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    Apontamentos para a hi stór ia de uma antr opologia cul tur al

     Ronaldo CamposMestre em Filosofia – FAFICH UFMGProfessor de Modernidade Brasileira eAntropologia e História – UNI-BH 

    Para a atual pesquisa histórica, a abordagem antropológica é uma das mais fecundas e promissoras, visto que nos permite desvelar o cotidiano dos povos de acordo sem rompercom os laços sociais inerentes de cada um. O olhar sobre essas maneiras típicas deapreender o mundo torna possível desvendar o particular de cada fato que fez a História,ou seja, possibilita a nossa aproximação das práticas próprias de cada grupo com os olhosdos homens de então, descentrando o nosso olhar e despojando dos condicionamentoshistóricos-ideológicos, dos maneirismos racionalistas e fantasiosos. E nas páginas que seseguem pode-se constatar o processo de estruturação da Antropologia 1  como ciência

    autônoma.A reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade, e a elaboração de um saber é algotão antigo quanto à própria humanidade, e ocorreram nos quatro cantos do mundo. Porexemplo, muito antes da constituição da antropologia como ciência (aproximadamentequatro séculos antes de Cristo) Confúcio diz que “A natureza dos homens é a mesma, sãoos seus hábitos que os mantém separados”2. O que significa que o homem não precisou deum saber constituído para interrogar-se sobre si mesmo. Pois, em todas as sociedadesexistiram homens que observavam homens e que elaboraram formas de explicação para asdiferenças e semelhanças entre eles e os outros, onde poderia ocorrer a negação ou aafirmação da condição humana do grupo observado. Ou seja, no decorrer da História dahumanidade tentou-se descobrir a chave do enigma que explicaria o motivo de termos na

    espécie humana lado a lado uma unidade biológica da espécie e uma grande diversidadecultural.Mas, seguindo o percurso proposto por Laraia no seu livro Cultura – um conceito

    atropológico, observa-se claramente que grande parte das teorias elaboradas nãoconseguiu explicar tal dilema em toda a sua extensão. Assim, contrariamente a muitas dasteorias, podemos afirmar as características biológicas não são determinantes dasdiferenças culturais: por exemplo, se uma criança brasileira for criada na França (se forcolocada desde o início em situação conveniente de aprendizado), ela crescerá como uma

    1  Há uma certa ambiguidade no uso do termo antropologia cultural, a saber: nos Estados Unidos é mais usada a designaçãoAntropologia Cultural, enquanto que na Grã-Bretanha o termo antropologia social designa ou a etnologia, ou a antropologiacultural. Nos países europeus – por exemplo, na França – observa-se uma tendência para o uso dos três termos que representam os

    níveis de pesquisa que, gradualmente, vêm estabelecendo nos Estados Unidos dentro da Antropologia Cultural: etnografia,etnologia comparada, antropologia social. Os autores nacionais fazem uso de ambas as designações.Philippe Laburthe-Tolra e Jean Pierre Warnier explicam os motives das diferenças na terminologia e no uso delas: “Por oposiçãoà antropologia americana definida e considerada uma antropologia cultural herdeira de Herder e de Tylor, a antropologia definiu-se na Grã-Bretanha por referência a Morgan e Durkheim, isto é, uma antropologia social. À medida que não existe civilização quenão seja a de uma dada sociedade que não seja portadora de uma civilização, os adjetivos ‘cultural’ e ‘social’ que qualificam,respectivamente, a antropologia americana e britânica não indicam uma diferença de ênfase, ou, antes, de opção quanto à formaescolhida para abordar os fatos socioculturais.” (LABURTHE-TOLRA, P., WARNIER, J.-P.,  Etnologia-Antropologia. Petrópolis:Vozes, 1997, p.68.)

    2 LARAIA, Roque de Barros. Cultura – um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. p.10.

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    francesa, aprendendo a língua, os hábitos, crenças e valores dos franceses. Podemos citar,ainda, o fato de que muitas atividades que são atribuídas às mulheres numa cultura sãoresponsabilidade dos homens em outra. A espécie humana se diferencia anatômica efilologicamente através do dimorfismo sexual, mas é falso dizer que as diferenças decomportamentos existentes entre as pessoas de sexos diferentes sejam determinadas biologicamente. As distinções entre os sexos é fruto de um aprendizado, que é gerado a partir de um processo que chamamos de endoculturação (processo de aprendizagem eeducação de uma cultura, desde a infância até à idade adulta).

