APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias...

115
APARECIDA CARDOSO POZO HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO 1ª edição Universidade Braz Cubas - UBC Mogi das Cruzes 2014

Transcript of APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias...

Page 1: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

APARECIDA CARDOSO POZO

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

1ª edição

Universidade Braz Cubas - UBC

Mogi das Cruzes

2014

Page 2: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

Reitor: Prof. Maurício Chermann

DIRETORIA DE UNIDADES EDUCACIONAIS

Coordenação Geral Acadêmica - EaD: Prof.ª Dra. Mara Yáskara Paiva Cardoso

Assessoria Administrativa: Adriane Aparecida Carvalho

Coordenação de Produção: Diego de Castro Alvim

Revisão de Textos: Adrielly Rodrigues, Taciana da Paz

Edição de Arte: Michelle Carrete

Diagramação: Amanda Holanda, Vanessa Lopes

Ilustração: Noel Oliveira Gonçalves, Everton Arcanjo

Impressão: Grupo VLS / Jet Cópias / MogiPress

Av. Francisco Rodrigues Filho, 1233 - Mogilar

CEP 08773-380 - Mogi das Cruzes - SP

1ª edição 2014

O autor dos textos presentes neste material didático assume total

responsabilidade sobre os conteúdos e originalidade.

Proibida a reprodução total e/ou parcial.

© Copyright UBC 2014

Page 3: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

Prof. Aparecida Cardoso Pozo 1*

* Graduação em Pedagogia pela Universidade Braz Cubas; especialização em Teorias de Ensino e Aprendizagem

pela Universidade de Mogi das Cruzes. Ingresso no magistério público de São Paulo por concursos de títulos e provas,

sendo respectivamente, professora primária e diretora de escola. Atuação na equipe técnica da Divisão Regional

de Ensino Dre-5 Leste de Mogi das Cruzes, tendo elaborado e implantado o projeto Proleste de alfabeizaçao e o

projeto Esperança para a pré-escola, professora universitária de 1975 a 2011 na UBC, onde desempenhou, além

da função docente, assessoria pedagógica ao Curso de Direito por 5 anos. Membro do Conselho Municipal de

Educação e atualmente atua no Conselho Delibertivo da APAE deste município.

Page 4: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado
Page 5: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

55 SUMÁRIO

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7

INTRODUÇÃO 9

U N I D A D E I

1RAÍZES HISTÓRICAS 11

1.1 IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA 12

1.2 O PENSAMENTO PEDAGÓGICO GREGO 14

1.2.1 OS SOCRÁTICOS E PÓS-SOCRÁTICOS 17

1.2.2 OS SOFISTAS 20

1.2.3 OS PÓS-SOCRÁTICOS 21

1.3 O PENSAMENTO PEDAGÓGICO GRECO-ROMANO 23

1.4 IDADE MÉDIA 27

1.5 CONSIDERAÇÕES DA UNIDADE I 34

U N I D A D E I I

2A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA 37

2.1 O CONTEXTO DO RENASCIMENTO 38

2.2 A PEDAGOGIA INOVADORA DA REFORMA PROTESTANTE 40

2.3 A CONTRARREFORMA E O CONSERVADORISMO PEDAGÓGICO

CATÓLICO 41

2.4 PEDAGOGOS RENASCENTISTAS E AS MUDANÇAS NAS CONCEPÇÕES

DA INFÂNCIA 42

2.5 A CONSOLIDAÇÃO DO MODELO INDUSTRIAL E A CONSEQUENTE

PEDAGOGIA REALISTA 43

2.6 O ILUMINISMO E A TENDÊNCIA NATURALISTA NA EDUCAÇÃO 46

Page 6: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

6 SUMÁRIO

2.7 CONSIDERAÇÕES DA UNIDADE II 51

U N I D A D E I I I

3EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL 55

3.1 EDUCAÇÃO COLONIAL E O CONSERVADORISMO CATÓLICO 56

3.1.1 O JESUITISMO COLONIAL 56

3.1.2 POMBAL 62

3.2 EDUCAÇÃO NO IMPÉRIO E A PREDOMINÂNCIA RELIGIOSA 64

3.2.1 FASE JOANINA 64

3.2.2 FASE INDEPENDENTE 65

3.2.3 SEGUNDO REINADO 67

3.3 EDUCAÇÃO NA PRIMEIRA REPÚBLICA 68

3.4 EDUCAÇÃO NA ERA VARGAS 74

3.5 A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA – 4024/61 77

3.6 A TENDÊNCIA TECNICISTA 78

3.7 CONSIDERAÇÕES DA UNIDADE III 86

U N I D A D E I V

4EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA 89

4.1 O CONTEXTO PÓS-MODERNO NEOLIBERAL 90

4.2 O PERFIL NECESSÁRIO AO MUNDO GLOBALIZADO 93

4.3 IDEOLOGIA NEOLIBERAL E EDUCAÇÃO 96

4.4 PROPOSTAS EDUCACIONAIS ATUAIS PARA O CONTEXTO NEOLIBERAL 100

4.5 O ALUNO NAS COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM 103

4.6 CONSIDERAÇÕES DA UNIDADE IV 107

REFERÊNCIAS 111

Page 7: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

77 APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO

Caro aluno!

Bem-vindo à disciplina História da Educação.

Estou convidando-o para um passeio diferente e instigante, como deve ser a

busca de nossas raízes e de nossa identidade como cidadãos.

Este passeio certamente será de grande utilidade para a função de educador.

Você poderá descobrir que um profissional da educação que não define seu passado

dificilmente conseguirá planejar futuros mais auspiciosos para seus alunos.

A época atual é de grande complexidade e coloca para seus educadores o

grande desafio de definir perfis ideais para uma sociedade globalizada que consiga

reverter suas séries crises sócio-culturais e educacionais.

A retaguarda histórica se impõe como importante vetor para que os educadores

definam com clareza a educação que desejam para a sociedade brasileira.

A legislação sobre a educação escolar é vasta e garantidora dos direitos das

crianças e dos adolescentes, mas carece de legitimação, garantindo real igualdade

de oportunidades a todos, independentemente do nível socioeconômico. Educação

de qualidade no Brasil de hoje é privilégio de classe. Esta situação emergiu de uma

construção histórica carente de mudanças.

Vamos conhecê-la, preservá-la ou mudá-la?

Page 8: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado
Page 9: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

99 INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO

Quando penso em você como uma grande e ótima possibilidade para a nossa

educação, me sensibilizo por pensar que, devido a esta mágica da tecnologia, temos

a oportunidade de aproximação, de dividir nossos anseios e nos enriquecermos

mutuamente. Saiba que respeito profundamente você por ser meu aluno e fico feliz

por lhe oferecer o que tenho de melhor nesta disciplina apaixonante. Sinta-se muito

bem-vindo e vamos começar nossa caminhada juntos.

Na elaboração deste Livro Didático, o que orientou e definiu nossa reflexão foi

o compromisso de elaborar uma síntese suficiente para incentivá-lo a iniciar andanças

históricas que o leve à definição clara de perfis ideais para seus futuros alunos.

Sem definirmos com clareza e precisão qual é a real natureza de nossos alunos

culturalmente situados, nossas práticas pedagógicas serão desprovidas de objetivos e

intencionalidade filosófica. Nossas ações estarão sem rumo.

Como as respostas estão na história, condensamos este trabalho em quatro

unidades de estudo. No conteúdo da primeira unidade buscamos destacar a importância

da História da Educação no exercício profissional, nossas raízes greco-romanas e

medievais. Na unidade II enfocamos o pensamento pedagógico do Renascimento e

Idade Moderna. Na unidade III a abordagem é sobre a educação brasileira. Já na

unidade IV analisamos os desafios da contemporaneidade.

Não se abstenha em participar de nossas teleaulas, na qual você aprofundará

conhecimentos. Não deixe de consultar também os materiais disponíveis na plataforma

de estudos e participar dos Fóruns, nele você poderá esclarecer dúvidas, expor seus

pontos de vista e opinar sobre o que aprendeu.

Boa viagem e bons estudos!

Page 10: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado
Page 11: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

1111UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

U N I D A D E I

1RAÍZES HISTÓRICAS

OBJETIVOS DA UNIDADE

• Identificar na história a importância de formarmos os sujeitos

construtores de suas próprias vidas como cidadãos;

• Analisar criticamente as concepções da educação e da infância na

cultura greco-romana;

• Definir valores greco-romanos a serem preservados e os equívocos a

serem modificados;

• Analisar o pensamento pedagógico medieval como fundamento

histórico da educação brasileira.

HABILIDADES E COMPETÊNCIAS

• Compreensão dos determinantes históricos de constituição de nossa

identidade.

Page 12: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

12 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

1.1 IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA

É comum entre os estudantes de Pedagogia não encontrar uma razão para

o estudo de civilizações antigas, mesmo que se façam presentes neste momento

histórico.

Construir uma concepção atual sobre a infância e a juventude implica,

necessariamente, em percorrer o trajeto histórico de modo a nos permitir inferências

reais sobre os modos de se perceber os alunos como produto que são da história. O

perfil da criança, do adolescente e da juventude moderna é consequência de passados

longínquos que se secularizaram e resultaram na visão que temos hoje sobre aqueles

que devemos educar. Acreditamos que definir o que seja realmente um aluno sem nada

conhecer sobre sua evolução histórica será, no mínimo, um equívoco, que resultará

também em formas equivocadas de conduzi-lo no processo educativo.

Como somos culturalmente situados, nossa própria identidade se define pela

nossa inserção num determinado modelo de governo, de família, de economia e

de política, desde que nascemos. Nessas formas de pensar, sentir e agir em nossos

contextos sociais. Somos produtos de uma dinâmica história sucessiva e contínua.

Conhecer a História que nos possibilita autoidentificação se constitui no grande

fundamento para analisarmos decisões presentes e futuras. A análise dessa dinâmica

é que nos possibilita promover mudanças sobre erros históricos e a manter princípios e

valores transcendentais, que sempre serão metas ideais a serem atingidas e mantidas

no percurso de nosso trabalho como educadores.

Se como brasileiros temos dificuldade em compreender a importância do

passado isso se deve ao fato de que o Brasil, num curto espaço de tempo, sofreu os

impactos de duas ditaduras, a Vargas e a militar, causadoras de grande atraso nas reais

relações democráticas de nosso país. Esta última, ao longo de trinta anos, formou

mentes tecnizadas, considerando disciplinas curriculares como a História e a Filosofia,

“perfumarias” desnecessárias à formação dos alunos. Tecnizados também foram os

educadores, que ainda não conseguem fundamentar suas práticas pedagógicas.

Page 13: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

1313UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

Meros executores de livros e apostilas prefabricados naquela época segundo

os ditames da ditadura, e hoje pelos interesses financeiros de editoras e políticos são,

geralmente, inadequados para alunos reais. Essa prática, ao longo dos anos, retirou

dos professores o hábito de planejar suas aulas conforme a natureza de seus alunos.

Inconscientemente veiculam o pacto da mediocridade, em que uns fingem que cuidam

da educação, outros que educam e outros que aprendem. Neste quadro de referência

e sem consciência sobre nosso passado, dificilmente nos perceberemos como sujeitos

de nossa história e formaremos outros dessa mesma maneira.

Neste sentido, nos alerta Galeano (2010) na contracapa de sua memorável

obra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o

olhar voltado para trás, pelo que foi e contra o que foi anunciando o que será”.

O pensamento de Galeano nos permite sentir a necessidade da construção de

uma consciência histórica crescente e esclarecedora, não apenas sobre os conflitos

educacionais atuais, como também o aumento da probabilidade de projetarmos

futuros mais promissores enquanto agentes de nossa história.

Em Roosevelt “... quem não tiver uma visão histórica dos tempos ficará surpreso

com a visão histérica dos fatos”. Consideremos a situação ainda bastante caótica de

nossa educação escolar em plena vivência do século XXI, defasada em quantidade e

qualidade, entendemos que nossa visão histórica dos tempos requer revisões urgentes

para que a histeria não permaneça.

Com relação ao nosso papel de construtores de uma nova história, mais justa e

mais digna, consideremos o que Aranha (2006, p.19) nos coloca : “... que o presente

humano não se esgota na ação que realiza, mas adquire sentido pelo passado e pelo

presente”.

Urge dar sentido ao nosso passado e presente para seguirmos em direções mais

transformadoras. Essa consciência nos situará como sujeitos e não meros objetos na

construção de novas histórias.

Cada ser humano e cada educador de maneira especial, sempre será produtor

de cultura, quer como inovadores, quer como conservadores. Essa ambivalência é

Page 14: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

14 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

indicadora de que, conscientes ou não, estamos dentro da dinâmica histórica e não

fora dela. Escolha é uma prerrogativa de humanos e, como tais, podemos entender

que história se faz no dia a dia de cada um, porque não é nem privilégio de políticas

públicas ideológicas, nem de porões de ditaduras É construída no cotidiano de cada

escola e de cada sala de aula. A educação escolar não é nem inocente e nem neutra,

mas sempre um ato político segundo determinados interesses e, já se faz urgente

nesta história que os interesses sejam os da sociedade brasileira. Educação escolar

deve formar cidadãos e não seres humanos manipulados como meros meios de se

obter lucros para uma minoria.

Já podemos responder à indagação inicial de nossos estudantes, que precisam

percorrer as culturas passadas para se situarem como agentes de novas histórias. Neste

estudo os futuros pedagogos poderão compreender qual a real natureza da criança,

dos adolescentes e jovens, cuja educação lhes será confiada. Neste percurso poderá

compreender a grande dívida que temos com relação as nossas crianças culturalmente

situadas. Milênios se passaram antes que a sociedade desse maior importância a seus

pequenos, começando a diferenciá-los dos adultos.

Já se faz tempo de viajarmos pelo passado elucidador deste presente. Vamos

iniciar pelos gregos.

1.2 O PENSAMENTO PEDAGÓGICO GREGO

Descrever o papel extraordinário dos gregos na construção cultural das

civilizações ocidentais nas quais estamos incluídos é, no mínimo, reconstruir nossa

trajetória histórica e ainda constatar essa presença neste século. Evidentemente o

espaço deste trabalho não tem a pretensão de esgotar ou mesmo de aprofundar em

amplitude uma cultura de tal envergadura. Procuraremos, no entanto, manter sua

essência, de modo que possa favorecer a construção de conceitos que nos permitam

identificá-la em nossa modernidade.

Page 15: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

1515UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

Entendemos que educação como ato político estará sempre contextualizada

como a resultante das formas de sobrevivência entre os homens, de suas organizações

sociais que definem o modelo de educação que necessitam. Na cultura grega não

foi diferente. Sua periodização histórica está intimamente ligada às suas formas de

produção econômica.

A Grécia, como as demais culturas primitivas, se desenvolveu a partir de uma

economia agrária marcada por um comércio rudimentar, sem moeda circulante e na

base de trocas. Esse contexto não exigia escolas como uma instituição própria para

educar. Politeísta e antropomórfica tinha uma pedagogia voltada para o culto aos

deuses e aos conhecimentos necessários a uma sociedade agrícola.

A educação se fazia diretamente na vida diária, na qual os pais inseriam seus

filhos nos rudimentos da agricultura, pastoreio e artesanato. Essa sociedade não

necessitava de leitura, escrita ou estudo de números.

À medida que esse comércio começou a intensificar-se a Grécia caminhou

em direção ao período arcaico, considerado como de transição daquela sociedade

primitiva mítica para uma sociedade filosófica e citadina.

O comércio promoveu o desenvolvimento das “poleies”, cidades-estados

gregas, e de um novo modo de vida. Começaram a surgir transformações sociais

significativas e diferenciadoras do estilo de vida rural para um estilo urbanizado. Neste

contexto o comércio é o elemento desencadeador de uma sociedade de classes, com

grande diferenciação de “status” e de seus conflitos decorrentes, o que irá enfraquecer

a crença no poder dos deuses mitológicos para resolver os novos problemas dos

cidadãos.

Contabilizar lucros, perdas e danos financeiros da nova classe de comerciantes,

gerou a necessidade social de que a novas gerações deveriam aprender a escrever,

calcular e operacionalizar moedas como forma de intercâmbio. Eram formas de educar

que transcenderam o poder do pai para ensinar seus filhos. Nesse contexto surgem

as escolas como instituições próprias para educar e para elas eram encaminhados os

meninos a partir dos sete anos. As meninas permaneciam na família sendo preparadas

para a vida doméstica.

Page 16: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

16 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

O fortalecimento extraordinário das cidades se firmou historicamente como

o período clássico, sacralizado pelos historiadores como o auge da cultura grega,

“suas obras primas são modelos que inspiraram o mundo durante séculos e que ainda

iluminam nossos artistas e escritores” (LARROYO, 1978, p.27).

Tal contexto exigia um novo ideal educativo, que foi sintetizado na “paidéia”

originada do antigo “paidós”, pai que educava o filho diretamente nas práticas

agrícolas, o que se tornou insuficiente para compreender o conceito da “paidéia”

que, em sua totalidade, significava a formação integral da criança e do adolescente.

Foi também no contexto das “pólies” que os socráticos firmaram as bases

da filosofia grega desvinculando os cidadãos do poder dos deuses, tornando-os

definidores de seu próprio destino e da vida da cidade.Educar nas escolas se tornou

uma exigência social que pretendia assegurar a sobrevivência futura da economia e

das novas gerações.

A “paidéia” teve sua concretização didática especialmente em Atenas, onde a

formação intelectual era considerada indispensável para a formação do cidadão.

A educação escolar tinha início aos sete anos de idade como já o dissemos, o

menino era enviado ao ginásio para a prática da educação física, música, leitura, escrita

e cálculo. As meninas permaneciam em casa e eram iniciadas nos afazeres domésticos.

Nesse período da história grega são raros os dados sobre uma concepção da

infância e da adolescência. Parecia não haver grandes preocupações quanto a um

estágio específico que as diferenciasse dos adultos e como decorrência, as didáticas

não eram diferenciadas e adequadas às crianças, embora nossas concepções atuais

sobre a infância se ratifica na “Paidéia”, que ao propor o desenvolvimento integral do

aluno já o situa em sua multidimensionalidade presente. Essa proposta atravessou os

séculos e está viva com muita intensidade até hoje.

Sócrates, Platão e Aristóteles, considerados os grandes filósofos, não trataram

especificamente da criança como tal, mas apenas como alunos a serem desenvolvidos,

sem maiores preocupações com didáticas e procedimentos metodológicos ajustados

à natureza deles.

Page 17: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

1717UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

Um dos aspectos comuns da cultura grega era a prática da educação física e

música, destacando-se neste aspecto Esparta, muito militarizada. Esses componentes

curriculares eram os pontos comuns culturais e compunham a máxima da educação

integral consubstanciada no conceito de “mente sã em corpo são”.

Silabação, repetição, memorização, declamação, se constituíram nos métodos

de ensino para leitura, escrita e aritmética a partir dos 7anos.

A partir dos 13 anos as crianças mais pobres saiam em busca de um ofício e as

mais favorecidas eram encaminhadas para as academias. Aqui estamos diante de uma

realidade moderníssima: quem pode paga por um ensino de maior qualidade e quem

não pode, vai para a escola pública.

1.2.1 OS SOCRÁTICOS E PÓS-SOCRÁTICOS

Quando analisamos explicadores da educação brasileira é ponto comum

entre eles recomendar aos educadores o desenvolvimento do hábito de repensarem

exaustivamente suas práticas pedagógicas, ou de estabelecer uma filosofia como

norte a ser alcançado, ou ainda, que nossos estudantes são portadores de diferentes

potencias a serem desenvolvidos pela escola. Esses autores estão empregando os

distantes princípios propostos por Sócrates, Platão, Aristóteles e seus seguidores.

Hoje, nos nossos cursos de Pedagogia, quando estudamos Piaget, Vygotsky e

seguidores das linhas construtivistas, estamos radicados em Sócrates que nos orienta

em direção da dúvida metódica e a fragilidade de nosso conhecimento.

Frases socráticas sacralizadas pela história, como a inscrição no templo de

Apolo: “Conhece-te a ti mesmo” e a proferida por ele na sequência da observação

do mesmo “O que sei é que nada sei”, nos convida a adotarmos a necessidade de

duvidar de nosso próprio conhecimento como princípio de sabedoria.

Page 18: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

18 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

Ser sábio para ele é, primeiramente, reconhecermos que nada sabemos, como

elemento desencadeador de uma dinâmica de se parir ideias novas para saber, superando

continuamente nossos enganos. Qualquer semelhança com a progressão continuada

proposta hoje não é mera coincidência, é herança histórica, mas ultramoderna.

Considerava a aprendizagem como a construção de conceitos a serem

concretizados na mente do aluno e não da do professor. Assim, toda educação era

autoeducação, sempre ativa e subjetiva. Tenho boas razões para crer que Piaget andou

por caminhos socráticos.

“A filosofia socrática sempre esteve orientada para a vida moral”, ”conhecer o

bem e praticá-lo deve ser a mesma coisa” dizia Sócrates e, ainda, “as pessoas não são

más, apenas não conhecem o bem”. Assim, estimulava os educadores a conduzir as

pessoas para o bem, instituindo o caráter formativo da educação, que deve prevalecer

sobre a mera informação. A educação para todos como aspiração democrática

moderna tem raízes em Sócrates ao entender que o acesso ao conhecimento era

direito de todos.

Segundo ele, toda educação era essencialmente ativa e subjetiva, de modo

a permitir que o aluno se autoeducasse. Sócrates, coerente com essas posturas

doutrinárias, nunca daria uma aula expositiva e sugeriria que as aulas fossem sempre

mediadas pelo diálogo, ter significado para o aluno e partir sempre de abordagens

socioculturais. Acho que Paulo Freire também passeou por lá quando mantinha com

seus alunos uma postura dialógica.

Aluno de Sócrates, Platão foi além de seu mestre. Ao indagar-se sobre o próprio

conhecimento concluiu que o autoconhecer-se não lhe bastava para a busca da

verdade.

No suposto domínio de si mesmo criou o “Mundo das Idéias”, que está além da

terra e habita o mundo metafísico. Escreveu “A República”. Nessa obra criou o Mito

da Caverna e através dessa narrativa explicou sua teoria, segundo a qual o homem

acorrentado à materialidade e dominado pelas paixões, só percebe as sombras da

realidade e por não conhecê-la a mantém inalterada.

Page 19: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

1919UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

Para libertar-se dessa materialidade o ser humano precisa ser filósofo “filos”=

amigo e “shofos”= o sábio. Nesse sentido só será sábio o homem que habitar o mundo

das essências imutáveis, no Mundo das Ideias. Será então, capaz de rememorá-las

como normas de vida. Considerava essências imutáveis o bem, o belo e o justo. O bem

era o mais alto grau de perfeição.

