Aparatos que desenham curvas - mat.ufg.br · parábolas, circunferências, hipérboles, cissóide...

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Aparatos que desenham curvas Elvia Mureb Sallum Matemateca-IME-USP A teoria das cônicas com origem no século IV a.C. desenvolveu-se ininterruptamente até nossos dias: vários aspectos, caracterizações, propriedades, relações com outras áreas do conhecimento foram sendo estudadas ao longo dos tempos. Até o século XVIII não havia matemático importante que não se dedicasse ao tema das cônicas bem como ao de outras curvas. Sempre houve, inclusive na Grécia antiga, uma estreita relação entre Geometria e Mecânica. Nos séculos XV e XVI essa relação intensificou-se com aplicações da Matemática às máquinas, à navegação, ao comércio surgindo nessa época o aspecto dinâmico da Geometria e aumentando a sua relação com a Mecânica. A construção de máquinas para desenhar certos tipos de curvas como as cônicas, a cissóide e a conchóide teve importância fundamental na resolução alternativa de problemas clássicos insolúveis com régua e compasso tais como Duplicação do cubo e Trissecção de ângulo. Destacam-se as obtidas como intersecção de curvas tais como parábolas, circunferências, hipérboles, cissóide de Diocles e conchóide de Nicomedes. O problema da duplicação do cubo foi resolvido por Menaechmus (375-325 a.C.) com a intersecção de duas parábolas x 2 = ay e y 2 = 2ax. Diocles (II a.C.) inventou a cissóide e Descartes (1596-1650) usou uma das parábolas x 2 = y, y 2 = 2x e sua intersecção com a circunferência (x-1) 2 +(y-1/2) 2 = 5/4 para resolver esse problema. Para a trissecção de um ângulo Nicomedes (século III a.C.) usou a conchóide e Pappus (século IV) usou uma hipérbole interceptada com arcos de circunferência. Apresentaremos, inicialmente, as cônicas e alguns instrumentos que as desenham. Iniciaremos com uma definição, pouco conhecida, para cada cônica e daremos várias caracterizações. Justificaremos o funcionamento de cada aparato com alguma caracterização especial da cônica. Um mecanismo especial é o aparato de Strong porque desenha parábolas, elipses e hipérboles dependendo somente de regulagem de peças que o compõem. Daremos uma justificativa desse mecanismo usando a caracterização das cônicas pelas diretrizes e focos. Terminaremos com a apresentação das curvas cissóide e conchóide e aparatos que as desenham. A concepção de cada aparato está relacionada com um aspecto especial da curva que ele desenha. A análise de cada um deles é uma fonte rica para o aprofundamento, a 1

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Aparatos que desenham curvasElvia Mureb Sallum

Matemateca-IME-USP

A teoria das cônicas com origem no século IV a.C. desenvolveu-se ininterruptamenteaté nossos dias: vários aspectos, caracterizações, propriedades, relações com outras áreasdo conhecimento foram sendo estudadas ao longo dos tempos.

Até o século XVIII não havia matemático importante que não se dedicasse ao temadas cônicas bem como ao de outras curvas.

Sempre houve, inclusive na Grécia antiga, uma estreita relação entre Geometria eMecânica. Nos séculos XV e XVI essa relação intensificou-se com aplicações daMatemática às máquinas, à navegação, ao comércio surgindo nessa época o aspectodinâmico da Geometria e aumentando a sua relação com a Mecânica.

A construção de máquinas para desenhar certos tipos de curvas como as cônicas, acissóide e a conchóide teve importância fundamental na resolução alternativa deproblemas clássicos insolúveis com régua e compasso tais como Duplicação do cubo eTrissecção de ângulo. Destacam-se as obtidas como intersecção de curvas tais comoparábolas, circunferências, hipérboles, cissóide de Diocles e conchóide de Nicomedes.

O problema da duplicação do cubo foi resolvido por Menaechmus (375-325 a.C.)com a intersecção de duas parábolas x2 = ay e y2 = 2ax. Diocles (II a.C.) inventou acissóide e Descartes (1596-1650) usou uma das parábolas x2 = y, y2 = 2x e suaintersecção com a circunferência (x-1) 2+(y-1/2) 2 = 5/4 para resolver esse problema.

