto do seu modo pessoal de pensar agregado ao de todos os demais humanos.

As modalidades da consciência

A consciência apresenta um conjunto de representações, reflexões, idéias e conceitos organizados segundo estruturas caracterizadas por tipos ou modalidades e pode ser sintetizada em dois tipos fundamentais:

Consciência ingênua, quando desconhece ou nega seu condicionamento. Pode ser culta, mas não ter objetividade quando refletem sobre o mundo apenas idéias enriquecidas pela observação e meditação

Consciência crítica, quando procura e conhece o seu condicionamento. É sempre autêntica e pode ser esclarecida ou iletrada. Tem referência obrigatória na objetividade.

A consciência, desde que não saiba do seu condicionamento, ou o negue, estará excluída da condição crítica, e assim poderá enriquecer-se do mais vasto conteúdo de erudição e sapiência, cogitar as mais profundas teorias científicas ou filosóficas, que, nem por isso, deixará de ser ingênua.

A consciência crítica, mesmo nos graus iletrados, é sempre autentica, porquanto só se faz portadora de uma idéia porque sabe ser levada a pensar pela situação em que se acha.

Necessário condicionamento de todo ponto de vista

Todo ponto-de-vista está necessariamente carregado de restrição posicional, donde depende o maior ou menor grau de clareza na representação do condicionamento que afeta a toda posição, qualquer que seja essa posição. Todo o indivíduo, pela circunstância do seu existir, é capaz de constituir um ponto-de-vista sobre o universo onde se encontra. Todo campo de visão pessoal é sempre limitado. A consciência iletrada não é menos rica em conteúdo do que a presunçosa que julga ver mais longe.

Não é pelo diâmetro do horizonte intelectual que se deve achar o grau de representatividade da consciência da realidade nacional. A definição desse grau terá que ser baseada na maneira como a consciência representa os fatores que a condicionam, ou seja, na menor ou maior clareza com que inclui na conceituação de um fato objetivo, a percepção simultânea das condições e influências que a determinam nesse ato a proceder como procede.

As idéias da comunidade

As categorias da consciência crítica da realidade são determinadas por essa mesma realidade. São induzidas empiricamente da objetividade do real e procedem do processo econômico-social. A consciência da realidade consiste na representação possuída pelo indivíduo em comunidade. Somente quando o pensamento do existente e

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simultaneamente pensamento da existência, é que se revela a consciência da comunidade, pois nesta forma os aspectos do real são considerados com a significação de fatores da totalidade; só neste caso a reflexão cognoscitiva transcende os dados singulares imediatos da realidade para abrangê-la como todo.

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II. CONSCIÊNCIA E DESENVOLVIMENTO Fatores ideologicos na produção e condução do desenvolvimento

As idéias que a comunidade detém a respeito de si mesma configuram a autoconsciência da nação, cujo papel, no desempenho do trabalho, e a transformação da realidade. O processo de desenvolvimento nacional implica a presença de fatores ideológicos e, por isso mesmo, está sempre exposto ao imprevislvel.

Fundamentando-se em fatores ideológicos, o processo de desenvolvimento é função da consciência que a nação tem de si mesma. A unidade ideológica não é mais que a disciplina do fator ideologico, de modo a que a comunidade possa enfrentar alternativas históricas com respostas antecipadamente preparadas.

A condição de processo consiste na formulação consciente do projeto de desenvolvimento, envolvendo todas as iniciativas geradoras de progresso. Não há projeto social sem ideologia, isto é, sem a suficiente unificação do pensamento e da vontade popular, mediante representação objetiva da realidade e decisão de modificá-la.

Os fatores ideológicos contribuem para produzir o processo e a ideologia é a concepção de nova forma de ser para a existência comunitaria, em razão da qual se carregam de valores positivo e negativo todos os objetos, as idéias e os acontecimentos da realidade presente. A ideologia, portanto, torna-se fator que determina o desenvolvimento á medida que o desenvolvimento se impõe como solução única.

O subdesenvolvimento como contradição

O subdesenvolvimento se constitui numa contradição no curso da história, isto é, pólo de uma contradição da qual o outro pólo é a nação hegemônica. No país subdesenvolvido, além das contradições fundamentais entre as classes sociais, o subdesenvolvimento, pelo seu estado geral na nação de um lado, e o comportamento imperialista das nações desenvolvidas com os quais se relaciona, do outro, pode levar, em determinados momentos, que a criação ideológica exprima as condições não apenas à base das classes sociais internas, mas também a base de nação espoliada versus nação espoliadora.

Colonialismo e neocolonialismo identificam-se com processo de subdesenvolvimento, cujo poder se expressa na vinculação aos interesses estrangeiros e a política explícita e implícita, entre outras, em baixos salários, latifúndios, má redistribuição de renda e má representatividade política.

Em geral, o subdesenvolvimento de uma nação está imbricado aos processos que incidem na economia e que tendem a manter o status quo da sociedade e da economia do país subdesenvolvido tais como: detereriorização dos preços das commodities que exporta, por um lado, e alvitamento dos preços dos produtos manufaturados e de tecnologias que importa, pelo outro, processo de concentração monopolista da propriedade privada das terras, absorção dos excedentes econômicos pelos países hegemônicos, etc.

Componentes volitivos da consciencia ideológica e a intencionalidade da consciência coletiva

A consciência só é fator de desenvolvimento quando deixa de ser simples representação para tornar-se projeto e origem de ação, isto é, de especulativa converter-se em política e ideológica. Assim é que a consciência se desenvolve no real na forma de projeto de modificá-lo. Sem assumir feição poloítica-ideológica e sem tornar clara sua intenção objetivadora à consciência é inoperante.

Quando a representação concreta do dado real se associa ao ímpeto da vontade que propõe a transformação desse dado, cuja apreensão consciente é o projeto, a consciência se constituiria em núcleos da ideologia que objetiva transformar o processo de subdesenvolvimento em processo de desenvolvimento.

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A consciência não tem existência em si, independente, destacada da coisa que representa, mas é sempre consciência de algo; tende sempre para aquilo que é a cada instante o seu objeto e se conforma exclusivamente no momento de representá-lo.

O caráter da intencionalidade da consciência, sendo constitutivo do ser da consciência, deve espelhar-se em todos os seus modos de ser em face do estado social; deve haver, portanto modalidades de intencionalidade, segundo as quais se configurarão os diferentes comportamentos do sujeito, em presença daquilo que representa a si, como sendo a realidade nacional, ou seja, deve haver formas ingênuas e críticas de intencionalidades.

Comportamentos emocionais das massas

O problema capital da teoria da ideologia é a investigação dos modos e das condições segundo os quais uma imagem da realidade e um projeto de transformação se tornam conteúdo da consciência geral. É indício de ressentimento aristocrático acusar as massas de incompreensão. A receptividade do espírito das massas aos planos políticos e ditada por causas reais e objetivas, que são parte do processo que esses planos pretendem alterar. Por outro lado uma consciência esclarecida não desconhece os fatores psicológicos, mas não se comporta apenas psicologicamente.

O vício fundamental que invalida certas ideologias, e a suposição de que conseguirão assegurar o triunfo de seus projetos pelo efeito da propaganda maciça, constante e profunda. Tais ideologias caem ou se esfacelam porque acabam por acreditarem na propaganda que preparam para os outros. Reconhecida pela consciência das massas como autêntico pensamento de que carecia para exprimir o seu projeto de existência, a ideologia assume caráter operatório e desencadeia forças criadoras, que a fazem transformar-se de vivência subjetiva em fator dinâmico.

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III. CONSCIÊNCIA OCUPADA E DESENVOLVIMENTO A consciência e a práxis do desenvolvimento

A apreciação que a cada momento a consciência faz do estado da realidade é condição de possibilidade de novo projeto. O projeto de desenvolvimento nacional e uma sucessão de projetos mantidos em continuidade pela intenção geral. O elenco de medidas que produzem o desenvolvimento pode ser estabelecido na e pela prática. Só a vivência das condições efetivas da realidade permite ao individuo constituir-se em autor de sua transformação.

Quem não está preso ao problema por um vínculo prático, por mais que dele se ocupe, seja por simpatia moral, seja por obrigação profissional, nunca terá a vivência indispensável à revelação de possibilidade de solução que apenas a inteligência, por mais arguta, não será capaz de discernir.

A prática no país subdesenvolvido

A noção de prática não admite ser estabelecida em termos universais e não tem conteúdo idêntico em todos os contextos históricos.

A prática de um país subdesenvolvido está na grande maioria do povo que o habita. Para o homem do povo que habita na miséria de sua situação primitiva, não há outra prática senão o sofrimento cotidiano e não há outro critério de verdade senão a transformação objetiva de seu modo de existência.

No país subdesenvolvido, as elites, enquanto classe são também afetadas pelo subdesenvolvimento, mas, enquanto indivíduos vivem fora dele.

Na situação de subdesenvolvimento as classes ricas são restritas e se acham submetidas a pressões sociais, por parte das classes oprimidas, com maior intensidade que nas situações de pleno desenvolvimento.

O trabalho e a pràtica

Os determinantes da "práxis" com relação ao individuo, são: A sua posição numa estrutura social dinâmica com estrato se classes diferenciadas

em sentido econômico, ou em hierarquia administrativa. Natureza, quantidade e qualidade de trabalho que exerce na posição que ocupa. Pela posição, o indivíduo participa de uma "praxis" coletiva; pelo trabalho, encontra

efetivamente a realidade. O trabalho é causa modificadora da realidade e é sempre ação transformadora. A consciência é determinada pela prática social, primordialmente mediante o trabalho. A consciência e, na verdade, a percepção da existência do mundo enquanto espaço para a ação, campo de projetos possíveis. O trabalho é fator constitutivo do ser humano e é através dele que cada um constrói a consciência da realidade.

O trabalho é a essência da prática, e seu caráter transformador é a via de acesso a realidade pela técnica inerente a natureza do ser humano. A adequação do pensamento a realidade material se faz mediante o ato humano de transformar esta realidade, e este ato é que se chama trabalho.

Todo processo de produção pelo qual o ente humano busca resolver sua contradição básica com a natureza e criar-se a si próprio é revelado pelo processo de trabalho no qual também, se produz as mercadorias.

Trabalho e filosofia no país subdesenvolvido

As tarefas do filosofo do país subdesenvolvido são específicas e refletem a condição da realidade de que o pensador participa. Os filósofos pertencentes aos centros dominantes da cultura contemplam o mundo do centro de dominação histórica.

O pensador do mundo subdesenvolvido tem de pensar o real concreto, aquele que efetivamente se defronta e sobre o qual é obrigado a agir. O pensador do país da periferia contempla sua realidade sem o direito de distrair-se na criação de concepções de cunho

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abstrato. Até os seus mais legítimos interesses pessoais o obrigam a constituir-se em intérprete do país a que pertence.

Em um dos apêndices o Autor dos Apontamentos ensaia uma discussão sobre um mundo sem emnpregos onde o processo de trabalho é objeto de reflexões.

As filosofias: existencialistas, estruturalistas e pragmatistas, como filosofias dos centros dominantes

O filósofo do país subdesenvolvido é um homem em face do Tudo o quanto ele está por fazer no mundo que é o seu. Portanto, para ele não há o Nada. Não tem direito a futilidade intelectual, quando está diante da imperiosa exigência e necessidade de transformação do mundo a que pertence.

O pensador do país subdesenvolvido não pode, por isso, refletir o modo de existir de quem pensa a partir dos centros dominadores da cultura ou daqueles que se julgam detentores da universalização do mundo.

Deve denunciar a insuficiência da filosofia estruturalista, que apresenta as estruturas de forma mecânica, da filosofia existencialista, que ignora os aspectos objetivos do existir humano, e do pragmatismo que se resume em proclamar a prática sem teoria.

Há que se ter todo o cuidado em depurar os traços alienantes das filosofias oriundas das metrópolis ou centros de dominação. Serve como uma breve advertência as nefastas conseqüências da cosciência reflexa importada dos países cêntricos colonizadores.

Conceito de amanualidade. O mundo como dado e como efeito

A tese central de uma filosofia para um país emergente-subdesenvolvido ou periférico no modo de produção capitalista está na afirmação: é o trabalho que revela a realidade, na medida em que a modifica. Todas as demais formas de especulações que desviam a atenção deste conceito central estão em oposição aos interesses internos das nações que conformam esses países. O conceito de amanualidade (não se encontra nos dicionários) está, pois, na determinação de que os entes humanos no mundo se dão como algo que "está à mão", isto é, o manus, us ou man(i/u). Este conceito não deve ser usado na concepção da filosofia existencialista que o criou, mas do ponto de vista da lógica dialética que o adotou.

O amanual do objeto é visto como resultado de operação laboriosa, ao cabo da qual é dado porque foi feito. A qualidade de "feito" incorpora ao objeto o esforço humano. “O amanual do objeto é sempre produto da mão que o faz, dado a mão que o conhece. Os objetos que se revelam como coisas, em virtude do caráter amanual, são na verdade objetos fabricados”. (Vieira Pinto)

A noção do valor econômico (valor, valor de uso, valor de troca e valor desenvolvimento) do objeto ou bem econômico reflete-se, na realidade do artefato como uma das manifestações do ser humano pelo processo de trabalho. A revelação do mundo, pelo amanual das coisas, se faz, portanto, trazendo sempre caráter histórico da manufatura e se refere às forças de produção, as relações de produção e ao grau de avanço intelectual existentes.

O mundo contemporâneo é cada vez mais um mundo de fabricados e de símbolos. Quando o ente humano desenvolve a sua prática vital, por meio do processo de trabalho, a partir de determinada posição social, esta mesma posição é resultado do trabalho das gerações anteriores. A essência da prática é o trabalho, agora no duplo sentido: de trabalho individual e de trabalho histórico acumulado (trabalho pretérito).

O amanual de fazer objetos não muda apenas o modo de vida; muda o conhecimento do mundo. É com a instalação de um parque fabril com tecnologia nacional que se dá a transformação qualitativa do contorno vital do ser humano, porquanto a industrialização conduz o indivíduo e a comunidade a terem, de si e do mundo, uma consciência qualitativamente diferente da que tinham nas fases primárias do desenvolvimento.

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A superação do subdesenvolvimento pela acumulação do trabalho

O movimento de acumulação do trabalho social é a única maneira de elevar a nação aos planos mais altos da existência cultural e do bem-estar humano.

A importância da distinção entre tipos de acumulação do trabalho está no discernir, quando uma atividade social se aplica conscientemente a não a produzir um mais, porém a produzir um novo. Não é apenas a acumulação quantitativa de trabalho social que gera o desenvolvimento, e sim a qualitativa. O que define em qualidade de um modo de fazer é o que se chama de técnica cuja virtualização foi e é parte do processo de humanização do animal Homo sapiens sapiens.

O desenvovimento de tal pensamento é objeto do apêndice sobre as idéias para um desenvolvimento autônomo apresentado no primeiro anexo deste ensaio.

A filosofia da tecnica. A inércia da tecnica e a técnica como invenção

A essência da técnica, bem como sua natureza de processo, lhe é, como já se disse conferida pela acumulação qualitativa do trabalho. A técnica é o know-how, isto é, o modo de “fazer nova alguma coisa”. A inércia da técnica está no “fazer bem”, quando aprovado pelo consenso geral como vantajoso e produtivo, e tender a resistir às modificações que visem a melhorar os seus resultados. A essência da técnica não está no “fazer bem”, e sim no "fazer novo” que é, por natureza, invenção.

A técnica afeta o proceso e o modo de trabalho existente e sobre ele deposita o modo novo e mais perfeito. Além de ser uma acumulação qualitativa de trabalho, é uma sedimentação histórica de maneiras de trabalho distintas qualitativamente e superpostas como camadas, revelando a natureza de processo do desenvolvimento técnico.

A técnica revela-se através do jogo de ensaios e erros, no qual a imaginação dialoga com a realidade, até que, no curso desse confronto e dessa tensão, a inteligência capta nova propriedade do real ou nova possibilidade de agir, até então desconhecida. É necessário alterar o modo de produzir, proporcionando outro nível de existência econômica-social. É, portanto, de natureza qualitativa, e não apenas quantitativa, a alteração indispensável.

A técnica é a criação do novo a partir do antigo; é, pois, desenvolvimento. É, também, a maneira pela qual o ser humano sistematicamente tenta resolver suas contraições com a natureza e o cosmo é, assim, processo de hominização.

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IV. CONSCIÊNCIA INGÊNUA E CONSCIÊNCIA CRÍTICA. CONCEITUAÇÃO DAS FORMAS DA CONSCIÊNCIA O número de pontos-de-vista sobre a realidade é, em princípio, infinito, porém não

a tal ponto que não se possa delinear e divisar grupos definidos pela posse de características comuns. Quando analisados em função da realidade, esses pontos-de-vista podem ser agrupados em dois conjuntos de modalidades fundamentais de consciência, aqui designadas de consciência ingênua e de consciência crítica.

A consciência ingênua é, por essência, aquela que não tem consciência dos fatores e condições que a determinam ou conformam. Seus atributos principais, entre outros, são os seguintes:

� Ter disponibilidade e independência em face dos acontecimentos � Ser isenta de julgamento com intenção de rigorosa fcidelidade aos fatos � Interpretar os fatos segundo as leis da lógica formal, metafísica e da moral � Declarar-se incondicionada por considerar a lógica e a moral como forma do

saber às suas afirmações � Submeter a realidade as suas afirmações e intenções � Ser detentora de critérios absolutos de julgamento � Sentir-se satisfeita consigo mesma, fechando-se ao diálogo � Ser crente no valor perene de suas afirmações.

A consciência crítica é, por essência, aquela que tem clara consciência dos fatores e condições que a determinam ou a conformam. Seus principais atributos são, entre outros, os seguintes:

� Está ocupada em descobrir os determinantes do seu conteúdo � É dirigida para a objetividade � Vê-se a si própria em função do real e do atual � Explica-se em termos de dependência histórica � Sente-se condicionada pelo processo social � Sente-se variável no seu conteúdo � Seus enunciados não possuem a vigência de verdades perene.

A consciência ingênua é reacionária por princípio. Ela julga estar falando em nome de uma verdade que nada mais é que a defesa de regalias de estratos ou classes sociais de situações econômicas privilegiadas. Ao contrário, a consciência crítica é a tal ponto antireacionária que pode dizer–se ser antecipadora e libertadora. Deriva da reflexão reveladora dos motivos que constantemente a determinam. A certeza desta motivação é suficiente para dar-lhe a compreensão da sua validade temporal, para criar a expectativa de uma alteração sempre possível dos fatores objetivos a que está relacionada, embora so chegue à especificação de quais sejam os que a influenciam, em cada fase, por via analítica.

Distribuição social e histórica das modalidades de consciência

A consciência, em presença contínua do subdesenvolvimento, não pode deixar de ser ingênuo em função de o real ser sempre idêntico a si mesmo. O subdesenvolvimento é inercial tende por si a conservar-se, a causar-se a si próprio.

A modificação do real cria uma percepção qualitativamente nova, e está, por sua vez, incentivada a substituição dos seus suportes materiais subdesenvolvidos. A nação hegemônica perde a sensibilidade para a história, que lhe aparece como um relato de acontecimentos destinados a sancionar a dominação que ostenta e não tem outro interesse não encerrar a historia. O modo como tenta fazê-lo e tapar os ouvidos a voz da consciência

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que foi sua e agora lhe molesta. Olvida o seu efetivo passado, ao vê-lo do ápice do presente, pois interpreta as etapas atrasadas vencidas como meros obstáculos de valor lúdico, que se compraz em referir apenas com o fim de melhor gozar, por contraste, das riquezas que atualmente possui.

Fechando-se à história, na intenção ilusória de estabilizar os privilégios que conquistou, fecha-se não só a si própria, mas também a consciência dos outros. Torna-se, assim, reacionária para consigo mesma e para com os outros.

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V. CONSCIÊNCIA POLITICA E DESENVOLVIMENTO Dois sofismas relativos ao desenvolvimento

O primeiro sofisma descansa na suposição de que só alguns países têm o poder de realizar a revolução emancipadora. Sua nocividade está expressa nas seguintes constatações:

� Desconhecer uma chance histórica de desenvolvimento para todos os países � Negar o gesto emancipador dos países periféricos e sua capacidade virtual que

lhes permite deflagrar o processo de desenvolvimento autônomo � Negar e reprimir a formação de uma consciência nacional emancipadora que, na

base nos seus recursos materiais, formule a solução de desenvolvimento autônomo � Desconhecer que a relação internacional centro-periferia só subsiste dentro de

uma conjuntura, que é a atual, mas nunca é a definitiva.

O segundo afirma que o desenvolvimento de um país subdesenvolvido tem de ser feito por outro que esteja em condições de pleno desenvolvimento. Igualmente, ao anterior é altamente nocivo porquanto:

� Nega que existem, na realidade nacional, forças expansivas capazes de transformar a nação e de elevá-la a um ou vários graus mais altos

� Desconhece o desequilíbrio de uma estrutura de relações objetivas, como lei normal do desenvolvimento

� Perpetua o regime de relação centro-periferia, que encobre a essência da hegemonia das nações dominantes

� Nega aos países subdesenvolvidos a posse de fatores intrínsecos e endógenos de desenvolvimento autônomo

� Desconhece que o desenvolvimento econômico-social pode ser feito em pequena parte com o capital estrangeiro, mas nunca pelo capital estrangeiro

� Desconhece que o investimento de capitais e técnicas no país subdesenvolvido só tem efeito salutar no seu processo nacional em condições de plena soberania.

Os profissionais liberais, os politicos e a consciência ingênua

Uma das graves deficiências da nação ser subdesenvolvida reside no fato de que seus intelectuais, particularmente economistas, advogados, sociólogos, bacharéis em direito por estarem, na maioria das vezes, nos setores mais representativos da consciência ingênua, sucumbem facilmente à sedução dos proveitos da corrupção e da docilidade às manobras das corporações e empresas multinacionais ou transnacionais.

Sem a intervenção de profissionais (economistas, sociólogos, engenheiros, etc.) portadores de uma consciência crítica, é difícil planejar os grandes empreendimentos que a nação carece. Quando não são dotadas de consciência autêntica, as respostas que dão aos problemas nacionais serão com freqüências simplórias, pois analisam o processo de desenvolvimento nacional de fora para dentro e não de dentro para fora. Tendo, em geral, uma formação nos livros das nações hegemônicas, esses profissionais resistem em despojar-se do saber adquirido que cegamente o empregam á realidade, em vez de reduzí-lo ou, ainda, induzir do real nacional as categorias efetivas com que devem apreendê-lo.

O trabalho, fator de transmutação da realidade e da consciência

Desenvolver-se é introduzir na realidade em repetição contínua de novos fatores causais, a fim de gerar o mais ser do futuro em relação ao ser do presente. A transformação em que o desenvolvimento consiste é devida ao trabalho humano aplicado à realidade

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material. O processo de trabalho, neste aspecto, é considerado na função de fator de transformação da consciência da realidade.

É assim que o trabalhador, em dado momento, toma consciência de que as mudanças do real são efeitos do seu trabalho esse valoriza e passa a exigir participação dos benefícios da transformação. A partir desta mudança qualitativa, altera-se a perspectiva consciente do trabalhador e sua visão do mundo, sensibilidade aos fatos, escala de valores e órdem de exigências.

Daí a qualificação da obra se refletir na qualificação da pessoa. Ao incremento quantitativo do produto corresponde um incremento qualitativo do produtor. O trabalhador faz a descoberta do mecanismo determinante do desenvolvimento da realidade material ao perceber que este não é outro senão o seu prõprio trabalho.

A democracia e o processo de consciência nascente

A formação do pensar crltico é sempre mais retardada que o avanço do processo de desenvolvimento. É inteiramente descabido pensar em exigirem-se políticos superiores e maio grau de consciência posslvel relativo à etapa em que o processo da realidade se acha. A eleição no estado democrático refuta a ilusão aristocrática em supor que são os melhores que fazem o melhor. Discerne-se facilmente o idealismo desta concepção; não existem os "melhores", nem o "melhor” abstratamente, a não ser para os representantes do pensar ingênuo. O caráter de "melhor", aplicado a pessoas ou as ações, só admite ser definido concretamente, em função de uma circunstância histôrica particular e em relação ao dado presente da realidade.

Pensar em "criar llderes" e organizar especialistas em "relações humanas" representa a institucionalização do conhecimento ocioso ou da "mào-sem-obra”, isto é, um sistema educacional para atividades de valor nulo. O aspecto grave destas atividades de valor nulo está em que consomem ponderável montante de recursos sociais, representando, assim, um parasitismo dos bens da comunidade.

O significado da educação para o desenvolvimento

É ingênuo pensar que o Brasil possa ter índice educacional melhor do que o permitido pela etapa do desenvolvimento em que se encontra o processo de transformação. A educação não precede o processo de desenvolvimento, acompanha-o. A educação é a consciência de atuar em cada etapa da realidade a fim de transformá-la em outra qualitativamente superior. O "pedagogismo", a "educação mais difundida" ou "educação mais funcional”, são termos de caráter abstrato nas infindáveis propostas de reforma do ensino "para melhor atender as nossas necessidades". O essencial é mudar a perspectiva em que são colocados, ou seja, transferidos do plano do pensar ingênuo para o ponto-de-vista da consciência crltica da realidade, que consiste em ações concretas e complexas a executar sobre uma realidade material diflcil de se penetrar e de entender.

A aceitação desses desafios, e seu cumprimento, não é coisa que se faça intuitivamente, sem preparo, sem projeto e sem consciência. A educação é justamente a consciência das ações e a mobilização dos meios e recursos adequados a executá-la. A realidade é que suscita o conteúdo da educação conveniente para determinado momento histórico, cabendo apenas a pedagogia, como ciência, estabelecer os meios e os procedimentos próprios a possibilitar a transmissão da matéria que o constitui. Existem duas modalidades ou dois sistemas pedagogicos, a saber:

� O oficial, de carâter formal, sempre imposto de cima para baixo � O real, imposto pelos fatos na pressão que exercem sobre o pensamento

ministrado no processo mesmo de desenvolvimento.

A educação adequada ao país subdesenvolvido é a autoreprodução da reflexão critica, mediante a transmissão de um individuo a outro. Educar para o desenvolvimento é despertar, no educando novo modo de pensar e de sentir a existência, em face das

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condições nacionais com as quais se defronta. A cultura não é a acumulação e armazenamento do saber, mas a sua assimilação, segundo uma perspectiva que é consciente dos fundamentos e exigências, a partir dos quais incorporou os produtos do conhecimento de uma época anterior e os pensa com o saber atual.

O equivoco da predominância do técnico sobre o politico

É ingenuidade desligar da esfera da decisão politica certo numero de questões, sob a alegação de que, por sua natureza técnica e complexidade, só devem ser discutidos por especialistas e iniciados. A perspectiva critica acentua o significado do político de toda proposta de transformação das instituições e dos procedimentos sociais vigentes. Subordina as decisões que acaso afetem o conteúdo objetivo da realidade à deliberação dos representantes politicos da comunidade. A decisão da comunidade deve caber aos que se acham investidos da representação política. O ideal da "tecnizaçã” e o da “economização” da função política é uma manifestação da ingenuidade ideológica.

Uma das deturpações conceituais, a que está sujeita a teoria do desenvolvimento, consiste em julgar que, pelas funções desempenhadas pelas elites, pelops plutocratas dirigentes e empreendedoras, a estas devam ser atribuídos os méritos, as responsabilidades, as honras, e, portanto, os lucros maiores das iniciativas progressistas, reduzindo-se a um papel de fundo, a uma ação exclusivamente material e anônima, o trabalho das camadas proletárias.

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VI. CONSCIÊNCIA DA MASSA E PENSAMENTO BRASILEIRO A ambiguidade do conceito de massa

Na medida em que se pensa em transformar a nação brasileira, hoje subdesenvolvida, em uma nação desenvolvida o conceito de massa se diferencia daquele utilizado pelo pensamento dos países hegemônicos e, também, daquele que se proclamam socialistas. O conceito de massa não é de conteúdo subversivo como deseja e apregoa a consciêcia primária e muito menos exprime a mesma realidade social em toda parte ou em todas as nações, particularmente, quando são desenvolvidas ou subdesenvolvidas.

Qual o conceito de massa que convém a formação do Brasil como uma nação para si? A massa para os brasileiros é constituída pelo contigente da população nacional que labuta no chamado setor informal, assim como, nas atividadades formais primárias, secundárias e terciárias para aferirem até três salários mínimos/mês. Mesmo reconhecendo a ambigüidade do termo “massa”, no contexto sócio–econômico do Brasil, é a esse contingente populacional que, na nossa avaliação, pode ser aplicado o termo ou conceito de “massa”.

É para ela que se advogam os investimentos nacionais com vistas a contribuir para a solidificação e a ampliação do mercado interno que pode e deve visar à sustentabilidade da nação na medida em que o restante da população vive arabescamente e são arautos do consumismo dos produtos e das tecnologias dos países cêntricos-imperialistas que nos subjulgam economicamente, ditando o sentido da economia nacional. Essa fração mínima da população brasileira que está por sobre a massa é aquela que vive numa economia de desperdícios, viajando sempre e fazendo gastos suntuosos no exterior que chegam a ser um acinte e desrespeito a virtuosa massa brasileira.

A constituição da massa no processo de desenvolvimento

Com vistas a esse aspecto da realidade nacional é válido considerar no contexto social da nação o seguinte:

� Definir e qualificar a efetiva participação da massa no processo de desenvolvimento brasileiro

� Demonstrar e doar sentido a ideologia do desenvolvimento nacional um conteúdo que venha atender o bem-estar da massa

� Explicar e doar sentido as ações da massa naquilo que pode e deve alavancar o desenvolvimento do país.

É necessário que se tenha a devida consciência que no processo de desenvolvimento do país a massa não preexiste a ele, mas tem início a sua existência quando se configuram progressivamente os alicerces da formação de uma nação para si como, hoje, se assiste no cenário nacional.

A massa é entidade social não somente pela força de trabalho que representa, mas igualmente pelo pensar unificador de que é sede. É sabido que o trabalho que executa gera cosciência particular e, portanto, um ponto-de-vista sobre o estado da realidade nacional. Esse trabalho, pelas comunidades de avanço técnico, de condições materiais e econômicas faz com que o processo de desenvolvimento tenda a coletivizar a consciência em uma representação uniforme e crítica.

A massa como origem da ideologia do desenvolvimento

A massa quando formada e consolidada na totalidade nacional é reconhecida como doadora de sentido da autêntica teoria do desenvolvimento do país. Por isso desencandeia ações eficazes para o desenvolvimento com vistas a conformar uma nação para si. É, portanto, no seio das massas populares que se encontram os pontos de aplicações de todos os vetores desenvolvimentistas no âmbito da nação.

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Ao assumir a vanguarda do processo de desenvolvimento a massa se torna origem da política e ideologia desenvolvimentista por duas razões básicas:

� A primeira, por que é ela que executa as tarefas materiais e sócio-econômicas para tal sentido

� A segunda, por que os efeitos de tais ações redundam em proveito dela e da nação como totalidade.

Estamos, hoje, assistindo os primórdios da ação da massa em proferir o seu ideário para o desenvolvimento nacional. O processo está em marcha e a criação política e ideológica que lhe deve corresponder é inevitável no que pese a crise sistêmica do sistema mundo capitalista, hoje, vivenciada em nível global. É notório, no Brasil, que somente a massa está em condições de possuir a iniciativa e a consciência da realidade nova do país detendo as idéias gerais que serão sistematizadas na política e na teoria do desenvolvimento autônomo nacional.

A produção da ideologia a partir da massa

O ajustamento do pensar político-ideológico da massa aponta que nas condições presentes, a cada momento histórico, não é instantâneo, antes se dão com atrasos cuja razão é encontrada em dois fatos:

� A rapidez com que muda a realidade do país que entrou decididamente em fase de desenvolvimento autônomo quando as alterações que se dão na estrutura básica e de modo acelerado sem dar tempo a que se compreenda logo à significação do que nelas está implicado

� A construção de novo aspecto da natural inércia político-ideológica na solciedade e a existência de mecanismos psicológicos refreadores e que operam a favor ou contra as representações adquiridas.

A produção da ideologia a partir da massa deve ter implícito o hábito do pensar a realidade para no futuro revelar a inteligência e a consciência para vencer todo e qualquer estigma e resquício da ideologia do colonialismo. Esse hábito se revela valioso quando a inteligência e a consciência passar da fase reflexa para a fase da consciência autônoma.

Já se vislumbram nos horizontes das massas brasileiras grandes exigências de superação do atraso educacional do país e a necessidade de se criar centros e organizações de desenvolvimento da tecnociência capaz de criar a sociologia, a engenharia, a economia poilítica e a filosofia que lhe possa ofertar a consciência crítica da realidade brasileira em contra ponto a consciência reflexa das metrópolis estrangeiras.

A conversão do pensamento à realidade nacional

No Brasi já se costata que as massas já dispendem energia no sentido de realizar a mutação de qualidade de passar de uma forma de existência a outra distinta como espécie e não apenas em grau, cujo comando e expansão reinvidica para si. Essa conversão do pensamento à realidade brasileira visa radical mudança de qualidade no processo de produzir com vistas ao estatuto ontológico de ser-para-sí nos campos: político, econômico e social. Para tanto, busca, praticar a prévia conversão dos enunciados de procedência forânea ao mundo que é o seu.

Deve a massa brasileira se precaver contra o engano de supor a necessidade de um único problema como objetivo e valor absoluto quando se sabe que este só é sentido em função de um contexto histórico-social muito particular. É somente em razão do avanço do desenvolvimento nacional que as massas se configuram como tais com caráter objetivo para a solução dos seus problemas.

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VII. A CONSCIÊNCIA INGÊNUA

1. DEFINIÇÂO GERAL E CARÁTER FUNDAMENTAL

A consciência ingênua é, por essência e por definição, aquela que não tem consciência dos fatores que a condicionam, que se julga origem não originada e causa incausada sobre o ser das coisas, a significação dos acontecimentos e ao valor das ações.

A consciência ingênua julga-se origem absoluta, donde não precisa obedecer à realidade, mas pensa que a realidade é que lhe deve obedecer. Com respeito à sua ingenuidade ela é, em muito, de natureza reflexa oriunda dos centros hegemônicos do sistema mundo do capitalismo. As massas brasileiras devem levar em conta que uma coisa é reconhecer a necessidade de adaptar os conceitos estrangeiros, outra é saber como redefiní-los e com que critérios fazê-los.

A postura ou forma básica de localização e interpretação da realidade chamada de ingênua está inserta, geralmente, em enfoques eurocêntricos, americanocêntricos e etnocêntricos da realidade brasileira. Sua consciência é emocional, linear e divorciada da objetividade e dos fatores e condições que a determinam. Encontra-se em disponibilidade e independente das coisas e dos acontecimentos. É isenta de julgamento com a intenção de rigorosa fidelidade aos fatos.

Interpreta-os, segundo os princípios da lógica metafísica formal, da moral e da paixão. Julga-se incondicionada por considerá-los, a síntese do saber, no que se refere, às suas afirmações às quais submete a realidade. Sente-se satisfeita consigo mesma. Detém critérios absolutos de julgamento. É fechada ao diálogo. Atribui valor perene ás suas assertivas. Tem vários atributos quando condicionada pelo seu caráter eurocêntrico e etnocêntrico, como sejam: a visão mitológica da realidade, a ausência de compreensão unitária, o condicionamento pelo âmbito individual, a incoerência lógica, a absolutização de sua posição, a incapacidade de atuação ordenada, além da idealização dos dados concretos, do moralismo, da irascibilidade, do pessimismo, do ufanismo, do saudosismo, apelo à violência e muitos outros qualificados.

A seguir se apresenta uma ordem de atributos e caracteres da consciência ingênua ou cândida parafraseada ou extraída da obra do sábio Álvaro Vieira Pinto, intitulada "Consciência e realidade nacional" (MEC-ISEB).

2. CARÁTER SENSITIVO

Através deste caráter, a consciência ingênua fundamenta-se em percepções superficiais, o que a faz tomar irrefletidamente a aparência, o sensível com que se defronta como expressão última da realidade. Reduz, assim, o real ao dado imediato, e este é naturalmente o que a impressiona no momento.

Tem percepções superficiais. Valoriza a aparência. Reduz o real ao dado imediato. Impressiona-se pelo momento. Interpreta a realidade de acordo com as vantagens e prejuízos que lhe causa. Perde-se em mimetismo. Transmite emoções de outros. É passiva, imitativa e reflexa. Está disponível a influência alheia.

Contentando-se em exprimir seu estado emocional julga estar emitindo conceitos válidos para a realidade como um todo. Desta forma, exprimindo seus interesses materiais, em vez de examinar racionalmente, segundo uma compreensão total, a relação dos seus interesses com o estado geral do processo, reage emotivamente o combate de situações criadas e passa a interpretar o conjunto do processo de acordo com as vantagens ou prejuízos que lhe causa.

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Daí a vociferar valorações genéricas do tipo: "o país vai bem" esgotando-se no mundo de emoções que lhe é peculiar, ou seja, em torno de vantagens e prejuízos que lhe trazem os acontecimentos.

Por achar que o mundo é um conjunto de objetos e pessoas destinadas a lhe causar bem-estar perdem-se no mais vil mimetismo, atrelando-se às emoções de outras intelectualidades igualmente ingênuas e passa a refletí-la em seus conceitos de valores. Por este caráter de transmitir as emoções dos outros, assume postura passiva, imitativa, reflexa, estando, portanto, sempre disponível a influência alheia. Sua principal fonte de idéias é a paixão que lhe serve sempre como critério de verdade.

3. CARATER IMPRESSIONISTA

Tem valor de simples impressão pela aparência. Sente os acontecimentos de forma emocional. Não pensa a realidade. Justifica-se a si própria. Interpreta a realidade independentemente de quaisquer conexões racionais. Encerra-se na subjetividade e na aparência dos fenômenos. Reflete sentimento das idéias e estados de ânimos. É cega às relações entre os fatos e entre as coisas.

Por ignorar os fundamentos de sua apreciação, seus enunciados têm o valor de simples impressões, tomadas dessa aparência, que não consegue apreender na sua exata significação. Sua disposição natural não é de pensar sobre os acontecimentos, mas a de senti-los intensamente. Identificada por estes atributos, quando é colocada frente aos acontecimentos, ela através deste contato emocional, justificar-se a si própria.

A partir daí, sua essência se expressa em demonstrar interesse pela realidade, vivendo-a num processo de percepções singulares, independentemente de quaisquer conexões racionais. Por isso mesmo, é cega às condições que lhe permitiriam descobrir o significado lógico dos fatos, estabiliza-se em uma atitude impressionista, elevando-a a categoria de procedimento metodológico.

Este tipo de procedimento é altamente indesejáveis e graves, quando afeta o pensamento de técnicos, docentes e especialistas, pois, sendo portador de cegueira e obstinação no campo das idéias, cai, fatalmente, numa condição de confinamento e perde por completo quaisquer percepções críticas do conjunto da realidade. É por esta postura impressionista que se vê a candura do pensamento de muitos acadêmicos, especialistas, políticos, jornalistas e intelectuais, quando no trato de questões econômico-social.

Seu traço principal é seu encerramento na subjetividade. Contentando-se com as aparências, ela transporta para o plano do subjetivo o que, de fato, é conteúdo dotado de lógica própria. Fechando-se a captação das razões objetivas seu raciocínio limita-se as formas de sentimento das idéias e de estados de ânimos que lhes dão os substratos das apresentações no plano da subjetividade.

Por esse mecanismo de pensar, ela ignora as conexões materiais que constituem a lógica interna da realidade e, portanto, não vê as relações entre os fatos ou entre as coisas que representam a pertença verdade da realidade. Por isso mesmo, a sonoridade de suas formulações pretensiosamente universalista cai, fatalmente, em construções irreais que representam seu caráter cândido impressionista.

4. CONDICIONAMENTO PELO ÂMBITO INDIVIDUAL

Apreende a realidade de um ponto de vista individual. Tem visão limitada e julga interpretar o real. Confunde o visto com o existente. Confina-se no seu próprio âmbito individual. Desconhece e ignora os processos históricos das transformações da realidade.

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A consciência ingênua está sempre condicionada pelo âmbito individual privado. Apreende a realidade a partir de um ponto de vista do individuo, isto é, limita-se à área da existência de quem a constitui. Representa uma visão limitada, que julga ser contemplação de todo real e atual.

Em linhas gerais, recusa que toda consciência é, naturalmente, um "ponto-de-vista", ou seja, uma unidade de representação do real que a consciência critica vê em totalidade e atualidade mediante a aquisição de noções que transpõem ou circula a existência de cada ser humano individualmente. Por isso mesmo, a postura ingênua confunde o visto com o existente, pois, não tendo consciência da sua "situação" e do seu condicionamento, falta-lhe a possibilidade de ver a sua posição no conjunto mais geral da sociedade, e admitir que haja múltiplas regiões da realidade que lhe são desconhecidas.

O que acontece ao técnico, ao político, ou especialista qualquer, quando se confina no seu próprio âmbito individual e a partir dele, se propõe, sem a devida compreensão metódica, a captar a realidade inteira: é o arquiteto que pensa somente como arquiteto, é o urbanista, para quem os problemas sociais são os exclusivamente de sua especialidade; é o político que reduz as lutas econômicas e sociais contra as ações exógenas das nações hegemônicas, a problemas de subversão, etc.

Pelo caráter do condicionamento pelo âmbito individual, a consciência ingênua revela-se através de conceitos "universalistas" do tipo: “inquietação do nosso tempo", "crise espiritual" "rearmamento moral”, etc. Estes conceitos impressionistas não têm correspondência alguma com o processo histórico das transformações da realidade.

5. ABSOLUTIZAÇÃO DE SUA POSIÇÃO

Acredita ser absoluta. Não vê como é possível pensar diferente. Não está disposta a discutir o significado e as razões de sua posição. Não discute, contenta-se em responder. Sua formulação é abstrata, pois só assim consegue ser absoluta. Falta-lhe a percepção das determinações históricas; por isto absolutiza o ponto de vista de sua classe, do seu país, da sua raça, da sua posição ideológica, Considera-se sujeito da história, para o qual todos os demais indivíduos são objetos.

A consciência ingênua é, particularmente, nociva quando passa a exaltar certos princípios e ideais elevados a verdades eternas, pois, coincidindo com os interesses individuais de quem as cultiva diretamente ligado a vantagens pessoais ou indiretamente às do seu grupo ou nação, chega a descambar diretamente para o fascismo, desconhecendo o direito de expressão à consciência discordante, ou eliminando-a por métodos violentos, genocidas ou de torturas.

Por outro lado, este caráter de absolutização da sua posição pode levar também a consciência ingênua a enveredar-se pela inatividade e pelo fatalismo, isto é, sua percepção a-histórica dá-lhe todas as facilidades de sentir-se segura em seus enunciados, e quem está seguro do que sabe, não achando motivos para dúvidas, não se dispõe a provar a realidade, dispensa o contato com os fatos, tende, por conseguinte a não agir.

Pelos motivos expostos, o caráter de absolutização de sua posição pode levar a consciência primária, como ativa, ao mais desenfreado fascismo, ou, como passiva, ao fatalismo.

6. INCOERÊNCIA LÓGICA

É surda e incoerente às formulações lógicas. É dogmática. Não tem precisão de linguagem e de pensamento. É cega às matizes da realidade. É insensível à argumentação objetiva. Foge a qualquer objetivo que contradiga suas afirmações. Acham importante e

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digno de atenção, apenas, os seus julgamentos. Tem aversão às formulações críticas. É silogística e escolástica. É hostil aos princípios de racionalidade.

A consciência ingênua é surda as formulações lógicas, insensíveis as matizes na diferenciação dos conceitos. Por ser dogmática exibe constante imprevisão de linguagem e pensamento. É imprecisa pela falta de contato com o real. Emprega repetidamente expressões indefinidas como: “tal e qual”, ”tal é a coisa”, “etc e tal”.

Por ser cega as matizes da realidade a consciência cândida busca somente efeitos estéticos da realidade e, portanto, limita-se em zombar daqueles que procedem a investigar os dados empíricos. Pela absolutização de sua posição, fica insensível à argumentação objetiva, às análises e demonstrações matemáticas. Tem aversão a discutir em termos concretos e foge a qualquer objetivo que contradiga alguma de suas afirmações. O que lhe é importante, são os seus julgamentos e, assim, torna-se impermeável as razões do adversário que, a priori, já sabia ser pessoa equivocada. Não argumenta quando suas atitudes estão em jogo, porquanto, elas, ao seu modo de ver, são as certas e verdadeiras. Tem horror às formulações criticas e, por isso mesmo, taxa pejorativamente de “teóricos” a todos aqueles que pensam criticamente.

Desconhece e nega que o pensar crítico seja a tradução, interpretação e apreensão do concreto ou do empírico em linguagem racional, porque é procedente da incorporação a representação subjetiva da lógica imanente ao processo.

Muitas vezes, por ser culta erudita e simplista a consciência cândida apresenta propensão a argumentar, mas de forma silogística e escolástica, interessando-se apenas em explorar as conexões abstratas entre as idéias e, por isso mesmo, é hostil aos princípios de racionalidade e de crítica, pois julga definir-se pela clareza e logicidade, que supõe ser objetiva.

7. IRASCIBILIDADE

É reclamadora e deblatedora. Substitui os nexos reais por ligações entre estados psicológicos. Vive indignada contra os fatos e atitudes dos humanos. Decepciona-se de estar num mundo que não lhe obedece, isto é, teima em ser o que não deveria ser. É fanática e irascível. Inverte a existência em acusação normal contra a realidade.

Por ser contra aos acontecimentos, deblatera contra tudo e contra todos. Substitui os nexos reais das coisas por ligações entre estados psicológicos dos agentes. Grita contra a estupidez, a incompetência e, sobretudo, a desonestidade dos responsáveis pelos negócios públicos, não acredita em corrigir a realidade na medida em que se substituem os autores.

Sendo fechada, circunscrita, tendenciosa, por sistemática reação a exaltar-se, ela vive na decepção de estar num mundo que não obedece ao que para ela seria racional. Por isso acusa a realidade, desligando-se da ação causal dos fatores objetivos e inverte a existência em acusação moral contra a realidade. Ignora que a moral é uma defesa do coletivo social humano contra o indivíduo. Daí passa o mundo a ser, para ela, um depósito de perversidade e de malícia, porquanto, teima em ser o que não devia ser. É por excelência fanática.

Por ser colérica, ela apregoa que a ignorância e a imoralidade estão por toda parte; portanto, a ela cabe promover a purificação das almas e separar o "joio do trigo", ou seja, condenar todos aqueles considerados maus.

Para a sua ressonância ou acústica recíproca, ela cria e alimenta tendência do "escritor ingênuo e público-ingênuo”. Por isso se alicerça na deblateração desenfreada e no vitupério que lança contra o esta candura do pensar mágico. É levada a se julgar no dever de clamar,

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cessar, e manter uma eterna vigilância contra os desvios da história. Jamais pode entender que o preço da vigilância de países hegemônicos pode ser também, o preço da eterna escravidão.

8. INCAPACIDADE DE DIALOGAR

Nega o diálogo como ação concreta. É impenetrável à comunicação. Demonstra que a consciência discordante vem à discussão sem estar de posse da verdade que é sua. Não admite a verdade como valor social. Recusa que no âmbito da comunicação coletiva a prática se torna fundamento da verdade. Vive em busca de aplausos. Contenta-se com suas aclamações emotivas e multiplica-se sem se reproduzir.

Tendo assumido a validade absoluta do seu ponto de vista, considera aberração mental qualquer posição diferente da sua. É profundamente antidialógica. A procura da verdade é um escândalo intelectual e uma fraqueza moral. O convite ao debate, a tentativa de ordenar racionalmente as idéias, procurando estabelecer os problemas e investigá-los de modo metódico, tudo isso lhe parece recurso tendencioso, indício de falta de certeza em quem o utiliza; demonstra que o adversário vem à discussão sem estar ainda de posse da verdade, mas quer procurá-la enquanto analisa a questão em apreço, revelando sua debilidade perante a qual já está seguro de possuir aquilo que o outro penosamente vem buscando.

Impenetrável á comunicação, é conduzida a ver na consciência discordante permanente intenção maliciosa, demonstrada na repetida negação das idéias e fórmulas que lhe parecem às únicas justas.

Vocifera e não aceita que o diálogo é condição existencial do ser humano, e que, por isso mesmo, não pode ser exercício imaginário. Por essa postura, não vê o diálogo como um drama concreto, travado entre existências que ocupam, no espaço e tempo social, posições distintas e, às vezes, antagônicas, em virtude de razões que afetam, existencialmente, uma e outra.

Pela sua incapacidade de dialogar, a consciência ingênua não aceita que a verdade é um valor social, exigindo a participação de/ou por outro que a deve aceitar, mediante condições que lhe sejam próprias; do contrário, seria elucubração solipsista.

Não permitindo que a verdade adquira significado social de caráter crítico, escapa-lhe o significado do existir objetivo. Por isso, desconhece que, só no âmbito da comunicação coletiva, a prática se torna fundamento da verdade, pois, não é na experiência pessoal isolada que se estatui o vínculo de conhecimento entre o pensar e o ser.

A consciência primária tem, ainda, uma característica de transferir ao interlocutor a incomunicação de que padece pelas definições que tem de si e dos seus condicionamentos. Vive à cata de aplausos contentando-se com aclamações emotivas e, assim, ela multiplica-se sem se reproduzir. Instalada entre espelhos, na repetição ao infinito da própria imagem, considera o reflexo de si mesma satisfatória aprovação.

9. PEDANTISMO

É receptora da cultura alheia eurocêntrica ou universal. Divorcia-se da relação que deveria ter com sua existência social. Valoriza o que sabe e o problema com empáfia. Apregoa e divulga a recepção da cultura. É por natureza eurocêntrica, americanocêntrica ou etnocêntrica. Vive a busca de: elogios, cargos, títulos, medalhas, honorárias e honrarias.

A consciência ingênua tem, por fundamento, a falsa compreensão do papel da consciência em relação à realidade a que está ligada que, da sua maneira de ser, das suas

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peculiaridades subjetivas, inclinações psicológicas e interesses pessoais, dos quais devem derivar os acordos para que desempenhe a função intelectual.

Importa-lhe valorizar o que sabe e proclamá-lo com empáfia. Confia na ignorância alheia mais que na própria ciência. Conquistada a áurea de personagem importante, desinteressa-se do estudo e se entrega à luta pela conquista de elogios, cargos, títulos, medalhas, honorários e honrarias em geral. Esse caráter da consciência ingênua não é outra coisa senão uma das faces da alienação cultural, específica do intelectual do país subdesenvolvido.

Consumada a desvinculação com a realidade, a modalidade pedante da consciência ingênua se autofecunda e descamba na série cômica e ridícula de atitudes, que bem se distingue, em grande parte, dos nossos acadêmicos e renomados intelectuais ou “homens de ciência”.

A função básica da consciência pedante é servir de mediadora do saber entre os centros estrangeiros universais e os restritos e atrasados centros cultural nacionais, produzindo, no meio local, livros que traduzem ou refletem o conteúdo dos livros estrangeiros.

Sendo receptora da cultura alheia ou universal, o modo pedante de pensar da consciência ingênua não percebe ou divorcia-se da relação que deveria ter com sua existência social e, por isso mesmo, apregoa e divulga a "recepção da cultura”, não somente no sentido de receber de fora, mas, também, no de festa. É, portanto, neste sentido, que o conceito de "recepção da cultura", peculiar ao pedantismo da consciência primária, induz o pedante, quando demonstra seu vasto cabedal de conhecimentos, a nada mais fazer que vestir a indumentária intelectual para comparecer à festa alheia.

O próprio hábito de ostentar os anéis de formatura é típico do intelectual do país subdesenvolvido, pois é sabido que o uso de tais anéis se destinava, no passado, a indicar as pessoas que não precisavam utilizar as mãos para o trabalho pelo privilégio de servirem apenas como escribas.

10. AUSÊNCIA DE COMPREENSÃO UNITÁRIA

Nega seu fundamento histórico e nacional. Ignora que a problemática é da realidade e não do pensamento. Assume posições opostas e afirma conceitos desajustáveis por ausência de compreensão unitária. Julga-se expressão da verdade imparcial. Nega o contexto político, econômico e social da nação que exprime a realidade. Ignora a unidade de pensamento e ação. É incapaz de atuar ordenadamente.

Por ter índole contraditória e não tendo disto a menor percepção, a consciência ingênua torna-se incapaz de indagar o que constitui os seus fundamentos. Situa-se na subjetividade e se fecha a oportunidade de assimilar a racionalidade imanente aos acontecimentos. Substitui a racionalidade pelo raciocínio abstrato, formal, limitando-se a pensar relações entre idéias. Contenta-se com o mundo de especulações que constrói e que habita, tornando-o como reprodução fiel do exterior. O real passa a ser algo estranho do qual, de vez em quando, se aproxima.

Movida por ímpetos irrefletidos, é capaz de assumir satisfeitas, posições opostas e afirmar conceitos inajustáveis, os quais, não sendo submetidos à análise que lhes denunciaria a incompatibilidade, podem coexistir, desde que sustentados por motivos irracionais. A razão desta ausência de compreensão unitária descansa na ignorância de que o real possui os meios de sua retificação porque a problematicidade é da realidade e não do pensamento.

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Em função da criação, em nosso tempo, de um grande número de instituições estrangeiras e internacionais e de várias espécies, deparam-se, hoje, os países subdesenvolvidos, com um sem número de especialistas recrutados por esses organismos, que os transfere a um plano fictício do anacional puro e que produzem inúmeros documentos de natureza política, econômica, social, ambiental, literária ou científica. Dispondo de grandes somas de recursos e de técnicos de notória capacidade, essas instituições protornacionais são chamadas a pronunciar julgamentos sobre problemas específicos da validade de todos os países. Esses pronunciamentos e julgamentos, por virem desse mundo de ninguém, se inculcam como expressão da verdade imparcial. Por esse equívoco, a atitude de imparcialidade abstrata deixa de ser vaidade de alguns pensadores românticos, para encontrar um pequeno exército de realizadores práticos. É provável que muito tempo se passe até que a consciência nacional venha a ter clara compreensão deste fato.

O pensar crítico não aceita esta prática de imparcialidade; ao contrário, sustenta que, para haver imparcialidade, é necessário que o pensador veja a realidade a partir dos interesses e/ou necessidades da comunidade a que pertence, pois lá está a plena representação do condicionamento imparcial. Não pensando independentemente de qualquer determinação, o pensador sabe que a perspectiva na qual se coloca não conduz a alteração do conteúdo do fato, mas, ao significado do fato.

Por isso mesmo é que o pensar crítico defende a tese de que compete ao filósofo, economista, sociólogo ou outro especialista social assumir o significado interior dos dados do contexto econômico-social da nação, tal como se apresentam a consciência que os vê de dentro e que exprimem o estado real que é o seu, e não outro qualquer. Acredita que só assim, gera-se a imparcialidade de natureza concreta. Todo este conceito de imparcialidade deriva do fato da inalienável condição de o humano ser um ente no mundo histórico, no âmbito do seu país e de, neste, ter lugar o fato em apreço.

Muitos dos especialistas internacionais resvalam para a ingenuidade, mesmo quando no afã de superar o que chamam de "estreiteza do seu horizonte familiar”.

11. INCAPACIDADE DE ATUAÇÃO ORDENADA

A consciência ingênua não exige o reconhecimento ponderado da verdade de suas assertivas. Não se empenha em conquistar sólida penetração na sua consciência e na alheia. Não defende senão com calor verbal a veracidade do que diz, porque é ágil em substituir qualquer pronunciamento a outro, evitando o ônus das laboriosas demonstrações. Não se interessa pelas próprias soluções que apresenta. Limitando-se a proposição, não compreende que toda realização concreta implica unidade de pensamento e ação.

Por faltar-lhe a compreensão do que seja a prática social, filosoficamente entendida, a consciência ingênua idealiza mecanismos e motivos que acionam os seus julgamentos terminando por desprezar o aspecto prático da existência e a consideração dos fatores objetivos. Quando privada do comando político, a consciência cândida se acha sempre no direito de um dia atuar e alterar a face das coisas.

Daí assumir atitudes conhecidas como de "políticas da oposição", geralmente embebida numa visão singela da realidade nacional. Por supor a permanente divisão entre pensamento e prática, aceita como natural o esquema da divisão social das atividades de acordo com o qual alguns se reservam a parte do pensar puro, deixando a outros a incumbência da realização.

Através deste cunho intelectualista e aristocrático, e em virtude da percepção da própria inoperância, assume para com o real, indiferente ou rebelde, a atitude moralista.

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12. MORALISMO

Afirma o primado da realidade na prática social. Desconhece as leis do processo real. Prioriza o ser pelo “quantum” de bondade que possui. Apela para violência contra instituições, coisas e pessoas nas quais julga que a maldade se encarnou. Valoriza a ordem de cogitações abstratas e a espera ontológica dos valores. Torna a lei ética de validade absoluta. Ama a lei e o direito em detrimento do ente humano. É cega a realidade histórica. Nega a percepção de grupos, classes e estratos sociais. Apregoa o efeito do bem e do mal entre a luz e a treva. Elege os puros e condena os imorais.

Conduz a apreciação dos acontecimentos e o julgo sobre os humanos, segundo o que lhe parece ser o valor moral contido nos fatos e nas condutas. Coloca a existência de um ser na dependência do quantum de bondade que possui. Da mesma forma, a consciência ingênua reivindica o primado da moralidade na prática social. Não reconhecem que o processo real tenha leis próprias, de teor objetivo, que determinam os acontecimentos ao ligarem os fatos as suas condições, e constituam mecanismos de criação da realidade, independentes da nossa vontade e do nosso julgamento.

Apela para a violência, mesmo extrema, contra instituições, coisas e pessoas, nas quais a maldade se encarnou. Desvia a atenção do verdadeiro significado dos acontecimentos do processo histórico, o seu condicionamento material, especialmente econômico, e o dirige para a ordem de cogitações abstratas, a esfera ontológica dos valores levando a discussão dos problemas da realidade a ser travada em função das pessoas.

A lei ética é elevada à razão ultima de todo acontecer histórico e princípio de constituição humana. Sua validade é absoluta.

Contentam-se em profligar a má conduta dos humanos a fustigá-los com a denúncia de sua imoralidade. Lamenta que sejam tão tristes os tempos em que tem a desgraça de viver. Sua repulsa ao real não decorre da experiência das condições materiais dos fatos nem é motivada pelo sentimento das conveniências humanas, mas deriva somente de postulados éticos. Não ama o ser humano ama a lei.

É cega à realidade histórica. Só o ente humano individual é responsável pelo que faz e pelo que é. Não aceita e muito menos vê a percepção dinâmica de grupos, classes sociais, partidos, etc. e, por isso, descobre sempre neles uma personalidade representativa do conjunto a quem atribui significado e valor ético. Os demais membros são avaliados por equiparação ao líder. O grupo ou classe social não tem significado, pois, a rigor, só importa a figura saliente que em geral, é explicada pelo efeito enfeitiçador do bem ou do mal. Sua essência está no combate místico entre a Luz e a Treva. O Bem e o Mal é seu lema para eleger os puros e condenar os imorais.

13. IDEALIZAÇAO DOS DADOS CONCRETOS

Idealiza os dados concretos. Tem fascínio pela violência e que traduz em julgamento. Cultua o moralismo. É seduzida a ditadura. Apela para a violência como meio pedagógico e como recurso corretivo. Defende a violência na política social como método de dirigir a sociedade. Acredita na tutela de um líder sobre o povo na medida em que este, do seu ponto-de-vista, não tem condições de escolher seus governantes.

Por ser a-hístóríca na presença de um problema concreto, dispõe-se a dar-lhe solução, mas supõem prèviamente modificados os termos materiais e humanos da questão. Encaminha os problemas em termos que desde o começo os moldam nas formas favoráveis às soluções que lhes pretendem dar. Ao imaginar ou idealizar a solução de um problema, inflama-se de entusiasmo que a visão antecipada do sucesso lhe desperta.