    Tentou-se também explicar as diferenças culturais entre os povos a partir das variaçõesclimáticas e geográficas, isto é, através de um determinismo geográfico considerava-seque as diferenças do ambiente físico condicionam (e/ou determinam) a diversidadecultural. Marco Pólo afirma que: “Os povos do sul tem uma inteligência aguda, devido àraridade da atmosfera e ao calor; enquanto os das nações do norte, tendo sedesenvolvido numa atmosfera densa e esfriados pelos vapores dos ares carregados, têmuma inteligência preguiçosa” E Jean Bodin por sua vez nos diz que “Os povos do nortetêm um liquido dominante de vida o fleuma, enquanto os do sul são dominados pela bílisnegra. Em decorrência disso, os nórdicos são fieis, leais aos governantes, cruéis e poucointeressados sexualmente; os do sul são maliciosos, engenhosos, abertos, orientados paraa ciência, mas mal adaptados para as atividades políticas.

    Entretanto, tais teorias que criadas no século XIX, ganharam muita popularidadeesbarram numa constatação como pode haver uma grande diversidade cultural localizadaem um mesmo tipo de ambiente físico. Um bom exemplo, são o lapões e os esquimós.Eles vivem em ambientes muito semelhantes – os lapões (no norte da Europa) e osesquimós (no norte da América). Era de se esperar que eles tivessem comportamentossemelhantes, mas seus estilos de vida são bem diferentes: os esquimós constroem os iglusamontoando blocos de gelo num formato de colméia e forram a casa por dentro com pelesde animais, com a ajuda do fogo, eles conseguem manter o interior da casa aquecido equando quererem se mudar, o esquimó abandona a casa levando apenas suas coisas econstrói um novo iglu; por sua vez, os lapões vivem em tendas de peles de rena, quandodesejam se mudar, eles têm que desmontar o acampamento, secar as peles e transportartudo para o novo local. Eles criam renas, enquanto os esquimós apenas caçam renas.

    Este exemplo e tantos outros os quais podemos recorrer servem para mostrar asdiferenças de comportamentos entre os homens não podem ser explicadas através dasdiversidades somatológicas ou mesológicas. Tanto o determinismo geográfico como odeterminismo biológico é incapaz de resolver tal dilema proposto inicialmente. Asdiferenças existentes entre os homens não podem ser explicadas a partir das limitaçõesimpostas pelo meio ambiente ou pelo seu aparato físico, visto que a grande qualidade dohomem foi a de romper com as suas próprias limitações. Pois, caso contrário, comoexplicar a seguinte pergunta: “Será que o sol que brilhou para os livres gregos e romanosemitem diferentes raios sobre os seus descendentes? 

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    2. A Cul tur a e An tr opologia

     No final do século XVIII e no início do XIX. O termo cultura3  surge a partir da síntesede dois termos feita por Edward Tylor: o termo germânico  Kult ur , que era usado parasimbolizar tosos os aspectos espirituais de uma comunidade, e a palavra francesa

    Civilization referia-se às realizações materiais de um povo.Edward Tylor sintetizou o significado desses dois termos no vocábulo inglês Cultureque tomando o seu sentido etnológico é um complexo que inclui conhecimentos, crenças,arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelohomem como membro de uma sociedade.

    Tylor foi o primeiro a formular o conceito de cultura do ponto de vista antropológico4 da forma como é utilizado atualmente. Na verdade, ele formalizou uma idéia que vinhacrescendo desde o iluminismo. John Locke, em 1690, afirmou que a mente humana erauma caixa vazia no nascimento, dotada de capacidade ilimitada de obter conhecimento,através do que hoje chamamos de endoculturação, Tylor enfatizou a idéia do aprendizadona sua definição de cultura.