Para a trissecção de um ângulo Nicomedes (século III a.C.) usou a conchóide ePappus (século IV) usou uma hipérbole interceptada com arcos de circunferência.

Apresentaremos, inicialmente, as cônicas e alguns instrumentos que as desenham.Iniciaremos com uma definição, pouco conhecida, para cada cônica e daremos váriascaracterizações. Justificaremos o funcionamento de cada aparato com algumacaracterização especial da cônica.

Um mecanismo especial é o aparato de Strong porque desenha parábolas, elipses ehipérboles dependendo somente de regulagem de peças que o compõem. Daremos umajustificativa desse mecanismo usando a caracterização das cônicas pelas diretrizes efocos.

Terminaremos com a apresentação das curvas cissóide e conchóide e aparatos que asdesenham. A concepção de cada aparato está relacionada com um aspecto especial da curva queele desenha. A análise de cada um deles é uma fonte rica para o aprofundamento, a

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aplicação de vários conceitos da geometria bem como para o estudo dinâmico daGeometria.

Todos os desenhos aqui apresentados foram gerados no Sketchpad, um programa quetambém possibilita a simulação do funcionamento dos mecanismos.

Parábola

Dados uma reta d e um ponto F∉d, a parábola de foco F e diretriz d é o L.G. doscentros P das circunferências que passam por F e são tangentes a d ou, equivalentemente,dos pontos P tais que as distâncias de P a F e de P a d são iguais.

d

P

F

X

Construção de parábola, ponto a ponto, com régua e compasso.

Para cada ponto X∈d, trace o segmento XF, sua mediatriz r e a perpendicular s à retad por X. O ponto P da intersecção de r e s descreve a parábola quando X percorre d.

d

s

r

P

F

X

AB=FP+PB

P B

F

A

Mecanismo de fio esticado para traçar parábolas

A segunda caracterização justifica a construção, com traçado contínuo, usando um fioesticado e uma régua em T com uma abertura longitudinal AB de modo que o T percorreuma reta d. Amarre um barbante, de comprimento AB com uma das pontas presa na extremidade

2

B da abertura, oposta ao T, e a outra fixada num ponto F da mesa. Um lápis, mantendoesticado o barbante enquanto o T escorrega pela reta d, descreve uma parábola de diretrizd e foco F.

Parabológrafo

Na figura abaixo, ABCD é um losango articulado nos vértices, com D fixado numaplaca e B correndo numa reta d. Uma régua de comprimento suficientemente grandecorrespondente à diagonal AC do losango e outra, perpendicular à d, fixada em B,encontram-se num ponto P que descreve a parábola de foco D e diretriz d. De fato, qualquer ponto da diagonal do losango está a uma mesma distância dosvértices B e D, pois as suas diagonais são perpendiculares pelos seus pontos médios.

d=diretriz

P

C

A

D=foco

B=guia d=diretriz

P

C

A

D=foco

B=guia

Exercício 1: Fixe uma reta d e um ponto F∉d. Trace parábolas com foco F e diretrizesparalelas a d afastando-se ou aproximando-se de F. Para onde tendem as parábolasquando a diretriz se aproxima de F? E quando a sua distância a F tende a infinito?

d

r P

F

d

P

F

d

P

F

Exercício 2: Mostre que o L.G. dos pontos eqüidistantes de uma reta s e de umacircunferência de centro O e raio r é uma parábola de foco no centro da circunferência ediretriz d paralela a e a uma distância r de s. Ver figura abaixo.

3

sd

r

r

O

Equação reduzida da parábola Sendo p>0 a distância entre a diretriz d e o foco F, num sistema de coordenadas emque F=(p/2,0) e d é a reta x=-p/2, uma terceira caracterização da parábola pode ser dadapela sua equação reduzida: P=(x,y) pertence à parábola, se e só se

| x +π2| = (ξ −

π2)2 + ψ2 ⇔ (ξ +

π2)2 = (ξ −

π2)2 + ψ2 ⇔ ψ2 = 2πξ .

x

d

y

(-p/2,0)

P=(x,y)

F=(p/2,0)

X

0

Elipse

Dados uma circunferência γ de centro F e raio 2a>0 e um ponto F' no interior dessacircunferência com FF' = 2c < 2a, a elipse de focos F e F' e excentricidade e=c/a<1 éo lugar geométrico dos centros P das circunferências tangentes a γ que passam por F', ou,equivalentemente, dos pontos P tais que PF+PF' = 2a.