Todas as filosofias da educação em países que se consideram democráticos estão

radicadas em Platão. Nesse sentido de democratização da educação, na ótica deste

filósofo, essa deveria ser dever do Estado. Para garantir que esse direito dependesse

mais do mérito do aluno que do bolso do pai, as escolas seriam apenas estatais,

garantindo reais igualdades de oportunidades.

Aristóteles, aluno de Platão, discordou do mestre em relação à verdade. Autor

da teoria realista, focou sua especulação na objetividade da vida real. Considerou que

as explicações sobre o mundo estão nele próprio, em sua “physis”, sua natureza física.

Todos os fatos da vida estão explicados nas relações de causa e efeito, em constante

devir, o que devem ser. Ao estabelecer o devir como ideal a ser atingido, demonstrou

a influência de Platão ao colocar um Ato Puro como referencial a ser constantemente

buscado.

Para ele todos os seres, animados ou inanimados, são constituídos de dois

elementos naturais: a matéria e a forma. Esses elementos são submetidos a relações

causais, na qual todo efeito é resultante de causas.

Considerava a matéria como pura passividade, mas sempre portadora de uma

força potencial, que submetida a uma causa eficiente tende a aflorar em termos

comportamentais e em seres da mesma espécie. O desenvolvimento do ser seria uma

sucessão de transformações de matéria e forma, de potência e ato na mais pura

progressão continuada moderna.

Aplicada à educação, a pedagogia aristotélica apoiava-se no princípio segundo

o qual todo ser humano está em constante devir, em busca contínua do que deve ser. A

finalidade da educação era desenvolver o mais plenamente possível as potencialidades

dos alunos. Levar o aluno a tornar-se que deve ser no que pode ser sendo sempre

conduzido para o bem. Para ele não existiam maus alunos, mas apenas portadores de

Page 20: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

20 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

potenciais diferentes, mas reais. A um professor não competia discutir o que o aluno

era, mas o que poderiam fazer por ele como causas eficientes.

A questão do desenvolvimento de potencialidades nos remete à reflexão das

contribuições aristotélicas à nossa atualidade. Teóricos modernos de nossa educação

indicam uma organização escolar que atenda às diferenças individuais. Essa ótica está

também contida na proposta de inclusão social para todos, na democratização real

da educação, oportunizando a todos o acesso ao conhecimento para que alunos se

construam subjetivamente.

Embora discordando teoricamente de seus mestres, encontramos nele o

princípio socrático da subjetividade como fonte e efetivação de conhecimento e o

idealismo de Platão na valorização do mérito de cada um. O subjetivismo de Sócrates,

e o realismo de Aristóteles mediado pelo idealismo de Platão, sedimentaram-se em

nossas práticas não apenas pedagógicas, mas também humanas.

1.2.2 OS SOFISTAS

O comércio e o florescimento das cidades levaram a sociedade grega a uma

condição de maior maturidade política, desvinculando-se paulatinamente da mitologia

e procurando formas mais científicas e filosóficas para resolver os conflitos próprios

da cidade.

Exigiam da ciência, que até então fora o agradável esporte de

saber pelo próprio saber, a solução dos problemas que os agitavam;

reclamavam dela o remédio para esclarecer a dúvida que ameaçava

destruir o crescente apogeu de sua própria cultura (LARROYO, 1970,

p.154).

Nesse contexto de transição do período arcaico para o clássico é que se situam

os sofistas.

Page 21: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

2121UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

A sofística pode ser considerada como a arte de persuadir pelo discurso, sem

grandes preocupações com a veracidade dessa oratória. Sócrates, ferrenho opositor

dos sofistas, se opunha a esses discursos que considerava demagógicos e contrários

ao espírito grego puramente filosófico. Criticava ainda o fato de cobrarem por suas

aulas por ferir o direito de todos ao conhecimento.

Os sofistas eram professores itinerantes, indo de cidade em cidade, onde

trabalhavam mediante contratos. Vencidos estes, partiam em busca de outras fontes.

A oratória sofística atendia aos interesses de políticos e comerciantes na medida

em que convencia compradores com seus discursos inflamados e os levavam a concluir

grandes negócios.

O discurso sofístico como método de ensino ganhou tão grande notoriedade

naquele momento histórico, que no Império Romano foram criados cursos superiores

nos quais o mestre de retórica era o mais considerado. Esse gosto atravessou os tempos

e é presença constante em nossa época.

Como herança cultural sofística, podemos destacar o grande valor dado ao

academicismo e à inteligência intelectual, instituição do professor como profissional

da educação; a sistematização e organização escolar pela elaboração de um currículo.

Esse currículo era composto pelas Sete Artes Liberais- gramática, retórica, dialética,

aritmética, geometria, astronomia e música e chegou ao Brasil com os jesuítas.

1.2.3 OS PÓS-SOCRÁTICOS

As constantes guerras levaram pensadores da época em questão a não

encontrarem respostas significativas para os conflitos, nem na política, oratória ou

na metafísica. Essa discordância de pensamento gerou uma preocupação maior com

questões éticas, característica dos pós-socráticos. Destacaram-se nessa corrente os

estoicos e os epicuristas.

Page 22: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

22 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

Considerando a questão da materialidade como impeditiva da realização

humana, os estoicos, representados por Zeno de Cítio, propunham a libertação de

todos os prazeres materiais que pudessem causar sofrimentos, incluindo-se aqui o

domínio das paixões.

O ideal do sábio estoico era a ataraxia ou grande resistência à dor física ou

moral e indiferença à matéria; a apatia, processo de domínio das paixões e pela aponia

ou ausência de dor.

Tal perfil se revelou como ideal para os romanos em suas invasões expansionistas,

predominando na formação de seus militares, e ainda se faz presente em toda

formação desse tipo nas nossas sociedades ocidentais.

Os epicuristas, representados por Epicuro, tinham como o ideal do sábio o

hedonismo ou busca do prazer. A formação epicurista consistia em evitar tudo que se

opunha à felicidade. A busca do prazer, evitar todo medo, dor e sofrimento eram seus

objetivos. Satisfazer suas necessidades físicas e mentais era seu devir, o que deveriam

ser. Os seguidores de Epicuro entendiam que só os prazeres evitavam os sofrimentos.

Tal ótica se firmou como fundamento das orgias romanas e das nossas bacanais

atuais que não são meras coincidências, são históricas. Se desejarmos mudanças

nesse sentido necessitamos conhecer suas origens, porque dificilmente haverá futuros

melhores sem passado.

CONHEÇA MAIS

Os Inventores do Amor

“Éramos Andróginos”

A civilização que gerou filósofos como Sócrates e Aristóteles discutia

política, ciência e poesia durante os chamados simpósios, festas, nas quais

os participantes partilhavam uma grande taça de vinho. É em torno de

uma delas que se desenvolve “O Banquete”, célebre obra de Platão, uma

das mais reveladoras sobre o pensamento grego a respeito do Dmetade,

quando um dos convidados, Aristófanes, recorreu à mitologia para falar

sobre a origem do amor. Segundo ele, éramos seres andróginos de duas

Page 23: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

2323UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

cabeças, quatro pernas e quatro braços. Temendo que o poder destas

estranhas criaturas ameaçassem os deuses, Zeus dividiu-as em duas outras

e desde então carregamos a sensação de estarmos sempre incompletos,

em busca da metade afastada de nós. (HARGREADEL, 2007, p.27)

DICA DE FILME

Tróia; 300; Alexandre, O Ladrão de Raios.

Nesta breve síntese procuramos mostrar a presença da cultura grega na

construção de nossa sociedade. Aprofundar-se nesses fatos é, ao mesmo

tempo, um convite e um desafio aos nossos futuros educadores.

1.3 O PENSAMENTO PEDAGÓGICO GRECO-ROMANO

Roma, ao contrário da Grécia, teve uma política expansionista de seu território

na busca de terras cada vez mais agriculturáveis.

Enquanto os gregos buscavam o conhecimento sem intenção prática, os

romanos colocavam-no a serviço da pátria. A filosofia grega permaneceu entre os

romanos, mas com esse caráter pragmático de servir a Roma. Preocupada em formar

seus exércitos e com suas conquistas, entregavam seus filhos a pedagogos gregos,

que dessa forma perpetuaram sua filosofia e pedagogia.

A educação romana evoluiu na medida em que Roma se expandia. Originária

de uma sociedade cujas tribos iniciais eram formadas pelos itálicos ou italiotas e

organizada em regime de comunidade primitiva e não escravista, também tinha suas

formas de sobrevivência apoiadas na agricultura, pastoreio e artesanato.

Sua pedagogia estava alicerçada no “paterfamílias”, o pai como autoridade

suprema e absoluta, cujo perfil encerrava o conceito de poder máximo sobre todos

que estivessem sob sua liderança.

Page 24: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

24 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

Politeístas e antropomórficos, sua pedagogia se caracterizava pelo culto aos

deuses e antepassados, patriarcal doméstica e com ausência total de escolas.

Com o aumento do comércio de cereais, Roma expandiu seu território e deu

origem às cidades, as “urbs” romanas. Era uma sociedade estratificada em classes cujas

camadas eram formadas por patrícios, plebeus e escravos, com pequenas possibilidades

de mobilidade social. Os patrícios compunham uma aristocracia de nascimento porque

se consideravam descendentes de Rômulo e Rêmulo, supostos fundadores de Roma.

Sua pedagogia se pautava pelos valores da elite num reforçamento dos poderes

patrísticos.

Com o aparecimento de muitas cidades por conta de um comércio cada vez

mais intenso, Roma se expandiu até se constituir politicamente em uma República. Sua

pedagogia estava toda voltada para as elites, perpetuando seus valores. A educação

escolar passou a ser uma exigência dessa mesma sociedade.

A República Romana tornou-se muito poderosa e expandiu-se para além de seu

território, constituindo um vasto e dominante Império.

O contexto do Império teve grande desenvolvimento cultural e urbano, além de

franca expansão do comércio. Caracterizou-se pela construção de grandes templos,

aquedutos, termas, estradas, edifícios públicos e portos. Tornou-se complicado

administrar o Império e manter o poder político sobre todos os povos conquistados.

O Império teve sua pedagogia definida pela “Humanitas” por decorrência da

expansão do mesmo. Tinha um sentido de universalidade. Onde estivesse o domínio

romano, sua juventude deveria ser educada à maneira romana. A “Humanitas” foi

greco-romana, e consistia na formação filosófica grega combinada com o sentido

prático dos romanos em colocá-la a serviço da pátria. Compreendia o ensino das

humanidades tanto para os romanos como para os povos conquistados. Culturalmente,

houve grande expansão de bibliotecas, museus, apoio à Universidade de Atenas e

fundação do ateneu no Capitólio romano.

A Magna Grécia foi uma colônia fundada ao sul da Itália pelos helenos, com

povos de várias procedências, mas com forte predomínio grego. Os romanos em

Page 25: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

2525UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

contato com a Magna Grécia contrataram professores gregos helênicos para educar

seus filhos. Esses, a fim de perpetuarem a filosofia grega ensinavam em duas línguas:

o grego e o latim.

As escolas organizadas para consecução desses ideais eram encíclicas. De zero a

2 anos a criança permanecia no lar aos cuidados da mãe ou de uma matrona romana.

A partir dos 7 anos as meninas permaneciam no lar e os meninos passavam para a

tutela do pai. Dos 12 aos 16 anos os meninos estudavam na escola dos gramáticos,

cujo currículo era composto da análise dos clássicos gregos e da arte da retórica.

A retórica sofística era a disciplina mais conceituada, na medida em que

persuadir pelo discurso era fundamental para o senado romano, para os juristas e

para a competição nos negócios. Os mestres de retórica eram bem pagos, lecionavam

para as elites no preparo dos tribunos. O currículo era composto de política, retórica,

filosofia, gramática grega e latina. Como dado importante da permanência da cultura

grega, muitos jovens foram enviados à Universidade de Atenas para completar os

estudos. É interessante também ilustrar o respeito dos romanos pela educação grega.

Quando invadiram a Grécia, respeitaram aquela instituição e não a destruíram.

Também entre os romanos não encontramos uma concepção clara sobre a

infância, eles demonstravam apenas uma noção subjacente de que seus meninos

deveriam ir à escola aos 7anos para uma aprendizagem elementar. Ainda na puberdade

eram encaminhados ao ginásio para o que consideramos hoje como aprendizagem de

nível médio.

Em se tratando de educação romana helênica, é fundamental destacar-se o

ensino jurídico como meio de solucionar conflitos decorrentes de tal conjuntura social.

O futuro jurista frequentava um curso superior de Direito Romano por cinco anos. Esse

direito constituiu-se nos fundamentos de todo o direito das sociedades ocidentais, nas

quais se inclui a nossa.

Os principais expoentes da “Humanitas” foram Cícero, Sêneca e Quintiliano.

Cícero destacou-se por rígida formação moral, orador com sólida cultura geral

e rigorosa formação jurídica. Sêneca, filósofo estoico, estimulava a formação da

juventude para o domínio das paixões, moral, virtuoso e com tranquilidade de alma.

Page 26: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

26 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

Quintiliano, como pedagogo, deu preferência aos aspectos práticos da educação e

valorizou a psicologia como instrumento para conhecer a individualidade do aluno.

Não podemos deixar de abordar, ainda que rapidamente, a questão de mudanças

na estratificação social romana, que foi a ascensão da plebe. Plebeus eram os homens

livres camponeses, comerciantes, artesãos, porém sem direitos políticos. Lutaram por

direitos civis e políticos, conseguindo representatividade no senado pelo Tribunato da

Plebe, o casamento misto e o estudo da Lei das Doze Tábuas.

A consequência pedagógica mais significativa dessa expansão foi a criação

de escolas elementares e particulares, denominadas de “ludi magister” ou mestres

de jogos. Esses mestres eram pessoas simples sem grande formação intelectual, mal

pagos, sem material e espaço físico adequados. As crianças escreviam em tábuas

com estiletes e memorizavam sob as ameaças de uma disciplina extremamente rígida.

Acho que em muitos aspectos ainda estamos vendo esse filme, não é?

Ao encerrarmos essa abordagem greco-romana, é imprescindível mencionarmos

o nascimento de Cristo na Judeia, então sob o domínio romano, e que se constituiria

na grande força aglutinadora no decadente Império e daria início à Idade Média, de

primordial importância para a educação brasileira e de toda a América Latina.

DICA DE FILME

Nero; Império Romano; Cleópatra.

Nero-O filme narra o domínio e a personalidade paranóica de Nero e

também o início da perseguição aos cristãos por ele acusados de incendiar

Roma.

Império Romanao e Cleópatra expressam a expansão romana e conquistas

de territórios.

Page 27: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

2727UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

1.4 IDADE MÉDIA

Se percorrer gregos e romanos é reconstruir nossa cultura, percorrer a Idade

Média é sem dúvida fundamentar toda a educação brasileira e latina. Organizações

escolares, procedimentos didáticos, medidas disciplinares, memorizações, equívocos

nas concepções da infância e da adolescência, entre outros aspectos, ainda estão

presentes em nosso cotidiano escolar.

Fatos políticos como a invasão dos povos bárbaros e outros de ordem social

e administrativa e decadência moral das elites romanas, foram, de maneira geral,

determinantes da queda do Império Romano.

Como já o dissemos, Cristo nasceu na Judeia e sua doutrina universalizou-se

pela ação dos evangelistas A doutrina de Jesus se expandiu para o mundo e começaram

as primeiras comunidades cristãs.

Porém, ao fundir-se o Cristianismo primitivo com velhas concepções

do mundo e da vida, não só da Palestina, mas também da Grécia e

de Roma, foi se gerando um conjunto de crenças e de ideias cada vez

mais universal. O resultado disso foi a Igreja Católica (LARROYO, 1970,

p.257).

Considerada como subversiva pelo poder romano, os cristãos foram largamente

perseguidos pelos imperadores. Apesar dos grandes sacrifícios aos quais foram

submetidos surgiram como uma grande força aglutinadora das massas e dos exércitos

atraídos e convertidos pela filosofia cristã. Fundamentada no “charitas”, amor e

igualdade entre os homens, Cristo acenava com possibilidades de melhores condições

de vida aos menos favorecidos. Nesse contexto, para que não fossem dominados

pelas massas cristãs, foi que Constantino, imperador romano, decretou o cristianismo

como a religião oficial de Romano, ano 315 D.C., concedendo a liberdade de culto

religioso.

Page 28: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

28 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

A adesão da elite romana teve como consequência um cristianismo com

características mais políticas que propriamente religiosas. A estrutura social era

composta pela nobreza, clero, camponeses ou servos. Cada estamento era uma

concessão divina de Deus aos homens, que manteve-se pelo monopólio de tarefas.

Cumprir as tarefas determinadas por Deus significava zelar pela vontade divina. Aos

nobres cabia zelar por todos, ao clero orar e converter a todos os servos; antigos

escravos, produzir para todos. Os dissidentes poderiam ser julgados como hereges e

até enfrentar os tribunais da Inquisição.

O comércio retroagiu, como também o poder das cidades. Refugiados em

grandes castelos e terras, os feudos, os nobres recomeçaram uma economia fundiária

baseada na terra. A posse de terra era o símbolo de poder; quanto mais terra, mais

força política.

À medida que o cristianismo se consolidou como forma política, ser padre

se tornou uma posição de alto prestígio e poder. As grandes famílias, para garantir

seu prestígio, encaminhavam seus filhos e seus dotes para a carreira eclesiástica.

Conforme o valor do dote, o baixo e o alto clero eram constituídos. Como única

classe intelectualizada, detentora de grande poder econômico pela posse de terras

e do controle divino por serem os únicos estudiosos dos Evangelhos, os eclesiáticos

influenciaram poderosamente os comportamentos sociais, da nobreza aos servos.

O ideal educativo medieval descentralizou o humanismo greco-romano para

um ideal cristocêntrico. Sem afastar-se do homem, subordina sua formação de modo

a servir a Cristo para salvar a própria alma. A filosofia educacional era definida pela

Patrística, cuja origem remonta ao final do Império romano com os padres apostólicos

que tiveram contato imediato com os apóstolos. A ação dos Pais da Igreja se desenvolveu

ao longo dos séculos e se consolidou após o Édito de Constantino, definindo o ideal

de homem cristão. A formação cristã permeou toda a educação, desde as elites até

os servos, na qual todos deveriam subordinar-se a Cristo e imitá-lo, assim a criança

deveria ser introduzida e educada religiosamente desde cedo conforme a sua posição

social.

Considere-se que as concepções sobre a infância estavam muito distantes dos

nossos sentimentos e de nossa visão sobre a criança e o adolescente. Esses eram

Page 29: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

2929UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

considerados apenas adultos em miniatura, tendo como critério para educá-los apenas

o tamanho corporal e não o estágio psicológico.

Estigmatizadas pelo pecado original eram, não raro, comparadas a pequenas

víboras a serem vergadas pela religião. Pedagogicamente, nessa forma de se perceber

a infância, significava que poderia aprender e a fazer da mesma forma que um adulto.

[...] os alunos iniciantes geralmente tinham cerca de 10 anos, mas seus

contemporâneos não prestavam atenção nisso e achavam natural que

um adulto desejoso de aprender se misturasse a um auditório infantil,

pois o que importava era a matéria ensinada, qualquer que fosse a

idade dos alunos (ARIÉS, 1973, p. 108).

Qualquer semelhança com organizações escolares e planejamentos inadequados

à natureza dos alunos, ainda tão presentes nos dias atuais, ou são erros históricos que

não devem se repetir ou interferências ideológicas se utilizando deles para atingir

objetivos diversos dos interesses da sociedade.

Considere-se que toda educação, quer escolar, quer clerical, consistia em

adestrá-las graças a uma disciplina autoritária e rigorosa e vergá-las pelos castigos

físicos. Com esse espírito as crianças eram educadas conforme sua classe social.

Assim, o ideal educativo para a nobreza era a formação do perfeito cavaleiro

que deveria aprender a cavalgar, atirar com arco, lutar, caçar, jogar xadrez, versificar,

ser virtuoso, protetor dos fracos e das viúvas, fiel a Deus, à Igreja, a sua dama e ao seu

senhor. Iniciava essa formação a partir dos 7anos como pagem e aos 21 anos entrava

para a ordem da cavalaria na cerimônia da espadeirada. A formação intelectual

não era importante e, geralmente não passava de rudimentos de leitura e escrita.

Detalhes de uma educação para o ócio como essa só interessam aos estudiosos do

desenvolvimento histórico dos preconceitos e privilégios.

A nobreza romana refugiou-se em seus castelos e feudos, mas as pessoas que

não tinham posses para isso permaneceram nas vilas e cidades, também denominadas

de burgos. À medida que foram se firmando economicamente, foram também

Page 30: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

30 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

exigindo direitos políticos e entre eles, tinha um sistema educacional municipal e uma

educação técnica para os que almejassem um ofício.

É importante salientar que essas escolas municipais se constituíram em marcos

iniciais do período de transição, sinalizador do fim da Idade Média, pela lenta ascensão

dos burgueses, que se consolidariam na Revolução Francesa e aí estão até hoje com

seus vícios e virtudes. Ainda profundamente religiosas, essas escolas foram um direito

adquirido pelos habitantes dos burgos, os burgueses. Eram escolas unitárias com os

alunos reunidos em três seções: os tabulistas, donatistas e alexandritas.

Os tabulistas aprendiam a ler, escrever e contar em tábuas em formato de

cartão. Escreviam letras, frases, o Pai Nosso e o Credo. Os donatistas eram grupos

intermediários que aprendiam latim em um livro de textos escritos por Donato. Os

alexandristas aprendiam gramática na obra de Alexandre de Vila Rei.

Eram escolas marcadas por uma disciplina rígida, com castigos físicos, memorista,

cuja metodologia ancorava-se em ditados e cópias devido à ausência de livros. Seus

professores eram ambulantes como os sofistas e a maioria padres paroquiais.

Os burgueses não possuíam servos para produzir para eles e sua forma de

sobrevivência advinha das produções artesanais das corporações de ofício e voltadas

para um mercado consumidor ainda que incipiente, reiniciando, lentamente, a

retomada do comércio. Ao terminar a formação inicial nas escolas municipais

paroquiais, o adolescente era encaminhado para a aprendizagem de um ofício. A

atividade comercial dos artesãos era regulamentada pelas corporações de ofício,

precursoras dos sindicatos, que se organizavam em grêmios, compostos pela associação

de artesãos do mesmo ofício;

Esses artesãos eram muito organizados e habitavam a rua do mesmo ofício

a qual davam o nome de um santo patrono. Além da produção manual de móveis,

vestimentas, ourivesaria, armas, também constituíram uma classe de mercadores

e banqueiros, desde então considerados os mais progressistas por multiplicarem o

capital circulante, firmando uma espécie de nobreza financeira. Aí temos o embrião

histórico do capitalismo.