    3  É surpreendente que várias culturas não tenham uma palavra específica para a idéia de cultura. E isto não significa que essasculturas não tivessem desenvolvido formas ‘avançadas’ de consciência de si enquanto sociedades organizadas. Os gregos, porexemplo, tinha a MÁTHÊMA, a idéia de ‘algo abstrato’ que se opõe à idéia de concretude da ‘Natureza’ ou PHISIS. Palavra LatinaCULTÛRA - que significa ‘lavoura, cultivo dos campos’ e, ao mesmo tempo, ‘instrução, conhecimentos adquiridos’ - vai surgir nos primeiros séculos do milênio em Roma, mas não será utilizada para definir os traços distintivos dos diferentes povos do Império. A primeira vez que o termo ‘cultura’ aparece como um conceito de cunho antropológico é na Alemanha, em 1793, no verbete Kulturdo Dicionário Adelung : “A cultura é o aperfeiçoamento do espírito humano de um povo.” Assim, haveriam diferentes níveis de

    ‘aperfeiçoamento espiritual’ entre as etnias e subentende-se que cada povo teria um determinado grau de desenvolvimento nestaescala. Desde o início a noção de cultura foi etnocêntrica porque desqualificava as sociedades ‘primitivas’ e tradicionais frente a sua própria e suposta superioridade cultural (na verdade: superioridade militar, tecnológica e científica). A partir da RevoluçãoFrancesa, com o aparecimento da CIVILIS ou do ideal de cidadania, o termo ‘cultura’ será freqüentemente associado à idéia de umsistema de atitudes, crenças e valores de uma sociedade e oposto à noção de ‘civilização’, geralmente visto como seu complementomaterial. Por volta de 1850, o termo ‘cultura’ passou a ser utilizado para distinguir a espécie humana dos outros animais. Desdeentão, a noção de cultura passaria por diversas transformações e metamorfoses. Entretanto, não existe um consenso, naantropologia moderna, sobre o conceito de cultura.

    4 “Cultura é o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ouhábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade.” (Edward Tylor)  

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    John Locke, no seu livro  Ensaio sobre o ent endimento humano, 1690, demonstrou que amente humana não é mais que uma caixa vazia por ocasião do nascimento, dotada apenasda capacidade ilimitada de obter conhecimento, através da endoculturação. Ele refutoufortemente a crença de que princípios e verdades são inatos, impressos hereditariamentena mente humana, ao mesmo tempo em que O homem é um ser predominantementecultural. Graças à cultura, ele superou suas limitações orgânicas. O homem conseguiusobreviver através dos tempos com um equipamento biológico relativamente simples. Porexemplo, Um esquimó que deseje morar num país tropical, adapta-se rapidamente, elesubstitui seu iglu e seus grossos casacos por um apartamento refrigerado e roupas leves –enquanto o urso polar não pode adaptar-se fora de seu ambiente. Em suma, a cultura é omeio de adaptação do homem aos diferentes ambientes. Ao invés de adaptar o seuequipamento biológico, como os animais, o homem utiliza equipamentos extra-orgânicos.Por exemplo, a baleia perdeu os membros e os pêlos e adquiriu nadadeiras para se adaptarao ambiente marítimo. Enquanto a baleia teve que se transformar ela mesma num barco, ohomem utiliza um equipamento exterior ao corpo para navegar.

    O projeto de uma ciência do homem (uma ciência que toma o homem como objeto deconhecimento, e não mais a natureza) é algo muito recente. Podemos localizar o “início”desse a partir do avanço da colonização e das viagens do século XVIII quando oseuropeus passaram a manter contato com outros povos e a incluí-los na reflexão sobre aevolução da humanidade. Várias maneiras de interpretar a evolução humana surgiram;dentre elas, as versões monogenistas e poligenista. A monogenia, seguindo a idéia de"perfectibilidade" defendida por Rousseau, considerava a evolução da humanidade umgradiente que ia desde o estágio menos avançado (primitivo) ao mais avançado(civilização). As dissimilitudes entre os entre os homens eram consideradas provas dosdiferentes estágios pelos quais passavam no seu processo evolutivo. Essa forma deinterpretação foi adotada pelos etnólogos na reconstrução do passado dos povos"primitivos". A poligenia considerava que os diferentes centros de criação explicavam asdiferenças físicas e morais entre os homens. Os poligenistas acreditavam que mesmo quetivessem ancestrais comuns, os homens diferenciaram-se tanto num dado momento quenão restou a possibilidade de cruzamento sem que dele resultasse degeneração.