FA=2a > FF'=2c

γ

P

F'FA

X

PF+PF'=2a

γ

P

F'FA

X

4

Construção de elipse, ponto a ponto, com régua e compasso

Para cada ponto X ∈ γ, traçamos os segmentos XF e XF' e a mediatriz de XF' queencontra XF num ponto P da elipse. Ver figura acima.

Exercício 3: Nas notações anteriores, considere F e γ fixados.a) Tomando F' mais próximo de F como fica o traçado da elipse?b) O que acontece com a elipse quando F' → F? E com a excentricidade?c) E se F' tende para a circunferência γ ? Quem seria a elipse, se c=a?

Mecanismo de fio esticado para traçar elipses

A segunda caracterização de elipse, leva ao seu traçado contínuo dados a distância 2centre os focos e a excentricidade e<1. O mecanismo consiste de uma placa, com dois pontos F e F’ fixados tais que FF’=2c, eum fio flexível de comprimento 2a, a=c/e, com as extremidades presas em F e F'. Um lápis, mantendo o fio esticado, desenha os pontos P da elipse de focos F e F' eexcentricidade e pois PF + PF' = 2a.

PF+PF'=2a

P

F'F

l‡pis

Use esse aparato, com os focos fixos, para ver como variam as elipses fazendo ocomprimento do fio aumentar ou diminuir. Determine as excentricidades.

Equação reduzida da elipse

Considerando um sistema de coordenadas em que F=(-c,0) e F'=(c,0), se um pontoP=(x,y) pertence à elipse dada por PF+PF'=2a tem-se:

(x - c)2 + y 2 + (x + c)2 + y 2 = 2a Þ

(x - c)2 + y 2 = 2a - (x + c)2 + y 2 Þ

x 2

a2 + y 2

a2 - c 2 =1Þ

x 2

a2 + y 2

b2 =1 com b = a2 - c 2 . (*) ab

b = a2-c2

ac

(a,0)F'=(c,0)

P=(x,y)

-a

0F=(-c,0)

(-a,0)

-c

Verifique que, reciprocamente, todo ponto (x,y) que obedece (*), pertence à elipse.

5

Assim, temos outra caracterização da elipse:

A elipse de focos F=(-c,0) e F’=(c,0) e excentricidade 0<e<1 é o conjunto dos pontos(x,y) do plano cartesiano tais que

x 2

a2 + y 2

b2 =1, com a = c /e , b = a 1- e2 .

que será usada para justificar o mecanismo apresentado abaixo.

Exercício 4:

a) Seja a elipse de equação x2

a2 +ψ2

β2 = 1 . Dar seus focos, sua excentricidade e seu

esboço, conforme a>b ou a<b. E se a=b?b) Um segmento é limite de alguma família de elipses? E uma reta? E uma semi-

reta? Mecanismo articulado de 5 varetas para traçar elipses

No mecanismo, da figura abaixo, articulado em A, B, E, P e F, o ponto A está fixadonuma placa, AB=a, BD=BC=c, BEFP é um losango de lado d, e as extremidades D e Cmovimentam-se numa reta fixada na placa e que está a uma distância b de A, comb+a<c. À medida que B percorre a circunferência de centro A, o vértice P do losango BEFPpercorre uma elipse.

a

cd

b

O

P

E

C

F

D

A

B a

cd

x

y

α

α=ÐBDCq=ÐBAG

Oa

q

P=(x,y)

EF

G

CD

A=(0,b)B

De fato, na figura acima à direita, P=(x,y) é dado por

x = acosqy = b + asenq - BP

ì í î

Como

BP = 2δσενα e senα =β+ ασενθ

χ,

então, as coordenadas de P são dadas por

6

x = acosq

y = (1- 2dc

)(b + asenq)

ì í ï

î ï .

Você pode verificar diretamente que, para d≠c/2, o ponto P=(x,y), percorre a elipse deequação

x2

a2 +χ2 (ψ− β

χ(χ− 2δ))2

α2 (χ− 2δ)2= 1

quando θ varia em [0,2π].

Localize seus focos!