Page 31: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

3131UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

Essa educação gremial era técnica e profissionalizante. Mantida pelos grêmios,

realizava-se diretamente dentro das oficinas, no próprio trabalho, onde aprendiam

a fazer, fazendo. O professor era o mestre do ofício e dono da mesma. O mestre

hospedava o aluno, provendo suas necessidades básicas e exercia sobre o menino

completa autoridade. Estava organizada em graus e após os fundamentos iniciais o

aluno atingia o grau de companheiro. Era um período de aperfeiçoamento. Podiam

permanecer na casa do mestre e passavam a ser assalariados; podiam emancipar-se e

peregrinar ou ascender a um grau superior, a mestria. Era o grau mais elaborado da

educação gremial e para obtê-la o aluno deveria elaborar uma obra de mestre, que

ao ser aprovada conferia o grau de mestre, sendo nomeado oficial. Ele também podia

montar sua oficina e participar com voz e voto nas assembleias do grêmio.

Temos aí as raízes da educação técnica com grande aceitação social neste nosso

momento histórico, a organização do ensino em graus e o mestrado como exigência

para exercícios profissionais mais exigentes.

Conforme já o citamos, cada classe social era educada de maneira específica e

resta-nos tratar da educação dos padres, dos servos e das mulheres medievais.

Como perpetuação secular da filosofia e humanismo grego, interessa-nos a

educação monacal. Os mosteiros, por definição etimológica, significavam locais

de solidão e abrigavam os padres desejosos de entregar-se ao aprofundamento do

cristianismo. Nesse isolamento se tornavam grandes copistas dos escritos gregos. Essas

cópias eram mantidas em profundo segredo por significarem uma ampla liberdade

do homem nas suas escolhas, independentemente da Igreja Católica. Esses escritos

permaneceram como documentos históricos sobre toda a cultura grega e chegaram

até nossos dias. Foram preservadores daquelas culturas.

Outra dimensão da educação clerical foi a ministrada nas escolas episcopais

pelos padres catequistas, assim chamados por utilizarem o “katchen”, ou catecismo

com a finalidade de formar os mestres cristãos. Fundaram seminários para a formação

de bispos e de funcionários eclesiásticos.

A filosofia dessas escolas estava consubstanciada na Escolástica, composta por

um conjunto de saberes transmitido nas escolas clericais.

Page 32: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

32 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

Tomás de Aquino, codificador literário da escolástica, conciliou a razão grega à

fé cristã. A revelação divina era suprarracional, mas não antirracional. Como acima da

razão humana, deveria ser aceita por esta sem contestações.

O Ato Puro de Aristóteles deixou de ser um deus demiurgo para ser criador e a

busca do bem platônico, a proposta de amor cristão. As potencialidades aristotélicas

eram obra divina e segundo a Teoria da Iluminação Agostiniana, habitam o homem

e o orientam pelos corretos caminhos da fé. A filosofia cristã que dirigiria o mundo

pelos séculos era uma síntese de cristianização de gregos e romanos.

Como herança pedagógica temos a obra de Tomás de Aquino, “De magistro”

de caráter altamente acadêmico, com supervalorização da educação intelectual em

detrimento da formação técnica, reservada para almas inferiores. Classificaram assim

as profissões em profanas e sagradas.

Outra herança cultural que interessa de forma especial para compreendermos

o descaso com a educação das massas nos tempos atuais foi a que se destinou aos

servos e as mulheres medievais. Convém que antes desse relato salientemos que todo

o pensamento pedagógico medieval foi transportado integralmente pela Companhia

de Jesus para educar o Brasil e a América Latina. Por aqui permaneceu de forma

contundente por mais de 500 anos e ainda tem traços muito significativos em nossas

escolas.

Quem eram os servos medievais? Eram antigos escravos convertidos em servos

por exigência cristã, pois os “charitas” cristãos não admitiam escravos. Convertidos

em servos não podiam ser vendidos, mas se o feudo fosse comprado acompanhavam o

novo senhor, pertencendo ao suserano na mais completa ignorância. Não frequentavam

escolas e tinham apenas instruções limitadas ao cultivo do campo. Aprendiam ideias

religiosas simples nas paróquias.

Perante a moral cristã católica, a mulher era inferior ao homem, considerada

um apêndice dele por ter sido gerada de sua costela. Era tida como responsável pelo

pecado original e por isso fora castigada com as dores do parto e com a dominação

masculina. Eram completamente excluídas das funções políticas e submetidas ao

pátrio poder, sem liberdade até para escolher o marido.

Page 33: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

3333UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

PARA REFLETIR

1 Repense sua própria escolaridade e verifique se encontra nela traços da

educação medieval.

Provavelmente você deve ter encontrado muitos professores ocupando

o centro do processo educativo, o cerceamento dos alunos dentro dos

estreitos limites de uma sala de aula, muita violência simbólica, muitos

alunos esquecidos, avaliações memoristas, etc. Fique atento!

2-Você encontra traços da produção de sofismas em nosso tempo? Quais?

Provavelmente você os identificou nas propagandas enganosas da

mídia, de líderes religiosos, na exaltação ao triunfo das nulidades, e

fundamentalmente, na demagogia política que parece ter vindo para

ficar.

Nossa contribuição como educadores parece ser mudar ou mudar, ser

sujeito e não objeto da história a ser construída.

Você encontrará excelentes leituras complementares em Aranha:

ARANHA, Maria Lúcia. História da Educação e da Pedagogia:geral e do

Brasil. São Paulo: Moderna, 2006.

DICA DE FILME

“O Nome da Rosa” refere-se ao esclarecimento sobre crimes da Igreja

Católica em um convento medieval e sobre o papel da Inquisição.

“O Gladiador” - Período do Império Romano e seus bastidores políticos.

Na magnífica interpretação de Roussel Crowel nos premia com um banho

de cultura imperdível. Confira!

Page 34: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

34 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

1.5 CONSIDERAÇÕES DA UNIDADE I

Encerramos aqui nossa síntese sobre este período da História da Educação e

fica o convite para o aprofundamento de cada um de seus aspectos. Você encontrará

detalhes em nossa indicação bibliográfica, em filmes, literatura, teatro, leituras

complementares.

Procuramos também destacar o pensamento pedagógico medieval como

fundamento da educação brasileira. Voltaremos oportunamente a essa questão.

Neste breve histórico sobre a importância da História da Educação para a

função do ofício de educador, pode-se inferir que até este presente momento ainda

temos dificuldades em definir qual a natureza de nossos alunos. Consideráveis atrasos

nessa definição têm sedimentado crenças equivocadas no trato didático daqueles que

necessitamos educar.

Embora fundadores de princípios filosóficos transcendentes, os gregos não

cogitavam sobre a natureza própria das crianças e jovens, o mesmo se repetiu com

os romanos se considerarmos as condições precárias das escolas infantis, além

da grande preocupação com a militarização da juventude. A Idade Média anulou

qualquer tentativa nesse sentido ao considerar as crianças como adultos em miniatura

e pecadoras.

Page 35: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

3535UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

TESTE SEU CONHECIMENTO

Page 36: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

36 UNIDADE I - RAÍZES HISTÓRICAS

Page 37: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

3737UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA 37

U N I D A D E I I

2A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA

OBJETIVOS DA UNIDADE

• Definir o contexto sociocultural do Renascimento e os primórdios da

industrialização na Idade Moderna;

• Situar as mudanças que redefiniram o papel da escola e as decorrentes

alterações nas concepções da infância e da adolescência;

• Analisar o caráter inovador da Reforma Protestante e o conservadorismo

da Contrarreforma católica.

HABILIDADES E COMPETÊNCIAS

• Inserção da educação escolar no contexto do capitalismo renascentista

e industrial da Idade Moderna;

• Compreensão das relações entre a Contrarreforma, a Cia de Jesus e

a educação brasileira.

Page 38: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

38 UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA38

2.1 O CONTEXTO DO RENASCIMENTO

O Renascimento foi o período de transição entre a Idade Média e a Idade

Moderna. A partir da Itália, mais precisamente da cidade de Florença, expandiu-se por

toda a Europa nos séculos XIV, XV e XVI.

Representou a decadência do poder da Igreja católica sobre a sociedade

europeia. Olivieri (1989, p.3) considera essa época como “[...] um dos momentos mais

ricos e férteis que a humanidade já viveu em sua história”.

A transição da economia medieval agrícola e fundiária foi lentamente sendo

submetida aos avanços do comércio burguês, que foi retomado pelas produções das

corporações de ofício medievais. O sistema feudal foi entrando em decadência pela

supremacia econômica desse comércio. O poder papal se debilitou e a própria unidade

católica sofreu grande impacto, não só pela dissidência entre os papas de Roma e da

França como pela Reforma Protestante.

A nova sociedade que foi imergindo pelo aumento das cidades, locais ideais

para as práticas comerciais, foi sentindo o desejo constante de laicizar as questões

econômicas da religião.

O desenvolvimento desse comércio sofreu um grande impacto pela tomada de

Constantinopla pelos turcos, ao norte da África. Por ser esse o ponto de entrada para

as caravanas que negociavam com as Índias, navegar tornou-se necessário e urgente,

o que culminou no grande desejo dos soberanos europeus de encontrar um caminho

marítimo para aquela região.

As grandes invenções favoreceram os descobrimentos revelando à Europa um

novo e imenso mundo com outras culturas, o que também colocou em cheque o

poder cristão medieval. A invenção da imprensa colocou o saber ao alcance de todos, a

bússola possibilitou direções mais seguras para os navegadores, a invenção da pólvora

transformou a arte da guerra e da defesa, a imprensa oportunizou grande expansão

de livros, socializando o conhecimento e propagando ideias que favoreceram a

Page 39: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

3939UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA 39

popularização do Humanismo e da Reforma Protestante. A pedagogia experimentou

notáveis mudanças com a multiplicação de materiais impressos.

A circulação das ideias, devida à imprensa e ao movimento

humanista, aumentou de modo considerável graças à emigração dos

gregos expulsos de Constantinopla pelos turcos (1493). Muitos sábios

destas terras levaram para o ocidente os tesouros de suas bibliotecas

e de sua sabedoria. Produziu-se vigorosa atividade intelectual, ávida

de conhecer a cultura clássica; renascia a Antiguidade; ocorria um

renascimento da cultura greco-romana (LARROYO,1970, p.349).

O ideal educativo deixava, paulatinamente, de ser cristocêntrico para ser

novamente humanista e individual, na mais pura maneira socrática. Foi o retorno do

homem ao centro educativo. Procurava-se um ideal de homem diferente do medieval,

um homem situado no mundo. O Humanismo, em sua essência, não foi irreligioso,

apenas procurava vencer o teocentrismo da Idade Média, não era contra Cristo, mas

contra o poder da Igreja Católica que antagonizava o desenvolvimento do comércio.

Buscava um saber mais humano que religioso.

Esse movimento manifestou-se de forma contundente no desenvolvimento das

ciências e das artes. A respeito, apreciemos a citação de Monroe,1978, p.149:

O estudo das literaturas clássicas não só se torna a principal

manifestação externa do espírito do Renascimento, como proporciona

os meios de uma nova vida. Isto porque as novas aspirações para

o desenvolvimento de uma personalidade moral livre, intelectual,

tanto quanto emocionalmente, não encontravam bases no passado

imediato e nem na atualidade, porém, a vida dos antigos, revivida na

sua literatura, ministrava modelos e incentivos para a imitação.

Page 40: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

40 UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA40

2.2 A PEDAGOGIA INOVADORA DA REFORMA PROTESTANTE

O clero católico, possuidor de grande poder político, econômico e social, que

deveria atender os anseios espirituais dos povos europeus estava muito mais ocupado

em ampliar seu poder financeiro do que com as necessidades da alma dos fiéis. A falta

de sensibilidade com a qual a Igreja encarou esse momento delicado manifestou-se

na comercialização de relequías, tidas como sagradas, e na venda de indulgências.

Segundo Veiga,1991, p.24, “calculava-se quantos anos de perdão das provas do

Purgatório era possível se obter com a posse de determinada peça de vestuário de um

santo ou com o valor da doação feita para o tesouro da Igreja”.

Desse modo, somente para os que podiam pagar o preço exigido pela Igreja

era garantida a salvação da alma e isso aumentava os conflitos para aqueles que

necessitavam de assistência espiritual vinda da instituição religiosa. Acrescente-se a

isto, o comportamento escandaloso do clero, que vivia em total desacordo com o que

pregava.

Martinho Lutero, membro da Igreja Católica, inconformado com esse estado

de coisas e angustiado com a salvação da própria alma, publicou 95 teses na porta

da igreja de Wittenberg, Alemanha, que desencadeou um processo religioso de

proporções muito elevadas que deu início ao protestantismo e levou ao movimento

denominado de Reforma.

O credo protestante negava a autoridade do papa, dos padres da Igreja e dos

concílios, admitindo apenas a autoridade do Evangelho, concedendo ao homem o

direito do livre exame do mesmo sem a mediação dos padres.

Consideravam a riqueza material como uma conquista humana a ser obtida

para a glória de Deus e melhor servi-lo. Tal concessão resultou em maior liberdade

econômica para os países que se libertaram da excessiva centralização de Roma,

possibilitando melhores condições para o novo sistema econômico que surgia: o

capitalismo. Entendemos oportuno comentar que os países que se desenvolveram sob

a ética protestante são hoje grandes potências econômicas e o mesmo aconteceu com

Page 41: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

4141UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA 41

os que foram colonizados por esses princípios, como os Estados Unidos. Já com os que

foram influenciados pela ética, ocorreu o contrário, e em pleno século XXI, atingiram,

no máximo, a posição de emergentes, como é o caso do Brasil.

Pedagogicamente, por conceder ao homem a liberdade de consulta aos

Evangelhos, entendiam que todos tinham o direito de aprender a ler. Geralmente,

ao lado de uma igreja protestante havia uma escola, ocorrendo o início das escolas

leigas e públicas. Assim, modificaram a filosofia da educação agora voltada para a

formação do espírito crítico, introduziram um currículo diversificado em humanidades

e ciências, rompendo com a seletividade das escolas confessionais e religiosas

católicas. Escolas leigas proliferaram na Europa convivendo com escolas confessionais.

Além de contribuírem com a democratização da educação escolar, inovaram seus

objetivos, conteúdos, métodos e currículos pela introdução das ciências e empenho

no desenvolvimento do espírito crítico.

2.3 A CONTRARREFORMA E O CONSERVADORISMO PEDAGÓGICO CATÓLICO

A Igreja Católica reagiu e esta reação denominou-se de Contrarreforma. Como

um dos mecanismos do contra-ataque criou a Companhia de Jesus com o objetivo de

educar a juventude e resgatar províncias perdidas para os protestantes.

Fundada por Inácio de Loyola, um militar que se convertera ao catolicismo,

deu a essa ordem um caráter rigidamente militar a serviço da Santa Sé. Inicialmente

fundada como uma ordem religiosa missionária, dedicou-se à formação de padres

cultos, eruditos, moralmente intocáveis com a finalidade de combater os protestantes.

Mas ao longo do tempo foram assumindo a função educativa destinada a manter

a juventude fiel ao catolicismo. Fundaram então o Colégio dos Jesuítas, no qual

preservaram o currículo medieval escolástico acadêmico das Sete Artes Liberais

sem inclusão de disciplinas científicas. A metodologia do ensino continuou livresca,

memorista e sob rigorosa disciplina, que incluía castigos físicos e morais.

Page 42: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

42 UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA42

Vieram para o Brasil em 1554 com a finalidade de impedir o avanço protestante

na colônia e influenciaram fortemente a educação brasileira por quase 500 anos e com

significativa presença nas posturas e didáticas atuais. A pedagogia da Contrarreforma

manteve-se conservadora, reprodutivista e católica.

2.4 PEDAGOGOS RENASCENTISTAS E AS MUDANÇAS NAS CONCEPÇÕES DA INFÂNCIA

Retomando a questão do Humanismo pedagógico, este caracterizou-se pela

existência de elementos novos.De um lado, uma sociedade desejosa de mudanças

e de outro, a resistência dos conservadores, como foram os colégios dos jesuítas. A

dualidade dessa educação reproduzia a divisão da sociedade moderna em católicos e

protestantes.

Entre os inovadores se destacaram como pedagogos renascentistas Victorio

de Feltre, Erasmo de Rotherdam, Rabelais, Michele de Montaigne e seguidores.

Possivelmente, a contribuição mais significativa desses pedagogos foi a de começar a

produzir mudanças nas concepções sobre a infância e a adolescência, fazendo uma

crítica contundente à educação medieval, livresca, memorísta e dissociada da vida dos

alunos.

Victorino de Feltre (1373-1443) fundou na Itália a ”Casa Giocosa” ou “casa

alegre”, introduzindo a pedagogia atrativa, cujos traços se veem em seu lema: ”Vinde

ó meninos, aqui se instrui, não se atormenta” (Feltre; apud ARANHA, 2006, p.126).

Assim, visava-se a formação integral dos alunos, fortalecendo o corpo e o espírito

pela alegria de viver. A relação professor/aluno deveria ser alicerçada no amor sem

desviar-se da moral cristã, mas sem subordinações.

Na França, Rabelais (1494-1553) teve como grande mérito pedagógico o

rompimento com o caráter formalista e livresco do catolicismo, propondo a condução

do ensino de forma prática e por meio de uma didática em contato direto com a

natureza. Em sua obra educativa, “Gargântua e Pantragruel”, de forma irônica e

Page 43: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

4343UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA 43

jocosa colocou sua crítica sobre a educação medieval, que considerava distante do

interesse infantil e da vida real.

Notável como contribuição a uma nova forma de se ver a criança foi o

trabalho de Michel de Montaigne, na crítica contundente à educação de seu tempo,

considerando-a apenas contida nos livros, separada da vida, pedante e sustentada

pelo medo dos castigos corporais. Questionava sobre o juízo que realmente tinham

sobre uma educação completamente afastada da vida real. Preconizava a educação

do juízo, que podemos considerar como sendo a formação do espírito crítico a ser

construído desde criança.

Aqui já temos os primeiros passos que consideravam a criança com construtora

do próprio juízo. Aparece a figura do preceptor como orientador dessa criança e não

propriamente aquele que ensina, era aquele que não apenas falava, mas que também

ouvia. Rejeitava alunos como sujeitos passivos e propunha métodos ativos. Pode ser

considerado o precursor da pedagogia realista, que se concretizaria na Idade Moderna.

Erasmo de Rotterdam, (1467-1336), holandês, não se distanciou de seus

contemporâneos nas críticas à educação católica.

“Erasmo defendia o respeito ao amadurecimento da criança e por isso criticava a

educação vigente, excessivamente rigorosa recomendava o cuidado com a graduação

do ensino e o abandono dos castigos corporais” (ARANHA, 2006, p.133).

2.5 A CONSOLIDAÇÃO DO MODELO INDUSTRIAL E A CONSEQUENTE PEDAGOGIA REALISTA

Em fins do século XVI o estilo de vida da sociedade europeia começava a

ultrapassagem para a era industrial.

Como consequência do avanço e consolidação do comércio, os modos de

produção foram se transformando para atender a um mercado cada vez mais consumidor.

Page 44: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

44 UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA44

Foram assim superadas as produções artesanais individuais das antigas corporações

de artes e ofícios medievais, dando lugar, inicialmente, pela reunião de artesãos em

um mesmo local, iniciando-se os trabalhos coletivos que durante os séculos XVI e XII

evoluíram para as manufaturas e destas para a industrialização. Já nas manufaturas

teve início a divisão do trabalho, em que cada trabalhador passou a executar uma tarefa

específica, originando-se assim as especializações tão em moda hoje em dia.

A intervenção das ciências como força produtiva, o êxodo rural para trabalhar nas

fábricas, promoveram mudanças sociais e políticas e, entre elas, os questionamentos

sobre a educação escolar se torna imperioso.

O pensamento pedagógico moderno privilegiou as ciências naturais e a análise

da adequação das instituições escolares ao novo modelo econômico, superando o

Renascimento, de modo a fundamentá-lo no uso da razão científica.

Se você é um observador astuto, já deve ter percebido o retorno do nosso

Aristóteles ao propor como forma de conhecer a verdade objetiva o realismo das

relações de causa e efeito no determinismo natural.

A educação deveria ser uma preparação direta para a vida

prática. Útil, vitoriosa e feliz do homem de negócios, numa civilização

bastante formal nas suas pretensões, mas caracterizada pela ausência

de rigidez quanto às normas de conduta (MONROE,1978, p.201).

A citação de Monroe explicita as exigências educacionais dos novos tempos

industriais.

Para nós educadores interessa particularmente, entre outros representantes,

as contribuições de João Amós Comênio, o educador que colocou na sua prática

pedagógica um modelo de realismo sensorial ao consolidar a crença de que o

conhecimento se adquire primeiramente pelo treino das percepções sensoriais. Os

sentidos humanos (tato, visão, audição, olfato e paladar) nos colocam em condições

naturais de aprendizagem. Como uma das formas para atender às crianças, o ensino

era em língua vernácula por ser mais coloquial que o latim.

Page 45: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

4545UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA 45

Fiel a essa doutrina, vai propor como materiais didáticos aqueles que podemos

retirar da natureza e como método de ensino a prática da indução, substituindo a

dedução tomista como meio de se chegar ao conhecimento. Nesse sentido, o aluno

iria percorrendo os caminhos da construção dos seus conhecimentos até inferir os

princípios gerais que regem os fenômenos.

Filosoficamente era adepto da “pansofia” e de seu sentido democrático de

se ensinar tudo a todos, por considerar que o conhecimento não era privilégio dos

mais abastados. É tido como o precursor das primeiras tentativas de uma psicologia

educacional e dos planejamentos do ensino. O saber a ser ofertado aos alunos deveria

ser reduzido, aplicado pelo método indutivo e na língua materna.

A grande inovação pedagógica de Comênio estava em seus manuais didáticos,

nos quais colocava o percurso de cada aula. Se no medievalismo e princípios do

Renascimento consideravam que a mente infantil era oca e vazia e que nela se poderia

imprimir tudo o que se desejasse, Comênio recomendava que todo ensino deveria levar

o aluno a perceber pelos sentidos os novos desafios dos conteúdos. Essa percepção

deveria ocorrer de tudo que pudessem ver, apalpar, degustar, cheirar, ouvir. Como

os sentidos não podem ver, apalpar, degustar, cheirar ou ouvir as ideias abstratas,

coerente com esses princípios, para ele o ensino deveria partir do concreto para o

abstrato, do simples para o complexo, do próximo para o remoto.

Sua obra pedagógica mais significativa nesse sentido pedagógico foi a Didática

Magna, atual até nossos dias.