     No inicio, a Antropologia5  precisava adquirir legitimidade entre as outras disciplinascientificas. O que ocorreu na segunda metade do século XIX, durante o qual a

    5  Em sua raiz etimológica (antropos, homem; logos, ciência) significa a ciência do homem, ou seja, a ciência de a evoluçãoda Humanidade e dos grupos humanos. A antropologia não é apenas o estudo de tudo o que compõe uma sociedade. Ela é oestudo de todas as sociedades humanas (a nossa inclusive), ou seja, das culturas humanas como um todo em suas diversidadeshistóricas e geográficas. É uma ciência descritiva quando estuda os desenvolvimentos comuns do homem e as características dosdiversos grupos; é comparativa e sistemática quando trata de explicar e reduzir a processos e leis a dinâmica de taisdesenvolvimentos e diferenças, e de classificar os grupos segundo a dinâmica natural de sua diversificação histórica; é ciência

    aplicada quando estuda as possibilidades de controle das mudanças dos grupos humanos e sua organização. Ou seja, aAntropologia é uma abordagem integrativa que objetive levar em consideração as múltiplas dimensões do ser humano emsociedade, isto é como ser biológico, social e cultural. Sendo cada uma destas dimensões por si só muito ampla, o conhecimentoantropológico geralmente é organizado em áreas que indicam uma escolha prévia de certos aspectos a serem privilegiados comoa “Antropologia Física ou Biológica” (aspectos genéticos e biológicos do homem), “Antropologia Social” (organização social e política, parentesco, instituições sociais), “Antropologia Cultural” (sistemas simbólicos, religião, comportamento) e“Arqueologia” (descobrir, pesquisar e reconstruir, pelos restos, culturas e civilizações desaparecidas. Subdivide-se entre pré-histórica e clássica, a primeira se refere às civilizações que não possuíam escrita, e a segunda, auxilia a história baseada emdocumentos escritos). Além disso podemos utilizar termos como Antropologia, Etnologia e Etnografia para distinguir diferentesníveis de análise ou tradições acadêmicas.

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    antropologia se atribui objetos empíricos autônomos:  sociedades   (ditas)  pri mi ti vas, ouseja, exteriores às civilizações européias ou norte-americanas. Supunha uma dualidaderadical entre o observador e seu objeto. Para que haja uma experimentação possível énecessária uma separação entre sujeito observante e o objeto observado: esta é obtida nafísica (como na biologia, botânica ou zoologia) pela natureza suficientemente diversa dosdois termos presentes; na história, pela distância no tempo que separa o historiador dasociedade estudada; na antropologia, em uma distância definitivamente geográfica. Associedades estudadas pelos primeiros antropólogos são sociedades longínquas às quaissão atribuídas as seguintes características: dimensões restritas; pouco ou nenhum contatocom grupos vizinhos; tecnologia precária ou nenhum tipo de tecnologia moderna;inexistência de especialização das atividades e funções sociais. São qualificadas simples,em conseqüência, elas irão permitir a compreensão, como numa situação de laboratório da“complexa” organização da nossa sociedade. Entretanto, esse objeto inicial daAntropologia (as populações não pertencentes à civilização ocidental), começa adesaparecer, pois com a instalação, nos países industrializados e desenvolvidos, de umadinâmica da modernidade que cria um novo ordenamento da sociedade, que poster iormente irá ser deslocado para o restante do mundo (mesmo sem que grande partedos países periféricos não tenha conseguido produzir essa dinâmica, eles irão copiar outransladar uma espécie de simulacro do ordenamento existente na Europa e nos EstadosUnidos), em suma, o dos “selvagens” não é de forma alguma poupado pela chamadaevolução social.

    A cultura é um processo acumulativo. O homem recebe conhecimentos e experiênciasacumulados ao longo das gerações que o antecederam e, se estas informações foremadequada e criativamente manipuladas, permitirão inovações e invenções. Assim, estasnão são o resultado da ação isolada de um gênio, mas o esforço de toda uma comunidade.Roger Keesing, antropólogo, em seu artigo "Theories of Culture" (1974), define culturade acordo com duas correntes: As teorias que consideram a cultura como um sistemaadaptativo: culturas são padrões de comportamento socialmente transmitidos que servem para adaptar as comunidades humanas ao seu modo de vida (tecnologias, modo deorganização econômica, padrões de agrupamento social, organização política, crenças, práticas religiosas, etc.). As teorias idealistas da cultura são divididas em trêsabordagens: a primeira considera cultura como sistema cognitivo: cultura é um sistema deconhecimento, "consiste de tudo aquilo que alguém tem de conhecer ou acreditar paraoperar de maneira aceitável dentro da sociedade"; a segunda abordagem considera culturacomo sistemas estruturais: define cultura como "um sistema simbólico que é a criaçãoacumulativa da mente humana (o seu trabalho consiste em descobrir na estrutura dosdomínios culturais – mito, arte, parentesco e linguagem – os princípios da mente quegeram essas elaborações culturais); a terceira abordagem considera cultura como sistemassimbólicos: cultura é um sistema de símbolos e significados partilhados pelos membrosdessa cultura que compreende regras sobre relações e modos de comportamento.