Exercício 5: a) Estude a variação das elipses conforme o lado d do losango mude de d<c/2 para d>c/2.Quem é a elipse se d=c/2?b) Dados os focos e a excentricidade, como ajustar as medidas das barras do aparato paraque ele desenhe a elipse correspondente?

Elipse determinada por 2 circunferências

Vejamos outra caracterização de elipse por meio de duas circunferências concêntricasγ e γ’, de centro O e raios a e b, com a>b.

Para cada ponto (x,y') de γ considere os pontos (x',y)∈γ’, no segmento que une (x,y') aocentro O, e P =(x,y).

O lugar geométrico dos pontos P assim obtidos, quando (x,y') percorre γ, é a elipse

dada por x2

a2 +ψ2

β2 = 1 .

γ'

g

b

P=(x,y)

(x',y)

O a

(x,y')

De fato, por semelhança de triângulos, tem-seque

| x || x' |

=| ψ∋|| ψ|

=αβ

e, portanto,

x 2 + (y ')2 = a2 Þ x 2 + a2y 2

b2 = a2 Þ x 2

a2 + y 2

b2 =1.

Reciprocamente, se um ponto (x,y) obedece essaequação, tem-se |x|≤a, |y|≤b e pontos (x’,y)∈γ’ e(x,y’)∈γ com xx’≥0 e yy’≥0 que determinam(x,y).

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Mecanismo de 1 vareta para traçar elipses Essa última caracterização pode ser usada para justificar o uso de uma barra com trêspontos, previamente marcados, A, B e P para desenhar elipse. Deslizando A no eixo x, mantendo B sempre no eixo y, a ponta do grafite em P vaidesenhando os pontos de uma elipse.

Para traçar a elipse x2

a2 +ψ2

β2 = 1 , consideramos 3 pontos A, B e P na barra tais que:

1º caso: A entre P e B, AB=a-b e AP=b.2º caso: P entre A e B, AP=b e BP=a.

b

a-bab

P

A

B

ab

a

b

P=(x,y)

A

B=guia

Justificativas:1º caso: A entre P e B

x

y

b

a-bT S

R

Q

P

A O

B

2º caso: P entre A e By

x

a

b

a

b

Q

RP

A O

B

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Exercício 6: a)Quem são os focos da elipse desenhada pelo aparato? E a excentricidade?b) Mude a posição de P no aparato e verifique como muda a excentricidade.

Simulamos abaixo o mesmo aparato com os eixos inclinados. A curva desenhada peloponto P, em cada um dos casos, é uma elipse?

A

P

B

PA

B

A hipociclóide como envolvente.

Nos dois casos do mecanismo anterior de 1 vareta para desenhar elipse, quando oseixos coordenados são perpendiculares, as diversas posições da régua definem umafamília de segmentos cuja envolvente é uma hipocicóide.

De fato:Quando A está entre P e B, a família de segmentos correspondentes às diversas posiçõesdo segmento PB é dada por

OA.y = OB(x - OA),isto é, por

y cosq - senq(x - ABcosq) = 0, " q Î [0,2p].

R/4

y

x

θΨ(α)

ΡΟ

α

Ξ(α)

Ξ(0)

Ψ

Portanto, a envolvente dessa família de segmentos é descrita por

f (x, y,q) = y cosq - xsenq + ABsenq cosq = 0¶f¶q

(x,y,q) = - ysenq - x cosq - ABsen2q + ABcos2 q = 0

ì í ï

î ï

ou seja,

9

x = ABcos3 qy = - ABsen3q

ì í î

" q Î [0,2p].

Logo, os pontos dessa envolvente obedecem x 2 / 3 + y 2 / 3 = AB2 / 3.

P

A

B

P

A

B

Por outro lado, a hipociclóide, obtida pelo rolamento de uma circunferência de raior=R/4, na parte interna da circunferência de raio R e centro na origem, é dada por

X(a ) = 3R4

(cosa ,sena ) + R4

(cos3a ,- sen3a ), i.e,

X :x(a ) = R

4(3cosa + cos3a )

y(a ) = R4

(3sena - sen3a )

ì

í ï

î ï

.

Como x(a ) = Rcos3 ay(a ) = Rsen3a

ì í î

tem-se x 2 / 3 + y 2 / 3 = R2 / 3.

Que tal fazer o caso em que P está entre A e B?

Exercício 7:

No caso em que os eixos coordenadossão inclinados, a envolvente dos segmentospode ser vista na figura ao lado. Qual será aequação dessa curva?