CONHEÇA MAIS

Aprenda-se a fazer fazendo.

Os mecânicos não detêm os aprendizes de suas artes como especulações

teóricas, mas põem-nos imediatamente a trabalhar, para que aprendam

a fabricar fabricando, esculpir esculpindo, a pintar pintando, a dançar

dançando, etc. Portanto, também nas escolas, deve-se aprender a escrever

escrevendo, a falar falando, a cantar cantando, a raciocinar raciocinando,

etc..., para que as escolas não sejam senão oficinas onde se trabalha

fervidamente. Assim, finalmente, pelos bons resultados da prática todos

experimentarão a verdade dos provérbios: fazendo aprendemos a fazer.

Page 46: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

46 UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA46

Mostre-se o uso dos instrumentos, mais com a prática que com palavras,

mais com exemplos do que com regras. ( Comênio apud ARANHA,2000,

p.104).

2.6 O ILUMINISMO E A TENDÊNCIA NATURALISTA NA EDUCAÇÃO

O capitalismo industrial seguiu seu curso histórico irreversível e caminhou no

século XVIII para a Época das Luzes, que abalou o absolutismo dos reis e já esboçava

em si os primeiros acordes das revoltas, que culminaram com a Revolução Francesa

em 1789.

Caracterizou-se pela mais absoluta confiança na razão humana que se opunha

a todos os abusos, quer sociais, políticos, pedagógicos ou religiosos.

O período inteiro foi dominado por uma crença profunda

nas prerrogativas do indivíduo, no seu direito individual de julgar

e determinar suas questões sem sofrer as influências das crenças e

superstições da Igreja, nem das tradições, da sociedade. Liberdade

de pensamento, liberdade de consciência, suficiência da razão para a

conduta na vida, senhas e chaves para a interpretação deste movimento

do século XVIII (MONROE, 1978, p.250).

Aí estão todos os anseios da sociedade em questão e também a expressão

de todo liberalismo econômico. John Locke cria a teoria liberal consubstanciada em

cinco princípios que trazem em si os anseios e os interesses da burguesia: liberdade,

individualidade, igualdade, posse da propriedade e democracia.

O pensamento pedagógico iluminista vai refletir esses princípios liberais, e a

teoria educacional preponderante na época foi a tendência naturalista da educação,

cujo expoente máximo foi Jean Jaques Rousseau.

Page 47: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

4747UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA 47

Considerava que:

[...]a felicidade e o bem-estar humanos são direitos naturais de todos

os indivíduos, não o privilégio especial de uma classe de favorecidos e

que, a organização social e a educação legítima existem somente para

efetuar a realização deste desiderato (MONROE, 1958, p.250).

O texto expressa a concepção política de Rousseau que vai refletir-se sobre sua

proposta pedagógica, considerada um importante passo histórico para a pedagogia

contemporânea.

Máximas políticas contemporâneas de que o todo o poder emana do povo

e em nome dele deverá ser exercido ou que os depositários do poder não são os

governantes e sim o povo, são genuinamente rousseaunianas e fermentaram as ideias

populares que promoveram a Revolução Francesa, depôs as monarquias absolutistas

e estabeleceu o acesso político dos burgueses.

Esse conjunto de pensamentos consubstanciou seu pensamento pedagógico,

considerando que o homem nasce naturalmente bom, mas que é corrompido pela

sociedade. Sua filosofia educacional está expressa na seguinte postura: “Viver é o que

desejo ensinar-lhe. Quando sair de minhas mãos, ele não será magistrado, soldado ou

sacerdote, ele será antes de tudo um homem” (Rousseau apud ARANHA, 2006,178).

Redefine as concepções sobre a infância negando que fosse um adulto em

miniatura, livre do pecado original por nascer pura e com as especificidades próprias

de um estágio de desenvolvimento em progressão para a vida adulta.

Sua obra educacional foi “O Emílio”, onde os alunos seriam educados

conforme a natureza e afastados da sociedade corruptora. Condenava a transmissão

de conhecimentos como método de ensino e que as crianças aprendessem a pensar a

partir de seu interior e de forma natural. Nada tão socrático, tão construtivista e tão

moderno, não é?

Page 48: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

48 UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA48

CONHEÇA MAIS

(Educação do Emílio)

A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens.

Se quisermos perturbar essa ordem, produziremos frutos precoces que

não terão maturação nem sabor e não tardarão em corromper-se; teremos

jovens doutores e crianças velhas. A infância tem maneiras de ver, de

pensar, de sentir que lhes são próprias; nada menos sensato do que

querer substitui-las pelas nossas; e seria o mesmo que exigir que uma

criança tivesse cinco pés de altura do que juízo aos dez anos. Com efeito,

que lhe adiantaria ter razão nesta idade? Ela é o freio da força, e a criança

não tem necessidade desse freio (Rousseau apud ARANHA, 2006, p.184).

Considera-se Rousseau o iniciador da tendência psicológica da educação. Assim

vamos entrando no século XIX e o capitalismo industrial avança em passos largos e com

exigências educacionais cada vez mais ideológicas, que vêm subordinando a educação

escolar aos interesses do mercado, do capital e do lucro. A grande necessidade de mão

de obra que atendesse à complexidade do trabalho nas fábricas exigiu a organização

da educação pública laica e liberal. O camponês inculto para trabalhar nas fábricas

necessitava agora aprender a ler, escrever, contar e aperfeiçoar seu desempenho técnico.

Destacaram-se como os principais pedagogos Pestalozzi, Froebel e Herbat, cujo

trabalho e obra revelam a finalidade social da educação escolar.

Pestalozzi, influenciado pelo pensamento pedagógico de Rousseau, dedicou-

se especialmente à educação de crianças preferencialmente pobres. Acolhia em sua

escola menores abandonados, aliava formação geral e moral à profissional. Foi um

grande defensor da escola popular, extensiva a todos e de caráter tanto formativo

como informativo.

CONHEÇA MAIS

[...] para os primeiros elementos da geografia éramos levados ao ar livre.

Começavam por conduzir nossos passos para um vale afastado perto de

Verdun ao longo do qual flui o Bûron. Deveríamos olhar para esse vale

como um todo e em suas partes, até que tivéssemos dele uma visão exata

Page 49: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

4949UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA 49

e completa. Então nos era dito, a cada um de nós, que devíamos cavar

certa quantidade de barro, que havia em camadas de um lado do vale,

e, com isso, enchíamos grandes folhas de papel, trazidas para este fim.

Quando chegávamos à escola éramos colocados ao redor de grandes

mesas, que eram divididas, e cada criança devia construir com o barro

na parte que lhe fora destinada, um modelo do vale que havíamos

recentemente observado... Então, somente então, olhávamos para o

mapa, pois só agora havíamos adquirido a capacidade de interpretá-lo

corretamente (Relato de um aluno de Pestalozzi, apud F.EBY).

Froebel notabilizou-se na educaçâo infantil. Criou os primeiros jardins da infância

conduzidos por uma metodologia lúdica e motivadora, destacando a importância de

se educar desde essa fase inicial dos alunos.

Herbart destacou-se na utilização da instrução como meio de formação moral.

Pautava-se pelo rigor do método de ensino e organizou uma proposta metodológica

formalizada em cinco passos formais: preparação, apresentação, assimilação,

generalização e aplicação. O destaque dado à organização metodológica do currículo

expressou a finalidade científica da didática. A pedagogia herbatiana influenciou a

educação brasileira tradicional complementando o jesuitismo, o que se caracterizou

por dar um sentido pouco mais científico à tendência tradicional de nossa educação.

Page 50: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

50 UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA50

Assim, o pensamento pedagógico do século XIX se manifestou, não apenas

eclético com relação ao caráter psicológico, sociológico e científico daqueles

pensadores, como acentuou essas tendências na busca de propostas educacionais

cada vez mais adequadas às exigências sociais e econômicas sempre mais complexas

e exigentes.

Como característica marcante da pedagogia do século XIX, torna-se necessário

analisar a influência do positivismo científico na pedagogia. Segundo seu expoente

maior, Augusto Comte, a construção histórica do conhecimento da humanidade, na

dependência de modelos agrícolas de sobrevivência, seguiu, por longos anos, um

percurso metafísico até que as exigências do modo de produzir capitalista, como as

novas formas de trabalho, impuseram exigências mais rigorosas na comprovação de

determinado conhecimento. Este, só deveria ser aceito se positivado pelo rigor do

método científico, proposto por Francis Bacon.

As pesquisas neste sentido levaram Comte a conclusões sobre a presença do

determinismo natural nas relações entre as pessoas. Invocando Aristóteles, socialmente

nossas interações ocorrem em função de causa e efeito. Essa comprovação deu forma

à sociologia como ciência empírica e também à psicologia da criança e do adolescente.

Pedagogicamente, a sociologia como ciência nos dias atuaisnos remete à questão

da natureza de nossos alunos. Para conhecê-la hoje, é indispensável considerar que as

formas de pensar, sentir e agir de seus status de origem se redefinem na escola. Essa

redefinição deve orientar didáticas significativas para os alunos que, não pode nunca,

ser afrontado em seus valores culturais de origem.

Se pensarmos que desde a Idade Moderna até nossa contemporaneidade

nossas escolas têm sido organizadas a partir de valores burgueses, podemos inferir a

violência simbólica sobre as crianças com estilos de vida não burgueses.

Antes de iniciarmos nosso percurso rumo aos séculos XX e XXI verificaremos,

na próxima unidade, como e quando essas inovações chegaram ao Brasil.

Até lá!

Page 51: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

5151UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA 51

DICA DE FILME

“O Leopardo”; “Em Nome de Deus”; “Lutero”, “As Bruxas de Salém”.

“O Leopardo” – Este é um filme que mostra a ascensão da burguesia

sobre o domínio político da Idade Média;

“Em nome de Deus” – Este filme nos traz a reação do poder católico

sobre a laicização Renascentista.

“Lutero” – Este filme apresenta claramente as características da Reforma

Protestante;

“As Bruxas de Salém” – Este filme nos mostra a reação da Igreja Católica

contra o Protestantismo.

2.7 CONSIDERAÇÕES DA UNIDADE II

Nesta síntese procuramos enfatizar o longo caminho histórico percorrido

pela educação do século XIV ao XIX. Do humanismo inicial do Renascimento ao

realismo e iluminismo, a Europa percorreu aproximadamente 600 anos para conseguir

compreender que as novas exigências econômicas, sociais e culturais exigiam uma

escola leiga, pública, democrática e como dever do Estado e da família.

Destacaram-se nesse período pedagogos que marcaram época e estilo nas

mudanças sobre as concepções da infância e da adolescência e não só influenciaram

nas novas finalidades sociais da educação escolar como nos rumos das pedagogias e

didáticas atuais. Fica a sugestão para que vocês se aprofundem em cada um deles, de

modo a identificá-los como referências ao perfil de cidadão que deverão formar na era

pós-moderna e neoliberal.

Caro aluno, já se faz tempo de comprarmos uma passagem para o Brasil. Vamos,

portanto, caminhar para nossa 3ª unidade e procurar conhecer a face da educação

brasileira como legado desse passado histórico e ainda tão presente entre nós.

Espero você lá! Boa viagem!

Page 52: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

52 UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA52

TESTE SEU CONHECIMENTO

Page 53: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

5353UNIDADE II - A PEDAGOGIA RENASCENTISTA E MODERNA 53

Page 54: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado
Page 55: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

5555UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

U N I D A D E I I I

3EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

OBJETIVOS DA UNIDADE

• Analisar o conservadorismo da educação brasileira e seus tardios

avanços;

• Situar as crianças nas várias tendências educacionais construídas ao

longo da História da Educação no Brasil.

HABILIDADES E COMPETÊNCIAS

• Análise das etapas de nosso desenvolvimento industrial e suas

consequências na educação escolar;

• Construção de uma consciênciacrescente sobre as exigências da

ideologia liberal no que concerne à educação escolar.

Page 56: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

56 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

3.1 EDUCAÇÃO COLONIAL E O CONSERVADORISMO CATÓLICO

Por ocasião do descobrimento do Brasil, a Europa já se encontrava em pleno

mercantilismo e Portugal subordinou a colônia brasileira aos seus interesses comerciais,

reduzindo nossa sobrevivência a um sistema agrário que se arrastaria praticamente até

1930. Como a sociedade só desperta para a questão educacional quando impulsionada

pelo sistema econômico, nossas demandas efetivas por escolas sofrerá um atraso de

quase quinhentos anos.

A unidade em questão procura recuperar essa memória histórica na expectativa

de que sociedade e educadres se conscientizem profundamente sobre a urgência de

transformações escolares.

3.1.1 O JESUITISMO COLONIAL

Antes de entrarmos nesta questão, se faz necessária uma retrospectiva histórica

até a Idade Média e ao Renascimento em sua fase humanística.

Se você não se lembra, retorne ao texto do livro didático para rever as

características básicas da educação cristocêntrica medieval e a criação da Cia. de Jesus

como reação dos católicos à Reforma Protestante, o que interessa ao estudioso da

educação brasileira pelo transporte mimético deste pensamento pedagógico, intacto

para a colônia brasileira.

Como já dissemos, a Cia de Jesus foi criada por Inácio de Loyola, um militar

convertido ao catolicismo, cuja ideologia e objetivo era de combater a Reforma, o

avanço protestante e os ideais cristocêntricos da Idade Média, por meio da educação

da juventude. Pretendiam formar padres cultos, eruditos, puros e castos. Inicialmente

foi criada como uma ordem missionária e aos poucos foi se dedicando à função de

educar. Como reação enérgica ao espírito crítico nascente na Europa, elaboraram

as regras da Cia contidas na “Rátio Studiorum”, com grande apego ao ensino de

Page 57: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

5757UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

humanidades, o raciocínio dedutivo escolástico, um fechamento total às ciências, às

experimentações, às atividades artísticas e literárias como disciplinas escolares. Foi um

retorno ao dogmatismo da Escolástica memorista, livresca, dissociada da vida real.

Compunham o currículo: latim, grego, retórica, teologia, filosofia, dialética e música,

as sete ninfas da narrativa sobre as núpcias de Mercúrio e da Filologia.

Tenho fortes razões para acreditar que as ninfas gostaram muito daqui, já que

permaneceram por quase 500 anos. E você, o que acha?

Para que se possa compreender os motivos da presença jesuítica no Brasil,

se faz necessário considerar que, enquanto a Europa, por conta de uma economia

capitalista que se acelerava, buscava a separação da economia, sociedade e educação,

das influências da Igreja, Portugal e Espanha mantiveram-se fiéis ao catolicismo de

Roma. Mantiveram uma economia agrária que se sustentava sem a necessidade de

escolas e permaneceram pedagogicamente escolásticos.

Como nossos descobridores e colonizadores viram na colônia brasileira grandes

possibilidades econômicas para suas finanças, já que sempre estavam arruinados pela

falta de competitividade com outros contextos europeus, optaram então por definir

a economia colonial açucareira, iniciando os ciclos econômicos monocultores. Estes

prevaleceram como os fatores hegemônicos da economia brasileira de 1554 até a

queda das oligarquias do café pela Revolução de 1930, quando o governo de Getúlio

Vargas impulsionou nossa tardia Revolução Industrial.

O açúcar era um produto altamente aceito na Europa, a ponto das moças

casadoiras levarem como dote sacas desse produto. Portugal transformou o nordeste

brasileiro em um imenso canavial, inaugurando uma economia agrária, exportadora

e dependente, definindo o que produzir, quanto produzir e quem deveria produzir.

A sociedade colonial se estruturou a partir do estilo de vida da fazenda

açucareira, restrita à casa-grande, capela e senzala. Na casa- grande habitava a elite

colonial originária da pequena nobreza portuguesa empobrecida, cujo chefe era o

senhor do engenho, com plenos poderes políticos e sociais. Exercendo o pátrio poder

herdado dos romanos, tinha direito de vida e morte sobre tudo que fosse de sua

propriedade, incluindo-se os bens materiais, a mulher, os filhos e os escravos.

Page 58: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

58 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

As formas de manter os anseios econômicos portugueses sobre a colônia

brasileira foi a organização da produção em torno da grande propriedade de terras e

da mão de obra escrava.

Como uma economia agrária não necessita de escolas para ter lucros, o governo

português não se interessou pela educação. Fiel à igreja católica, e esta, interessada em

impedir o avanço protestante na colônia brasileira e espanhola, assumiu a educação

do Brasil.

Assim, a educação brasileira iniciou-se formal, elitista, seletiva, excludente e

mantenedora das estruturas sociais coloniais inalteradas.

Nos tempos modernos, nosso sistema escolar, agora manipulado pela ideologia

capitalista, ainda é formal, privilégio de classe, elitizado, excludente das massas, sempre

estigmatizadas, desde nossas bases sociais escravocratas até o presente momento

histórico.

O projeto pedagógico proposto pela “Rátio Studiorum” foi inadequado à

realidade da estratificação da colônia, pois ocasionou um grande processo de exclusão

que atingiu a estrutura social da elite aos escravos. A partir da casa-grande era excluído

da escola o filho mais velho por ser o primogênito e, como tal, o herdeiro da fortuna

material, ao mesmo tempo em que se tornava o responsável pela vida financeira

da família. Sua formação era tão importante que não poderia perder tempo com

livros e escolas. Desde criança acompanhava o pai, à moda romana, aprendendo a

administrar a propriedade.

A mulher branca colonial estava condenada a viver na ignorância, representando

o prestígio do marido, engravidando e zelando pala casa do pátrio poder, e as solteiras,

não raro, eram enviadas a conventos. A mulher negra era simples objeto de trabalho

escravo. Destinada a procriar e muitas vezes seviciadas pelos senhores, contribuiu de

forma decisiva para o enorme processo de miscigenação entre brancos e negros, que

compuseram nossa etnia inicial e ao longo de nossa história.

Atente, meu caro aluno, que esta massa espera dos nossos educadores e de

você o resgate histórico ao qual tem direito.

Page 59: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

5959UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Resta-nos colocar qual a situação das crianças coloniais. Como não poderia

deixar de ser, herdamos também as formas medievais de pensar, sentir e agir com

relação às crianças e os adolescentes, que continuaram sendo vistos como adultos em

miniatura e marcados pelo pecado original.

As crianças da casa-grande frequentavam a escola jesuítica para aprender a ler

e escrever, e muitas vezes eram educadas por preceptores vindos da Europa. Tinham

a chamada “educação de príncipe”. Ao entrar na puberdade iam para o colégio dos

jesuítas, quase que exclusivamente criados para eles, segundo os moldes da “Rátio

Studiorum” e iriam completar estudos na Europa.

Embora desfrutando do que se considerava uma educação de melhor qualidade,

foram bastante violentados simbolicamente, pela inadequação de objetivos,

conteúdos e métodos de ensino. Como adultos em miniatura, memorizavam o que

não compreendiam sob severa disciplina. O jesuíta não batia diretamente nos alunos,

mas contratava um aplicador de castigos físicos, desde que não exagerasse nos socos.

CONHEÇA MAIS

Anchieta, o apóstolo do Brasil e outros jesuítas foram

enviados para São Vicente, subiram a Serra do Mar a pé auxiliados

pelo português João Ramalho e pelo chefe Tibiriçá. Instalaram-se no

planalto de Piratininga e, a 25 de janeiro de 1554, fundaram o colégio

que deu origem à cidade de São Paulo. (KARNAL, 1963, p.6)

Se você desejar conhecer o colégio, ele permanece na Praça da Sé, em

São Paulo. Vá lá e conheça melhor a pedagogia jesuítica.

A população indígena, pelo estilo de vida livre em contato com a natureza, nua

ou seminua, com rituais, danças e bebedeiras pagãs, também não tinha condições

mínimas de se adaptar ao programa dos jesuítas. Dá para imaginar um pequeno

curumim aprendendo gramática, retórica, dialética, geometria? Acho que as sete

Page 60: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

60 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

ninfas não tiveram muito sucesso com eles, a não ser pela música, hábito largamente

utilizado nos rituais pagãos de suas tribos e adotado pelos jesuítas, desde que fosse

sacra.

Segundo Chambouleyron apud DEL PRIORE (2000, p.63):

No aprendizado da doutrina apostava-se principalmente na sua

memorização e os padres orgulhavam-se dos meninos que sabiam tudo

de cor. Para isto, os jesuítas desenvolveram os catecismos dialogados

por meio dos quais as crianças davam conta da doutrina.

Aprendiam a cantar e a tocar instrumentos substituindo as canções tidas como

lascivas por músicas sacras, como forma de melhor sedimentar a evangelização.

Como eram pardos, logo almas a serem salvas para os céus, foram apenas

catequizados. Em tese, a catequese significou a catolização da população escolar

indígena e caracterizou-se pela imposição de um deus único e seus santos, cobrir

o corpo, constituir uma família nuclear pelo casamento católico e substituição dos

rituais pelas missas, confissões, procissões e músicas sacras.

Acrescente-se que os jesuítas foram grandes protetores dos índios no que se

referia a sua vida física e escravatura, mas inconscientemente, desestruturaram sua

cultura, o que acabou por gerar um abandono político secular dessas populações.

No sentido de protegê-los dos ataques dos bandeirantes construiram missões no

interior da selva e lá desenvolveram um trabalho comunitário de produção agrícola,

pecuária e artesanatos, tornando-se autossuficientes em dependência econômica, o

que, posteriormente, foram destruídas por Pombal. Os índios, sem cultura própria

tribal, foram abandonados sem nenhuma política integradora e achamos que, de

certa forma, estão à deriva até hoje.

Page 61: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

6161UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

PARA REFLETIR

A lei que lhes hão de dar, é defender-lhes de comer carne humana e

guerrear sem licença do Governador; fazer-lhes ter uma só mulher,

vestirem-se, pois têm muito algodão, ao menos depois de cristãos,

tirar-lhes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para com os

cristãos, fazê-los manterem-se quietos sem se mudarem para outra

parte,(...) tendo terras repartidas que lhes baste, e com estes Padres

da Companhia para os doutrinarem. (Trecho de uma carta do padre

Manoel de Nóbrega, enviada a Lisboa em 1558 - apud ARANHA,

2006, p.145)

Resta-nos abordar a situação da criança negra. Escravas ou filhas de escravos

eram treinadas desde cedo para serem apenas escravas. As que conseguiam sobreviver

à travessia da África para o Brasil eram vendidas com seus pais ou separadas deles.

Antonil, escrevendo sobre o tormento da cana de açúcar batida,

torcida, cortada em pedaços, arrastada, moída, espremida e fervida,

descreveu o calvário de escravos pais e escravos filhos. Estes também

haveriam de ser batidos, torcidos, arrastados, espremidos e fervidos.