    Qualquer que seja a definição adotada é possível entender a antropologia como uma forma de conhecimento sobre adiversidade cultural, isto é, a busca de respostas para entendermos o que somos a partir do espelho fornecido pelo “Outro”; umamaneira de se situar na fronteira de vários mundos sociais e culturais, abrindo janelas entre eles, através das quais podemos alargarnossas possibilidades de sentir, agir e refletir sobre o que, afinal de contas, nos torna seres singulares, humanos. Por   exemplo, para oantropólogo Claude Lévi-Strauss (1970:377) a etnografia corresponde “aos primeiros estágios da pesquisa: observação e descrição,trabalho de campo”. A etnologia, com relação à etnografia, seria “um primeiro passo em direção à síntese” e a antropologia “umasegunda e última etapa da síntese, tomando por base as conclusões da etnografia e da etnologia”.

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    A cultura é uma lente através da qual o homem vê o mundo - pessoas de culturasdiferentes usam lentes diferentes e, portanto, têm visões distintas das coisas. O fato deque o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a propensão emconsiderar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural (isso é denominadoetnocentrismo), depreciando o comportamento daqueles que agem fora dos padrões de suacomunidade – discriminando o comportamento desviante. Comportamentos etnocêntricosresultam em apreciações negativas dos padrões culturais de povos diferentes, práticas deoutros sistemas culturais são vistas como absurdas.

    O etnocentr ismo   é um comportamento universal. É comum a crença de que a própriasociedade é o centro da humanidade. A reação oposta ao etnocentrismo é a apatia. Emlugar da superestima dos valores de sua própria sociedade, num momento de crise osindivíduos abandonam a crença naquela cultura e perdem a motivação que os mantémunidos. Por exemplo, os africanos, quando foram trazidos como escravos para uma terraestranha, com costumes e línguas diferentes, perdiam a motivação de continuar vivos emuitos praticavam suicídio.

    Embora nenhum indivíduo conheça totalmente o seu sistema cultural, é necessário que o

    indivíduo tenha um mínimo de conhecimento da sua cultura para conviver com os outrosmembros da sociedade. Nenhum indivíduo é perfeitamente socializado. São estes espaçosque permitem a mudança. Qualquer sistema cultural está num contínuo processo demudança. Existem dois tipos de mudança cultural: interna, resulta da dinâmica do própriosistema cultural. Esta mudança é lenta; porém, o ritmo pode ser alterado por eventoshistóricos, como catástrofe ou uma grande inovação tecnológica. A mudança externa éresultado do contato de um sistema cultural com outro. Esta mudança é mais rápida e brusca.

    O tempo é um elemento importante na análise de uma cultura. Assim, da mesma formaque é importante para a humanidade a compreensão das diferenças entre os povos deculturas diferentes, é necessário entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo

    sistema.

    EscolaParadigma

    Evolucionismo Social

    Período Século XIX

    Características

    Sistematização do conhecimento acumulado sobreos “povos primitivos”.Predomínio do trabalho degabinete

    O modo de investigação do evolucionismo

    implicava sempre em separar os dados sociais (ouculturais), classificando-os em categorias diferentes.A operação de separação era uma estrada de mãoúnica. Os evolucionistas foram os primeiros avislumbrar as enormes potencialidades do métodocomparativo, eles não puderam aproveitar tais

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    costume (comparação horizontal) em vez decomparar como fazemos hoje, o costume com ocontexto onde ele aparece como tal e, somentedepois desta operação, o costume desta sociedadecom o de outra.