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Igualmente, a tendência pela sua visão idealizadora antecipada do modo de ser das coisas e das pessoas, que a experiência, no momento da execução, denuncia como falso, ela, em vez de voltar a si a reconhecer o erro das suas premissas, simplesmente se revolta contra a realidade e sucumbe à depressão.

Vivendo na alternância de exaltação e desânimo exacerba-se ao conceder soluções prontas as dificuldades e desgraças contra as quais reclama. Ao verificar o malogro de sua pregação e idéias salvadoras, desalenta-se e passa á atitude acusadora.

A consciência ingênua não erra; apenas falha. A seus olhos, há tanta coerência no que enuncia que a eventualidade do erro é inadmissível. Reconhece, porém, que falha com freqüência, mas a culpa do insucesso não e sua e sim das coisas e dos humanos.

14. APELO À VIOLÊNCIA

Despreza as massas populares. Considera os trabalhadores o “Zé povinho”. Vê no processo de urbanização o desvio da “vocação agrícola” do Brasil. Teme o futuro. Nega a mobilidade das mudanças que a situação presente indaga sobre o estado futuro. Acha que o conceito de massa é subversivo e deturpa a idéia autêntica de povo. Julga a massa um fenômeno social patológico. Desconhece que a massa é produto da época contemporânea imposta pela moderna divisão social do trabalho, pelo processo de desruralização e pela globalização e seu caráter de exclusão social.

Do culto ao moralismo e do desencanto pelo malogro das soluções perfeitas, a consciência ingênua inclina-se a apelar para a violência na solução das questões sociais. Apela para a violência com duplo motivo, enquanto meio pedagógico e como recurso corretivo. Sempre assume um posicionamento aristocrático.

Pelo incorreto entendimento do processo histórico proclama como legitima a violência como política social, isto é, como método de dirigir a sociedade. Entretanto, não aceita e repudia a violência quando reflete as crises do processo histórico, isto é, aquela violência que deriva da certeza de ser feita pela maioria sobre a minoria em declínio, por força do dinamismo social.

O fascínio da consciência ingênua pela violência se traduz em julgamentos obtusos dos tipos:

“Qual! Só matando esses canalhas é que este país endireita"; “É preciso um pulso de ferro para botar isto nos eixos” e outros do mesmo jaez. Por esses traços, ela é sempre seduzida à ditadura; é, portanto, altamente maléfica, pois entende como realidade a projeção imaginária dos seus desejos íntimos, a concretização futura dos seus sonhos em um mundo que dê corpo aos seus valores morais.

O povo e a massa, para esta modalidade de consciência, sofrem de congênita debilidade mental incorrigível infantilismo quando num contexto de um "país atrasado como o nosso" é que por isso mesmo, não tem condições de escolher seus governantes, precisando ser tutelado.

15. DESPREZO PELA MASSA

Por seu sentido moralista e anti-histórico e aristocrático despreza aqueles que consideram "Zé povinho", ou seja, toda a gama de trabalhadores rurais e urbanos. Menospreza as máquinas sob alegação de que elas voltam-se contra os humanos e servem para seus sinistros desígnios. Assusta-se com o processo de urbanização e vê no êxodo

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rural o desvio da "vocação agrícola" do Brasil. Vive no contínuo temor do futuro. É saudosista e comportam-se como elites.

Nega que a realidade social, como um total real, e mobilidade e, portanto, mudança sucessiva, pelo que todo estado presente suscita a indagação sobre o estado futuro.

Através dessa postura primária, não só nega a existência da massa, mas, também, despreza, por julgá-la um conceito artificial e astuciosamente cunhado por “ideologias subversivas”.

Segundo a consciência ingênua, o conceito de "massa" visa deturpar a idéia autêntica de povo, que é dotada de valor ético e, portanto, não pode ser confundido com o conceito “subversivo de massa". Tal desprezo descansa no fato de que essa consciência entende que o termo massa é um instrumento verbal artificioso, criado pelos interessados em manejá-lo contra as instituições e as idéias vigentes. Para contestá-lo, é imprescindível mostrar que o ser humano pertence ao povo que é, por essência, um conceito de coletividade nobre e autêntico.

A massa é, para ela, um fenômeno social patológico, indício de uma civilização decadente e próxima do extermínio, que perdeu o senso de valores morais, que se afasta de Deus, etc. No seio da massa o ente humano anonimiza-se, perde o nome e a face, renuncia ao que tem de singular, de único, em favor dos interesses médios da multidão desqualificada.

É difícil para ela entender que a massa nem sempre existiu no curso na história; é produto da época moderna e contemporânea quando se instituiu um tipo peculiar de convivência social, em que a divisão social do trabalho impôs uma especial divisão de classes sociais onde teve origem o fenômeno de surgimento da massa.

16. CULTO AO HERÓI SALVADOR

A consciência ingênua cultua o herói salvador. Define os problemas nacionais pela “desorientação dos espíritos”, “ambição desenfreada”, “falta de caráter”, “falta de vergonha", etc., e por isso apela para o salvador. Reduz a problemática nacional à incumbência da salvação do país pelos justos sob a chefia do salvador. Ignora que o país não precisa ser salvo, necessita ser desenvolvido. Quer a salvação moral do país pela melhoria dos homens e depois a solução da problemática nacional. Tem visão moral da história e falseia a verdadeira significação dos fatos dinâmicos da história.

Quando tal estado se apresenta por emergência providencial, apelam para a figura do salvador para superpor-se as forças sociais e recolocar o país na senda das suas tradições e do seu destino.

Reduz todos os problemas nacionais exclusivamente a incumbência da salvação do país pela campanha dos justos, devidamente arregimentados sob a chefia de um pastor excelso. Ignora e não aceita que o país não precisa ser salvo, precisa ser desenvolvido.

Para ela o problema geral da nacionalidade se apresenta como o da salvação moral do país e, portanto, está presa a convicção de que é preciso, primeiro, melhorar os humanos para, depois, dar solução aos problemas nacionais. Advoga que o redentor deve vir de cima, receber o aplauso e beneplácito das camadas superiores, ricas e letradas, da sociedade, para grupar o exército dos escolhidos que deverá dar combate às turbas analfabetas e aos corrompidos que as dominam.

Toda mentalidade salvacionista do culto ao herói se fundamenta numa visão moral da história e falseia de todo a verdadeira significação dos fatores dinâmicos da história.

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Fica indignada e vocifera contra o homem anônimo da massa que está raciocinando com categorias mais autênticas, que concebe a realidade de modo muito mais objetivo, do que os apóstolos da consciência cândida e idealizadora, que lhe acena com a possibilidade de elevar-se na escala da perfeição.

A forma primária de pensar ignora e não aceita que a pobreza nivela os indivíduos no plano dos misteres elementares, proporcionando-lhes uma representação do real muito mais autêntica do que a das classes abastadas e plutocratas. Na vivência da pobreza, o ente humano possui, naturalmente, uma consciência critica.

A ingenuidade de cultuar o herói salvador chega ao cúmulo de pensar em "tornar os ricos menos ricos, para tornar os pobres menos pobres", através da nobreza de intenções e humana compaixão do excelso salvador.

Ignora que as reivindicações dos pobres são sempre no sentido de vender mais caro seu trabalho e seu ponto-de-vista e, por conseguinte, bastante diferente. Os pobres encaram o problema da eliminação do seu estado de miséria do interior dele não pensam segundo esquemas de equilíbrio social, que não sabem o que é, pois a sua vida é a permanente experiência do desequilíbrio. Não se sentem obrigados a respeitar nenhuma convenção, nenhuma ordem ou estrutura coletiva, portanto, ao que lhes parece, são estas que configuram a realidade onde se encontram. Desta maneira, sem qualquer maldade intencional, estão naturalmente disponíveis para todas as transgressões, porque, vistas de dentro, estas chamadas transgressões são excursões ao exterior do seu estado de penúria,

É um engano pensar que existe continuamente uma consciente intenção revolucionária na massa; esta só aparece em condições especiais, após longo período de propaganda ideológica, de politização prática; exige demorado processo evolutivo das bases materiais e nem sempre se organiza de maneira eficaz. Não é a revolução que os ricos e os exploradores devem temer; é a revolta. A primeira só é possível em circunstâncias particulares; para produzir-se obedece a leis históricas definidas, tendo por condições preparatórias transformações objetivas que envolvem aqueles mesmos que a ela se opõem, e não conseguirão impedi-la quando tiver de ocorrer. Mas a revolta é sempre possível. Não é senão mediatamente determinada pelo processo da realidade. Não decorre de nenhuma lei e dai o fato de, embora às vezes terrível, ser efêmera. A revolta pode sempre ser vencida, a revolução, não.

17. MESSIANISMO DA REVOLUÇÃO

Venera o herói salvador e lhe reconhece dons carismáticos. Transfere-lhe a responsabilidade da revolução. Acredita na “certeza de melhores dias” e horroriza-se pela situação atual. Esgota-se na vingança contra a corrupção e a indignidade moral. Acredita que o país vai mal por causa da loucura da ambição e das mordomias. Nega que as revoluções obedecem a leis históricas. Prega que as revoluções são atos de chefes salvadores ou gesto mágico de uma vontade onipotente, onisciente e onipresente. Por isso é messiânica.

Intimamente ligada ao atributo anterior, à consciência ingênua venera o chefe ou herói salvador no qual reconhece dons carismáticos, transfere para ele a responsabilidade da revolução, considerando ser sua obrigação apenas apoiá-lo no devido momento. O herói salvador, quando chegar a hora, farà a revolução; é o motor, o aqente único, todos os demais figurantes são subdivisões da sua vontade.

Acreditando na "certeza de melhores dias", a consciência primária horroriza-se diante da situação atual e augura a salvação do país pela ação dos homens de bem que não o desampararão do progresso por ela ansiado. Acreditando, que está armada de uma teoria

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revolucionária, ela se esvai em um estado de espírito de flagrante inocência intelectual de conteúdo unicamente emotivo e se vê impressionista. Sua doutrina de revolução se esgota na vingança contra a corrupção e a indignidade moral, pois sente que "o estado de coisas não pode continuar a ser assim", daí o seu caráter messiânico.

O porquê da revolução deve ser buscado na incompetência, irresponsabilidade e corrupção dos “homens de governo” que, na loucura da ambição e da "mordomia", perderam contato com os interesses do povo.

Pela sua cegueira, a consciência primária não vê que a revolução é fenômeno natural na dinâmica da história; é a manifestação sensível de uma transformação qualitativa da realidade social. Obedece a leis, e não a chefes. Não é espontânea nem mecânica, mas também não é arbitrária, no sentido em que seria o gesto mágico de uma vontade onipotente. É, ao contrário, acontecimento resultante do processo objetivo, cujas determinações específicas a torna possível em certos momentos e só nestes. Tem leis que o pensamento crítico não pode recusar, e que constituem o fundamento último de sua ocorrência.

18. ADMISSÃO DA EXISTÊNCIA DE UM PROBLEMA SUPREMO

É por demais reducionistas. Acredita que os males que o país padece, tem uma só causa. Escolhe um problema nacional, considera-o supremo e apregoa que a partir de sua solução ocorre a dos demais. Falta-lhe o sentido de totalidade do real por reduzir a multiplicidade dos problemas a um só. É desarmada de categorias lógicas e perde-se em julgamentos dos tipos: “a saúde da população é o mal do Brasil”, “o mal é o analfabetismo e a ignorância”, “governar é abrir estradas”, etc.

Como decorrência do caráter messiânico da revolução, a consciência ingênua tende a escolher arbitràriamente um problema nacional e considerá-lo supremo, acreditando que na sua solução decorra a dos demais. Acredita que os males que a nação padece têm uma só raiz, uma só causa. Nega que as questões só se tornam relativamente mais graves quando da sua solução depende a de um maior número de outros problemas.

Não aceita que a relação entre as questões é lógica, exprime a interação entre toda a reciprocidade dos efeitos e das causas, é determinada pelas leis do desenvolvimento do processo, e não arbitrária e decidida por preferências individuais, ou por interesses profissionais de quem emite uma opinião pessoal.

Desarmada de categorias lógicas ela se perde no seu diagnóstico ao sabor de as referências individuais dos tipos: “a saúde da população é a raiz de todo o mal do Brasil”; “o mal é o analfabetismo e a ignorância”; “a precariedade está nos meios de comunicação”, “governar é abrir estradas”; ou é o "clima desfavorável que torna o homem doente crônico, preguiçoso nato”. Alguns afirmam que somos uma nação de caráter mal formado por conta da miscigenação das raças ilogicamente misturadas; outros julgam que o problema crucial é a falta de capitais ou, ainda, a falta de energia elétrica e de petróleo abundante, etc.

A sua ingenuidade não está nos problemas a que se referem alguns em si mesmo reais, mas na conduta de pretender reduzir a multiplicidade dos problemas a um só, isto é, julgar que todos os malem do País decorrem de uma só razão.

Faltando-lhe o sentido de totalidade do real, ela está afeita ao trato constante de um aspecto parcial do mundo e acaba por converter os demais em secundários e dependentes. Este vezo da consciência simplória se observa com significativa freqüência na mentalidade de técnicos, de especialistas e dos acadêmicos.

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19. COISIFICAÇÃO DAS IDÉIAS

Reificadora dos problemas concretos. Converte conceitos e idéias em coisas. Entende o mal como dado empírico, concreto, individual e como ser ou força do mundo. Ignora a realidade humana dando lugar a materialização dos conceitos e das idéias. Fala com freqüência no “mal do Brasil”, na “falta de vergonha”, na “baixeza do caráter”, no “analfabetismo”, na “preguiça”, etc. Ignora os esforços históricos para a formação de um modo de pensar critico abrangente.

Converte os conceitos abstratos em coisas dotadas de ação definida e de força física a que se pode imputar um malefício. Com freqüência deblatera sobre: “mal do Brasil", "falta de vergonha", "baixeza de caráter”, "analfabetismo”, “preguiça do brasileiro", etc.

Estes conceitos, como se viu acima, assumem diretamente o caráter de coisa, sem necessidade de ser antes corporificados como "mal". Toda realidade humana contida nestes epítetos cede lugar à materialização do conceito.

Entende o mal como dado empírico, com existência concreta e individual, como ser ou força do mundo, a ser um fato, em vez de uma apreciação, é uma presença corpórea em vez de um modo de dizer. Entretanto, se consultada sobre os traços distintivos, não se interessa em definir claramente em que consiste o mal.

Sendo pobre de conceito, ela força a multiplicidade de dados e aspectos do real a enquadrar-se no exíguo aparelho mental de que dispõe. Em seus discursos retornam sempre as mesmas idéias, o que julga ser bom indício do que chama "fidelidade às idéias".

Reacionária por natureza, ela considera com reservas a proliferação de problemas, diante dos quais se sente tomada de vertigem. Não compreende os esforços históricos que temos diante de nós sem proceder á completas remodelação de nosso modo de ver a realidade, sem a substituição das idéias de que nos servíamos quando eram outras as condições de existência e pobre em extremo o panorama da realidade.

Não aceita que a criação de novos bens de produção significa simultaneamente a criação de novas idéias, que permitem compreender a modificação operada no real pela introdução de tais bens.

20. MALEDICÊNCIA E PRECIPITAÇÃO DE JULGAMENTO

É maledicente. Ocupa-se em proferir julgamentos sem respeito pela necessária fundamentação. Precipita-se na atribuição de qualificativos deprimentes do tipo “ladrão”, “picareta”, “canalha”, ”corrupto”, “negocista”, “traidor”, “vendido ao capital americano”, “a serviço do comunismo”, etc. Acolhe a difamação, a intriga, a calúnia, as “fofocas”, etc. Vê o Brasil através da tristeza e por isso mesmo denegri o real por achá-lo hostil e insuportável. Divide os humanos entre os que pertencem e os que não pertencem ao governo ou à elite ou, ainda, ao bem e ao mau.

Sendo emocional impressionista e ilógica, a consciência ingênua precipita-se na atribuição de qualificativos, isto é, ocupa-se em proferir julgamentos sem nenhum respeito pela necessária fundamentação. Não apela para nenhum mecanismo demonstrativo, confia no poder de difusão de seu falatório.

Acolhe com prazer a difamação, a intriga, a calúnia, "as fofocas", especialmente em relação a pessoas com função de governo. Valores como a honradez, o patriotismo, o devotamento, a pobreza, a corrupção, a traição, etc., é sua preocupação, mas não é capaz de exprimir ao certo em que consistem.

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Vendo a nação através da tristeza e da desgraça, estabelece um vínculo simpático entre o espírito e o real, em virtude do qual desafoga a frustração interior, pela convicção de que a culpa do que acontece cabe ao estado da realidade má e inóspita.

Tem pendor a denegrir o real, a julgá-lo feio, hostil e insuportável. Vive na impressão de que o governo é uma espécie de empório de encantos e delícias. Para ela o governo encarna a realidade. Reduz o mundo a um combate de vontades, a um prélio anímico, por meio do qual explica porque todos os males que a afligem são devidos à decisão dos outros.

No trato de fenômenos econômicos ela se deblatera na total inversão da ordem dos fatores determinantes. As forças econômicas são privadas de objetividade a materialidade e as relações de produção são substituídas pela psicologia dos impulsos egoístas, a teoria econômica é absorvida pela moral.

21. CRENÇA NA IMUTABILIDADE DOS PADRÕES DE VALOR

Diviniza os padrões de valor. Acredita na existência de uma ordem de valores éticos, estéticos, sociais, religiosos, etc., dotados de vigência eterna e imutável. Aceita que o valor precede o ser. Nega a concepção objetiva da história. Ignora que a norma é um sinal discriminatório de acordo com os interesses do processo ou do contrato social. Desconhece que é a validade do valor que suscita a sua substituição acionando o processo da realidade a transmutar a fase atual em outra e com novos valores.

Para ela a existência não é apenas fato, mas cumprimento de um fim. A todo o momento invoca seus valores para justificar-se, menos abertamente nos seus fanatismos, mas sempre nos seus anátemas. Segura de estar de posse da norma eterna, seu papel social consiste em aplicar tal norma inflexivelmente. Há um plano ideal onde os valores têm realidade em si; a história nada mais faz do que proporcionar a matéria em que se encarnam.

Neqa a concepção objetiva da história, segundo a qual nenhum valor se constitui a parte do movimento universal da realidade. Desconhece que o valor e o código em que se exprime são produtos históricos, cuja vigência é determinada por condições objetivas que lhes assinalam duração e situação limitadas. Desconhece que nenhuma lei antecede em caráter absoluto a existência; é a realidade que, no curso das transformações desenvolvidas em razão da sua causalidade implícita, oferece à reorientação de certos conteúdos que assumirão o significado de normas de valor, em vista de servirem como contos de referência para o julgamento das ações humanas. Desconhece que o direito nem sempre é justo e que justiça não é sinônimo de direito.

Não aceita que a norma é um sinal discriminatório, de natureza exclusivamente pratica destinada a facilitar o reconhecimento das ações desejáveis de acordo com os interesses do processo ou do contrato social. Não aceita que nada há de eterno ou imutável valor, e que este é sempre relativo a um momento do processo histórico.

Explica o valor através da psicológica ou nele vê apenas a expressão de um hábito social definitivamente cristalizado, contra o qual nada mais poderia a mobilidade do real.

Desconhece que e a validade do valor que suscita a sua substituição, justamente porque, sendo valido, aciona o processo da realidade a transmutar a fase atual em outra, na qual os valores serão outros. Deste modo, o valor ao se valorizar se desvaloriza, porque cumpre sua função de valor, dando incentivo a novas condições objetivas para as quais se exigem valores de ação que anulam a validade dos anteriores. A essência do valor é, pois, eminentemente dialética.

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A crença na perenidade da constelação de valores é totalmente falsa, porém não tem nenhuma falsidade o primarismo e nocividade dessa modalidade da consciência simplória.

22. DESPREZO PELA LIBERDADE

Despreza a liberdade. Nega a liberdade aos que pregam a liberdade para que ela se exerça em sua plenitude. Julga preciso impedir a alguns o direito à liberdade em nome do princípio liberal. Recusa aos outros o direito de pensar e agir de modo diverso do julgado verdadeiro. É intolerante em nome da tolerância de princípio. Não aceita que o processo de desenvolvimento implica a liberdade de intervenção humana como origem de decisões libertadoras eficazes. Não aceita a liberdade como um ato de libertar.

A consciência ingênua recusa aos outros a liberdade que não cessa de reclamar para si. Considera que a liberdade e um atributo concedido ao ser humano para um destino específico: o de realizar a perfeição de sua natureza, segundo a idéia que faz desta última.

A liberdade está vinculada à verdade a priori, tanto quanto ao valor eterno. Pela sua pretensão de validade absoluta, julga-se no direito de decidir sobre o exercício da liberdade somente a quem, achando-se orientado para a verdade, irá utilizar-se do poder de livre decisão, a fim de realizar concretamente as idéias verdadeiras que possui.

Para ela é imprescindível negar a liberdade aos que negam a liberdade para que ela se realize na sua plenitude. Esta não é medida pela identificação com a verdade absoluta e os fins morais. Em nome do princípio liberal, ela julga preciso impedir a alguns o direito á liberdade.

Admite que haja uma funesta dualidade na essência do ser humano, a participação entre a razão e imaginação. Os seus traços de fácil apelo à violência, de exasperação e vociferação se conjugam com a tendência de recusar aos outros o direito de pensar e agir de modo diverso do julgado verdadeiro.

Desconhece os anseios da ação individual, porque ignora que é inútil é atender, pois, assim procedendo, não consegue mais do que obrigá-los a mudar de tática. Não aceita ou ignora que a lógica do processo de desenvolvimento implica a liberdade de intervenção humana, como origem de decisões eficazes.

Politicamente, sua atitude é de autoritarismo da mais prepotente, justificando sua auto-intolerância em nome da tolerância de princípio.

O exercício de policiamento conduz a suprimir o direito de ativa dissensão ideológica; de fato, como o limite entre as ações de menor importância ética ou política e as que, mais graves, ofendem o sistema de valores, reconhecidamente úteis e os únicos corretos, não é uma fronteira definível de maneira inequívoca, vale mais para a tranqüilidade geral, privar dos meios de ação aqueles que despertem qualquer suspeita de querer atentar contra a ordem de idéias vigente. Sendo impossível a análise detida dos casos individuais, e preferível, por precaução, retirar de cada um o direito que ameaça arruinar a todos.

Contrariamente, a esta forma de pensar e agir, a consciência critica acolhe favoravelmente os anseios da livre ação individual, porque sabe que é inútil pretender sopitá-los, e contar com eles para a realização das transformações que tem em vista.

Esta é a razão do pensar crítico sustentar que, se não houver autonomia das liberdades individuais, não se configurarão as condições ótimas de desenvolvimento do processo real, no qual a iniciativa, esclarecida pela compreensão crítica, tem papel decisivo.

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23. INTELECTUALISMO NA CONCEPÇÃO DOS PROBLEMAS SOCIAIS

Intelectualista. Acha que os males da sociedade são de ordem intelectual e tem uma causa última na confusão das idéias. Admite que as elites quando estiverem iluminadas, ter-se-á a disposição natural de resolução dos problemas sociais. Acha que as idéias são a condições do existir, sem elas sobreviverá o caos por não ter os fatores intelectuais indispensáveis à manutenção da estrutura política. Admite que os problemas sociais sejam questões de inteligência e compreensão exata da ciência. Reprime a liberdade e castiga o “erro intelectual”.

Para a consciência ingênua os males da sociedade são fundamentalmente, de ordem intelectual, e têm sua causa legítima na confusão das idéias, que impede os humanos de perceber o verdadeiro significado e disposição natural dos fatores sociais.

Advoga que a reforma da sociedade deve vir "de cima" e, a rigor, basta fazer-se nas camadas dirigentes. Quando estas estiverem devidamente iluminadas, tudo o mais se conseguirá sem dificuldades, porque a sociedade tem uma hierarquia natural na sua estrutura, composta de classes superpostas e irredutíveis, cujo concurso harmonioso só será obtido pela clara compreensão do regime de relações imutáveis que deve haver entre elas.

Ao propagar o mito das elites e da reforma intelectual, tapa os ouvidos aos clamores populares, indistintamente considerados como sintomas de anarquia moral e, assim, credencia um grupo de cúpula para fazer reformas das instituições. Por isso mesmo deblatera sobre o que chama "anarquia mental” alegando que a desordem da razão instala, necessariamente, a desordem moral que, por sua vez, deteriora a política.

Acha que as idéias não são decoração luxuosa e a sociedade, mas a condição de sua possibilidade de existir, pois, sem elas, sobrevirá o caos, por falta dos fatores intelectuais indispensáveis para manter a estrutura política.

Apregoa que os problemas sociais cifram-se ao conhecimento por parte das classes superiores, das leis naturais que regem a sociedade. São questões de inteligência, de compreensão exata, de ciência. Quanto aos que não dispõem de poder de comando, aceitarão com prazerosa docilidade a supremacia e o governo da elite, desde que para isso sejam educados.

Este traço intelectualista da consciência ingênua demonstra sua pobreza de compreensão, pois faz da sociedade uma idéia inteiramente abstrata, divorciada dos verdadeiros móveis das ações humanas. Ignora o significado das bases materiais da existência e sua causalidade objetiva; não valoriza devidamente os condicionamentos que, de modo inelutável, as transformações históricas impõem. Não é de se estranhar a sua tendência à ditadura, à repressão da liberdade, e ao castigo do erro intelectual.

24. CULTO AO BOM SENSO

Cultua o bom senso. Acha que o bom senso é patrimônio universal. Formula todas as questões em termos de bom senso que ela mesma não conceitua. É anticientífica e preconceituosa. Usa terminologia desprovida de conteúdo objetivo do tipo “bem comum”, “bom senso”, etc. Opõe-se aos princípios científicos que ela chama de “cientificismo”.

Esta modalidade da consciência ingênua é muito peculiar às pessoas de formação intelectual mínima que admitem serem elementares os problemas do País, bastando possuir mediano bom senso para ver o que é preciso fazer. Não tem cerimônia em oferecer a solução conveniente a qualquer dificuldade. Irritam-se ao ver como, apesar disso, tantos se

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obstinam em pesquisas, estudos, discussões, quando tudo é tão simples e fácil de resolver.

Confia num dom particular do espírito que seria sua espécie de instinto, para dar resposta prática aos problemas oferecidos pela vida. Acredita que o bom senso é patrimônio universal e foi dado aos humanos justamente para servir de faculdade intuitiva comum, capaz de encontrar soluções aceitáveis por todos. Assevera que é preciso rejeitar as cogitações artificiais e formular todas as questões em termos de bom senso. O seu traço fundamental é preconceito anticientífica.

Um dos caracteres mais usuais desta modalidade da consciência cândida é a utilização de uma terminologia desprovida de qualquer conteúdo, como é exemplo a citação “bem comum" que, parecendo sublime para certos programas políticos, é desprovido de qualquer conteúdo objetivo. Indagada sobre o que vem a ser o "bem comum", aquela consciência certamente invocará que é a forma pela qual unir-se-ão as boas pessoas para reformar ou reformular os costumes cívicos, com vistas a suprimir as injustiças entre os humanos.

Determinando um valor supremo ao conceito, ela ordena e hierarquiza todos os demais valores em um universo platônico destituído de objetivo prático ou conteúdo lógico definível. Seu preconceito anticientífica a leva a opor-se àquilo que chama de "cientificismo". Alega que o cientificismo consiste no defeito do ente humano de ciência em violar os contornos traçados pela natureza particular dos objetos de que se ocupa, pela modéstia dos recursos intelectuais postos em jogo, pois não vai além de engenhosidade experimental, da indução empírica e da generalização relativa. Em síntese, ela se coloca sempre em posição inadequada a interpretar o mundo visto da perspectiva de quem habita as áreas marginais subdesenvolvidas.

25. DEFESA DO PROGRESSO MODERADO

É reacionária. É insensível aos empreendimentos grandiosos e, por isso encolhe o real, deseja pouco, simpatiza com o pequeno e valoriza o acanhado. Apregoa que o “país cresce durante a noite”. Considera infantilidade toda audácia criadora. Formula a doutrina do antidesenvolvimento com seu ”crescimento normal e espontâneo”. Refuta a teoria crítica da história no seu desejo de “mais fazer”. Nega o desequilíbrio do desenvolvimento capitalista e fica indócil frente as suas crises. Acredita que o Brasil está à beira de um precipício ou abismo.

A consciência ingênua e insensível aos empreendimentos grandiosos. Desacredita na viabilidade das grandes obras destinadas a alterar de maneira profunda realidade nacional. Privada de descortino histórico, procura encolher o real, simpatiza com menor, tende a desejar pouco, a valorizar o acanhado, considerando tais propósitos como virtuosa demonstração de modéstia.

Defendendo a teoria ingênua do desenvolvimento, resume-se em dizer que o crescimento nacional deve ser espontâneo. Daí apregoar que o País "cresce durante a noite". Julga que o planejamento da ação ou a empresa colossal violam a lei das oportunidades.

A audácia criadora para ela e infantilidade, precipitação, "ingenuidade". Sob forma de motes como os de "crescimento normal e espontâneo", "ilusões do desenvolvimento”, "perspectivas de crises sociais", "desequilíbrio regional", "distributismo de riqueza", "humanismo em vez de tecnicismo" etc., formula teoricamente a doutrina do antidesenvolvimento. Segundo este modo primário de pensar a ingerência da ação do Estado na economia é perturbadora e só faz retardar o crescimento espontâneo.

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Acha também, que as obras excepcionais são tentativas de forçar a história a acelerar o passo, a aceitar desde já a realização do que só deveria vir mais tarde e, portanto, tais obras são geradoras de crise. Não entendem que, em que pese às crises serem momentos inquietantes e de perigos, são também instantes criadores, fissuras no tempo histórico, onde se pode esperar o surgimento de algo novo. Mais difícil ainda é compreender a teoria critica da história, que demonstra ser necessária a contribuição do desejo de "mais fazer” para desentranhar da realidade os recursos potenciais que contem, ou seja, que a crise é, precisamente, o atualizar-se desse potencial oculto.

Está sempre indócil a qualquer tipo de desequilíbrios e, por isso mesmo, nega que o desequilíbrio, no modo de produção capitalista, é a lei do desenvolvimento é seu motor, desde que se considere que o desequilíbrio de uma fase é compensado pelo da fase seguinte que resolve e supera a situação original, embora gerando novas espécies de diferenças entre aspectos da realidade.

26. IGNORÂNCIA DO POTENCIAL POLÍTICO NA ATUAÇÃO INTERNACIONAL

É mimética. Toma por empréstimo a experiência e os produtos da cultura alheia. Ignora o potencial político na atuação internacional. Desacredita que o Brasil, em Ascenso histórico, rompa com o atual equilíbrio e as relações de dominação internacionais. Escapa-lhe a compreensão de que o fator decisivo não é o Brasil ser a 10ª economia do mundo, mas a força expansiva liberada pelo País em etapa de emergência histórica. É imitativa e pensa de forma eurocêntrica, etnocêntrica e americocêntrica.

Para suas argumentações, a consciência ingênua limita-se a fazer comparação entre situações nacionais de países distintos. Cria grave confusões, jogando com comparações entre situações nacionais dispares, para efeito de racionalizar a atitude tomada em relação à nossa, e de apoiar os projetos que preconizam e não encobrem outra coisa senão os seus interesses privados. Preconiza tomar por empréstimos a experiência e os produtos da cultura alheia.

Ignora quanto podemos valer como força respeitável no cenário internacional, para só atender as nossas ainda reais deficiências econômicas. Escapa-lhe a compreensão de que o fator decisivo não é o desenvolvimento atualmente atingido, mas a força expansiva liberada pelo País em etapa de emergência histórica de sua situação anterior de atraso e privação do domínio de si.

Desconhece que o Ascenso histórico de um país, ameaçando romper equilíbrios e relações de dominação, gera um potencial político que não deve acontecer em termos puramente econômicos. Ignora que a defesa da PETROBRAS, da TELEBRÀS, dos Correios e outras grandes empresas nacionais, têm em vista não só as indiscutíveis vantagens econômicas, mas, sobretudo, visando a conquista do potencial político representado na demonstração dada pelo País de ter podido resolver por sí, contra pressões externas, o problema da criação das fontes de energia, comunicação e outros dados objetivos para seu desenvolvimento. Ignora também, que, embora o Estado no setor econômico seja apropriador de mais valia, não significa que não esteja criando as novas bases de um novo modo de produção no devenir.

É claro que a ação do Estado como apropriador de mais valia não anula a contradição entre o trabalho e o capital, mas pode provisoriamente, servir de base ao necessário período de transição, além de impedir, em parte, a alienação do trabalho nacional para outras nações. A ignorância do potencial político na atuação internacional permite que o país em Ascenso histórico perca a oportunidade de romper equilíbrio e relações de dominação.

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27. VISÃO ROMÂNTICA DA HISTÓRIA

Crê num segundo significado dos acontecimentos históricos. Despojam as transformações sociais da qualidade empírica que as tornam inteligíveis nos seus condicionamentos culturais e materiais. Reduz o processo histórico a ação das individualidades humanas ou dos agentes abstratos. Cria a antropomorfização da história. Leva ao sucesso os regimes ditatoriais e endeusa o caudilhismo. Converte personagens dotados de poderes anímicos e desvirtua o conceito de liberdade. Desfigura os processos: político, econômico e social por critérios subjetivos do bem e do mau. Por isso é romântica.

Admite a consciência em tela que a história de uma comunidade nacional, ou a do mundo, é um movimento conjunto presidido por uma força superior, uma vontade divina ou um destino fatal. Desta forma, supõe que os acontecimentos, além de ser aquilo que são na sua objetividade e nos mecanismos imediatos que explicam, admitem também uma componente transcendente, constituída pela ligação de cada fato particular com o movimento absoluto da história, concebido como razão causal envolvente. O romantismo está na crença de um segundo significado dos acontecimentos, isto é, interpreta-os como se tivessem um lado secreto, como se fossem a mensagem cifrada do Princípio ou do Fundamento, de que os iniciadores têm a chave reveladora.

O mundo deixa de ser o encadeamento necessário dos fenômenos; os atos dos humanos e as transformações sociais despojam-se da qualidade empírica, que os torna compreensíveis nos seus condicionamentos culturais e materiais, para se converterem em signos de uma super-história imaginária.

Não argumenta sobre as opiniões divergentes por acreditar que a sua já é a conclusão. Insiste sempre em reduzir o processo histórico à ação das individualidades humanas, ou dos agentes abstratos e entidades lógicas, cujo comportamento é concebido em igualdade com o comportamento humano.

Admitem tipos diversos de comportamento em concordância com o ilusório pressuposto teórico de que derivam. Serão otimista ou pessimista com a mesma falta de razão. Postulando-se no universo da Razão Suprema em busca de um fim transcendental ela é otimista e encontrará justificativa para todo e qualquer tipo de humilhação, desgraças e retrocessos, furtando-se à crítica que tais fenômenos poderiam suscitar. No caso de descrer na existência da Divina Providência, é pessimista e concebe o movimento da realidade como destituído de sentido lógico e incapaz de ser conhecido nos seus determinantes. Tanto na forma otimista como na pessimista, esta maneira ingênua de pensar insiste em ir ao encontro dos fatos com um prévio juízo de valor.

Através da facêta do moralismo político e sua íntima associação à antropomorfização da história essa maneira simplória da consciência consegue levar ao sucesso os regimes ditatoriais de volição pessoal ou, ainda; de endeusamento de caudilhos.

Em síntese, a Vazão Romântica da História converte personagens dotadas de poderes anímicos e desvirtua o significado de liberdade tornando-a apenas um nome metafísico.

28. ROMANTISMO NA CONCEPÇÃO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS E POLÍTICAS

A consciência ingênua ignora que os humanos são seres que precisam produzir a sua existência, mediante o trabalho sobre a natureza, dentro de um regime de relações sociais com seus semelhantes. Desconhecendo este fato, amontoa valorações de ordem ética, teleológica, metafísica e até mística que atribui Espírito, á Razão ou á Providência o papel de agente supremo "Devenir" histórico.

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Trata o fenômeno político em moldes exclusivamente subjetivos, como se consistisse em intercâmbio entre indivíduos movidos apenas pelas relações psíquicas que neles produzem os atos dos seus antagonistas ou comparsas. Atribui ao indivíduo, enquanto interioridade, espírito e pessoa moral, toda a responsabilidade pelo conflito econômico-social.

Desfigurando o processo econômico, perde também a perspectiva social. Assim sendo, o processo econômico é objetivo e tem causalidade própria, e beneficiado ou impedido, conforme sejam tomadas as medidas, cuja execução dependerá do critério subjetivo, que as valoriza como boas ou más.

O temor respeitoso em frente dos potentados especialmente estrangeiros faz a discussão de problemas econômicos revestirem-se de certo tom indireto; no espírito dos homens do país subdesenvolvido a consciência do atraso e da pobreza origina a tendência a se desgostarem das ocasiões em que são forçados a debater tão desagradável assunto, e os leva, com preferência, nos debates internacionais de questões econômicas, a aceitar soluções desvantajosas, desde que sejam as mais expeditas, encerrem o mais breve possível, e de qualquer modo, tão aborrecida e humilhante conversações.

A falta de pertinácia na defesa dos interesses do país subdesenvolvido tem fundamento no íntimo desprazer causado aos políticos, diplomatas e administradores de cúpula pelo trato de matéria econômica, pois são obrigados a ter constantemente relembrada a condição inferior em que comparecem a esses conciliábulos.

Esta modalidade da consciência simplória é muito nociva aos países subdesenvolvidos que necessitam empregar com lucidez e altivez toda sua inteligência para compreender a realidade material que visam modificar, a fim de oferecer condições de vida mais humanas às suas populações.

29. PESSIMISM0

É pessimista. Tem visão apocalíptica do País. Esquece que o Brasil nunca se perde, transforma-se. Pensa através de falácias do tipo “colapso da civilização”, “fins do tempo”, “crise do mundo moderno”, etc. Desconhece que a verdade daquilo que desaparece está na existência daquilo que se prossegue. Enfeitiça-se por profecias sinistras. Alardeia que o Brasil está à beira do abismo ou do precipício ou ainda de uma cratera. Compara a realidade nacional à de uma região sísmica. É visceralmente apocalíptica. Presta-se a acreditar em todos os tipos de fraudes induzidas pelos países cêntricos, hoje, acobertados pela ONU como é o caso das mudanças climáticas antropocêntricas do “efeito estufa” e combate ao gás carbônico que é um gás vital.

Este atributo da consciência cândida se manifesta na pseudo verdade de que faltam homens dignos capazes de imprimir direção superior aos negócios públicos. Por isto mesmo, a consciência simplista não para de alardear que estamos à beira do abismo, dançando sobre a fina crosta do terreno que encobre um vulcão. Essa versão apocalíptica, própria da consciência primária, esquece que o país nunca se perde, transforma-se.

Outro equívoco desta atitude derrotista é pensar que as mutações históricas são obrigatoriamente destruidoras da totalidade das condições vigentes. As falácias de “colapso da civilização”, “fim dos tempos", "crise do mundo moderno" e outras ingenuidades, impedem que aqueles que professam o pessimismo ilógico entendam que num processo de surgimento do novo, com a abolição do existente, um tanto da realidade anterior sempre subsiste na que tomou o seu lugar e, assim, a verdade daquilo que desaparece está na existência daquilo que prossegue.

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O pessimismo ilógico, manifestado na predição calamitosa, é característico de algumas camadas da pequena burguesia, dos profissionais semi-unteis, dos fracassados da política, e reflete o desajuste social de que padecem como classe.

Enfeitiçada por profecias sinistras, admite que á realidade nacional equipara-se a uma região sísmica, constantemente ameaçada por erupções imprevistas, que teriam origem em processos incompreensíveis e incontroláveis. Daí o seu conceito de "forças sociais vulcânicas".

Aqueles dotados dessa modalidade de consciência, em geral, postulam na teoria segundo a qual a sociedade, por si, e harmoniosa ou, pelo menos, tende a organizar-se em forma equilibrada; mas sofre continuamente o assalto de poderes destruidores, representados não só pelos fatores físicos adversos de incidência episódica, como pelo aparecimento de homens malignos, em geral de grande prestígio intelectual e sedução, que enfeitiçam o povo e o arrastam para o desvario das revoluções.

A partir desta teoria a consciência ingênua preconiza e incita os "homens prudentes e de bom senso", a estarem sempre atentos, na postura de eterna vigilância, para, se possível tomarem o governo para dignificá-lo e por ordem na administração. Sua perspectiva e de cataclismo e não a de que se poderia chamar de "anaclismo”.

30. UFANISMO

Ufanista. Anula no indivíduo a possibilidade de revolução pelo lirismo da imaginação fantasiosa. Prega um estado emocional beato, visto na forma da existência magnífica que o Brasil deve de ter. Apregoa complacência com a realidade por estar sempre satisfeita com o mundo que lhe é dado. Anula ímpetos de revolta e desinteressa-se por crítica aos dados empíricos. Na política contrapõe-se a utopia.

Este lirismo de consciência simplória se expressa quando o pensamento transporta-se da existência de fato para expectativa de existência, mediante a especulação sobre os aspectos potenciais da realidade entregues à imaginação fantasiosa.

O ufanismo é o sentimento precipitado do futuro, visto sempre na forma de existência magnífica, que haveremos de ter simplesmente por que tal é o destino que nos aguarda. Enquanto isso, o trabalho a desenvolver para conquistá-la banha-se em atmosfera de irrealidade, onde os obstáculos efetivos se diluem na convicção otimista geral.

O espírito ufanista é modalidade de consciência de efeito paralisante. Conduz à atrofia do sentido objetivo, da observação veraz e do julgamento exato. O ufanismo anula no indivíduo a possibilidade da revolução. É um estado de absoluta complacência com a realidade.

O ufanista está sempre satisfeito com o mundo que lhe é dado e, mesmo quando se depara com a dura precariedade do mundo presente, ao viver as cenas da pobreza, atraso, incultura e enfermidade insensivelmente se deslocam para a região do futuro, que nenhuma linha divisória separa do real, e a encontra na substituição do ser pela quimera a imediata resolução dos problemas e temores que o assaltavam.

O ufanismo aqui denunciado como ingênuo é aquele que visa insinuar na consciência brasileira o comportamento de candura e esquecimento em face da realidade, que ameaça entorpecer energias necessárias à obra árdua de revolucionar as condições de nossa vida, por anular ímpetos de revolta ou desinteressar-se da crítica rigorosa dos dados empíricos. Mas, é inegável que nada, se realiza de grande com a ausência do sentimento ufanista.

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Seria tão simplória a propositura da atitude estóica e impessoal para com o próprio país, quanto o conselho de adormecer ao som das odes que o exaltam.

A consciência crítica reconhece a dimensão emotiva da reação humana, sabe que nada se constrói sem amor pela coisa a construir, que um coeficiente sentimental não deve ser excluído do projeto de operações sobre a realidade.

31. SAUDOSISMO

Sintetiza o otimismo e o pessimismo na candura do saudosismo. Crê que o passado era melhor e por isso deleita-se nas falácias do tipo “a vida era mais barata”, “os homens tinham mais caráter”, “havia mais honestidade”, “trabalhava-se mais”, etc. Repudia, sem criticar, a idéia positivista de progresso. Considera o pretérito como o período da ordem, beleza e fartura. Vive na imobilidade e cria a disposição de antipatia a qualquer princípio de mudança. Cultua a tradição. Evoca os costumes fidalgos, heróicos, galantes e de bem-estar de uma minoria afortunada. É por isso rotuilada de saudosista.

A candura desta forma de pensar está na síntese de pessimismo e otimismo, isto é: pessimismo em relação ao presente e otimismo quanto ao passado. A sua essência está na crença irracional de que o passado era melhor. Em tese, estes toscos enunciados configuram que a história não é a marcha ascendente da comunidade, que modela cada dia melhores condições de existência em progresso contínuo, mas o registro de um processo regressivo, pelo menos no período que nos é dado viver.

O seu critério de avaliação do real e a lembrança do que foram os bons tempos de antanho. Os dois traços principais dessa atitude são a sua ingenuida e de seu reacionarismo.

Despreza qualquer concepção lógica da história. Repudia a idéia de progresso e não sabe exatamente que correlação admitir entre o desenvolvimento material e as transformações dos costumes e das idéias.

Considera a pretérita urna época de ordem, beleza e fartura, e por isso o prefere. A imagem sedutora que dele forjou, contendo a nota de imobilidade, cria a disposição anêmica de antipatia por toda espécie de mudança, e quando reconhece no presente um momento em que estas mudanças se processam rapidamente, afinca-se na repulsa a todo projeto de alterar a realidade. Não se limita a nostalgia do passado, pretende restabelecê-lo.

Falta-lhe o sentido da novidade essencial do futuro; quer que seja a reprodução do passado idealizado. O culto à tradição adquire o significado de norma de agir. Ignora essa mentalidade que a evolução histórica é global; está sempre esgotando, apenas em grau variável, o sentido de todos os fatos que nela se desenrolam.

O que a consciência ingênua culta concebe como solução para os problemas do nosso tempo é a ascensão das forças da fé transcendente e do amor místico. Ao lado dos esforços por reorganizar a sociedade, inspirados nos preceitos de uma moral sublime cessa renovação pela fé e pela caridade significa o progresso na descoberta do mundo das realidades espirituais, único meio normal e digno pelo qual o humano penetrará nas profundezas a sua natureza sem mutilá-la nem desfigurá-la.

É através de pensamentos tão simplórios que contribui para espalhar o desencorajamento e o medo na consciência das massas, que precisam crer, justamente, na eficácia das medidas da revolução material, como único meio de solucionar seus dramáticos problemas.

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Pelo seu caráter reacionário, a mentalidade saudosista esquece o imenso atraso, a miséria, o sofrimento, a enfermidade, a humilhação, a ignorância em que viveram nos tempos idos milhões de seres humanos, para entregar-se somente à evocação política dos costumes fidalgos, heróicos, galantes de reduzidíssima camada social superior, do bem estar de alguns poucos afortunados.

32. PRIMARISMO POLÍTICO

Enquanto o processo nacional não alcança fases mais adiantadas, enquanto se move no segmento inicial, onde a sociedade se define pela estrutura primitiva da exploração do mundo exterior, agrícola, pastoril ou extrativa, em bases sempre latifundiárias, com relações de produções simples e pobres, ausência quase que completa de mercado interno, imensas massas de população vivendo praticamente em regime de economia natural, não e de esperar que subsista outra percepção da realidade senão a ingênua.

Nas fases incipientes do progresso da consciência, a variedade ingênua é, de muito, a mais representativa. Oscila constantemente entre dois pólos: ora identificando-se com os anseios populares, esposando suas reinvidicações, ora aliando-se aos representantes das multinacionais e participando de manobras lesivas ao desenvolvimento do País.

Percebe-se a diferença entre o processo de libertação política e o de libertação econômica: enquanto o primeiro pode ser guiado pela consciência ingênua, na etapa em que, sendo ela a única possível, tem autenticidade social, o segundo supõe fase do processo nacional que exige a direção de pensar crítico.

É preciso admitir que a derrota da consciência crítica incipiente seja sempre possível e não há que contar com nenhum automatismo que assegure o desencadeamento irreversível do processo. Enquanto o País está vivendo os períodos iniciais da luta pela sua Iibertação econômica, não deve julgar-se imune ao retrocesso; pois a consciência prática que preside essa fase de sua existência predominantemente aquela desarmada das categorias indispensáveis a compreensão da realidade que reflete e sobre a qual atua.

A consciência ingênua tem a seu favor o prestígio de um passado longo e pontilhado de reais vitoria. Freqüentemente conta em seu ativo a glória de ter sido autora de constituição do organismo nacional, conquistando-lhe a soberania política; tem a seu favor a defesa das liberdades, a obra da estruturação do regime, a sanção dos costumes populares, as bênçãos das instituições eclesiásticas.

Como, porém, a realidade evoluiu e o processo nacional atingiu graus de complexidade nos quais já não é admissível conduzir os fatos de acordo com a consciência simplista e desarmada, se os homens que, for efeito da escolha popular, manipular as alavancas do poder, tendo vindo da fase anterior onde executavam, sempre com êxito, as manobras de acomodação, não percebendo a inadequação do seu costumeiro procedimento às novas circunstâncias, produzir-se-á séria crise política, resultante da incompatibilidade entre o estilo da autoridade existente e as tarefas objetivas que tem de assumir.

A política é, cada vez mais, a realização do projeto da comunidade e acarreta a fidelidade a um grupo de princípios, a partir dos quais os fatos recebem um sentido. O risco máximo do primarismo político é a possibilidade de que a consciência ingênua predominante no País se disponha a elaborar, ela própria, o projeto de desenvolvimento nacional.

33. AMBIGUIDADE E CONCILIAÇÃO DE IDÉIAS INCOMPATÍVEIS

Acredita que a coerência ideológica é um preconceito. É recalcada e incoerente. Autoproclama-se progressista e situam as questões políticas entre direita versus esquerda,

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que lhe permite uma opção de centro. É consumista de idéias eurocêntricas, americocêntrica e etnocêntricas. Julga-se eclética e aprisiona-se no seu próprio arbítrio intelectual. Proclama o “progresso sem quebra de tradição”. Recusa os atributos de incoerência e julga-se crítica. É tagarela e fala por falar. Constrói um mundo de palavras, emite vozes e não tem humildade para despojar-se do acervo de conceitos que cultua. Falta-lhe rigor científico pela sua ambigüidade.

Este aspecto de consciência cândida encontra-se na situação paradoxal de defender com vibrante entusiasmo certas proposições conflitantes com pontos de vista doutrinários, desde que não lhe sejam exigidas as justificativas teóricas dessa acomodação. Não tolera o aprofundamento das idéias, o exame de motivos e conseqüências.

No descompromisso e ausência de objetividade e, às vezes, fanática no exclusivismo com que adota u m limitado grupo de idéias, mas, em outros casos, é, ao contrário, irracionalmente liberal e adota simultaneamente orientações conflitantes, incompatíveis entre si. O caso vulgar da coexistência de princípios contraditórios no mesmo pensamento nos é dado pela atitude daqueles indivíduos que necessitam parecer progressistas nas suas idéias adiantadas, pessoas insuspeitas de pactuar com as tendências retrogradas da sociedade, mas se mostram, ao mesmo tempo, incapazes de se libertar de todo um acervo de idéias e comportamentos que não desejam pelos prejuízos que esse gesto lhes causaria.

A sua "ambiguidade" está em acreditar que a coerência ideológica é um preconceito como outro qualquer. Na verdade o mesmo que vale a incoerência. Outra atitude em relação à arnbiquidade ideológica é o recalque, a tentativa de ignorá-la, a negação em confessá-la a si mesmo.

Pelo caráter dúbio os indivíduos possuidores desta ingenuidade arquitetam uma posição ideológica fictícia na quais ambos os pólos estão situados no terreno da "direita" e depois saem dela pela “esquerda", o que lhes permite uma opção de “centro”. Em geral, por serem letrados auto cultuam-se figuras “progressistas" e apresentam-se desejosos de mostrarem-se superiores e, por isso mesmo, assumem uma atitude eclética. Entretanto, esse ecletismo é o produto filosófico normal do estudioso voltado para a contemplação, a aquisição e o consumo das idéias dos centros metropolitanos.

Em regime de plena alienação cultural, o pensador eclético é prisioneiro do próprio arbítrio intelectual, escravo da liberdade de combinação ideológica de que tanto se orgulha.

Ligados quase sempre a poderosos grupos econômicos que espoliam não só os operários, mas também, as nações ou, ainda, a credos religiosos, que imobilizam o pensamento, conseguem os representantes deste modo de pensar, apresentarem-se como paladinos do que chamam de "progresso sem quebra da tradição".

Para essa modalidade do pensar não importa a coerência entre as compreensões, pois isso é coisa teórica, que não interessa discutir. Repele a acusação de incoerência, porque tem coragem de exibi-la naquilo em que lhe parece inevitável.

34. RECUSA DA ATRIBUIÇAO DE INGENUIDADE

Peculiar atitude de ingenuidade pela qual a consciência, em verdade inocente, julga-se crítica, é a pretensão de querer passar por critico. Compreender e explicar a necessária existência das modalidades de consciência é comportamentos de pensar crítico e só a este pertencem.

A mentalidade simplória, quando atribui caráter de ingenuidade ao pensamento crítico não o faz porque se considere crítica, mas porque se julga normal. As duas modalidades de

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consciência não são dois modelos de pensar completos, encerrados em si, incomunicáveis, de tal sorte que cada indivíduo tem de possuir um ou outro são comportamentos que, em sua estrutura, se mostram coerentes, formando uma totalidade, mas podem alternar sem o mesmo indivíduo. Os dois modos de pensar persistem sempre como alternativas possíveis e, por isso, o exercício de um deles não exclui manifestações próprias da atitude oposta.

Mesmo quem se afirmou na posição critica, e procura conduzir-se por ela, não está isento de tombar nas atitudes primárias nem de exprimir opiniões ingênuas. Assim também, por acidente, à consciência simplória é dado emitir às vezes observações profundas, corretas, críticas sobre a realidade.

A consciência primária é tagarela e fala por falar. O mundo de representações que constrói é um mundo de palavras, cada uma das quais do apoio às outras e, em totalidade, ocupam o espaço da consciência.

Quando o povo é inculto, o conhecimento da língua e altamente valorizado e serve de motivo de orgulho para os que o possuem. A fundamentação verbal dos enunciados é, pois, um traço de pensar despreparado.

Falta à consciência cândida o reconhecimento da dualidade nas maneiras de representação do saber. Falta-lhes, ademais, a humildade para despojar-se do acervo de conceitos, dos vezos de estilo, dos hábitos de raciocínio, que dão bons resultados dão na prática diária superficial. Falta-lhe, também, a exigência do rigor científico, em que, de fato, assenta a racionalidade dos enunciados.

A consciência crítica combate contra a ingenuidade, não para eliminá-la de todo, mas para se constituir a si própria, com relação aos assuntos nos quais a escolha entre ambas significa justa interpretação da realidade e, portanto, ação eficaz ou ineficiente.

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VIII. CONSCIÊNCIA CRITICA Esta maneira de interpretar os fatos procura descobrir as causas de onde se

originam. É objetiva e se pauta na realidade que lhe serve de guia. É variável, também, pois se sente condicionada pelo processo social e não sobrepõe o técnico e o econômico ao político. Explica-se em termos de dependência situacional e histórica e conduz à racionalidade dentro da lógica dialética e sistêmica. Pode apresentar-se em formas culta e iletrada, porém sob a condição “sine qua non” de se estribar na objetividade da realidade.

É dialógica, totalizante, ativa e libertadora, particularmente quando vista sob o prisma da nacionalidade. "Pensar criticamente é derrubar falsas imagens, ir além das crenças e rotinas estabelecidas, redescobrir a realidade e seus fundamentos". (...) "onde falham a crença, o mito, a magia, o costume, a rotina, surge à razão, o conhecimento elaborado com esforço, intencionalmente buscado, consciente de si e de seus critérios”. (Álvaro Vieira Pinto).

É determinando a coerência interna e externa entre os fatos, situações e as coisas que a consciência crítica se explicita, captando a razão e o sentido dos mesmos. A consciência crítica é tão profícua em suas análises que estabelece comparações entre a teoria dos sistemas e o enfoque estruturalista e a destes com a lógica dialética para:

� Realizar uma análise objetiva e concreta do processo a ser estudado � Descobrir o conjunto de conexões internas do processo, em todos seus

aspectos, no seu movimento e no seu próprio desenvolvimento � Identificar os aspectos, as situações e os momentos contraditórios, considerando

o processo como totalidade e como uma unidade de contradições � Examinar o conflito interno dos contrários, o desenvolvimento da sua luta, suas

mudanças, suas alternâncias e suas tendências � Descobrir e analisar as conexões do processo com os outros processos, na sua

atividade e nas influências recíprocas � Estudar as transições do processo entre seus diversos aspectos e suas

contradições, nas distintas fases que apresenta e no seu continuo devenir � Comprovar reiteradamente, através de experimentos e situações, tudo aquilo

que foi reconstituído, generalizado e explicado racionalmente, com base nos experimentos anteriores

� Aprofundar e ampliar constantemente a pesquisa, sem tomar, jamais, conhecimento algum como definitivo ou imutável.

1. CARÁTER GERAL

A consciência crítica é inevitável, como maneira de pensar assumida pela comunidade que está sofrendo transformações radicais em suas bases materiais, As atitudes críticas são vinculadas as condições empíricas precisas. O pensar crítico se apóia no processo real e por essa relação se define.

Tenta-se desenvolver a abordagem da consciência crítica à luz de uma sistematização categorial, ou seja, por meio dos comportamentos que definem a forma crítica de pensar. Esta se define por categorias reais, não transcendentais, válidas para o mundo objetivo que reflete.

O sistema categorial é, portanto, um conjunto ordenado de comportamentos e juízos de va1or, de tal sorte que, só por imperfeição pessoal de discernimentos, se registrarão nos seus enunciados asserções em conflito lógico, ainda quando manifeste contradições dialéticas, porque em verdade acompanha o movimento da realidade sem nunca esgotá-lo.

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A seguir apresentam-se idéias gerais ou categoriais que a consciência crítica através do sistema categorial, elabora para si, ao contato com a experiência, e que lhe servem de conceitos máximos para apreciar os fatos e as normas de ação para os comportamentos a que se decide

2. CATEGORIA DE OBJETIVIDADE

Nessa categoria, remete-se à consciência a representação dos fatos e das coisas tais como se dão na existência empírica, nas suas correlações causais e circunstanciais. Significa dizer que a realidade deve ser apreendida e refletida, independentemente dos nossos pensamentos a esse respeito, anteriores aos nossos conhecimentos. A consciência não vê a realidade como exclusivo objeto de representação, mas como espaço concreto, onde, além da possibilidade de conhecer, se lhe impõe a necessidade de agir, a fim de modificá-lo de maneira a torná-lo mais propício à satisfação das exigências e das necessidades humanas. A imperfeição da realidade vista pela consciência crítica é oposta à da abordagem ingênua. Para ela, a imperfeição está nas condições materiais, ou seja, no atraso cultural, na miséria e não como menos ser em face do pleno ser. A medida do imperfeito está no projeto da realidade futura, elaborada a partir das condições e situações existentes. A objetividade dos fatos e das coisas fundamenta-se na sua condição de real concreto, isto é, independentemente do que concebe o espírito ou mesmo de sua existência.

A concepção do real como imperfeito, como menos ser, em face do pleno ser da correspondente, forma o principio definidor da consciência ingênua e constitui o fundamento da inobjetividade do pensar ingênuo. A forma crítica de pensar também considera imperfeita a realidade, porem noutro sentido, isto e, a imperfeição esta nas condições materiais da realidade, na miséria e no atraso cultural, e tem por medida o projeto da realidade futura, elaborado a partir das condições existentes, nelas se findando.

Para a consciência ingênua a imperfeição consiste em que as coisas não são como deveriam ser; para pensá-lo crítico e a imperfeição consiste em que não são como deverão ser. Por isso admite a realidade presente como base para tudo quanto hã de fazer. Esta postura reflete as duas formas de pensar a realidade, isto é, não é o dever ser ideal que dá fundamento ao ser real, mas o ser presente que indica o dever ser futuro.

Submissão ao real e transformação do mundo A consciência crítica tem por marca dominante a objetividade. A representação das

coisas e dos fatos tal como se dão na existência empírica, nas suas relações causais e circunstanciais. Tem a certeza de estar refletindo em si um mundo existente fora dela, constituído por fenômenos submetidos a leis universais.

A postura crítica objetiva reconhece a existência de uma realidade natural e de uma estrutura social independente do pensamento que as conhece, e anteriores ao ato do conhecimento.