Era assim que se criava uma criança escrava. (Góes e Flrentino in DEL

PRIORE, 2000, p.184)

A citação acima dispensa comentários mais detalhados sobre a formação

da criança negra. Acrescente-se o fato de que, só por acidente iam à escola do

jesuíta. Alguns autores se referem à postura da igreja em relação aos negros, que

os consideravam sem alma por se originarem da África, onde viviam como animais.

Apesar dessa posição, a igreja exigia que a partir de dois anos eles deveriam ser

batizados para adquirirem o direito de serem enterrados em campo santo. Porém,

a maioria dos senhores de engenho ignorava essa exigência e até depois de mortos

permaneciam abandonados.

Page 62: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

62 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

CONHEÇA MAIS

Quem desejar por negros e negras de 8 até 10 anos de idade a aprender

o ofício de jardineiro, cocheiro ou cozinheiro, além disso a ler, escrever,

cortar e cozer,dirija-se à casa de Carlos Durand, Rua Direita, n.9 As

condições são as seguintes:1.deve ter boa constituição e boa saúde,

ter tido bexigas naturais ou vacinadas, 2.ter ao menos duas camisas

e calças, uma jaqueta, 3- nos primeiros três meses o Senhor poderá

tirar o escravo, depois de três meses deverá deixá-lo três anos a pessoa

que dele se encarregar a qual se obriga a fazê-lo aprender tudo o

que o Senhor houver destinado, e de mais e diversos conhecimentos

elementares indicados.(GAZETA DO RIO DE JANEIRO,15|9|1819)

A situação das crianças brancas e negras do Brasil colonial não se alterou legalmente

até a Lei Áurea em 1888, e de fato, só as brancas abastadas continuaram a ter uma

educação de elite. As negras e seus descendentes permanecem, em sua maioria, apenas

como exército de reserva da ideologia capitalista e sem reais igualdade de oportunidades.

Já a criança indígena sofreu completo abandono com as Reformas Pombalinas.

3.1.2 POMBAL

O Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro ministro do

rei de Portugal D. José I, era contra a existência da Cia de Jesus. Entendia que a riqueza

que estava em mãos da Cia pertencia à coroa portuguesa e a Educação deveria estar

a serviço de Portugal e não da igreja. Condenava o currículo humanístico dos jesuítas

pela exclusão das ciências, por não preparar um nobre português necessário ao

enfrentamento da economia europeia, da qual se encontrava devedor, especialmente

da Inglaterra.

Pombal não conseguiu promover plenamente as reformas nem em Portugal e

muito menos no Brasil. Expulsou os jesuítas em 1759 e destruiu as missões brasileiras,

deixando a população indígena à própria sorte.

Page 63: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

6363UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Quanto à educação escolar, desestruturou todo o ensino jesuítico, deixando-o

sem uniformidade de ação pela ausência total de uma filosofia, sem continuidade

ou graduação. Nesse vazio pedagógico restou aos tios- padres dos engenhos, aos

mestres- escolas e preceptores, seguir a moda jesuítica, com os mesmos métodos

didáticos, autoridade absoluta dos mestres e disciplina rígida. Em substituição ao

colégio, reduziu o secundário a aulas régias, as aulas do rei e não da igreja.

Cada aula régia se constituía de uma unidade de ensino, com um

professor único, instalada para cada disciplina. Era autônoma e isolada,

pois não se articulava com outras, e nem pertencia a qualquer escola.

Não havia currículo no sentido de estudos hierarquizados e ordenados e

nem duração pré-fixada. O aluno se matriculava em tantas aulas régias,

quantas fossem as disciplinas que desejasse estudar. Os professores

eram de baixo nível, improvisados e mal pagos em contraste com o

magistério dos jesuítas, cujo preparo chegava as raias do requinte.

Nomeado por indicação e sob a concordância dos bispos, tornavam-se

proprietários das aulas régias, que lhes eram atribuídas, vitaliciamente,

como sesmarias ou títulos de nobreza. (CHAGAS, 1954, p.91)

PARA REFLETIR

1- Se o ensino secundário estava assim, desestruturado e abandonado,

dá para imaginar com seria o ensino primário?

Acho que você adivinhou que estava abandonado às traças e as crianças

junto com eles. Nesse contexto nem as sete ninfas sobreviveriam, não é?

2-Agora você já consegue imaginar o porte do atraso da educação

brasileira em relação à Europa?

Sem muitos comentários, dá pra sentir que a educação não evoluiu

porque permanecemos agrários e extrativistas. Lucros ocorriam sem

necessidade de uma população escolarizada, porque para plantar cana,

fumo, algodão e extrair ouro das minas, não se precisava aprender a ler,

escrever ou contar.

Só para lembrar, a Europa já caminhava a passos largos pelos caminhos

do capitalismo industrial.

Page 64: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

64 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

DICA DE FILME

L“A Muralha”- minissérie da Globo adaptada da obra de Dinah Silveira

de Queiroz.

A obra é uma narrativa histórica sobre a fundação e colonização da

cidade de São Paulo em 1554. Aborda todos os aspectos das relações

sociais sob a tutela e poder da Igreja Católica.

Filme: “A Missão” - O enredo se desenvolve em torno do extermínio das

missões jesuíticas no Brasil por ordem do Marquês de Pombal.

Na magnífica interpretação de Robert de Niro, o filme nos coloca diante

do desmantelamento da cultura indígena e a definição dos destinos dessa

população.

3.2 EDUCAÇÃO NO IMPÉRIO E A PREDOMINÂNCIA RELIGIOSA

O período colonial se encerrou com a vinda da Família Real Portuguesa para o

Brasil em 1808 e permaneceu até 1889, com a Proclamação da República.

Compreendeu historicamente três fases: a fase Joanina, o primeiro reinado com

D. Pedro I e o segundo reinado com D. Pedro II.

3.2.1 FASE JOANINA

Ao chegar ao Brasil, D. João, por imposição da Inglaterra, decretou a abertura

dos portos brasileiros às ações amigas. Assim a Inglaterra, com os portos europeus

bloqueados ao seu comércio por Napoleão Bonaparte, imperador dos franceses,

passaria a impor a venda de seus produtos nas colônias da América.

Page 65: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

6565UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

A abertura dos portos do Brasil influiu significativamente na abertura da cultura

brasileira:

“[...] Pela primeira vez, atônitos e deslumbrados viam os brasileiros entrar

pelos portos e pelas terras de sua pátria livros, idéias e pensadores, carregando outras

ideologias e plantando novas filosofias de educação”. (TOBIAS,1995, p.9)

A instalação do reino português no Brasil exigia mudanças nas estruturas

educacionais. A corte e o rei necessitavam de oficiais, médicos e engenheiros. Com

o objetivo de formar esses oficiais, D. João inaugurou o ensino superior no Brasil

criando a Academia Real da Marinha, a Academia Real Militar, a Escola Nacional de

Engenharia e os cursos de Cirurgia e Anatomia.

Com relação à cultura criou a Imprensa Régia, cujo primeiro lançamento

foi o jornal “O Patriota” e a revista “Variações e Ensaios de Literatura”. O ensino

secundário permaneceu sem organicidade e foram mantidas as aulas régias, já no

ensino primário os moldes coloniais de educação ainda permaneceram, ou seja, as

escolas se restringiam ao ato de ler e escrever.

A educação como um todo permaneceu formal, seletiva propedêutica e

mantenedora do “status quo”.

3.2.2 FASE INDEPENDENTE

Dois atos significativos para a educação escolar foram a Constituição de 1824

e o Ato Adicional de 1834.

O primeiro continha a ideia de um sistema nacional de educação. O texto

permaneceu no papel, reforçando o já tracional formalismo da educação brasileira. Já

o segundo ato significativo descentralizou o ensino.

O texto da lei diz o seguinte:

Page 66: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

66 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

“Haverá no Império escolas primárias em cada termo, ginásios em cada comarca

e universidades nos mais apropriados locais”. (Constituição Brasileira de 1824, art.

250)

O que sobrou da lei foi, num futuro bem distante, a instituição do Dia do

Professor, por ter sido promulgada em 15 de outubro de 1827.

O segundo ato significativo (Ato Adicional de 1834), Aranha define como o

“ato de misericórdia” sobre a educação brasileira.

Essa reforma descentralizou o ensino, atribuindo à Coroa, a

função de promover e regulamentar o ensino superior, enquanto às

províncias (futuros estados) foram destinadas a escola elementar e a

secundária. Desse modo a educação da elite ficou a cargo do poder

central, e a do povo, confiada às províncias (ARANHA, 2006, p.224).

Precisa comentar? Acho que não!

Com relação ao secundário convém mencionar a fundação do Colégio Pedro II,

no Rio de Janeiro. Destinado à formação da elite imperial, era mantido com recursos

públicos, conferia o grau de bacharel e isentava o aluno dos exames vestibulares.

Subordinavam a ele os liceus provinciais, que deveriam seguir o padrão de ensino

daquele educandário.

Será que era elitista e seletivo? O que você acha?

Caro leitor, atenção a esse ato, pois acompanhará o secundário até hoje.

Acho que é hora de perguntar a você se já desconfiou por onde anda a criança

brasileira, não é?

O primário ficou abandonado. Que peninha, não é? Não fique com pena,

prepare-se para recebê-las no século XXI, pois elas te esperam perdidas na massa atual

e precisam ser tiradas dela.

Page 67: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

6767UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

DICA DE FILME

“Independência do Brasil” e “D. Leopoldina”

Os filmes têm como enredo o desdobramento do processo político

da Independência e boas pitadas de malícia a respeito das aventuras

amorosas de D.Pedro I, bem como os desvios da conduta afetiva de D.

Leopoldina, então imperatriz do Brasil. Vale a pena conferir!

3.2.3 SEGUNDO REINADO

Infelizmente, nada ocorreu para que mudasse a essência da educação escolar

brasileira durante todo o Império.

Segundo Fernando Azevedo apud ARANHA (2000, p.224) “a educação teria

que arrastar-se por todo o século XIX, inorganizada, anárquica, incessantemente

desagregada. Entre o ensino primário e o secundário, não há pontes ou articulação:

são dois mundos que se orientam, cada um na sua direção”.

Vale mencionar o início do positivismo e liberalismo pela Reforma do Ensino de

Leôncio de Carvalho, concedendo a liberdade de ensino, de frequência e da prestação

de exames vestibulares. Não se esqueça de que permanecíamos agrários, exportadores

e escravocratas e essa liberdade e cientificidade no trato da educação não vingaram.

Com relação ao ensino profissionalizante, destaca-se a criação das primeiras

Escolas Normais para a formação de professores, inicialmente destinada a homens

maiores de 18 e que soubessem ler e escrever. O ensino técnico, sem expressão

social e estigmatizado pelo preconceito às manualidades de origem escrava, não

obteve expressão. Não havia no governo a preocupação com a educação das massas

populares. Este tinha os olhos voltados para a educação da elite e da formação do

doutor, de preferência jurista.

Page 68: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

68 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Em 1846 é criada (...) a primeira escola normal de São Paulo, destinada

somente a homens, e com um único professor, Manoel José Chaves,

catedrático de filosofia e moral no curso anexo à Faculdade de Direito;

essa escola funcionou numa sala do Cabido, contígua a Sé Catedral, e

foi suprimida em 1867, tendo formado cerca de 40 professores em 20

anos ( dois em média por ano),(...) Em 1864 é criada na capital de São

Paulo, uma escola normal com um curso de dois anos, que se instalou

em 1875, com 33 alunos,numa sala do curso anexo da Faculdade de

Direito. Também esta, por falta de verba para a instalação se fechou

em 1878, para se abrir, e desta vez, com três anos de curso, a 2 de

agosto de 1870. (Azevedo apud ARANHA, 2006, p.234)

DICA DE LEITURA

Indico a obra de José Antonio Tobias- “História da Educação

Brasileira”-1978, p.263.

Tobias, numa linguagem agradabilíssima, oferece detalhes interessantes

sobre os primeiros cursos para a formação de professores no Brasil.

Meu caro estudante, note que já estamos a 300 anos do início de nossa

educação. Não desanime, porque a República vem surgindo no horizonte.

3.3 EDUCAÇÃO NA PRIMEIRA REPÚBLICA

A fase republicana é dividida em períodos, conforme as mudanças na economia

brasileira.

Nunca perca de vista o contexto econômico de cada fase, pois será sempre ele

que definirá o estilo de vida de uma dada sociedade, inclusive o meu e o seu. Não

esqueça que sua identidade, e também a minha, se define pelas nossas formas de

sobrevivência.

Page 69: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

6969UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

O contexto econômico e social da Primeira República ou República Velha

compreende o período que vai da Proclamação, em 1889, até 1930. Pode e deve ser

considerado um período de transição econômica, social e política, pois foi marcado

por intensos momentos de crítica à sociedade imperial.

Nesse período, novas forças sociais começaram a emergir, resultantes de um

novo modelo econômico e social. Finalmente a industrialização vinha chegando ao

Brasil, com respeitável atraso de 150 anos em relação à Inglaterra e 100 anos em

relação aos Estados Unidos. Adivinhe se nos tornamos satélites econômicos dos

Estados Unidos o que, de certa forma, prevalece até hoje em tempos de globalização.

De 1889 a 1930 continuamos com a economia agrária de ciclo do café e

paralelamente a ela nossa indústria foi se desenvolvendo lentamente, porém, sem

hegemonia, devido à política dos oligarcas do café.

Já dá para se perceber que a educação escolar quase nada mudou nesse período,

mas foi impulsionada pela efervescência de forças sociais, principalmente, a partir dos

anos vinte, que definiu, ao menos teoricamente, os rumos da educação. O divisor de

águas foram os princípios da Escola Nova, que vão dar início à tendência escolanovista

da educação no Brasil. Foi o primeiro contraponto real à tendência tradicional, mas

antes de entrarmos nessa questão, é preciso determinar de onde surgiram as forças

sociais que repercutiram na educação.

Lentamente, a industrialização chegou ao Brasil. Desde o final do Império

veio se consolidando devagar, devido ao boicote ocasionado pelos oligarcas do café.

Dominavam a política brasileira, do executivo ao legislativo. Essa política mantinha no

governo central, ora um presidente de São Paulo, ora de Minas Gerais, ocasionando

a política do café com leite ou dos coronéis. Como o voto não era secreto criaram o

“voto de cabresto”, garantido a eleição de presidentes, deputados e vereadores.

Não comporta aqui detalharmos quais os fatores determinantes da obtenção

dos capitais necessários à nossa industrialização. Porém, as mudanças na estratificação

da sociedade urbano industrial que se formou em São Paulo foi, sem dúvida,

preponderante nas reivindicações de um novo modelo para a educação.

Page 70: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

70 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Os escravos foram libertados em 1888 pela Princesa Isabel. Escravo livre deveria

ser assalariado. Os barões do café perceberam que empregados assalariados tinham

um custo muito menor que a manutenção do trabalho escravo. Negaram-se, porém,

a pagar salário para os escravos livres e seus descendentes. Trouxeram grandes massas

de imigrantes italianos e espanhóis, que à época, devastados pela pouca oferta de

empregos em seus países de origem, sonhavam em fazer a vida no Brasil.

Inicialmente destinados à lavoura cafeeira, um grande número de trabalhadores

deixou também a vida rural para trabalhar nas indústrias paulistas, que vinham

ganhando força econômica contínua por investimentos de alguns cafeicultores de

visão mais ampla e pelos capitais familiares, que deram origem a futuros grupos

econômicos paulistas. Esse êxodo rural gerou o fenômeno da urbanização de São

Paulo, definindo dois estilos de vida: a rural em torno da plantação do café e a urbana,

com uma diversidade de profissões necessárias à vida nas cidades e que exigiam

formação escolar.

Acho que você, meu caro aluno, inteligente como é, já viu esse filme lá pelas

bandas do Renascimento e início da era industrial europeia, não é? Lembra o que

aconteceu com a sociedade da época? Saiu em desabalada carreira atrás de escola,

agora uma exigência para garantir trabalho na cidade. Embora com um atraso de um

século e meio, o fenômeno se repetiu em São Paulo.

Reservadas as devidas proporções, a diversidade profissional da cidade e a

tecnologia das fábricas exigiam uma formação escolar. A demanda social por escolas

aumentou. Políticos e intelectuais levantaram, pela primeira vez, a questão do

analfabetismo das massas e o atraso que causava ao progresso econômico do país.

Convém acrescentar que os imigrantes, vindos de uma Europa há muito industrializada,

reivindicavam direitos não apenas trabalhistas, mas também educacionais, por virem

de lugares nos quais a alfabetização era generalizada por exigência da própria

sobrevivência de empregados e empregadores.

Nesse contexto urbano, a classe média, como decorrência da urbanização,

ganha expressão política, mas não se envolve propriamente com a questão da

educação popular, interessando-lhe aquelas profissões que a classificava socialmente

e, não eram, certamente, aquelas relacionadas ao trabalho escravo.

Page 71: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

7171UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Vários movimentos sociais ocorreram nessa época, como modernismo,

tenentismo, socialismo, etc., mas aqui abordaremos os que se relacionaram diretamente

com a educação, oferecendo destaque para o anarquismo e o escolanovismo.

O anarquismo foi produto dos imigrantes italianos e espanhóis, oriundos de

países onde a alfabetização já era generalizada para as famílias dos operários. Foram os

fundadores do anarco sindicalismo no Brasil. Exigiam uma escola pública anarquista, isto

é, autônoma em sua pedagogia, universal e única, sob a responsabilidade financeira do

Estado. Entendiam que a escola deveria ser pública, mas sem a intervenção ideológica

do Estado. Era a proposta de uma educação libertária, organizada pelo grupo social

que gerenciaria sua própria educação.

Se você, meu caro aluno, sonha com uma escola que garanta igualdade de

oportunidades educacionais para todos, pode inspirar-se no modelo anarquista e

aprender a rejeitar qualquer proposta pedagógica vinda do Estado.

Como conseguiram organizar a classe operária e promoveram greves significativas

em São Paulo, a reação do Estado foi a aprovação de uma lei de perseguição, prisão e

extradição de anarquistas, então considerados inimigos do país.

DICA DE FILME

“Anarquistas, graças a Deus”.

Adaptação da obra de Zélia Gattai para o cinema, o filme exibe a atuação

dos anarquistas com relação às relações de trabalho na sua nascente

industrialização e suas exigências com relação à educação escolar de seus

filhos e dos menores abandonados.

“Sinhá Moça”

Drama desenvolvido no ciclo do café sobre a crueldade da escravidão, a

obra aborda a participação dos abolicionistas e a consequente assinatura

da Lei Áurea.

Telenovelas: “Terra Nostra” e “Esperança”. A narrativa gira em torno dos

primeiros imigrantes em São Paulo e suas lutas políticas na cidade.

Page 72: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

72 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

O movimento que se constituiu no primeiro contraponto real à educação

tradicional foi o escolanovismo, que segundo Nagle foi marcado pelo “otimismo

pedagógico” e pelo “entusiasmo pela educação”.

O primeiro tinha caráter quantitativo, propondo a construção de escolas em

quantidade e qualidade para combater o analfabetismo. O segundo tinha caráter

qualitativo e significava uma nova concepção da infância e adolescência brasileira.

Finalmente a criança deixou de ser vista como um adulto em miniatura, para ser

considerada um ser em desenvolvimento, com características específicas próprias

desse estágio que deveriam ser atendidas pela escola. A Psicologia da Criança chegava

às salas de aula do Brasil. Até que enfim, você não acha?

Didaticamente, o movimento propunha a reformulação das salas de aulas,

métodos ativos para que a criança aprendesse por descoberta, e em plena liberdade.

As propostas da Escola Nova chegaram ao Brasil através de Anísio Teixeira,

ganharam adeptos e organizaram um pronunciamento à nação publicado em 1932.

Foi o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que reivindicava uma escola pública

obrigatória, gratuita, leiga, coeducável e como dever do Estado e da família. Pretendiam

também a democratização do ensino médio pela eliminação legal do dualismo do

sistema de ensino consubstanciado em dois tipos de educação: pública e particular.

Foram vitoriosos na Constituição de 1934, pela instituição legal da escola pública com

aquelas características supracitadas, mas não conseguiram eliminar a dualidade do

sistema que mantém o caráter de elitização e seletividade do ensino em pleno século

XXI.

Antes de encerrar essa fase, quero indagar por onde andará a nossa criança. As

crianças da elite continuavam protegidas e encaminhadas para os colégios particulares,

geralmente em mãos da igreja católica, principal opositora da escola pública. As de

classe média com alguma posse, também eram encaminhadas para as escolas públicas

consideradas de qualidade. Mas a realidade não era essa. O povo, menos favorecido

econômica e socialmente, raramente frequentava essas escolas. Os filhos de imigrantes

ou perambulavam pelas ruas como jornaleiros, engraxates, meninos de recado, ou nas

fábricas como mão de obra produtiva e barata. Submetidos a condições de trabalho

deploráveis, eram vítimas de acidentes muitas vezes fatais ou mutiladores.

Page 73: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

7373UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Alimentos e bebidas, tecidos e chapéus, cigarros e charutos,

vidros e metais tijolos e móveis, entre uma série de outros produtos

fabricados então em São Paulo passavam por mãos pequeninas,

trazendo na sua esteira e indiferença as particularidades e as

necessidades da infância e da adolescência. (Bolsonaro de Moura in

DEL PRIORE, 2000, p.204)

Pena que o trabalho infantil ainda marca presença no século XXI.

PARA REFLETIR

1-Vou desafiar você, caro leitor, a me responder se imagina para onde

foram nossos amigos católicos tomistas. Onde andarão?

Tudo certo se você inferiu que estão firmes e fortes desde a colônia. Na

época em questão monopolizavam todo o ensino médio a altos custos,

como o são até hoje, representados pelas escolas mais caras do país e

frequentadas pelos filhos das elites para aprenderem a serem sempre

elites condutoras.

De forma bastante semelhante ao combate que levaram a efeito contra

os protestantes no Renascimento, eram frontalmente contra a laiscização

entre escola pública e religião. Embora os pioneiros tenham conseguido

a instituição legal da escola pública leiga, os católicos vão reagir com

força total nos debates sobre nossa primeira Lei de Diretrizes e Base-

Lei4024/61. Aguarde!

2- Vou lançar mais um desafio a você. Com a vinda em massa de imigrantes

para trabalhar nas lavouras de café e nas fábricas paulistas, para onde

será que foram os escravos e seus descendentes?

Que ótimo se respondeu que, sem trabalho, sem uma política social

de integração e necessitando sobreviver, foram para a criminalidade e

consequente marginalidade. Por isso, ainda temos uma maioria negra nas

prisões e nas moradias mais indignas do país habitadas por aqules que

ajudaram a construir o Brasil. Em pleno século XXI ainda lutam para vencer

os preconceitos, e hoje, mesmo protegidos pela lei, já compreenderam

que a brutal discriminação que sua condição de escravos lhes legou, não

se resolve por decreto, mas por lutas, que nossos educadores,nos quais

incluo você que me lê, podem contribuir de forma significativa. Admita

que haja história para ser conhecida e modificada, não é?