AP

AP

B

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Hipérbole

Dados uma circunferência γ de centro F e raio 2a>0 e um ponto F' no seu exteriorcom FF'=2c, c>a, a hipérbole de focos F e F' e excentricidade e=c/a>1 é o L.G. doscentros P das circunferências tangentes a γ , que passam por F’, ou, seja, dos pontos Ptais que |PF-PF'|=2a.

FF'=2cFX=2a

PP

F F'

X

X

FF'=2cFX=2a

γP

FF'

X

Construção de hipérbole, ponto a ponto, com régua e compasso

A definição de hipérbole leva à sua construção, ponto a ponto, com régua e compasso.Dado X∈γ, traçamos o segmento XF' e sua mediatriz encontrando a reta FX no ponto P.O conjunto dos pontos P que podem ser assim obtidos quando X varia em γ é a hipérbole. Nos dois pontos X∈γ para os quais XF’ é tangente à circunferência, a mediatriz deXF’ é paralela à reta XF e, portanto, não fica determinado ponto da hipérbole. Essas duasmediatrizes são chamadas de assíntotas.

γ

P

F'F

X

ass’ntota

ass’ntota

γ

F'F

X

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Marque na circunferência γ os conjuntos dos pontos X que descrevem cada um dosramos da hipérbole.

Exercício 8: Nas notações anteriores,a) Fixe F e F' e desenhe hipérboles variando γ, ou seja, variando a excentricidade. b) Fixando um dos focos F e a circunferência γ, estude a variação das hipérboles

com F' afastando-se ou aproximando-se de γ.c) Considere um sistema cartesiano de coordenadas em que os focos são dados por

F=(-c,0) e F'=(c,0). Mostre que a equação da hipérbole correspondente `a

circunferência γ de centro F e raio 2a>0 é dada por x 2

a2 - y 2

c 2 - a2 =1.

d) Mostre que, em c), as assíntotas têm equações y = ± c 2 - a2

ax

e) Confirme suas suposições de b).

Mecanismo de fio esticado para traçar hipérbole

A segunda caracterização dada acima justifica o uso do aparato da figura abaixo paradesenhar hipérbole.

Ele é composto de uma placa onde estão fixados os focos F e F’, uma régua AB com a extremidade A fixada (mas podendo girar) em F e deum fio de comprimento l tal que AB-FF’< l <AB, preso em F' e em B.

Mantendo o lápis na fenda da régua, com o fio sempre esticado, sua ponta P desenharáuma hipérbole de equação |PF-PF'|=AB-l .

Observe, na figura, que AB-l =PF-PF’.

l‡pis

P

F'F=A

B

Mude o comprimento l do fio e observe como mudam as hipérboles!

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Caracterização das cônicas pelas diretrizes e focos

Do mesmo modo como a parábola, a elipse e a hipérbole podem ser definidas emtermos de um ponto, chamado foco, de uma reta chamada diretriz e de um número e>0.

Uma elipse (hipérbole) é o L.G. dos pontos cuja razão entre as suas distâncias ao foco eà diretriz é uma constante e<1 (e>1).

Dada uma elipse x2

a2 +ψ2

β2 = 1 com excentricidade e=c/a, isto é, com b2=a2-c2=a2(1-e2)

para o foco F'=(-c,0) procuramos uma reta x=d tal que

e | x - d |= (x + c)2 + y 2 , " (x,y) / x 2

a2 + y 2

b2 =1,

ou, equivalentemente tal que

(1- e2)x 2 + 2x(c + e2d) + y 2 = e2d 2 - c 2, " (x, y) / (1- e2)x 2 + y 2 = a2 - c 2 .

Como temos que ter 2x(c + de2) = e2d2 - a2, basta escolher d = - ce2 e, portanto, a reta

diretriz r é dada por x = - ce2 . Do mesmo modo, para o foco F=(c,0) obtemos a diretriz

dada por x = ce2 .

(-c

e2,0) (

c

e2,0)

(a,0)(-a,0)F'=(c,0)F=(-c,0)

O

Reciprocamente, dados um ponto F=(c,0), uma reta x=d e um número 0<e<1, você podeverificar que os pontos P=(x,y) tais que e | x - d |= (x - c)2 + y 2 , estão numa elipse. Paraisso basta elevar essa equação ao quadrado e depois completar quadrados.