Para ela, o conhecimento dos fatos não consiste em imprimir formas específicas a um conjunto de expressões, convertendo-as, são então, em dados inteligíveis, mas num trabalho criador do espírito, que discerne as articulações lógicas contidas na objetividade.

Não vê a realidade como exclusivo objeto de representação, mas como espaço concreto, onde, alem da possibilidade de conhecer, se lhe impõe a necessidade de agir, a fim de modificá-lo de maneira a fazê-lo mais propício à satisfação das exigências humanas.

Sua norma capital é a certeza de que o projeto de modificação da realidade é exequíve1 por obra de uma consciência que se constitua como objetiva. Sabe que a alteração do mundo consiste na transformação prática das condições de existência.

Alteração do real e a percepção das massas

A forma de pensar ingênua supõe o modo culto e rebuscado de ver as coisas. Não aceita que a massa vive normalmente na postura crítica, apenas inculta. As condutas reclamadoras, reivindicadoras, as agitações e inquietudes populares são indícios da percepção crítica iletrada.

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O critério da prática decide, pois, qua1 das modalidades de consciência detém os direitos da correta representação. A prática é função crescente, não apenas na evolução de cada individuo, mas também da co1etividade, como um todo.

Quando o indivíduo e a comunidade permanecem estagnados no nível da miséria, não se efetuando, nas condições de vida, alterações de importância que levam a agir de forma inédita a imagem que têm do mundo são naturalmente estáticas, e a realidade é vista como se sempre tivesse sido tal e devesse continuar sendo.

Toda postura do pensar cândido dedica-se a produzir as idéias mais distanciadas da realidade circunstante, sonha com a realidade de outros países, nos quais gostaria de viver e a que, nostalgicamente, se sente pertencer em espírito. Daí, a falta de objetividade, estado de vacuidade intelectual de uma elite sem estimulante prática social.

Já a atitude crítica é indagadora da realidade, inconformada e disposta a modelar o país de acordo com as necessidades e interesses da grande maioria da população que o habita. Este modo de pensar procura refletir fielmente a realidade empírica do país, em vê-lo tal como ê, o que, incluindo a percepção das suas virtualidades, significa vê-lo tal como será.Vincular a subjetividade a objetividade e a posição primordial do pensar crítico.

O cuidado e a ocupação no país subdesenvolvido

No contexto de subdesenvolvimento a que está submetido o país, o pensar autêntico tem como base da sua preocupação a forma e as condições em que se dá a sua "ocupação".

O mundo que cerca o homem brasileiro de hoje causa "ocupação", ou seja, impõe exigência de trabalho, estimula a ação em grau tão elevado, que o "cuidado" existencial, necessàriamente acompanhando a consciência do homem, apresenta aqui, modalidades desconhecidas e insuspeitadas pelos fi1osofos dos centros dominantes; O que determina o conteúdo da noção de "cuidado" para o homem brasileiro atual são as condições reais da sua pratica, e esta é revolucionaria, no sentido de que e a transmutação da existência das massas trabalhadoras, que desejam passar de uma ordem arcaica para outra, de pleno desenvolvimento.

O "cuidado” para nos brasi1eiros, é a descoberta de possibilidades vitais para nossa comunidade, ansiedade e a luta para rivalizá-las.

O tempo, para a consciência crítica brasileira, e um capital que se acumula. A nossa realidade aparece na própria "ocupação", isto é, no trabalho que executamos para nos libertarmos das condições de pobreza, das opressões sociais internas e das pressões dos interesses metropolitanos, expostos através das empresas multinacionais. Para o brasileiro, "preocupação", em vez de "anterior à ocupação", e, na verdade, uma "pós-ocupação", quer dizer, o cuidado consecutivo á ocupação no trabalho capaz de conduzir a criação do homem.

Por estas e outras razões é que o pensador crítico brasileiro defende que o líder sindical autêntico possui um ponto-de-vista mais objetivo ao exprimir a sua situação e as reivindicações do que os políticos da elite burguesa que devem examiná-las. Enquanto a maior parte dos meios de divulgação, as vozes dos oradores a crose profanos, os comentários da imprensa fa1ada e escrita, as lições da mediocridade universitária, os relatórios das grandes empresas, os projetos legislativos, estiverem a serviço do pensamento primário, haverá patente preponderância da expressão ingênua, para quem observa do alto o panorama da consciência social.

3. A CATEGORIA DE HISTORICIDADE

O homem não é apenas natureza; é, sobretudo, história que a cultura modela nas formas plásticas da natureza viva. Esta categoria do pensar crítico permite a apreensão e reflexão da realidade como processo que transcorre no tempo e varia de instante a instante de conformidade com as situações. É por meio da historicidade que se vê e se descobre à insuficiência das formulações que se propõem explicitar o real e situações em esquemas

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estruturais fixos, quer sejam políticos, físicos, matemáticos, sociais, econômicos ou ideológicos. É o ser humano e o mundo, na sua objetividade, que varia no tempo e faz a história pelo seu existir. A contribuição dessa categoria para o entendimento e a apreensão da realidade brasileira permite-nos identificar os dados históricos no fluir dos fatos humanos, dentro do contexto da cultura nacional, em seus aspectos críticos abrangentes como isentos de eurocentrismo etnocentrismo e americanocentrismo. Portanto, a realidade será vista à luz dos fatos, situações e dados empíricos referidos sempre a uma dimensão temporal. É apreendida como produto de um processo onde há transitoriedade de idéias, crenças, valores e mitos que, por sua vez, não existem isoladamente, mas como aspectos ou movimento de uma totalidade em mudança. No desenrolar do texto, procura-se apreender os fatos sociais através da lógica dialética. As variantes da lógica formal-metafísica quer em nos seus aspectos clássicos, quer através das concepções lineares e simbólicas atuais, serão vistas dentro dos seus respectivos limites como modo de pensar e dentro do seu próprio caráter histórico-situacional.

Representando o real como fluência de seres e acontecimentos empíricos, sucedendo-se em contínua mutação, tem-se o sentido e noção de possibilidade concreta. O conceito dessa necessária fluência e sucessão das formas objetivas da realidade é que constitui a categoria da historicidade da realidade é, pois história; decorre no tempo e varia de momento a momento.

É mediante a categoria de historicidade que se vê e se descobre a insuficiência das formulações que se dispõem a exprimir o real em esquemas estruturais fixos, quer em físicos, quer em matemáticos ou sociais.

O real, a que o pensamento se refere é essencialmente histórico e, como tal, não assegura a nenhum enunciado a regalia de sua validade definitiva. Por isso o pensar crítico atribui a historicidade ao real mesmo, e não apenas ao conhecente, conforme desejam certas concepções filosóficas viram o mérito de acentuar a importância da historicidade.

É o mundo na sua objetividade, que varia no tempo e, portanto, faz a história pelo seu existir. Não são os humanos que historiza a natureza e a sociedade pelo fato de conhecê-las, mas são eles próprios seres históricos por pertencer a um mundo físico e social que se transforma por si mesmo.

A realidade como processo

A realidade é sempre, e por natureza, transição e mudança. Daí a sua correta interpretação e apreensão serem em forma de processo que, no seu movimento real, deve condicionar o método que, em cada período, permite formar as idéias necessárias a compreendê-lo.

O método é sempre variável, isto é, aquele que se mostrou útil no passado nem por isso tem assegurada a vigência futura.

O mundo ao qual o homem está ligado, e que contribui para constituí-lo ontologicamente, tem como âmbito mais real o da sua nação.

Entre nós brasileiros e os seres humanos no mundo, interpõe-se o Brasil. E isso acontece dup1amente: espacialmente vemos o universo a partir de um ponto interior à realidade nacional, porquanto, não temos acesso direto aos acontecimentos do mundo, e sim aos do Brasil, enquanto refletidos no conjunto universal e refletindo, por sua vez, esse conjunto por outro lado, não podemos compreender a história do mundo passado e futuro, senão enquanto afeta o curso dos acontecimentos do nosso próprio espaço nacional. Aquilo que nos parece ser em acontecimentos mundiais são, em grande parte, os acontecimentos dos outros.

Dentro desta perspectiva, o conceito de processo deve ser interpretado em nova forma, reduzido, nos dois sentidos da expressão: no vulgar, isto é, restringido, diminuído, no seu campo imediato e original de observação; e, em segundo lugar, no filosófico, enquanto é preciso trazê-lo a um fundamento concreto, provendo-o de conteúdo objetivo, necessariamente particular. A noção da realidade como processo, assume, pois, sentido específico, relativo à posição no espaço, a partir da qual é apreciada.

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O Brasil e sua história; é indiscernível dela, pois a sua própria constituição em âmbito geográfico é fato histórico processou-se ao longo do tempo, deve-se a causas objetivas e só se explica em forma de sucessão cronológica historizada.

Mudar de conteúdo em sua economia, de comportamento social nas suas relações internas e na sua atividade, e de ponto-de-vista em sua consciência, é ser outro ser, é ter nova realidade, e suceder a si próprio. Precisamente isto constitui a idéia de processo.

O presente como dinamismo e virtualidade

A história não é o conhecimento do passado enquanto passado, mas do presente que foi. Cada forma da realidade passada foi o presente de certo instante. Mais do que isso, foi, também, o futuro de um presente mais antigo.

O presente é para o pensamento critico, um campo de possibilidades aberto ao projeto existencial dos humanos e da comunidade em particular, é o descortino do futuro e não o coroamento do passado.

Ver o presente como fluência, é o primeiro postulado da atitude epistemológica. Define-se pela aceitação simultânea de duas afirmações: a de que a compreensão do real só ser obtida através da perspectiva histórica; e a de que as leis da história são indutivas, são de natureza empírica. Somente o exame empírico permite estabelecer conexões tão reais entre fatos ocorridos anteriormente, que mereçam ser erigidas em leis.

A correlação íntima dos fatos escapa a todo conhecimento a priori. A lógica da história é necessariamente empírica, concreta, e dela não conhecemos senão as linhas gerais, as grandes direções.

A noção de virtualidade significa apenas a descrição de uma conexão histórica de sentido e, como tal, liga ao presente tanto ao futuro quanto ao passado.

Os produtos de fabricação humana têm a noção de virtualidade aplicada, pois, para adquirir, o sentido de objeto manufaturado, foi produto de reclamos de um determinado momento histórico e, na medida em que satisfaz as intenções para as quais foi feito. Como o objeto, é portador das virtualidades do objeto futuro o qual dele receberá, mediante a negação e superação das atuais qualidades, tornadas imprestáveis, as determinações que o farão real. Neste sentido, todo objeto presente aponta o seu sucessor e implica a certeza de que será superado.

As virtualidades do objeto indicam que a sua substituição por outro exige o advento de nova situação geral, mas as atividades próprias desta só se cumprirão quando criarem os objetos que tomem o lugar dos atuais.

Quando se instalam numa sociedade condições que elevam o suficiente para encher o seu espaço nacional sempre de objeto novos, nela fabricados, cria-se um processo, rapidamente acelerado, de mutua implicação entre conteúdo material e forma política, tendente a implicar os interesses gerais das forças sociais produtivas representadas pelas massas trabalhadoras em um projeto coletivo irresistível. A situação passa a ser resultante das virtualidades das coisas existentes e, ao se constituir, cria o requisito de novos bens materiais, em volume crescente. Chegada a esta etapa, a comunidade alcança um grau de consciência que não mais dispensa um plano voluntário de existência política.

Interação entre consciência e processo

A simples idéia de processo é insuficiente se não for tornada mais precisa na sua significação. Negando que o sujeito do processo não está no Espírito ou na idéia, o pensar crítico o vê no seu efetivo desenrolar material, enquanto sucessão dos modos, segundo os quais a sociedade de tem os bens materiais, mediante o emprego das forças produtivas de que dispõe, os conserva, cria outros novos, organiza as relações de trabalho, o regime de produção, e quais as idéias e instituições que se prendem a esses suportes objetivos.

O reconhecimento de que o processo econômico constitui a substância das situações e realidades objetivas, de a consciência, a percepção crítica, ao menos nos seus primeiros delineamentos. A consciência intervém ativamente no processo objetivo, acelerando-o ou retardando-o, tal seja o grau de compreensão de que dispõe. Não lhe altera

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a natureza, mas, conforme o valor da percepção que dele tenha, pode, dialeticamente, interferir no seu curso.

A dependência recíproca de consciência e processo deve ser devidamente afirmada, sem, por isso, conduzir a qualquer postura idealista.

O processo objetivo se relaciona, portanto, com as idéias, tanto na representação do estado atual, quanto na de uma imagem antecipadora do futuro.

A percepção crítica se empenha em discernir a influência recíproca entre a consciência e o mundo. As transformações objetivas constituem configurações que se traduzem na consciência por complexos de idéias, entre as quais existem graus distintos de generalidade, mas subordinando outras, que, menos amplas, só são entendidas à luz da dependência para com os mais gerais.

E a pratica da existência social que incorpora ao espírito certo número de configurações entre as idéias e ensina a servir-se delas, segundo determinados modos de inferência. Sendo obrigado a atuar sobre a realidade, os humanos encontram as coisas com as suas determinações próprias, independentes de sua vontade e, por isso, tem de captar as relações existentes entre elas, para que suas ações não sejam um jogo cego e irracional.

Aos conceitos que superam em qualidade os demais e, portanto, os englobam, permitindo compreendê-los, chamamos de "categorias". Estas são idéias oriundas da objetividade, induzidas do processo, por motivo da necessidade de compreender as relações de causalidade ínsitas nos acontecimentos. Este é o trabalho mais difícil e delicado do pensar crítico. Alcançar as categorias válidas em certos momentos para representar o estado da realidade, sem violentá-la ou submetê-la a distorções subjetivas, é a tarefa específica da consciência autêntica, mas, ao mesmo tempo a mais árdua.

4. A CATEGORIA DE RACIONALIDADE

À medida que se analisa a realidade à luz da objetividade e da historicidade, surge à necessidade de se recorrer a essa categoria para exprimir as conexões necessárias que revelam haver uma lógica imanente ao seu movimento. Por pertencer à instância das coisas concretas e não das do espírito, a racionalidade transmite a consciência, a objetividade e a historicidade do real. Apresenta a sucessão dos fatos econômicos, sociais, ambientais, políticos e ideológicos de forma ordenada e coerente. Essa sucessão é descoberta por via empírica, situacional e não por meio de intuição intelectual ou por dedução de verdades reveladas. Não se pretende apresentar somente a razão do fato, mas o próprio fato tem que ser averiguado na experiência e nas relações de produção e de circulação dos bens econômicos que se apreendem em sucessivas e metódicas observações. É através da racionalidade que se vê e se explica como a mercadoria adquire o valor, o valor de uso, o valor de troca, o valor desenvolvimento e o valor simbólico e assume o lugar da ação dos humanos e, portanto, revela o seu oposto -- a irracionalidade. A racionalidade da consciência consiste em que esta se sabe situada num mundo cuja existência não é produto da sua ideação, em admitir que as leis descobertas no estudo dos fenômenos não decorrem de condições prévias do espírito cognoscente, mas pertencem ao mundo que regem, embora, eventualmente, tais como são formuladas, sejam, depois, invalidadas por novas descobertas técnico-científicas ou por novas interpretações.

A lógica na qual se exprime a racionalidade do processo e objetiva pertence originariamente ao próprio curso das coisas, e não ao espírito, que só secundariamente a reflete. A noção de racionalidade transmite à nossa consciência a objetividade do real.

A historicidade estabelece um domínio de racionalidade efetiva, a qual se exprime em conexões necessárias, que, em conjunto, mostram haver uma lógica imanente ao movimento da realidade. A razão histórica deve ser compreendida como apreensão do caráter lógico e objetivo do surgimento e sucessão dos fatos sociais, enquanto se revelam ordenados e coerentes. Temos de descobri-la por via empírica, nunca por meio da intuição intelectual ou por dedução a partir das verdades reveladas.

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Esquemas explicativos de tipo abstrato são sempre possíveis, mas não desempenham papel eficaz na transformação da realidade. Para interpretar a realidade nacional, sua racionalidade considerada, enquanto expressão de determinado processo histórico, é legítima e útil.

A objetividade, que sabemos manifestar-se como realidade histórica, precisa traduzir-se em conceitos e proposições racionais: inadmissível fazer dela tema para divulgações e especulações gratuitas; pretensiosas que passam por teorias científicas.

Sensibilidade social e pensar crítico

O pensar crítico é o ato de apreender a realidade na inteira objetividade das coisas e acontecimentos que a compõem; nessa apreensão está incluído o conhecimento dos estados emocionais desencadeados pelas condições externas nos indivíduos e na massa. É preciso, igualmente, sentir com a mais viva emoção, com a veemência justificada pelas situações, as reações de indignação ou de entusiasmo, os ímpetos de ação e luta as paixões e as esperanças, e incluir todos esses estados na consciência, sem deixá-la decair no plano de ingenuidade.

O fenômeno social da lamentação é uma das manifestações emocionais do entendimento popular, e se aparece como ingênuo, enquanto índice de incapacidade de refletir sobre as causas objetivas da situação que lhe motiva e, por outro lado, crítico, enquanto exprime as justas exigências e a verdadeira inserção do indivíduo no processo da realidade.

Compete ao político, munido do pensamento crítico, mostrar que as iniciativas do desenvolvimento, quando genuínas, nunca produzem o agravamento da situação social, ainda que venham a causar perturbações e deslocamentos na distribuição dos fatores econômicos; mas o que causam sempre é o aumento da suscetibilidade popular a fatos e condições que somente então começam a parecer insuportáveis.

O pensar crítico vê como racional a atitude emotiva hostil, despertada pelos primeiros desajustamentos resultantes do desenvolvimento acelerado. Todo melhoramento introduzido na estrutura material da sociedade, em virtude da realização de projetos básicos, projetos-modelo e complementares acarretam a intensificação da sensibilidade coletiva. Toda conquista material determina, além do evidente reconhecimento do fato, com o conseqüente alargamento da área de representação subjetiva, um acréscimo de sensibilização da massa que se manifesta, de imediato, pelo desencadear de reclamações e exigências, chegando, com freqüência, a superar, como tom emocional, o estado de espírito de alegria em face do melhoramento realizado.

A atitude crítica sabe que os movimentos transformadores das estruturas da sociedade, do seu regime de produção e o avanço econômico das massas daí resultante despertam no povo percepções, antes impossíveis, as quais se traduzem em clamor publico.

Correlações causais e consciência útil ao desenvolvimento

A consciência crítica cultiva a ciência natural pela necessidade de conhecer-se, a si próprio na pratica social do processo de trabalho sobre a natureza e na exploração das propriedades das coisas, pois sabe que a posição de sujeito não o aparta da realidade

É necessário que a consciência veja, no saber científico da natureza, a representação objetivamente válida dos fatos, das coisas e de suas relações, e admita que a formação desse saber seja historicamente condicionada.

A racionalidade da consciência consiste em que esta se sabe situada num mundo cuja existência não é produto da sua ideação; em admitir que as leis descobertas no estudo dos fenômenos não são atribuíveis a condições prévias do espírito cognoscente, mas pertencem ao mundo mesmo, ainda que, eventualmente, na expressão em que são formuladas, se mostrem depois inverídicas, por efeito de novas descobertas ou pelo critério de novas interpretações.

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O empenho em restaurar a supremacia do conhecimento cientifica e o modo pelo qual a consciência crítica deve provar, na prática, a sua racionalidade. Para tanto, exige-se um delineamento de uma política da ciência no país, que vise dar estatutos racionais ao trabalho de pesquisa e ensino que não devem permanecer dissociados dos fins que a sociedade se propõe.

A dialética da razão no país subdesenvolvido

A consciência crítica cultiva o modo de pensar dialético como o único que lhe permite interpretar corretamente os fatos que testemunha e o estado da realidade que deseja modificar. Por isso adota os seguintes aspectos:

A) Inconveniência do pensamento formal

O essencial do problema epistemológico que aqui se deseja apontar é a inconveniência do pensamento formal para o país subdesenvolvido. Esse modo de pensar conduz a assumir atitude passiva e linear diante do processo objetivo. Qualquer que seja o estado de miséria e sofrimento que constitua a realidade da existência, o pensamento abstrativo, linear e formalizador impedem o indivíduo de se empenhar na luta coletiva por transformá-lo.

O conceito formal da razão, considerando-a propriedade do espírito, abandona o mundo á próprio sorte e impõe aos humanos apenas a tarefa intelectual de organizar racionalmente, isto é, coerentemente, à vista do grupo de postulados ou princípios escolhidos na base de suposta intuição, ou de modo arbitrário, os dados da experiência.

B) Necessidade do pensamento dialético

A visão dialética, ao contrario do pensamento formal, nos trás a contradição instalada no âmago do pensamento, no interior da idéia, não porque resulte de confusão intelectual ou erro de pensamento, mas, precisamente, porque reflete com plena verdade a mobilidade autêntica do real. É o mundo que se altera constantemente em todos os seus aspectos inteligíveis, donde estarem presentes no mesmo instante em cada aspecto das coisas o dado atual e aquilo que a nega, o contradiz, o elimina, pois é o dado futuro que substitui, progressivamente, a realidade da coisa, à medida que declina o dado atual. A contradição está imbricada na realidade objetiva e, se depois é encontrada na ordem das apresentações, é porque estas são cópias fiéis da existente no exterior.

A concepção dialética não apenas está apta a produzir a verdadeira lógica, mas, ao mesmo tempo, estimula a inteligência a considerar a racionalidade dos acontecimentos, não na essência imóvel das coisas, mas na fluência com que se sucedem. A racionalidade da consciência crítica consiste no nexo interno com que os acontecimentos se ligam uns aos outros, na razão imanente que determina o declínio de todo aspecto atual da realidade e sua necessária substituição por outro, contrario a ele, e cuja presença, desde já, se afirma pelo simples fato de que o atual não é permanente.

Igualmente nocivas são as teorias que, (embora se justificando como maneiras racionais de pensar, porque se equivocam nos princípios metodológicos adotados), conduzem a um comportamento passivo, intelectualista, imobilizante, em face da realidade, impedindo a consciência de se tornar fonte de iniciativas modificadoras. As demais concepções da razão oferecidas pelas filosofias idealistas são sempre produtos de elaboração metropolitana.

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Ao compreender que sua aplicação aos fenômenos de uma realidade subdesenvolvida tem de ser condicionada pelo grau de desenvolvimento dessa realidade, a concepção dialética dialetiza o seu emprego, e se mostra, com isso, a única interpretação justa do processo histórico da comunidade atrasada em sua luta por se desenvolver. Para a inteligência reflexiva e prospectiva da sociedade subdesenvolvida, as leis da dialética correm o risco de permanecerem no domínio da abstração e da alienação, se não forem concebidas de maneira tal que sirvam para exprimir a realidade imediata do mundo em que essa sociedade se encontra.

Somente a concepção dialética é capaz de descobrir, por indução empírica, quais os aspectos da sua realidade em que se incorporam as categorias lógicas que manifestam a racionalidade da fase histórica vivida por tal comunidade.

Para o país subdesenvolvido é necessário que a lógica seja dialética não apenas no conteúdo, mas, também, na aplicação, pois, só assim se aclara logicamente a situação de subdesenvolvimento. É, também, um poderoso instrumento, para promover a efetiva alteração da realidade.

A teoria dialética permite interpretar a etapa superior a partir da inferior, à luz da racionalidade que reconhece existir nesta ùltima. O mundo constituído pelo país subdesenvolvido se sabe racional porque se conhece como um todo em si mesmo. Sua consciência o reflete como domínio de plena racionalidade, porque se vê pertencente a ele. A consciência metropolitana nega ao mundo pobre a qualidade racional, porque só considera formar um todo ao mundo a que pertence o que se acha na culminância do domínio, e do qual as áreas atrasadas são partes.

Para a consciência armada do saber dialético, o mundo subdesenvolvido é tão racional quanto o adiantado, pois exprimem ambas as fases diferentes de um mesmo movimento da realidade e possuem leis igualmente inteligíveis.

C) A dialética das contradições no país subdesenvolvido

No país subdesenvolvido, alem da contradição funda entre o trabalho e o capital, existe também aquela que nação, como um todo, à ação de forças espoliativas das nações hegemônicas, seja através de investimentos diretos, ou indiretos através das chamadas empresas multinacionais. Esta é a razão porque no país subdesenvolvido a contradição entre trabalho e capital toma uma complexidade bem maior que nos países desenvolvidos, pois, na maioria dos casos, ela forma mais aguda naquele aspecto que opõe a nação a ação imperialista das nações hegemônicas.

É importante saber que um dos pólos da contradição entre a nação e os interesses alienígenas, aparentemente com sedes fora do país, estão também presente na nação coabitando conosco e personificados nos indivíduos, agências e instituições que se colocam ao serviço deles. Por isso negam, ou tentam esmagar, os pronunciamentos e as iniciativas da nossa consciência em querer transformar o Brasil em uma “nação para si”.

O prejuízo mais grave acarretado por esta confusão intelectual está em ocultar o caráter dúplice da práxis das classes diferentes do país submisso a interesses estrangeiros: de um lado, essas classes exercem a sua opressão normal sobre as classes trabalhadoras a elas subordinadas, mas, por outro lado, são também os veículos que transmitem à nação as opressões que derivam do neocolonialismo e do imperialismo econômico-financeiro globalizado.

O país, sendo juridicamente independente a dominação de agentes externos é exercido forçosamente por agentes internos à seu serviço ou soldo. Tem que haver, sempre, uma ou várias classes sociais pertencentes à nação que representam os papeis de emissários ou de cônsules, dos interesses estrangeiros e atuam em rigorosa concordância com as ordens recebidas de fora.

Para fugir aos possíveis erros na interpretação das contradições no país subdesenvolvido, é imprescindível que a consciência critica elabore para si, fundada na parte prática da luta em que se empenha uma teoria da racionalidade que lhe permita

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diagnosticar o conjunto de contradições sociais existentes no momento, e classificá-las por ordem de importância segundo a extensão e abrangência de cada uma.

D) O “salto histórico" no país subdesenvolvido

O "salto histórico" diz respeito à passagem das variações de quantidade para qualidade. No país subdesenvolvido ele se produz pela acumulação de pequenas variações de quantidade, a qual em dado momento alcança um limiar de fratura e determina a transmutação do ser nacional em outro novo, e qualitativamente distinto do anterior. O trânsito da situação de subdesenvolvimento à de pleno desenvolvimento não é um processo linear, representado apenas a expansão, a melhoria da situação anterior. É a efetiva ruptura como o modo de existência precedente e só caracteriza como real pela qualidade original da realidade que surge em lugar da antiga.

A rejeição do conceito dialético de salto histórico é imperiosa para a consciência das classes dominantes, como agentes dos interesses estrangeiros no interior do país. Tendo de servir ao capital forâneo/metropolitano, a cujas iniciativas, no regime atual, se devem muito dos aspectos positivos do crescimento quantitativo do País, repugna-lhe pensar que a continuação desse crescimento leva a brusca mudança qualitativa e altera a natureza do processo expansivo, o qual a partir de certo momento deverá ser feito com o repúdio do capital estrangeiro e o exclusivo, emprego do capital interno e do trabalho das massas sob a forma de trabalho para si.

As massas, à medida que melhoram com rapidez o volume de sua produção, manejam ferramentas aperfeiçoadas, poupam o seu esforço físico, deslocam-se das regiões atrasadas para as mais adiantadas, vão descortinando novo mundo de valores e de conceitos para interpretar a sua existência e o regime econômico a que estão submetidas, ao mesmo tempo em que verificam a discordância entre a ideologia que aos poucos se apossa de seu espírito e aquela que define o pensamento das classes às quais vende a sua força de trabalho. Esta divergência cresce e se aprofunda até alcançar um grau no qual a coexistência de ambas deixa de poder continuar de ser pacífica e se estabelece a situação histórica que impõe o desfecho violento. Se em tal caso, como é normal, o triunfo couber à consciência da parte mais numerosa, terá produzido o salto qualitativo, pois, passando esta a dominar a antagonista, será a sua representação do mundo que imprimirá, dai em diante, a verdade da realidade, e os projetos subjetivos que determinarão o curso do processo dos novos acontecimentos.

E) A ação recíproca no país subdesenvolvido

Enuncia-se a lei do retorno do efeito sobre a causa, quando se observa não existir uma cadeia de fenômenos anteriores, uns aos outros, mas um fluxo dinâmico, no qual os acontecimentos são efeitos de situações anteriores que se modificam, ou desaparecem, por motivo de haver dado origem à nova situação, que delas derivaram.

O efeito desta lei no país subdesenvolvido tem caráter, em parte, virtual e por isso determina um maior distanciamento, no tempo, entre os extremos em reação mutua. As estruturas representativas das etapas atrasadas e as classes que as personificam exercem quase sem resistência o seu domínio sobre um contexto social, flácido, apático ou submisso sem atrito. Entretanto, mesmo numa situação assim determinada na medida em que se espoliam mais a massa, em virtude da caça ao lucro máximo, gera-se nas massas a consciência de sua situação de espoliadas. A partir daí se manifesta o retorno do efeito sobre a causa. A consciência da massa é o efeito que a causa, a consciência a das classes dominantes, não desejaria causar e, portanto, constitui uma oposição no interior da ação.

No intuito de querer anular o efeito sobre a causa, as classes detentoras do poder político-econômico usam vários meios dos quais os mais eficazes são:

� O fortalecimento das relações de dependência econômica. Procura fazer um número, cada vez maior, de dependentes, apaniguados, pensionistas dos seus favores, usuários das possibilidades marginais de proventos que oferece, com vistas a aumentar seu domínio sobre as massas.

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� Apoio e estipêndio as agências capazes de propagar ideologias domesticadoras da consciência autêntica da nação. Exercendo o monopólio quase que total da imprensa e dos meios de divulgação das idéias, beneficiadas pela cumplicidade das organizações ideológicas conservadoras e retrógadas, o poder de coação intelectual de que dispõem é gigantesco.

Por outro lado, maior ainda é o poder das leis históricas, e dele resulta a necessária ascensão da consciência das massas. Daí os efeitos do projeto do desenvolvimento voltar-se contra a consciência que os projeta, dado o regime em que o fez, e pode chegar a destruir o governo ou poder dirigente que não os soube prever.

F) A unidade dos contrários no país subdesenvolvido

A realidade é sempre constituída de contradições, ou seja, de situações antagônicas, em luta indefinida. A partir delas geram-se representações subjetivas, idéias, valores, ideais que se opõem às que se alicerçam nas situações contrárias às primeiras. Da tensão produzida entre esses lados opostos deriva o movimento do real, pois um dos pólos demonstra no momento ser mais forte e tenta conduzir a realidade no sentido dos seus objetivos, mas, ao fazê-lo, tendo contra si a resistência do lado antagônico, o que na verdade consegue é unir-se com este, que o influencia a ponto de imprimir no rumo tomado a sua presença. Deste modo, o lado que se presume vencedor, ao por em pratica os seus projetos, o que realmente consegue é a síntese com o lado oposto, a qual, por esse motivo, é um aspecto novo da realidade, representando um terceiro momento, distinto dos opostos iniciais de onde parte o movimento.

As oposições entre os interesses das diversas classes e estratos sociais têm no contexto semi desenvolvido fisionomia particular. Na tensão em que se apontam esses interesses, na luta que travam e nas sínteses que dela, resultam, criam-se situações novas, entre si contraditórias, a exigir novas sínteses, de segunda ordem, de modo que o movimento geral do processo se desenrrola com certa frouxidão a princípio, maior rapidez mais tarde, mas sempre com um grau de imprevisibilidade superior ao existente em etapas históricas adiantadas.

Nas condições de subdesenvolvimento se tem a presença da meta-contradição que se expressa na presença de um mesmo indivíduo em varias contradições, tendo nelas posições entre si contraditórias. Quanto mais atrasado é o mundo nacional mais se oferece ao indivíduo a possibilidade de figurar em várias posições sociais, tendo situações, em cada uma delas, que se desarmonizam entre si. A frouxidão do processo econômico permite esse desempenho ilógico, porque não estando a economia do país submetida à rígida disciplina, o indivíduo consegue colher proveitos de atividades que seriam mutuamente excludentes numa economia mais exigente, porém aqui por enquanto compatíveis, porque não se prejudicam sensivelmente. A figura do latifundiário industrial é possível em realidades subdesenvolvidas.

No conjunto das diferentes situações em que se figura como elemento de múltiplas contradições, o que importa é o papel do indivíduo na contradição principal que define o momento histórico. É igualmente em função da contradição principal que convém apreciar os papeis das classes sociais, e não o oposto, ou seja, não é em função da mera diversidade das classes que deve ser avaliada a contradição principal ou dominante.

G) Peculiaridades dialéticas do subdesenvolvimento. "diferencial histórica" e progresso da consciência

O caráter dialético da realidade determina que ao lado das leis gerais, conhecidas referentes ao processo como tal e, portanto aplicáveis a qualquer de suas situações, haja outras regularidades, cuja vigência se observa apenas em períodos particulares desse processo.

Pensar de outro modo seria pensar abstrata e for malmente, seria supor que as leis do real são sempre as mesmas, o que na verdade significaria dizer que são as da realidade na fase superior de desenvolvimento; é este um modo de ver que só será aceito por quem

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admitir que sejam leis eternas, pertencentes ao que não varia o espírito imortal, mesmo quando aplicáveis empiricamente a o que varia o mundo material. É a realidade que, pelo, seu movimento, revela as leis que a regem.

O pensamento dialético estipula que as leis da realidade são contemporâneas das coisas por elas regidas; isto significa tanto a possibilidade de virem a existir leis atualmente ignoradas, quando a realidade social tiver alcançado etapas futuras inéditas, quando a certeza de tiver havido leis agora extintas, em conseqüência de se acharem superadas as fases dos processos objetivos que as manifestavam.

O filósofo do país subdesenvolvido tem diante de si uma tarefa especifica: a de formular, em caráter dialético, as leis da realidade onde vive. Diante, desse fato se procura, agora, tecer breves comentários sobre o que se chama "diferencial histórica". Por esse termo entende-se a desigualdade de situações da realidade entre dois processos nacionais diferentes. Este conceito significa a medida do intervalo que separa um dado país daqueles que, no mesmo instante, se acha no grau máximo de desenvolvimento. O primeiro sentido desta proposição e o de que o desenvolvimento econômico jamais causa o aumento da diferencial histórica; ou seja, não pode dar-se o caso do país atrasado, por se desenvolver, contribuir para acelerar o desenvolvimento do mais adiantado.

Tratando-se da totalidade mundial, onde figuram todos os países, não há movimento de qualquer país que não representa sobre o conjunto e não suscite ações recíprocas. Somente nas situações de absoluta estagnação colonial a diferencial histórica tende a aumentar.

Considerando-se, hoje, a realidade das nações hegemônicas, é preciso reconhecer que, dado o regime de espoliação colonial e imperialista, o progresso que conquistaram deve-se em grande parte à possibilidade que tiveram de explorar as áreas atrasadas ou coloniais.

Quando o país subdesenvolvido desperta e dá início ao seu processo de autodeterminação política, a espoliação anterior, causa do alargamento da diferencial, tende a diminuir. Acontecendo isto, desaparece uma das causas do avanço mais rápido do país expropriador, tornando-se mais lento o seu desenvolvimento; como, ao mesmo tempo, o inferior salta varias degraus no seu processo interno, o resultado é a inversão da diferencial histórica. O crescimento do país desenvolvido e relativamente detido pelo desenvolvimento dos países subdesenvolvidos. Qualquer desenvolvimento do espoliado contribui para frear o crescimento do espoliador, diminuindo a distância que os separa. O processo de desenvolvimento se acelera a si mesmo e acarreta a abolição necessária dos mecanismos espoliativos que asseguravam ao dominador a pacifica exploração em cujo clima florescia.

Em termos econômicos e de poder político há um despesa progressivamente maior, que afeta a capacidade de crescimento do país dominador e representa o preço da dominação. Cada vez se torna mais caro ser país dominante, menos rendoso explorar os atrasados. A norma de recursos a empregar, de artifícios políticos a aplicar tende a crescer tanto que chegará ao ponto em que, para conservar uma diferencial histórica que míngua incessantemente deixará de valer a pena aterrar-se à posição de supremacia. O país atrasado tende a cobrar mais caro a sua dominação mesmo com vênia dos políticos subservientes ao dominador. E sinal de que seus recursos internos aumentavam a capacidade de autodireção se forma e se acentua.

O pensar dialético também explica o atraso da consciência social em relação à etapa vigente do processo econômico e explica as incertezas, os mal-entendidos, as aparentes ilogicidades e retrocessos das manifestações populares. São na verdade, conseqüências do inevitável fenômeno de atraso da consciência em relação aos seus esteios reais dados a situação porque passa o processo nacional. Tal incidente histórico não é um triunfo duradouro, mas o momentâneo revigoramento de forças reacionárias· existentes no meio social, que procuram fortalecer-se em vista da íntima insegurança que sentem em sua própria situação.

É conveniente deixar claro que seria abjurar o pensar crítico acusar o povo de ignorância, incompetência ou de maldade se em determinado momento não ratifica pelo consenso majoritário o rumo político dominante na direção do processo de desenvolvimento.

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Admitir que o povo cometesse um equívoco, seria demonstrar total ausência de capacidade crítica. O pensar dialético admite que a massa não erre, simplesmente pronuncia com o teor de compreensão que lhe e permitido ter nas circunstâncias em que existe, isto é, não foi alcançada pelos efeitos positivos do processo de desenvolvimento, geradores da consciência crítica. A racionalidade do mundo não se exprime num universo de idéias eternas e de valores absolutos, mas num tumultuoso entrechoque de forças reais contraditórias, que determinam o modo de pensar dos humanos.

5. A CATEGORIA DE TOTALIDADE

Essa categoria permite apreender a realidade como fenômeno racional por compor uma totalidade, isto é, como fato objetivo e não somente como idéia. Essa é a razão do pensar crítico: produzir a representação racional da objetividade histórica, concebendo-a como totalidade. A correlação recíproca de todas as partes do real permite compreender que haja simultaneamente mobilidade universal e lei racional, presidindo às transformações do todo. Há quem ignore que a intencionalidade da consciência está contida no sentido de que o fato se reveste e é derivado das forças produtivas e das relações de produção em dado momento ou situação, do grau de avanço do processo de desenvolvimento e da qualidade da consciência que lhe corresponde. O sentido exprime uma relação entre fenômenos segundo a qual o fato considerado não existiria, não havendo certos antecedentes, nem os mecanismos e fim da ação, que o devem produzir. É aspecto objetivo da coisa e não intuito subjetivo do agente. É objetivo-situacional e serve para revelar, por indução, os caracteres específicos do todo que naquele novo objeto se refletem por serem antecedentes que o tornaram possível e depois o fizeram real. O sentido é essencial, pois não apenas, por meio dele, se entenderá a completa significação real do fato, como a partir da consideração do sentido dos objetos presentes se compreenderá a transição da realidade atual para a futura. Daí ser a totalidade, também, uma conexão do sentido. A ligação dos seres entre si não se faz em virtude de relação de distância, causalidade, sucessão, ações e reações espontâneas recíprocas, contraste ou identidade, mas se fundamenta na correlação de sentido, que os revela como partes de totalidades, com dimensões variáveis.

A realidade é racional porque compõe uma totalidade. Esta existe como fato objetivo e não como idéia, por isso constitui categoria da apreensão da realidade. O pensar crítico só produz a representação racional da objetividade histórica concebendo-a como totalidade.

Não se alcança a totalidade por intuição, nem por soma de partes, chega-se a ela pela via indutiva que revela a lei do todo. A consciência crítica possui a compreensão de que é impossível unir o caráter de transitoriedade histórica da realidade ao de racionalidade senão por meio da idéia de totalidade. A correlação recíproca de todas as partes do real permite compreender que haja simultaneamente mobilidade universal e lei racional, presidindo as transformações do todo.

Repugna à consciência ingênua invocar razoes derivadas da consideração do todo, porque, não reconhecendo o caráter objetivo da lei de universal ação recíproca das coisas, lhe parece que o todo é uma abstração, um conceito lógico sem correspondência no real, pois estamos sempre em presença somente de alguma área parcial da realidade, e apenas esta nos interessa.

O modo de pensar ingênuo ignora que a intencionalidade está contida no sentido de que o fato se reveste, e deriva do estado geral da realidade, das forças produtivas e das relações de produção do sistema social, do grau de avanço do processo de desenvolvimento nacional e da qualidade da consciência correspondente, condições nas quais se funda a existência e o conhecimento do acontecimento em exame. O sentido exprime uma relação efetiva entre fenômenos, segundo a qual o fato considerado não existiria não se dando certos antecedentes e os mecanismos e fim da ação, que o devem produzir. O sentido não se identifica com o aspecto teleológico da ação, pois é aspecto

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objetivo da coisa e não intuito subjetivo do agente; é, pois, objetivo e serve para re velar, por indução, os caracteres específicos do todo que naquele novo objeto se refletem por serem os antecedentes que o tornaram possível e depois o fizeram real.

O sentido é essencial, pois não apenas por meio dele se entenderia a completa significação real do fato, como é a partir da consideração do sentido dos objetos presentes que compreenderemos a transição da realidade atual para a futura.

O sentido dá inteligibilidade ao suceder histórico, levando-nos a compreender como a realidade objetiva, reconhecida pela análise categorial como histórica, encontra a sua racionalidade, não só na relação causal com os antecedentes que a construíram, como também nessa relação de sentido, que estabelece um vínculo de significação entre todos os fatos do presente, uns com os outros, e entre o presente como todo e o estado em que se vai proximamente transformar.

A idéia de totalidade é exigência categorial para o entendimento de um processo objetivo e por isso nunca está ligada a um conteúdo definitivo. A concepção critica vê o país como um todo, e inclui em cada fato particular que lhe e dado observar a totalidade dos demais aspectos do real. Percebe a inutilidade de soluções isoladas dos problemas nacionais, pois sabe que nenhum deles determinado por causas parciais, e por isso acidentais, mas só existe enquanto expressão do estado geral do país.

A categoria de totalidade tem o mérito de mostrar não haver solução para nenhum deles senão em função do todo; mas, por outro lado, a bem dizer, resolver um é resolver o todo, pois este se transforma com a modificação de qualquer dos seus aspectos singulares, deixa de ser o que era, e um novo todo, depois da resolução de cada um dos seus problemas.

O desenvolvimento e processo que se realiza desigualdades, não pode ser o deslocamento compacto e uniforme do todo social de um degrau para outro mais alto. A simples alteração de uma única parte já é a transformação do todo, que deixou de ser o que era para se tornar outro. O todo não se transforma de todo, ou seja, de uma só vez, em bloco, mas em virtude da mudança progressiva das partes. Estas, mudando enquanto partes, e que constituem a variação do todo; não é, portanto a transfiguração total das partes, mas a variação qualitativa de algumas, que significa a transmutação da totalidade.

Objeções à concepção da totalidade

Contrariamente ao espírito crítico cujo caráter consiste na percepção totalizada da realidade, o pensar simplório pensa sempre em ater-se ao dado no que tem de simples e imediato, delimitá-lo o mais possível julgando aprofundar-lhe o conhecimento. Por isso procura sempre isolar para melhor conhecer. Desta forma fragmenta o universo em unidades absolutas, oferecidas ao espírito para exercício da sua faculdade perceptiva.

A consciência ingênua repudia qualquer esforço de examinar as questões objetivas à luz do conceito de totalidade, pois tal atitude lhe parece uma variedade do vício das generalizações fúteis, de puro sabor teórico e nenhuma vantagem prática. Julga que a consideração de uma totalidade envolvente ameaça tornar imperiosa a coisa em questão, esfumando-a num fundo cinzento e amorfo de "mundo", que ninguém sabe bem o que é.

A consciência cândida julga, ainda, que a exigência totalizadora não passa de mera cavilação filosófica, em nada contribuindo para a compreensão mais acurada dos fenômenos. Pensar segundo a forma de totalidade para a mentalidade elementar é abandonar o exame concreto do real a troco de proposições difusas e conceitos impalpáveis.

A interpretação dos problemas, diz a metodologia ingênua, e um obstáculo, não deve ser favorecida por teorias sociológicas que se comprazem em cultivar conceitos genéricos, formulas dialética ou intuições sutis. Ceder a esse pecado da imaginação é encampar a postura teorizante, que prefere a compreensão intelectual dos problemas à sua resolução. A hostilidade do pensar ingênuo vai além; ousa inquinar de viciosa a concepção totalizante, não apenas do ponto-de-vista prático, pôr a denuncia como incorreta mesmo enquanto conceito.

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A consciência acrítica não exclui, é certo, o planejamento, em círculos relativamente amplos e prazos dilatados. Sua idéia de planejamento repudia o caráter de totalidade. Procura localizar os fenômenos, a fim de dar-lhes solução um a um ou por grupos bem definidos. Visa a tirar o máximo de proveito do mínimo de interconexões.

A perspectiva ingênua do planejamento faz deste uma tentativa de imobilizar o real, fragmentando-o em setores ou etapas, na intenção de discipliná-lo. Procura troná-lo o seguro social contra o imprevisto. Quer profetizar. Para isso quer substituir as implicações recíprocas que regem os fatos no conjunto total, por conexões causais restritas, capazes de ser submetidas à análise finita e de levar a conclusões acabadas. Tal é o fundamento do planejar simplista. É a abolição do futuro, a tentativa de tornar desde já presente tudo quanto possa acontecer. Nega o futuro ao prevê-lo, ao focá-lo a ser como deseja. Implicitamente consiste em estabilizar a realidade, retirando-lhe o poder de fazer-se a si própria, na originalidade do seu movimento. O planejamento ingênuo exclui a idéia de processo criador, substituindo-a pela de esquema configurador.

A totalidade como conexão de sentido

O pensar crítico se recusa a considerar os problemas nacionais como equações isoladas, porque sabe não haver fatos sociais absolutamente independentes, desligados do contexto histórico-cultural onde tem origem e do qual recebem significação.Para entender a realidade como processo universal, ela e concebida, necessariamente, como unidade de todo acontecer. A simples causalidade, na forma de relação extrínseca de um fato a outro, antecedente, não é suficiente para conduzir à idéia de processo, ainda que se multiplique à vontade o numero dessas relações. É imprescindível substituir a noção de séries causais de acontecimentos pela de unidade de relações intrínsecas. Essa unidade significa não ser possível apreender o real senão apreciando o dado parcial à luz da referência do seu ser à unidade do todo de que faz parte.

O processo da realidade é, por natureza, uma totalidade, onde estão incluídas as coisas e as transformações, cuja percepção, local e momentânea, nos é dada. Assim sendo, o objeto ou o fato considerado reveste-se sempre do atributo de parcialidade, mas só é apreendido na sua essência quando colocado no interior da implicação recíproca parcialidade-totalidade.

O mundo compõe-se de parciais de aspecto que existem e se definem como partes de um todo e exigem à referência a esse todo como relação constitutiva do seu ser. A ligação dos seres uns aos outros não se faz em virtude de relação de distância, causalidade, sucessão, ações e reações espontâneas recíprocas, contraste ou identidade, mas se funda na correlação de sentido que as revela como partes de totalidades, com dimensões variáveis.

A idéia de “todos” parciais e gerais não quebra a linha de objetividade e racionalidade, própria do pensar crítico, mas se inclui precisamente nessa atitude superior. Tampouco é arbitrária, pois não consiste em unir artificialmente as coisas em agregados ideais, com existência apenas mental, mas em verificar as articulações objetivas que mantêm umas com as outras, e em compreender o significado que cada qual adquire pelo fato de estar evolvida pelo todo de que é participante. O sentido ou significação, com efeito, é o conjunto de determinações que cabem a cada membro de um todo por pertencer a ele.

A existência do objeto e inseparável da sociedade que o produz, por intermédio do fabricante, o qual nada mais é do que o executor do interesse geral. Nem admite ser separado do estado das forças produtivas, do regime de produção, do acervo dos conhecimentos que ignoram no momento, pois é em função destes que a técnica da sua fabricação é realizável, e existem idéias que permitem à coletividade recebê-lo, dando-lhe o significado atual. Igualmente é preciso levar em conta as exigências estéticas incorporadas ao objeto, pois este é feito tendo em mira atendê-las; é um dado coletivo e como variam no tempo, geram o estilo de fazer. Não é possível conhecer o objeto isolado de todas estas relações.

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A insuficiência do conceito de “causalidade-circular"

No país subdesenvo1vido, os diferentes aspectos que constituem a situação de atraso e retardo cultural é cada qual causa de outro, este é causa de mais outro, até que um deles vem a ser a causa do primeiro. Estabelece-se o circuito fechado da "causação circular", uma corrente de causas e efeitos, que compõe os grilhões que acorrentam os povos periféricos. Daí o pensar ingênuo recorrer ao conceito de "causação circular", como idéia de natureza categorial, para sintetizar uma explicação geral dos fenômenos do estado subdesenvolvido. Por ser inadequado o conceito, ele é nocivo quando utilizado, pois não vê que entre os diversos aspetos da realidade social subdesenvolvida não há relação de causalidade, mas totalidade dialética. Introduzindo o conceito de causalidade circular somos levados, a transferir essa situação objetiva para o plano lógico à idéia de "circulo vicioso", o qual, como é sabido, constitui vício inadmissívelcostituinte da lógica formal.

Os economistas que se dispõem a estudar o problema do subdesenvolvimento bem compreendem que todos os aspectos do real estão ligados, mas não sabendo o que seja idéia de totalidade dialética, lançam mão do conceito de "causalidade circular" para traduzir sua percepção do recíproco nexo dos fatos. Esta idéia é o melhor meio que encontram para exprimir uma evidência objetiva, a qual, entretanto só seria corretamente representada pelo conceito de totalidade. Faltando este, o outro é que dele mais se aproxima. Mas é incapaz de explicar a realidade porque faz intervir a idéia de causalidade, neste momento inadequado, e conduz a formular os problemas na forma de um raciocínio vicioso, como se este fosse conseqüência inevitável da justa representação do ser da realidade, quando é apenas fruto da incorreta teoria adotada.

Fazendo crer que os diferentes aspectos do subdesenvolvimento se condicionam uns aos outros numa corrente fechada, esta equivocada teoria forma uma situação logicamente insolúvel e faz concluir pela necessidade da ação cega, a fim de romper em um ponto qualquer, ao acaso, a cadeia das causas causadas. Elimina a compreensão objetiva do processo e transvia o espírito de perceber a totalidade dialética da realidade. Somente este ultima conceito é fecundo porque mostra que os múltiplos aspectos da realidade formam uma unidade de ser, não estão imobilizados numa cadeia de ações causais recíprocas, mas pertencem a um dinamismo objetivo que os vai modificando a todos simultaneamente, ao longo do processo transformador da realidade.

O país subdesenvolvido, como totalidade, está constantemente sofrendo transformações que se fazem sentir em todos os seus aspectos; a ação exercida sobre um deles é simultàneamente exercida sobre todos os demais, que deixam de ser o que eram antes de tal ação. O país subdesenvolvido não está entregue à fatalidade de um círculo vicioso, mas ao dinamismo de um processo histórico.

Pelo conceito de totalidade dialética o país atrasado sabe que está num processo incessante de mudanças e que há sempre a possibilidade de alterar a sua situação pela utilização dos fatores internos, que não dependem da magnanidade dos países desenvolvidos para desfazer os círculos de ferro que o acorrentam, pois descobre que estes só existem na imaginação dos economistas ingênuos que, de boa ou má fé, os forjam para manter cativos os povos subdesenvolvidos ou periféricos.

A nação como totalidade envolvente

A idéia de totalidade não deve ser equiparada ao conceito matemático de conjunto, pois não é relação abstrata e invariável, unindo elementos de um todo, como no caso algébrico, mas representa uma estrutura ontológica concreta, constituída no decurso do processo histórico, cuja racionalidade imanente a explica e só se apreende empiricamente. Não é um quadro rígido para resolver as coisas para entendê-las; e um fundo de referências, necessário enquanto processo objetivo da realidade, que descobrimos existir sempre, e do qual não é permitido desdenhar, para não empobrecer a compreensão dos fatos.

A idéia da nação como totalidade envolvente no fato de que cada totalidade remete a outra mais extensa, está senão da última, que não existe, mas da preferencial, para

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conhecer um dado objeto ao acontecimento. Entretanto, há uma classe de problema que se apresentam exigindo por franja referencial a totalidade formada. São os problemas que dizem respeito aos suportes objetivos da sociedade, que afetam nas suas soluções, o modo de existência do povo, envolvendo a escolha do seu destino histórico. Freqüentemente, aparecem como de âmbito apenas provincial ou regional; contudo, vistos em sua significação profunda, obrigam a referência à totalidade nacional, porquanto, mesmo mostrando-se ligados a um contorno mais restrito, revelam o nexo desse contorno com o espaço nacional em conjunto.

Assim, o problema das secas do Nordeste, a construção de estradas de penetração no Norte e no Centro Oeste, a promoção da triticultura no Sul, a industrialização do Sudeste e Nordeste, não são questões locais senão em primeira instância, mas precisamente ao se apresentarem como temas que dizem respeito a transformações de estruturas regionais, descobrem o enlace entre estas e a totalidade nacional. Há de ser, por conseguinte, em função desta que se deverá pensar o problema regional.

Estar no mundo e ser no mundo

Estar no mundo e ser no mundo não são evidentemente a mesma coisa. O "estar em" se define pela posição espaço-tempo: o "ser em" significa constituir-se tal como é no âmbito onde lhe é dado estar. O estar no mundo é um dado; o ser no mundo e um processo. Enquanto o primeiro menciona o lugar do ser humano no interior do mundo, a simples presença da realidade envolvente, o segundo indica o caráter dinâmico dessa realidade, sua fundamental historicidade, em cujo curso o ente humano constitui o seu ser, - a sua história - como um fragmento dessa historicidade.

A ideologia do desenvolvimento é um humanismo

Quanto mais atrasada é a situação da realidade nacional, menos os humanos são verdadeiramente humanos, por isso que menos estão em condições de aproveitar de modo concreto e atual as possibilidades de existência que o progresso da civilização oferece.

O subdesenvolvimento é um modo de ser da nação; esta só é subdesenvolvida porque não se encontra na posse de si mesma, não desenrolou as suas possibilidades reais, não se apropriou ainda de sua essência histórica. A nação subdesenvolvida é, portanto, um ser social igualmente alienado, um ser cuja essência está fora dele, é possuído por outros, no caso as nações desenvolvidas que detém o comando da sua economia e, por esse meio, o do seu destino e sentido.

O mundo como nação

Historicamente, o que especifica o universo onde nos achamos situados, é o fato de configurar-se em nação; concretamente a nação brasileira. É o quadro referencial mais vasto em que a comunidade se reconhece formando uma unidade de sentimentos e de interesse. O mundo atual encontra-se composto de nações juridicamente reconhecidas, ao lado das quais densas massas, em regiões economicamente atrasadas, lutam por atingir o status nacional. É, portanto, em forma de nações que politicamente a coletividade humana se distribui, as já organizadas, ou as que ainda se acham em estado potencial.

O estatuto de "nação" é, portanto, histórico, do qual se traça o momento, quando começa a emergir e se examinam as causas que lhe determinam a formação. Não tem, por conseguinte, realidade ontológica imutável, não é produto necessário, arquétipo eterno, meta final de um processo absoluto. É dada histórica, a forma jurídica na qual veio a configurar-se em nosso tempo a consciência, como produto da revolução da cultura, é temporal e, portanto, sujeita a transformações, mas a ninguém é dado, no presente momento, predizer qual outro regime associativo virá eventualmente substituí-la, enquanto estatuto de convivência política.

Nada há no reconhecimento técnico da historicidade da nação, que ofereça o menor fundamento para qualquer atitude antinacionalista; em especial, na conduta dos

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povos em luta pela emergência e emancipação econômica, o pretexto da possível transitoriedade dessas formas políticas. Sejam as nações diminutas ou continentais, em todas se criou uma razão histórica, que lhes determinou o surgimento a fase do tempo, e age através de todas as transformações temporais que dela decorrem, e que a modificam a ela própria, como razão seminal, como essência e forma configuradora de conteúdos materiais e de comportamentos humanos. Esta razão constitutiva, sintetizando, quanto há de objetivo nos seus suportes, é que dá sentido à existência de quem se encontra no seu âmbito, porquanto modela o espaço material e cultural, onde cada ente humano vê desdobrarem-se as possibilidades de ser suas.

O contorno existencial, formado pela nação, consiste em ser através dele, que o brasileiro alcança o universo como totalidade. Nenhum humano, nas presentes condições, pertence ao todo ecumênico, e sim, diretamente a uma totalidade restrita que é a nação. É, portanto, o conceito geral de mundo que nos remete à nação, como a forma concreta e real em que se apresenta, agora, a sua essencial historicidade. O mundo depende da perspectiva nacional em que é visto.

A consciência nacional, como a individual, exige o reconhecimento por outra consciência, no caso outra consciência nacional. Dentro da situação dialética entre as nações se constitui diferentes etapas de desenvolvimento, bem como, uma relação de consciências que, tendo por correlato e condicionante, as modalidades do intercâmbio econômico e cultural entre elas, articula o influxo das mais adiantadas sobre os menos desenvolvidos na forma de um complexo de ações de espoliação e imperialismo que estabelece o que se deve chamar a dialética da dominação.

Forma-se a nação, quando a comunidade apreender: o mundo, no duplo movimento de apreender o mundo que lhe pertence e o outro, que não lhe pertence. O surgimento da nação e esta dupla apreensão são dois fatos simultâneos. Isto nos dá elementos para compreender a relação entre ambas as totalidades. O traço mais relevante desta relação e a reciprocidade, pois, igualmente a nação só existe na perspectiva mundial. Não está desligada da história universal nem à margem dos acontecimentos mundiais. A totalidade do mundo universal, no sentido geográfico e histórico, é vista por mediação necessária da totalidade nacional. Por isso, aquela se dá como fundo não virtual, mas real, cuja caracterização só será conseguida à medida que se vão precisando os pontos-de-vista, os propósitos, os interesses da nação a que pertencemos.

O universo e duplamente histórico, em primeiro lugar, no tempo jurídico que determina a história objetiva no resto geológico ou na imagem espectrográfica das galáxias. Em segundo lugar, ele é histórico na subjetividade humana que, conservando a lembrança do passado individual e da espécie, a cada momento da cultura, de acordo com o desenvolvimento intelectual, forjam a sua imagem da natureza. Este mundo, que ate bem pouco tempo parecia contorno absoluto e final, mostra em nossos dias o seu caráter relativo e histórico, quando estamos assistindo às tentativas de expandir os movimentos humanos no espaço sideral. A conquista ao menor possível, de relações com outros orbes cósmicos, virá modificar em futuro o conceito de mundo. O que agora é o limite, pode ser amanhã o círculo imediato, do qual partiremos para perceber outra totalidade, que então, aparecerá como englobante máxima.

O desenvolvimento e a categoria de totalidade

Com respeito a este item é importante compreender que a consciência não opera no espaço abstrato, preenchido por coisas e pessoas, que se acham apenas ocupando lugar, mas se constitui em representação da realidade, partindo de uma totalidade de relações objetivas, que a determinam e lhes dão a possibilidade de tornar-se ponto-de-vista sobre o todo. Esta conclusão é decisiva, porque, percebê-la, é a marca própria do pensar crítico. Este reconhece que a totalidade é categoria objetiva, historicamente alterável, dotada de ação configurativa, manifesta sobre todos os seus elementos. Cada objeto particular a ela pertencente acha-se envolvido nas malhas de um sistema de relações, que lhe dá o caráter que possui o estilo que ostenta o sentido que exprime.

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O mundo é composto de objetos e não com objetos. Considerando o desenvolvimento um acontecimento objetivo, enquanto transformação das condições materiais de existência tem-se de entendê-lo como fenômeno total. Não será compreendido como soma ou adjunção de desenvolvimentos particulares, locais, nem de iniciativas esporádicas. Ao contrário, só é possível reconhecer que um fato é singular, ocorrido em tal rejeição particular, representa um ato de desenvolvimento, se o interpretarmos à luz da categoria de totalidade, ou seja, à vista da idéia de desenvolvimento total.