Page 74: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

74 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

3.4 EDUCAÇÃO NA ERA VARGAS

O ano de 1930 marca o início de uma fase bastante decisiva na história de

nossa República. Como não poderia deixar de ser, mudanças políticas e econômicas

vão determinar o começo de novos rumos para o Brasil.

A política protecionista das oligarquias do café favorecia apenas dois Estados:

São Paulo e Minas Gerais, que se revezavam no poder. Os demais Estados da Federação,

descontentes com essa situação, se organizaram sob a liderança do gaúcho Getúlio

Vargas, que comandou uma revolução vitoriosa, e derrubou os oligarcas do café. Estes

encontravam-se muito fragilizados pela queda da Bolsa de Nova York em 1929. Como

os Estados Unidos eram nossos principais compradores de café, muitas fazendas de

café, superlotadas de produtos e sem ter para quem vender, foram à falência. Se

considerarmos que o café era nosso produto hegemônico, quem na verdade estava

falido era o Brasil.

O governo de Vargas, no sentido de superar o sufoco econômico ocasionado

pelo café, impulsionou a indústria, subsidiou-a e consolidou como hegemônico o

modelo industrial capitalista. O período foi nossa primeira revolução industrial pela

produção interna de bens de consumo, antes importados da Inglaterra, que nos vendia

desde agulhas para costura até caixões de defunto.

Esta supervalorização do modelo industrial acentuou o fenômeno do urbanismo,

provocando intenso êxodo rural e a consequente demanda de educação escolar pela

sociedade.

Após a Revolução Constitucionalista de 1932, Getúlio promulgou a nova

Constituição em 1934, e por influência do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,

instituiu a escola pública com as características liberais de obrigatoriedade, gratuidade,

leiga, coeducável e como dever do Estado e da família.

Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde, sob o comando ministerial

de Francisco Campos, escolanovista que promoveu a reforma do ensino que levou seu

nome. O maior mérito foi a criação de nosso primeiro sistema nacional de educação. Tal

Page 75: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

7575UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

organização visava atender ao novo modelo econômico urbano-industrial, e como tal

apresentou os níveis de coerência que se exige em qualquer sistema: a interna e a externa.

A coerência interna é a organização específica e intrínseca do ensino, atende

à verticalidade do sistema. Foi legalizada pela reforma, que definiu os graus do

ensino em primário, secundário e superior, sob rigorosa seriação e terminalidade.

Reformulou o ensino superior, definindo com clareza as funções da universidade em

ensino, pesquisa e extensão; rompeu com a justaposição das faculdades, criando o

“campus” universitário, instituiu o regime universitário como gerador de estudos

desinteressados e em nível de autonomia administrativa.

Quanto à coerência externa, de caráter horizontal, a lei promovia a articulação

entre escola, sociedade e sistema econômico e integração com os sistemas estaduais

de ensino. Em relação ao ensino secundário, eliminou os cursos paralelos e exames

vestibulares parcelados, definiu uma seriação rigorosa, frequência obrigatória,

terminalidade e equiparação dos liceus provinciais ao Colégio Pedro II. Criou a

carreira do inspetor escolar, que deveria controlar rigidamente as escolas. Quanto ao

ensino técnico regularizou a profissão de contador e definiu as escolas normais como

formadoras de professores para o ensino primário.

Agora, fique pasmo, o ensino primário ficou abandonado e o mais grave, por

um ministro escolanovista. Nada de muito significativo ocorreu na realidade de fato.

Em 1937, Getúlio Vargas deu um golpe de Estado e implantou o Estado

Novo, que foi uma ditadura de caráter nazi-fascista totalitária. Todos os movimentos

ideológicos da sociedade entraram em hibernação. Era calar ou morrer nos porões da

ditadura.

DICA DE FILME

“Olga”

Esta obra é um relato sobre a luta ideológica de Luis Carlos Prestes, esposo

de Olga, contra o governo de Getúlio Vargas. Olga era descendente de

judeus, presa por Vargas foi deportada para a Alemanha Nazista, onde

foi torturada. Vale a pena conferir!

Page 76: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

76 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

“Aquarela do Brasil” e “Agosto” - Telenovelas da Globo

A “Aquarela do Brasil” ocorre durante o Estado Novo e narra a atuação

da Polícia Política, suas perseguições e torturas da ditadura Vargas.

“Agosto” aborda o final da Era Vargas e as tramas políticas que culminaram

com seu suicídio. Vale a pena conferir!

Com relação à legislação nesse período, o então ministro Gustavo Capanema,

organizou as Leis Orgânicas do Ensino. Era um conjunto de seis decretos-lei, que

ordenavam o ensino primário, secundário, técnico, normal e agrícola. Em regime de

ditadura, não foi produto de consenso. Manteve a dualidade do sistema de ensino,

preservando o ensino superior e médio para formar as “elites condutoras” e o ensino

primário e técnico para os menos favorecidos.

Em síntese, a julgar pelo texto da lei, o ensino secundário

deveria: a) proporcionar cultura geral e humanística; b) alimentar uma

ideologia política definida em termos de patriotismo e nacionalismo

de caráter fascista; c) proporcionar condições para o ingresso no

curso superior; d) possibilitar a formação de lideranças. Na verdade,

com exceção do item b, constituído de um objetivo novo, é bem

característico do momento histórico em que vivíamos, a lei nada

mais fazia do que acentuar a velha tradição do ensino secundário

acadêmico, propedêutico e aristocrático. (ROMANELLI, 1980, p.157).

Com relação ao ensino técnico ouve relativo avanço na formação de mão de

obra qualificada para a indústria e para o comércio. Foi criado o SENAI para formar

técnicos na área industrial e o SENAC para atender às exigências do comércio sempre

em ascensão. Criou-se também um curso de zootecnia para atender ao ensino agrícola.

Eram cursos só procurados pelo povo que tinha necessidade urgente de entrar

para o mercado se trabalho. Não classificavam socialmente, não eram propedêuticos

e diplomavam em nível médio.

Page 77: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

7777UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Só foi oficializada em dois de janeiro de 1946, após o término do Estado Novo

e vigorou até 1961, com a aprovação de nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da

Educação.

3.5 A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA – 4024/61

Com a queda de Getúlio Vargas nosso país retornou ao Estado de Direito e foi

apresentado ao Congresso Nacional o projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional- LDB 4.024/61.

Permaneceu em debates por longos treze anos, e adivinhem quem foram os

debatedores? Não adivinhou? Foram os nossos incansáveis pioneiros da Educação

Nova e a santa madre igreja católica. O conteúdo da discussão era sobre a destinação

das verbas públicas. Os conservadores católicos entendiam que as famílias menos

favorecidas tinham o direito à liberdade de escolha sobre o tipo de ensino que

desejassem dar aos filhos, se religioso ou profano. Em nome desse direito entendiam

que verbas públicas deveriam subsidiar a escola particular que recebesse esse tipo de

aluno.

Após treze anos de um debate que atingiu a sociedade como um todo, a lei

foi aprovada através do Substitutivo Lacerda, que consubstanciou o pacato das elites.

As verbas governamentais atenderiam, preferencialmente, a escola pública, mas

subsidiariam também as escolas particulares.

Veja o texto da Lei:

A União dispensará sua cooperação financeira a estabelecimentos

mantidos pelo Estado, Município ou particular, para compra,

construção, reforma de prédios escolares e respectivas instalações e

equipamentos, de acordo com as leis em vigor. (BRASIL. LDB 4924/61,

apud ARANHA, 2000, p.311)

Page 78: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

78 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Você percebeu o que aconteceu? Já imaginou prédios, reformas ou equipamentos

que foram construídos com essa ajudinha. A partir daí, o crescimento de escolas

particulares foi notável, mas se alguém desejar uma bolsa de estudo, naquele tempo

e agora, só por acaso ou apadrinhamento vai conseguir. E, o mais grave foi que essa

condição permaneceu até a Constituição de 1988, que finalmente destinou verbas

governamentais só para a escola pública.

3.6 A TENDÊNCIA TECNICISTA

Vamos iniciar esta apresentação com uma panorâmica abordagem dos anos JK,

governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira, precursor das mudanças capitalistas no

nosso modelo econômico.

A campanha eleitoral de JK foi marcada por um mote que era “50 anos em

5”. Significava que JK pretendia levar o Brasil a ter um desenvolvimento econômico

grandioso em cinco anos de governo. Desejava construir Brasília e internacionalizar

o parque industrial pela vinda das empresas multinacionais. Sendo assim, promoveu

nossa segunda Revolução Industrial, com as empresas de bens duráveis como a

automobilística e de eletrodomésticos.

Concedeu para isso, aproveitando-se de uma portaria da Superintendência da

Moeda e do Crédito, benefícios irrecusáveis para a instalação e lucratividade dessas

empresas, que encontraram aqui um lindo “berço esplêndido” e foram os coadjuvantes

da instalação da ditadura militar de 1964.

Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, o Brasil passou a reivindicar

reformas de base, como distribuição de renda, educação e saúde. As greves se

tornaram frequentes e persistentes. Se ganhassem força política, significavam uma

ameaça aos benefícios do capital estrangeiro aqui instalado nas bases de uma

altíssima concentração de renda e mão de obra abundante e excedente. A posse de

João Goulart, vice de Jânio Quadros, foi impedida pelo Congresso e em 31/03/1964

instalaram a ditadura militar, rompendo com a eleição direta e democrática do voto.

Page 79: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

7979UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Para que se internalize o conceito de tecnicismo educacional, é de fundamental

importância que não se confunda educação técnica com tecnicismo. A primeira é

a formação necessária para se atuar profissionalmente num mercado definido pela

sofisticação da tecnologia de ponta, que exige esmero técnico. Tecnicismo foi uma

tendência educacional que pretendia formar o cidadão para a tecnologia, mas de

forma acéfala. Produzir, dar muito lucro e não pensar. Muitos que ousaram pensar

caíram nos porões da ditadura, onde os torturadores ou a morte os esperavam.

Mataram e torturaram bastante, mas como não se pode fazer isso indefinidamente e

dobrar toda a sociedade por esse método, voltaram-se para a educação escolar, pois

é aí que se formam as cabeças do país e que agora precisavam ser dóceis ao sistema.

Acho que em nenhum momento de nossa história o sentido político de cada

aula que damos ficou tão em evidência. Nós, educadores daquela época e de agora,

nos deixamos tecnizar de tal maneira que parecemos impotentes diante das mudanças

que podemos realizar, dando, simplesmente, a maior qualidade possível às nossas

aulas de cada dia.

O espaço deste trabalho não me permite detalhar e criticar as reformas do

ensino, promovidas com a única finalidade de ajustar a educação escolar ao sistema

econômico multinacional.

No que se refere à educação convém relembrar que uma das benesses

concedidas por JK ao capital estrangeiro foi o fornecimento de mão de obra barata,

abundante e excedente, que seria obtida, preferencialmente, na escola pública.

Mecanismos ideológicos sutis e difíceis de serem percebidos pelo observador comum

desencadearam o êxodo da classe média para a escola particular e as públicas como

prerrogativa do povo, que afinal tinha o direito de estudar e o governo o dever

constitucional de prover esse estudo.

O sistema escolar destinou-se a formar o cidadão necessário a cada dimensão

das estruturas hierarquizadas das grandes empresas. Se nos demorarmos um pouco

para entender essa estrutura, perceberemos melhor a engrenagem ideológica entre

escola e sistema.

Page 80: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

80 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Observe o esquema abaixo:

Fonte: Elaborado pela autora.

Percebeu? Não? Preste atenção porque estamos todos nessa “fita”. A dualidade

do sistema de ensino está firme e forte nesta demonstração. Para as elites, escolas

de altíssimo padrão, no país ou no estrangeiro, para as classes médias, as escolas

particulares de suas cidades e para os menos favorecidos, escolas públicas. A ideologia

aí veiculada é que, mesmo passando por um sistema de ensino completo, os ricos

serão sempre ricos, os médios sempre médios e os pobres sempre pobres. Isso aí é

tecnicismo, é formar capital humano acéfalo, acrítico, mas que dá muito lucro.

Quantos questionamentos você está fazendo às políticas públicas? Espero que

muitos!

A tendência tecnicista em educação resulta da tentativa de aplicar

na escola o modelo empresarial, que se baseia na “racionalização”

própria do sistema de produção capitalista. Um dos objetivos dos

teóricos desta linha é, portanto, adequar a educação às exigências da

sociedade industrial e tecnológica evidentemente com economia de

tempo, esforços e custos. Em outras palavras, para inserir o Brasil no

sistema do capitalismo internacional, seria preciso tratar a educação

como capital humano. (ARANHA, 2006, p.213)

Page 81: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

8181UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

PARA REFLETIR

1 - Será que você consegue imaginar ser tratado como “capital humano”?

Acho que você está se sentindo muito mal por ser considerado apenas

um produtor de lucros sem o direito de pensar ou de exercer sua

cidadania plena, já que não foi formado para ela. Dessa forma, os alunos

que passaram por tal engessamento não se situam na história e só por

acaso poderão pensar um futuro que realmente respeite a educação,

reconhecendo, em cada criança e em cada jovem, sujeitos de direito

desde que nascem.

2 - O que seria para você um aluno como sujeito de direito?

Certamente você deve ter respondido que reconhecer cada aluno como

sujeito de direito implica, necessariamente, prepará-lo desde cedo para

o exercício da cidadania. È desde a infância que aprendemos a conhecer

nossos direitos constitucionais e nossos deveres para com sua prática.

Meros “capitais humanos” não conseguem reconhecer essa característica

da própria cidadania.

3 - Qual seria o local que formaria o “capital humano”?

Evidentemente, isso só poderia se concretizar lá naquelas aulas

aparentemente neutras e inocentes. Tome tento e lembre-se da promessa

de JK, de mão de obra barata, abundante e excedente. De onde é que

saíram? Como isso se concretizou? Simples, pela adoção da teoria

comportamentalista como pressuposto teórico de aprendizagem. Toda

aula deveria ser fragmentada em objetivos específicos divididos em passos

a serem percorridos pelos alunos. Nem mais e nem menos do que se

definia como a quantidade de conteúdo necessária para que produzissem

lucros nas linhas de produção das grandes empresas

Foram assinados acordos entre o governo brasileiro e a agência AID, norte-

americana, conhecidos como Acordos MEC/USAID, que previa assistência técnica e

cooperação financeira para elaborar e implantar as reformas educacionais no Brasil.

Nossos educadores foram afastados dos debates, tendo sido considerados incapazes

de promover reformas educacionais. Autoritária, vertical, domesticadora, as reformas

visavam ajustar a educação escolar ao modelo econômico desnacionalizante, imposto

pela política norte-americana para a América Latina, especialmente para o Brasil, cujos

investimentos eram vultuosos.

Page 82: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

82 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

[...] ao mesmo tempo em que centenas de intelectuais, professores,

cientistas, técnicos e artistas brasileiros deixavam o país por causa

da perseguição política, da falta de condições de trabalho ou de

ambas as coisas, milhares de consultores norte-americanos aqui

desembarcavam como agentes de desenvolvimento e da modernização

[...]. A universidade brasileira também sofreu os efeitos da atuação

desses consultores, indiretamente pelo seu emprego no Ministério

da Educação; e diretamente, pelos cursos, seminários e treinamento

voltados para seu corpo docente, administrativo, quando não pelo seu

ansiado emprego como professores (CUNHA, 1998, p.28).

Caro aluno, eu estava lá e participei de todos estes cursos que nos retirava o

direito de refletir e decidir o que seria melhor para nossos alunos, mesmo porque,

só nós professores é que temos condições para realmente conhecê-los. Lembrando

Rousseau, queremos antes de tudo formá-los homens e estes não são, certamente,

meros “capitais humanos”.

A reforma do ensino de 1º e 2º grau foi instituída pela Lei 5692/71. Continha

como objetivos gerais um tríplice aspecto: desenvolver potencialidades, qualificar para

o trabalho e desenvolver uma cidadania consciente. Este último aspecto me indigna

de modo especial, e me pergunto, como seria possível desenvolver uma cidadania

consciente em um contexto de ditadura? Será uma nova moda de “conscientizar”

que eu desconheço?

Para atender o desenvolvimento de potencialidades e a qualificação para o

trabalho, foi instituído o ensino de oito anos para o 1º grau pela aglutinação do antigo

ginásio e primário, eliminando-se assim, o exame de admissão. Aglutinados também

foram o secundário e o técnico, garantindo continuidade de um grau para outro, além

da exigência legal de terminalidade entre um nível e outro, o que nem sempre ocorreu

no Brasil.

Merece menção especial a instituição do novo currículo, que esfacelou com

a Língua Portuguesa, a História, a Geografia, Ciências e Matemática. O currículo foi

composto de um núcleo comum para atender às exigências de uma formação geral

básica, e uma parte diversificada para atender às diversidades regionais. O núcleo

comum era composto de Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Ciências Físicas

Page 83: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

8383UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

e Biológicas. Assim, enfatizar aulas de Língua Portuguesa ficava na dependência de

outros enfoques, como música, dança, artes em geral. Estudos sociais ficaram ao sabor

de se dar maior ênfase à História ou à Geografia, conforme a preferência professoral.

O mesmo aconteceu com as ciências e mecanização da matemática.

Os danos pedagógicos foram consideráveis em relação aos conteúdos do

ensino. As aulas de Língua Portuguesa se reduziram praticamente a aulas de gramática

pela gramática, sem função no discurso oral ou escrito. Redações e leituras, cada vez

mais raras, se reduziram ao indicado nos milhões de livros didáticos. A historia foi

reduzida a fatos, datas e heróis distanciados do povo como construtor da mesma,

meros objetos que nem conseguem se situar no passado, afim de poder identificar

seus erros e não repeti-los.

Os conteúdos de geografia se reportavam mais aos planetas ou estepes russas,

sem a preocupação com o espaço físico mal cuidado pelas políticas públicas. As

ciências foram estudadas como se fossem literatura, sem observação do entorno e

seus determinismos. O raciocínio matemático foi de tal forma mecanizado, que a

operacionalização de cálculo substituiu quase por completo esse ensino. Percebeu

as influências ideológicas que agem com força constante na formação de nossa

personalidade e na de nossos alunos? Se você está atento, já estará descobrindo o

que verdadeiramente significa formar aquela consciência crescente da qual lhe falei

no início deste trabalho.

Cartilhas manipuladas mecanicamente e operacionalizadas por soletrações

fragmentadas e desvinculadas da realidade dos alunos nos livros didáticos, planejamentos

prontos, com poderosa carga ideológica, foram produzidos nos Estados Unidos por

um dos acordos MEC/USAID, com direitos autorais para as editoras americanas. Foram

distribuídos milhares de livros pelo país inteiro, uniformes para todas as regiões e com

as lições na dosagem certa em quantidade e qualidade para formar, desde criança, o

“capital humano”.

A avaliação escolar enfatizou as provas objetivas tipo testes, bem mecanizados,

sem grandes exigências de raciocínio para respondê-los. Neutralizaram as provas de

resposta livre e de livre organização do pensamento. Nossos alunos não liam e nem

escreviam no cotidiano das escolas e nem nos processos avaliativos.

Page 84: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

84 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Convido você a fazer uma rápida introspecção sobre as dificuldades que tem

para interpretar textos ou organizar o próprio pensamento na escrita.

[...] Outro prejuízo inestimável foi a desativação da antiga Escola

Normal, destinada à formação de professores para o ensino fundamental.

Com a nova denominação “Habilitação para o Magistério”, e incluída

no rol das profissões esdrúxulas, perde sua identidade e os recursos

humanos e materiais necessários à especificidade de suas funções.

(ARANHA, 2006, p.215)

Esta professora que lhe escreve, felizmente, foi formada pela antiga Escola

Normal, e posso dizer que não conseguiram me engessar nessa formação reduzida em

objetivos, conteúdos e métodos. Minha consciência histórica não me tornou tecnicista

à moda do militarismo, fragmentada, e que não conseguiu formar, segundo Gonçalves

e Pimenta, nem o professor e nem o especialista.

Agora vamos dar uma voltinha pela reforma do secundário. Esta visava à

qualificação para o trabalho e se pretendia que fosse profissionalizante. Foram criadas

mais de cem habilitações, porém o Estado não reservou verbas para estruturar cursos,

como agrícolas, patologia, arquitetura, etc.. e nem forçou as escolas particulares a se

estruturarem. Acabaram por fornecer um arremedo de profissionalização e continuaram

a ter demanda social para os cursos que poderiam classificar socialmente a classe

média, que ainda sonhava com o filho doutor. Na realidade, esse grau do ensino foi

relegado às traças e agora parece ter seu caráter propedêutico mais comprometido

com o ensino técnico, que ganha espaço e demanda nas escolas de tempo integral,

nas Etecs e Fatecs sobre os quais falaremos na próxima unidade.

A reforma universitária foi promulgada pela lei 5.540/68 com objetivo

estritamente ideológico de conter a formação de grupos, tanto de alunos como de

professores, no interior da universidade. Convém citar que em 1968 os estudantes

se revoltaram contra o regime pela ausência de vagas nas universidades públicas,

ficando assim vedado às classes médias o acesso aos cargos médios nas estruturas

hierarquizadas das grandes empresas, que exigiam o diploma universitário para serem

ocupados.

Page 85: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

8585UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Por conta disso, os estudantes decidiram enfrentar o regime, em movimentos

que tiveram repercussões nacionais importantíssimas após a morte de um jovem no

restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Tornava-se urgente a reforma universitária.

Esta foi elaborada e aprovada em trinta dias e com uma oposição de fachada e

consentida pelo governo central.

Onde foi parar a vez e a voz dos estudantes no interior da universidade? E

os Diretórios Acadêmicos? Extintos, foram substituídos por Estudos dos Problemas

Brasileiros e os que ousassem se manifestar eram enquadrados pelo decreto 477/68 e

impedidos de se matricular por oito anos em qualquer curso superior. A União Nacional

dos Estudantes, a UNE, foi colocada na clandestinidade e vem lentamente ressurgindo

das cinzas. È preciso e urgente apoiá-los. Há muito mais para ser dito. Desperte sua

curiosidade para compreender melhor este nosso presente no qual, nossos educadores,

não conseguem sequer pensar suas aulas e nem perceber o enorme viés ideológico,

que sob as aparências de discursos que não batem com a realidade, atuam com força

constante no interior de nossas escolas.

A reforma neutralizou as funções do ensino superior no sentido de minimizá-las

e garantir mercado à tecnologia americana.