Considere, agora, uma hipérbole dada por x2

a2 −ψ2

β2 = 1 com excentricidade e=c/a, isto é,

com b2= c2-a2= a2(e2-1). Para o foco F=(-c,0), procuramos uma reta x=d tal que

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e | x - d |= (x + c)2 + y 2 , " (x,y) / x 2

a2 - y 2

c 2 - a2 =1,

obtendo x = d = - ce2 . Para o foco F=(c,0), obtém-se a reta x = c

e2 .

Como no caso anterior, vale a recíproca.

c/e2-c/e20 c-c

Exercício 9: Quem é a curva limite de uma família de elipses, com vértices fixados,quando e→1? E de uma família de hipérboles?

Mecanismo de Strong para desenhar cônicas

Essa caracterização de cônica: o conjunto dos pontos cuja razão entre as distâncias auma reta dada e a um ponto fixado é constante, justifica o aparato, desenvolvido porStrong, composto por duas barras AD e BC com um losango acoplado em D, paradesenhar cônicas em geral.

r

S

P

Q F

B

D

C

A

R

No mecanismo, AC=BC, P é um ponto fixado na barra BC, com CD=PC, que é obrigadoa permanecer na diagonal QR do losango QDRF e A e B movem-se livremente na reta r.Mantendo F fixado numa placa, P descreverá uma cônica, de foco F e diretriz r.De fato:estando P na diagonal do losango, PD=PF e, então, PF/PS=PD/PS.Por semelhança de triângulos tem-se (PD/2):PS=CP:BP.Logo PF/PS=PD/PS =2CP/BP= constante=e.

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A cônica descrita por P será elipse, parábola ou hipérbole, conforme BP>2CP, BP=2CPou BP<2CP, ou seja, conforme se tenha BP>(2/3)BC, BP=(2/3)BC ou BP<(2/3)BC.

Como BP/2CP=(BC-CP)/2CP e CP pode assumir qualquer valor entre BC e 0, então,PF/PS pode ser qualquer número positivo e o mecanismo pode ser ajustado para desenharqualquer cônica.

Nota: As simulações do mecanismo de Strong no Sketchpad, foram feitas pelo professorC.E.Harle do IME-USP. As 6 figuras seguintes foram tomadas dessas simulações.

d

BP>2CPQ

R

B

P

C

A

D

F

d

BP=2CPP

Q

R

B

C

A

D

F

15

BP<2CPQ

R

P

B

C

A

D

F

Exercício 10: No aparato acima, de Strong:a) Mostre que, o ponto D desenha uma cônica do mesmo tipo da desenhada por P levandoem conta que ambos têm a mesma abscissa e P divide as ordenadas das diversas posiçõesde D sempre na mesma proporção. b) Achar a equação do lugar geométrico dos pontos P, num sistema de coordenadas emque a reta r é o eixo x e F=(0,f).c) Idem dos pontos D.d) Idem das diversas posições do centro do losango, verificando que é uma cônica domesmo tipo das de b) e c), que passa por F.

BP>2CP

Q

R

B

P

C

A

D

F

16

d

BP=2CPP

Q

R

B

C

A

D

F

Q

R

P

B

C

A

D

F

Cissóide de Diocles

Seja uma circunferência γ, com diâmetro OA=2a, e r sua reta tangente no pontoA. Para cada ponto B ∈ r, considere o ponto P no segmento OB tal que OP=BC em queC é a intersecção do segmento OB com γ.

O lugar geométrico dos pontos P, assim obtidos, quando B percorre r, é a cissóide deDiocles determinada pela circunferência γ e pela tangente r.

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a

r

OP=BCOP'=B'C'

γ

Χ∋

Π

Χ

ΑΟ

Β

Β∋

Π∋

Régua ou esquadro de Newton

Newton mostrou que a cissóide pode ser traçada pelo escorregamento de uma réguaDEX em L: ângulo reto em E, lado menor EX=2a e o outro lado de comprimentosuficientemente grande.