Os interesses motivadores da iniciativa local não devem ser analisados senão na perspectiva do todo. Se não quisermos que a acomodação do real se faça por ensaios e erros, à custa de lutas e desilusões, compete aos homens de governo não aceitar o postulado ingênuo de que as crises são a melhor forma de ajustar as forças em jogo, mas pensar criticamente em cada projeto, ou seja, pensá-lo em função de totalidade.

A impressão do lucrativo adjutório a nossa economia, representado pelas transferências de equipamentos estrangeiros para montagem de fábricas sucursal em nosso país, feita além do mais em regime de favoritismo cambial, é ilusória, resulta de uma apreensão desarmada, que não consegue divisar a manobra dos interessados em servir às intenções estrangeiras. Transferência desta espécie, quase sem exceção, revela se profundamente prejudicial à eclosão da indústria com base nos fatores internos de nossa economia e livre de comando por agentes de organizações alienígenas.

O desenvolvimento nacional não se fará pela emergência de atos criadores isolados. Ele, enquanto processo, é orgânico, produz-se, segundo conexões que estruturam por dentro uma totalidade, só na aparência dispersa em setores e aspectos distintos. O próprio surgimento de determinado problema, que o pensar primário pretende resolver á parte, é condicionado pelo todo. É importante compreender que, se o surgimento do problema é sempre particular, o determinante é a totalidade nacional, e sua razão, o grau de avanço do processo transformador do País.

Generalidade, totalidade e doação de sentido

Nada há de comum entre totalidade e generalidade. Esta e por natureza abstração do pensamento que opera, desvinculando-se do real, a fim de considerar de modo genérico o caso em apreço. A generalização, paradoxalmente, uma das formas de particularização, se assim é permitido falar, no sentido em que é o exame à parte, o isolamento, de um aspecto do real. A generalização consiste em aproximar a questão em debate de outras análogias, ou próximas, a fim de compor o conjunto do qual deve decorrer o juízo genérico; é o procedimento que consiste em induzir um conceito ou a solução de um problema, do terreno formado pelo ajuntamento dos equivalentes, como na teoria antiga que admitia ser o conhecimento derivado do encontro das substâncias semelhantes.

O pensar, segundo a totalidade, opõe-se ao pensar por generalidade. Enquanto este e indutivo, mas abstrato, o outro é indutivo, mas concreto. O pensar

em totalidade não opera por abstração, e sim inversamente por concreção; procura conceituar sem destacar, representar uma idéia sem dissolver o objeto no anonimato da generalização. Procura pensar a coisa ou o acontecimento no complexo das suas relações concretas, o que implica não dissociá-la da totalidade do mundo a que pertence; consiste em troná-la em foco, mas não à parte.

A relação estrutural de totalidade é recíproca. Se em cada objeto está presente no mundo, este não pode ser pensado, excluindo-se qualquer dos seus objetos. Tão ilícito quanto ignorar o condicionamento da coisa pelo todo, é idealizar um todo irreal, sem referencia às entidades que o compõem. O todo assim imaginado é a falsificação da totalidade. Presta-se a qualquer interpretação, precisamente porque não possui nenhum conteúdo concreto. Entendido como realidade concreta, o todo é o estado objetivo do mundo, tal como o percebemos no presente momento histórico. É envolvente empírico, e não transcendente. É fato, e não idéia.

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A relação entre a parte e o todo é fundamentalmente uma relação de aquisição de sentido, isto é: o particular é o que é, para nós, em virtude de pertencermos, ele e nós, a mesma totalidade. O colchão de crina vegetal só é duro ou inconfortável no julgamento de alguns membros de uma comunidade urbana capaz de imaginar e fabricar outro, de espuma ou de molas. Para a sociedade que não chegou a este grau de requinte· no seu processo produtivo, que não tem experiência direta, nem conhecimento por ouvir dizer, do produto mais confortável, o primeiro tipo não e duro. D'aí ser o estado de avanço do processo social como totalidade, incluindo o poder de produzir tecnicamente certa classe de objetos e de permitir o uso deles por determinadas frações da comunidade, que outorga a cada particular interior as possibilidades de sentido que neles descobrimos. Assim pode-se conceber o desenvolvimento nacional como o processo histórico de alteração do sentido dos fatos e das coisas. Nenhum objeto, nenhum acontecer, é possuidor de um sentido por si, absoluto e irremovível, mas depende do todo histórico para ser tal como aparece à consciência que o investiga.

Revolução nacional e projeto de destino

É ingênuo todo projeto revolucionário que procede da parte para o todo. Sua execução não passaria de mal-entendido histórico, embora em raros casos respeitáveis, como fato demonstrativo de certo grau de progresso da consciência coletiva. Apenas marcará os momentos iniciais da subida até a consciência revolucionária crítica.

A ação revolucionária autêntica consiste em desencadear o processo acelerador de tendencias já operante, mas ainda liminares, e levá-los à plenitude de atuação. Nada tem a ver com o motim, a quartelada, o golpe. Assim é que a revolução nacional brasileira, a cujos primórdios começamos a assistir, não é reviravolta política, sublevação militar, arruaça popular; consiste essencialmente na mudança da estrutura da sociedade, mediante a transformação das relações básicas do processo econômico e social.

Aproximam-se os dias em que a sociedade brasileira, pelo desenvolvimento das suas forças produtivas, toma consciência da possibilidade de constituir-se em "ser para si", o que significa inverter os vetores de sentido que afetam todos os seus objetos e valores, dirigindo-os para o interior de si mesma, noutras palavras fazendo converter ao imperativo do interesse nacional o embate de forças materiais e de influências espirituais existentes em seu seio.

Trata-se, na verdade de fazer a revolução e não uma revolta que, conforme a palavra indica, e muitas vezes uma "volta à ré". A revolução é sempre um salto qualitativo para adiante no processo histórico; a revolta e freqüentemente uma tentativa de irrealizável marcha para trás. A revolução, para ser autêntica é afetar o destino das massas, precisa ser dirigido pelo pensamento crítico, único capaz de fornecer a ideologia revolucionária eficaz e humana. Mas este pensamento só pode existir na consciência que tem conhecimento de que sua finalidade é a transfiguração do todo e não o retoque das partes.

A colônia nunca é totalidade, pois lhe falta o vínculo autônomo que, por definição, daria sentido a todos os elementos e seria o seu projeto próprio de ser. Mesmo na ausência de expressa subordinação jurídica, as nações que compõem passivamente a esfera de domínio das que detém o comando histórico de si mesmas só nestas encontram a totalidade de que decorre para as submissas a doação de sentido aos fatos, pela imposição do estilo de vida, do regime econômico e da forma de cultura, que só na totalidade superior encontra justificativa. Só a nação que propõe para si, na consciência coletiva, o problema do seu destino, ou melhor, dito, para quem o destino e problema estão capacitados a possuir, mediante o projeto de si, que então concebe a idéia de si mesma como totalidade.

Unificação do tempo histórico

Por unificação do tempo histórico quer dizer que a nação começa a despertar e ter consciência de sua existência histórica e, por isso, necessita participar do processo da humanidade como um todo e não como parte de uma periferia excluída do processo. Isso a desperta para a compreensão da sua existência enquanto membro de uma totalidade de

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nações e a leva a se comparar as demais e se autoavaliar levando em conta o conhecimento da situação das outras.

A circulação das informações põe aos olhos de todas as nações o espetáculo dos modos de vida das regiões mais adiantadas. Em virtude de suas comunicações e ligações internacionais e com centros desenvolvidos e as áreas atrasadas transporta para si a imagem de paradigmas de existências daqueles povos prósperos ou desenvolvidos. Daí reivindica para si a unificação do tempo histórico e aspira a viver nas condições conquistadas pelas nações mais ricas.

As nações arredias são assim, convocadas pela pressão de suas massas a alcançar as mais avançadas e são induzidas a acelerar o seu tempo histórico de modo a cobrir o mais rápido possível as distâncias e as diferenças identificadas.

A unificação do tempo histórico é fenômeno que se tem a levar em conta na medida em que se deve buscar a idéia de totalidade a luz do projeto de ser de acordo com o desejo das massas e nunca das elites. Tal procedimento vem ao encontro do projeto de destino consubstanciado na revolução nacional.

Uma consequência do conceito ingênuo de totalidade: o municipalismo

No Brasil o municipalismo como movimenta desenvolvimentista em substituição a totalidade do estado federado e do país, como um todo, é pura ingenuidade política embora se saiba que o Município é a unidade fundamental da estrutura político-administrativa da nação. Mesmo sabendo-se que toda e qualquer ação de um projeto ou empreendimento se dá em territórios municipais é necessário saber que muito deles e na maioria das vezes, necessariamente afetam o país ou o estado federado como um todo. Daí se ter a necessidade da totalidade dialética nacional ou estadual ser a condição de todo ou qualquer intervenção ou empreendimento que obrigatoriamente tem que se dá ou localizar-se no território municipal.

Na atual comjuntura política nacional os municípios estão de um modo geral, impossibilitados de satisfazerem as necessidades básicas de suas populações por falta de recursos orçamentários oriundos dos impostos que são drenados para o estado federado e para a união como um todo em detrimento deles.

O processo de aumento das exigências com relação aos municípios é ententido quando o vemos sob a categoria de totalidade. As exigências locais não crescem por si e em caráter absoluto. É o todo do estado federado e da união que está crescendo e tem por conseqüência o crecimento e atendimento das exigências locais/municipais. Daí a intensificação das demandas locais/municipais refletirem o crescimento do todo nacional e ter neste fenômeno a sua causa.

Essa perspectiva dialética faculta o administrador municipal o máximo grau de eficiência e o conduz a colocar todos os seus problemas particulares do município no campo da relação todo-nacional-parte-municipal, onde encontram a única interpretação justa, como igualmente previne o espírito contra os erros da eficácia do tipo pragmático, a qual se constituindo em fonte de ilusões e delírios sobre os seus méritos, acaba sendo fonte de desilusões sobre os seus resultados.

Uma análise aprofundada do movimento municipalista mostra que a consciência dialética autêntica da totalidade é necessariamente revolucionária, enquanto a pragmática não passa de uma farça ou fraude e jamais pode ser revolucionária. O pragmatismo não vendo senão o caso imediato a resolver é incapaz de modificar o todo, pois só lhe interessa alterar a parte, ou seja, o que comprova não haver revolução fora da perspectiva de totalidade dialética.

6. A CATEGORIA DE ATIVIDADE

Por meio dessa categoria, tenta-se mostrar toda a possibilidade de associar o pensamento e a ação como projeto concreto de desenvolvimento, ou seja, transpor o ato de

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possível a efetivo. Exprime-se, a atividade, na proposição segundo a qual, na origem das teorias, está o processo de trabalho efetivo exercido sobre o real, de onde se origina a descoberta das propriedades das coisas e a formulação de problemas, para cuja solução, se concebem idéias e se estruturam teorias. Compreende-se que sem a operação efetiva sobre o real não se descobre à racionalidade, porquanto, a lógica do processo social não se desvenda senão a quem dele participa pela prática e com tanto maior clareza se manifesta quanto mais transformadora, ou seja, revolucionária for à qualidade de tal prática. Para a análise da realidade brasileira contemporânea, considera-se a ação mais do que um dado da experiência. Ela é condição da experiência cognoscitiva, pois, sendo concreta, completa-se no efeito sobre determinada situação e objeto da realidade. A relação do ser humano ao mundo admite duas modalidades, possuindo cada uma dois sentidos opostos: pela primeira, no sentido do pensamento para o mundo, tem-se acesso ao mundo, e no sentido oposto, à formação da idéia, como reflexo do mundo na consciência, isto é, o processo de conhecer. Na segunda modalidade, também, há dois sentidos, o que vai da consciência ao mundo é o projeto e a operação; e o que vai do mundo à consciência é a transformação desta pelo ato que realizou, pois não é mais a mesma que antes de havê-la feito. Nesta modalidade da consciência se constituem o agir e a atividade. "A consciência como fenômeno em si não pode manifestar-se nem agir, só se torna eficaz por meio da técnica orgânica e extra-orgânica, dos instrumentos de ação que configuram a atividade do sistema nervoso superior e do meio sócio-cultural. Assim, consciência significa o conjunto do mundo pensado pelo sujeito, enquanto esse sujeito o transforma pela ação, e o interpreta como produto de circunstâncias que modifica ou acredita poder modificar" (Álvaro Vieira Pinto)

A consciência que já meditara sobre a sua natureza histórica em face da realidade global, compreende agora que sem a operação efetiva sobre o real não chegara a descobrir-lhe a racionalidade, pois esta não é produto obtido da experiência por processos intelectuais, nos quais o sujeito se comporta como figurante imóvel, recebendo passivamente impressões externas; mas consiste na aquisição, pelo espírito, da lógica imanente ao mundo objetivo, aquisição esta unicamente possível para quem se compromete, melhor diria, se "intromete" no qual, ao agir sobre ele. A lógica do processo social não se desvenda senão a quem dele participa pela prática, e contanto maior clareza se manifesta quanto mais transformadora, ou seja, revolucionária for à qualidade de tal prática.

Quando o individuo reflete sobre a ação feita ou sobre aquela que pretende fazer, é obrigado a tomar o real em totalidade, pois o ato que inclui nele o modifica, como que põe em jogo o sistema inteiro das suas relações. O ato se passou de possível a efetivo, porque atendia a disposições, ao modo de ser da realidade em si, que lhe permitiram produzir-se.

Na origem das teorias está o trabalho efetivo exercido sobre o real, de onde surge a descoberta das propriedades das coisas e a formulação de problemas, para atender aos quais, concebem-se idéias e estruturam-se teorias. A nação não é um objeto, é um a fazer. Incumbe a todos os que a ela pertencem constituí-la, porque sua existência não está afiançada, nem tem prosseguimento fora da vontade da comunidade.

A ação é condição da experiência cognoscitiva, a qual sem ela não abriria à consciência a sua racionalidade própria e não teria proceguiimento coerente e fecundo.

Pensamento e ação

A consciência crítica é por natureza uma consciência ativa. Para ela as noções de projeto contêm implícita a ação, pois não se refere à possibilidade de transformações espontâneas e inevitáveis, mas a um deliberado fazer-se ser. A ação sobre a realidade exterior. Pensada e a seguir, posta em prática pelo ser humano com o fim de transformá-lo em outro ser, mediante a mudança de suas condições de vida, e a essência do projeto. A consciência crítica esclarecida não se limita a observar, a espelhar o estado de coisas da realidade. Procede ao recebimento de impressões exteriores com o fim de conhecer a realidade sobre a qual se dispõe em atuar. Para a consciência crítica, pensar é desde logo agir, como a ação e o pensamento que se conclui.

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Os conceitos mais gerais se são verdadeiros, refletem aspectos da realidade tão fielmente quanto os que mencionam simples sensações. O mundo próprio, isto e, pessoal, refletido na consciência e o próprio mundo existente na realidade. A inteligência é essencialmente trabalho e não passividade.

A relação ao homem ao mundo admite duas modalidades, possuindo todos dois sentidos opostos: pela primeira no sentido do pensamento para o mundo, temos o acesso ao mundo, e no sentido oposto, a formação da idéia, como reflexo do mundo na consciência; isto é, o processo do conhecer. Na segunda modalidade, também há dois sentidos, o que vai da consciência ao mundo ao projeto e a operação, e o que vai do mundo à consciência, e à transformação desta pelo ato que realizou, pois não é mais a mesma que antes de havê-lo feito. Nesta modalidade se constitui o agir.

O pensar crítico, apóia-se no conceito de unidade da existência social do ser humano, como doadora de sentido a todas as manifestações humanas, e, a perceber que essa existência o constitui como ente no mundo, relaciona seus comportamentos a este ultimo, enquanto sistema de referência, do que resulta aparecer sob novo aspecto o tradicional problema da passividade e da atividade.

A atividade como modo de ser identifica-se ao pertencer ao mundo onde se está. O pensar autêntico, encara a consciência como fundamentalmente ativa e sabe que, pela atividade objetiva, constitui o processo cognoscitivo, graças ao qual atinge a representação da realidade. O portador da subjetividade não é o sujeito-paciente, mas o sujeito-agente. Esta inversão acarreta, em primeiro lugar, que a realidade é apreendida exatamente por que o ser humano atua sobre as coisas exteriores, que deseja representar na consciência. Em segundo lugar descobre-se que é ao ser objeto de ação por parte do sujeito que o mundo abre as virtualidades cognoscíveis que possui.

Só terá consciência crítica, só chegará a representar com propriedade o real e, portanto, apreender-lhe a lógica imanente, quem opera sobre ele, quem o tem na mão e o transforma pela ação direta, numa palavra, quem trabalha.

O trabalho e a nação como projeto

A operação modificadora fornece a possibilidade e a oportunidade de se apresentar o verdadeiro conteúdo do mundo à consciência indagadora. A ação é sempre concreta, se completa no efeito atual sobre determinado objeto da realidade. Ao contrário da especulação, que é abstrata, e por isso se dirige ao universal, a ação incide sempre sobre o dado concreto. Os humanos ao agirem sobre o mundo forçam-o a expor o que antes eram virtualidades em recesso tornando-as atualidades em processo.

O trabalho, como atividade, supõe o projeto, e, por conseguinte tudo quanto está implícito na idéia de projeto, assim a instrumentalidade das coisas e o perpétuo fluirem da realidade. O projeto do trabalho, pelo qual a ação humana se distingue da mera atividade animal, é impossível, se não supuser o dinamismo autônomo da realidade.

O agir seja em área restrita ou extensa, é um desempenho cujo espaço é a nação. Ela é que oferece o campo descoberto onde se vai exercer, dá sentido à exigência que o comanda e os resultados esperados. O conceito de atividade, reduzido ao fato concreto do "trabalho:", implica, como espera de surgimento do projeto e campo de efetuação prática, a nação. É pela ação que o homem constrói ou constitui a nação a que pertence. A nação não é um dado do conhecimento intelectual, mas uma decisão da vontade social.

O ser humano é o criador da nação, não pelo simples fato demográfico de constituir-se esta de habitantes de um território físico, mas em sentido existencial, porque só existe enquanto projeto humano de realização histórica.

A nação deve ser vista como campo de trabalho social, cujo resultado, conforme o projeto que o mover, e se tiver origem na classe trabalhadora, será a verdadeira nação. Esta é projeto de existência para o futuro; e depois, que o trabalho da comunidade é que dará existência real a nação que, hoje, pretendemos vir a ter.

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A alienação internacional do trabalho

O processo de trabalho não modifica apenas o mundo sobre o qual incide, mas ao mesmo passo aquele que o realiza. Não há natureza humana em si, como essência imóvel, à qual se acrescente depois, a título acidental, a condição de trabalhado. Esta, ao contrário é constitutiva do ser daquele que necessita trabalhar para se sustentar.

A condição de ser humano desobrigado do trabalho tem-se realizado historicamente sob várias modalidades, em forma de classes sociais ociosas, mantidas pelo conjunto social. O trabalho é, contudo, o modo de ser que caracteriza socialmente a parte mais numerosa da humanidade e dá aos humanos a particular natureza que o habilita a ver o mundo por um ângulo que falta aos que isentam dessa prestação de atividade. O trabalho transformador do mundo muda ao mesmo tempo o trabalhador. É o vínculo real que associa o humano à natureza física, porque supera o nexo de mera contemplação.

O efeito alienante do trabalho para a consciência do trabalhador está no fato dos frutos do seu labor ser colhidos por outros, em virtude de determinadas formas e relações de produção vigentes na sociedade.

A espoliação alienadora tem caracteres próprios para cada fase do processo econômico. Nas condições de subdesenvolvimento o trabalhador é, sobretudo despojado da oportunidade de modificar a situação econômica do seu país, de contribuir para a alteração qualitativa deste. Há aqui a alienação coletiva do trabalho, é o país todo que se priva do que é seu em proveito de outrem, de quem o financia e o espolia.

A humanização do trabalho não será feita pela munificência do grupo dominante nem pelos clarividentes conselhos de teóricos do pensamento social. Não serão os letrados nem empregadores que a realizarão, nem será par. falta de sentimento humanitário ou de impulsos de solidariedade social da parte afortunados, mas por impossibilidade efetiva, uma vez que tal mudança na existência dos trabalhadores não reconhece causas psicológicas, mas causas econômicas, e só terá por agente o próprio trabalhador. Eis porque as classes trabalhadoras (proletárias) têm em relação ao desenvolvimento um ponto de vista próprio, que o concebe com a subida do seu nível de existência, pondo um fim a todas as formas de exploração.

A transformação qualitativa do país, como um todo; por efeito do lado das massas, gerará novas condições históricas em função das quais o problema da existência do trabalhador e o de seus direitos se coloca em termos inéditos. A modificação de qualidade, representada pelo desenvolvimento nacional, inclui também desenvolvimento humano do próprio trabalhador, que não está atualmente realizado na plenitude de sua humanidade, nas baixas condições de vida em que permanece.

A consciência crítica da atividade dá aos humanos a certeza de serem autores do seu ser, e ao mesmo tempo lhe revela que a mudança implicada nessa conquista não é de ordem-puramente interior aos acontecimentos objetivos, o qual só ocorrerá como conseqüência de uma operação, às vezes violenta, sobre a natureza e a sociedade.

Ação e resistência à ação

Levar em conta a resistência como fator, é essencial para o correto entendimento de todo o projeto modificador da realidade. O projeto que um indivíduo faz de si e do seu mundo está em curso quando sobre ele incide um projeto alheio

Na própria realidade estão as regras de sua transformação e, portanto, os critérios que rompem a suposta simetria entre ação e reação nos projetos da sociedade.

A resistência é fator da dialética do processo, deriva de existirem sempre, numa sociedade estruturada em classes discordantes, interesses materiais e posições ideológicas associados à situação real que o projeto de desenvolvimento procura substituir.

Na medida em que começa a ter eficácia o projeto de transformação, vão sendo eliminados os suportes do velho estado de coisas, com o natural protesto dos que dele viviam e não conseguem adaptar-se à etapa mais avançada. Tal atrito histórico e normal cabe aos sociólogos e economistas descrevê-lo em cada momento, prognosticando até que ponto a inércia a vencer sem a ter dentro dos limites razoáveis, O procedimento de

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supressão violenta das resistências é ele próprio um projeto, que suscita igualmente resistências, que para serem vencidas, exigiram uma violência anterior, de onde o regresso ao infinito nas exigências prévias ao suposto estado ótimo para a ação.

É cabível executar o projeto totalitário se coincidir na essência com o estado de coisas vigentes, se não alterar os interesses estabelecidos, mantiver os esquemas proveitosos para as classes dominantes, não abalar a ideologia convencional, em suma, se não for revolucionária. Compreende-se, assim, a natureza radicalmente reacionária e anti-revolucionaria de qualquer totalitarismo.

Exatamente por ser anti-revolucionário, que um totalitarismo consegue, por breve período, triunfar no curso de um processo nacional que, apresentando-se exteriormente num travesti de revolução, e por dentro um simples rearranjo do estado de coisas vigentes. Desta maneira, não desperta a resistência das facções mais poderosas do sistema social, mas, ao contrário, identifica-se com elas, e só com isso pretende apresentar-se como regime de unanimidade.

Nenhum país subdesenvolvido poderá promover sua subida ao grau de país plenamente desenvolvido sob o regime de uma ditadura conservadora, pois esta é, por natureza, o compromisso com o modo de ser vigente, aquele que por hipótese, se trata de suprimir. O projeto de desenvolvimento é sempre revolucionário, porquanto precisa ser concebido segundo a categoria de totalidade, e a mudança qualitativa total nas condições da sociedade e o que se entende como revolução. Para escutá-lo, exige-se consciência revolucionária que se decida a praticar o salto no futuro, recusando-se voluntariamente às acomodações com o estado presente, sempre possível em forma aleatória.

A luta pelo desenvolvimento será levada, às vezes, assumir aspectos dramáticos, com eventual desempenho de atos de força; mas só será autêntica, se não abortar em ditadura pessoal ou de grupos, se souber demonstrar a consciência crítica que a movia, organizando imediatamente a estrutura social democrática para seguimento regular do processo de desenvolvimento.

A eventualidade provável, de embate violento para abrir caminho a estruturas sociais novas e a idéias originais, diz respeito neste momento ao choque entre representantes do velho Brasil, semicolonial, agrário, passivo diante ao capital estrangeiro, e uma nova etapa histórica, que está sendo criada por forças econômicas de origem interna, constituídas pelo trabalho das massas.

O desenvolvimento far-se-ia pelo aproveitamento das virtualidades materiais, das oportunidades sempre em eclosão no seio do processo objetivo, cuja expressão consciente é os anseios das massas, e só poderá ser conduzido por aqueles que, manejando a ciência e a técnica mais avançadas, se identificarem com o estado material de subdesenvolvimento que se trata de abolir.

Atividade e ética

A palavra ética vem do grego Ethikos, do latim Ethicu, mas a Ética, como Ciência, Filosofia ou Disciplina tem origem incerta. É comum afirmar-se que, pelo menos para a cultura ocidental, foram os gregos como Sócrates, Platão e Aristóteles que a criaram, há cerca de 25 séculos atrás.

Em verdade, a Ética, ou aquilo que passou a ser chamado de Ética, parece ter surgido como resultado de uma atitude de prudência ou de uma sabedoria prática. Há quem afirme que sua gênese está no surgimento da propriedade privada a partir da 1ª divisão social do trabalho ou surgimento da agricultura (esfera privada). Já a política que complementa a ética tem sua origem na esfera pública com a res-pública grega.

Essas são, portanto, decorrência de uma necessidade imposta pela realidade, a partir do momento que os entes humanos, desde os primórdios do que se passou a denominar como “civilização humana”, começaram a se reunir e a viver em famílias, clãs, tribos, grupos, comunidades, cidades e sociedades.

Ainda do ponto de vista histórico, o Código de Hammurabi, conjunto de mais de 280 leis Babilônicas. Uma delas inclusive dizia “se o cirurgião fez uma profunda incisão no

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corpo de um homem livre e lhe causou a morte, ou se abriu uma fenda no olho e destruiu seu olho, ele deve ter seu braço cortado” é considerada ponto de partida da ética. O mesmo se dá com certas listas de preceitos egípcios, escritos há mais de 3000 anos atrás com vistas aos jovens das classes dominantes. Podem eles ser considerados como os primeiros e mais importantes códigos de ética e moral não religiosos (ou menos metafísicos e divinais do que os Vedas, para os hindus, o Tao-te Ching, para os chineses, e os Dez Mandamentos, para a tradição judaico-cristã, entre tantos outros).

Caráter histórico e social dos valores

O tema ético se apresenta diferentemente, conforme é tratado pela consciência ingênua ou pelo pensamento crltico. A diferença decorre: do valor atribuído à atividade, enquanto modo de ser dos humanos, e da consideração em que é levado o processo histórico objetivo. Daí, o pensar crltico afirmar que é na nação que o ente humano produz o seu ser real que, como tal, não depende de nenhum mundo à parte nem da promulgação divina. Como seres humanos são levados a uma ética aberta, de natureza indutiva, constituído em conjunto sempre incluso, de regras operatórias e ditames valorativos, cujos fundamentos estão na própria ação que se trata de regular, pois são resultados do agir prévio do indivlduo e da espécie que determinou de modo como é, o presente ser dos humanos. Isto não é outra coisa senão afirmar que os fundamentos da ética são sociais e não metafísicos ou teológicos.

Pelo acima exposto o pensar critico não aceita a divinização da ociosidade resumida na contemplação espiritual do bem. Partindo-se do principio de que a quase totalidade dos humanos é obrigada a trabalhar para viver, e não a comtemplar. O louvor da cuntemplação é atitude ociosa de uns poucos indivlduos que aproveitam as possibilidades de lazer que o regime vigente de produção lhes assegura, para se valorizarem por esse privilégio e se apresentarem em face das massas laboriosas como moralmente "melhores" por praticarem uma conduta anti-social. É em essência, uma atitude egoista que, por mais que conclame a todos, sabe que só um número ínfimo chegará a nlvel tão alto de aperfeiçoamento espiritual e, uma vez que a salvação dos homens depende da realização ética de cada qual abandona a imensa maioria à desvalia ao desprezo, à infelicidade. Dá origem ao princlpio anti-social da caridade entendida como transbordamento das almas generosas, ricas de virtude que conquistaram pelo esforço constante, que mantêm pelo domlnio das tendências inferiores. Faz da triste humanidade comum dos outros, os que não se podem desapegar das ocupações terrenas, o material da ação virtuosa ou porque se engrandeça de méritos espirituais ao meditar sobre a miséria moral dos humanos ou porque se disponha a pratica de discursos exortativos, de atos de oblação, de obras de assistência “aos pobres”, na verdade comoventes, embora praticamente ineficáveis no seu limitado alcance, com o fim de minorar os sentimentos humanos. Na sua ingenuidade acredita-se que tais sofrimentos têm fundamentalmente origem moral e não social dependente das condições de trasbalho, por isso se dispõe a curá-los pela simples correção da conduta, pois é esta a única coisa que lhe parece está errada no mundo.

A consciencia teológica ou filosófica simplória dispensa-se de agir, ao menos em princípio, a favor dos outros, a não ser para exortá-los a seguir o seu exemplo, a se inferiozarem igualmente.

Contrariamente, à consciencia teológica, o pensar crítico patrocina as teorias críticas que, de uma forma ou de outra, buscam na ação objetiva, aquela que se faz no mundo físico e social, os fundamentos da legislação moral, e descobrem no sistema das relações reais entre os homens o princípio dos méritos e sanções que recebem.

A atividade é um existencial no agir concreto, que é necessariamente social, a oriqem da sua forma, do merito ou demérito. É porque a ação implica a sociedade, que se carrega de conteúdo moral. Este é constituído a cada momento pelo conjunto de apreciações vigentes, atuando como pressões sobre a consciência individual. Derivam, é claro, de condições sociais anteriormente existentes, transmitidas de uma fase social a seguinte.

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A ética do desenvolvimento

Na sociedade, em qualquer grau de civilização, só existem uso se costumes que tenham origem em interesses reais da vida material da comunidade.

O processo histórico objetivo compõe-se do curso flsico dos fenômenos, espontâneos; uns provocados pelo engenho humano outros, a que se vincula o curso polltico e cultural, onde as ocorrências são produtos da atividade da sociedade, como resposta a desafios e defesa de interesses.

Para decidir o nosso comportamento em face do desenvolvimento do pals e da contribuição a lhe dar, não é indiferente a postura ética teórica que adotamos, em vista das consequências sobre o nosso entendimento dos fatos. Há poslções que, adotadas, nos convertem em fator de resistência, em obstáculo à lúcida apreensão é a chamada pacifica acolhida dos fatos. Outras, ao contrário, as atitudes crlticas, nos transformam em militantes do processo de desenvolvimento, não só por adquirirmos a ideia correta da sua racionalidade intrinseca, como porque nos estimulam, a contribuir de modo positivo para esse fim, pela prática das ações exigidas para a mais rápida conquista das etapas imediatas.

O que dã carãter acentuadamente conflitual ao problema etico no país subdesenvolvido em luta pelo desenvolvimento, é a circunstância de nlele, mais do que nos adiantados, aparecer aguda a diferença entre o tnadicional e o emergente, entre a estrutura estabelecida e os esforços interiores por alterá-lo.

O que compete à consciência critica é habilitar-se para formular a etica que atenda à nova situação. Para isso tem que renunciar à crença I em valores eternos e render-se ao reconhecimento de que não e possijvel existir na sociedade, de maneira generalizada, certo modo de ser, sem que este se constitua valor.

A etica do desenvolvimento exige do pensador profundo engajamento no processo de desenvolvimento, sensibilidade social aguda aos fatos gerais e às tendências em movimento. Supõe a preseça do pensador no modo de existência das massas operárias e a recusa do ponto-de-vista das classes afortunadas, dóceis a inspirações teológicas, desligadas do processo criador racional ou nele intervindo em favor de conveniências estrangeiras. A ética do desenvolvimento só poderá ser enunciada com base na prática social do desenvolvimento em moldes nacionalistas.

Como na ídeologia da classe proletária não figura o imperialismo, fica invalidada' a objeção que vê na referência à nação o perigo de defesa de idéias imperialistas, como aconteceu ao nazismo, ao estalinismo, porquanto, em nosso caso, nem aqora, quando a nação tende a se identificar aos setores progressistas da sociedade em geral, nem no futuro, quando se identificará às massas trabalhadoras, a ética do desenvolvimento contem a possibilidade de fazer considerar como valor positivo a pressão econômica sobre outras nações.

Responsabilidade individual na ética do desenvolvimento

O tema ético se apresenta diferentemente, conforme é tratado pela consciência ingênua ou pelo pensar critico. A diferença decorre: do valor atribuído a atividade, enquanto modo de ser dos humanos, e da consideração em que é levado o processo histórico objetivo. Daí, o pensar crítico afirmar que é na nação que os humanos produzem o seu ser real que, como tal, não depende de nenhum mundo à parte, nem da promulgação divina. Quando um país se decide a transformar a estrutura econômica tradicional, o valor ético vigente se constitui em uma das resistências a tal projeto, pois o inédito das atividades agora exigidas será censurado como aberração dos comportamentos habituais. Ate que o ímpeto do processo real termine por se impor, e chegue a constituir a nova escala de valores e de costumes admitidos. A comunidade atravessa um período de desajuste e conflito. Nele os atos necessários a promover o desenvolvimento, a vulto das operações financeiras requeridas pela industrialização, às modalidades de reestruturação econômica, os gestos políticos destinados a assegurar a soberania nacional e a sacudir as pressões imperialistas. O advento de novos hábitos de consumo, o aguçamento dos antagonismos

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entre camadas sociais são criticados pelos representantes das condições superadas, em nome do código moral que lhes parece exprimir imutavelmente a dignidade da conduta humana. Não estando previstos no código antigo os novos atos exigidos pela mudança no regime econômico-social-ambiental e na organização das relações de trabalho, essa lacuna inevitável é tomada como motivo para condenar os empreendimentos transformadores da realidade do país.

Na sociedade, em qualquer grau de civilização, só existem uso e costumes que tenham origem em interesses reais da vida material da comunidade. O processo histórico objetivo compõe do curso físico dos fenômenos, espontâneos; uns provocados pelo engenho humano outros, a que se vincula o curso político e cultural, onde as ocorrências são produtos da atividade da sociedade, como resposta a desafios e defesa de interesses. Para decidir o nosso comportamento em face do desenvolvimento do país e da contribuição a lhe dar, não é indiferente a postura ética teórica que adotamos, em vista das conseqüências sobre o nosso entendimento dos fatos. Há posições que, adotadas, nos converte em fator de resistência, em obstáculo à lúcida apreensão e à pacífica acolhida dos fatos. Outras, ao contrário, as atitudes críticas, nos transformam em militantes do processo de desenvolvimento, não só por adquirirmos a idéia correta da sua racionalidade intrínseca, como porque nos estimulam, a contribuir de modo positivo para esse fim, pela prática das ações exigidas para a mais rápida conquista das etapas imediatas. O que dá caráter acentuadamente conflitual ao problema ético no país em luta pelo desenvolvimento, é a circunstância de nele, mais do que nos adiantados, aparecer aguda a diferença entre o tradicional e o emergente, entre a estrutura estabelecida e os esforços interiores por alterá-lo. O que compete á consciência critica é habilitar-se para formular a ética que atenda á nova situação. Para isso tem que renunciar á crença em valores eternos e render-se ao reconhecimento de que não é possível existir na sociedade, de maneira generalizada, certo modo de ser, sem que este se constitua valor.

A ética do desenvolvimento exige do pensador profundo engajamento no processo de desenvolvimento, sensibilidade social aguda aos fatos gerais e as tendências em movimento. Supõe a presença do pensador no modo de existência das massas trabalhadoras e excluídas e a recusa do ponto-de-vista das classes afortunadas. Dóceis a inspirações teológicas, desligadas do processo criador racional ou nele intervindo em favor de conveniências estrangeira A ética do desenvolvimento só poderá ser enunciada com base na prática social do desenvolvimento em moldes nacionais de inclusões: social, ambiental e tecnológica.

As éticas do desenvolvimento contem a possibilidade de fazer considerar como valor positivo a pressão econômica sobre outras nações. As comunidades exploradas vivem naturalmente segundo uma ética alienada. Sendo reflexo o seu mundo de representações e de valores, e heterônomo o seu sistema de produção, destinado a exportar o "bem" material que produz, é levada normalmente a importarem troca ou bem espiritual da filosofia estrangeira.

Aceitando a teoria ética das nações dominantes, sem excutá-la e reduzi-la a sua cultura, os países em desenvolvimento estarão automaticamente intensificando a agressão, aberta ou disfarçada, de que são vítimas as pressões que sofrem as alienações em que se perdem. Para os países que se lançam ao cometimento do progresso, é vital obedecer a uma ética própria. Essa ética é o brasilianismo ou nacionalismo. Para os humanos do país explorado (Brasil) a responsabilidade individual consiste, principalmente, em aceitar a tarefa social coletiva de promover o desenvolvimento do país e a humanização da vida das classes trabalhadoras e excluídas.

Orientada pela concepção sociológica do brasilianismo-nacionalismo, a consciência social descobre a origem das deficiências que compõem o quadro de atraso e exclusão. Estabelece o projeto de luta contra elas e a tática da almejada libertação. A fonte da responsabilidade individual é, portanto, esta consciência e não a subjetividade individual. Quando a sociedade é inorgânica, nela se cruzando um sem-número de projetos diversos, com relativa liberdade de operar, entre os quais, e claro, se inc1ui o do governo. Como de uma classe ou grupo dirigente, a responsabilidade individual na execução das

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transformações da realidade admite larga margem de indeterminação e incerteza, cada um podendo participar do projeto no qual melhor se acomodem seus interesses privados. Neste estado, não há a rigor, responsabilidade por parte das massas, da maioria da sociedade. Sendo restrito o numero de cidadãos que participam da direção social, diretamente pela posse efetiva do poder ou indiretamente pelo privilegio do voto das massas estão ausentes da questão. Para elas não existe o problema da responsabilidade, visto não serem responsáveis pelo estado em que se encontram, nem pelas tentativas, em tal situação quimérica, de modificar a sua existência.

Quando o país desperta para a jornada do desenvolvimento e começa a se unificar ao redor de um projeto social coletivo sob a bandeira nacional, a sociedade deixa de ser ignorante e se torna cada vez mais organizada no sentido de produzir os "órgãos" que deverão executar-lhe a vontade geral. Entretanto, nessa fase a responsabilidade individual modifica-se. Passa a haver um tribunal popular para julgá-la. O afazer de toda a nação da à responsabilidade pessoal o conteúdo de atos concretos a fazer. Cria a pressão moral que compele aos seus atos conseguintes. Da resposta ao problema proposto consiste em mostrar que o grau de desenvolvimento atualmente atingido pela comunidade e que define o conteúdo e a urgência dos atos pelos quais cada um é responsável. À medida que se avoluma o processo do desenvolvimento, cresce a responsabilidade do indivíduo e a sociedade se empenha com maior rigor em tomar-lhe contas dos gestos que pratica.

Na ausência da oportunidade para investigar diversas modalidades de fuga e os respectivos subterfúgios que lhes dão apoio, procura-se a seguir mencionar procedimentos de fuga á responsabilidade e a uma ética nacional-social:

O misticismo, com todas as seqüelas que dele derivam, tais como a caridade, recomendada como remédio para os males humanos, o visionarismo político. Na forma de adesão à doutrina impossível, filiação a doutrinas espirituais exóticas, a religiões recemcheqadas ao meio, à prédica do conformismo com a vontade divina etc.

A altivez em face da realidade. Julgada indigna de atenção ou tão revoltante, devido ao baixo comportamento das massas ignorantes, que somente suscita reações de nojo, ironia ou indignação à plutocracia dominante.

O saber pelo saber. Forma intelectual de fuga, particularmente nefasta, pois se reveste de condignas e, noutro sentido, legítimas razões. No cultivo da ciência social alienada onde mais claramente se percebe objetivo, o de fazer da ciência sem propósitos sérios, sem compromissos com a existência real, objeto de consumo para toda uma vida de estudo assim aparentemente justificada.

A vida mundana. Modalidade de fuga hoje em franco crescimento nas classes abastadas que, graças aos jornais assalariados à plutocracia (burguesia rica), produzem um movimento de curiosidade popular em torno dos minúsculos fatos e escândalos desenrolados na insípida esfera de vida de tais classes sociais.

O eremitismo seja ou não na forma do monarquismo religioso. O qual, enquanto fato social é numericamente insignificante, embora de repercussões ideológicas negativas não desprezíveis; seja na espécie de reclusão voluntária, em busca de suposta liberdade espiritual e tranqüilidade íntima.

O trabalho simbólico. Forma extremamente pernicioso de fuga social, a mais grave de todas, pois se mascara de ação útil e intensa, quando na verdade é mero pretexto para a irresponsabilidade e a não participação nos cometimentos úteis destinados a transformar a realidade. Esta falsa justificativa de si mesmo pelo exercer de tarefas sem proveito. Infelizmente, quanto a este item da nossa lista de exemplos, o estado, em grande parte ainda colonial, do processo brasileiro explica a proliferação, entre nós, de tal tipo de fuga principalmente pela burocracia. O poder publica, necessitando empregar parcelas ponderáveis de elementos das camadas representativas da inteligência, despreparadas, por motivos de classe e formação cultural, para as missões proveitosas, tem de criar órgãos e serviços onde alojá-las e subvencionar atividades supérfluas, tais como infindáveis inquéritos sem utilidade, publicações sem leitores, pesquisas sociais-pedagógicas ociosas etc. Inclui-se nesta modalidade de fuga pelo trabalho intelectual inútil o estudo e o ensino de

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disciplinas, tal como são habitualmente praticados nas universidades e faculdades atualmente existentes.

A revolução irracional e desesperada. E outra variante da atitude de evasão. Conduz o indivíduo à prática de ações precipitadas e cegas, a ridículas sublevações militares, sem verdadeira qualidade revolucionaria,indicando simplesmente a imaturidade intelectual dos seus ardorosos executantes, a ausência de pensamento teórica, quando não a obtusa submissão à prédica de alguns derrotistas políticos, ingênuos e ambiciosa.

A omissão política, bem como o oportunismo. São, ainda que oposta a variantes da mesma atitude de descompromisso com a realidade. No primeiro caso, o individuo se declara apartidário, desinteressado das lutas sociais, onde só vê sórdidas maquinações de aproveitadores do poder, repugnando-lhe ombrear-se com tão desprezíveis personagens; ou então acredita que a sociedade ê dividida em áreas com funções diferentes, e não deseja transgredir essa natural repartição. Nesta espécie de mentalidade que se enuncia falsas proposições como as seguintes: “O Exército existe para defender o país, não deve se intrometer na política e nas atividades produtivas ou de serviços sociais”, “Os estudantes devem apenas estudar e não se intrometerem em política" etc. No outro caso, o oportunista é o agente de interesses coletivos a que serve porque servem aos seus próprios. Não dispõe de pensamento político pessoal; só luta para beneficiar o seu eleitorado se dele receber rápida e substancial recompensa, do contrario se oferecera a outros setores que melhor lhe paguem. No seio deste grupo hedonista recrutam-se não só os mais típicos espécimes da corrupção administrativa, como; o que é mais grave, a fina flor dos emissários de interesses antinacionais operando nos centros de decisão política.

A arte fútil. É outra manifestação do mesmo estado de espírito de inconformismo diante da realidade e dos verdadeiros motivos da ação humana, principalmente a das massas no contexto atrasado, subdesenvolvido e emergente. Desprovido de fontes reais de inspiração no seu contexto nacional, por se ter feito insensíveis a elas, pode o artista enveredar pela arte imitativa de modelos externos. Em conseqüência da descrença nos motivos da sua comunidade a exigir expressão estética, dissolver-se no niilismo artístico. Não percebe que nenhuma realidade mais que a do país em ascensão e luta por seus próprios fins é rica de sugestões para a criação de obras e eventos de arte em quaisquer sentidos que se apresentem.

O enriquecimento hedonista. Na ausência de efetivo interesse pelos problemas da comunidade, o indivíduo é capaz de estabelecer como alvo de suas atividades o enriquecimento pessoal a qualquer custo. Aproveitando as favoráveis circunstâncias de uma economia capitalista em rápido aumento, vale-se de seus pendores e habilidades especiais para a pugna pelo ganho monetário, lançando mão de recursos ilícitos consegue enriquecer. Consideramos esta atitude uma modalidade de fuga, quando importa em colocar os objetivos pessoais de entesouramento como finalidade exclusiva da atuação do indivíduo no meio social Ignora as exigências de melhoria do nível coletivo de vida. Todas estas diversas formas de evasão, e outras que se queiram relatar, indicam a importância do problema da responsabilidade individual no âmbito da ética do desenvolvimento com bases nos valore culturais brasilionista/nacionalista.

Todas estas diversas formas de evasao, e outras que se queiram relatar, indicam a importância do problema da responsabilidade individual no âmbito da etica do desenvolvimento em bases nacionalistas.

A comunidade subdesenvolvida vive naturalmente segundo uma ética alienada. Sendo reflexo o seu mundo de representações e de valores, e hetorônomo o seu sistema de produção, destina-do a exportar o "bem" material que produz, é levado normalmente a limportar em troca o "bem" espiritual da filosofia estrangeira.

Aceitando a teoria etica das naçoes dominantes, sem discutl-la, os palses em desenvolvimento estarão automaticamente intensificando a agressão, aberta ou disfarçada, de que são vltimas as pressões que sofrem as alienações em que se perdem. Para os paises que se lançam ao cometimento do progresso, é vital obedecer a uma etica própria. Essa etica é o nacionalismo.

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Para o homem do pals subdesenvolvido a responsabilidade individual consiste, principalmente, em aceitar a tarefa social coletiva de promover o desenvolvimento do país e a humanização da vida das classes trabalhadoras. Orientada pela concepção sociológica do nacionalismo, a consciência social descobre a origem das deficiências que compõem o quadro de subdesenvolvimento. Estabelece o projeto de luta contra elas e a tática da almejada libertação. A fonte da responsabilidade individual é, portanto, esta consciência e não a subatvidade individual.

Quando a sociedade é inorgânica, nela se cruzando um sem-número de projetos diversos, com relativa liberdade de operar, entre os quais, é claro, se inclui o do governo, como o de uma classe ou grupo dirigente, a responsabilidade individual na execução das transformações da realidade admite larga margem de indeterminação, cada um podendo participar do projeto no qual melhor se acomodem seus interesses privados. Neste estado, não há a rigor, responsabilidade por parte das massas, da maioria da sociedade. Sendo restrito o numero de cidadãos que participam da direção social, diretamente pela posse efetiva do poder ou indiretamente pelo privilégio do voto as massas estão ausentes da questão. Para elas não existe o problema da responsabilidade, visto não serem responsáveis pelo estado em que se encontram, nem pelas tentativas, em tal situação quimérica, de modificar a sua existência. Quando, porém, o país desperta para a jornada do desenvolvimento e começa a se unificar ao redor de um projeto social coletivo sob a bandeira do nacionalismo, a sociedade vai deixando de ser inorgânica e se torna cada vez mais "orqanizada”; no sentido de produzir os "õrgãos" que deverão executar-lhe a vontade geral. Entretanto, nessa fase a responsabilidade individual modifica-se. Passa a haver um tribunal popular para julgá-la. É o a fazer de toda a nação que dá à responsabilidade pessoal o conteudo de atos concretos a fazer e cria a pressão moral que compete com·a prática desses atos.

Por conseguinte, a resposta ao problema proposto consiste em mostrar que o grau de desenvolvimento atualmente atingido pela comunidade e que define o conteúdo e a urgência dos atos pelos quais cada um é responsável. À medida que se avoluma o processo do desenvolvimento, cresce a responsabilidade do indivíduo e a sociedade se empenha com maior rigor em tomar-lhe contas dos gestos que pratica.

A prática inautêntica e o romantismo revolucionário

Para se ter uma prática autêntica da revolução em um país emergente como o Brasil é necessário que a consciêcia tenha como pressuposto que o novo está sempre se produzindo por ação do constante dinamismo objetivo que é oportunidade permanente de originalidade das massas. Por isso o pensar crítico não se ilude com a aparente estabilidade do real. Sabe que ele por princípio é uma corrente onde a novidade se produz a todo instante e nem sempre perceptível. Daí a razão de na prática autêntica o novo de cada dia só se torna visível em um dia não esperado.

Já a prática inautêntica está espelhada na ação incondicional de sucesso que se exige “do ente humano prático” definido como enérgico e realizador infatigável em remover obstáculos, ou seja: “do homem que se faz por si” muita das vezes encarnado em um caudilho que leva inexoravelmente ao país acreditar e cultuar uma situação da existência de um “herói salvador”.

Para a prática autêntica da revolução econômica-social em uma nação emergente como o Brasil o estado de coisas a se obter por meio dela, acha-se definido em princípio desde que se aceite o objetivamente possível tendo-se em vista a situação em que o fato ou fenômeno se processa. Daí a intervenção dos humanos no processo objetivo da realidade nacional em função do nexo entre consciência e prática autêntica e inautêntica exigir um caráter mais geral que se resume na categoria crítica da liberdade.

Outra maneira de se proceder à diferenciação entre o autêntico e o inautêntico é apelar para a consciência crítica e indagar que obrigações competem ao ente humano em determinada circustância se conduzir de forma objetivamente válida em situação e em função da sua realidade nacional.

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7. A CATEGORIA DE LIBERDADE

O conceito dessa categoria varia, historicamente, com o contexto e situação social, as peculiaridades e o nível de desenvolvimento. Representa, ou reconhece como ato livre certo conjunto definido de comportamentos. Não é atributo do ente humano, mas dos seus atos em determinada situação. A atividade concebida apenas como independente da ação não aponta para a liberdade. Esta só é concretizada na existência em si e para si e em atos libertadores pelo exercício pleno e livre de todas as capacidades humanas resumidas na historicidade dos atos. A liberdade se explícita pela atividade e a luta contra as instituições sociais anacrônicas. Permite construir, pela ação, a representação verídica do real e determina o agir conseqüente pela proposta de fins consciente que se estabelece nos limites da possibilidade e da exigibilidade do ato concreto que liberta. Para a temática da disciplina, essa categoria é de indizível importância. Permite verificar o trabalho dimensionando as instituições retrogradas na tentativa de se ter uma representação do real que determine a ação de mudanças conseqüentes. É aí que se busca identificar os atos livres que se incorporam à consciência para determinar o novo projeto de desenvolvimento nacional no qual as atividades não somente de publicidade e propaganda, mas as econômicas, agrícolas, industriais, serviços, urbanização etc., são importantes para precisar o espaço libertador do projeto.

A consciência crltica tem ciência de que a ideia de liberdade estã nela como conceito correspondente a uma disposição formadora de seu ser. Por isso mesmo mostra que o conceito de liberdade não e fixo e não corresponde a um conteudo único e permanente. Varia historicamente com o contexto social que, conforme as peculiaridades e o grau do desenvolvimento econômico-social, reconhece como atos livres certos conjunto definido de comportamentos.

A liberdade de que trata o pensar crltico, e que deseja saber se possui, é aquela expressa pelo trabalho· sobre o mundo físico e a luta contra os institutos sociais anacrônicos. É também, aquela que permite construir a representação verídica do real e a que determina a ação consequente, graças à representação e a proposta de fins conscientes que estabelece nos limites da possibilidade e da exigibilidade do ato concreto que liberta, isto é, como qualidade da existência efetivamente exercida que corresponde a autêntica consciência crltica do ser humano.

A transformação qualitativa da realidade abre um feixe cada vez mais largo e variado de opções, que permite a consciência conhecerem-se livre na realização da ação concreta útil. A liberdade real é pràticamente nula, a rotina do processo a exclui, Por outra parte, a ausência da liberdade concreta impede a prática dos atos que viriam modificar o estado do subdesenvolvimento, e que dariam os esteios para o surgimento do conceito crltico da liberdade.

O desenvolvimento torna-se sempre posslvel, ainda que em grau ínfimo, a partir do teor de consciência existente. Basta este para o movimento prosseguir, a espera de momentos mais avançados. A realidade permite sempre a prática de algum ato transformador, mesmo simples e de reduzido alcance, mas suficiente para determinar a consciência pequena modificação, que constitui um avanço, embora diminuto, no processo de realização da liberdade. O clrculo lógico, portanto, não existe, uma vez que a realidade nunca o fecha, mas deixa sempre uma fissura entre o ponto inicial e o de chegada, entre o condicionante e o condicionado e tal abertura e precisamente o espaço de liberdade. Nele se instala o ato inovador, portanto livre, resultante de um projeto que o determinlsmo do estado anterior não previa. Sendo libertador, tal ato é livre e se incorpora a consciência, fazendo-a diferente do que era, e, por conseguinte, determinando novo projeto nacional.

Concepções ingênuas de liberdade

A consciência crítica é uma consciência autônoma. O país subdesenvolvido não tem liberdade, é um país submetido ao cêrco, à limitação existencial constituída pela pobreza, ignorância e opressão econômico-social. Para ser livre é imprescindlvel romper esse cêrco, pela conquista do desenvolvimento, a liberdade de que precisa não deve ser

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discutida como se fosse um poder insito na essencia dos seres humanos, mas deve interpretar-se enquato significado dos atos concretos que suprimem o jugo do subdesevolvimento, por consequinte como qualidade do ato e não do agente. A liberdade decorre da qualificação dos atos para a qualificação do agente, o que é a perspectiva sociológico-histórica.

A liberdade existe; o problema é saber em que consiste e em que condições se exercem a que resultados conduzem. Delinear a questão, considerando-a pelo ângulo da particular relação entre a realidade da consciência e a realidade do universo exterior; e estar interessado em examinar o conceito de liberdade, enquanto esta é um fato com que o pensador se depara ao investigar as correlações entre o pensamento e o mundo constituldo pela nação a que pertence.

Quando se separa o pensamento da ação, como produtos distintos nos quais se desdobra o ser do humano, a liberdade se converte em problema intelectual. Constitui-se em tema metafísico, a respeito do qual a inteligência é convocada a se pronunciar. Fica sendo matéria de especulação, e por isso não é de se estranhar que seja sempre considerada em abstrato.

Fazer de liberdade um dado da consciência moral é reduzi-la a objeto de introspecção, é caucioná-la com garantia psicológica, sujeitando-a, contra o desejo do pensador, ao relativismo próprio aos dados desta especie. É, alem do mais, incidir numa petição de princlpio, pois não é posslvel decidir se sou ou não, determinado a ter o sentimento da liberdade que neste momento possuo, senão pela certeza prévia de haver, ou não a liberdade. Outros preferem interpretar a liberdade como dom metafísico, participação do indivíduo na razão universal, ou como graça que, por decreto da vontade criadora, foi incluída na essência do ser humano. Dentrol deste modo de ver, só cabe dizer que o mistério se explica pelo mistério.

Outra conturbação sobre o tema do pensar e agir é o indevido conceito de conexidade entre o humano e o mundo que significa transferir o assunto para o plano teórico. Daí fica a prática social ausente e trata-se o pensar e agir em caráter abstrato, postulando-se um mundo em si e uma consciência em si, distintos e suficientes, os quais, posteriormente a sua perfeita existência à parte do outro, entrariam em contato gerando-se daí diversos problemas, em particular o do conhecimento e o da liberdade.

O ato livre e o pertencimento ao mundo

A descrição dos comportamentos humanos em face da realidade, e das formas da consciência, mais do que teorias especulativas ou ensaios introspectivos conduz o pensar crltico a certeza da liberdade. Esta não é objeto de controversia, porque e a essência do sujeito livre, aquele que assumiu a modalidade de ser que lhe faculta praticar atos livres. O ato livre é um ato público, social e como tal deve ser definido por criterios que a prática social impõe.

Deste modo, o conceito de liberdade deixa de ser o mistério ontológico diante do qual se esfalfa a literatura existencialista contemporânea, para se revelar como noção de ordem sociológica, polltica e histórica, que compete à reflexão filosófica estabelecer e dilucidar. A liberdade é concreta e está ligada a determinada situação que permite a prática de atos livres. Desta forma, só se pode pensar a liberdade e a partir de dado contexto histórico; do contrário, a via especulativa levaria a constituir a liberdade a parte dos atos livres reais.

A liberdade, que a prática social revela, nao é atributo abstrato do ser do humano, mas modo concreto de proceder. É a condição originária do ato livre, o ato que funda todos os demais, é a aceitação do mundo. Tanto quanto os que dele se seguem, é um a todo conncreto, apenas o de maior profundidade.

O pensar crltico sabendo que a liberdade só existe na prática autêntica, percebe que exercê-la significa interferir de modo deliberado no curso da realidade nacional. A consciência Isó é livre por pertencer ao seu mundo, pois o ato pelo qual decide identificar-se ao seu contorno nacional, tornando-se crltica, é que dá possibilidade e fundamento a todos

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os atos livres seguintes. Tais atos têm de exercer-se em operações dirigidas ao mundo originariamente aceito, e como este é o Brasil, só são realmente livres, no plano da consciência coletiva, os atos que se praticam para atuar sobre o curso do processo nacional. É livre a intervenção modificadora. O ato em verdade livre é aquele que intervém no processo da realidade para transformá-la, em virtude de o indivfduo a ter aceitado de antemão e se indentificado com ela.

A liberdade é o libertar

A concepção crítica mostra que a liberdade, como predicado do ato concreto e não de uma substãncia espiritual, se constitui somente no exercício dele, e por isso depende do projeto de agir, mas não se identifica a ele, nem se consuma em produzir o projeto que inspira a realização daquele ato.

A liberdade postula a unidade da existência humana e do processo natural e histórico. Não é predicado subjetivo da consciência, mas qualidade objetiva, que esta possui enquanto origem de atos libertadores. Compreender o caráter objetivo da liberdade é imprescindível para nos livrar das armadilhas do idealismo.

O que mede o grau de liberdade de cada ato partiicularar é a participação no projeto fundamental da consciência que o executa. O projeto comunitário, tal seja a sua qualidade, funda a escala de valores da consciência social. Este projeto consiste, para o indivíduo, em assumir o mundo de que é parte, em dispor-se a pertencer a ele, não para contemplá-lo, e sim para modificá-lo. A modificação do mundo, de que se trata não é qualquer, mas a que se evidencia como conquista objetiva de liberdade, numa palavra como libertação. A liberdade não é atributo de um ser, mas de um ato, a liberdade é o libertar. Adiquirímo-la quando contribuímos para libertar a realidade, isto é, o País, de alguma servidão que o oprime. O ato mais geral da consciência livre se exerce no projeto de libertação do mundo a que se decide pertencer, em nosso caso, no projeto de libertação histórica do Brasil.

O país subdesenvolvido, dominado econômica e culturalmente só de modo muito restrito oferece espaço para o exercício das liberdades políticas individuais. A condição fundamental para asegurar ao indivfduo a posse com exercício eficaz dos direitos que a democracia lhe atribui é encontrar-se o país num grau de desenvolvimento que permita tornar concretos e efetivos esses direitos, superando a fase do seu uso simbólico. A condição suprema para a possibilidade de exercício da liberdade é iniciar-se o processo libertador do Pals, é desenvolvê-lo. É lícito dizer que não há liberdade sem desenvolvimento. Este se produz pela série de atos libertadores das pressões que acorrentam a economia e a cultura da nação, os atos que chamamos livres, cuja execução transfere e outorga ao sujeito o predicado de livre.