Desafio para você

1 - Você, por acaso, já comprou um computador, um celular brasileiro ou outro

produto com tecnologia de ponta aqui fabricado? Não!? Por que será?

Lembra-se de que na Reforma Francisco Campos, de1931, foram instituídas

como função da universidade o ensino, a pesquisa e a extensão?

No militarismo o ensino se tornou rarefeito em semestralidades e cargas

horárias reduzidas; a pesquisa, sem recursos, capengou nas universidades públicas,

não se concretizou nas particulares e também não produzimos nossos computadores

que estavam sendo preparados nas universidades do norte, garantindo mercado

consumidor entre nós. Resta a extensão, que foi reduzida a mero assistencialismo,

sem projetos que realmente atendam aos problemas sociais.

Page 86: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

86 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Tal situação perdurou de 64 ao início dos anos 80, quando a política brasileira

iniciou um processo de abertura lenta e gradual até culminar com a eleição direta de

Fernando Collor de Melo para presidente.

Já lhe disse que há muito mais detalhes para serem analisados. Espero que você

esteja pelo menos curioso e busque esta análise. Por ora, encerramos esta parte por

aqui a fim de irmos para a contemporaneidade.

3.7 CONSIDERAÇÕES DA UNIDADE III

Ao longo de nossa história educacional, do jesuitismo e até este presente

momento, a educação brasileira ainda se apresenta formal e seletiva. O dualismo do

sistema se mantém presente e seleciona com força constante os destinatários dos

melhores cargos no mercado tecnológico em ascensão.

O ensino técnico, historicamente destinado à população de baixa renda, agora

ganha expressão e classifica socialmente os bem sucedidos, que nos tempos modernos

ainda têm base no status de origem e nível socioeconômico das famílias que lhes

oportuniza mais qualidade de ensino, desde a pré-escola até ao ensino superior.

Os que frequentam a escola pública perdem competitividade pela falta de

qualidade neste grau de ensino e pela negação de seus potenciais, pois ser pobre no

Brasil ainda é sinônimo de pouca inteligência.

O futuro parece acenar com melhores ares, mas fique certo de que a escola

que realmente precisa mudar é a pública das periferias, onde se concentram alunos

que vivem quase em pobreza absoluta. Nossos políticos têm que responder por isso se

usarmos conscientemente nosso voto.

Vamos agora caminhar para nossa quarta unidade, na qual pretendemos

delinear o contexto pós-moderno.

Page 87: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

8787UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

TESTE SEU CONHECIMENTO

Page 88: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

88 UNIDADE III - EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DA COLÔNIA À REPÚBLICA ATUAL

Page 89: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

8989UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

U N I D A D E I V

4EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

OBJETIVOS DA UNIDADE

• Identificar no contexto globalizado, tecnológico e neoliberal a

urgência em se definir um novo perfil de cidadão;

• Desenvolver o senso crítico com relação aos mecanismos ideológicos

e conservadores do presente momento histórico;

• Propor projetos para a formação das comunidades de aprendizagem

como forma de se colocar como sujeito da própria história.

HABILIDADES E COMPETÊNCIAS

• Conscientização sobre este presente momento em suas conexões

com a educação escolar;

• Conhecimento sobre o perfil do homem generalista como ideal para

os tempos contemporâneos;

• Identificação das comunidades de aprendizagem como meio ideal de

democratização da escola e diminuição da interferência ideológica

na educação.

Page 90: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

90 UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

4.1 O CONTEXTO PÓS-MODERNO NEOLIBERAL

Nesta análise vou convidar você que me lê, a fazer uma viagem de inserção em

seu momento histórico. Este momento é de uma história que não faz, exatamente,

parte de nosso passado, pois estamos mergulhados até o pescoço neste presente, que

é o nosso.

Sugiro que você retorne à nossa primeira unidade, quando recebeu um convite

para conhecer sua identidade no passado histórico e definir-se como sujeito deste

futuro, que pretendemos, seja aquele que nos conduza da educação que temos para

a que precisamos e desejamos. È o momento no qual os educadores devem definir

claramente sua ideologia, sair literalmente da caverna material de Platão, inserir-se

com coragem e profundidade em toda teoria educacional, para obter o fundamento

teórico real para uma prática transformadora. Hoje, a nossa prática educacional ou

é transformadora de estruturas sociais extremamente injustas ou é conservadora das

injustiças que nos estão conduzindo a conflitos sociais inimagináveis.

Você, certamente, já ouviu falar muito em globalização, mas bem pouco sobre

os desafios que ela exige para continuarmos a ser gente com alguma dignidade.

Vamos mergulhar no conceito de globalização, mas não como algo teórico que está

fora de mim ou de você, mas no qual estamos inseridos profundamente, dia a dia.

Globalização da economia consiste na transformação das economias locais

numa economia mundial. Em termos coloquiais, o que eu e você estamos produzindo

hoje nos limites de nossas cidades ou país, deve contribuir de alguma maneira com

o livre comércio. É uma economia de mercado, numa aldeia global, organizada em

blocos econômicos. São contatos comerciais, culturais, financeiros e tecnológicos

em nível mundial. Significa que direta ou indiretamente, nos tornamos cidadãos do

mundo.

Há fatores impulsionadores e facilitadores deste novo processo no modo de

garantirmos nossa sobrevivência. Você, por exemplo, desde que acordou até agora já

acionou quantos objetos de automação para obter informações? Quantos botões foram

tocados desde a manhã de hoje até ao anoitecer, para que você obtivesse as informações

Page 91: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

9191UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

que desejou num curtíssimo tempo? Você e eu e as demais pessoas deste mundo, que

nos parece obra de magia, estamos mergulhados numa cultura de informação que

apresenta grandes vantagens e também grandes prejuízos. Falaremos desses prejuízos

mais adiante. Por ora, nos interessa esse mergulho em nosso próprio mundo.

A cultura da informação tem como finalidade última, gerar consumo material

garantidor de economias mundiais, e por isso nos mergulha num mundo de imagens

que acabam por se constituir em meios para o consumo de ideias e geração de

necessidades nem sempre reais.

PARA REFLETIR

Atente para esta narrativa de Gentili (2005, p.229), para que compreenda

melhor o escrito acima.

Preocupada, Nora chegou um dia na sala de aula (Nora trabalha

como professora em uma escola pública) e pergunta a seus alunos de

terceira série: ‘O que é que não se pode comprar com dinheiro?’Os

quase quarenta meninos e meninas, a olharam surpresos, talvez

suspeitando que se tratava de outra loucura típica de sua professora

politicamente inquieta. Nora, insistente, voltou a perguntar: ‘O que

é que não se pode comprar com dinheiro?’. Após intermináveis

segundos de silêncio, uma das crianças ensaiou uma resposta: ‘Um

transatlântico’ Confiante outro arriscou: ‘jogar futebol com Maradona’.

Outro disse: ’uma casa com quadra de futebol e tênis’. Outra: ‘toda

a coleção da Barbie’. ‘Passar um dia com a Xuxa’, sonhou outra... As

respostas começaram a se espalhar pela sala de aula. Nora tentava em

vão organizá-las. De repente, todos queriam contar aquilo com que

sonhavam, e provavelmente jamais poderiam ter.

A narrativa nos remete para um quadro de mercantilização de todas as coisas.

Desde a infância, a cultura da informação privilegia o consumo necessário para a

globalização nos colocando, diariamente, diante de um show de imagens que criam

em nós necessidades de consumo nem sempre reais. Aqui, a guiza de reflexão,

empresto o pensamento de Marcuse, quando indaga se necessitamos mesmo de tudo

aquilo que compramos.

Page 92: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

92 UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

A questão é que a tecnologia avançada está aí e não podemos mudar seus

avanços. O que realmente podemos é definir claramente suas vantagens e desvantagens

para educar as novas gerações no sentido da crítica e definição de critérios de ação,

para nos beneficiarmos realmente com estas conquistas.

É importante que nos conscientizemos de que estamos mergulhados na

globalização e que temos de aprender e a ensinar os melhores meios de convivência,

conhecendo as novas formas de nossas interações sociais. Convém para melhor

entender qual será a função da educação escolar em contexto de globalização, que a

meta capitalista seja sempre o lucro a qualquer custo, acima mesmo de qualquer pessoa.

Se esta se tornar improdutiva por alguma razão estará exposta a mecanismos sutis de

exclusão social, apesar das aparências de uma democracia efetiva, estabelecedora da

igualdade de direitos.

CONHEÇA MAIS

No dizer de Habermas a cosequência é que o ser humano se

vê afastado do seu centro, isto é, da sua visão autônoma (crítica e

reflexiva), e incapaz de gerir seu próprio destino. Dá-se também

o enfraquecimento dos laços de uma desejável intersubjetividade,

marcada pela solidariedade e cooperação, já que nessa ordem

empobrecida da universalização da razão instrumental predominam o

egoísmo, a competição e a exploração. (ARANHA, 2006, p.360)

A posição de Habermas nos coloca como educadores no impasse de decidir se

desejamos uma educação transformadora ou transmissora. É crucial decidir isso para

que você aprenda a não cair nas armações da ideologia neoliberal.

Page 93: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

9393UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

4.2 O PERFIL NECESSÁRIO AO MUNDO GLOBALIZADO

Se você está lembrado, quando tratamos da tendência tecnicista na educação

brasileira, esta tinha como meta formar em nossas escolas o “capital humano”,

necessário para produzir lucros nas linhas de produção das grandes empresas

multinacionais aqui instaladas. Sem formação crítica sobre sua real condição de

dominados e explorados pelo capital tiveram suas personalidades mecanizadas.

Para essa condição de alienação, os conteúdos veiculados nas escolas públicas

eram dosados nas quantidades necessárias para fazer funcionar as linhas de produção

compostas por homens. Eram quantidades de conteúdos embutidas nos livros didáticos

produzidos pela AID, via Acordos MEC/USAID. Tinham a dosagem necessária de

conhecimentos contidos nos objetivos específicos de cada unidade, de modo a garantir

a produtividade, mas sem uma base acadêmica para evitar explorações. Obviamente

não concordamos com isso, mas era a ideologia do paradigma da modernidade.

Agora estamos no mundo globalizado, que exige mudanças de paradigmas e também

a redefinição de um novo perfil de cidadão a ser buscado pela escola.

O pós-moderno se caracteriza como a era da informação universalizada para

todos que conseguem ter acesso aos meios de comunicação informatizados. È muita

informação disponível para todos que acessam os modernos meios disponíveis e os

que não têm esse acesso estão automaticamente excluídos.

Assim, não dá mais para concentrar o ensino e a aprendizagem em livros

didáticos únicos, em aulas fragmentadas ou apostilas, na quantidade necessária para

o exercício profissional no mundo globalizado. Assim também como a velha escola

transmissora de conhecimentos, centrada em um professor que definia sozinho o que

seus alunos deveriam aprender, está superada no novo modelo. Quem permanecer na

velha forma estará, sem dúvida, excluído.

Se o velho modelo deve ser superado na sociedade da informação é de

fundamental importância que se defina um novo perfil de cidadão que a educação

escolar deve buscar. A proposta atual dos explicadores da educação está em se definir

como necessário um cidadão generalista que use o universo informativo a seu favor.

Page 94: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

94 UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

O que entendemos por um perfil generalista?

Vamos tentar um conceito para o cidadão generalista como aquele que, desde

a infância, aprende a aprender; que é conduzido a resolver problemas criados nas

práticas educativas ao longo de sua formação escolar, desde a pré-escola até o superior

e seus decorrentes aperfeiçoamentos. Não se trata de alguém que sabe muito ou que

nada sabe, mas o que soluciona os impasses de toda ordem na vida e no exercício

profissional.

Essa conceituação nos remete, necessariamente, à revisão de objetivos,

conteúdos e métodos de ensino, para pormos em prática atitudes educacionais

contra ideológicas. Essa criança, ao chegar ao nível superior, certamente promoveria

uma revolução copérnica nesse grau de ensino e nas políticas públicas, por ter a

habilidade de buscar informações e meios para esses impasses. Porém, atente bem

para a ambivalência ideológica deste perfil. Tanto ele pode servir aos interesses do

capital como aos do cidadão livre e sujeito de sua história.

O que está aí na prática pedagógica é uma acentuada tendência para a

formação instrumental de nossas crianças e jovens em detrimento do que Boaventura

coloca, como a dimensão vital, compreendida como o desenvolvimento da afetividade,

solidariedade e cooperação. Paixões, sentimentos, emoções são transformados “em

inimigos do pensamento”. O fato mais objetivo e concreto do predomínio da lógica

instrumental na escola é a propaganda televisa sobre a emergência de se formar

técnicos. ETECs, FATECs, PRONATECs estão diariamente no show da mídia. Sejam bem-

vindos, mas com uma base acadêmica bem sólida, que lhes garanta sua humanidade

e afaste a possibilidade de serem meros apertadores de botões para não sei quem.

Educadores e pais devem concordar com isso, sem se descuidar de formar, sobretudo,

um homem capaz de evitar a robotização da mente humana. Para escolher bem

vamos nos lembrar de Rousseau, quando há séculos, diante dos avanços capitalistas,

nos orientou para formarmos homens antes de qualquer profissão técnica. Antes de

formar um técnico é fundamental sedimentar um homem lá na educação básica, sem

a qual só restarão as mentes tecnizadas. Fique atento!

Page 95: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

9595UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

PARA REFLETIR

1- Considere o nosso contexto globalizado para responder o que o

preocuparia mais na educação de um filho: a boa faculdade que ele

deverá fazer no futuro para ter uma ótima profissão, um curso técnico

garantidor de emprego no mercado ou a educação fundamental que ele

deve ter?

Se respondeu que a preocupação maior está na educação fundamental,

acertou em cheio. É exatamente aí que se fundamenta a possibilidade

de bons estudos superiores, de uma formação humana que precede a

técnica pelos valores que veicula na formação da personalidade e que

preservam nossa humanidade. Nunca se esqueça de que a mente de uma

criança é extremamente plástica e preserva na memória profunda o que

aprendeu. Tudo que você desejar num homem coloque numa criança.

Atente bem para o fato de que será professor ou professora dela. Se está

curioso sobre o que realmente pode fazer, nunca deixe um aluno sair da

educação fundamental semianalfabeto.

2- Mais um desafio: Você se sente impotente como transformador diante

da realidade ideológica?

Posso supor que sua resposta será sim, mais ou menos e não. No primeiro

caso você já está, inconscientemente, condicionado pela ideologia

neoliberal. Cuidado e lembre-se sempre de que somos seres humanos

antes de tudo e que, principalmente não somos robôs que reagem a

toque de botões. Estamos dentro da dinâmica histórica e não fora dela.

Se respondeu mais ou menos pode estar em estado de alerta, que pode

pender ou para a subordinação, ou para a emancipação. Se respondeu

não é porque já se sente sujeito participativo de uma nova história. É

fundamental decidir-se.

No sentido de auxiliar suas decisões vamos agora conduzir nossas reflexões para

uma rápida análise do que é uma ideologia neoliberal e seus reflexos na educação

escolar.

Page 96: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

96 UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

4.3 IDEOLOGIA NEOLIBERAL E EDUCAÇÃO

Vamos iniciar tentando dizer o que é ideologia.

A ideologia não significa mais do que sua etimologia deveria

significar, isto é, estudo das ideias. Passou a significar coisa muito

diferente e a ter uma figura bem pejorativa. Acontece que alguns usam

a palavra “ideologia” para significar o conjunto de ideias e valores e

maneiras de pensar de pessoas ou grupos. (GUARRESCHI, 2005, p.14)

O que o autor quer dizer é que, etimologicamente, é o estudo das ideias, mas

que pode significar a veiculação de “ideias erradas, incompletas, distorcidas, falsas

sobre fatos e a realidade” (op. cit., p.14)

É isso aí, a ideologia tem duas caras: acenar com ideais como a definição das

filosofias da educação e a realidade de consecução dessas filosofias com discursos

demagógicos e falsos. Estes na realidade tendem a defender valores que negam,

de forma sutil e pouco perceptível pelo observador comum, que acabam por nos

mergulhar em falsas realidades.

Platão retorna aqui com toda a força de sua utopia. Nossa visão do real é

imperfeita, porque é projetada pelas sombras da caverna da lucratividade. Já dissemos

que a realidade econômica globalizada influencia a formação de nossas personalidades.

Vivemos numa época de apologia do ter em detrimento de ser humano. Ter o melhor

estilo de vida que o dinheiro pode comprar é o imperativo de aceitação social, fator

que hierarquiza a sociedade entre os bem e os malsucedidos. Isso desencadeia o

desejo intenso de ter mais para consumir mais, estabelecendo um círculo vicioso de

consumo. Todos os círculos viciosos são difíceis de serem rompidos.

Como isto vai se redefinir na educação escolar? Vamos retroceder um pouco ao

modelo da modernidade industrial, no qual a escola passou a ser tratada como o lugar

por excelência para formar o “capital humano”. Na visualização das três pirâmides

vimos um sistema escolar colocado como um funil, que não garantia transformações

sociais em termos de direitos e deveres educacionais.

Page 97: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

9797UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Nesse período, embora o Estado fosse o garantidor financeiro e pedagógico

das escolas, era também protecionista de um certo tipo de educação pública e de leis

que favoreceram o trabalhador das bases das empresas.Marque bem este fato: quem

estava na linha de produção eram homens que garantiam essa mesma produção,e que

precisavam saber ler e escrever para o desempenho nas empresas, ter boa alimentação

e saúde. O Estado do bem-estar social é aquele que sustenta a escola pública, a

previdência social, as metas sociais como transportes, saúde e educação, que regula os

vícios do mercado, que interfere na esfera econômica, e não interessa mais à ideologia

neoliberal, que robotizou as empresas. As máquinas substituem muitos homens e

dispensam o protecionismo das leis ou do Estado.

A ideologia neoliberal dá um novo caráter ao velho capitalismo, acusando a ação

protecionista do Estado como causadora de atrasos no desenvolvimento econômico

dos empreendimentos, tido como o único válido para o progresso da sociedade.

A teoria neoliberal remonta a 1869, com Leopold Von Waiese, da escola

austríaca e na Europa ocidental foi amplamente aplicada por Margareth Tatcher, a

partir dos anos de 1980. Ela privatizou empresas estatais, afrouxou a carga tributária

contra os ricos e sobre as empresas, estabilizou a moeda e anulou a ação sindical

nas mediações salariais. A partir daí serviu de modelo para as políticas europeias que

compõem o grupo econômico dos mais ricos do planeta, o G8, no qual se inclui os

Estados Unidos.

DICA DE FILME

Cidadão Keynne- Período do capitalismo liberal. Fase de implantação da

produção em série iniciada por Henry Ford e instituidora do estado do

Bem-Estar Social.

A Dama de Ferro- Atuação neoliberal de Tatcher na Inglaterra. Mostra-nos

a anulação sindical nas negociações salariais, a diminuição de impostos

para os mais ricos, a estabilização da moeda, entre outros detalhes

neoliberais. Vale a pena conferir!

Page 98: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

98 UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

O que estamos percebendo aí é que, embora se autodenominem pós- modernos,

na realidade continuam firmes na concentração de renda nas mãos de poucos, obtida

pela subordinação de muitos, agora em escala mundial em relação aos países que

não pertencem ao G8. Lucros a qualquer custo, até da pessoa humana, em qualquer

estágio de desenvolvimento. Crianças e jovens oriundos da miséria e pobreza absoluta

provavelmente não serão bons “capitais humanos” e não justificam investimentos,

idosos são improdutivos, logo descartáveis, portadores de necessidades especiais só

serão incluídos na base da caridade das empresas.

Centralizam as responsabilidades pelo atravancamento de suas empresas no

Estado do Bem-Estar, condenando o fato dos recursos públicos serem destinados

à saúde, educação, habitação, dos menos favorecidos. As leis trabalhistas que

favorecem os trabalhadores com o décimo terceiro salário, direito a férias, direitos

de recisão de contratos e demissões, licença saúde e maternidade, intervenção dos

sindicatos nas decisões salariais, passam a ser problema dos indivíduos. Hipocritamente

consideram que só os fortes sobrevivem e que a existência de ganhadores implica

necessariamente na existência de perdedores, que devem conformar-se e apelar para

a caridade. Portanto, impostos que oneram as empresas não devem ser utilizados e

nem aumentados para esse fim.

As questões sociais passam a ser de responsabilidade dos indivíduos, que devem

procurar esse atendimento na privatização, não só de empresas como de escolas, de

planos de saúde, na conquista habitacional e de transporte individual.

Não pense que ainda estamos longe disso e saiba que já se fala em projetos nas

câmaras brasileiras de se modificar as leis trabalhistas para favorecer o progresso das

empresas e que a famosa inclusão social dos portadores de deficiência, como é o caso

das APAEs, estão condenadas a viver à míngua por falta de recursos públicos cada

vez mais cerceados. Também não é por acaso que pessoas pobres estejam morrendo

nos chãos do SUS, e que os aposentados não recebam aumento nas aposentadorias

porque são improdutivos e devem ser descartados.

Caro leitor, abra bem os olhos sobre a atuação do político que elegeu. Ele é

vencedor por fazer o jogo do sistema. Não se descuidem, porque pelo poder investido

por nós mesmos, ele poderá acabar conosco e ainda ter a proteção policial que nós

Page 99: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

9999UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

pagamos. Tem mais, muito mais, a se dizer sobre isso, mas por ora vou desafiar você

mais um pouco.

PARA REFLETIR

1- No contexto exposto acima, dá para você inferir sobre os destinos da

escola pública?

Acertou se concluiu que essa ideologia nos faz dizer um adeus à escola

pública, pois esta deverá deixar de receber o protecionismo do Estado

porque os muito pobres são descartáveis como futuro “capital humano”.

Agora, o que prevalece é a formação técnica em níveis de excelência e

por isso necessita de base acadêmica que possibilite o domínio correto e

pleno da língua, dos cálculos e de uma segunda língua, preferencialmente

o inglês, por sua pretensa universalidade. Dá para você imaginar nosso

molequinho que vem sofrendo os malefícios da miséria desde que nasceu

tendo uma real oportunidade em tal ordem se ele já é um excluído desde

o nascimento?

2- Você consegue perceber outros mecanismos ideológicos que

contribuem para a manutenção conservadora da escola pública?

Aqui vale alertá-lo para a questão da valorização do magistério público

e, de forma especial, os professores da educação básica, que é só

demagogia. Por que será que este profissional é o mais mal remunerado e

mais desprestigiado? Atente também para a propaganda massiva sobre os

cursos técnicos em notável valorização instrumental em detrimento da vital.