    Todos os costumes são classificados e localizadosnuma escala evolutiva apropriada. O costume temuma origem, uma substância, uma individualidade e,evidentemente, um fim. O fim não é jamaisdiscutido pelos teóricos do século XIX, porque ésempre encarado como sendo a encarnação dasociedade branca, tecnológica, européia, ondeviviam os pesquisadores. A idéia de progresso está profundamente relacionada à de determinismo eambas se realizam numa dimensão temporal, numahistória.As sociedades se desenvolve de modo

    linear, irreversivelmente, com eventos podendo sertomandos como causas e outros como conseqüências.

    É uma classificação isolada não só dos fenômenosinternos à sociedade (religião, direito, mito...), masas próprias sociedades entre si.

    Temas e Conceitos

    Unidade psíquica do homem.Evolução dassociedades das mais “primitivas” para as mais“civilizadas”.Busca das origens (Perspectivadiacrônica)Estudos de Parentesco /Religião/Organização Social.Substituição conceito de raça

     pelo de cultura.

    AlgunsRepresentantes

    e obras de referência

    Maine (“Ancient Law” - 1861).Herbert Spencer(“Princípios de Biologia” - 1864).E. Tylor (“ACultura Primitiva” - 1871). Morgan (“A SociedadeAntiga” - 1877). James Frazer (“O Ramo de Ouro” -1890).

    O r ela t i v ismo cul tur a l   está baseado no conceito de que todos os sistemas culturaissão essencialmente iguais em relação ao seu valor, e as diferenças entre as diversassociedades surgiram como resultado de suas próprias condições históricas, sociais e /geográficas. Esta postura choca-se diretamente com a corrente evolucionista, vigente atéessa época, que definiam as ditas diferencias como o resultado de um conjunto deidênticos níveis evolutivos progressivos que cada uma das culturas atravessa a medidaque se desenvolve.

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    Durante o primeiro terço do século XX, observa Laplantine na sua obra  Aprender Ant ropo logia, ocorrera uma revolução considerável na Antropologia: é o fim da dicotomiaentre o observador (viajante, missionário, administrador) e o pesquisador erudito. “O pesquisador compreende a partir desse momento que ele deve deixar seu gabinete detrabalho para ir compartilhar a intimidade dos que devem ser considerados não mais comoinformadores a serem questionados, e sim como hospedes que o recebem e mestres que oensinam”6 

    Escola/Paradigma Funcionalismo

    Período Século XX – anos 20

    CaracterísticasModelo de etnografia clássica (Monografia).Ênfase no trabalhode campo (Observação participante).Sistematização doconhecimento acumulado sobre uma cultura.

    Temas eConceitos

    Cultura como totalidade.Interesse pelas Instituições e suasFunções para a manutenção da totalidade cultural.Ênfase naSincronia x Diacronia.O Funcionalismo defende que um traço cultural só pode tersignificado na medida em que é função do equilíbrio dosistema ou da estrutura dada. Procura a descrição da culturamais o seu funcionamento; pretende perceber em que medidaos diferentes elementos da cultura respondem a determinadanecessidade humana. A cultura organiza-se de uma formafuncional não deixando de ser evolutiva.O segundocontributo da antropologia no estudo da cultura - concepção

    de caráter simbólico (séc.xx) - realça os aspectos simbólicosda cultura e vem suplantar os aspectos negativos daconcepção descritiva (fragilidade de suportes teóricos comoo funcionalismo e o evolucionismo). A concepçãosimbólica preocupa-se com os aspectos compreensivos dacultura, os elementos de análise já não são os objetos,artefatos em si, mas enquanto sistema de símbolos, delinguagem e sentido. A enfatização do aspecto simbólicoretrata a atividade humana organizada em diferenteslinguagens simbólicas (gestual, organização do espaço,linguagem das relações humanas, como a família), ou seja,

    uma organização da vida com sentido.

    AlgunsRepresentantes

    Bronislaw Malinowski (“Argonautas do Pacífico Ocidental” -1922). Radcliffe Brown (“Estrutura e função na sociedade

    ” “

    6 LAPLANTINE, François.  Aprender Antropologia . São Paulo: Brasiliense, 2000. p.76

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    referência Parentesco e Casamento”, org. c/ Daryll Forde - 1950).Evans-Pritchard (“Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande”- 1937; “Os Nuer” - 1940).Raymond Firth (“Nós, os Tikopia” - 1936; “Elementos deorganização social - 1951).Max Glukman (“Ordem e rebelião na África tribal”- 1963).Victor Turner (“Ruptura e continuidade em uma sociedadeafricana”-1957; “O processo ritual”- 1969).Edmund Leach - (“Sistemas políticos da Alta Birmânia” -1954).