A dialética da liberdade

As relações de intercâmbio entre as nações não podem evidentemente desaparecer, nem ninguém confundiri a autonomia, com reclusão ou auto-abastecimento total; mas na consciência da comunidade a passagem do pensar ingênuo para o crltico se faz quando o povo muda o modo de apreciar as suas relações internacionais. Na fase não crítica, relações que, na verdade, são de exploração e subserviência é tomada como normais, pois não se percebem essas qualificações. Quando, porém, o país é arrastado aos graus mais avançados do processo espoliador, exacerbando-se as condições que a própria exploração acarreta, começa a surgir em algumas consciências à idéia de que tal estado de coisas não é normal, e que as relações de correspondência entre as nações deveriam estabelecer-se sem prejulzo para a parte mais fraca. Forja-se então o projeto de autonomia no intercâmbio econômico.

O processo formador da consciência de autonomia nacional, uma vez despertado, caminha mais rápidamente nas massas do que nas camadas dirigentes da indústria, das finanças e do alto comércio. Tal fato se explica pelos fundamentos de classe em que assentam os respectivos processos da consciência: enquanto a massa trabalhadora

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conquista as suas sucessivas representações da realidade em entraves, à medida que vão participando mais intensamente do trabalho transformador da realidade, as classes patronais têm um rítmo de progresso da sua apresentação mais lenta, e tendente para um limite, determinado pelos privilégios sociais e econômlcos que desfrutam e não desejam ver abalado.

A exigência de libertação cresce proporcionalmente ao grau de liberdade conquistada. Daí ser necessário ao político brasileiro compreender o caráter acelerado, exponencialmente crescente, da exigência de autonomia nacional por parte das massas, como consequência da parcela de autonomia já de fato conquistada.

Nenhuma nação ascende ao plano da autonomia por convite, nem por ordem e sim por tumulto, transformação e desorganlzação objetiva. Este fato deveria conduzir os economistas, sociólogos e administradores a indagar até que ponto será legítima uma política de planejamento situacional do desenvolvimento que tacitamente, supõe a tranquilidade da execução. É necessário incluir em todo o plano um coeficiente de desordem, de não conformidade pelos benefícios concretos que se realizam só levando em conta essa causalidade antitética sobre o estado de espítito das massas, e que os planos de desenvolvimento podem ser construídos em moldes racionais.

O político na atualidade brasileira precisa ser dotado de alto grau de sensibilidade às consequências inacessível só previsão exata decorrentes das medidas com que procura atender as necessidades do processo, sem encará-las como anomalia. Precisa estar atento ao fato de que todas as medidas tomadas para conjurar uma reclamação, justamente porque satisfazem, geram outras reivindicações novas, maiores e mais insistentes. Para explicar este fato é preciso mostrar que a consciência da liberdade é necessariamente crítica e autoconformadora; ao libertar o mundo a que pertence, liberta-se a si mesma. A claridade que projeta sobre as coisas começa a iluminar a ela própria. E quanto mais livre se faz, mais liberdade exige para si.

O equívoco da liberdade interior

A consciência crltica não é absoluta nem presume esgotar o conteúdo da realidade. É, ao contrário sempre histórica e por isso relativa a etapa atual do progresso objetivo. A dialetica da liberdade deve ser a ciência própria do politico do país subdesenvolvido dotado de sensibilidade e do pensar critico. Não possui-lo é nao estar a altura da missão histórica de que se incumbe. Tal ciência não se aquire por ensinamento haurido em tratados pela observação exterior dos atos ou por astúcia natural afiada na chamada “experiência dos homens”. Adquire-se pelo engajamento no processo nacional pela inclusão de si no movimento da consciência coletiva identificando o pensamento individual com as exigências expressas no sentir das massas. Só existe como vivênciá hábito e prática.

A liberdade é sempre um bem concreto que é dado gratuitamente pela simples posse da consciência de ser conquistado por esta ao se constituir em fontes libertadoras. O conceito de liberdade como bem interior em nada nos ajuda a promover melhoria da existência real de milhões de seres humanos submetidos às condições de vida do país subdesenvolvido. Esta doutrina da liberdade interior não vendo imediatamente meios de obter a liberdade no mundo onde os agentes da tirania, da exploração e do obscurantismo pareciam todo poderosos fizeram dela um valor a cultivar no espirito, e conceber enganadora idéia de que pouco importa subsistirem na realidade externa as mais deplorâveis condições de servidão para a existência humana uma vez que ao ente humano é dado satisfazer-se com o cumprimento apenas interior dos seus anseios de liberdade·

A introversão dessa teoria idealista sendo fuga e sublimação permite esquecer a realidade opressiva, mas só a transformação desta permitiria ao ser humano libertar-se realmente de-la. A liberdade é real e não pode consistir em libertar o homem sem igualmente libertar a nação. Esta é a razão de se pensar em concreto e examinar o problema da liberdade humana em caráter objetivo o que significa pensá-lo a partir de condições de lugar e de tempo onde nos achamos. Portanto, ser livre significa executar certas ações externas, pois não se trata de liberdade subjetiva, supostamente consumada

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em atos imanentes ao sujeito; contudo, não se trata também de praticar somente os atos correntes solicitados pelo contexto nacional no estado presente, porquanto tais atos não respondendo a nenhum desafio significativo não importam optar entre ser e fazer ser, não despertam o sentimento do limite do tempo onde nos achamos

Ser livre significa executar certas ações externas, pois não se trata de liberdades subjetivas, supostamente consumadas em atos imanentes ao sujeito; contudo, não se trata também de praticar somente os atos correntes solicitados pelo contexto nacional no estado presente, porquanto tais atos, não respondendo a nenhum desafio significativo não importam objetar entre ser e fazer ser, não despertam o sentimento do limite.

Para o homem brasileiro, não há outra liberdade, do ponto-de-vista critico, senão a de libertar o seu País da opressão do subdesenvolvimento e suas sequelas. Quando consideramos as imensas massas marginais das regiões pauperizadas, como o Nordeste, das favelas urbanas e das áreas rarefeitas do nosso território, vivendo em padrões subumanos, seria cômico, se não fosse indigno, falar, com relação a elas, de liberdade em sentido juridico-formal ou ético-espiritual. Para que tivesse cabimento apresentar o problema nestes termos, era preciso antes de tudo que as pudéssemos considerar como formando um conjunto de ser plenamente humanos, o que de fato ainda não são. Não possuem as condições que justifiquem aplicar-lhes o tratamento abstrato compendiado· nos chamados “direitos do homem". Por isso, a liberdade fundamental que lhes deve ser assegurada é a de se humanizarem. Primeiro, tem de elevar-se a categoria de uma coletividade de humanos, mas não chegarão a fazer-se tais pela catequese moral, pela alfabetização externa, pela politização passiva, pela saúde emprestada, pela economia de sobrevivência. Somente, participando do esforço empreedido pela nação inteira, a fim de extinguir o subdesenvolvimento, nas formas de produção e no imperialismo das relações internacionais de troca, que mantem, é que encontrará a possibilidade de processar o trânsito qualitativo, que lhes dará os primeiros delineamentos da consciência da liberdade.

A liberdade é a qualidade de determinada ação, e tem de ser medida de um ponto-de-vista tomado do processo real do qual aquela ação é parte integrante. É o apelo à prática desses atos úteis e transformadores. Eticamente é livre o ser humano-que pratica atos livres, e estes só são tais, quando se realizam objetivamente na história. A expressão romântica “conquistar a liberdade" é legftima desde que a tomemos em sentido literal; pois a liberdade não é o bem possuido, mas a tarefa a empreender.

As “situações-limite” e sua superação histórica

O conceito de “situação limite” criado pela plutocracia que governa o país é condição de existência na qual se revela a precariedade do ser humano frente ao fracasso e a impossibilidade de vencer o sofrimento, a culpa, a morte prematura por motivo da sitação precária do seu existir leva o país coletivamente a viver “em situação limite”.

Para superar os aspectos ingênuos, impressionistas, mítico e derrotista desse conceito transportado para o plano da existência social é preciso que a massa modifique tal situação a partir da consciência da riqueza natural e humana que possui e convertê-las em oportunidades de superação de tão malfadado conceito na realidade nacional.

Outro nível de superação histórica das situações limites preconizadas pela classe burguês-plutocrática que governa o país é ter a resoluta aceitação do país com todas suas privações e deficiências, pois só ingressando nas “siações limites” comunitários é que advirá a liberdade autêntica não destinada a impotência, mas a revelação do caminho a uma situação de bem-estar para si.

A existência autêntica

Autêntico e inautêntico são caracteres que se devem definir pelo entendimento que a consciência tiver da sua relação com a realidade nacional. A existência autêntica certamente é aquela revelada pela consciência crítica, ou seja, aquela que se sabe condicionada pelo modo de ser do mundo. A inautêntica é aquela que nega seu condicionamento e julga fazer para si própria a lei e procedimento a que obedece.

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No caso brasileiro não há motivo algum para sentimento de culpa em relação ao passado porque este em verdade nunca foi nosso e sim dos invasores colonialistas europeus que para aqui vieram com a fuinalidade de nos saquear e nos privar de qualquer sentimento de liberdade nacional, portanto se há alguma a culpa pertence aqueles a quem dependíamos na medida em que não éramos seres históricos, mas sim pertencentes a outros.

Deduz-se, portanto, que não temos o menor sentido de culpa pelo que hoje ainda somos. Não nos aflige qualquer remorso de um passado de miséria, ignorância e ausência de consciência crítica por não sermos responsável como nação e que desejamos revogar, esquecer e superar. O que nos aflige e inquieta é a relação com o futuro quando nos pepreocupa o fato de imaginarmos que não poderemos ser aquilo que queremos e precisamos ser.

De essa forma ser autêntico e inautêntico estar no apelar para a consciência crítica e perguntar que relações competem aos brasileiros sentir e viver que determinadas circunstâncias são válidas em função da realidade nacional onde nos encontramos.Existir autenticamente para o brasileiro deste momento é assumir pela prática de liberdade, o processo de desenvolvimento nacional e constituir-se em fator positivo do seu desenrrolar.

A liberdade concreta e a consciência política

A palavra liberdade tem sido o apanágio e invocações dos panfletãrios e demagogos de todos os tempos. Eles idealizam a liberdade, transferindo-a para o plano subjetivo, quando não para a simples retórica. Ninguém despreza mais o povo do que o demagogo plutocrata; seu amor as multidões, para quem escreve ou as quais falam capaz de conduzí-lo ao sacriffcio da pregação indignada, converte-se facilmente em desprezo pelos ignorantes que deseja salvar, quando se vê incompreendido na pureza de suas intenções. A liberdade, porque chama é mera abstração, que o povo não entende e cuja falta não sente. Assim como o demagogo plutocrata quer valer-se da massa para a liberdade dele, a massa quer valer-se de líderes autênticos para realizar a liberdade dela.

Na consciência popular o que se apresenta é sempre um ato concreto a fazer; para ele é que reclama a liberdade. Este a fazer não é, em conjunto, senão o desenvolvimento da realidade nacional, a transmutação do estado de atraso e penúria em existência mais humana. O ato livre é a quele que se inclui no processo da realidade por ser requerido pela sua lógica imanente. No país em esforço de desenvolvimento são livres os atos que determinam a transformação progressista da estrutura econômica e social.

O pensar crltico, no plano sociológico, domina o processo da realidade porque da compreensão que possuir deriva os atos libertadores. Daí a razão de se constituir na autêntica consciência polltica. E na forma do pensar político que se dá a mais alta possibilidade de exercício para a consciência crítica. Esta, porque é essencialmente compreensão do processo real em totalidade, e política. A consciência do processo, para ser crítica, tem de ser por definição política.

Um dos aspectos distintivos da consciência crítica é ser capaz de entender e apreciar o desenvolvimento econômico em termos políticos. Quando isto acontece, a consciência política se reconhece na dependência do grau de adiantarnento do processo econômico da comunidade, ao mesmo tempo em que se descobre como força atuante sobre ele. A consciência política engloba, portanto, o processo material da realidade nacional. Não está fora dele, não pretende conduzir em abstrato a marcha da sociedade, mas faz do próprio conhecimento da sua dependência um instrumento de independência. Precisa reconhecer a natureza, primordialmente econômica das transformações que lhe incumbe operar, mas deve pensá-las em sendo político.

A união da consciência crítica e do poder político, indicando haver a comunidade atingida uma etapa superior do seu processo histórico, não se produzirá fortuitamente, não resultará da astúcia de algum pretendente mais-bem dotado, ou das chamadas "manobras políticas". O processo da realidade, no seu curso necessário, determinará as condições daquela união. Quanto mais se vão desenvolvendo as bases materiais da sociedade, mais

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se vão constituindo situações concretas, onde unicamente o pensamento crítico será reconhecido como eficaz. No Brasil, estamos vivendo os momentos iniciais desta fase adiantada. As massas estão apenas despertando da condição bruta para a da existência autêntica. As fórmulas ingênuas, especialmente o moralismo beócio, o profetismo catastrófico, o saudosismo ou a mistica do salvadr, até agora eficiente, vão perdendo força e condenando a solidão os seus retardatários arautos, muito em breve perdidos pelo caminho. Não é a exclusiva consideração técnica do 'eremitísmo econômico, sujeito como está a todas as distorções das doutrinas metropolitanas que refletem interesses de classe, de grupos imperialistas e colonizadores, mas a formulação do projeto de destino histórico para a nação o que caracteriza o pensar crltico. Tal projeto é obra polltica, só se executa com medidas pollticas.

8. A CATEGORIA DE NACIONALIDADE

Todo o enfoque desta categoria da consciência crítica, como síntese das anteriormente descritas, está na premissa de que é preciso ser nação para que um grupo humano, historicamente diferenciado, ofereça aos seus componentes condições reais de exercício da liberdade. O homem não alcançará a consciência de si e o domínio do seu mundo não se organizar em nação o seu circulo social de existência. A partir deste princípio e dentro do contexto histórico atual, é que se condiciona o ponto de vista das análises que se desenvolvem a seguir. Há uma intenção clara de se armar em defesa do conteúdo nacional, dando preeminência aos aspectos sócio-econômicos e à utilização de todo um modus operacional (lógico, técnico e objetivo), representado pelos interesses da maioria absoluta da população nacional, e não de suas minorias elitistas e plutocratas. Procura-se ter um substancial divórcio dos atributos do pensar ingênuo ou linear com que são, geralmente, enfocados. Não se tem preocupação em defender a forma da nacionalidade, mas o seu conteúdo. Os estudos são considerados como ato político. Este demanda a oportunidade de concretizar formas amplas de liberdade, principalmente, quando se tem consciência que o Brasil é um país emergente/subdesenvolvido, caracterizado por um tipo particular de alienação do trabalho e da alienação internacional. Trabalha para os norte-americanos e outros países cêntricos que se beneficiam da quase totalidade da mais-valia da exploração exercida, tanto ao nível da alienação do trabalho como da alienação do País como um todo. Visto sob este ângulo, o Brasil é uma colônia proletária dos países hegemônicos. Suas autonomias, soberania e autodeterminação devem fundamentar-se numa política revolucionária que tem como princípio básico abolir a servitude internacional a que está submetido, buscando valorizar o trabalho nacional e recuperar e reconstruir a nação.

Para tanto, urge libertar o País da influência opressiva exercida pelo capital que explora o seu trabalho alienado. Essa modalidade de trabalho consiste em trabalhar para outro. No caso concreto do Brasil, mesmo a massa que trabalha para suas classes patronais está, de fato, trabalhando para o bem-estar dos povos e dos capitalistas dos países hegemônicos, que recolhem, no Brasil, através dos seus títeres ou cônsules do seu capital, os frutos de todo o labor do País cujos habitantes, na sua maioria, vivem em profunda miséria e abjeta dependência. Por ser um País de absoluta inequalidade social, a maioria da população não passam de meros executantes animais ou semoventes, ignorando que a sua principal riqueza está na capacidade e potencialidade de fornecer trabalho a si mesmo.

O despertar da consciência crítica no Brasil deve passar pela conscientização também das forças armadas e pela sua convicção de que o labor do povo voltado para si é a causa suprema de sua autodeterminação, autonomia e soberania sobre sua riqueza ambiental e de sua hominização. O capital alienígena é sempre um capital colonizador, pois faz com que o trabalho nacional se realize para outros. É a negação da liberdade nacional. Urge, que as forças armadas se autocritiquem, redefinam e recriem uma nova doutrina da segurança nacional na ESG e se legitimem perante o povo brasileiro mediante a erradicação da iniqüidade social, ora existente, para garantir a soberania e autodeterminação não

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somente do Brasil, mas também do continente sul-americano em integração ecumênica com as forças armadas dos distintos países que o conformam.

Não são apenas as condições de classe, que levam o pensador crítico a pensar desta ou daquela maneira, são ainda, as condições econômicas e culturais e os interesses do seu sistema poíltico, da nacionalidade a que pertence que imperceptivelmente o envolvem e se manifestam nas suas especulações. A objetividade, para o pensamento poíltico da existência social, se encontra na nacionalidade.

O conceito de nacionalidade traz à história a possibilidade de tornar-se concreta, de possuir uma perspectiva que a particulariza os seus próprios olhos, mas ao mesmo tempo dialeticamente a universaliza, porquanto lhe oferece o ângulo de apreciação da totalidade histórica mundial, que, sendo a perspectiva fundada sobre o caso único que e cada caso nacional, constitui por isso a única visão universal que cada qual pode ter. É justamente porque se faz particular, que a história, graças à intecionalidade, ou seja, ao condicionamento nacional assumido e posto em prática no modo de ju!gar os fatos, chega ser universal.

O todo real só se manifesta inteligentemente como história, quando o investigamos na perspectiva da nacionalidade, ou do modelo de esquema social envolvente a que o pensador pertence. A história, e, portanto, a realidade, só se torna universal quando a observamos pelo prisma da nacionalidade, porque só então se estabelece o ângulo de perspectiva único sob o qual toda existência no tempo se apresenta como formando uma totalidade.

No caso particular do nosso País, é chegado' o memento de adquirmos clara idéia da condição de alcançarmos a totalidade do real na sua historicidade concreta. O Brasil não figura na maioria dos compêndios escolares europeus e norte americano senão às vezes por breve menção a descoberta a tltulo de detalhe do ciclo de espansão geográfica das nações européias. Comparecemos, pois, ao palco da história chamada universal como diminuto fato da história da Europa. A seguir o silêncio desce sobre o País, nada mais acontece aqui de significativo, entendendo-se como tal o que viesse a interessar a história do país de historiador metropolitano. A nós, brasileiros, compete-nos, agora, fazer conscientemente e para nós aquilo que o historiador faz inconsientemente e para ele: interpretar o mundo na perspectiva de quem se acha investido de interesses particulares, localizados no tempo, no espaço, na classe social, na nação, criando uma consciência de si.

Caberia, sempre, em princlpio, retrucar ao centro dominante, ao historiador metropolitano, com a percepção própria do pensador em posição periférica, devolver-lhe, como resposta as suas insinuações e influências, a imagem que dele fizessemos; se tal não ocorreu, foi porque, como dissemos, não existiam as bases objetivas de uma consciência nacional autônoma, por conseguinte nada tínhamos realmente de original a lhe dizer, pois em tal fase, só pensávamos a respeito dele aquilo que ele mesmo queria que pensássemos.

A nacionalidade, depurada de preconceito abstrato e universalista da mentalidade primária do nacionalismo xenófobo e nativista, mostra ser um dos conceitos carácterísticos da consciência conhecedora dos seus determinantes, e que não aceitá-la ou deturpar-lhe o significado a ponto de torná-lo errôneo ou inócuo, e não se dispor a possuir o modo de pensar crltico.

A razão histórica aparecerá então ao pensamento crltico como razão nacional, como modo de captar a universalidade da existência humana no tempo, segundo aquilo que, para o historiador, forma concretamente a existência, ou seja, o estar no âmbito da sua nação. O historiador cria a história escrita, mas é a história real que cria o historiador. A moldura nacional onde se insere o trabalho próprio do historiador não é um acidente da sua função intelectual, mas um determinante dela.

Não é a nacionalidade como idéia, mas como fato emplrlco que estrutura a realidade. A categoria de nacionalidade não é abstrata, mas cheia de um conteúdo concreto, a sociedade. Nada é mais real do que a nação, porque a sociedade onde se trava a nossa comunicação existencial imediata é o que materialmente a constitui. A nação forma um corpo histórico objetivo, cujo existir manifesta por si a concretização das categorias de pensamento aqui mencionadas.

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O processo de formação nacional

A consciência autêntica da realidade nacional inclui entre suas notas o saber que é nacional. Faz menção explicita de estar apreendendo os dados do mundo objetivo na condição de quem é parte dessa realidade, de quem a vê de um ponto-de-vista interior a ela. A consciência critica da realidade é necessariamente autoconsciência.

O pensamento não é produção monádica, oriundo de seres racionais unitários, independentes e incomunicáveis, mas efeito social; produto do modo coletivo como um grupo humano se comporta em face das coisas no trabalho pelo qual se esforça por apropriar-se delas em seu beneficio.

A consciência da realidade exige o parcelamento necessário da comunicação, determinando que uma parte apenas dos humanos forme em comum comigo aquilo que é a "nossa" consciência. Eis ai a raiz da nacionalidade como expressão mais geral do modo de ser da consciência. O movimento da consciência não se faz abstratamente, mas em concreto, sobre suportes materiais. Como estes mudam comigo aquilo que é a “nossa” consciência. Eis a raiz de "nacionalidade", como expressão mais geral do modo de ser da consciência. O movimento da consciência não se faz abstratamente, mas em concreto, sobre suportes materiais.

Como estes mudam ao longodo tempo, não apenas muda de conteudo e a qualidade da consciência que reflete o estado da realidade existente no momento, mas tambem muda a natureza da comunicação das consciências, de modo que o círculo dentro do qual se estabelece a covisão é um dado histórico variável, está em função do desenvolvimento objetivo da realidade. Com a ampliação quantitativa da base da consciência social, produz-se a mudança qualitativa do conteúdo dessa consciência, ou seja, muda o siginificado do que a consciência social dominante entende por "nação" sentimento comum ao se tornar extensivo a maior numero de indivlduos, transforma-se no seu conteudo e consequentemente substitui o projeto de ação que deseja desempenhar.

A extensão adquirida pela consciência comum de uma nacionalidade é variável historicamente e sempre determinado por condições objetivas. O processo não é apenas qualitativo, enquanto ascensão de pensamentos a intelecção comum mais autêntico, mas é também quantitativo, sendo representado pelo número consciente de indivíduos a ele incorporados, no caso do país subdesenvolvido, pelas populações marginais que, em virtude da melhoria das condições de vida, ingressam na consciência comum da nacionalidade. Quantidade e qualidade são os dois eixos de coordenadas a que é preciso referir à curva histórica do desenvolvimento de toda consciência nacional.

É preciso ser nação para que um grupo humano hitoricamente diferenciado ofereça aos seus componentes condições reais de exercício da liberdade. O ente humano não alcançará a consciência de si e o domínio do seu mundo se não conseguir organizar em nação o seu círculo social de coesistência.

A nação é modo de ser da realidade social objetiva, fundado em suportes reais, e por isso nos dá o direito de tomar o reflexo dessa realidade na consciência coletiva como representando, enquanto idéia um estado de coisas existentes por si. A questão de saber se algum dia a humanidade por inteiro virá a ser uma única forma, responde-se declarando que dependerá do processo histórico. Se a realidade se tornar um complexo de correlação material pacíficas tão amplo que incorpore a totalidade dos problemas humanos, ou seja, se, em consequência da conquista, pela imensa maioria das populações da terra, de um estado dedesenvolvimento econômico isento de desníveis e de um sistema de relações sem imperialismo nem dominações, de tal modo se unificaram os interesses reais dos homens que possam ser apreendidos por uma consciência unitária, nada impede que a categoria de nacionalidade venha a se confundir com a de humanidade.

Para isso, porém, é necessario que se tenham resolvido as contradições que atualmente compartimentam a comunicação humana, diferenciando os suportes desta em áreas antagônicas. Seria preciso demonstrar a inviabilidade das atuais formas políticas de convivência nacional, em fase do progresso de desenvolvimento econômico, da resolução dos antagonismos de classe, para concluir pela inevitabilidade futura da transformação da

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humanidade em pátria unica. Mas nenhum aspecto da realidade atual nos obriga a acreditar que isso tenha fatalmente de acontecer, por não haver outro meio de instalar a coexistência paclfica de todos os grupos humanos.

O processo de formação nacional, em forma bem sintética, apresenta o seguinte mecanismo: a comunidade, de certa extensão, começa a sentir em cada fase do curso histórico, que o grau de afinidade existente entre as consciências individuais dos seus membros, no que respeita a compreensão do mundo que lhe é comum, tem por sustentáculo um conjunto de relações objetivas, como seja identidade de origem, igualdade racial, área linguistica, mas, sobretudo interesses econômicos. Para defender tais interesses e, no plano espiritual, as concepções que lhes correspondem, institucionalizam-se na forma polltica de nação. Quanto mais se complica o contexto a que pertence o indivfduo, mais se aprofunda e particulariza o sentimento de nacionalidade, maior é a exigência de defendê-lo.

O nacionalismo como fenômeno histórico

É importante ressaltar que o nacionalismo não é um fenômeno estranho, anormal, inédito na história brasileira, porém, ao contrário, atitude constante e continua. Sendo a forma assumida pela consciência nacional enquanto reflexo da realidade social objetiva, o nacionalismo se caracteriza por traços distintos em cada grande fase histórica, admite modalidades que o diferenciam sem lhe interromperem o curso. Em termos de síntese pode-se caracterizar duas grandes fases do nacionalismo brasileiro: o periodo colonial, puro ou em forma mitigada ou disfarçada depois da independência politica onde predominavam as explorações e as pressões colonialistas e o periodo inicial de autonomia, ou seja, a fase na qual já existe considerável volume de iniciativas econômicas de base autóctone para justificar um novo entendimento da nação, mesmo quando ao lado delas ainda puder agências de expoliação imperialista, e se faça sentir poderosamente no panorama intelectual do país.

Na primeira fase o nacionalismo se define pela defesa da forma nacional. A luta pela forma conduz ao tipo de compreensão do processo nacional que se exprime pela preponderância dos aspectos jurldicos e das formalidades burocráticas na organização da convivência social. É a fase da realidade que explica e justifica o chamado "Estado Cartorial".

Na fase autônoma, tal mentalidade passa a ser anacrônica e nociva. O perfil que agora define a atitude nacionalista não é mais a preponderância do aspecto juridico, mas o econômico. É em torno das questões desta espécie que se trava agora a divergência entre os defensores dos interesses do País e seus exploradores estrangeiros. Tal mudança de conteúdo no modo de ser do comportamento nacionalista comprova-se pela diferença de significação sócial atribuida a pequena classe de jurisprudente outrora personagem; dominantes do processo social são, agora, submissos aos grandes empresârios e as poderosas organizações ou corporações finaceiras, onde desempenham apenas funções subalternas de acessoria e formalização.

O caráter do nacionalismo variou de uma fase para outra: de emocional que era antes, passa agora a racional. Na fase de domínio colonial o nacionalismo se reveste de três traços fundamentais: romântico, literário, subjjetivo. Na fase subsequente, ou seja, de autonomia o caráter emocional tende a ceder lugar à natureza raciona do projeto nacionalista. A consciencia social é forçada a despojar-se dos predicados emocionais que a marcavam no perlodo anterior e a traduzir-se em plano nacionalista racional definido pelos traços seguintes: lógico, técnico e objetivo.

O suporte social do nacionalismo nas duas fases distinto, na época colonial sendo representado pelas elites e na fase autônoma pelas massas. A perspectiva hlstórica brasileira mostra ser o nacionalismo uma tendência permanente em todo o processo nacional, apenas variável nas modalidades e no conteúdo assumido em cada período.

Dado o caráter histórico do conteúdo da consciência nacionalista, o que antes era nacionalismo pode agora ser a negação dele. A tarefa principal da inteligência brasileira consiste neste momento em definir o conteúdo concreto do nacionalismo no campo

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econômico e cultural para as condições da nossa atual existência. As exigências de consciência nacionalista são hoje muito maiores, entre elas se incluindo a compreensão de seu caráter dialético a fim de que se conserve como pensamento constantemente móvel, acolhendo em si idéia e os projetos de ação que afloram a realidade como consequência do cumprimento de diretrizes nacionalistas anteriores.

A contradição que afeta o nacionalismo é aquela em que tal atitude figura com uma das posições polares de um antagonismo social objetivo, e exterior a ele, enquanto concepção política, e se sintetiza no choque entre as forças da exploração econômica estrangeira, do colonialismo cultural, do imperialismo político, e as forças de libertação nacional. Esta contradição é um dos determinantes do processo histórico.

A alternativa entre nacionalismo e não-nacionalismo sempre existiu em nossa história. O que muda é a forma como se apresenta em cada fase do processo.

O dilema nacionalismo e não-nacionalismo são de caráter ontológico, diz respeito ao ser da nação, a qual deve permanentemente reafirmar-se sob pena de desintegrar-se, pois a nação não é "coisa", existente e estabelecida de uma vez por todas, ao abrigo das alterações temporais, mas "processo", que exige contínua instituição dos fatores que a sustentam no curso das suas inevitáveis modificações. A nação é um gesto de auto-afirmação, que tem de ser todos os dias praticados pelo povo, para merecer a recompensa do prosseguimento.

O esplrito nativista comandou no passado decisões nacionalistas no campo em que, naquelas épocas, se apresentava como decisiva a escolha de rumos históricos. Foi principalmente no campo Politico, ao afirmar a soberania nacional, que se manifestou primeiramente o projeto de realização coletiva. Enquanto nos encontrávamos em fase elementar de desenvolvimento econômico, o problema capital, em relação ao qual deveria pronunciar-se a consciência popular, era o da conquista e conservação da forma nacional.

É assim que as lutas nativistas do período colonial, a deflagração da Independência, as guerras exteriores do Império, a propaganda e proclamação da República, as correntes literárias de exaltação do lndio, da grandeza territoral, das belezas naturais etc., foram momentos diferentes da sequência de alternativas nas quais a consciência nacional teve de assumir a posição nacionalista para defender a estrutura da nossa realidade como nação, contra o modo de pensar dos que se opunham a tais pronunciamentos, em nome, aparentemente do mesmo patriotismo que movia as duas partes. Embora em todos esses momentos as causas objetivas das divergências em ultima análise fossem como são hoje, econômicas, a consciência da classe letrada do tempo não tinha perfeita compreensão de tal fato, e por isso se empenhava apenas na conquista de aspectos formais, ainda quando correspondentes, sem que o soubesse, as legítimas reivindicações econômicas das classes realmente produtoras. Foram à conjugação desses dois fatores, os interêsses objetivos, materiais e as estruturas ideológicas cablveis em cada fase, que permitiu o desencadear das lutas nacionalistas do nosso passado.

Convém anotar que o patriotismo na forma mais geral é menos caracterlstica do sentimento de pertencimento e adesão a nação, e é, por isso, que em certas ocasiões podem envolver equivocamete os dois termos da alternativa nacionalismo-não-nacionalismo. Assim, antes de proclamada a Independência, no regime colonial, seria em nome do patriotismo que muitos cidadãos se pronunciariam a favor da soberania portuguesa, tanto quanto era à vista do mesmo ideal que a maioria se declarava favorável a criação de um novo país; mas só esta última atitude era nacionalista, a outra não. A razão da diferença está em que o patriotismo permanece emocional, indefinido, enquanto o nacionalismo é sempre definido pela referência a problemas concretos, comanda decisões sobre questões imediatas. Portanto, somente quando se identifica com a forma nacionalista, o patriotismo se torna inequívoco e autêntico. Durante toda a nossa existência, conforme indicamos, a alternativa entre o rumo nacionalista e o caminho aposto dizia respeito principalmente à forma nacional. Chegamos, porém, agora ao momento em que não se trata mais de forma, mas de conteúdo. De início, a soberania que se tratava de conquistar era exclusivamente a de caráter jurldico, era, para o nosso povo, o direito de existir no plano

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internacional; hoje, a soberania pela qual lutamos é a de natureza econômica, o que significa, para o povo, o direito de existir no plano nacional.

A diferença entre defesa da forma e defesa do conteudo da nação distingue duas fases do nacionalismo brasileiro, a primeira marcada pelo cuidado em preservar os aspectos exteriores do País, em valorizar os atributos decorativos, em cultuar os vlnculos da etiqueta internacional, mesmo com sacrifício dos frutos do trabalho do povo e com a exaustão dos nossos recursos naturais; a segunda, porém, definida por iniciativas de imediata utilização das riquezas do solo e de incremento do nosso trabalho, de atenta observação das condutas espoliativas dos agentes estrangeiros, cada vez mais dificultadas pela vigilância da consciência popular.

O problema atual não é mais a defesa de uma estrutura polltica formal, já assegurada, mas a do substrato econômico que condiciona a existência nacional.

As supostas "contradições” do nacionalismo

É um argumento de má-fé imputar ao nacionalismo contradições que pertencem a alguns indivíduos de ralzes hlbridas no processo de realidade, na fase em que este ainda admite a presença de indivíduos dotados de dupla personalidade.

O colonialismo econômico é ainda fonte de fabulosos lucros, pela exportação de nossas materias-primas, especialmente minérios e produtos agrícolas primários. Não convêm aos seus beneficiários que o país constitua o seu aparelho econômico com o fim de aproveitar essas riquezas, manufaturando aqui os produtos que deles derivam. Advoga a conveniência de conquistarmos divisas fortes pelo recurso a cessão imediata de tais riquezas, como meio de enriquecimento do país. Entendem por enriquecimento do país o deles próprios, e como não desejam esperar largo tempo pelos resultados da edificação de uma economia nacional independente, preferem a rapinagem e a espoliação, desde que haja efeitos lucrativos imediatos. Não é leal tomar por contradições do nacionalismo as indecisões, os erros, os deslizes, a insídia de alguns adeptos como dos adversários do nacionalismo. Não será a prédica nacionalista que extinguirá essa fase ambígua, mas unicamente a marcha do processo objetivo que irá tornando cada vez mais insustentável a posição entreguista e mais fortalecida a do verdadeiro nacionalismo.

A realidade oferece ocasião de praticar ações de desenvolvimento do país que não mais admite serem entendidas por meio da antiga concepção da dependência por meio da antiga concepção da dependência polltica e econômica, mas indicam a necessidade de produzir um novo pensamento, que as explique e lhes dê prosseguimento. Deste modo, é a prática transformadora da realidade, na qual se demonstrou posslvel e conveniente instalar certas iniciativas econômicas e certas medidas de defesa da nossa riqueza extrativa, industrial, agrlcola, ambiental que impõe a elaboração de uma teoria para refletir, explicar e sistematizar as relações objetivas que tornam real a prática considerada.

São as massas que detem o privilégio da prática transformadora da realidade, o trabalho que fazem provar-lhes, sem possibilidade de sofismas, que as ações criadoras de proveitos econômicos internos são as únicas que as beneficiam e contribui para amenizar a espoliação de que são vltimas. As idéias, entre elas as que formam o sistema polltico e social do nacionalismo, são derivadas da prática, do trabalho de todo o povo, da descoberta, pelos seus elementos empreendedores, de possibilidades de produção econômica e de criações culturais antes insuspeitadas.

A condição, portanto, para que se dissipem as atuais incompreensões, maldosamente rotuladas de "contradições”, do nacionalismo, é a identificação cada vez maior dos grupos dirigentes com as camadas populares, as quais, pela uniformidade dos seus interesses, os da própria nação, darão ao pensamento nacionalista, na palavra dos seus verídicos interpretes políticos, que em tal momento surgirão, uma estrutura conceitual, e a respectiva conduta exterior, isentas de qualquer imprecisão ou dubiedade.

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O nacionalismo como fenômeno de massa

O nacionalismo é, e não poderia deixar de ser um fenômeno de massa. Exatamente, por isso define as massas e não as elites. São as massas que representam o verdadeiro interesse nacional, porque não só do seu trabalho, não mais servil, mas significativo, depende a consecução de todos os objetivos do processo de desenvolvimento, como também, da consciência que alcançar em deriva a possibilidade do projeto concebido pela comunidade.

Talvez explique o acidente, que julgam ser a inquietude das massas, apresentando-a como a conseqüência da infiltração de doutrinas exóticas, introduzidas no país por agentes maldosos, interessados em perturbar as relações de equillbrio social; ou podem referir-se a agitação e ao descontentamento do povo como sendo desagradãvel efeito de transtornos econômicos, que devem ser corrigidos, como que os ânimos, momentaneamente exaltados, voltarão ao natural. Ou decidir-se-ão a lutar contra ele, para sufocá-lo, já que o consideram uma desgraça e um perigo para os supremos valores do mundo livre e da civilização cristã. As elites considerarão, neste caso, que os únicos interesses legítimos a defender são os delas mesmas, e assim tentarão pela violência reduzir o progresso da consciência popular farão o máximo esforço, para isso usando de todos os meios, a fim de proclamar a identidade dos seus interesses com os da nação, denunciando como criminosas as manobrasdos que pugnam pela causa popular. Para este fim, o melhor recurso é apontá-los como o oposto do que são: como defensores do interesse político estrangeiro, agentes da propaganda ideológica de países com os quais não temos nenhuma afinidade, corruptores dos costumes nacionais, inimigos dos seus valores e das suas tradições. No afã de conjurar a ameaça da consciência popular ascendente, são levadas a combater o que lhes parece à perniciosa ideologia de que se reveste aquela consciência.

Ainda quando pareça estar em minoria ou representar a parte mais débil, são de fato as forças nacionalistas que, objetivamente, comandam o curso do desenvolvimento, pois constituem o lado em emergente, irreprimível. Suas antagonistas mesmo acreditando possuir completo domfnio da direção social, acham-se na verdade em permanente atitude defensiva, reacionária, espreitando toda manifestação de progresso para cerceá-la.

É curioso observar o traço de ingenuidade que se esconde sob conceitos como os de "governo ousado", "realizador audacioso", "homem dínamo", "político adiantado em relação a sua época", e outros semelhantes. Em todas estas expressões, descontando o intuito bajulatório, o que se patenteia é o modo simplista de pensar, que acredita na ação miraculosa da personalidade egrégia, e desconhece que toda suposta ousadia de governo no regime vigente, é na realidade uma concessão inadiàvel às exigências objetivas de processo nacional.

Conteúdo e sentido dos atos nacionalistas

O nacionalismo é a totalidade de uma consciência. Não é lema político improvisado na vida brasileira, para servir aos fins de determinada parcela da sociedade. É um grau da consciência nacional, na sua evolução histórica, aquele que corresponde à representação de máxima verdade que é dado ter no presente momento sendo consciência, portanto simultaneamente representação e projeto de ser, corporifica-se objetivamente como origem e sentido dos atos com que intervêm no processo da realidade.

O conteúdo da ação nacionalista se modifica com o momento histórico, a ponto de poder deixar agora de ser tal, o que ainda há pouco eram providências de genuíno interesse' nacional. Não há conteúdo nacionalista fixado de uma vez para sempre, pois referindo-nos as fases vencidas de nossa evolução, o que nelas significava o interesse nacional, agora não tem mais validade. O nacionalismo não é um sistema concluso de receitas pollticas para Icada etapa do desenvolvimento requer-se nova seleção de atos nacionalistas. Reduzí-lo a um receituário econômico-social e desvinculá-lo do tempo histórico, do processo dialético, no qual o cumprimento dos beneflcios de certa fórmula pode, em alguns casos, extinguir a utilidade dessa mesma fórmula.

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A consciência nacionalista altera seus conteúdos não porque renegue as verdades atuais, mas simplesmente porque ou não necessita mais das fórmulas iniciais, que, tendo dado total resultado, estinguiram o problema a que se aplicavam, ou porque incorporava aquelas verdades outras novas, resultantes logicamente de haver admitido ás primeiro.

A dificuldade de conseguir discernimento e a possibilidade, sempre próxima, de cair no engano deriva de ser tão rápida a transformação do país, que não é facil às massas adquirir completa consciência do que no momento atual corresponde ao sentido nacionalista. Uma política cambial ou o tratamento a dispensar aos capitais estrangeiros, que atuam, agora, eram conduzidos, de certo modo, podem passar a ter cunho oposto, e de ter-se em adversos. A proteção ao capital estrangeiro que representava uma polltica de certo modo util, tornou-se agora orientação nefasta.

A expressão teórica do nacionalismo

As massas fazem pender para seu lado o centro de gravidade da consciência nacional. São elas que assumem o direito de representar o pensamento da nação, com tanto maior legitimidade quanto mais declina a representatividade das elites burguesas. O nacionalismo que as massas cultuam e que nelas se difunde cada vez mais, deriva da sua condição de serem as executoras do trabalho modificador da realidade.

É certo que não há revolução sem teoria revolucionária. Esta tese é universalmente verdadeira, apenas necessita ser colocada na perspectiva histórica concreta, para poder ser aplicada ao caso da revolução nos países coloniais ou semicoloniais. A teoria precede a ação, mas às vezes a tão curta distância que os atos de violenta transformação da realidade parecem iimprovisados, desconexos, arbitrários e desprovidos do esquema racional que os explica. Deixando de ver esta eventualidade, o pensador alienígena seria levado a crer ou que a tese acima sofre exceções ou que em alguns casos a teoria é composta a fim de coroborar o fato consumado. Para responder a ambas essas inexatidões, torna-se necessário lembrar a exigência de introduzir o tempo histórico concreto no enunciado de proposições doutrinárias como esta que referimos. Realmente, a teoria precede a prática revolucionária, mas a distância de que a precede é variavel e determinada em cada caso pelas circunstâncias especlficas e que a precede é variável e determinadas em cada caso pelas circunstáncias especificam do processo nacional em causa. Algumas vezes essa distância é tão curta que a revolução pode parecer um gesto desvairado, sem motivos adequados e sem conteúdo racional. É o que ocorre na revolução dos pequenos países, que sacodem com excepcional ousadia histórica o seu passado colonial, sem que o movimento determinante desse gesto de bravura se tivesse previamente anunciado num íntegro programa doutrinal. No país subdesenvolvido como o nosso, a revolução se apresenta, numa primeira fase, tendo por conteudo a promoção do desenvolvimento econômico em bases nacionalistas; nesta fase a distância entre o enunciado das teses teóricas e os atos e as lutas nacionalistas é igualmente curta, donde a impressao aos que observam de fora o movimento, de não haver uma doutrina nacionalista completamente definida presidindo a prática revoluclonária, tal como é permitida nesse perlodo. A doutrina existe e tem a extensão e a clareza possíveis para as circunstâncias vigentes. Exigir que se estruturasse num sistema é pretender saltar por cima das condições reais. A teoria para uma segunda fase revolucionãria, essa se acha ainda a considerável distância da prática que deve dirigir.

O nacionalismo dos nossos dias tem de ser tão imcompleto no seu esquema teórico quanto à consciência a que corresponde, ou seja, a consciência nascente.

\O processo da realidade é ele próprio o programa do nacionalismo presente na consciência dos que operem os atos que o realizam, mesmo não tendo sido escrito pelos estudiosos ou proclamado pelos dirigentes políticos. Só no mundo teatral é que o programa precede o espetáculo; no mundo real o espetãculo está desde muito em andamento, quando então, alguns observadores começam a descrever conscientemente o que se está passando e o que é preciso fazer para acompanhar a ação em curso. Tal a razão por que o

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nacionalismo dá aos observadores estranhos a impressão de ser uma consciência à procura de programa.

O encontro das consciências no país subdesenvolvido

O antagonismo das consciências e é representado pela diferença entre etapas históricas do processo da realidade nacional. É o desencontro entre o velho Brasil, colonial, alienado, submisso a pressão estrangeira, e o novo Brasil, desejoso de liberar sua estrutura econômica, de humanizar a existência de suas populações e de alcançar a plena soberania como nação. É o antagonismo entre representações coletivas, por classes e grupos que participam desigualmente do processo da realidade.

É a diversidade objetiva entre graus do processo da realidade nacional e a diferente participação nele dos individuose das classes sociais que condicionam os modos de pensar e de sentir antagônicos. O desenvolvimento econômico precipita uma transformação qualitativa da realidade, que se criou, em face da consciêcia representativa da situação anterior, outra, que propugna por interesses materiais e culturais sem guarida e vigência até então, e que agora começam a forçar sua escalada a realidade. A diferença de graus no processo real e, portanto, de interesses materiais e culturais, corresponde, evidentemente, a uma diferença de consciência, porquanto o mundo não é o mesmo para os representantes do velho estado de coisas e para os que o sentem como campo de uma proeza criadora. O embate das consciências é reflexo de um choque de forças sociais, mas nossa perspectiva nos leva a focalizar a questão pelo ângulo das diferenças de representação.

No inicio de libertação do subdesenvolvimento, a real divisão social do trabalho é aquela que se dá entre o trabalho em beneflcio dos interesses internos do pals e o que e feito em proveito dos exploradores estrangeiros em regime imperialista e colonial. Deste ângulo é que convém também apreciar a divisão em classes presente na sociedade subdesenvolvida. Este caráter diferência em parte o contexto da luta de classes vista a partir dos países desenvolvidos.

Todavia, dada a natureza capitalista do processo, seu curso se encaminha para fases superiores, onde terã vigência preponderante adivisão em classes segundo a modalidade da expropriação do trabalho das massas por um grupo possuidor do capital.

É preciso não esquecer que não devemos precipitar a aplicação de tal esquema, quando as divergências sociais são as de uma economia ainda primitiva e sujeita ao regime de pressão e espoliação externa, que subverte os modelos habituais na situação metropolitana, obrigando-nos a descobrir, por indução, quais os elemfntos que compõem no momento a contradição principal.

9. ALIENAÇÃO, FORMAÇÃO NACIONAL E REGIONAL

Neste item dos Apontamentos se dão continuidades à categoria de nacionalidade explícita por Álvaro Vieira Pinto, em “Consciência e Realidade Nacional” (ISEB, 1960) com foco a realidade brasileira. Dessa forma é a continuidade daquela categoria.

A nação como universal concreto

A nação constitui para o ser humano um espaço de existência onde ele se fixa pelas relações objetivas que lhe é permitido estabelecer com a realidade. Essas são, a rigor, as únicas a possuir caráter objetivo, imediato, pois as demais são sempre mediatizadas pelo pertencimento do indivíduo a uma nação particular. Até o gesto de negar o seu pertencimento ao país supõe a prévia realidade dele. Toda atividade real que desempenha é mediatizada pelas condições da sociedade nacional de que faço parte. O bem-estar econômico de que acaso disponho, ou, no caso oposto, a penúria em que vivo são explicáveis em ultima análise pelas condições de progresso da minha nação, descontados os acidentes pessoais. A cultura que tenho é aquela que o meu país me permitiu ter, seja porque me dá efetivamente, seja porque me faz fugir dele para ir buscá-la fora.

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A questão essencial é o condicionamento do modo geral de conceber a realidade. Tenho necessariamente na minha nação o contorno envolvente que mediatiza toda a minha percepção do universo. É engano pensar que, quando adquiro uma idéia geral, descubro novo fenômeno físico, me utilizo de um instrumento científico, ou produzo uma obra de arte, a influência da nação não está presente nesses procedimentos. Em qualquer caso que imagine, na ordem econômica ou no plano cultural, em última instância é o estado da realidade social que possibilita a minha atividade, mesmo a aparentemente especulativa, atuando como mediador. Se considerarmos a nação como o continente de todas as condições da minha realidade social, compreenderemos que a nação mediatiza necessariamente a minha visão do mundo, minha atividade e minha construção de mim mesmo enquanto ser constituído no espaço configurado pelas suas condições reais.

A identificação do universal com o metropolitano é fenômeno característico da consciência marginal. Falta-lhe a possibilidade de se ver a si própria como sujeito, como centro para si, porque para ela só a área dominante tem os atributos sacrossantos da eminência histórica, entre os quais a universalidade de suas idéias. O país periférico estando por definição fora do outro se acha "num canto" da realidade, o que o impede de abranger no seu horizonte a totalidade do real, donde a necessidade de receber dos outros as informações, isto é, os produtos culturais, que não é capaz de obter por si só, porque lhe falta à perspectiva central, de que o país metropolitano desfruta.

Dai estarmos convencidos de que, para chegar ao saber universal, o intelectual brasileiro precisava desvencilhar-se da pobreza do contorno nativo, expatriar-se espiritualmente, falar sem sotaque os principais idiomas civilizados, para então ingressar, com a graciosa permissão dos proprietários, na mansão celeste da cultura. Se hoje nos permitirmos à licença de satirizar esse comportamento, é porque mudaram de tal forma as condições objetivas, que adquirimos a consciência de não mais se justificar a dependência em que vivíamos. Temos a certeza de poder agora constituir por nós mesmos a interpretação da nossa realidade e, em função desta, a da realidade dos outros. Somos agora capazes de denunciar a falsidade, a oculta intencionalidade de muitos dos enunciados que nos eram apresentados como universais unicamente para que nos reconhecêssemos como a eles submetidos.

Se o pensar em termos universais constitui a cultura autêntica, compreendemos agora que a realização do universal não nos é inacessível por motivo da situação relativa de subdesenvolvimento, mas está desde já ao nosso alcance, pois não consiste em nos transladarmos para um ponto de perspectiva privilegiado, por hipótese situada fora do nosso espaço nacional, decorrente do passado cultural único, irrepetível, intransferível, que nos pertence, e sim em assumir deliberadamente a realidade concreta onde vivemos e em ver a totalidade do mundo a partir dela. É a oportunidade que se oferece a instituição da cultura brasileira, da qual só hoje começamos a ter idéia. Até aqui sempre procuramos ver o mundo na perspectiva brasileira.

A relação de dominação

Na fase de domínio semicolonial, a existência periférica e subdesenvolvida determina a privação de consciência ou a posse unicamente dos graus mais elementares, o que torna o incipiente pensador pertencente a esse contexto materialmente incapaz de tomar contato com o princípio configurador da totalidade, sendo este constituído pela “relação de dominação”.

Enveredando-se pelo caminho da alienação, a consciência aceita de bom grado o pensar metropolitano, porque reconhece nele a única expressão do universal, seu desconfiar da intencionalidade de que vêm carregadas as suas produções ideológicas, a principal das quais é a sua autoproclamação como universal, recolhe-se a sua soberania, curva-se as suas sentenças e, sobretudo deixa-se interpretar por ele.

Na fase de autonomia por muito que o dominador tente disfarçá-lo, as condições, agora mais adiantadas, da economia da parte dominada, já lhe permitem ter uma consciência própria, que se constitui em pensamento universal, para ela, e engloba o ponto-

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de-vista do dominador, superando-o e interpretando-o. De agora em diante, não é só o centro que guarda a prerrogativa de exprimir o universal; a consciência periférica arroga-se esse mesmo direito e se apresta a exercê-lo. Se não opera em abstrato, mas objetivamente, o que um vê é necessariamente o mesmo que outro vê, ou seja, descortina-se a percepção da parte menor o significado do princípio que estrutura a totalidade histórica do nosso tempo. Mas a diferença capital esta em que a consciência menos desenvolvida o vê do seu próprio ponto-de-vista em função dos seus interesses, interpreta-lhe o caráter de universalidade segundo o modo como a afeta. Tal transformação da perspectiva e de conceituação tem importância pratica decisiva: as reações emocionais e volitivas das massas, agora esclarecidas por esta representação, não serão as mesmas que eram enquanto permaneciam obtusas e seus raros expoentes se contentavam com espelhar a compreensão derivada da posição oposta.

Para nós, está vencida a etapa da dependência bruta, inerte, muda, cultural e econômica, já ingressamos no que chamaremos a fase da independência significativa. Não é ainda a autonomia efetiva, mas um estado onde começa a existir a reflexão consciente sobre as condições da existência dependente. Caracteriza-se este trabalho reflexivo pela doação de significado autóctone aos objetos, fatos, situações e valores da sociedade.

Estamos vivendo por isso um momento essencial no processo de libertação nacional: aquele em que o pensar coletivo se apropria do ser do país para tratá-lo com uma conceituação, e até' mesmo com nomenclatura, que deriva de uma percepção de si original. O que dá importância decisiva a este momento e ser condição de trânsito para a etapa mais alta, a de plena autonomia. A doação de sentido às relações de dependência, segundo conceitos gerais que derivam da consciência de si da nação, ou seja, segundo o pensamento nacionalista, são, simultaneamente, indício e realização de radical mudança na qualidade da consciência periférica.

A doação de sentido era um direito exclusivo do pensar metropolitano. Agora, porém, a consciência dependente alcançou um teor de claridade no seu processo interior, suficiente para fazer de si origem de significações. E o momento em que já lhe é possível responder a consciência do dominador, mostrando-lhe a imagem que dele faz. Doravante, a consciência brasileira escapa de outorgar aos fatos um sentido, derivado do modo peculiar como os vê, ou seja, segundo a perspectiva dos interesses objetivos das comunidades, da qual é o reflexo; não necessita mais, para entender a realidade, ir buscar um critério na interpretação alheia. Estamos começando a descobrir a capacidade de nos tornarmos nós mesmos foco de significações.

De agora em diante, o processo do país dependente será conduzido em base conflitual, em condições de luta consciente: o dominador nada consegue fazer que escape a observação da consciência mais fraca, não pode ocultar as intenções imperialistas, dissimular com nomes amistosos os seus movimentos políticos, não tem meios de impedir que as massas periféricas interpretem as suas operações econômicas como espoliação.

Quem dá a relação entre as partes desiguais o nome de dominação, é a parte mais fraca, contra a vontade da outra que se esforça por denominar o interesse que tem pelo país atrasado de “assistência”, “ajuda”, "cooperação”, etc. A consciência dominada, por sua vez, não realiza o seu projeto, agora autônomo senão sabendo que terá de fazê-lo a custa de combates e sacrifícios.

A educação como instrumento de dominação

A parte do pensar metropolitano considera que sua missão mundial, em relação aos países subdesenvolvidos, é primordialmente de ordem pedagógica. Esta forma de agir é uma mistificação, ainda quando em alguns não conscientes, e consiste em encobrir os verdadeiros propósitos de domínio político e rapacidade econômica sob a capa de filantrópica cruzada mundial pela educação das nações atrasadas.

Orientada pela explicação do atraso econômico dos países pobres que invoca como causa o atraso intelectual, a política do país dominante procura exercer ação transformadora, a ele favorável, do sentimento das massas das regiões marginais, utilizando

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como instrumentos as teorias e os processos educacionais, que lhe são próprios, num duplicado esforço de assimilação e domesticação cultural. O ideal de tal política é uniformizar a educação de todos os países atrasados em igualdade coma do centro irradiador. O país dominante tudo faz para atrair ao seu modo de educar os educadores dos países dependentes, o que consegue com grande freqüência, pois, por condições inerentes a própria estrutura da sociedade subdesenvolvida, os seus educadores oficiais são os menos aptos a sentir e a interpretar corretamente o pensamento emergente do povo, são os personagens mais dóceis às influências externas, convertendo-se facilmente em agentes do projeto alheio. No país atrasado, a educação, sendo privilégio da minoria dominante, expressa naturalmente os ideais desta e visa a reproduzir membros do grupo superior, tais como são atualmente. Mas, o trabalho estafante e miserável do povo, o processo real que pesa sobre os ombros da massa, é também um processo pedagógico, dotado de formidável poder de produzir e de ensinar idéias, que exprimem a realidade tal como é para aqueles que a modificam com as mãos. É tão educativo quanto à escola, ou antes, mais educativo ainda, porque dele não há evasão, não hã dificuldade em aprender as suas lições, que penetram a existência, nele não há ferias, porque é o sofrimento de cada dia.

Forma-se no país empenhado no esforço de crescimento duplo processo pedagógico, em franca divergência: a escola, distanciada do real, inapta a exprimir e transmitir a consciência social útil, e a realidade, sempre presente, rica de experiências pungentes; de lições sem palavras, formadora de outra especie de consciência, ainda inexpressão conceitualmente, mas já atuante e constituindo o pensamento de consideráveis contingentes da comunidade. Ora, tal divergência não existe no país superior. Dai a cegueira dos seus pedagogos, que imaginam bastar transferir para o contorno atrasado o tipo de escola e de ideais didáticos que eles próprios cultivam para obter no mundo periférico o mesmo efeito de harmonização social no estilo da que julgam existir no âmbito a que pertencem.

Julgam os promotores do intercâmbio cultural e pedagógico, que o oferecimento de número cada vez maior de bolsas de estudos, de viagens de observação, de convites para estágio e prática nas suas universidades, difundirão pelos países periféricos os ideais de uma educação que lhes parece à única desejável. O pedagogo oficial semi-colonial, se já tinha parcas condições para representar os reais interesses do seu meio adere ao modo de ver da consciência metropolitana, acreditando que é preciso para resolver os problemas do país, antes de tudo educar o povo. Não percebe que o povo está sempre educado na espécie e no grau de educação que lhe permitem as condições da realidade onde vive. Julga que a educação, como ideal é sistema, precede o processo real e o deve conduzir.

O pedagogo alienado jamais compreenderá que o analfabetismo é um grau do processo de educação, e não a ausência de educação e cultura, grau que é preciso evidentemente superar, sendo para isso o primeiro requisito entendê-lo na sua verdade. O analfabeto é um indivíduo educado e culto nas condições que a realidade nacional lhe oferece. Sabe numerosas coisas de que necessita para subsistir, e só não sabe ler e escrever porque nas suas condições de trabalho estas não são exigências de subsistência. O erro fundamental da pedagogia erudita e simplista dos nossos pedagogos oficiais está em supor que têm por objeto indivíduos não educados e não cultos, num grau nulo de conhecimento e de educação, o analfabeto adulto ou a criança em vias de se analfabetizar pelo regime de trabalho a que será obrigada. Na verdade, porém, tais indivíduos estão de posse de uma educação e cultura suficiente para as condições de vida que levam, e, portanto, se quisermos alterar-lhes a educação e a cultura, o que há de fazer não é simplesmente infundir-lhes conhecimentos, mas transformar-lhes as circunstâncias gerais de vida, o modo de trabalho, para que em nova situação tenham necessidades do saber que a instrução superior lhe deve conferir.

O analfabetismo não é o estado inicial, natural do ser humano, pois não tem sentido dizer-se que uma criança em idade pré-escolar é analfabeta. A criança torna-se analfabeta, em virtude do particular processo de educação e de cultura que a sociedade pobre lhe destina. O analfabeto não possui como essência o ser analfabeto, mas é o resultado, o termo de em processo educacional, tal como o letrado. O analfabeto é educado pelas

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condições da sociedade para se tornar analfabeto, não nasce tal. Alfabetizar e analfabetizar são duas formas de educação que a sociedade está constantemente destinando a duas classes de seus infantes, de acordo coma situação de trabalho e de nível econômico que lhes oferece.

É preciso que se compreenda que a mesma sociedade que despende parte dos seus recursos em manter e criar escolas em campanhas de alfabetização está, por outro lado, embora disso não se aperceba, custeando também a analfabetização das suas restantes massas proletárias e camponesas. A sociedade depende parte do seu orçamento em alfabetizar uma fração da população, mas outra parte, imensamente maior, correspondente ao valor representado pela espoliação do trabalho e pelos mil modos de desperdício social e de financiamento do subdesenvolvimento, pode dizer-se que constitui aplicação de recursos em analfabetizar o restante da população.

Falta a pedagogia imitativa o esclarecimento e a idéia de que a deficiência cultural está ligada a pobreza econômica e que o analfabetismo é o produto altamente elaborado de determinada forma de organização das relações sociais de produção. Não percebe que enquanto perdurarem as formas de espoliação do trabalho e de desamparo do processo produtivo das massas trabalhadoras, a educação letrada é para elas um luxo perfeitamente dispensável porque não tem qualquer uso na existência que são forçadas a levar.

Se a iniciativa dos grupos sociais dirigentes não alterar o regime de trabalho, dando ao ente humano do povo outro nível de vida, de nada valerá gastar quantias elevadas em promover a alfabetização das massas, porquanto as causas sociais do analfabetismo persistiriam intatas. O comando geral do processo educativo e cultural não deve caber aos iniciados na pedagogia e na didática metropolitana, mas aos autênticos dirigentes políticos da sociedade.