Por que será? Observe mais que você vai ver quais as reais oportunidades

que tem um aluno pobre de vencer os vestibulares elitizados do novo

ensino técnico ou mesmo de classificar-se com vantagens no ENEM? E os

analfabetos funcionais, será que ninguém mais sabe alfabetizar ou foram

produzidos com o aval do sistema? Chega por ora, não dá para colocar,

tudo. Fique atento e descubra por si. Lembrete amigo: o neoliberalismo

está descartando os extremos considerados improdutivos e formando

marginais em larga escala.

Page 100: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

100 UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

4.4 PROPOSTAS EDUCACIONAIS ATUAIS PARA O CONTEXTO NEOLIBERAL

Os explicadores da educação na sociedade globalizada neoliberal entendem

que a educação ideal é aquela que se propõe a ser transformadora. Qualquer tentativa

de conservadorismo que mantenha relações laborais de exploração ou subordinação

como forma de garantir alta produtividade na sociedade da informação será,

certamente, alienada no que se refere à exclusão social.

As consequências de um processo de exclusão social contínuo estão eclodindo

pelo mundo a fora e as reações sociais daqueles que pareciam não ter consciência de

seu poder estão depondo governos em nações onde estes pareciam intocáveis, como

no caso mulçumano. E estes fatos ganham a aldeia global pela informação rápida e

imediata de tudo o que ocorre no planeta.

Depuseram ditadores que pareciam inabaláveis nos seus tronos. Os Estados

Unidos gastam fortunas com suas fronteiras para impedir que os excluídos pelos suas

políticas satelizadoras da América Latina, lá habitem. Para um observador atento, eles

continuam a penetrar o território apesar dos impedimentos americanos e já reivindicam

alguns direitos. O grupo do G8, organizador do bloco econômico europeu, cria todos

os obstáculos possíveis para que a África não vá morar lá.

A sociedade da informação é uma janela aberta para o mundo e mostra muito

bem as possibilidades e direitos de todos os excluídos e os dinamiza para uma ação

antes não imaginada pelos donos do capital. Até os brasileiros estão aprendendo a

reagir. A alienação dos produtores da exclusão que persistem nessa busca desumana

e desenfreada de lucros a qualquer custo está criando um nível de violência e

criminalidade sem precedentes, porque pobres também precisam sobreviver e estão

reagindo pelo seu lado mais primitivo de predadores. Têm cérebro, pensam, sentem,

agem e reagem com força igual ou contrária e com um agravante, pois, em maior

ou menor grau, habitam o mundo da informação e das imagens do consumo que

desejam e que não podem ter.

Page 101: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

101101UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Poderíamos prosseguir nessa linha de análise por um longo espaço redacional a

fim de convencê-lo, meu leitor, a engajar-se na ideia de uma educação transformadora.

Levantei apenas a premissa básica das consequências sociais se persistirmos na mesma

história econômica empresarial e seremos coniventes com os tiros que estão sendo

disparados neste momento pelos chamados marginais.

Vamos à proposta, que não é minha, mas que me agrada.

A coerência mínima da educação com a sociedade informacional é que a mesma

se caracterize pela transformação e pela inclusão.

O primeiro passo é descentralizar decisões, criando na escola as comunidades

de aprendizagem. Entenda-se que essas comunidades de aprendizagem não se

constituem de ideias de alguns teóricos ou políticas pedagógicas públicas, ou ainda,

de especialistas mais comprometidos com o sistema que com a escola.

De quem você está lembrando agora? Não seria dos anarquistas? Lembra? O

governo paga a conta e as comunidades decidem e gerenciam a pedagogia de sua

educação.

Sendo a integração a característica imperativa dessas comunidades nenhum

agente escolar esta excluído, desde os governos, secretarias, supervisores, famílias,

alunos e funcionários. Essa ideia vem sendo veiculada desde o fim da ditadura militar

no Brasil pelas teorias propostas nos cursos de pedagogia, como a elaboração do

projeto político pedagógico emancipador. Gestões centralizadas contrariam a natureza

desse projeto e o imperativo da democratização se impõe a elas desde o Ministério

da Educação até a escola. Ninguém deverá ser excluído, como ninguém deterá poder

de mando.

Essas propostas permaneceram apenas na teoria sem a sustentação de uma

prática. A guiza de ilustração, desde os anos 90 na Europa neoliberal, já proliferam as

comunidades de aprendizagem como forma de garantir o poder. Espertos eles, não acha?

O que realmente muda é que as decisões não devem ser mais prerrogativas

de grupos em posições hierarquizadas superiores. Se a questão está na escola, lá é o

Page 102: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

102 UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

palco das decisões. Serão, necessariamente, comunidades participativas, permanentes,

interdisciplinares e intersubjetivas.

CONHEÇA MAIS

As comunidades de aprendizagem não são as ideias de alguns

teóricos, muito pelo contrário, as comunidades de aprendizagem são

o resultado do esforço dialogante e igualitário de muitas pessoas:

professores e professoras, assessores e assessoras, autores e autoras,

familiares e voluntários. Não se justificam com o argumento de quem

deve levá-las à prática e que não as entendem bem e, por isso, fracassa

sua aplicação. (FLECHA e TORTAJADA, 2000, p.35)

Acredito que você já tenha uma boa noção do que seja uma comunidade de

aprendizagem, pela integração igualitária de todos. Neste momento devemos colocar

alguns pressupostos a serem considerados.

São comunidades participativas entre iguais e não se admite outra linguagem

que não seja dialógica, historicamente já praticada no Brasil por Paulo Freire. Não

basta conversar, mas é fundamental desenvolver-se a habilidade para dialogar, o que

também é uma questão de aprendizagem para todos os agentes educacionais.

A construção histórica de nossas estruturas administrativas nos coloca, desde

a colônia até agora, diante da rigidez hierárquica, em que alguns poucos mandam e

outros tantos obedecem. Por outro lado, os obedientes simples e naturalmente, só

esperam ordens para serem cumpridas e as executam como podem ou simplesmente

consentem na aparência, mas resistem na realidade de fato.

Não basta informar-se; é primordial desenvolver a habilidade de processar as

informações e utilizá-las, rompendo com a dicotomia secular de que teoria é uma

coisa e prática é outra.

Page 103: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

103103UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

PARA REFLETIR

1- Vamos imaginar que você, na condição de educador, pudesse retroceder

no tempo da Grécia Clássica e passeando pelas ruas encontrasse Sócrates.

Considerando o que está escrito acima, o que você acha que ele lhe diria?

Acertou se disse “Conhece-te a ti mesmo” como agente educacional,

reconheça “que o que sabes é que nada sabes” e vá dialogar para parir

ideias novas.

2- Prosseguindo no passeio e encontrando Aristóteles, o que você iria

ouvir?

Aprenda a dialogar, porque o equilíbrio de todas as coisas está nas

decisões mediadas e nunca no radicalismo das imposições arbitrárias.

Tenha a habilidade de ser uma causa eficiente em sua vida e na de seus

alunos. Nunca negue os potenciais de seus alunos. Desenvolva-os porque

ele sempre poderá aprender se você souber como fazer.

3- Agora é a vez de Platão. O que ele lhe diria?

Certamente que não há valores dignos que justifiquem materialidades

desumanas. Sai da caverna e descubra seu próprio poder de mudança.

Percorra novamente a história e achará uma lista muito grande de

possibilidades que não foram praticadas. Associe teoria e prática

analisando as possibilidades que oferecem. Direcione sua prática tendo

como norte valores reais a partir do bem, do belo e do justo.

4.5 O ALUNO NAS COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM

Você deve estar lembrado do que falamos sobre um cidadão generalista.

Relembrando um pouco esse perfil, como aquele cidadão capacitado para buscar e

elaborar informações diante de situações problemas, pergunto: Quando se inicia a

formação deste generalista? Se você pensou que se inicia pela formação básica, da pré-

escola até o término do ensino fundamental, possibilitando infindáveis continuidades,

acertou em cheio.

Page 104: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

104 UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Considere que aprender a utilizar os signos linguísticos para informar-se

é indissociável do desenvolvimento do processamento dessa informação. Daí a

importância da alfabetização para um acesso real ao conhecimento. Aí já podemos

inferir o papel social das aprendizagens significativas e dialógicas, na qual os educadores

descem de seus status superposto a de seus alunos e pareiam ou curvam-se para

eles. Sempre será possível um adulto curvar-se para uma criança do que esta tentar

alongar-se até ele, não é?

Considere aqui que os contextos acadêmicos da alfabetização vão bem além

da circunscrição da sala de aulas e abrange outros contextos da vida cotidiana.

Considerando isso, entenda que seus alunos vão pouco a pouco desenvolvendo

habilidades comunicativas dialogais. Dessa matriz podemos criar práticas didáticas

riquíssimas em processos interativos, na qual todos os diferentes potenciais têm

oportunidade de se desenvolver. Cobre isto de suas aulas de didáticas.

Com relação aos conteúdos do ensino a serem veiculados na educação básica,

o domínio da língua materna, tanto oral como escrita, deve ser a coluna dorsal de

todo o ensino fundamental. Se você deseja realmente saber o que pode fazer pelo seu

país, não permita, em hipótese alguma, que seus alunos deixem esse grau de ensino

semianalfabetos. Oralidade, leitura e escrita são valores transcendentes para todos os

tempos e qualquer sociedade e são imperativos na sociedade da informação. Alunos

vão dominando a linguagem, e também vão sendo iniciados no mundo da cultura

histórica, geográfica, científica, matemática, moral, artística, etc.

Não se alfabetiza sem fundamentos a não ser que nos portemos como tecnicistas

puros. Logo, as contribuições das ciências sociais e pedagógicas exercem um grande

papel. Volto a Aristóteles, nunca radicalizar optando por uma única teoria. As ciências

sociais podem ajudar se houver consenso lá nas comunidades de aprendizagem.

Radicalizações e imposições têm causado prejuízos difíceis de reverter na formação de

alunos, como foi o caso do comportamentalismo puro da ditadura militar, que ainda

persiste nas práticas pedagógicas.

Como contraponto a isso, podemos referir à imposição arbitrária das linhas

construtivistas. No caso de São Paulo, que conheço mais de perto, ocorreu um

reducionismo da alfabetização à Psicogênese da Língua Escrita proposta por Ferreiro.

Page 105: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

105105UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Na prática, atingido o nível alfabético, no qual o aluno é semianalfabeto, este persistiu

até o último ano do fundamental, criando-se o fenômeno do analfabeto funcional

que, quando consegue chegar ao oitavo ano, ainda não escreve, com correção, o

próprio nome. Como isso ocorreu através de discursos demagógicos o que aconteceu

foi a intervenção de um poderoso viés ideológico, concretizado por uma apologia

gritante sobre progressão continuada, que não teve respaldo nem recursos para que

realmente ocorresse em nível de escola. Atrevo-me a afirmar que o Estado gerou

tantos analfabetos funcionais quanto o sistema precisou para justificar o desemprego

dos não qualificados. É a velha fórmula de excluir, responsabilizando alunos, suas

famílias, seus professores e professoras.

Acho que você deve estar se questionando que, se a proposta não é nem

construtivista e nem tecnicista, qual seria? Um vazio teórico? Nem de longe. Decidir

por uma teoria fundamentadora de aprendizagem é lá nas comunidades e não

nos gabinetes superiores. Porém, o que minha prática, tanto na educação pública,

como no ensino universitário lhes indica, é que sejam holísticos. Todas as teorias

têm algo a oferecer se considerarmos que atuamos em diversidades de potenciais.

Considere isso a partir de algumas contribuições da escola tradicional, escolanovista,

sociointeracionista, gestaltista, comportamentalista e outras que possam surgir e que

devem marcar presença nos dias atuais. Estude bem todas elas para ter condições de

levar esse debate para as comunidades de aprendizagem. Esse deve ser o conteúdo da

Psicologia da Aprendizagem nos cursos de Pedagogia.

Saiba que países do G8, aqueles dos ricaços de todo o mundo e que decidem

poderosamente as nossas vidas têm uma educação fundamental de altíssima

qualidade. Cada vez que alguém me colocava essa questão eu ficava uma pimenta

de irritada por não se considerar reais as possibilidades entre culturas tão díspares.

Algumas reflexões me conduziram a repensar isso. A primeira são os defensores da

educação e desenvolvimento social em torno do papel decisivo que esta tem com

relação ao progresso econômico. Outra foi a leitura de Ibérnnon, de que necessitamos

conhecer essas propostas educacionais para verificarmos o que elas têm e nós não

temos,verificando aí qual a extensão da responsabilidade política de nossos governos.

E outra, também devo a Ibérnnon, que conduziu meu pensamento para uma reflexão

tão óbvia que quase não a percebi. Se estamos dentro da dinâmica histórica e temos

habilidade comunicativas somos capazes de ações. Simples, não é?

Page 106: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

106 UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Harbemas(1987), desenvolve uma teoria da competência

comunicativa na qual demonstra que todas as pessoas são capazes

de se comunicar e gerar ações. Todos nós possuímos habilidades

comunicativas entendidas como aquelas que permitem comunicarmos-

nos e atuarmos em nosso meio. (In Ibérnon, op cit, 2000, p.29)

Desenvolvidos ou não, ricos ou pobres todos estão dentro da dinâmica histórica

e não fora dela por possuirem habilidades comunicativas. A questão é redirecionar o

foco.

A Finlândia e a Suécia são dois países desenvolvidos do grupo europeu que tem

o mais alto padrão de vida social. Como cuidam da educação básica para preservar

essa qualidade de vida? Possuem uma concepção claríssima sobre a infância como

portadora de potenciais plenos a serem desenvolvidos para atingir a vida adulta,

necessária à manutenção daquele estilo de vida. Apostam na infância e consideram a

educação infantil como fundamental.

A educação básica é pública, obrigatória e gratuita. O salário de um professor está

em torno de sete mil dólares; com orientação profissional contínua, não há avaliações

excludentes ou classificatórias; enfatizam a arte e a criatividade a fim de desenvolver

o raciocínio lógico, pela ênfase dada á criatividade. Com relação aos procedimentos

didáticos têm “software” educativos e multimídias para todos os alunos e professores

executarem seus projetos pedagógicos, além de bibliotecas atualizadas e com grande

acervo de livros, revistas, DVDs.

É um sonho que parece impossível, mas não é. Temos que aprender a

reivindicar, pois afinal pagamos impostos altíssimos para isso, temos comunidades

com habilidades comunicativas e participativas, somos capazes de agir. Vivemos um

momento da história de nossa pedagogia no qual as concepções sobre a infância e

de seus potenciais já atingiu um patamar mais elevado. Temos consciência sobre seus

estágios e como devem ser atendidos pela escola. Há espaços para novas ações, ainda

que tardias. Se você concordar comigo já somos dois, e mais outro, e mais outro.

Pense nisso.

Page 107: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

107107UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

4.6 CONSIDERAÇÕES DA UNIDADE IV

Esta unidade não se encerra aqui. Há muito o que escrever sobre este momento

de nossa história no qual estamos inseridos. A realidade histórica da educação brasileira

é que vivemos numa intensa época de transformações científicas e tecnológicas e a

grande maioria dos brasileiros não tem consciência desta realidade e muito menos dos

desafios que ela representa.

Autoconscientizar-se é primordial para os educadores em exercício e para

os que se pretendem pedagogos, caso desejem elaborar práticas pedagógicas

transformadoras. Se o embasamento não for histórico, as didáticas tendem a ser

conservadoras, restringindo cada vez mais a questão das oportunidades educacionais.

Os grandes bolsões de miséria e pobreza, tidos como descartáveis por ideias neoliberais

conservadoras de concentração de renda nas mãos de poucos, já gerou uma subclasse

social de marginais, quase impossível de conter.

Cada brasileiro tem o dever de analisar qual o seu papel nesta situação, mas

nós, os professores, temos a obrigação de definir mais claramente qual o papel político

que concretizamos em cada aula que damos. É aí mesmo, nessa escolinha pequena,

nessas salinhas de nossas escolas de cada dia, que temos uma oportunidade imensa

de transformar. Como? Comece por não permitir que nenhum aluno da educação

básica chegue até o final do Ensino Fundamental semianalfabeto. Alfabetizá-los e

torná-los escritores e leitores após nove anos de escola é seu grande dever e você

nem pode imaginar o leque de oportunidades que se abrirá para ele. Por isso, nunca

abandone um aluno no canto da sala durante a educação básica.

Agora, para encerrar, um pouco de Geraldo Vandré:

“Vem, vamos embora que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora e não espera acontecer.”

Entendeu? Vamos fazer a hora?

Page 108: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

108 UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

TESTE SEU CONHECIMENTO

Page 109: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

109109UNIDADE IV - EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Page 110: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado
Page 111: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

111111 REFERÊNCIAS

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia. História da Educação e da Pedagogia: Geral e do Brasil.

3.ed. São Paulo: Moderna, 2006.

ARIÉS, Philippe. História Social da criança e da família. 9.ed. Rio de Janeiro:

Zahar,1981.

CAMBI, Franco. História da Pedagogia. 1.ed. São Paulo: Unesp,1999.

COMENIUS, João Amós. Didacta Magna Lisboa. Fundação Caloeste Kulbekian.1957.

CUNHA, Luiz Antônio. O ensino de ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil

Escravrocata. Brasília: Unesp/Flacso, 2000.

______.O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização. Brasília: Unesp/

Flacso, 2000.

DEL PRIORE, Mary (org). História das Crianças no Brasil. 1.ed. Petrópolis: Vozes,

1983.

FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 33.ed. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1999.

______.Pedagogia do Oprimido. 41.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

GENTILLI, Pablo (org). Pedagogia da Exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação.

12.ed. Rio de Janeiro: Vozes,1995.

HABERMAS, J. Teoria da Ação Comunicativa. Madrid: Taurie, 1984.

IBÉRNON, Francisco (org). A Educação no século XXI: os desafios do futuro imediato.

2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Page 112: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

112 REFERÊNCIAS

LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. 1. ed. São Paulo: Mestre Jou,

1970.

MANACORDA, Mário Aleghiere. História da Educação: da Antiguidade aos nossos

dias. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

MONROE, Paul. História da educação. 13.ed. São Paulo: Editora Nacional, 1978.

NAGLE, George. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EDU/

Edusp, 1974.

ROMANELLI, Otaíza de Oiveira. História da Educação no Brasil.1.ed.Petrópolis:

Vozes,1983.

ROUSSEAU, Jean Jacques. O Emílio. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

TOBIAS, José Antônio. História da educação brasileira. 2.ed. São Paulo:

Juriscred,1995.

VEIGA, Cyntia Greive. História da educação. 1. ed. São Paulo: Ática, 2007.

Page 113: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

113113 RESPOSTAS COMENTADAS 113

RESPOSTAS COMENTADAS

UNIDADE I

1. b)

Porque as ideias contidas nas três primeiras alternativas definem a importância da história no

resgate de identidades e participações ativas como participantes da dinâmica histórica.

2. c)

Pois Sócrates foi subjetivista, Platão idealista e Aristóteles realista. Os pós-socráticos estoicos foram

antimaterialistas por considerar a matéria como causa de sofrimentos.

3. b)

Porque o que ocorria nesse período era uma total ignorância sobre as particularidades.

UNIDADE II

1. a)

Entre outras inovações, as ciências deveriam contribuir para o desenvolvimento do espírito crítico,

indispensável pra as alterações do credo religioso.

2. b)

Você já percebeu que quando se alteram as formas de produção alteram-se também as filosofias

e formas de relacionamento social. A passagem do humanismo para o realismo ocorreu pelo

surgimento das fábricas, que mudou as formas de pensar e agir da sociedade em questão.

3. e)

Embora com fins religiosos, os protestantes influenciaram a democratização da escola entendendo

que ela deveria atender a todos, como o faria o próprio Cristo. Entendiam que, ao lado de cada

igreja protestante haveria uma escola.

Page 114: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

114 RESPOSTAS COMENTADAS114

4. c)

As novas formas capitalistas de produzir geraram não apenas grande demanda social por educação

escolar como um grande interesse para com o aproveitamento dos alunos nas escolas. Tal fato

gerou severas críticas à educação livresca e distante da realidade do aluno, o que conduziu a

reflexões sobre as diferenciações entre uma criança e um adulto e esta deixou de ser vista como

um adulto em miniatura.

UNIDADE III

1. a)

O sistema econômico agrícola, exportador e dependente de Portugal, apoiado na grande

propriedade e mão de obra escrava, não gerou no colonizador a necessidade de escolas para

garantir lucros.

2. c)

Os filhos da elite brasileira que completavam estudos na Europa trouxeram para cá os ideais liberais

associados às oportunidades de bons empregos para os escolarizados. Nesse quadro de referência

se destacaram anarquistas e escolanovistas, por reivindicarem uma escola pública sem interferência

do Estado e de estilo democrático.

3. c)

Qualquer pretensão de democratizar a educação escolar está na preservação do direito de todos,

independentemente de sua condição econômica de ter acesso e permanência na escola.

4. d)

Você já percebeu que uma educação desenvolvida sob os ditames de uma ditadura jamais formaria

alunos ou aceitaria professores críticos, reflexivos e criativos. Se tivessem oportunizado a formação

de uma cidadania consciente, a ditadura não teria resistido por trinta anos, não acha?

UNIDADE IV

1. c)

É fundamental que, como futuro educador, você esteja atento às transformações do trabalho, a fim

de entender para onde direcionar seus alunos e filhos.

Page 115: APARECIDA CARDOSO POZOalemdasletras.weebly.com/.../histria_da_educao_-_ld.pdfobra “As Veias Abertas da América Latina” “[...] a história é como um profeta com o olhar voltado

115115 RESPOSTAS COMENTADAS 115

2. d)

A ideologia neoliberal condena qualquer política pública por entender que educação, saúde,

moradia, transportes são problemas individuais e que quem não consegue se prover não é problema

do Estado, mas da própria incompetência dos menos favorecidos. Argumenta ainda que todos,

pobres ou ricos, são democraticamente expostos às leis de mercado e nesse desafio vencem os

mais capacitados. Nesse sentido são chamados de neoliberais conservadores, que exigem cada vez

mais a concentração de renda nas mãos dos mais “capazes”.

3. a)

Atente que para se memorizar tudo que determinadas áreas do conhecimento exigem seria

necessário mais de um cérebro. Determinadas bases bem consolidadas, como o domínio da leitura,

da escrita e cálculos matemáticos sedimenta a busca de qualquer conhecimento que se fizer

necessário em determinados momentos específicos.

4. b)

Somente comunidades de aprendizagem compostas por todos os agentes educacionais, como

pais, diretores, professores, supervisores, secretários, é que podem optar por um trabalho conjunto

e cooperativo, que tenha como norte o perfil do cidadão a ser formado com a participação

indispensável da escola. Já temos algumas experiências de comunidades de aprendizagem pela

proposta de gestão democrática, que descentraliza o poder de decisão dos diretores de escola.