    Durkheim articula a teoria do conhecimento da realidade social, situando-a no camposimbólico, no espaço das representações sobre o dizer e o fazer social, apreendido pelo tipode relação que mantemos para com o totem e o tabu. Além disso, em sua teoria doconhecimento, o autor estabelece a hipótese sociológica de que as categorias da

    sensibilidade e do entendimento, ao contrário da afirmação de Kant, não são inatas, e sim,construídas socialmente.

    Em  As formas el ementares da vida religiosa7   (1912), ele afirma que é necessárioestender o campo da sociologia aos materiais recolhidos pelos etnólogos nas sociedades primitivas, considerados sob o ângulo exclusivo da sociologia, da qual a antropologia eradestinada a se tornar um ramo.

    Ao discutir as “categorias do entendimento”, nessa obra: o sistema totêmico naAustrália”, livro no qual Durkheim funda a sociologia do conhecimento. Ele discorda do pressuposto de Kant quanto ao fato de tais categorias serem inatas, e quanto ao aspecto deque o tempo e o espaço sejam apenas “formas de sensibilidade” e não categorias doentendimento, consideradas igualmente inatas na filosofia kantiana. Assim, em um mesmo

    movimento, Durkheim fundamenta essas categorias na hipótese sociológica e alarga anoção de “categorias do entendimento” de modo a designar as “formas da sensibilidade”como categoria do entendimento e, portanto, “representação social” porque construídasocialmente.

    Assim, o autor lança, desde então, um percurso metodológico que, partindo de uma“etnosemântica” (as categorias) chega a uma “etnocognição” (o entendimento), comodiríamos hoje A análise das “categorias do entendimento”, enquanto categorias verbais permitem a compreensão do modo pelo qual o grupo em questão compreende, e,conseqüentemente, representa o mundo, às maneiras de pensar que estão associadas às práticas sociais. Entre os fenômenos que nos permitem acessar as “representações sociais”das diferentes sociedades, Durkheim destaca os ritos e os símbolos. Em sua análise as

    condutas sociais não se dirigem para as coisas em si mesmas, mas para seus símbolos.Quanto aos ritos, ele os classifica em três tipos: os negativos (tabus) – dizem respeito às

    7  Durkheim, nessa obra, para investigar a religião mais primitiva, procura antes definir o que seria a religião, considerando asreligiões na sua realidade concreta, para apreender o que há de comum entre elas. Primeiramente, procurou examinar algumas dasdefinições mais correntes do que se pensa ser religião. Uma noção daquilo que vem a ser característica de religião é a desobrenatural: o mundo do mistério, do incognocível, do incompreensível. Esta noção, porém, nem sempre tem estado presente nasreligiões - especialmente nas mais primitivas - ou em determinados momentos históricos. Não se pode, portanto, fazer dela oelemento essencial da religião.

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    interdições, ao distanciamento; os positivos (totem) – são atos de comunhão (de proximidade e identificação com o totem) – tais como, as refeições rituais; a terceiracategoria de rito, os ritos de imitação são ritos miméticos ou representativos, que tendem aimitar a coisa que deseja provocar.

    Os ritos teriam por função proporcionar coesão social, suscitar, manter, e renovar osentimento de participação no grupo, uma vez que a sociedade só é possível através dosritos e dos símbolos. Dentre as “categorias do entendimento”, Durkheim analisa as degênero e de causalidade defendendo a tese segundo a qual classificamos os seres douniverso em grupos, chamados gêneros, porque temos o exemplo das sociedades humanas.Estas são tipos de agrupamentos lógicos percebidos imediatamente pelos indivíduos. Dessemodo, ampliaríamos às coisas da natureza a prática do agrupamento humano, tendo comoreferência à maneira pela qual concebemos o mundo social. Assim, de acordo com o autor,é a sociedade humana que fornece o modelo para a apreensão do mundo natural.

    As classificações - argumenta Durkheim - são sistemas de noções hierarquizadas e só podem ter origem na sociedade. Assim, é porque os homens estão repartidos que elesrepartem o mundo. Sendo a hierarquia um fenômeno social, sua origem não poderia advirda observação da natureza ou do mecanismo das associações mentais. Do mesmo modo, nosdiz o autor, a noção de igualdade não pode advir da natureza.