Cabe ainda advertir que a educação exportada pelo país desenvolvido permite, pela domesticação intelectual, eventuais alterações das relações materiais entre tais países e os subdesenvolvidos, só vantajosas para os primeiros.

O nacionalismo como supressão da alienação

A consciência do país subdesenvolvido é, por natureza, alienada. Sendo atrasada a estrutura material que a suporta, é submissa por força dos vínculos que a prendem às economias fortes, de que depende e que a exploram; sendo submissa, e alienada, no sentido de não ter em si mesma a origem das decisões referentes ao seu curso histórico, nem dos seus julgamentos sobre si e sobre o mundo. O fenômeno da alienação, mais geral do que o caso aqui considerado, toma, contudo feição peculiar se desdobra em vários aspectos específicos quando o examinamos na perspectiva da particular dependência que subjuga o país pobre aos mais poderosos, que o conduzem. Diz-se de um ser que é alienado quando não se acha na posse da sua essência. Entre o que é como fato, e o que é como essência, medeia um intervalo, que define a alienação. Deste modo, o que o ser e como essência está para ele a distância, não se cumpriram ainda na sua existência real, mas é um fim a atingir.

O caso do país atrasado exemplifica-se de maneira tangível este conceito. A posse, pela nação, de sua essência própria indica haver atingido a etapa histórica onde lhe é dado possuir um ser para si.

A capacidade de pensar por si a verdade a seu próprio respeito e a respeito da existência circunstante decorre da plena coincidência do ser e da essência, condição que define o estado não alienado.

Na situação de subdesenvolvimento e servitude econômica exerce apenas a exterioridade da existência nacional, mas está de todo privado da interioridade da essência nacional. Existe como nação graças ao desempenho, em grande parte simbólica, dos atributos da soberania. Exterioriza em formalismos uma autonomia que realmente não tem um poderio que lhe falta, uma cultura que não é sua. Faz parte dos dispositivos de dominação internacional, em que seus senhores o mantêm aprisionado, reconhecer-lhe uma soberania fictícia, exterior, de simples cerimônia, e até mesmo cotejá-la, com a qual muito

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se compraz na sua consciência pueril, sem perceber que o reconhecimento meramente formal desse atributo lhe é concedido por ser indispensável aos planos de domínio e espoliação que os países dominantes põem em prática.

Nenhum país atrasado consegue superar a fase histórica alienada e não pela reforma das estruturas econômicas, retirando do capital estrangeiro das corporações transnacionais o poder de que desfrutam mediante o qual forja a trama de domínio econômico de onde deriva, para a parte subordinada, a inevitável consciência alienada. A alienação intelectual da comunidade subdesenvolvida se patenteia na incapacidade de dirigir por si mesma os seus negócios, explorar em seu exclusivo beneficio as riquezas do solo, traçar por conta própria o projeto de atuação internacional. Todas as manifestações de alienação cultural e ideológica têm por base e causa a alienação econômica. Por isso, só serão vencidas quando esta o for.

O efetivo avanço no processo de libertação nacional depende da ação recíproca entre pensamento nacionalista e política econômica nacionalista. Sabemos que a relação entre esses fatores é dialética, donde não poder haver um pensamento teórico válido senão com o teor de verdade que lhe é conferido pela prática social mais avançada do momento, como, igualmente, não ser lícito esperar que a ação dos grupos econômicos de base interna se intensifique e vença as barreiras que lhes são opostas, senão com auxílio do pensamento teórico de que já possam dispor. Interpretado deste modo, o progresso da consciência nacionalista identifica-se com a supressão da alienação. O país só adquire verdadeira consciência de si à medida que repudia a que tomava de empréstimo daqueles que a possuíam com valor legítimo para eles. A nação desenvolvida é, por definição, dotada de consciência autêntica. Produz uma imagem do mundo onde se reflete a sua realidade, e por isso é verdadeira para ela. Mas a consciência do país dependente, não tendo meios de refletir a realidade que lhe pertence, por ser esta atrasada e assim não oferecer base para um surto de pensamento livre, que conduzisse a.apreensão do ser nacional por ele próprio, vai copiar a consciência do país adiantando, imitando-a em tudo, embebendo-se dos seus produtos culturais, que utiliza e venera como se fossem seus. É, pois uma consciência que em lugar de refletir a sua realidade reflete a consciência alheia; como esta, porém, é o reflexo da realidade do país superior, segue-se que a consciência da nação atrasada é o reflexo de um reflexo.

A consciência alienada, em vez de ser o reflexo do seu mundo objetivo, é o reflexo de um reflexo. A consciência, enquanto capacidade de representar o mundo real é produto histórico, dependente do grau de desenvolvimento a que atingiu o processo da realidade objetiva. Se não tem ensejo de refletir a realidade, por lhe faltar acesso a ela, como sua natureza consiste sempre em ser o reflexo de algo, vai refletir a consciência alheia, de que tem conhecimento. Sendo este reflexo legitimo da sua realidade, segue-se que a consciência alienada do país subdesenvolvido é, cvomo se disse, reflexo de um reflexo. Nisto consiste a alienação que é um modo de ser social da consciência subalterna, condizente com o estado de dependência econômica da nação subdesenvolvida em relação a metropolitana.

A essência da alienação é deslindada e alcançada quando se descobre a impossibilidade em que se acha o pensamento da nação dependente de se estruturar a si mesmo em condições que lhe permitam refletir a sua realidade. Vale à pena observar que ao fazer-se reflexo do reflexo superior, a consciência atrasada não consegue produzir cópias absolutas, sendo levada a cometer sempre distorções, que constituem importante material de estudo porque revelam a pressão da realidade efetivamente vivida em se insinuar na consciência do pensador periférico, impedindo-a de refletir como decalque perfeito o sentimento e a verdade dos outros. O mimetismo cultural e o culto ao capital estrangeiro como modalidade de alienação é somente explicado pelo conceito supramencionado.

Ao refletir a consciência que o espolia, isto é, ao existir em estado de alienação, o país atrasado é induzido a aceitar e proteger os fatores que o vão impedir de criar as idéias que lhe permitiriam libertar-se. Sendo levado a crer que necessita do dinheiro alheio, que o deve receber com agrado e veneração está se deixando arrastar para o circulo vicioso de

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consciência que define a realidade mesma da alienação. Assim, procura refletir cada vez com maior fidelidade a verdade dos outros na esperança de assim progredir até chegar ao ponto onde adquira meios para produzir sua própria, tentativa evidentemente irrealizável, porque supõe, contra as leis da lógica, a existência de uma saída para um raciocínio circular. Percebe-se aqui novo aspecto do caráter da consciência alienada ou ingênua: não é impatriótica por natureza, mas incide na ingenuidade de pretender libertar-se com o auxilio do seu carcereiro. Não foi atoa que um ex-ministro de relações exteriores do Brasil em meados da década dos anos 60 bravejava em público sua alienação em afirmar "o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil".

A inteligência do país subdesenvolvido é liminarmente dissuadida de se esforçar em produzir de si a sua imagem da realidade, pelas insinuações que recebe e lhe demonstram a inutilidade e impossibilidade de tal intento. Inútil, porque já existe um pensamento que interpreta a realidade atrasada e impossível, porque as idéias gerais, as categorias indispensáveis para levar a cabo tal cometimento estão de posse do pensador metropolitano, que as empresta de bom grado, porquanto, assim fazendo precipita a parte fraca no circuito da alienação cultural. A malícia mais sutil da consciência metropolitana está justamente nisto: em fazer crer a consciência da nação subdesenvolvida que o caminho para a sua verdade é a alienação. Com isso santifica-se, despoja-se da repulsa que a fria exposição dos fatos causaria, ao impor as idéias e valores que lhe interessam como conclusão de uma teoria histórica.

Contra os nefastos efeitos deste sortilégio só existe remédio no florescimento da consciência nacionalista. De fato, o nacionalismo revela-se como o único recurso para superar e suprimir a alienação da consciência do país subdesenvolvido. Por natureza, o nacionalismo significa o término da alienação, pois define a essência de uma consciência nacional que reflete a sua realidade e só através desta alcança a realidade restante.

A consciência desalienada forma-se no espaço social dominado pela consciência alienada, mas não deriva desta, e sim das transformações objetivas progressistas que o curso da realidade vai produzindo. A consciência alienada, por isso que reflete outra consciência, onde não há alienação, também não possui em si mesma enquanto sistema fechado; só aparece quando se considera que aquela consciência deveria refletir a sua realidade própria e não o pensamento alheio. Só quando posta em confronto com o seu mundo nacional se patenteia o caráter alienado. Este é o motivo pelo qual os indivíduos que não se acham diretamente empenhados no processo transformador do país, - os pensadores fúteis, os literatos ociosos, os cientistas simbólicos, os políticos de clientela atrasada, os bacharéis sem serventia, os professores universitários burocratas - formam a fina flor da consciência alienada da nação dependente, e não se sabem alienados, e até mesmo repeliriam indignados esta acintosa acusação. Não participando do processo real, vivem o estado de alienação sem de ela tomar conhecimento.

Em três setores, principalmente, poderíamos apontar o antagonismo entre nacionalismo e alienação, indicando porque o primeiro determina a extinção da mentalidade reflexa. No setor econômico, a alienação consiste na dependência em que se encontra o aparelho produtivo do país subdesenvolvido da economia mais forte, que o aprisiona. Seus traços distintivos são a ausência de comando próprio, a complementaridade, o domínio financeiro da moeda nobre, o esmagamento da iniciativa autóctone, a infiltração do capital externo nas empresas existentes, a subserviência a diretrizes internacionais, o furto das riquezas minerais, a ameaça de sanções, e mil outros mecanismos de exploração e arrocho, os quais retiram da nação atrasada à capacidade de conceber e executar um projeto autônomo de destino. No campo econômico a alienação torna a economia do país dependente reflexo da consciência econômica da nação dominante.

O entreguismo, sem embargo de todas as suas revoltantes manobras materiais, é no plano conceitual, um fenômeno de alienação. É o modo de pensar de quem reflete o pensamento estranho e faz da verdade para os outros a verdade para si.

Há indivíduos, que se presumem intelectuais, para os quais o entreguismo decorre de convicções teóricas. São geralmente professores de Faculdades de Economia, jornalistas, diplomatas, publicistas a serviço de órgãos de classes patronais, pessoas que se

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justificam a si mesmas pelo estudo e debate supostamente sério dos problemas nacionais. A economia do país subdesenvolvido é duplamente alienada nas relações objetivas, inteiramente anexada à economia dominante e sob seu comando; e no aspecto subjetivo, norteada e interpretada por teorias onde se reflete a realidade alheia, e do mundo desenvolvido.

A alienação política é de todas as mais graves porque contribui para conservar as demais. Explica-se pela incapacidade da classe dirigente do país atrasado de refletir com autenticidade a sua própria circunstância. Pelas servidões econômicas ou ideológicas que a acorrentam, fica impedida de constituir para si a verdade da sua realidade, substituindo-a pelo aprendizado do saber alheio, no qual se inclui a explicação da sua própria situação atrasada, embora do ponto-de-vista do dominador, é claro.

A alienação política documenta a incapacidade do grupo dirigente de inventar o projeto nacional autêntico. A consciência alienada não tem possibilidade de criar o projeto original de destino da nação porque aceita o esquema de relações internacionais onde o dominador é sempre a figura dirigente, e onde não cabe ao país fraco senão o papel de corista no drama histórico. A consciência política alienada pertence por natureza à classe dirigente do país pobre. Não se encontra nas massas atrasadas, pois estas não chegam ao nível mínimo de cultura que lhes permitiria tomar conhecimento dos esquemas de dominação internacional postos em prática pelos dominadores. Por isso, as massas do país subdesenvolvido ingressam diretamente na consciência nacionalista logo que adquirem condições para ter consciência, enquanto tal.

A alienação cultural em nosso passado foi inevitável. Houve de fato alienação, pois a mentalidade nacional se esgotava em refletir a consciência alheia, ainda que não pudesse fazer outra coisa. Hoje, há possibilidade de chegarmos ao produto autêntico de nossa existência como ser histórico. A partir de agora será alienada toda consciência que não se comportar como reflexo da realidade brasileira, mas persistir no culto de concepções e estilos de vida estrangeiros.

O país tem de criar o seu pensamento, a sua imagem de si e do mundo, sua cultura artística, hábitos e valores, em contraposição a uma cultura existente, que o envolve e domina que se vangloria dos triunfos tradicionais, despreza e ridiculariza os modestos ensaios de um espírito diferente. É uma luta difícil, na qual tudo esta a favor da mentalidade dominante, exceto o curso da história. São dela as idéias acatadas, os valores indiscutidos as instituições afamadas. A simples proposta de um pensamento revolucionário encontra revide nas teorias filosóficas e sociais que demonstram a necessidade de manter o estado de coisas tradicional, a utilidade para o bem do homem em cultivar os valores e os princípios que nele se consubstanciam.

O nacionalismo, enquanto fim da alienação cultural terá de abrir caminho por entre os obstáculos e as ciladas da consciência alienada. Não teria qualquer possibilidade de êxito se não transportasse consigo uma verdade imanente: a de refletir as transformações objetivas que se passam na estrutura da nossa realidade. Desse fundamento é que deriva não só a verdade como também a força de se tornar origem de nova concepção do mundo, valida para quem pertence a esse espaço nacional.

A cultura não é produto abstrato, não surge de inspiração intemporal e incondicionada, mas traz a marca do tempo e do lugar onde é criada.

Com o trânsito da realidade de uma para outra fase a cultura se modifica, dando origem a divisões e luta entre estilos diferentes, porque toda transição social significa o surgimento de novos interesses e a decrepitude de outros. O nacionalismo mediante a superação das outras modalidades de alienação, especialmente a política e a econômica indica ao pensador e ao artista a existência de aspectos novos e originais da realidade nacional e os oferece como temas em busca de conveniente expressão cultural. Cria os fundamentos da consciência original que lhe corresponde, como ao superar as servidões políticas, e o mimetismo cultural, permite a essa consciência constituir-se em origem de um livre projeto de destino e de inéditas criações espirituais, que revelarão o seu novo sentimento de si mesma e da totalidade da realidade.

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A nação como origem de significações e fundação da cultura brasileira

Nacionalidade não é a coloração da consciência pelo sentimento nativista, mas a certeza, conquistada por força das transformações objetivas que operou, de possuir capacidade de conferir sentido, por si própria, às coisas e relações que lhe dizem respeito. Conferir significado às coisas, fatos e relações, é um poder que só a nação totalmente independente possui. Demonstra ter realizado uma estrutura interna de interesses materiais que a tornaram foco de significação para si representa o repúdio da interpretação alheia, única de que até ai dispunha, e a capacidade de dizer a sua verdade sobre si e sobre os outros. A nação só se torna realmente autônoma quando se constitui em fundamentos de verdade para si. Existem condições reais de nacionalidade autônoma, quando os bens universais: da civilização e do progresso científico e técnico são assimilá-los e realizados segundo um modo de ser cultural próprio.

Cultura é estilo de existência, que envolve toda produção material e intelectual do povo, e que, portanto, exprime o modo de ser dele quando determinada pela sua autoconsciência. Eis porque as manifestações artísticas populares, espontâneas e rústicas, só se tornam universais quando se origina no país o processo da arte culta, o que, por sua vez, acontece unicamente quando a nação atinge um grau de desenvolvimento material que lhe permite participar, em caráter universal, do processo histórico.

Para existir cultura nacional em grau superior é preciso haver consciência configuradora da totalidade da realidade. Só assim cada objeto, cada fato natural ou cada produto da invenção artística, recebe dessa fonte sentido e intenção. Somente quando o desenvolvimento social postula objetos mais complexos, elaborados por técnicas adiantadas, para satisfazer a existência não apenas de simples manutenção da existência, mas agora de ordem cultural, artística, é que surge a liberdade da doação de sentido às coisas. O fundamento do sentido do objeto é o ato de fabricá-lo. Somente a prática social da fabricação do objeto, ou seja, o trabalho social sobre matérias-primas nacionais permite descobrir a realidade de um novo sentido na coisa produzida. Antes, quando o país não a fabricava, ao importá-la, juntamente com a sua existência material, vinha o sentido que lhe fora dado por aqueles que a produziam. Se agora nós mesmos a produzimos, o ato criador, sendo social e consistindo em aproveitar o trabalho das massas na concretização de uma idéia, torna-se fonte de um sentido inédito, que surge na consciência simultaneamente com a existência da coisa elaborada por nós. Ha um novo sentido no objeto porque as condições da sua fabricação são agora sentidas por nós, o que anteriormente não acontecia, pois quem sentia o trabalho de confeccioná-lo eram os outros, os que o criavam. Eis porque quando se trata de objetos fabricados em nosso país pela indústria estrangeira, a apropriação do trabalho do povo, praticada por esta, acarreta a apropriação da fonte de sentido para nós das coisas assim criadas, donde, perdemos o domínio da capacidade de doar sentido ao nosso próprio mundo, que se apresenta como um caos, povoado de objetos que são em parte nossos, pelo trabalho das massas que os manufaturaram, mas ao mesmo tempo nos aparecem como estranhos, porque não recebeu de nós o sentido que só nós lhes poderíamos dá-lo trabalho graças ao qual a comunidade adquire a capacidade de criar sentido para si nas coisas que gera, é apenas aquele que o país faz para si, e o trabalho verdadeiramente humano. Se a indústria estrangeira se apropria do trabalho nacional este perde o poder gerador de sentido, pois é feito como simples trabalho animal, não afetando a consciência que o executa. Quando o trabalhador só trabalha para se manter vivo, não é lícito dizer que trabalha para produzir alguma coisa. Ao invés do trabalhado é gerar o objeto como produto da sua consciência, por conseguinte feito a sua imagem, e ele próprio que e feito pelo objeto, pois só existe como trabalhador dado a necessidade que o empresário tem de alguém que manipule a matéria bruta.

Desenvolvimento e problemas regionais

As comunidades ·marginais querem as que já se tenham estabelecido em nações juridicamente reconhecidas, querem as que se encontram como regiões de extremo

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subdesenvolvimento, dentro da área de nações mais adiant1das, estão sempre sujeitas a um processo de desnacionalização, que trabalha no sentido de fixá-las na condição colonial, favorecendo a conquista estrangeira ou a paralisação do desenvolvimento. Se a comunidade nacional não puder galgar determinado grau de progresso, a partir do qual lhe é assegurado o prosseguimento do processo expansivo em condições de crescente autonomia, os mecanismos internacionais de dominação que a subjugam serão mais fortes do que as potências internas decrescimento e conseguirão detê-las, fazendo o país enveredar pelo caminho da gradativa desnacionalização. A essência de nação como processo exprime-se neste axioma histórico: o conjunto de relações objetivas que a constituem cresce constantemente. O desenvolvimento, fundamentalmente o econômico, é condição e causa de reforço histórico da unidade nacional que se torna tanto mais estruturada e garantida contra os atritos do tempo quanto mais à nação como um todo se expande material e culturalmente.

A essência da nação não é uma entidade de caráter metafísico, existente por si, fora do tempo, projetada do alto sobre o cenário histórico. Todo pensamento que imobiliza a realidade da nação tem intenções reacionárias, visa a sugestionar a consciência social para que aceite como imutável o estado de coisas vigente, onde tão bem prospera a classe a qual convêm manter a situação presente. Se admitirmos o caráter estático do ser nacional, ficamos impedidos de utilizar o conceito de contradição dialética e de colocar todos os problemas sociais econômicos e políticos, com que nos defrontarmos na perspectiva que busca descobrir as tensões entre os aspectos contraditórios da realidade nacional de cada momento; deixamos de pensar historicamente, porque nos recusamos a ver o papel propulsionador desempenhado pelas contradições internas da realidade nacional, dentre as quais sobressai a disparidade entre regiões desigualmente desenvolvidas. Somente a teoria dialética está capacitada a nos oferecer as justas categorias para entender os desníveis regionais, prever e conduzir o processo da sua abolição.

A superioridade do ponto-de-vista dialético, e sua verdade específica, esta em mostrar que o processo não se desenrola pela indefinida ampliação linear e tranqüila das relações objetivas, acrescentando-se umas as outras em seqüência natural harmoniosa, mas realiza por via do estabelecimento de contradições interiores e sua consecutiva resolução, em certos casos, mediante saltos históricos, transformações sociais qualitativas violentas. Indica que tais contradições são a maneira normal como se produz o desenvolvimento nacional, donde ser insensato revoltar-se contra a sua existência, pretender negá-las ou removê-las pelo esmagamento.

Em face do problema das desigualdades regionais o pensamento metafísico, não-dialético, conduz erros graves e as desastrosas incompreensões. A mais séria delas e julgar anômala a contradição regional e pretender extinguí-la sem promover a realidade do país, na sua totalidade, a um degrau superior no curso do processo histórico.

Para resolvê-lo, necessita-se fundamentalmente do pensamento dialético, porque, tratando-se de contradição objetiva, só a teoria dialética nos explica em que esta consiste, porque surgiu e como deverá desaparecer. Principalmente esse pensamento teórico faz-se necessário aos políticos das próprias regiões subdesenvolvidas, a fim de que saibam como conduzir suas justas reivindicações, não se desviando para considerações laterais, digressivas, pouco pertinentes, mas apreciando o fenômeno do relativo atraso das suas áreas na perspectiva do processo comum da nação. A categoria de totalidade revela-se aqui a idéia diretriz capital. Ora, tal categoria, juntamente com a lei do progresso por estabelecimento e resolução de contradições objetivas, pertence a visão dialética da realidade histórica. Pensar, portanto, fora desta perspectiva equivale a praticar erro metodológico capaz de levar a funestas conseqüências, uma das quais seria 'difundir-se um falso conceito de "contradições regionais”; que viria dificultar a rápida eliminação do desequilíbrio entre as áreas do País pelo desnorteamento das forças que o devem solucionar.

O risco de destruição nacional diminui verticalmente quando se gera no interior do país intenso circuito econômico, que impulsiona as partes retardadas a ingressarem no campo de interesses objetivos que dão suporte a consciência coletiva. Mediante pressões

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políticas reivindicadoras de benefícios e de igualdade de tratamento, as regiões menos desenvolvidas tornam-se fator decisivo da aceleração do processo, que conduz a resolver rapidamente a disparidade de situações.

As regiões relativamente atrasadas em um País de tão grande extensão como o nosso, estão destinadas a exercer papel histórico cada vez mais relevante na vida conjunta da nação. Sua consciência social revela sensibilidade superior a das demais e tende a exercer função predominante no âmbito da consciência geral e na condução do processo político das áreas relativamente mais adiantadas a não os expoentes se entregarem a euforia ingênua e a se reconhecerem como partes do mesmo todo subdesenvolvido. Estabelece no espaço- comum da consciência nacional um circuito de consciência que se superpõe a circulação dos bens e objetos fabricados: enquanto a área mais pobre consome o produto das mais adiantadas, estas "consomem" a consciência das primeiras, no sentido de que são forçadas a se deixar impregnar pelas exigências de desenvolvimento feitas pelas regiões atrasadas.

A consciência do desenvolvimento, que desperta nessas regiões, não aceita, com toda razão, que tais áreas permaneçam no estado de simples mercados consumidores para a indústria de outras regiões, mas quer também industrializá-las deste modo reforçando a unidade nacional, ao colocar num único plano superior as relações econômicas, sem injustos desníveis nem dependências. A dinâmica da circulação econômica e as alterações por que passa, impõe a fusão das consciências regionais na única e real consciência do País. Tal fato é extremamente salutar e auspicioso. A gravação das reclamações regionais constitui condições do próximo final dos inadmissíveis desníveis hoje existentes.

A nação, porém, se já se organizou como unidade jurídica livre, em conseqüência do movimento de consciência comum, a tendência do processo histórico atua no sentido de incorporar a si os espaços atrasados que se encontram no seu interior, resolvendo assim as contradições nela existentes, removendo as disparidades de interesses e equalizando as situações reais.

Vê-se que a garantia suprema da unidade nacional está no contínuo processo de desenvolvimento material e cultural da nação, feito em condições que provam a completa igualdade entre as regiões que a compõem.

Estas considerações têm particular importância com relação ao Brasil. Sendo Pais que mostra graus de desenvolvimento variados, conforme as diversas áreas internas, entre as regiões geográficas naturais dão-se relações econ6micas que talvez levassem a pensar haver dentro da mesma nação a polaridade entre metrópole e colônia. Ouve-se às vezes até estudiosos responsáveis, mencionarem essa relação, com referência as áreas de desigual progresso no País. Tal não se dá, porém, pois as validades desses conceitos se opõem os fatos peculiares ao sistema de circulação dos bens das pessoas a assim como a estrutura jurídica e os vínculos sociológicos que ligam os espaços atrasados aos mais desenvolvidos. Poderíamos se quiséssemos guardar a terminologia de "centro e periferia” observando, contudo que não se identifica de modo algum com a relação metrópole-colônia. A dualidade de centro e periferia, que não traz comsigo nenhuma nota vexatória para qualquer parcela da comunidade e constitutiva de todo processo de desenvolvimento, em qualquer país, tem sempre forma variável, caráter relativo e distribuição alternante.

Dentro do nosso País, a mesma região que, julgada por certos critérios, admite ser tomada como periferia de outra, distante, mais adiantada quando considerada na comunicação que mantém com alguma terceira revela desempenhar para com esta o papel de centro dinâmico. É precisamente o caráter de transitividade da relação centro-periferia, determinando que dada periferia seja também centro para outra área, e, 'portanto, não afixando para sempre no estado periférico, que assegura a um País como o nosso a possibilidade de desenvolvimento contínuo e indefinido, tendendo para a rápida supressão das desigualdades regionais, porquanto o curso desse processo, importante necessário incremento do mercado interno e do poder' aquisitivo de toda a população liga cada vez mais intimamente as partes interiores e consolida a unidade nacional. Representa ao mesmo tempo, o traço que a distingue da relação metrópole-colônia, pois nesta não há transitividade, a colônia é só e sempre colônia nunca desempenha a função de metrópole de

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outra colônia. Nesta última relação, quanto mais à metrópole se desenvolve mais a colônia se torna colônia e se empobrece; porém, no caso da relação entre centro e áreas laterais do mesmo país, quanto mais as regiões prósperas se desenvolvem - desde que o processo de desenvolvimento seja conduzido pela ação do Estado, que canaliza recursos nacionais para investimentos prioritários nas áreas atrasadas, segundo um plano racional - mais as retardadas podem exigir meios de encurtar a distância que as separadas das primeiras.

É corrente a afirmação de existirem em nossa realidade nacional "dois Brasis". Há de fato dois Brasis, mas não no sentido em que pretendem apresentá-los os portadores da consciência simplista. Não são dois Brasis separados no espaço, um no Sul-Sudeste, supostamente desenvolvido, e outro atrasado, no Norte-Nordeste. Os dois Brasis estão separados no tempo social e não no espaço geográfico. Estão ambos no. Sul-Sudeste tanto como na região nordestina. São grupos sociais corporificando fases diferentes de um só processo histórico, e de fato coexistem, um ao lado do outro, separados pelos respectivos fundamentos no processo da realidade, embora unidos na composição da mesma nação. Os dois Brasis acham-se tanto nas metrópoles do sul como nas regiões pobres do norte, e não formam dois pedaços do corpo nacional, divididos por fronteiras regionais, mas dois momentos do processo nacional em toda parte. O Brasil atrasado está tanto no Sul como no Norte, está onde existem forças sociais retrógradas, grupos empenhado em manter a velha estrutura de produção ou em servir aos fins do capital estrangeiro colonizador, defendendo um estado econômico superado, e naturalmente fieis as idéias e valores peremptos que dão justificativas às posições de que desfrutam.

Nenhum tema há mais grave e mais rico para a meditação sociológica do que o do antagonismo entre as regiões relativamente desenvolvidas do centro e do sul do nosso País e as áreas setentrionais e nordestinas situadas em grau mais atrasado de desenvolvimento. É imperioso que todo o esforço dos pensadores se dirija no sentido de esclarecer este problema, de definir exatamente o significado dos seus dados: dos fatores sociais em presença, e de apontar o rumo em que deve ser procurada a solução. Para isso, entretanto, exigem-se condições ideológicas idôneas, a teoria autêntica do processo nacional, correto método de análise sociológica, uma ciência econômica desalienada, sem o que o problema fica ao sabor do impressionismo da consciência ingênua e poderá ser encaminhadas na direção de funestas improvisações. Parece-nos que o fundamento de todo raciocínio, sem o qual não haverá qualquer proposição racional referente a este problema, e compreender ser impossível considerar a desigualdade entre regiões do País senão colocando-a no quadro do conflito de interesses entre as diversas classes sociais. Fora desta perspectiva a questão se torna ininteligível na sua origem, no seu estado atual e nas possibilidades de resolução. Sendo um desequilíbrio basicamente econômico, a diferença de interesses e, por conseguinte, de comportamento, das classes capitalistas e trabalhadoras, pertencerão essência do processo, onde se gerou esse desequilíbrio e por isso não seria compreensível intentar o exame da situação real sem conduzi-lo em termos de antagonismo de interesse entre aquelas classes. Quando se analisam as conseqüências de tal desequilíbrio, principalmente seus reflexos na conservação da unidade nacional fazem-se imprescindível ressaltar a diferença de comportamento das classes proprietárias dos meios de produção e das classes trabalhadoras na situação objetiva vivida por ambas, sem o que não chagaremos ao âmago do problema e não disporemos de elementos para resolvê-lo.

Ao considerar o desnível entre duas regiões e ao nos referimos à consciência de uma e de outra, mostrando como se diferenciam nas suas exigências e como procuram conciliar-se nos seus interesses, dentro do processo nacional comum, não devemos em nenhum momento perder de vista este dado capital: em cada uma dessas regiões não há unidade de interesses entre as classes aí existentes. A análise seria completamente falseada se começássemos por confrontar dois estados econômicos e duas consciências, supostamente uniformes, que lhes correspondessem; o dado primário, aquele do qual é imperioso partir, sob pena de se estabelecer o problema em termos falsos, consiste em observar e distinguir o comportamento das respectivas classes em uma e em outra área, e ver até que ponto se associa ou se opõem os seus particulares interesses de classe. Quando no sentimos invalidados por certa inquietação ao considerar os riscos que podem

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representar para a unidade no nosso País o agravamento das desumanas desigualdades entre as regiões, não devemos perder de vista que, colocar o problema neste molde geral, - a disparidade entre regiões e tratá-lo de modo abstrato, pois não há "regiões em si", mas estados de desenvolvimento de determinadas sociedades locais, sendo estas formadas por classes entre si antagônicas donde não ser ilícito abordar o tema senão mediante a observação da conduta das diferentes classes sociais nas regiões de crescimento desigual. Assim fazendo, sentir-nos-emos grandemente tranqüilizados nos temores que nos despertam as disparidades atuais, pois verificaremos que suas divergências entre classes idênticas em regiões diversas que agravam o desnível existente, como também e a convergência entre outras classes semelhantes das regiões distintas que asseguram a unidade do processo nacional.

São apenas as classes capitalistas do Sul-Sudeste e do Norte-Nordeste que poderiam entrar em conflito aberto se seus interesses viessem a se chocar em assuntos de alta importância para elas, com isso ameaçando a unidade do todo. O que garante, porém esta unidade e a torna indestrutível e fundamentalmente a natural unidade das classes trabalhadoras, urbanas e rurais, as quais tanto no Norte e Nordeste como no Sul e Sudeste têm os mesmos interesses, lutam pelos mesmos objetivos, contra os mesmos adversários. As classes trabalhadoras sulinas e nordestinas, sendo igualmente exploradas, têm evidente unidade de propósitos, e por isso não pode dar-se o caso de entrarem em choque uma com a outra. Ainda quando pertençam a etapas diferentes do mesmo processo nacional, seus problemas são equivalentes, seus níveis de vida, embora um pouco distintos. Por força da desigualdade de desenvolvimento regional, não as opõem uma a outra, conforme se comprova pelo aparecimento do mesmo espírito de insurreição camponêsa em áreas nordestinas e nas fazendas do Sul. É que, num e noutro lugar, as massas trabalhadoras no campo lutam contra idêntica opressão por parte dos senhores de terras; por isso, quando se levantam num gesto reivindicatório, não o fazem em nome de uma disparidade regional, mas em nome de uma disparidade social. No íntimo do conflito regional está o conflito social. Os que procuram ressaltar unicamente o aspecto regional são representantes da classe dirigente das áreas pobres, aos quais convém que somente este aspecto seja considerado, pois a solução do problema apenas por este lado lhes é de todo favorável, enquanto seria desastrosa para os seus· interesses de classes se fosse posto em evidência que sob a capa do conflito de economias regionais desiguais o que na verdade se contem é a afrontosa exploração do trabalho humano, especialmente rural, por aqueles que o empregam.

Este fato e de suma importância para a nossa meditação. Nada mais grave do que nos deixarmos arrastar por formulações do problema da desigualdade regional que ocultam deliberadamente a face social do conflito, e por isso o apresentam no feitio que convém a classe dominante. Nas áreas mais pobres o trabalho, na quase totalidade agrícola, é mais explorado, o agricultor mais espoliado do que em regiões onde o desenvolvimento econômico impõe níveis de vida relativamente, melhores. Significa isto que os capitalistas e latifundiários daquelas regiões só adquirem a posição dominante que ostentam por efeito dessa exploração mais aguda, mais desumana. São, portanto expoentes do subdesenvolvimento local, a ele estão ligados como a condição de sua mesma existência enquanto classe, donde não ser de esperar que venham a conduzir qualquer reivindicação regional que importe alterar a estrutura local sobre a qual assenta o seu predomínio de classe. Sob a capa de reclamos de regiões desfavorecidas, o que reivindicam do governo federal são medidas que aumentam os seus lucros e reforcem o sistema de produção a que estão ligados, e que implica aumentar simultaneamente o subdesenvolvimento local. Não reivindicam atos políticos e econômicos que efetivamente contribuam para o desenvolvimento da região, como por exemplo, a autêntica reforma agrária, pois tais atos acarretariam a supressão dos próprios reclamadores enquanto classe dominante. Deste modo, a conduta dessas classes dirigentes é necessariamente ambígua, terminando por ingressar na deslealdade para com os verdadeiros interesses regionais.

Vivendo na pauta desta inevitável ambigüidade, as classes dirigentes das regiões atrasadas procuram, pela veemência verbal do seu protesto, obter da consciência nacional,

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como um todo, especialmente dos órgãos da administração federal, medas que lhes permitam desenvolver as áreas pobres, mas simultaneamente lhes assegurem os privilégios de domínio. Procuram enquadrar o problema, tão real e tão justo, das reivindicações nordestinas, por exemplo, em fórmulas que evitem desnudar as relações de produção, em grande parte ainda pré-capitalistas, imperantes naquela área.

O único perigo que poderia advir para a unidade nacional seria a possibilidade das classes dominantes em regiões diferentes, se eventualmente entrassem em discordância insolúvel, arrastarem as massas das respectivas regiões, enfeitiçando-as com apelos ao sentimento regional e traçando-lhes um quadro explicativo da situação de conflito falso, mas emocionante. Tal risco, entretanto não passará de certo limite, e sem dúvida a ameaça por ele representada nunca surtirão efeito desejado pelos grupos senhoriais, pois a própria veemência com que a classe dominante expuser a sua espoliação, tentando tipificá-la ao empobrecimento geral da região, fará ver as massas que o verdadeiro antagonismo, de que resultam os males apontados, é o existente entre elas, classes trabalhadoras, e os seus exploradores locais.

O progresso do desenvolvimento, realizado nas condições em que estamos conduzindo, acarreta o distanciamento entre etapas diferentes, precipitando o crescimento de certas economias regionais e retardando o curso de expansão de outras regiões. Daí processa-se disparidades que ameaçam a harmonia do conjunto e que terão de ser rapidamente superadas sob pena de atingirem no futuro pontos, críticos.

O processo de rebelião local não deve ser dissociado do processo de desenvolvimento coletivo do País, pois é este que induz o primeiro, não apenas pelas contradições gerais que engendra, ao determinar o distanciamento das áreas favorecidas em relação às outras, mas ainda porque, em conseqüência das transformações materiais progressistas que instala na área atrasada, estabelece condições infra-estruturais que violam o espaço arcaico e rasgam a superestrutura política e social que nelas assentava. Nenhum risco existe, pois, de que os movimentos populares regionais, quando dirigidas por autênticos líderes das massas pobres e oprimidas, degeneram em exigências de autonomia política, ainda que tais calúnias provavelmente venham a ser veiculada pelas camadas dirigentes, ao verem ameaçado o seu predomínio. Não há perigo desse desfecho, porque, primeiro, o que induz esses movimentos são as condições gerais do País, portanto, condição na maior parte não limitada a área considerada, e segundo, porque o interesse das massas populares da área pobre está em se incorporar aos restantes contingentes de trabalhadores para levar a cabo a transformação estrutural de cuja necessidade a sua consciência se convenceu.

A este propósito, convém acentuar que se torna imprescindível submeter à idéia de "região" a um tratamento dialético, o qual mostrará a variabilidade de conteúdos que se em cobrem sob essa noção, de acordo com as etapas do processo de desenvolvimento. Igualmente, o mesmo tratamento irá mostrar o significado diverso que assume a cada fase o conceito de "antagonismo entre regiões". Nada mais importante do que interpretar dialeticamente o conceito de região, pois a consciência ingênua, quase sempre· das classes cultas ou a das interessadas na· exploração das massas, adota um conceito não dialético, portanto, estático, formal, invariável, porque tal conceito justamente convém aos seus interesses. A "região" não constitui unidade fixa da existência nacional, mas representa um aspecto configurado no decurso do processo da totalidade formada pelo País. Não tem limites instáveis, eternos, irrevogáveis, mas se estabelece de acordo com a estrutura do processo produtivo de certo momento histórico.

Como o desequilíbrio regional se apresenta, no momento, vantajoso tento para as classes dominantes das áreas adiantadas quanto para as das regiões retardadas, parece claro que ambos repudiarão a noção dialética de antagonismo, desejando suprimi-lo em palavras, para observá-lo de fato. Só as massas de uma e de outra região, ou seja, só o País todo, na sua absoluta maioria de sua população, está interessado no termino dos desníveis regionais. É imperioso denunciar o que representa como mistificação todo enunciado do problema das regiões atrasadas, do Nordeste em particular, que insinua velada ameaça à unidade do país, quando, na verdade, se destina a encobrir o aspecto

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essencial do problema, o esbulho das massas da região pobre pelos latifundiários e seu séquito de comensais, que as exploram para tanto se utilizando dos préstimos de grande contingente das classes medias, diretamente favorecido pela dependência em que prosperam. Tampouco será possível equacionar em seus verdadeiros termos o problema do subdesenvolvimento regional, isolando-o do quadro de servitude econômica que abarca o País como um todo.

As classes dirigentes da região atrasada são as mais comprometidas com o imperialismo, quer diretamente, por que têm vantagem em apoiar as empresas estrangeiras que operam na área pobre, explorando o trabalho agrícola ou as riquezas minerais, quer indiretamente, porque participam do sistema geral de dominação montado no País, sob intensa influência do capita alienígena. Para discutir a questão nos seus verdadeiros elementos, faz-se mister levar em conta todos estes fatores. Para avaliar o que pode representar como ameaça a Integridade Nacional a existência das áreas gravemente subdesenvolvidas, em seu interior, deve-se incluir o papel do imperialismo na constituição da situação objetiva.

A exploração do trabalho nacional pelas empresas estrangeiras assume aspecto qualitativamente diferente nas regiões mais adiantadas e nas atrasadas. Nestas ultimas, os procedimentos espoliativos não apenas tem de se acomodar a baixas condições de trabalho existentes, mas, sobretudo são montados de tal maneira que, dando o máximo lucro ao capital colonizador, ao mesmo tempo atuam no sentido de conservar, e até de agravar o desequilíbrio econômico dessas áreas em relação ao resto do País.

Não há consciência regional senão como aspecto e componente de uma só consciência nacional. É justamente porque a última constitui um fundamento unitário que dentro dela se distinguem modalidades regionais. Não hã oposição entre consciência regional e nacional; entre elas existe tão somente mediação dialética. A consciência nacional só se define mediante uma manifestação regional, e esta por sua vez só é reconhecida com esse caráter se, através dele, exprime a totalidade da consciência da nação.

Para ser conceito concreto, e, portanto capaz de atuar objetivamente, precisa pertencer à consciência de um brasileiro real, evidentemente, a de alguém que vive em determinado ponto interior do nosso espaço, e por isso sofre os condicionamentos que tal situação lhe impõe. Não teria sentido exigir desse homem que se despojasse dos seus determinantes vitais para se elevar ao plano da idéia abstrata de nacionalismo. Se esta idéia tem valor histórico operante, é porque na universalidade com que representa os problemas nacionais se exprime o legítimo ponto-de-vista de uma consciência sempre em situação local. Só assim o nacionalismo se torna teoria concreta e apta a orientar a resolução dos problemas do subdesenvolvimento parcial de cada área do nosso território. Não há, portanto, conflito entre nacionalismo e regionalismo na consciência crítica; antes,ao contrário, um não pode existir sem o outro, desde que se trate do conceito crítico autêntico do nacionalismo. Só tenta estabelecer oposição entre ambos os que temem a natural concordância de um com o outro, pois vêem ameaçado o predomínio regional que exploram em seu proveito.

As classes trabalhadoras, cuja situação se mostra qualitativamente a mesma em todo o País só diferenciado pela intensidade com que são exploradas num lugar ou em outro, constituem o fundamento da consciência nacionalista unitária do País; mas não chegariam a integrar essa real unidade senão ingressando nela com o pensamento que a sua situação regional lhes dão da identidade dialética entre nacional e regional, que, enquanto conceitos concretos, ou seja, expressões de conteúdos da realidade só se opõem para se identificar na consciência nacionalista a qual soluciona cada problema local porque o dissolve no problema nacional único a superação do subdesenvolvimento comum soluciona o problema nacional porque o resolve na multiplicidade de seus aspectos particulares locais.

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IX. PRINCÍPIOS DE UMA POLÍTICA NACIONALISTA Sob o ângulo das categorias da consciência crítica, a realidade contemporânea

brasileira pode ser vista nas seguintes dimensões ou instâncias: A. POLÍTICA. Quando apreende a sociedade em sua relação material consigo

mesma na medida em que se organiza. Sua problemática flui e se expressa: � Nos aparelhos de Estado tanto burocráticos, militares e financeiros como nos

embrionários de planificação, no poder do Estado, seja ele federal, estadual, municipal ou composta por via de alianças de classes, estratos e categorias sociais

� Na forma do Estado através da república burguesa federativa existente que se autodenomina de democrática quando sua essência é plutocratica

� Na sociedade civil, através da superestrutura político-ideológica em oposição dialética ao Estado nos sistemas econômico, político, ambiental e ideológico

� Nas classes, estratos e categorias sociais nos seus papéis de detentoras, mantenedoras e à margem do Estado.

B. ECONÔMICA. Quando apreende a sociedade em sua relação material com a natureza e caracteriza as atividades de produção e circulação de mercadorias por sua:

� Organização social da produção, especialmente, vista pelos modos de produção

� Ordenação social e econômica pela lógica do valor na formação econômica e social do país

� Tipologia de produção e circulação dos bens econômicos, a partir dos distintos mercados e, dentro deles, os estratos e classes sociais segundo os modos de produção em que estão inseridos.

Sob esse ângulo, devem-se apreender aqueles estratos e classes sociais que detém os meios de produção e aqueles desprovidos dos mesmos não somente no processo de produção, propriamente dito, mas também, no de circulação dos bens econômicos.

C. IDEOLÓGICA. Quando apreende a sociedade em sua relação entre o real e sua

representação, isto é, através das relações de: � Domínio � Apropriação dos meios de produção � Conhecimento.

Sob essa instância, tem-se a função ou a tendência de se harmonizar o mundo de

forma ideal, escamoteando, ocultando e negando suas disparidades e contradições, não reproduzindo, fielmente, as condições concretas em que vivem as pessoas nem seus problemas reais. Somente o pensar crítico tem a condição de explicitar o caráter ideológico das pessoas, através de suas idéias e comportamento, isto é, nas suas relações entre a realidade e sua representação.

D. ECOLÓGICA-AMBIENTAL. Essa instância tem a ver com a Agenda 21

Brasileira que serve de paradigmas para os estudos de impactos ambientais (EIA) e relatórios de impactos ambientais (RIMA), que são obrigatórios para toda grande intervenção no meio ambiente do País e, principalmente, como guia das agendas 21 estaduais e locais e para a formulação de planos diretores, objeto da Lei 10.257, conhecida como Estatuto da Cidade.

Na ocasião da realização da Conferência Rio + 10, na África do Sul, somente o Estado de Pernambuco havia elaborado sua Agenda 21, muito embora vários municípios brasileiros já fizessem, ou estavam elaborando suas agendas locais. Considerando o

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conceito de desenvolvimento sustentável que tem imbricado: gerar riqueza e melhorar na distribuição localmente; preservar a natureza com vistas à qualidade de vida; considerar as gerações futuras; estabelecer prioridades em função de interesses sociais coletivos e, fundamentalmente, mudar a natureza da contradição entre produção e consumo, tendo como meta a conservação ambiental e o combate à miséria a partir de suas causas, foi que se elaboraram as Agendas 21 Brasileira e a de Pernambuco.

Após as considerações sobre a categoria de nacionalidade como síntese do sistema categorial, aqui, apresentado, procura-se, a seguir indicar um elenco de atos para uma polltica nacionalista. A itenção é apresentã-los somente ao nlvel dos princípios gerais, a que deverão obedecer a planos concretos da ação estratégica e tática posslvel em cada conjuntura, a serem executados no regime político existente pela consciência crltica do país. Os atos que a seguir se apresentam, objetivam, portanto, doar o sentido que se deseja que o processo de desenvolvimento nacional avance.

1. A INCORPORAÇAO DO TRABALHO NACIONAL AO PAÍS

O humano é um ser que necessita atuar sobre a natureza para conservar a existência, mediante a produção dos meios que o sustentam. Mas, em vez de fazê-lo de modo instintivo, apenas utilizando recursos que encotra ao seu redor, como as demais especies animais, o faz de modo criador, investigando as forças naturais, dominando-as e pondo-as a serviço das; suas necessidades. É, pois, um ser que inventa o seu ser, que o cria, porque estabelece, com a natureza circundante e com os seus semelhantes, relações que são produto da sua capacidade inventiva-criativa. Pelo processo de trabalho, o ente humano se apossa realmente do mundo natural onde se encontra, descobrem as leis que o regem, as propriedades das coisas que o compõem e delas se utiliza em seu proveito. O processo de trabalho exprime, portanto, a essência humana, mas, para que assim seja na trama de vlnculos sociais estabelecidos pelos indivíduos uns com os outros, tendo por base o esforço coletivo executado sobre a natureza, se conserve íntegro o caráter humano, próprio do ímpeto criador e produtivo com que os humanos exploram o mundo natural.

O pals subdesenvolvido sofre, em caráter coletivo, de um tipo particular de alienação do trabalho, a alienação internacional. É um país que trabalha para outros, o qual aufere a mais-valia da exploração exercida sobre o primeiro. No plano internacional processa-se o mesmo regime de exploração que foi assinalado na alienação do trabalho individual. O país pobre desempenha o papel do trabalbador pobre de um patrão rico. É na sua esséncia um país proletário. Trabalha para outro e somente aproveita em seu beneficio a minima parte da riqueza que produz. A política nacionalista deve ter como regra suprema abolir esta servitude internacional, restaurando o valor do trabalho nacional, pelo íntegro aproveitamento dele por parte do País, e fazendo-o realizar-se em modalidades superiores, verdadeiramente humanas, estinguindo as formas desumanas mantidas pelo estado de servitude colonial.

Os economistas, administradores e bacharéis de diferentes ciências humanas que se sentem tranquilizados sobre a nossa capacidade de atingir a plena autonomia econômica, quando consideram a pequena quantidade de empresas estrangeiras, comparada com as nacionais, deviam reparar em que tais forças são de fato quantitativamente minoritárias no País, mas têm atrás de si o imenso poderio das forças capitalistas do sistema a que nos achamos no momento vinculado, atuam em consonância com esse sistema e não em obediência aos determinantes da economia nacional.

Neste fato está precisamente o essencial do esbulho a que se acha submetido o país atrasado: as forças antinacionais que o exploram, ainda quando numericamente minoritarias são dotadas de alto potencial e poder politico, e por isso, de uma maneira ou de outra, convergem para o resultado final que consiste em se apropriar da maior parte do trabalho das massas subdesenvolvidas. Só quando o trabaho qualitativamente nacional asumir posição dominante no processo econômico do país ter-se-á libertado da influência politica exercida pelo capital que explora o trabalho alienado dos proletários brasileiros e do

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país em geral. O trabalho comumente feito no país capitalista dependente é por essência desumana, porque representa duplamente trabalho para outro: o empresário estrangeiro e a economia alheia.

A presença do capital estrangeiro, no país, embora minoritaria lhe dêem poder de mudar um dispositivo de dominação geral sobre todo o trabalho do País, mediante o qual as massas, mesmo trabalhando diretamente para o capital nacional, estão de fato trabalhando indiretamente para o capital estangeiro, que, em ultima instância, recolhe os frutos de todo o labor do país. Esse é o papel principal da chamada globalização econômica, em particular do capital.

Num enfoque nacionalista é preciso determinar que o trabalho se execute somente em empresas nacionais, pois, só assim, aparece como trabalho engrandecedor do país, isto é, aquele que é feito por ele e para ele. Infelizmente, no presente momento histórico brasileiro em sua maior quantidade o trabalho nacional se realiza para os outros na globalização da economia sem ação recíproca no processo de trabalho que continua local e, muita das vezes, descartáveis.

Também no meio agrícola o trabalho das massas tem por fim manter vivo o trabalhador em condições humanas, passando do estado de executante animal ao de operário humano. O país subdesenvolvido ignora que a sua principal riqueza está na capacidade de fornecer trabalho a si mesmo. Tem de lançar mão dele como da sua riqueza fundamental, aquela que condiciona todas as demais.

De nada lhe vale possuir imenso potencial econômico, representado por matérias-primas, espaço cultivável, fontes de energia, se não atualizar a riqueza primordial, o labor do povo, sem a qual nenhuma das outras é riqueza. Na fase em que aconsciência social permanece obscura e, ainda, incapaz de alcançaresta verdade, cede facilmente à pressão econômica dos países exploradores e aceita a implantação do capital estrangeiro, recebê-lo-o como se fosse o proto-fator que desencadeará o processo de desenvolvimento autônomo. Não percebe que é vítima de insidioso engano, pois ao admitir o capital estrangeiro na qualidade de instrumento indispensável para acelerar o processo nacional, está anulando ou desperdiçando o único verdadeiro instrumento do seu livre progresso, o fator interno, o trabalho para si.

Capital estrangeiro signífica sempre trabalhar para outro. É imperioso compreender que toda concessão feita ao capital estrangeiro representa cessão do trabalho nacional a um país estranho. O capital estrangeiro tem a função de condenar parte do povo ao trabalho para ele, em condições de exploração, e o restante ao trabalho não qualificado.

A luz destas considerações merece ser revista a conceituação do problema econômico da exportação de matérias-primas estratégicas e dos genomas. A primeira coisa a assinalar é a insuficiência do conceito apenas econômico de "matéria-prima". Com isto denunciamos desde logo o erro e a estreiteza de pensamento da maioria dos nossos economistas profissionais, alienados por força de suas vinculações ao capital estrangeiro. Faz-se necessário interpretar aquele conceito numa perspectiva mais ampla, principalmente filosófica, pois na verdade toda substância chamada “matéria-prima" transporta determinado potencial de trabalho a ser feito sobre ela, constituio correlato f1sico para cumprir uma exigência especificamente humana. A matéria- prima só existe enquanto tal, se destinada a cofeccionar algum produto mediante o emprego da força humana no processo de trabalho, que a deve converter em certo bem acabado. E impossivel dissociar uma coisa de outra. Matéria-prima não equivale a matériabruta, conceito só aplicável às escórias inaproveitaveis, ao cascalho, à ganga que acompanha a substância utilizável. A matéria-prima, por isso que prefigura o objeto futuro, ja contém um teor de qualidade superior ao da simples existência natural, porque só a concebemos em indissoluvel conjugação com o trabalho que sobre ela deve ser executado, sem o qual não teria sentido chamá-la de matéria-prima, pois não seria matéria primordial para nada. Logo, é indispensável que a reflexão política, econômica ou sociológica sobre o problema da exportação dessas substâncias se proceda a levar sempre em conta o valor do trabalho potencial a elas associado.

A questão fundamental cifra-se em saber quem vai executar esse trabalho, se o operário brasileiro ou o estrangeiro. Quando o nosso País exporta uma tonelada de minério

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de ferro, de nióbio, manganês, etc. exporta, juntamente com essa massa flsica um quantum de trabalho que deixará de ser feito aqui. Êste é o fato decisivo, que jamais deverá ser esquecido. Tendo visto anteriormente que a condição inicial para que o País realize trabalho para si, consiste em fazê-lo aqui, e aqui duplamente, no seu espaço interior e em fábricas de sua propriedade, a exportação do minerio, sendo ao mesmo tempo exportação de trabalho nacional potencial, significa necessariamente um obstáculo ao desenvolvimento para si do País. O que se entende por matéria-prima é sempre a matéria de um trabalho futuro. Se este não for executado pelos possuidores da substância corporea que fornece a base e a razão de ser dele, ou se tal substância apenas sofrer aqui as primeiras operações elementares, de simples beneficiamento, para oferecê-la em melhores condições ao estrangeiro que a vai realmente trabalhar, o País estará alienando aquilo que compõe a sua riqueza fundamental, a capacidade de trabalhar para si. Exportando a matéria-prima e deixando ociosa a mão-de-obra eventual, que a converteria em bens utilizáveis, o País pratica duplo crime, o de se despojar de uma riqueza insubstitufvel e o de reduzir o seu potencial de trabalho, relegando as massas dos futuros operários qualificados à condição de semoventes, vegetando no plano de simples subsistência sem saber de suas virtualidades. Para o pals dependente, o problema não consistea na exportação de minérios se produz, ou não, divisas, mas se produz, ou não, trabalho.

Como as exportações de minérios só paga além do valor venal da substância, o trabalho primário de extração, transporte e venda de mercadoria, o País sai sempre perdendo, pois nunca lhe será pago o trabalho potencial contido na matéria-prima que exporta, sob forma de renuncia ao aproveitamento interno. Por isso, a rigor cabe dizer que não existe o problema da exportação de materia-prima; o problema real é a exportação do trabalho do potencial trabalho dos brasileiros.

A polftica de exportação de minério e outras matérias-primas equivalem, portanto, a uma política de desemprego da força de trabalho nacional. Por isso a política nacionalista advoga que só há um meio de escapar: cessar a exportação, nacionalizar as empresas estrangeiras, assegurando deste modo a acumulação do trabalho interno que gerará capital suficiente para o processo de desenvolvimento autônomo.

Exportar matérias-primas ou de trabalho, significa privar um ser humano brasileiro de trabalho sobre ela. Por este fato é que o problema de exportação de matérias-primas não é assunto que compete análise econômica, mas fundamentalmente à consciência polltica das comunidades e dá nação.

A tltulo de exemplo, para desmascarar a falácia do pensamento estritamente econômico, vale à pena mencionar um dos conceitos centrais da visão alienada do problema da exportação de matérias-primas. Referimo-nos à noção de "preço compensador". Os interessados neste comércio nocivo procuram apresentar a questão como se cifrando em estabelecer uma polltica de bons preços para as materias-primas exportadas. Empenham-se, em análises teóricas exaustivas e esforços comerciais e diplomáticos, a fim de obter os almejados "bons preços". É preciso dizer desde 1090 que toda discusão a este respeito trava-se no terreno da consciência ingênua. Por que gira en torno de um conceito falso. Por definição, não há “bom preço” para exportar uma materia-prima, principalmente minérios, porque o único "bom preço” seria aquele que pagasse o trabalho real tal a ser feito sobre ela, entendido este como trabalho a ser feito aqui. Logo, por definição, nenhum preço de exportação é bom qualquer que seja, uma vez que só paga uma parte do valor do objeto, seu valor venal e o trabalho que custa extraí-lo. O preço nunca incluirá o trabalho de acabamento da substância até o estágio final de produto industrial pronto, sob pena de deixar de ser preço de materias-primas coloniais: logo, não há preço bom, este conceito é errôneo, interesseiro e que se apresenta como tal encobre na verdade a anulução da parcela de valor constituída pelo trabalho do povo que as materias-primas propiciariam. O país importador paga ao exportador para que não trabalhe.

Assim se ver que a prática de exportar as riquezas minerais e estratégicas para o denvolvimento jamais servirá ao processo de desenvolvimento econômico autêntico do país pobre, porque é justamente aquela que se destina a manter estável o seu subdesenvolvimento. A bem dizer e um levantamento de fundos para financiar a estagnação

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do processo de trabalho do povo. Ao pagar parte mínima do trabalho real que poderia ser despendido está pagando a ociosidade da imensa maioria das massas que ficam sem ter sobre o que trabahar. O país subdesenvolvido praticando uma economia dependente, ou primário-exportadora, configura no seu interior um mercado de trabalho imcompleto. Esta pequena parte do trabalho posslvel tem condições para se realizar. O resto fica anulado, pelo desaparecimento das substâncias sobre as quais se pode exercer trabalho. Ao exportá-las, o país abre mão do direito ao trabalho total, guardando sómente o trabalho residual, aquele que nao pode deixar de ser feito aqui. Conserva apenas a modalidade inferior, primitiva, mal paga, que não enriquece o meio interno de bens acabados, e não dá à crescente massa de brasileira possibilidade de vir a consumir produtos superiores, aqui beneficiados. O mercado de trabalho do país atrasado exportador de materias-primas é incompleto porque nele falta a parcela mais significativa, representada pela mão-de-obra qualificada, pela tecnica adiantada, pela ampla circulação de produtos acabados. São um mercado onde as relações entre as especies e fases de trabalho são, por assim dizer, anormais, pois grande numero de trábalhadores, permanecendo ocupados nas fainas primárias da culcultura de subsistência, estão fora do seu lugar natural de trabalho. Formam um exército de reserva, acampado às portas de uma fábrica que ainda não existe. Empreqamos esta frase, descontado o caráter imaginoso da expressão, como modo de dizer para siqnificar quão primitivo é o processo do país subdesenvolvido, e como se apresentam aqui com aspectos originais os conceitos da ciência metropolitana. No mundo industrial avançado, o exército de trabalhadores de reserva, de que o empresário dispõe, cerca uma fãbrica já existente. Aquí, estamos um degrau abaixo dessa etapa, nossa reserva de trabalho, ainda, espera a fábrica onde pretende ingressar.

A exportação de materias-primas, sobretudo das riquezas minerais, velculo material de um bem imensamente maior o trabalho humano, do qual decorre o direito do brasileiro se realizar como humano corporifica a forma mais grave da alienação econõmica. Ao exportar os seus minerios, nosso Pals aliena ao mesmo tempo a soberania por que entrega a outros o direito de fazer os bens de que necessita para se realizar como' ser histórico. Comete assim a suprema injustiça para com o povo: alienar o direito ao trabalho que o libertaria. Este é o conceito fundamental. O país exportador de materlas-primas não somente é roubado pelo dominador no trabaho que faz, mas, sobretudo é roubado no trabaho que não faz. Considera-mos por isso que o princípio cardial de todo programa nacionalista resume-se em converter o trabalho do povo aos seus exclusivos interesses. Fazer o País trabalhar para si eis como se enuncia o primeiro princípio da política nacionalista. É condição de todos os demais.