Fazendo a extremidade X percorrer a reta s paralela a r, que passa pelo centro O’ de γ,enquanto o lado maior passa sempre em D com DA=3a, o grafite em P, ponto médio deEX, descreverá a cissóide.

a

sa

a

a

rciss—ide

γ

Α

Ο

Π

Ε

Ο∋

Ξ

Justificativa:Na figura abaixo DG e DE são tangentes à circunferência de centro X e raio 2a.Mostraremos que o ponto médio P de XE está na cissóide determinada por γ e por r. Tem-se BP//XD pois ∆XBP é isósceles e ∆DXG≡∆DXE. Seja Y o ponto de encontro da reta BP com a reta OA.

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Como XBYD é um paralelogramo, DY=XB=a e, portanto, Y=O.Logo, OC=PB pois ∆XBP≡∆O’OC.

a

s

aa

a

r

γΧ

ΒΑ

Ο=Ψ

Π

Ε

Γ ∆

Ο∋Ξ

Nas 2 figuras abaixo vemos outras curvas desenhadas pela régua ou esquadro deNewton quando X percorre s. Aquela descrita pelo vértice E, é conhecida por estrofóide .

ESTROFîIDE

2a

a

a

r

γ

Α

Ο

‡Ε=λ πισ

Ο∋Ξ

2a

a

a

r

γ

Α

Ο

Ε

Ο∋Ξ

Exercício 10: a) Mostre que, no sistema de coordenadas da figura abaixo, a equação

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cartesiana da cissóide é x(x2+y2)=2ay2 (uma cúbica). Qual sua equação polar?b) Procure uma descrição e uma equação para a estrofóide.c) E para as outras curvas que podem ser desenhadas com a régua de Newton mudando aposição do lápis na barra XE?

x

y

θΠ=(ξ,ψ)

Χ

Α=(2α,0)

Ο

Β

Conchóide de Nicomedes Considere fixados um ponto O, uma reta r cuja distância a O é OA=a>0 e b>0. Para cada ponto X∈ r, considere os pontos P e P’ obtidos pela intersecção da reta OXcom a circunferência de centro X e raio b. A conchóide, é o lugar geométrico dos pontos P e P’ assim obtidos quando X percorrea reta r.

a

r

b

b

a

r

b

b

a

r

b

b

a<ba=ba>b

XP=XP'=bOA=a

P

P'

A

P

P'

A

P'

P

AOO O

XX

X

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Compasso de Nicomedes

Como esquematizado na figura abaixo, o aparato é composto de uma placa com umacanaleta em r e um pino em O e uma régua com um pino fixado num ponto X, que devecorrer na canaleta. A régua tem aberturas em pontos P e P’, para o lápis, de modo quePX=P’X=b e uma abertura longitudinal onde deve permanecer o pino O da placa quandoX percorre r.

r

canaletaPX=P'X=bOA=a

P=l‡pis

P'=l‡pisX

O fixoA

Exercício 11: Mostre que a conchóide, num sistema de coordenadas adequado, é dadapela equação b2x2=(x2+y2)(a-x)2 (uma quártica) e compare com a cissóide no pontosingular.

x

y

OP'=r= x2+y2 ,rb

=x

a-x, por semelhan�a de tri‰ngulos.

Equa�‹o cartesiana de P' : (a-x) x2+y2 =bx Equa�‹o polar de P': r=asec θ−β

Π

Π∋=(ξ,ψ)

αΟ

Ξ

x

y

r

P' ponto da conch—ide dada por OA=2a e b=2a.P ponto da ciss—ide dada pela circunfer�ncia de centro(a,0) e raio a e pela r.

P

P'

a A=2aO

X

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Referências Bibliográficas:

1. STRONG, W. M. On linkages for tracing conic sections, The Annals of Mathematics,vol.8, nº 6, pp. 181-184, 1893.2. STILLWELL, J. Numbers and Geometry, Australia: Springer, 1997.3. DORRIE, H. 100 Great Problems of Elementary Mathematics: their history andsolutions. N. York: Dover, 1958.4. SIMMONS, G. F. Cálculo com Geometria Analítica. São Paulo: Makron, 1988.5. ALVES, S. A & SALLUM, E. M. Construções alternativas para problemas insolúveiscom régua e compasso, II Encontro da RPM/II Bienal de Matemática, UFBA, Salvador,outubro de 2004.

Professoras responsáveis pelo mini-curso, representando a Matemateca do IME-USP: Sonia Regina Leite GarciaDébora RaphaelElvia M. Sallum

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