2. A REPRESSÃO AO CAPITAL PRIVADO ESTRANGEIRO ESPECULATIVO

O capital estrangeiro especulativo equivale sempre a uma forma de alienação do trabalho do povo brasileiro. É por isso que o humanismo-nacionalista ou o patriotismo têm como conteúdo ideológico, para emancipação econômica e política do País, a repulsa ao capital estrangeiro, particularmente, o especulativo.

O capital estrangeiro, em sua maioria, não passa de uma ficção econômica, constituída graças à legislação colonial, que permite a um mínimo de doação inicial acrescentar volume imensamente maior de capital gerado no País, para formar, em conjunto o que a lei considera "capital estrangeiro", assegurando-lhe o direito de remeter lucros para o exterior. As empresas estrangeiras operam na verdade com o dinheiro aqui arrecadado, tendo o seu magro dispêndio primitivo regressado ao país originário, depois de haver montado a máquina pneumática de sucção do dinheiro do povo. Exemplo claro desse fato foi que levou o entrególogo Fernando Henrique Cardoso (Ex-Presidente do Brasil) a não somente privatizar o capital nacional, mas principalmente aliená-lo a muitas das empresas estrangeiras. Subtraiu a ocupação e o emprego dos brasileiros e criou empregos para os anacionais que passaram a comandar as empresas antes nacionais que já em tempos

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pretéritos obrigaram a estatizar aquelas sucatas para apossarem-se das divisas ganhas pelo Brasil no período da 2ª Guerra Mundial.

A novidade e periculoside do capital estrangeiro principalmente o especulativo ou financeiro está sempre em seu caráter de determinar o sentido da economia brasileira independentemente dos interesses e necessidades nacionais e, particularmente, do povo. Essa é a razão de se argumentar que, enquanto o capital estrangeiro for vital para o país, não se deve recebê-lo sem um rigoroso controle. A frase tem sabor evidentemente paradoxal, mas tem um sentido profundo, sério e sólido. Significa que, enquanto o Brasil estiver nas fases vitais de seu desenvolvimento, é que se torna imperiosa a substituição dessa espécie de capital por outra, a nacional. Quando o país tiver alcançado a fase em que domina e tem autonomia de sua economia, em que a submete à lei da própria totalidade, pode, se quiser, receber capital de fora, que já então não tem meios de se impor como força política e fundamento de atitudes político-ideológicas. Por isso cabe dizer que só se deve receber o capital de fora quando dele não mais se precisa. Não se deve agora receber o capital estranho exatamente porque é vital, ou seja, com rigor etimológico, significa a vida, que, em tal caso, seria dada por outrem, quando é evidente que quem deve dar a vida são os brasileiros.

Para fazer frente aos entregologos, adeptos ou paladinos do capital estrangeiro, os críticos têm como teorema central da teoria humanista-nacionalista do processo brasileiro, o seguinte: é sempre em última análise o trabalho das massas que financia o desenvolvimento do Brasil. Mesmo quando, em fase inicial, o capital entra como fator decisivo, na verdade, a expectativa dos lucros e do poder que irá obter à custa do trabalho do povo é o que explica a presença dele, logo, é na verdade o trabalho do povo o fator fundamental do desenvolvimento. A ficção do desenvolvimento econômico ajudado de fora para dentro deve ser denunciada como simulação de vantagens das elites para encobrir a realidade da exploração. Os arautos do capital privado estrangeiro apregoam a impossibilidade de o povo organizado pelo seu estado nacional impulsionar o desenvolvimento do País sem ajuda externa, tais as somas exigidas para instalar as obras de base. Cumpre a consciência crítica de a realidade brasileira contemporânea contestar o raciocínio de que a consciência do dominador se utiliza, fundada em teorias econômicas estrangeiras procedentes das áreas dominantes, propositalmente forjadas para servir à exploração das nações subdesenvolvidas.

Não se deve se emocionar quando se ouvem as lições desses cientistas nem se inquietar sobre o bom fundamento de suas conclusões. Sabe-se que a ciência em que fulguram como catedráticos abalizados é produto ideológico da situação de domínio de sua classe e de seu grupo nacional. Quando se lêem os escritos dos pontífices do entreguismo, dos entrególogos e ideólogos do colonialismo, não se deve comover-se com os argumentos que acaso apresentem contra o modo de pensar crítico, porque tudo o que dizem decorre de premissas que são exatamente aquilo que se está pondo em dúvida. Não é de admirar que se refutem, ou nem sequer se dêem a essa pena, limitando-se a sorrir por sua inocência, diletantismo ou petulância. Da parte crítica, o que se faz é pôr em questão a totalidade de sua ciência, mostrando que se trata de um caso de alienação cultural, de reflexo do saber alheio. Em última análise, se é o trabalho do povo que vai pagar, com acréscimo, o capital emprestado para as obras do desenvolvimento, isso quer dizer que as fontes dos recursos são na verdade internas, pois se o pagamento é feito sobre o que emprestam, tem-se de fazê-lo com o capital que se gera aqui mesmo, sob forma de trabalho.

Na atual estrutura econômica brasileira, tudo está organizado para favorecer o desenvolvimento impulsionado pela contribuição do capital estrangeiro. Nada há de admirar, portanto, se, ao observar a realidade, os analistas simplórios concluem por considerar indispensável à participação do capital externo. É evidente que assim tem de ser, se tudo foi preparado para isso. Mas basta que se conceba a possibilidade de outra estrutura econômica no País, para se compreender que nela os recursos internos seriam suficientes para promover o desenvolvimento, sem recorrer à colaboração e, portanto, sem a dependência, do capital alienígena. Indiscutivelmente, sem o capital externo não se pode manter essa estrutura que aí está. Nada impede que o País dirigido por nova consciência

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política de seu destino histórico, organize sua economia de modo a transformar imediatamente a força de trabalho da população em origem de recursos para obter os meios de se desenvolver, com a intermediação apenas do capital gerado em seu interior e possuído exclusivamente por quem só tem interesse no progresso nacional.

Basta, por conseguinte que o governo com o respaldo do Estado brasileiro decida executar diferente política econômica para encontrar meios de obter internamente, e externamente em operações não onerosas de governo a governo, os capitais necessários aos empreendimentos básicos, pois na verdade é sempre o trabalho das massas que financia o desenvolvimento do País. A PETROBRÁS e a ELETROBRÁS são claros exemplos dessa assertiva como foram no passado a CVRD e a TELEBRÁS que, ainda, pode e deve ser reativada em toda sua plenitude estatal no sistema de telecomunicações do Brasil. A intervenção do capital privado estrangeiro principalmente o financeiro é indébita e procura parasitar um processo social que pode ser feito mesmo sem ela, uma vez que os fatores objetivos requeridos estão aqui. A periculosidade do capital colonizador atinge o grau máximo no comércio externo de investimentos, representado pelas companhias de crédito, financiamentos e investimentos em favor da instalação de novas empresas estrangeiras, porque, em tal caso, trata-se não apenas da simples ocorrência do mal, mas da presença do transmissor do mal. No caso de aceitá-lo há que se ter rigoroso controle como se faz na China e na Rússia.

Terão de ser sumariamente proscritas, no mesmo ato pelo qual o poder nacional retira dos bancos estrangeiros a capacidade de receber depósitos de residentes no País, suprimindo-se, assim, a forma mais grave de alienação econômica, as do dinheiro em espécie que é, em muito, incluso em sistemas de lavagens com destino aos paraísos fiscais mantidos pelos países hegemônicos. O sofisma do desenvolvimento do país pobre à custa dos outros, os ricos, somente se sustenta pela falta de reflexão sobre o simples fato de que o capital nem aqui nem lá fora caiu do céu. Não nasceu espontaneamente, mas deriva do trabalho das massas assalariadas que geramj mais valia. O povo brasileiro trabalha o suficiente para remunerar com altos juros o investimento externo aqui aplicado. A mais valia nacional se mostra capaz de retribuir e restituir o capital investido. Pode produzir bastante capital para pagar o capital recebido, devolvendo-o, em prazo extremamente curto, ao país de origem, e passando a remeter daí por mesma necessidade que obriga o País a libertar-se da alienação internacional de seu trabalho. Isso deve ser evitado e não permitido pela consciência coletiva nacional.

A sustentabilidade do desenvolvimento faz-se sentir no âmbito interno sob forma de rápida elevação de padrão de vida das massas, pela valorização do trabalho, do qual devem auferir os frutos legítimos. Somente a remodelação da estrutura econômica, modificando coletivamente as condições de vida das massas, conduzida por uma política nacional conseqüente, resolverá os problemas sociais do momento. Não há que contar com outro meio. A simples caridade nada constrói objetivamente senão asilos, orfanatos, hospitais e reformatórios e a eterna escravidão. Deixam intactas as verdadeiras causas das infelicidades sociais, que só serão anuladas com a efetiva alteração das bases materiais da existência das massas, o modo de trabalho, o regime de produção a que se acham submetidas. O espírito de lucro privado será forçado a ceder lugar ao espírito do interesse coletivo. É engano pensar que o simples aumento dos índices de produtividade dos bens de consumo, a elevação dos salários, a munificência dos serviços sociais postos à disposição dos trabalhadores pelas empresas consigam resolver os problemas vitais que os afligem. Poderão atenuar as agruras do momento, mas serão sempre medidas caritativas, que medeiam sem curar, diante de lucros que em verdade se referem a um capital nacional reposto em lugar do estrangeiro, já devolvido, então de fato o capital necessário ao País está aqui, potencialmente, sob forma dos fatores que o produzem.

São impedimentos de ordem institucional, decorrentes da falta de consciência política nacional, por sua vez decorrente da falta de participação das massas no processo político, que impossibilitam o capital potencial de se constituir em força econômica atual para tornar o País autônomo. Se há geração interna de capital para pagar com altos juros aquele investido de fora, e, se não houvesse, este não seria investido, então há capital para

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ser utilizado pelo próprio País. Cabe ao governo referendado pelo Estado promover pela política nacional o aproveitamento do trabalho do povo como origem dos recursos internos, suprimindo o lucro estrangeiro e a ação de seus agentes, nativos ou forâneos, sempre desmoralizadores do esforço do povo.

A avassaladora invasão dos investimentos alheios, que agora funcionam como mecanismo esvaziador do capital nativo nas empresas nacionais estabelecidas há muito tempo, deve ter um paradeiro, porque se está configurando para o País um dilema fatal que se apresenta a toda nação dependente, em rápido esforço de desenvolvimento e próxima do ponto em que divisa a possibilidade de alcançar o nível de plena independência econômica e soberania. É o dilema que surge quando se indaga do destino a dar aos lucros do capital estrangeiro aplicado em nossa economia. Dois caminhos se abrem, e, só dois: ou esses lucros são remetidos para fora, entregues aos especuladores e investidores estrangeiros; ou, por diversas modalidades, são reinvestidos no País. No primeiro caso, temos a exploração, a sangria, o depauperamento, a servitude. No segundo, produz-se o alargamento da área de dominação estrangeira.

Dessas alternativas não há como fugir, tendo ambos os desfechos desfavoráveis para o país subdesenvolvido. Se os lucros são remetidos, o capital, ao cabo de algum tempo, retorna ao país de origem, e o que fica é uma bomba de sucção indefinida de novas quantidades de capitais constantemente gerados pelo trabalho das massas nativas na empresa estrangeira. Daí em diante, toda vez que essa fábrica produz uma unidade de certo produto aqui consumido, origina ao mesmo tempo um quantum de lucro, desnecessariamente enviado para fora, a fim de pagar aquilo que chamamos a dívida infinita e impagável contraída com os investidores alienígenas (como são os casos da Argentina e Grécia). Nenhuma reflexão sobre o problema dos capitais estrangeiros pode ignorar este princípio: a vantagem ou a nocividade de tais capitais têm de ser medidas pelo projeto emancipador que a consciência crítica das massas já é capaz de conceber.

3. O DESENVOLVIMENTO VISA HUMANIZAR A EXISTÊNCIA

No regime em que vive o povo brasileiro o simples enunciado da idéia de "sacrifício do povo", a exigência de "apertar o cinto”, constitui crime político-ideológico, e só explicável quando se encontra em representantes da consciência ingênua reacionária e de apátridas. Repetidas vezes se tem declarado que o subdesenvolvimento do País se identifica com a desumanização da existência do povo. O ser humano do país atrasado é um ente desprovido de sua essência humana, tal o estado de miséria, ignorância e enfermidade em que vive. É um ser alienado de si mesmo, não possuidor daquilo que o deveria definir como ser humano. Esse conceito tem valor capital para interpretar a realidade brasileira contemporânea e equacionar e resolver os seus problemas. Não se deve jamais esquecer que as realizações econômicas, políticas e ambientais são momentos de um processo pelo qual o ente humano se aproxima de sua essência, para chegar algum dia a possuí-la em sua plenitude. A política do desenvolvimento sustentável em bases nacionais constitui o verdadeiro humanismo. É o bem-estar do povo todo que inspira a política do desenvolvimento sustentável em alicerces nacionais, não o de uma fração social, mesmo sendo esta livre de filiações estrangeiras. Sua indiscutível origem interna não lhe assegura privilégios para espoliar o restante da população.

4. O MONOPÓLIO ESTATAL DOS FATORES ECONÔMICOS BÁSICOS

Não é possível pretender alterar consideráveis aspectos da superestrutura econômica, fazendo passar importantes setores de produção para as mãos da iniciativa genuinamente nacional, se aqueles empreendimentos se conservam fora do comando político interno da sociedade. A posse, por agentes estrangeiros, e mesmo por particulares nacionais, dos instrumentos e insumos básicos da produção, representados pela energia elétrica, pela telemática básica, por combustíveis líquidos e sólidos, por jazidas de minérios

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essenciais, bem como a sua exploração e comércio, impedem o poder político do povo de aproveitar em seu benefício exclusivo a potência econômica corporificada nesses instrumentos.

O monopólio estatal de todas as fontes de energia e dos grandes recursos minerais impõe-se como medida fundamental de toda política nacional. Não se admitem distinções nessa matéria. Nos países em desenvolvimento somente o Estado como agente político da sociedade está em condições de fazer frente a tão formidáveis investimentos. Se as indústrias sediadas no País não pertencem de fato ao País, ou seja, se não estão em seu poder todos os fatores produtivos, deve-se, para efeito de apreciar o grau de avanço do processo de libertação econômica, considerar tão inexistente essa industrialização quanto se estivesse localizada fora de seu território e apenas para que remeta mercadorias.

A indústria estrangeira é sempre indústria no estrangeiro. Sem dúvida, o emprego da mão de obra local e o adestramento técnico nativo contribuem para estabelecer certa diferença entre um caso e outro, e dar um mínimo de valor útil à indústria estrangeira implantada no País. Mas na prática esse proveito torna-se imperceptível, e mesmo em alguns casos ilusório, comparado com as ruinosas conseqüências que tem para o curso geral do desenvolvimento nacional a entrega de nossa indústria ao capital estrangeiro. É uma política que não contribui para suprimir as servidões econômicas, antes as multiplica e as reforça. Cria a falsa consciência industrial, a que julga haver o país se agigantado porque ostenta um parque fabril relativamente desenvolvido e promissor. Na verdade, essa industrialização não constitui senão a expansão estrangeira sobre o País. Não caracteriza o próprio desenvolvimento, mas o desenvolvimento dos outros em terras brasileiras. Significa que se exporta a mão de obra nacional sem sair-se do território, mas fazendo sair, isso sim, os lucros que advêm do trabalho dela.

Está claro que todo trabalho sempre traz vantagens e deixa no Brasil resultados úteis, por exemplo, melhoria das condições de vida da classe operária desenvolve sua consciência social, leva as fábricas estrangeiras a pagarem impostos às instituições de previdência, consome matérias primas nacionais etc. Mas, na perspectiva de um pensamento sociológico e político, e não apenas econômico esses fatos são secundários, enquanto o essencial está em saber se ao lado, de certos efeitos valiosos que possam alegar, não ocultam malefícios reais ao processo da emancipação. É preciso ver se impede o País de executar uma política econômica que, dando os mesmos favoráveis resultados tenham como finalidade última conquistar a plena autonomia. Para isso faz-se necessário que lhe seja conferido o monopólio íntegro, sem fissuras ou subterfúgios, da produção de energia e de sua distribuição às indústrias particulares e aos serviços públicos. Toda fonte de riqueza que, por seu crescimento, alcance desmesurado poder de coação social, precisa ser colocado sob o controle do Estado, isto é, do povo politicamente organizado, para não se converter em instrumento de exploração e empobrecimento das massas. É exigência do momento histórico, no regime vigente, uma defesa da sociedade, a qual, se não a praticar, corre o perigo de aumentar rapidamente suas pressões internas e chegar ao ponto explosivo.

5. A DEFESA DA INDÚSTRIA NACIONAL AUTÊNTICA

Significando a industrialização a mudança qualitativa da sociedade mediante a qual se aparelha para levar a cabo as fases superiores da cadeia de atos produtivos, de modo a engendrar em seu interior a totalidade do produto. Essa radical diferença de estrutura importa em completa utilização por ela mesma dos recursos de que dispõe, e evidentemente obriga a cessar a prática colonial de exportar as matérias-primas minerais e comoditeis agrícolas para serem elaboradas alhures. A industrialização é sinal de desenvolvimento porque indica que a comunidade nacional se aparelhou para fabricar por si e para si os bens materiais de que necessita.

A nação precisa ter o completo comando de seu aparelho econômico, para conduzir a sua industrialização em condições que excluam a espoliação por parte de outra. Com essa

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observação, patenteia-se um aspecto da teoria da industrialização que, não fosse aclarado, poderia induzir a enganoso julgamento e ocasionar graves confusões nas propostas da política nacional. Quer-se referir ao fato de não ser qualquer industrialização que significa o real progresso da sociedade a uma etapa superior de desenvolvimento, mas somente aquela que é feita mediante o integral processamento das operações fabricadas pelos verdadeiros agentes e atores do processo nacional de desenvolvimento.

Favorecer a entrada da indústria estrangeira é favorecer a saída do trabalho nacional. É degradar o valor humano do operário nacional. A situação do habitante do País pobre não lhe permite constituir-se em forças capazes de criarem o País autônomo.

6. A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL

A ocupação das áreas desabitadas do País faz parte da nova teoria política, que não mais dissocia o fato histórico dos fundamentos geográficos. A existência desse problema constitui uma peculiaridade do Brasil, por sua extensão e sua diversa densidade demográfica constituída de um povo novo. Há um componente geográfico nos temas sociológicos nacionais, que impossibilitam as generalizações irrefletidas e deve precaver contra abstrações imprudentes, obrigando a mencionar as disparidades regionais, as diferenças demográficas e as inconcebíveis diferenças de renda entre as pessoas como categorias sempre presentes em qualquer análise da realidade.

Reclama-se a devida atenção para as desigualdades regionais e a concentração de renda pessoal. É o meio de denunciar quaisquer manobras de agentes do capitalismo internacional ou mesmo de algum empresário nativo destinado a conservar o desnível, vantajoso para esses exploradores, mas repudiado pela consciência nacional, cujo objetivo supremo está em promover a igualdade do desenvolvimento econômico-social-ambiental e do bem-estar humano em todas as regiões do País. Tudo tem de ser feito para extinguir as disparidades o mais breve possível. A condição para isso, entretanto, está em partir do reconhecimento de tais disparidades. Se as medidas governamentais forem tomadas ignorando esse dado objetivo, determinarão ao invés de extinção o exarcebamento.

A postura político-ideológica nacional deve incluir como ponto primordial de seu programa a ocupação territorial e deve colocar todas as grandes questões econômicas, ambientais e sociais na perspectiva que as associa intimamente à diversidade demográfica. Deve-se manter a existência de correntes migratórias internas relacionadas com a presença de enormes espaços vazios no interior, com o crescimento vegetativo global da população e as imensas distâncias entre os grupos humanos. Convém observar que a realidade objetiva da distância manifesta um dado específico da fisionomia social e ambiental do Brasil, que falta a quase todas as comunidades dos países metropolitanos, de pequenas dimensões, e em conseqüência não figura na meditação de seus sociólogos e filósofos.

No país pequeno, a distância é sempre concebida entre ele e os outros, distantes dele. Para o país pequeno, distante é outro país; para o Brasil, distantes são os aglomerados humanos do povo brasileiro, incluso os indígenas. Para o primeiro, distância quer dizer diferença, para o Brasil, quer dizer identidade. Nesse caso, a distância é interior a todos os habitantes no território brasileiro. Esse fato determina um significado existencial único, original, distinto quanto à vivência e ao pensamento da distância, que jamais o pensador metropolitano dos países pequenos será capaz de alcançar. Admitir que para o Brasil a distância não separasse, mas liga, é coisa dificilmente concebível pela mentalidade do pensador europeu e japonês. Para o país menor, a idéia de distância contém a nota de diversidade entre os pontos distantes, mas no caso do Brasil transporta ao contrário o sentido de identidade entre os locais afastados um do outro, pois são implicitamente concebidos como pertencentes ao mesmo ser nacional.

Não é um hábito a consciência social pensar a distância entre os brasileiros e entre povos de outros países. À distância para os brasileiros não é uma relação externa; o brasileiro é distante de si mesmo e não dos outros. A familiaridade com o espaço, o hábito de pensar nos longos afastamentos, a convivência normal com remotas populações

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patrícias e a métrica social e cultural que daí deriva tudo isso é específico da existência dos brasileiros e os distingue das comunidades de limites estreitos. Hoje, não tem cabimento pensar na imensidão do Brasil e imaginá-lo vagamente em sua pujança futura. A percepção que se deve ter obrigatoriamente do espaço disponível é a preocupação de melhor ocupá-lo e utilizá-lo. Vivendo esse novo estilo de pensar, o modo crítico, percebe que precisa ocupá-lo rapidamente, é essa "ocupação antecipada”, ou "pré-ocupação" que se apresenta ao espírito como "preocupação" política.

7. A REFORMA AGRÁRIA

Por reforma agrária entende-se o conjunto de medidas que visam a transformar a existência das massas que vivem no agro, diante da alteração de suas relações de produção, modo de trabalho e regime de propriedade da terra, integrando-as no movimento geral de ascensão do nível de vida do País, ou seja, incorporando-as ao processo do desenvolvimento. É um tema de grande complexidade, não admite ser tratado na forma simplificada e dogmática que lhe desejam dar muito daqueles que por ela propugnam para se opor às tendências progressistas do desenvolvimento, que ameaçam abalar-lhes o mundo de crenças e de interesses materiais e na verdade seriam incapazes de dizer em que consiste ou como fazê-la.

A diferença nos modos de trabalho nas relações de produção entre a cidade e o campo, decorrente da divisão social do trabalho, constitui uma contradição na estrutura da sociedade, ainda hoje, não resolvida, e condiciona em cada um desses setores modalidades particulares ao desenvolvimento sustentável das respectivas forças produtivas. Considerando-se o País como o Brasil, onde as formas de trabalho rural se encontram entre as mais adiantadas, por um lado, e entre as mais atrasadas, pelo outro, o desnível entre o avanço do processo do desenvolvimento em seus aspectos industriais, por isso urbano, e em seus aspectos agrários, torna-se cada vez maior e mais visível.

A desigualdade alcançou presentemente a um ponto tal que veio a se constituir em elemento da consciência coletiva. Só agora isso acontece e se deve ao processo de desruralização e do progressivo afavelamento do chamado setor urbano do desenvolvimento. Por isso, nos dias atuais começa a surgir como tema imperioso à questão da existência agrária, e impostergável a necessidade de alterar a presente situação. Tendo o País alcançado significativo nível de desenvolvimento industrial urbano, a contradição entre este e o do campo assume tamanho vulto que começa a penetrar a consciência do trabalhador rurícola, forçando a classe dos senhores de terra a se preocupar com o problema. Sabendo do término das presentes relações de produção será também o fim de seu domínio e das vantagens excepcionais de que desfrutam. Por isso, a classe senhorial verifica que precisa antecipar-se a todos, propondo, antes que outras forças sociais o façam, uma reforma agrária, que conterá, sem duvida alguma, restrições aos seus atuais privilégios, mas deixando-a, ainda, em condições confortáveis.

Para atenuar a contradição entre o trabalho citadino e o do agro deve-se discernir a solução razoável mediante um conjunto de medidas políticas que transformem as relações de produção e o regime de propriedade da terra a que está acorrentado o trabalhador do campo. Esse é o objetivo. As particularidades do método são numerosas e implicam medidas econômicas, jurídicas, compensatório-assistencialistas, entre as quais avulta em primeiro lugar a divisão do latifúndio e o confisco pelo Estado das propriedades inaproveitadas para ser entregue aos agricultores sem terra ou com pouca terra e, ademais, a posse legal da terra por aquele que a cultiva, a associação dos produtores em organismos coletivos de produção, a mecanização do trabalho, a melhoria da habitação familiar, o fornecimento de energias rurais, o crédito efetivo para custeio das safras, o acesso fácil aos mercados consumidores, a facilidade de transporte, a alfabetização das populações, a higiene e a assistência médica. Essas ações resumem-se em dois pontos: suprimir as relações de servitude, ainda existentes, e incorporar o campo aravés da urbanização do agro ao mercado nacional, do qual ainda está em larga margem semi-ausente.

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É importante frisar que numerosos componentes do processo de reforma agrária estão situados fora do campo, dizem respeito ao progresso da industrialização, que fornecerá as bases de utilização de fertilizantes e defensivos, da mecanização da lavoura, da eletrificação agrícola e da irrigação e drenagem. São fatores que determinam pressões econômicas internas, exigindo o alargamento do mercado consumidor, a divisão dos latifúndios, e muitas outras medidas que vem dar um paradeiro ao sistema colonial ainda em grande parte vigente. A inadiável transformação da vida agrária apresenta condições objetivas para gerarem dentro e fora do agro, à premissa teórica que permitem deduzir o elenco de medidas práticas como conteúdo de uma só consciência crítica, a que reflete a totalidade do processo de desenvolvimento no grau em que agora se encontra. O problema agrário consiste, antes de tudo, em transformar as relações de produção no trabalho do campo, com o fim de elevar o padrão de existência do operário agrícola e do agricultor. A essência social do problema comanda todos os demais aspectos. A reforma agrária tem por fim, fundamentalmente, humanizar a existência do trabalhador da gleba, o que só será conseguido modificando-se o atual sistema de trabalho e da posse da terra.

É ingênuo, e quase ridículo, esperar que a reforma agrária no Brasil possa ser promovida pelo governo federal ou pelos estaduais, constituído em sua maior parte de latifundiários, ou tendo nessa classe as suas raízes políticas. Se isso pudesse acontecer, seria coisa inaudita na historia, vir-se uma classe decretar a restrição de seus privilégios sociais, por abnegação para com os desesperados. A não ser que se apresentem condições para fazê-lo por via revolucionária, somente quando o desenvolvimento da consciência nacionalista nas massas do agro, conjugado ao movimento dos trabalhadores urbanos, conseguirem elevar as assembléias legislativas e aos postos de direção um número suficiente de legítimos representantes dos agricultores, será lícito esperar o projeto racional de reforma agrária. Ter-se-á de assistir apenas a grosseiros e mistificadores ensaios de “reformas", insinuadas pela classe de grandes proprietários ou por instituições de simples socorro espiritual, que visam na verdade diminuir um pouco a ameaça de irrupção das massas dos sem-terra, supondo que se antecipam os seus anseios, realizando-os antes que elas mesmas o façam com sua própria força.

A verdadeira transformação da existência do homem do campo somente será realizada quando se tiver reunidos em todos os setores do País as forças sociais que a possam levar o efeito. Ora, essas forças são, no próprio campo, as massas rurais, mas são, também, as massas urbanas, em cuja consciência se apresenta como medida consentânea com seus interesses, e justificada pela ideologia progressista que naturalmente adotam.

Tratando-se de derrocar os privilégios da classe dominante senhorial no campo, os latifundiários e seus serviçais, não é possível contar senão com a força das massas oprimidas no campo e na cidade, associada aos setores de outras classes para os quais haja igualmente interesse em ver promovido à reforma agrária. Pensar fora desse molde é fazer do tema objeto de considerações morais e cair na simploriedade de apresentar um problema social como se fosse um dever de consciência moral. A mudança na existência agrária, representando a troca do padrão de vida do contingente humano mais extenso da comunidade nacional, é tarefa que incumbe às massas como força consciente, a que trarão valioso concurso alguns setores de outras classes sociais a quem a humanização da vida no agro também possa interessar.

A reforma agrária constitui aspecto particular do processo geral da sociedade, do movimento transformador de todas as suas estruturas, e não se realiza apenas pela ação da fração social diretamente interessada, mas pela comunidade toda, em seu conjunto. Permanecendo dominante a figura do grande latifundiário, do escravocrata, do "coronel" prepotente e retrógrado, do fazendeiro ausente, do usineiro, do arrendatário explorador, da empresa estrangeira açambarcadora da produção conservada o sistema de crédito privilegiado a certas áreas e conjunturas, distribuído como munificência do poder aos apaniguados por políticos descomprometidos e corruptos, desprovido o interior de vias de penetração e circulação mercantil, o estado de pauperismo agrário em nada seria modificado pela simples declaração jurídica de propriedade de diminuto pedaço de terra, logo fraudada em seus efeitos libertadores por manobras econômicas que a anulariam como

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medida progressista. A posse de terra por seus reais trabalhadores, os colonos que aí labutam só terá valor de passo inicial para modificar as condições reais de vida se for acompanhada das demais medidas que assegure a abertura do mercado, a quebra da atual correlação entre a oferta e a procura de mão-de-obra e a instituição das relações capitalistas nas áreas onde ainda não existem.

A divisão e a posse da terra são medidas justas e indispensáveis, mas, por si só, incompletas. A elas têm de seguirem-se muitas outras, impostas pelo processo econômico total do País, porque a reforma agrária não se reduz a um problema jurídico apenas, mas de cunho existencial, diz respeito ao modo de ser dos humanos que trabalham a terra, modo de ser que reflete a etapa vigente do processo de desenvolvimento. Não se deve esquecer que o quadro de espantosa desumanidade como se apresenta a existência do trabalhador rural representa um modo de ser dos humanos e um tipo de existência. Para abolir tal situação, tem-se de indagar as causas que a explicam. Verifica-se que elas são basicamente de ordem econômica, as relações de produção e o regime de trabalho, tendo por cobertura formal um sistema de relações jurídicas e uma constelação de valores éticos, que se destinam a justificar o estado vigente. Para suprimir esse quadro, humanizando o ente humano do interior, há que abolir todas as causas que se conjugam para estabelecer o atual modo desumano de existir.

A reforma agrária não resulta de um decreto, mas da conquista de novo momento de um processo. Não depende da decisão intelectual, mas da dinâmica dos fatores reais da sociedade inteira. Não há, a rigor, reforma "agrária”, pois não se trata de reformar o campo, mas a totalidade da realidade nacional. E no âmbito da sociedade, como um todo, do processo de desruralização e não isoladamente, nas suas áreas agrícolas, que se tem de pensar o problema agrário. Não é a legislação que determina a reforma agrária, é a efetiva ocorrência de uma reforma da realidade da existência humana e das relações de produção no campo que se manifesta sob as espécies de lei agrária.

8. AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DE PLENA SOBERANIA

O supremo traço distintivo da realidade da nação subdesenvolvida é a ausência de soberania. No plano internacional suas ações são comandadas pelo sistema de forças que a domina. Não tem expressão própria, pois não figura como sujeito histórico livre e sim como reflexo da nação soberana a que está ligada por dependência econômica. Não constitui um ser para si, não enuncia no plenário mundial uma opinião onde retrate a vontade do povo, mas acompanha docilmente a do grupo de que não sabe se desvincular. O país subdesenvolvido tem uma diplomacia de etiqueta, só para uso de cerimônia, para representação formal no plano internacional. Não lhe traz benefícios, e, mesmo, talvez, em alguns casos contra o propósito de seus executantes individuais, tão fascinados que disso não se apercebem só lhe acarreta servitude e aumento de exploração. Dessa forma, o aparelho que deveria servir à comunicação internacional dá em resultado a incomunicabi1idade do país, pois aqueles que por ele falam não são realmente porta-vozes do que têm a dizer.

A alienação, quase universal, de seus representantes diplomáticos leva a nação subdesenvolvida a se constituir em ser histórico afônico que ninguém de fora escuta, porque o que tem a dizer não lhe chega aos ouvidos, e o que ouve é apenas o eco da palavra alheia. O mais grave, porém, é que a privação de soberania não arrasta apenas o país à fase caudatária do protagonismo alheio nos prélios internacionais, mas importa na intromissão da potência dominante na vida interna da nação pobre, especialmente pela influência que exerce sobre as deliberações de sua política econômica. Se o primeiro aspecto representa o caudilismo da nação dominada, o segundo corporifica o imperialismo da nação dominante. Em ambos os casos, existem uma razão comum para essas inadmissíveis atitudes: a ausência de soberania, de que padece a nação subdesenvolvida.

O livre exercício de todas as modalidades de domínio é permitido pelo primarismo político do desenvolvimento nacional. Por isso, qualquer movimento que signifique elevação

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na escala do desenvolvimento torna-se sinônimo de aquisição, ao menos potencial, de soberania. Se o incremento dessa qualidade define o processo de desenvolvimento, deve-se medir o grau de avanço da realidade nacional pelo teor de independência demonstrada pelo país no trato internacional. Breve chega-se ao ponto no qual se romper a falsa correspondência entre o interior, pleno de atividade, e a vida de relação mundial, débil, incolor, inexpressiva, obediente aos interesses da nação hegemônica.

Aproxima-se de uma crise, certamente produzida por algum ato mais violento da pressão imperialista, em que de repente o País percebe achar-se dotado de alto poderio internacional e resolver agir em concordância com a consciência desse fato. Por enquanto, porém, persiste o descompasso e a falta de correspondência, sem embargo de um ou outro fraco e confuso pronunciamento, de algumas pretensões ainda abstratas, mais significativas como alvissareiros sintomas de futuras virilidades do que como operações capazes de trazer imediatos resultados úteis. À medida que progride o desenvolvimento, articula-se contra ele manobras de pressão externa, que por algum tempo são infelizmente bem sucedidas.

A existência de uma camada de empresários e de políticos ligados ao capital externo assegura aos interesses estrangeiros uma corte de emissários e agentes internos com forte poder de decisão. Dirigindo setores vitais da política financeira ou diplomática do País, imprimem-lhe naturalmente os rumos que satisfazem suas convicções e conveniências, em alguns indivíduos com tranqüila consciência de servir realmente à nação. Somente quando se investe dos predicados de nação soberana, ou seja, quando as forças autenticamente nacionais se apossarem do comando do processo econômico e financeiro, chega-se ao grau superior do desenvolvimento, caracterizado pela condição de "desenvolvimento para si". Até lá, está-se realizando um desenvolvimento controlado por estranhos, a serviço deles; na verdade, estar-se efetuando um "desenvolvimento para outro", desenvolvendo-se até o ponto, e no ritmo em que não ponha em perigo a supremacia das atuais grandes potências, particularmente do chamado G7, agora, já ampliado para G20. Convém não esquecer que o Brasil figura entre as três únicas nações do mundo atual que possuem condições de alcançar o plano máximo de grande potência, mediante rápido e iminente desenvolvimento como são exemplos a China e a Índia.

Sua extensão, riqueza de recursos e possibilidade de mercado interno credenciam-no a tanto, e disso melhor sabem os outros do que os próprios brasileiros. Não é sem motivo que consideram o Brasil como espaço econômico a ser imediatamente ocupado, antes que mesmo dele os brasileiros tomem conhecimento e posse. Enquanto permanecer na etapa de economia periférica, complementar das economias capitalistas dominantes, viver-se-á um processo econômico reflexo, servindo preferentemente aos dominadores e só secundariamente aos próprios interesses. Esta situação de complementaridade econômica espelha-se no comportamento de servitude política internacional e de subserviência diplomática.

9. A EDUCAÇÃO POPULAR PARA O DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento se acompanha sempre de um processo de transformação qualitativa da consciência nacional. Tal consciência está em relação dialética com as modificações objetivas da realidade: de um lado, é produzida pelo grau de apropriação do real por parte da comunidade, para seu benefício, mas, por outro lado, o domínio da realidade depende da percepção que a consciência social tem do estado da realidade e da lógica dos acontecimentos. A educação, consistindo no processo pelo qual se expande e multiplica a consciência social útil, tem de ser fundamentalmente popular.

O desenvolvimento implica o progresso da consciência, e este se acelera pela educação, mas para que isso aconteça faz-se necessário que a educação vise à totalidade das massas trabalhadoras e se descaracterize, cada vez mais, como privilégio das elites e da plutocracia. A educação de que o país em esforço de desenvolvimento necessita é assunto eminentemente político, e deve ser definida sob a

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inspiração de justa teoria sociológica do processo nacional, pelos representantes políticos da consciência comunitária. A escola e a universidade não podem fazer a revolução de que o Brasil precisa, simplesmente porque é a revolução nacional e nela a educacional que tem de fazer a escola e a universidade de que o Brasil precisa.

A escola não faz a revolução porque a revolução tem de ser feita nela; logo, será conduzida por outras forças, que nela terão de operar a transformação indispensável. É inútil e ingênuo esperar que a universidade se reforme a si mesma, por iniciativa exclusiva dos elementos que a compõem, professores e alunos. Não existe na historia exemplo de um grupo de privilegiados no país subdesenvolvido onde a educação é um benefício de classe, de etnia e de raça, a rigor, até os alunos o são, instalados num castelo de sinecuras, honrarias e vitaliciedades, abrir mão dos proveitos em que se reclinam a assumir o papel de fator de vanguarda no processo social.

A função proveitosa que a universidade deve desempenhar tem de lhe ser imposta de fora para dentro, pelas forças políticas, particularmente as massas trabalhadoras organizadas, que, ao impulsionar a alteração da sociedade a transformarão em órgão cooperante no desenvolvimento do País.

Na situação de subdesenvolvimento, caracterizado pela inevitável alienação cultural, a universidade não passa de simples ornamento social, cenáculo de marginais cultos e de ociosos mais ou menos instruídos. Em tal estado, a universidade não é exigida como força propulsora da comunidade, pois os elementos que objetivamente movem o processo nacional, justamente porque são ativos, estão situados fora daquela área, não precisam ir ali aprender como fazer o que de útil estão fazendo. A universidade, mero requinte de luxo da classe dominante para alojar seus rebentos intelectuais, permanece à margem do movimento social, pois não tem nele qualquer papel a desempenhar.

10. A CULTURA DO POVO

A teoria do desenvolvimento e a prática política que lhe corresponde constituem por si nova forma de cultura com raízes nacionais. A anterior, que se identificava, na visão crítica, com "a cultura" pura e simples, correspondia à fase de nosso desenvolvimento, que, com razão, denomina-se colonial ou semicolonial. Seus traços marcantes foram à alienação do saber, mimetismos, a transplantação, o horror aos problemas brasileiros, o modismo metropolitano. Admitindo-se que o transplante e a alienação, foi um modo de ser inevitável dado à etapa de dependência econômica em que o país vivia e vive compreende-se que, só agora, quando se ingressa na fase de desenvolvimento, está-se em condições de produzir de modo consciente, e em forma crítica, aquilo que antes desejava fazer, exprimir o próprio ser, mas objetivamente não conseguia, porque não dispunha de condições para criar instrumentos intelectuais autônomos que permitissem interpretar sua realidade. Somente agora se abre para a cultura brasileira uma era de existência original, onde a produção cultural começa a ser feita para satisfazer a exigência da nação. Existir para os brasileiros, é exprimir seu próprio ser, tal é a finalidade da nova cultura que o desenvolvimento propicia.

São inevitáveis que se constituam diferentes estilos artísticos, inéditos modos de pensar, linguagem própria, criações arquitetônicas pictóricas e cinematográficas de caráter novo e original, na sociedade que rompe o cerco histórico. A conquista de um destino livre representa, por si, feito de tal magnitude, pelo que custou de trabalho, luta e fé, que se oferece como manancial de infinitas criações culturais. Para a nação em fase de eclosão de suas potências criadoras, ver-se a si mesma como o ser que se fez o que é agora e constitui "motivo" artístico inesgotável. A cópia de sentimentos que sugere é inédita, não se compara em nada ao que experimentava quando se entregava aos motivos alheios. O mesmo se dá com qualquer forma de arte sensível as novas condições de existência do povo. Fica como prova de alienação e arcaísmo o culto dos valores estéticos anteriores, os que pertenceram a artistas que, na falta de intensa motivação nacional, autêntica e superior, ou se apegavam ao folclórico, ao colorido dos aspectos elementares da vida popular, ou iam buscar a inspiração nas classes cultas dos países metropolitanos ou hegemônicos.

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A genuína cultura nacional não constitui, a rigor, um item do programa nacionalista, porque, em verdade, resulta dele. Mas, representa um resultado dialético, que reflui sobre a causa, modifica-a contribuindo para torná-la mais eficiente. A cultura nacional não deve ser entendida apenas como expressão resultante das condições da existência nacional, pois constitui fator eminentemente ativo do processo de desenvolvimento pelo qual se engendra essa própria existência. Sendo autêntica, nela se refletem, nas modalidades e estilos que assume as reivindicações populares, nela se manifestam os projetos de ação social que a comunidade sugere, nela vêm à luz os novos valores, os ideais nascentes que começam a reclamar vigência na consciência coletiva. Nesse sentido, deflui da cultura um efeito positivo sobre o processo do desenvolvimento, o qual é decisivamente influenciado pelas representações ideológicas, pelas teorias, idéias e exigências artísticas que esse mesmo processo permite produzir. Há, pois, uma relação dialética de ação recíproca entre os aspectos espirituais do desenvolvimento, representados pelas idéias e produtos da criação cultural e os aspectos materiais em que se corporificam as transformações da realidade. Como o desenvolvimento, vai surgindo à consciência crítica mais rigorosa, exigente e exata. A cultura do povo, exprimindo essa consciência em crescimento, desempenha papel unificador, pela forma como apresenta à consciência social a imagem de sua realidade. A unidade de cultura que o processo nacional tende a produzir representa no plano da consciência social aquilo que é a totalidade do País no plano objetivo.

11. A SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL COM AS NAÇÕES EM LUTA PELA LIBERTAÇÃO POLÍTICA E ECONÔMICA

O esforço que o País deve empreender para conquistar sua plena autonomia não se realiza num espaço histórico vazio, nem se reduz a um combate singular entre ele e uma potência dominante, que o subjuga. Representa uma façanha nacional, tendo por cenário a totalidade mundial, onde outras comunidades se empenham igualmente na luta pela libertação. Não pode deixar de figurar na carta de princípios nacionalistas a solidariedade com as nações que se acham em condições semelhantes às do Brasil e porfiam em alcançar para si os mesmos bens que almejam. Deve, pois, ser estabelecido o princípio de integral apoio a essas nações, com as quais convém estabelecer vínculos de amizade e auxílio, organizando, em forma de parciais sistemas de forças internacionais, blocos de influências nas assembléias mundiais a fim de defender os interesses comuns. No caso sul-americano o MERCOSUL é umimportante passo.

Neste momento, quando tantas comunidades do continente africano se levantam e proclamam sua autonomia política e forcejam por afirmar a independência econômica, é dever dos brasileiros estreitarem os laços de solidariedade com tais nações, e com as demais do mundo periférico, para travar em conjunto a luta que é de todas contra os mesmos adversários. O processo da realização objetiva da unidade dos povos e das classes, na parte do mundo onde se acha corporificado na dominação imperialista, evolui em função das relações que as áreas periféricas são obrigadas a manter com os centros dominantes. Como tais relações não são fixas, mas formam, elas próprias, um processo, será em função deste que se desenvolverá o outro, o das relações de congraçamento entre as nações menores. Pelo fato de estarem todas elas, de um modo ou de outro, cativas da mesma influencia espoliadora, será pelo teor de liberdade que cada qual venha a conseguir que se deverão apreciar suas possibilidades de se associar com outras nações de igual situação, para efeito de um desempenho mundial unificado. O conceito de humanismo-nacionalista tem de ser interpretado como os procedimentos pelos quais os países se integram num internacionalismo autêntico, o das nações em luta pela humanização da vida de suas populações.

O nacionalismo como sinônimo do humanismo concreto, ao afirmar-se e consolidar-se em seus princípios, conduz, assim, o país a identificar-se com um internacionalismo que não o destrói, não revoga nenhuma de suas teses, não substitui nenhuns de seus ideais, antes encontra nessa nova etapa a plena realização daquilo que

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pregava. O País não se desfigura, nem renuncia a nada do que a específica ao se solidarizar com outros que segue o mesmo caminho e procuram atingir os mesmos fins. Quando houver conquistado a condição de pleno desenvolvimento, sob a direção do pensamento humanista-nacionalista, o País terá trilhado um caminho histórico diverso daquele seguido pelas atuais potências dominantes. Estas precisam fazer-se imperialistas para galgar a culminância a que chegaram. Por isso terão de ser derrotada no sistema que instituíram para vencer, tal situação devem sofrer alterações internas que as tornem membros pacíficos, respeitáveis e úteis da vindoura totalidade universal de nações. Mas os países que se elevarem a completa autonomia pela via do humanismo-nacionalista, tendo abolido ao longo da sua marcha histórica todas as formas de espoliação de suas próprias massas trabalhadoras, chegarão ao plano de desenvolvimento superior. Inocentes de qualquer crime contra a humanidade, contra nações mais fracas e, desse modo, integrar-se-ão, sem violências recíprocas, na sociedade ecumênica futura, onde terá definitivamente cessado toda espécie de exploração humana.

Não há de ser, é claro, o tipo de associações internacionais como a ONU, OMC, FMI, etc. atualmente existentes, mas nova espécie de comunidade, na qual cada membro se integra por se haver despojado do aparelho da dominação que exercia sobre outros povos ou sobre as classes trabalhadoras de seu próprio âmbito. Quando se observa o atual panorama do mundo periférico e verifica-se por toda parte um vigoroso surto nacionalista, deve-se compreender a concordância ideológica de todos esses movimentos e o sincronismo com que se desenrolam como efeito de uma causa semelhante atuando sobre todos os países subdesenvolvidos.

O nacionalismo-humanitário aparece como fenômeno internacional constante porque é a resposta dada por toda nação atrasada à agressão partida do mesmo adversário de todas elas, o centro dominante. A uniformidade da resposta explica-se pela identidade do estímulo. Desse modo, quando cada país constrói seu projeto de existência autônoma visando embora unicamente à servitude particular de que padece, está contribuindo para a atuação congênere de todos os demais, estão igualmente libertando os outros. Os atos de cada um que se liberta libertam ao mesmo tempo os outros, e isso em virtude de destruírem a nefasta hegemonia e hierarquia preestabelecida, própria do sistema imperialista.

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APÊNDICES

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X. IDÉIAS PARA UM MODELO AUTÔNOMO DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO

“A unidade essencial da América Latina decorre, como se vê, do processo

civilizatório que nos plasmou no curso da Revolução Mercantil – especificamente, a expansão mercantil ibérica, - gerando uma dinâmica que conduziu à formação de um conjunto de povos, não só singular frente ao mundo, mas também crescentemente homogêneo. O processo civilizatório que opera em nossos dias, movido agora por uma nova Revolução Tecnológica – a termonuclear, - por mais que afete os povos latino-americanos, só poderá reforçar sua identidade étnica como um dos rostos pelo qual se expressará a nova civilização. É até muito provável que engendre a entidade política supranacional que, no futuro, será o quadro dentro do qual os latino-americanos viverão o seu destino”. DARCY RIBEIRO.

As formas de exploração dos recursos naturais e humanos, nas diferentes regiões

do Brasil, determinam as características das atividades econômicas e demandam o racional aproveitamento desses recursos, com vistas a ajustar, gradativamente, a economia e a demografia às condições ecológicas dominantes em cada uma delas. É mundialmente conhecida a depredação dos recursos naturais do Brasil, muito em particular, os da Amazônia Legal (e não da Amazônia Real), onde satélites artificiais têm fotografado incomensuráveis incêndios, cujas nuvens de fumaça têm alterado e limitado o tráfego aéreo para cidades do Norte e do Centro-Oeste. A depredação deixa de ser um problema regional e nacional e assume, por sua alarmante incidência e rápida extensão, um caráter de problema mundial, onde o Brasil é acusado de desequilibrar o ecossistema do planeta e, em decorrência, pôr em perigo a sobrevivência da flora e da fauna equatorial indistintamente.

Sobre a Amazônia brasileira vale lembrar que não se pode e não se deve confundir a Amazônia Real que tem aproximadamente 2,5 milhões de km² com a Amazônia Legal (com respectivas áreas de transição) que soma mais de 05 milhôes de km². A primeira está praticamente intacta enquanto a segunda se encontra em um incomensurável processo de devastação, muito em particular nas áres de transição dos cerrados para a floresta perenefólia úmida e, também, para o patanal matogrosense e as regiões dos cocais.

O processo de acumulação de capital na base da destruição, da deteriorização e da depredação dos sistemas ecológicos e da violência à natureza que acontece em todas as regiões brasileiras deve ser detido e evitado.

Não se pode e nem se deve aceitar que, no País, crie-se e expanda-se atividades econômicas sem respeito à natureza e à ecologia. Note-se que se trata de respeito e não de subordinação à natureza. Não se quer, neste particular, ser confundido com os ambientalistas românticos ereacionários que, sob o pretexto dos condicionantes ecológicos, querem e desejam uma economia primitiva, ou seja, à volta às cavernas. Respeitar a natureza é ter uma atitude responsável para com a ecologia, é conhecer e pesquisar as leis da natureza para colocá-la sob o controle humano sem violentá-la.

A transformação da natureza é necessária, o que é condenável e intolerável é a

violência cometida pelo processo incessante de acumulação de capital aos sistemas ecológicos e à depredação do meio ambiente, através de unidades produtivas agrícolas, minerais e industriais, bem como de sistemas de esgotos sanitários e de determinados aterros ou de poluição de cursos d'água e lençóis hídricos, seja através de dejetos ou agrotóxicos de um modo geral, sem falar na maior violência à humanidade: a erosão dos solos por vias hídricas, eólicas e de lavradios. Vale dizer que a natureza só age por causa e efeito. Não pode doar sentido, que é um atributo único dos seres humanos, por serem detentores de conhecimentos: reflexivo e prospectivo além do conhecimento institivo inerentes aos demais seres vivos do reino animal.

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No caso específico da Região Nordeste, as autoridades, tanto federais como estaduais e municipais, devem, urgentemente, definir uma política para a preservação do meio ambiente, fundamentada em práticas de conservação dos solos, principalmente pelo manejo das áreas irrigadas susceptíveis de salinização e de um sistema energético integrado (SEI), onde se tenha o cuidado de obter alta efetividade no uso dos recursos naturais disponíveis nas unidades produtivas agrícolas, não somente pela importante reciclagem dos restolhos e resíduos da agricultura e da agroindústria, mas também, pelo fornecimento de energia, fertilizantes, rações e alimentos. Não se pode e nem se deve permitir que, numa importante atividade agrícola como a cajucultura, se desperdice perto de um milhão de toneladas de pseudo-frutos, importantíssimos para a alimentação humana e animal. Este exemplo pode ser estendido às outras atividades frutícolas, como o coco, a manga, etc, assim como à rizicultura, à cotonicultura e, principalmente, às atividades ligadas ao cultivo da cana-de-açúcar.

À medida que a política aqui sugerida surta seus efeitos, pode e deve ser estendidas às demais regiões onde o problema da reciclagem de resíduos e restolhos agrícolas, bem como o da erosão e da salinização dos solos não são tão relevantes como no Nordeste do Brasil. Vale deixar claro que uma política de preservação de solos e do sistema energético integrado redundará, não somente em substanciais resultados econômicos, como também, na melhoria da qualidade de vida das comunidades através da otimização do uso dos recursos naturais; despoluição do ambiente; conservação e aumento da produtividade dos solos; e geração de oportunidades de emprego no agro e na urbe.

No âmbito dos condicionantes ecológicos do desenvolvimento, observa-se, no Brasil, a total ausência de um planejamento energético ao nível de unidades produtivas no que concerne aos serviços de desenvolvimento. É inadmissível que uma unidade produtiva agrícola (UPA), de caráter individual ou jurídico, tenha acesso a certos serviços como crédito, extensão rural, preços mínimos, etc. sem apresentar ou respeitar normas definidas por um sistema de planificação energético para conservação do ambiente e da produtividade dos solos. Por todos esses motivos, é que se julga o setor público (federal, estadual e municipal) como o principal responsável pelo caos administrativo e a depredação do meio ambiente nacional.

A sua omissão enseja e facilita a violência que hoje se pratica contra a natureza. No Nordeste, em vez de as UPAs utilizarem o recurso natural mais abundante, a energia solar, geradora de excelente fotoperiodismo, de forma eficaz, deixam, pelo contrário, que este recurso deteriore os solos quando estes ficam descobertos e expostos a esta intensa e incomensurável fonte de energia, que tanto serve para fazer produzir como para destruir o que há de mais precioso para a existência humana - o solo agrícola. É lastimável e incompreensível a não otimização do uso da energia solar no Nordeste, Norte e Centro-Oeste do Brasil, não somente para a agricultura, mas também para outros usos. Na política , aqui, proposta é imprescindível estabelecer e fazer respeitar normas, padrões e procedimentos para se atender qualquer UPA (pelos serviços de desenvolvimento dos governos: federal, estadual e municipal), relativos a estudos sobre o potencial energético da mesma, em termos de reciclagem de resíduos e de restolhos agrícolas e de energia (biomassa, biodigestores, gasogênio, eólica, solar, hidráulica, elétrica e dendroenergia).

No caso específico do semi-árido brasileiro (situado no Nordeste), a política voltada para o desenvolvimento deve ser concebida mediante a ampla compreensão dos fenômenos limitativos que incidem na economia do semi-árido, e não na do Nordeste como um todo. Impõe-se uma distinção precisa entre as políticas para o semi-árido brasileiro, para as terras úmidas e para os cerrados nordestinos. O semi-árido nordestino (que é o único tropical do planeta) exige, para o seu desenvolvimento sustentável o ajuste da sua economia à demografia e ao estudo, controle e gestão do fator hídrico, que deve doar o sentido a toda e qualquer atividade no que diz respeito aos problemas econômicos e sociais do próprio semi-árido e da totalidade do Nordeste.

A análise do sistema hídrico do semi-árido brasileiro, independentemente, da Região Nordeste, revelará à nação e, muito em particular, aos nordestinos, que o potencial dessa área não é tão limitado como afirmam as oligarquias da Região ou como pensam os

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brasileiro em geral. As áreas passíveis de irrigação-drenagem no semi-árido são, sem dúvida, privilegiadas no contexto da agricultura nacional; aquelas não apropriadas para irrigação devem ser equacionadas num rigoroso enfoque onde se tenha em conta os ajustes da economia e da demografia à ecologia de forma racional, frente às questões econômicas e sociais. Sem dúvida a transposição (inicialmente do rio são Francisco e posteriomente do rio Tocantins) para o semi-árido tropical brasileiro vai ao encontro dessa tarefa magda de produção agrícola e, pricipalmente, se for acompandada pela desmercantilização das UPAs, por elas beneficiadas. Haja vista a possibilidade de relorestamento do semi-árido com pião manso e palmaceas que podem e devem ser utilizados para a produção de biodiesel em larga escala, isto é, como agricultura e como mata ciliar ou florestal.

Convém, hoje, não mais confundir o semi-árido brasileiro com a Região Nordeste do Brasil. Esta tem terras úmidas tão boas quanto as melhores das Regiões Sudeste e Sul do Brasil. O motivo de elas não serem tão produtivas quanto à das supracitadas regiões descansa, muito mais, na organização social da produção, dada pelas classes patronais agrícolas, do que nas qualidades e potencialidades das terras ou dos recursos naturais. Note-se, ainda, que as terras úmidas do Nordeste são altamente privilegiadas pela infra-estrutura de transporte, energia e portos marítimos, tanto quanto as do Sul e as do Sudeste.

Em verdade, as classes sociais que as detêm são retrogradas, vivendo e enriquecendo, a cada vez mais, à custa das chamadas "secas" nordestinas, que nada têm de emergenciais, pois fazem parte, apenas, do semi-árido brasileiro. As secas periódicas e naturais do semi-árido podem, inclusive, deixar de ser flagelos para se tornarem fator positivo para um melhor equilíbrio ecológico da área e de sua exploração mais racional, através da racionalização de seu uso e domesticação de sua flora e fauna nas áreas não irrigáveis e intensificação do manejo científico das áreas irrigadas.

No século XX, particularmente, nos últimos 50 anos, inicia-se e consolida-se o processo de transformação do Brasil agropastoril para o do Brasil urbano-industrial com incontrolável desruralização de sua população.

Essa mudança se dá com as modificações resultantes das ações de natureza política de uma sociedade atomizada para uma sociedade organizada com marginalização política da principal força produtiva, que são os trabalhadores brasileiros, ou melhor, a classe proletária no seu sentido mais abrangente. Claro está que todo este processo se dá à custa da ideologia industrialista/desenvolvimentista, cuja base fundamental é igualar ou identificar a atividade primária ou agrícola com o subdesenvolvimento. Outra característica essencial da transformação está no processo de transferência de recursos da agricultura para as atividades urbano-industriais.

Os conflitos entre o agro e a urbe, na mudança do Brasil agropastoril para a situação urbano-industrial, podem ser explicitados conforme segue:

� Grande dispersão espacial da produção agrícola, que impede o controle de excesso e de escassez de produtos

� Tabelamentos dos preços dos produtos agrícolas, ao nível do varejo, e limitação da exportação através de mecanismos de quotas

� Confisco cambial, quando as relações de troca eram favoráveis aos agricultores e constante cobrança de impostos de exportação sobre os produtos agrícolas

� Sistema de preços voltados para o abastecimento urbano sem qualquer mediação para a estabilização da renda no meio rural

� Política agrícola ditada pelo imediatismo do governo com fortes sintomas de penalização da agricultura como um todo

� Intervenção do governo no mercado de produtos agrícolas pela política de preços mínimos e de estoques reguladores do Estado

� Incentivo ao segmento semimercantil com fortes traços de se financiar a miséria a níveis suportáveis e intensificar o processo de desruralização

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� Educação desfocada do rural e indigência dos recursos humanos ligados ao setor agrícola pelo esforço privilegiado à industrialização, mesmo inserta em processo de acumulação de capital à custa da exploração da mão de obra e da destruição do patrimônio nacional entendido como biomas

� Desigualdade de tratamento estatal entre as populações urbanas e do agro com respeito aos serviços de desenvolvimento e sociais básicos com absoluto viés político em favor das atividades econômicas e sociais urbanas

� Disputa por investimentos em capital social básico ou economias externas entre o agro e a urbe com resultados amplamente favoráveis ao que se convencionou chamar de processo de urbanização em vez de desruralização

� Apropriação e mercantilização dos processos de produção nas áreas com razoável capital social básico implementado sob a retórica social para os pobres.

Busca-se, agora, apresentar um conjunto de idéias que possam conformar, para o

Brasil, um modelo autônomo de desenvolvimento sustentável que deve ser exaustivamente contextualizado e enriquecido pelo leitor.

Para tal propósito se procura situar a transformação dos espaços e das relações de produção e circulação dos bens e serviços no processo de mundialização ou globalização da economia a partir de três economias, aberturas ou janelas no sistema mundo do capitalismo.

Com vistas ao bom entendimento do leitor sobre as idéias, em epígrafe, vale lembrar que o mestre e amigo do autor MANUEL FIGUEROA em seu livro “La economia del poder” adverte: “Para administrar as políticas públicas sob critérios diferenciados, todo o governo deverá, prinmeiramente, redefinir o rol do Estado e criar capacidade operativa consequente, pois seria a única instância que constitucionalmente autoriza o governo a legislar em sua representação, com a equanimidade, um conjunto de leis, normatividades e procedimentos específicos para estabilizar as relações econômicas e sociais entre setores produtivos e agentes sociais que apresentam níveis tão diferenciados de inserção na economia nacional e internacional....É peciso reconhecer a iniquidade e inviabilidade de submeter e exigir da maioria da população do país o cumprimento de regras e políticas aplicáveis em contexto de alta competitividade quando só alguns setores de sua economia e do seu território estão em condições de enfrentar uma competência em mercados globais com agentes multinacionais de extraordinária capacidade de acumulação, tecnologia, financiamento e competência”.

A abertura externa trata da economia privada capitalista sob a égide das corporações multi e transnacionais em termos da competitividade que lhe é inerente, assim como da exclusão social. Toda essa economia é visível e mensurável nas áreas dinâmicas do Brasil e, em geral, associada às diretrizes internacionais do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio. Em termos do Poder Nacional o Estado Brasileiro está atrelado aos ditames das organizações supracitadas que são, em última instância, as executoras da vontade política do chamado G7 ou G8, quando se inclui a Rússia.

No outro lado e em contraponto a janela externa, se tem à abertura interna que tende a consolidar, no Brasil, uma economia social-comunitária ou solidária com profunda descentralização e inclusão social em quase todos os espaços letárgicos do país e que deve ter um sentido de desmercantilização do processo econômico.

Acredita-se que entre essas duas aberturas ou duas economias há de se lutar, com todos os meios democráticos, para alcançar ou criar uma abertura ou janela para o Estado Brasileiro visando a uma economia pública na qual se possa mediar à transferência de renda da janela externa para a interna com vistas à inclusão social. Admite-se que a abertura do Estado possa exercer o controle da política econômica com esse propósito e

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estabelecer, para tanto, a gestão pública nacional para a construção da política social com viés de desmercantilização do processo econômico em relação à categoria de lucro.

Nas instâncias da ciência política e da economia política há que se ter atenção para as duas revoluções, que se dão de forma simultânea, no sistema mundo do capitalismo que são: a revolução técnico-científica e a revolução informacional ou do conhecimento. Na medida em que o Estado Brasileiro possa mediar e controlar os efeitos dessas duas revoluções mundiais com vistas a uma economia pública desmercantilizada pode e deve proceder, de imediato, as seguintes reformas: do Judiciário; econômica (tributária/fiscal); política, urbana e agrária.

Os impactos de tais vontades políticas, pelo Estado Brasileiro, se darão no sistema do desenvolvimento sustentável com radicais medidas de:

� Investimento, crescimento e desenvolvimento � Competitividade, conhecimento e gestão � Sustentabilidade, desburocratização e equidade � Inclusão social, descentralização e geração de emprego e redistribuição de

renda gerada localmente.

O esquema ou diagrama seguinte apresenta, de forma sinótica, as iterações e interações das variáveis do Modelo, aqui proposto, e que implicam sobre um dado território (nacional ou, ainda, região e áreas-programa) a partir de Entes Comunitários insertos ou não nos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável (CMDS) hoje, existentes em todos os municípios brasileiros ou, ainda, em organismos regionais.

Vale salientar que os Estados Brasileiros possuem vários meios legais para programar tal modelo pelo lado da abertura do estado com vistas à abertura interna e, nesta, a economia social-comunitária, haja vista a lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) o Código Florestal, o Projeto Crédito Fundiário, o Programa Fome Zero além das linhas de crédito como o PRONAF e o microcrédito. Essas políticas devem ter em seu bojo um sentido de desmercantilização do processo econômico, hoje, voltado para o consumismo onde tudo é mercantilizado inclusive os bens livres e a própria vida humana.

O presente modelo pressupõe que se obtenha ou se aperfeiçoe as grandes vantagens sociais da propriedade privada, principalmente coletiva, depurando-a das suas desvantagens como o hedonismo econômico provocado pelo metabolismo do capital na caça ao lucro e ao poder. Essa é uma das razões de se propor acentuado nível de desmercantilização do processo econômico. Em outras palavras pregam-se atividades econômicas sem fins lucrativos pelas empresas da economia social-comunitária. Há que se dá ênfase a associação de pessoas em vez da associação de capitais na economia em tela.

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Também, os fundos constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste (FNE, FNO,

FCO) poderiam voltar-se totalmente para edificar e consolidar a economia social-comunitária ou solidária proposta no modelo. Carece ao Estado Brasileiro criar e implementar um forte programa habitacional para as classes pobres e médias de todo o território nacional. Ambiciosos programas: habitacional, saneamento e de infra-estrutura implicariam em

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geração de empregos e de redistribuição de renda para grandes parcelas das populações hoje excluídas ou desempregadas pela recessão econômica ou incipiente crescimento no país. No documento “Contribuição a uma Política de Recursos Humanos com Vistas à Inclusão Social.” (elaborado pelo autor dessas Anotações em 2003 para palestras e aulas) se apontam um grande número de iniciativas para se implementar e se consolidar a abertura do estado no que trata da economia pública e da economia social-comunitária, também, proposto no modelo autônomo de desenvolvimento sustentável na abertura interna do processo de globalização ou de mundialização da economia.

Há de se convir que a revolução técnico-cientifica existente hoje, no sistema mundo do capitalismo, se bem controlada a nível nacional pelo Estado Brasileiro pode e deve implicar em crescimento econômico em todas as aberturas apontadas, com efeito, na produtividade do trabalho, na competitividade e na sustentabilidade dos investimentos. Pelo lado da revolução informacional e do conhecimento, entre outras medidas, pode o Estado incluir a população para acesso as infovias a partir de um padrão próprio de TV digital com vistas às modificações e mudanças nas já existentes TVs analógicas de forma a permitir o acesso da população brasileira, de maneira massiva, à Internet.

Certamente, a implementação de uma economia pública permite que incomensurável parcela da economia social-comunitária ou solidária tenha acesso ao MERCOBRASIL e ao comércio exterior, hoje, quase que totalmente sob a égide da economia privada capitalista, em particular, pelas empresas transnacionais que funcionam no país gerando pouco emprego e transferindo, para fora, muita renda. Nesta economia o Estado é bastante limitado em suas decisões e controles na medida em que ela é ditada de fora para dentro através do FMI, OMC e BIRD.

No que diz respeito às reformas previstas, no Modelo, a Reforma do Judiciário implica no maior avanço da reforma do Estado desde 1988 (ano da Constituição), ou seja, transformar o Poder Judiciário do Brasil para ordenar a República Federativa no cumprimento das normas constitucionais puna todos aqueles plutocratas e técnoburocratas que abusam do poder. Puna os envolvidos no mau desempenho no exercício da função pública, os cleptocratas ou corruptos de todos os matizes, os traidores da nação, aqueles que lavam e desviam dinheiro, contrabandeiam e lidam com o tráfego de drogas e de órgãos humanos e, mesmo de pessoas, e todos os mafiosos além dos que subvertem e transgridem a legislação social não somente a previdenciária, mas a do trabalho, a do ambiente e a tributário-fiscal.

Certamente, com um Poder Judiciário transparente, reformado, recuperado e recriado do ponto de vista da justiça, da ética e da cidadania tem-se as condições para se administrar as políticas e a economia pública. Pode-se ter a certeza de que há um compromisso visceral do Judiciário com os objetivos nacionais permanentes e atuais (ONP e ONA). Almeja-se, assim, a justiça social para a construção de um Brasil Grande de Incluídos em contra ponto ao atual Brasil Nanico sob a égide de uma irresponsável e alienada elite segregadora e excluidora do povo brasileiro onde, também, o Judiciário contribui para a impunidade dos plutocratas e cleptocratas de todos os matizes.

Augura-se, portanto, uma Reforma do Judiciário que aponte para:

� Um controle externo por um Conselho Nacional de Justiça capaz de planejar políticas nacionais e corrigir desvios éticos nos poderes da Nação

� Uma moderna e célere administração � Uma revisão da legislação infraconstitucional � Uma estrutura democrática onde as defensorias públicas possam de fato atuar

em favor da grande massa de brasileiros totalmente privados de direito e de cidadania.

Almeja-se, inclusive, que as defensorias públicas possam fortalecer e exercer o papel de legitimar a economia social-comunitária na abertura interna do processo de globalização ou mundialização da economia.

A Reforma Econômica (tributário-fiscal) já está em andamento e, na medida em que seja descentraliza e racionalizada ao nível dos municípios, em muito, contribuirá para a

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abertura do Estado que a partir da economia pública possa implementar, de fato, a economia social-comunitária na abertura interna prevista no Modelo e inserta no processo de globalização econômica.

Para tanto, há que se desonerar a produção de bens e serviços ampliar a capacidade produtiva do país e incorporar ao mercado interno o vasto contingente de excluídos, de indigentes e de pobres. Por falta de oportunidades e pela violência dos ricos contra os pobres e do próprio Estado contra os pobres, leva-os a engrossar a violência urbana e rural existente, hoje no Brasil, e que toma porte de uma guerra civil não declarada. Cabe, portanto, à reforma econômica (tributário-fiscal) assegurar a população condições econômico-sociais de bem-estar, de equidade e de geração de emprego e renda e, principalmente, transferência de renda dos ricos para os pobres e não o inverso que ora se dá principalmente pelo imposto de renda.

Note-se que do ponto de vista financeiro o Brasil é detentor de um sistema financeiro estatal e privado capaz de assegurar e doar sustentabilidade ao Modelo bastando, para tanto, colocá-lo a serviço do país.

A Reforma Agrária é a base sobre a qual se pode e se deve instituir e solidificar a economia social-comunitária para ampliar a produção, à segurança alimentar, a segurança do abastecimento, gerar empregos e garantir aos sem-terra e aos minifundiários o direito de receber terra e crédito do PRONAF, do PCF, dos fundos constitucionais (FNO, FNE e FCO). Outras fontes públicas e privadas podem e devem ser mobilizadas com vistas a uma vida digna no meio rural brasileiro e, muito em particular na grande Região Nordeste.

Em complemento a reforma agrária cabe ao Estado patrocinar e financiar a infra-estrutura necessária, a capacitação técnica local dos projetos, habilitarem os créditos, assistir as comunidades e acabar ou neutralizar a influência dos especuladores, açambarcadores e políticos tradicionais e conservadores na medida em que solidifica uma democracia participativa local. Há que se implementar e programar a plataforma da política de reforma agrária proposta pelo Ex-Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva quando afirmava: “A reforma agrária é instrumento indispensável de inclusão social, num país de grande concentração de renda como o nosso. Associada aos demais instrumentos convencionais, incluindo uma política auxiliar de crédito fundiário para regiões e setores específicos ela é estratégica para enfrentar a crise social e fomentar as cooperativas, a agricultura familiar e a economia solidária”.

“A aceleração do processo de reforma agrária e um programa de recuperação dos assentamentos já efetuados são indispensáveis para aumentar o emprego na agricultura e proporcionar segurança alimentar aos trabalhadores e suas famílias”.

“A expansão e integração da produção de alimentos, ao lado da consolidação das diversas formas e níveis de organização produtiva dos beneficiários, desempenhará um papel central na regularização dos fluxos de abastecimento nas esferas local, regional e nacional. Sem prejuízo de outras formas que possam ser utilizadas em situações determinadas, o instrumento central de obtenção de terras para a reforma agrária será a desapropriação por interesse social, nos termos do que estabelece a Constituição Federal”.

“A elevação da eficácia da reforma será alcançada, também, por meio da ampliação da participação dos beneficiários em todas as suas fases e da implantação de sistemas de financiamento e comercialização que contribuam para viabilizar economicamente as unidades produtivas criadas”. (Inserto no site do então candidato à Presidência da República na Internet)

Sendo urgente e necessária, a Reforma Política deve submeter às ações do Estado brasileiro ao amplo controle político da sociedade civil em contra ponto ao atual controle das elites que nos 500 anos de história (a partir da invasão européia). Hoje, no território da República Federativa do Brasil, mostrou-se totalmente irresponsável para com o povo brasileiro defendendo apenas, seus mesquinhos interesses e dos países que representam (Portugal, Inglaterra, França e, hoje, EUA). Melhor explicitando se deseja na reforma política que a sociedade civil organizada participe da definição dos grandes objetivos nacionais seja nas decisões como na implementação das medidas decorrentes, a

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fim de que os instrumentos se afinem com os propósitos, e a prática se ajuste à retórica conforme pregava Teotônio Vilela e Raphael Magalhães no Projeto Brasil no Senado Federal.

O Partido dos Trabalhadores, agora, no poder, tem explícito em seu programa à necessidade da reforma política, porém de maneira muito tímida, ou seja, em dois parágrafos (63 e 64) omitindo o papel que a mesma tem para se ter de fato e de direito, no Brasil, uma democracia representativa a partir da consolidação de uma forte democracia participativa. Esta deve ter origem e prática nos municípios onde os Entes Comunitários devem ter efetiva participação. O modelo em discussão parte do princípio que só haverá, no Brasil, uma democracia representativa quando seu pressuposto básico, que é a democracia racial e participativa, esteja devidamente implementada desde o nível local ao nacional. Também, a questão dos gêneros deve ser objeto da reforma política.

Vale lembrar que a proposta de reforma política do governo FHC, explicita no documento Avança Brasil (p.277), se devidamente revisada vai ao encontro das proposições do modelo autônomo de desenvolvimento sustentável e, em muito, contribuirá para sua implementação. As diretrizes ali explícitas não são para se jogar fora e sim para ser melhoradas e ampliadas (do ponto de vista dos excluídos) no Governo Lula ou do Partido dos Trabalhadores, do Partido Socialista e do Partido Comunista do Brasil.

Dentro do modelo, em discussão, cabe ainda, aperfeiçoar as políticas que regulam a economia privada capitalista de forma a compatibilizar sua lógica de maximização do lucro e do poder, no processo de acumulação incessante de capital, com os inalienáveis interesses do Brasil. Há que se ter, também, especial atenção para as empresas estatais e para-estatais (públicas) brasileiras a partir dos interesses do povo e, principalmente, dos excluídos. Essa é, também, uma das razões para o processo de desmercantilização econômica como premissa do modelo.

É preciso controlar, com o máximo rigor, o marcos de regulamentação e de controle que possibilitam o sistema empresarial, particularmente, o financeiro, cumprir com as obrigações que as regras lhes impõem em termos de tributação, previdência, trabalho, social, ambiental, respeito ao cliente e, principalmente, de remessa de lucro ilegal ao exterior. Deve-se, em tese, se doar especial atenção àquelas empresas que criem muitos postos de trabalho e que é solidário com o bem estar da sociedade brasileira. Nos dispositivos de controle e de regulamentação das empresas ou organizações insertas na economia privada capitalista devem-se administrar critérios e objetivos de equidade entre os diversos setores sociais. Propõe-se que os endividamentos externos, oriundos das operações das empresas capitalistas, sejam mantidos, no âmbito das relações privadas e jamais do setor público como soe acontecer. Necessita-se de amplo rigor contra a evasão fiscal e um controle rigoroso da remessa de lucro, royaties, serviços e dividendos gerados, no país, para o exterior. Em nenhuma hipótese se deve privilegiar uma empresa estrangeira ou transnacional em detrimento daquela que, autenticamente, é nacional, como aconteceu com os governos dos entregologos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso que serão julgados pela história.

Para ilustrar, os presentes idéias, seguem-se um esquema sistêmico do que aqui foi apresentado, de forma sinótica, para futuros desdobramentos, leituras e contextualizações.

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SISTEMA MUNDO CAPITALISTA

SISTEMA AUTÔNOMO DO DESENVOLVIMENTO

LUCRO E PODER ESTRATÉGIAS DE TRANSFORMAÇÕES

ABERTURA DO ESTADO ECONOMIA PÚBLICA

CONTROLE DA PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO GESTÃO

PÚBLICA NACIONAL

DESBUROCRATIZAÇÃO

REFORMA DO JUDICIÁRIO

REFORMA ECONÔMICA

E FISCALREFORMA AGRÁRIA

REFORMA POLÍTICA

ORDENAMENTOCONSTITUCIONAL

RECUPERAÇÃODA JUSTIÇA

DESCENTRALIZAÇÃO

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

CRESCIMENTO (INVESTIMENTOS)

REVOLUÇÃO TÉCNICO-CIENTIFICA

COMPETITIVIDADE SUSTENTABILIDADE

MODELO AUTÔNOMO DE

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NOS

TERRITÓRIOS

EQUIDADETRIBUTAÇÃO

IDH

EMPREGO

REDISTRIBUIÇÃODE

TERRAS

SEGURANÇAALIMENTAR

E SOCIAL

CADEIASPRODUTIVAS

COMÉRCIOEXTERIOR

ASSOCIAÇÕES SOCIAISCOMUNITÁRIAS

INVESTIMENTOS

REVOLUÇÃO INFORMACIONALDESCENTRALIZAÇÃO

ABERTURA EXTERNAECONOMIA PRIVADA CAPITALISTA

EXCLUSÃO SOCIAL

TERRITÓRIOS DINÂMICOS

ABERTURA INTERNAECONOMIA SOCIAL-COMUNITÁRIA

INCLUSÃO SOCIAL

TERRITÓRIOS LETÁRGICOS

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Na organização do esforço de planejamento estratégico do desenvolvimento sustentável autônomo, não se trata de fixar uma estrutura formal para a planificação, mas, estabelecer as bases sobre as quais o sistema deve ser organizado. É dizer, definir QUEM participa, QUAL É O PAPEL de cada um dos diferentes participantes, QUE RELAÇÕES devem existir entre esses participantes e COMO DEVEM conduzir-se.

Para concretizar um planejamento estratégico situacional capaz de promover a superação de uma nação para outras para uma situação de uma nação para si, torna-se necessário rever muitos conceitos da economia clássica e neoclássica em situação de neocolonialismo, como sejam:

� A categoria de MATÉRIA-PRIMA que, para os brasileiros, não pode ser entendida somente como insumo ou matéria intermediária para a confecção de alguns produtos. Deve, sim, ser apreendida como substância capaz de absorver trabalho humano vivo ou pretérito. Neste caso, convém verificar se seu caráter é renovável ou não. No caso de ser renovável, trata-se necessariamente de um produto vivo da natureza ou do agro; não sendo renovável, é um produto mineral. A partir deste conceito e do caráter da matéria-prima, se pode deduzir que, quando se exporta determinado mineral estratégico ou mineral escasso ou mesmo produtos agrícolas in natura, se está exportando uma determinada quantidade de trabalho que poderia ser agregada ao produto final no próprio país. Na medida em que isto não acontece, a exportação de matéria-prima significa a alienação da capacidade de trabalho nacional. Isto é muito grave quando se exporta as matérias-primas básicas ou estratégicas e se importa produtos manufaturados oriundos delas. Neste caso, a alienação é dupla: exportação de capacidade de trabalho nacional e importação do trabalho agregado de terceiros

� DESEMPREGO. É outra categoria que, praticamente, não existe em países subdesenvolvidos ou periféricos como o Brasil. O imaginário do brasileiro não é levado a acreditar que uma pessoa que está desempregada já tenha uma determinada qualificação profissional, posto que perdeu seu emprego e aguarda ou busca nova oportunidade, isto é, possui uma determinada aptidão técnica. No contexto econômico desemprego não pode ser entendido apenas como falta de emprego, mas como o resultado de exoneração, demissão ou destituição de função. No Brasil, esses casos existem no Sul e Sudeste e são insignificantes no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O que existe, de fato, são pessoas não qualificadas que buscam emprego muitas vezes pela primeira vez. Em geral, carecem de atributos de qualificação ou aptidão técnica e profissional. Uma coisa é estabelecer uma política de emprego para desempregados; outra é criar empregos ou oportunidades de negócios para pessoas não qualificadas e que nunca trabalharam. Exportando matéria-prima e permanecendo a mão-de-obra ociosa, embora se possa, eventualmente, convertê-la em bens utilizáveis, o país subdesenvolvido ou periférico incide em duplo erro: despoja-se de sua riqueza insubstituível, alienando o trabalho de beneficiamento da matéria-prima, e importa o trabalho agregado do país que a industrializa. Acontece, com este duplo erro ou alienação, que o país subdesenvolvido ou periférico, além de reduzir o seu potencial de trabalho, relega seu povo e de seus futuros operários qualificados à condição de semoventes, vegetando no plano de uma política de salários aquém do nível de subsistência. Para o país subdesenvolvido ou periférico, o problema não consiste em saber se a exportação de minérios produz ou não divisas, mas saber se produz ou não trabalho.

Para completar o sistema conceitual supra, vejamos o que acontece com os

conceitos de uso dos recursos naturais, particularmente o conceito de UTILIZAÇÃO DE FATORES.

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Opina-se que este conceito não pode ser utilizado nos países subdesenvolvidos tal qual é apresentado pela economia dos países desenvolvidos ou do ponto de vista etnocêntrico, pois contém numerosos aspectos que somente a investigação a partir de um ponto de vista nacional ou crítico abrangente pode descobrir.

Sob a rubrica de utilização de fatores, ou de uso dos recursos naturais, ocultam-se diversas modalidades de aproveitamento dos bens de um país, que podem ser utilizados em proveito próprio e alheio. Segundo Álvaro Vieira Pinto se pode ver que:

� SUBUTILIZAÇÂO OU SUB-USO. Consiste no aproveitamento parcial da riqueza existente a partir da capacidade industrial já instalada ou da mão-de-obra oferecida. É a modalidade quantitativa do uso. Caracteriza-se pela utilização dos chamados fatores produtivos em quantidade inferior ao máximo possível. A capacidade ociosa inclui-se nesta modalidade de uso. O país subdesenvolvido usa apenas uma pequena parte dos seus recursos naturais disponíveis, sendo impedido de aumentar o aproveitamento desses bens por motivos de ordem:

� Política, por pressão dos países hegemônicos que procuram manter um baixo nível de utilização;

� Econômica, pela debilidade da acumulação interna de capital; e � Técnica e científica, pela ausência do conhecimento de suas reais

possibilidades e da extensão e variedade dos bens naturais � SEMI-UTILIZAÇÃO OU SEMl-USO. Consistem na utilização completa dos

recursos naturais para, apenas, alguns dos fins de produção, ficando outros entregues à ociosidade ou à demanda de bens, a ser satisfeita pela importação de matérias-primas ou de produtos acabados. Neste caso, temos a modalidade de MAU USO ou MÁ UTILIZAÇÃO, que se definem pela presença simultânea do conveniente aproveitamento de certos recursos e a falta de interesse por outros desconhecidos, mau usados ou não aceitos, sendo substituídos por equivalentes importados. A semi-utilização dos chamados fatores produtivos ocorre freqüentemente nas novas indústrias implantadas no país para explorar alguma riqueza nativa. E oportuno ressaltar, porém, que este procedimento se acompanha da importação de máquinas estrangeiras ou de alguns insumos que poderiam ser produzidos internamente, embora parcialmente, fato que ocasiona a imobilização dos implementos, artigos, acessórios etc. que o planejamento de tais indústrias pretende importar e não produzir no país

� PSEUDO-UTILIZAÇÃO OU PSEUDO-USO. Este conceito concerne à utilização de qualquer recurso natural do país pelo capital estrangeiro. Do ponto de vista do desenvolvimento nacional, trata-se, de fato, de um FALSO USO, porquanto, aparentemente, o recurso está sendo aproveitado pelas condições econômicas em que se realiza esta atividade, falseando assim o uso para si das riquezas do país. Mesmo no uso dos recursos naturais, estes são utilizados em seu exclusivo proveito; tudo se passa como se destruísse a riqueza, anulando-a, transformando-a para outros, aviltando, assim, o valor de trabalho nacional. Exemplo típico deste pseudo-uso no Brasil: a exploração e transformação da bauxita em Barcarena, no Pará, e em São Luís, no Maranhão, onde são alienados não somente o trabalho agregado que poderia ser implementado nos lingotes de alumínio exportados, mas, principalmente, da energia gerada pela maior e mais importante hidroelétrica brasileira que é Tucurui. A falta de confiança que os povos periféricos ou subdesenvolvidos manifestam nas suas capacidades, seu pessimismo para seu futuro, alegando não disporem de meios para elevar seu nível de vida porque foram mal dotados pela natureza e não têm capacidade de trabalho, são responsáveis pelo clima desfavorável que resulta do aproveitamento inadequado dos bens naturais. Por isso mesmo viça, no

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povo, uma ideologia reacionária que se explícita em complexo de inferioridade e ausência de auto-estima.

Do desalento proveniente deste complexo do imaginário brasileiro resulta a marginalização do povo que passa a viver sob a constante pressão ideológica daqueles representantes da ciência estrangeiras a serviço de exploradores que além de comentarem, divulgam e propagam a idéia de ESCASSEZ DE RECURSOS e a dificuldade em mobilizar os recursos que o povo possui. A noção do pseudo-uso dos recursos naturais, ao se converter em ideologia social, gera o estado de espírito coletivo que lhe corresponde e, por conseguinte, o câmbio, chegando-se à nova situação de PLENO USO desses recursos que abre o caminho para outra perspectiva ideológica - a consciência crítica da comunidade ou da nacionalidade. Então, rompem-se os grilhões que se impõe às comunidades, sugestionando-as a não crerem na existência de bens aproveitáveis e na efetividade de seu esforço e de seu trabalho. É por isso que o país subdesenvolvido ou periférico necessita conhecer, por si mesmo, os bens naturais de que dispõe e mobilizar seus próprios cientistas para descobrirem a realidade nacional e propor a proteção do uso dos seus recursos naturais. Sabe-se que, sob o manto da hipócrita autoridade de uma ciência supostamente neutra ou impessoal, escondem-se a rapinagem do capital estrangeiro, seus interesses políticos-imperialistas e suas manobras para manter o domínio sobre a consciência das elites alienadas e mal esclarecidas dos países periféricos ou subdesenvolvidos.

A programação da pesquisa científica, originalmente destinada a criar a consciência positiva dos países atrasados, é uma tarefa urgente e constitui uma superestrutura relacionada com os princípios básicos de exploração e aproveitamento dos recursos dos países em seu proveito próprio.

A mobilização desses recursos requer dois tipos de medidas: uma de infra-estrutura e outra de superestrutura

As medidas de infra-estrutura visam à plena apropriação dos recursos naturais pelo povo, representado pelo seu Estado verdadeiramente democrático de forma participativa e representativa e a quem compete à posse das fontes de energia. Em conseqüência do crescimento anárquico da produção, do enfraquecimento e imprecisão dos mercados, das pressões externas, da falta de planejamento científico, dos impedimentos de toda ordem, a economia dos países atrasados é naturalmente levada a desbaratar significativamente as próprias possibilidades produtivas, resultando disso uma parte da capacidade ociosa, a qual, se fosse utilizada, daria aos países sem nenhuma necessidade de novas inversões, o imediato aumento dos recursos produtivos que, por falta desta orientação, permanecem inaproveitados. Por isso, é importante investigar, com cuidado, em cada ramo de atividade, quais são e onde se localizam esses recursos mal utilizados e aproveitá-los. E óbvio que a mobilização desses recursos só pode ser feita por meio de uma política de libertação nacional, pois a economia subjugada ao capital financeiro internacional, como ocorre atualmente no Brasil, não tem nenhum interesse em explorar essas possibilidades latentes na economia nacional, preferindo, em vez disso, aumentar as inversões externas que ampliam a área de dominação.

No Brasil, já existem todas as condições para se planejar nas condições aqui apontadas. A atualização da capacidade ociosa define uma diretriz política que só poderá ser executada por um governo com autodeterminação. No contexto do Nordeste do Brasil, espera-se que os governos estaduais pudessem, a nível nacional, dar os primeiros exemplos. Entretanto, parece que, em nenhum momento, estão prestes a seguirem a política aqui explicitada, o que é muito frustrante para os nordestinos e mesmo para todos os brasileiros críticos. Esta política implica obrigatoriamente o fortalecimento dos recursos de que dispõe o país e, portanto, a liberação da economia nacional do julgo ou domínio externo. Forma parte, ainda, do elenco das medidas de infra-estrutura, a incorporação da mão-de-obra ao processo produtivo. Tudo isto pode e deve acontecer no chamado processo de globalização que não é o mesmo de internacionalização da economia nacional.

Este ponto de vista permite considerar o problema da planificação da mobilização dos recursos naturais e humanos sob a ótica de dois novos conceitos que devem servir para

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interpretar os fatos particulares da nação: a AUTO-UTILIZAÇÃO e a HETÉREO-UTILIZAÇÃO ou HETÉREO-USO.

Estes dois vocábulos híbridos evidenciam a conveniência ou não do uso de determinados recursos naturais, em dado momento, ou seja, determinam se eles podem ser utilizados em exclusivo proveito nacional ou, caso contrário, em proveito de outro país. A conceituação do uso dos recursos naturais de um país considerado atrasado não se limita ao aspecto quantitativo nem consiste em investigar, em que extensão e volume são eles valorizados ou mensurados. É preciso atentar para o aspecto qualitativo e indagar QUEM se beneficia com seu uso?

O exame dos aspectos qualitativos revela, pois, este dado essencial. Não basta que se defina a utilização dos recursos brutos nacionais. E indispensável que os efeitos deste aproveitamento permaneçam integralmente no país sob a forma de impulso ao processo de desenvolvimento sustentável.

As noções supracitadas são de importância fundamental para identificar os perigos que oferecem os estudos e projetos a respeito da mobilização da capacidade ociosa existente nos vários setores da economia nacional, os quais apresentam simples aspectos quantitativos, ocultando o verdadeiro conteúdo da questão, qual seja, saber se o uso de sua capacidade, até o momento marginalizado, será efetuado em benefício do povo ou contribuirá para piorar a situação subserviente.

Estas breves considerações visam fornecer meios teóricos para o planejamento estratégico situacional, que inclua a noção do futuro desejado em contraposição ao futuro lógico. A noção de FUTURO DESEJADO, para ser adequadamente utilizada, exige criatividade e síntese. Implica valoração, demanda julgamento de valor e definição de fins e necessidades. Requer capacidade para lidar com elevado número de variáveis independentes que necessitam articulação, ordenamento, interação e iteração.

Após essas breves considerações sobre o Modelo Autônomo de Desenvolvimento se comenta, a seguir, o diagrama do seu Sistema de Gestão com vistas a que o leitor possa, de forma sistêmica e holística, apreender as conexões do Modelo.

No diagrama, que se apresenta a seguir, se colocam, no centro do sistema, os atributos, as dimensões e os códigos para o Modelo funcionar com as devidas interconexões com os sistemas: cultural, filosófico e inovacional. Busca-se, também, a interatividade com as habilidades gerenciais empresariais e com as adaptações nas esferas: pública, privada e solidária e as necessárias e imprescindíveis mobilidades e conectividades com as percepções: macro-sistêmica, micro-sistêmica e institucional-administrativa com objetivos explícitos de conversibilidade, ubiqüidade e globalidade ou totalidade no Sistema Autônomo de Desenvolvimento Sustentável. Acredita-se que o diagrama é auto-explicativo dispensando maiores comentários sobre o mesmo.

Para ilustrar as idéias, para o supracitado modelo, vale salientar que as mesmas são um convite a toda e qualquer pessoa a trazer sua crítica e contribuição criativa e responsável socialmente para o desenvolvimento sustentável de um Brasil Grande de Incluídos em contra ponto a esse Brasil Nanico de exclusão social, de expropriadores e segregacionistas de todos os matizes ocidentais internas e externas.

As idéias do modelo proposto não são fáceis de serem implementadas, porém estão focadas no sistema mundo capitalista em grave crise anti-sistêmica e em pleno caos de transição para um outro que não se sabe se será melhor ou pior do que esse que ora se bifurca. Esse fato aponta que não se pode fugir da transição restando a obrigação de se introduzir ao debate público essas idéias no contexto das mútiplas necessidades e diferentes interesses de todos que estão isertos na transição do sistema. Vale apenas tentar e lutar pela sua implementação que deve ser melhorada nesses horizontes de aproximadamente 50 anos.

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Essas idéias têm como premissa básica uma ampla estratégia alternativa que

segundo Wallerstein resume-se em: 1. “Expandir o espirito de Porto Alegre”, ou seja, fomentar e promover, ao máximo,

movimentos ou eventos anti-sistêmicos com vistas a: clareza intelectual das ações anti-sistêmicas no processo de transição; ações militantes o mais amplas possível de mobilização popular; defender alterações fundamentais de contenção ao processo incessante de acumulação de capital em curto, médio e longo prazos. O espirito de Porto

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Alegre deve inserir-se naquilo que se convencionou chamar de “coligação arco-íris” de Jesse Jackson, “esquerda plural” dos movimentos franceses e “frente ampla (Brasil) ou frente amplio” em toda América Latina. O FÓRUM SOCIAL MUNDIAL (FSM) criado em Porto Alegre espelha e reflete essa estratégia.

2. “Usar táticas eleitorais defensivas”, isto é, ter a convicção de que vitórias eleitorais não transformarão o mundo mas não podem e não devem ser negligenciadas por serem mecanismos que podem politizar e proteger necessidades das populações excluidas ou dominadas por elites irresponsáveis. Para tanto, fazer valer do nível local ao mundial o espirito de Porto Alegre onde ficou explícito que as eleições quando vitoriosas são apenas táticas defensivas no processo de transição do sistema mundo capitalista e há que se cobrar as promessas de campanhas.

3. “Promover incessantemente a democratização” seja pela participação seja pela representação política e, principalmente, pelo viés racial. Pressionar, ao máximo, as exigências sobre: mais saúde, mais educação, mais renda vitalícia, mais seguro desemprego, mais segurança alimentar, mais segurança social, mais infra-estrutura social, mais habitação e mais tudo que possa inibir as possibilidades do aumento do lucro e do poder pelo metabolismo do capital gerido pelos capitalistas em seu processo incessante de acumulação.

4. “Fazer com que o centro liberal seja fiel às suas preferências teóricas” pregando a emigração e a imigraçaão em grande escala e o mais livre possível, a abertura das fronteiras geográficas, a não-salvação dos empresários que fracassam nos mercados, pagar auxílios- desemprego, subsidiar a formação educacional, praticar economia-solidária, abolir e limitar, em muito, o acordo de patentes, criar empregos ou ocupações e redistribuir rendas. Promover e fomentar toda e qualquer mobilização popular em torno dos direitos legais e direitos humanos dos cidadãos e das chamadas minorias.

5. “Fazer do anti-racismo a medida definidora da democracia”, isto é, pregar e praticar, com veemência, a democracia racial como essência da democracia participativa e da democracia representativa. Coscientizar as populações, por todos os meios, de que o “racismo é o modo primário de distinguir entre aqueles que têm direitos (ou mais direitos) e os outros, os que não têm ou têm menos direitos” no dizer de Wallerstein.

6. “Avançar na direção da desmercantilização”. Segundo Wallerstein “a principal coisa errada no sistema capitalista não é a propriedade privada, que é apenas um meio, mas sim a mercantilização, que é o elemento essencial da acumulação de capital”. O modelo na janela interna e na janela do estado explicita como avançar nessa direção.

7. “Recordar sempre que vivemos na era de transição do sistema mundo existente para algo diferente”. Com tal atitude, pretende-se buscar novas alternativas de desenvolvimento e enfatizar que a única alternativa que de fato não existe é continuar fora das contradições da estruturas em crise do sistema mundo capitalista que com certeza vai se bifurcar. Essa recordação demanda do cidadão a necessidade de avaliar e dissecar as propostas e blefes daqueles que advogam e fomentam o status quo do sistema mundo capitalista em plena crise sistêmica. No dizer de Morin há que se lutar por um mundo relativamente democrático e solidário com vistas a um cenário de antropolítica.

Pelo acima exposto o pensar crítico não aceita a divinização da ociosidade resumida na contemplação espiritual do bem. Partindo-se do principio de que a quase totalidade dos humanos é obrigada a trabalhar para viver, e não a deleitar-se com o louvor da contemplação. É atitude ociosa de uns poucos indivíduos que aproveitam as possibilidades de lazer que o regime vigente de produção lhes assegura, para se valorizarem por esse privilegio e se apresentarem em face das massas laboriosas como moralmente "melhores". Por praticarem uma conduta anti-social em essência, tem uma atitude egoísta e por mais que conclame a todos, sabe que só um número ínfimo chegará a nível tão alto de aperfeiçoamento espiritual uma vez que a salvação dos humanos depende da realização ética de cada qual. Abandona a imensa maioria à desvalia, ao desprezo, à infelicidade. Da origem ao princípio anti-social da caridade, entendida como transbordamento das almas generosas, ricas de virtude que conquistaram pelo esforço constante, que mantêm pelo domínio das tendências inferiores. Faz da triste humanidade

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comum, dos outros, os que não se podem apegar as ocupações terrenas, o material da ação virtuosa ou por isso engrandeça de méritos espirituais ao meditar sobre a miséria moral dos humanos. Isso porque se dispõe a prática de discursos exortativos, de atos de oblação, de obras de assistência "aos pobres!", na verdade comoventes, embora praticamente ineficazes no seu limitado alcance. Na sua ingenuidade acreditam que tais sofrimentos têm fundamentalmente origem moral e não social, e dependem das condições de trabalho; por isso se dispõe a curá-los pela simples correção da conduta, pois esta é a única coisa que lhe parece estar errada no mundo.

A consciência teológica ou filosófica simplória dispensa-se de agir, ao menos em pricípio, a favor dos outros, a não ser para exortá-los a seguir o seu exemplo. Contrariamente, à consciência teológica, o pensar crítico patrocina as teorias éticas. De uma forma ou de outra, busca na ação objetiva, aquela que se faz no mundo físico e social, os fundamentos da legislação moral, e descobre no sistema das relações reais entre os humanos o princípio dos méritos e sanções que recebem. A atividade existencial no agir concreto, é necessariamente social, a origem da sua forma, do mérito ou demérito. É porque a ação implica a sociedade, que se carrega de conteúdo moral. Este constituído a cada momento pelo conjunto de apreciações/valores vigentes, atuando como pressões sobre a consciência individual. Derivam claro, de condições sociais anteriormente existentes, transmitidas de uma fase social à seguinte.

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XI. A DIVISÃO DO TRABALHO E UM MUNDO SEM EMPREGOS A divisão do trabalho é no sistema mundo do capitalismo, a fonte de todas as

alienações. As ciências da administração e da economia política a têm sempre como pano de fundo. Ela é discutida a luz da gestão da fábrica ou da organização da intensidade e da produtividade do trabalho, da intensidade da produção e, particularmente, da cisão entre o trabalho intelectual e o braçal. Isso com vistas à hierarquização e à disciplina insertas no parcelamento das tarefas e nos sistemas de monopolização da técnica e da ciência pelas gigantes instalações e centralização do poder das empresas transnacionais.

Essa configuração foi, historicamente, montada pelo metabolismo do capital em seu processo incessante de acumulação em suas diferentes fases. No dizer de André Gorz, “a monopolização da produção pelos aparelhos institucionais – trustes industriais, administrações – e das corporações especializadas (médicos, professores, corporações de Estado) faz com que ela se submeta a produzir o que não consome, a consumir o que não produz e a não poder produzir nem consumir conforme suas próprias aspirações individuais ou coletivas. Não existe mais lugar onde a unidade dos trabalhos socialmente divididos passa a corresponder à experiência da cooperação, da troca, da produção em comum de um resultado global. Essa unidade só é assegurada – de um lado, pelo mercado; do outro, pelas burocracias privadas estatais. Ela se impõe aos indivíduos, portanto, como unidade exterior, como ‘uma força estranha da qual não conhece nem a origem, nem a finalidade’”.

Em “A ideologia alemã”, ainda, segundo Gorz, Karl Marx explica o tema em lide quando explicitou que “enquanto a atividade não for, pois dividida voluntária, mas naturalmente, o ato próprio do homem torna-se para ele uma força exterior que o subjuga, quando ele deveria dominá-la. Com efeito, desde que o trabalho passa a ser repartido, cada um tem seu currículo de atividade determinado, exclusivo, que lhe é imposto, do qual não pode sair; seja ele caçador, pescador, pastor ou crítico – é forçado a continuar a sê-lo, se não quiser perder seus meios de subsistência; enquanto na sociedade comunista, onde cada um não tem currículo exclusivo de atividade, mas pode aperfeiçoar-se em qualquer ramo, a sociedade regula a produção geral e dá-me, assim, a possibilidade de hoje fazer isso; amanhã, aquilo; de caçar pela manhã, pescar à tarde, cuidar da criação à noite, e mesmo criticar a alimentação, o meu bel prazer, sem jamais tornar-me pescador, caçador, pastor ou crítico. Essa estabilização da atividade social, essa consolidação do nosso próprio produto numa força concreta que nos domina, que foge ao nosso controle, barra as nossas esperanças, anula nossos cálculos, constitui um dos principais fatores do desenvolvimento histórico passado (...). A força social, ou seja, a força produtiva multiplicada, que resulta da colaboração dos diferentes indivíduos condicionados pela divisão do trabalho, aparece para esses indivíduos – porque a própria colaboração não é voluntária, mas, natural – não como a sua própria força unida, mas como força estranha, situada fora deles, da qual não conhecem nem a origem, nem a finalidade, que eles, portanto, não mais podem dominar, mas que agora percorre, ao contrário, toda uma série de fases e de graus de desenvolvimento particular, independente da vontade e da agitação dos homens, até regulando essa vontade e essa agitação”.

Em geral, os estudantes de administração e de economia política têm em sua grade escolar de curso os ensinamentos de Henri Fayol a partir de sua obra “Administração industrial e geral”, base de sua doutrina - o fayolismo - que trata das necessidades e possibilidades de um ensino administrativo e dos princípios e elementos da administração com vistas à divisão racional do trabalho, à autoridade, à responsabilidade, à disciplina, à unidade de mando e à convergência de esforços na empresa. Outro clássico da administração é “Os princípios de administração científica”, de F.W. Taylor, onde ele apresenta suas observações e experiências, particularmente, quanto às formas de desperdícios, procura de homens eficientes, causas da vadiagem no trabalho, lei da fadiga, seleção de pessoal e outros temas relevantes que serviram de fundamentos à sua doutrina, conhecida como teilorismo. Uma das mais belas críticas ao teilorismo, como doutrina, vem

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do gênio do cinema mudo Charles Chaplin em seu belíssimo filme “Tempos modernos”, que se aconselha a ver, para divertir-se e contextualizar tão importante crítica.

Tanto Fayol quanto Taylor em muito influenciaram Henry Ford, em sua indústria automobilista, onde, de fato, também criou sua doutrina administrativa mundialmente conhecida como fordismo, que se fundamenta na linha de montagem com ou sem esteira rolante para a produção em série.

Em tese, esses arautos da administração e da economia política fabril ou empresarial Fayol, Taylor e Ford em suas idéias e obras camuflam ou dão uma “aparência científica à racionalização do trabalho de tal forma” a ocultar e negar as críticas de Marx segundo as quais “toda produção capitalista, como geradora não só do valor, mas também da mais-valia, tem esta característica: em vez de dominar as condições de trabalho, o trabalhador é dominado por elas; mas essa inversão de papéis só se torna real e efetiva, do ponto de vista técnico, com emprego das máquinas. O meio de trabalho, tornado autômato ergue-se, durante o processo de trabalho, diante do operário sob a forma de capital, de trabalho morto, que domina e explora a força de trabalho viva”.

É do conhecimento público que, em todos os setores da economia (primário, secundário e terciário) o nível de emprego tende a diminuir e, sem dúvida, não há um único segmento industrial, na última década, onde o emprego não tenha se contraído. A revolução do conhecimento e da informação via telemática, biotecnologia, nanotecnologia, robótica, aeroespacial e agricultura molecular estão levando as mudanças radicais na empregabilidade. Tanto o crescimento e o desenvolvimento econômicos se dão, hoje, à revelia da geração de empregos e, mais grave ainda, tornando-os obsoletos e o empregado descartável.

A reengenharia do trabalho foi criada pelas grandes corporações para eliminar cargos de todos os tipos e em quantidade maior do que em qualquer época do sistema mundo capitalista. Sua forma de eliminar empregos é comparável a grande crise mundial do capitalismo dos anos 29 e 30 do século passado. Note-se, também, que a reengenharia do trabalho alimenta a queda do poder aquisitivo das comunidades pelo impacto do achatamento das gigantescas burocracias das transnacionais, agora, funcionando em rede ou de forma reticular com total e absoluta transposição de fronteiras, sejam elas quais forem, ou seja, geográficas, culturais, raciais, religiosas, étnicas etc.

Observe-se, também, que as grandes corporações desenvolvem diferentes estratégias de trabalho contigencial para evitar os altos custos, para elas, de benefícios aos trabalhadores, tais como: aposentadorias, assistência médica, férias e licenças médicas pagas, etc. Reduzem, portanto, seu núcleo de trabalhadores fixos, contratando trabalhadores temporários, estagiários universitários, todos com variações sazonais. Na prática, a mão de obra, como mercadoria, recebe todo o impacto da logística “just-in-time”, criada para atender o que há de mais moderno na circulação dos bens econômicos sob a égide da micro-eletrônica.

Por mais que as corporações diminuam a duração de vida dos produtos via aceleradas depreciação moral e material dos mesmos, com sua substituição em intervalos cada vez menores, a crise de empregabilidade se torna mais dramática, sem quaisquer ajustes nos campos: econômico-social e ambiental do modo de produção capitalista. Dessa forma justifica o enunciado de Marx, feito em 1857, de que “chegou o tempo em que os homens não mais farão o que as máquinas podem fazer”. Vive-se, hoje, no sistema mundo do capitalismo, com a abolição do trabalho obrigando o trabalhador a disputar entre si as escassas oportunidades de emprego em vez de juntos se organizar em busca de uma nova racionalidade econômica, política, social e ambiental. Na prática, essa crise da empregabilidade tem servido de arma para os detentores de capital com vistas a estabelecer cada vez mais hierarquia, obediência, disciplina na divisão do trabalho nas empresas e corporações transnacionais.

Segundo Gorz, a crise da empregabilidade tem levado os estados capitalistas ao ponto de em suas linguagens oficiais afirmarem “não se trata mais de trabalhar para produzir, mas de produzir para trabalhar (...) a economia de guerra e a própria guerra que

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foram, até hoje, os únicos métodos eficazes para assegurar o pleno emprego dos homens e das máquinas quando a capacidade de produzir ultrapassava a de consumir”

.“O declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global do trabalho, é o subtítulo do livro, O fim dos empregos”, de Jeremy Rifkin, que aponta para se deixar de lado a ilusão de retreinar pessoas para cargos já inexistentes e pondera, institucionalmente, para a ação em um mundo que está eliminando o emprego de massa na produção e na comercialização de bens e serviços. Aconselha a intuir-se uma era pós-mercado em busca de novas alternativas e novas maneiras de proporcionar renda e poder aquisitivo com vistas à restauração das comunidades e reconstrução de uma cultura de sustentabilidade. Sinaliza, também, a necessidade de se iniciar uma grande transformação política, social, econômica e ambiental com vistas ao renascimento do ser humano em toda sua plenitude.

Em seu conhecido livro “A economia do hidrogênio”, o mesmo Rifkin sinaliza que as células combustíveis energizadas por hidrogênio possuído pelas comunidades possibilitarão toda uma nova redistribuição do poder na medida em que qualquer ser humano poderá produzir sua própria energia. Essa “geração distributiva”, preconizada por Rifkin, tornará o controle oligárquico e hierárquico das grandes corporações obsoleta. Afirma ele que “milhões de usuários poderão conectar suas células combustíveis locais, regionais e nacionais de hidrogênio, através dos mesmos princípios e tecnologia do World Wilde Web, compartilhando e criando um novo uso descentralizado da energia”.

Seu otimismo chega a ponto de afirmar que “o hidrogênio pode acabar com a dependência do petróleo, reduzir a emissão de dióxido de carbono e o aquecimento global, além de apaziguar guerras políticas religiosas. O hidrogênio poderá se tornar o primeiro sistema energético democrático da história”.

Fritjof Capra, também, em sua obra “As conexões ocultas” aponta como tarefa desta e das futuras gerações “a mudança do sistema de valores que está por trás da economia global, de modo que passe a respeitar os valores da dignidade humana e atenda às exigências da sustentabilidade ecológica”.

Após essas breves divagações sobre a divisão do trabalho procura-se, agora, navegar ou proceder a conjecturas sobre um mundo sem empregos.

Contextualizando o livro de William Bridges, “Um mundo sem empregos. JobShift. O desafio da sociedade pós-industrial”, pode-se, grosso modo, sinalizar os seguintes tópicos para a sua compreensão:

1. Da gênese e da evolução ou desenvolvimento, vê-se que o conceito de

emprego não faz parte da natureza na medida em que é uma criação humana. Durante séculos, apresentou-se como arte ou ofício dos humanos nos modos de produção precedentes ao capitalismo e, mesmo, em algumas fases deste. Passou a ter o significado que tem hoje a partir da revolução industrial, através do advento das fábricas, das máquinas e das burocracias institucionais e organizacionais tanto das empresas quanto dos estados nacionais. Não existem empregos fora das organizações fabris ou não-fabris – burocratas. Hoje, as organizações que deram origem ou criaram os empregos estão em processo de mutação, ou seja, desaparecendo via processos de terceirizações (outsourcing) e serviços públicos terceirizados/privatizados.

O emprego nunca foi e não é um fato atemporal da existência humana. É um artefato social próprio de determinadas etapas do desenvolvimento da economia mundo do capitalismo e, muito em particular, do metabolismo do capital.

Do ponto de vista da psicologia social, o emprego proporciona à pessoa o seguinte:

� Uma ajuda à pessoa a dizer a si mesma e aos outros os que ela é � Seu envolvimento em uma rede central de relações de amizades em um

contexto social � Uma estrutura de tempo onde se imagina a padronização dos dias, meses e

anos de sua vida

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� Um rol de papéis a serem desempenhados em tempo hábil, ou seja, lugar e hora de comparecer, coisas a fazer, expectativa quanto a um padrão de carreira e propósitos diários

� Um significado e ordem de sua vida em função de uma remuneração e direitos sociais empregatícios.

2. Do mundo do emprego para o mundo sem emprego. Nesse processo de

transição vale lembrar os seguintes tópicos:

� A força de trabalho insere-se no processo “just-in-time”, tornando-se fluida, flexível e descartável, e as oportunidades e situações de trabalho tendem para tempo parcial, temporalidade e flexibilidade

� As novas tecnologias facilitam e deslocam a colaboração entre empresas em redes e, também, a partir de fornecedores terceirizados entre diferentes localizações de uma mesma organização transnacional

� A economia desloca-se das velhas indústrias para novas guiadas pela micro-eletrônica, biotecnologia, robotização e outras informatizadas. A agricultura tradicional passa a dar lugar à agricultura molecular, agrônica e agrótica

� A reengenharia do trabalho altera significadamente o mundo da divisão do trabalho tanto em seus aspectos qualitativos quanto quantitativos, remetendo para o mundo da administração e da gestão das organizações públicas e privadas o emprego, como parte do problema e não da solução na medida em que o analisa e o vê como inibidor das mudanças

� O trabalho, informatizado e robotizado demanda um número bem menor de empregados e desloca-se para todo e qualquer lugar. Essa é a razão do fax, dos laptops, dos telefones celulares transformarem qualquer ambiente em um escritório completo

� O ex-empregado necessita, agora, vender suas habilidades, inventar novas relações com organizações para ocupar seu tempo de trabalho e aprender novas maneiras de trabalhar fora dos empregos, ou seja, nas organizações ou corporações sem empregos.

3. Desse processo de abolição dos empregos deduz-se que levam às mudanças

as necessidades não-satisfeitas nos seguintes aspectos das organizações:

� No abrir dos espaços entre os recursos disponíveis � Na criação de novas fronteiras e novas interfaces entre as organizações � Na introdução de novas tecnologias e novas economias a serem introduzidas no

metabolismo do capital � No obsoletismo dos arranjos técnicos, econômicos e organizacionais.

4. Do trabalho ou ocupação no mundo sem empregos torna-se necessário que

a pessoa ou trabalhador redefina e recicle seus dados pessoais quanto:

� Às expectativas sob a ótica das incertezas � Aos hábitos sociais, técnicos, econômicos e criação de cenários alternativos � Às regras pessoais quanto à qualificação, atitudes, capacidades, temperamento

e ativos � À estrutura da integridade/identidade doando limites as possibilidades do que se

cogita na jornada da vida

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� À estrutura da realidade em constante e permanente mudança � À criação de um novo sentido com vistas às condições internas e externas para

lidar com esse novo mundo.

Nesses tópicos sobre a divisão do trabalho e sobre um mundo sem empregos, vale, aqui, transcreverem-se as novas atitudes ou estratégias apresentadas por William Bridges em seu livro, acima citado, resumidas no seguinte:

“1. Aprenda a encarar toda situação potencial de trabalho, tanto dentro quanto fora de uma organização, como um mercado. Até mesmo pessoas que atualmente estão sem trabalho descobrirão, ironicamente, que muito das melhores perspectivas para as futuras situações de trabalho encontram-se na organização que as demitiu de emprego ou as induziu a uma aposentadoria precoce”.

“2. Pesquise seus DADOS (ou seja, suas Aspirações, Capacidades, Temperamento e Pontos Fortes) e recicle-os num produto diferente e mais ‘viável’. Todo mercado está cheio de pessoas à procura de produtos, mesmo quando nenhum emprego está sendo anunciado. Você precisa aprender a transformar seus recursos naquilo que está sendo procurado”.

“3. Pegue os resultados do nº2, construa um negócio (vamos chamá-lo de Você & Co.) em torno do mesmo aprenda a dirigi-lo. Nos anos vindouros, você vai obter menos quilometragem de um plano de carreira no sentido antigo do que de um ‘plano comercial’ para sua própria empresa. Quer você esteja empregado ou não naquilo que costumava chamar de emprego, daqui para frente você está num negócio próprio”.

“4. Aprenda sobre os impactos psicológicos da vida neste novo mundo do trabalho e monte um plano para lidar com eles com sucesso. Não bastará saber para onde você vai se você não puder suportar as pressões do lugar quando chegar lá”.

No ambiente das empresas e organizações pós-emprego, os cargos tornam-se

obsoletos e são substituídos por atribuições de tarefas além de se ter em conta o ócio criativo e uma economia pública. Daí sua estrutura tender para conter os seguintes elementos:

� Empregados essenciais � Fornecedores e subcontratantes � Fregueses e clientes � Trabalhadores temporários � Contratações por prazo limitado.

Nos escritórios e departamentos de empresas que antes estavam repletos de empregados, hoje se limita a um número pequeno de pessoas fazendo previsões para clientes reais e potenciais ou indivíduos mandando pedidos via fax de seus “laptops” em veículos, hotéis, etc. Muitas dessas pessoas são distribuidores independentes do sistema de vendas diretas, contratantes individuais ou trabalhadores temporários para o fluxo de negócios.

A questão de uma organização ou empresa pós-emprego é qualitativamente diferente daquela baseada em cargos. As carreiras são reconceitualizadas e reinventadas desde a disponibilidade de acoplamento tecnológico até as questões idiossincrásicas como são as responsabilidades familiares das partes como as condições de ir e vir ao autoemprego, autonegócios ou trabalho. Há que se rever e refazer o estado em função das empresas ou organizações não-governamentais (ONG) economia social-comunitária.

No pós-emprego das empresas trabalho e lazer também fogem ou se divorciam do cálculo do emprego permanente. O tempo livre não é mais parte do horário de serviço, mas algo inserto nas atribuições de tarefas ou contratos de projeto e aposentadoria torna-se uma questão individual que nada tem a ver com a política

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organizacional. A economia do hidrogênio, quando viável economicamente, certamente provocará a redistribuição do poder no mundo globalizado.

As tendências das empresas ou organizações pós-emprego são três:

� Expansão dos ganhos para participação dos resultados � Pagamento por habilidades � Autogestão na direção dos negócios, isto é, aceso direto às informações que

antes eram do domínio das pessoas que tomavam as decisões. Hoje se observa que a economia tende a conectar células combustíveis de hidrogênio com geração autônoma e resdistribuitiva.

Ainda no ambiente da empresa ou organização pós-emprego, a pessoa faz aquilo que precisa ser feito para facilitar, honrar e realizar a missão, a visão e os valores da organização onde cada pessoa administra o todo e não apenas a sua parte. O hidrogênio como fonte de energia pode se tornar o primeiro sistema energético democrático, libertador e eqüitativo da história humana.

Nas organizações pós-emprego, consegue-se que as pessoas:

� Tomem decisões gerenciais que eram restritas aos gerentes � Tenham acesso às informações para tais decisões � Sejam capacitadas e treinadas para entender as questões comerciais e

financeiras da empresa � Interessem-se pelo fruto de seu trabalho como forma de compartilhar com a

organização e participar dos seus lucros � Possam na economia do hidrogênio compartilhar e criar um novo uso

descentralizado da energia e do bem estar.

Para administrar a transição da sociedade industrial para a sociedade da informação, onde predominam as organizações pós-emprego, há que se reinventarem também os programas de capacitação e treinamento. Essas ações devem:

� Objetivar a leitura dos mercados, identificarem as necessidades oriundas das mudanças e definir o produto de ou para alguém de acordo com as necessidades

� Identificar outros vendedores de bens ou serviços que estão fazendo aquilo que a organização pretende fazer e como alcançam resultados

� Induzir a melhorar continuamente a qualidade daquilo que se pretende fazer; � Gerir seu tempo pessoal e do “joint-venturing” pessoal na organização. A criação

da economia do hidrogênio deve levar à redistribuição do lucro e do poder como forças motrizes de um novo modo de produção.

O novo sistema circulatório da organização pós-emprego requer para a redisposição de recursos:

� Capacitação e treinamento em como administrar a própria carreira e oportunidades de negócios

� Estímulo, motivação e entusiasmo para ações multiníveis (networking) e acesso “on line” às oportunidades de negócios ou de oportunidades de trabalho ou autoemprego

� Desenvolvimento de estratégias de a própria pessoa atuar como um negócio � Informações de como dispor da ajuda para a carreira, em termos de cursos,

bancos de dados, serviços de avaliação e coisas afins � Com o hidrogênio, como fonte de energia, a geopolítica do sistema mundo do

capitalismo entrará em colapso dando lugar a uma política biosférica inserta em uma antropolítica.

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Vale lembrar que o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, em seu recente levantamento sobre emprego no Brasil, aponta que “uma em cada três pessoas vai perder o emprego nos próximos dois anos”. (Ver Revista Época nº. 427 de 24/07/2006). Comenta, ainda, a revista em tela que aqueles que pretendem manter seu emprego têm de cuidar das seguintes habilidades:

� Entender o que é sucesso, conhecendo os valores da empresa � Não prometer demais de forma a apreender a cultura da empresa � Controlar o tempo como meio de focar o trabalho e ser produtivo e dar

resultados � Ser político, isto é, participar da vontade do time, mesmo que dele não faça parte

de forma a externalizar habilidade política e liderança � Fazer marketing pessoal de maneira que as pessoas achem que seu trabalho

tem a ver com o sucesso em manter seu emprego ou carreira na empresa.

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O AUTOR

GERALDO MEDEIROS DE AGUIAR. Engenheiro Econômico (Economista) e MSc

em Engenharia e Administração de Empresas pela Alta Escola de Economia de Praga (República Tcheca). Foi chefe de departamentos da SUDENE e integrou várias equipes de planos e projetos de desenvolvimento no Nordeste do Brasil. Atuou na elaboração dos planos diretores de Recife, Fortaleza, Belém, João Pessoa, Teresina. Foi consultor sênior do Plano Diretor dos Recursos Hídricos do Nordeste e do Plano de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Rio Itapecuru (MA). Consultor sênior da FAO, OEA, IICA, BID. Professor universitário de diferentes disciplinas em cursos de graduação e pós graduação na UFRPE, FBV e Faculdade São Miguel. Autor de trabalhos em co-autoria ou não em revistas científicas no Brasil, República Tcheca, República da Eslováquia, Polônia e Nicarágua. Tem vários livros e artigos publicados versando sobre planejamento e desenvolvimento econômico-social e meio ambiente. Tem currículo detalhado no Sistema Lates. Seu correio eletrônico é [email protected] e telefones (81) 3465-7718, 3326-6428 e 9273-5945.