    Quanto à noção de causalidade, ela também provém da vida coletiva a partir da idéia deforça. É a imagem e a experiência social da coletividade de homens que produz a noção de“força” superior à força dos indivíduos considerados isoladamente. A origem da noção decausalidade é a força coletiva criada pela comunhão dos homens entre si, em situação detrabalho ou de festa. As situações de trabalho ou de festa são particularmente importantescomo geradoras da “efervescência social”: troca intensa que se estabelece entre os homensreunidos em torno de idéias e crenças em comum.

    São as representações coletivas, o imaginário social, que pode permitir ao homemelevar-se acima de si mesmo, ou seja, para além de sua condição de isolamento, possibilitando-o apreender a “total idade” construída e representada por seu grupo, suasociedade. Ao apresentar a hipótese sociológica, Durkheim pretende superar o empirismoque entende que os conceitos resultam diretamente da experiência sensível; e, o apriorismode Kant, segundo o qual os conceitos ou categorias são dados inatos do espírito humano.Para o autor, a origem dessas categorias é a vida coletiva. As categorias são representaçõesimpessoais porque são coletivas, se impõem porque são coletivas. Elas exprimem a maneira pela qual as sociedades se representam às coisas que lhes dizem respeito e que, portanto,são valorizadas, protegidas, reproduzidas, sacralizadas ou racionalizadas.

    A ciência, por exemplo, diz ele, tem autoridade sobre nós porque a sociedade assim oquer. Se hoje basta mencioná-la para obtermos crédito, é porque temos fé na ciência.Quanto à verdade, ela é construída socialmente, como todo e qualquer valor. Desse modo,não basta que algo seja verdadeiro para ser aceito como tal, é preciso, nos diz Durkheim,que se harmonize com o conjunto das representações coletivas vigentes, as arraigadas ou asque estão em ascensão, caso contrário, é como se não existisse. Tudo na vida socialrepousa sobre a “opinião”, diz ele, assim, para que haja conformidade de condutas énecessário haver “conformismo lógico”: uma certa homogeneidade de entendimento, daí oimportante trabalho das “categorias do entendimento” na vida social.

    Durkheim não opõe, em sua análise, as crenças e a lógica, como era próprio aosintelectuais desde o Iluminismo. Com isso, ele permitiu que se percebesse a lógica própriaa cada crença em particular, além de localizar a crença como base das categorias do

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    entendimento de diferentes grupos sociais, independente das suas característicastecnológicas. Ao fazer isto, Durkheim rompe com a perspectiva evolucionista e, ao mesmotempo, coloca os fundamentos do social e do humano como sendo de naturezaessencialmente simbólica, e o simbólico como tendo origem social, portanto, cultural ehistórica.

    A antropologia, herdeira das hipóteses teóricas apresentadas nas “Formas Elementaresde Vida Religiosa”, pôde, desde então, dedicar-se a estudar a lógica das crenças, uma vezque Durkheim evidenciou que o conhecimento é construído em função de “razões” sociais.A Escola Sociológica Francesa é racionalista com Durkheim. Mas, o que é a razão para esteautor? Para ele a razão é o conjunto das categorias fundamentais de uma determinadasociedade. A categoria de razão estaria incluída no conjunto citado, sendo, ela própria, umaconstrução coletiva.

    Durkheim é racionalista ainda, porque, contra o empirismo, ele acredita que o mundotem um aspecto lógico, que se expressa pelo poder do intelecto de ir além da experiênciaimediata. Acredita que os conhecimentos racionais, lógicos, não se reduzem aos dadosempíricos, aqueles que a ação direta dos objetos suscita em nossos espíritos. A sensaçãoempírica é um estado individual explicável pelo psiquismo do indivíduo, diz respeito àsrepresentações individuais, ou seja, à construção pessoal que o indivíduo elaborou a partirde seu meio social. A ele interessa, particularmente, as representações coletivas: aquelasaceitas, preservadas e reproduzidas pelos grupos que, através delas, se expressam.

    Para Durkheim o homem é duplo: individual e coletivo. Apesar de duplo, Durkheim não postula pela oposição entre indivíduo e sociedade. Compreende que sendo as subjetividadesconstruídas socialmente, é o próprio indivíduo que passa a identificar-se e a desejar o que asociedade valoriza. Os conhecimentos racionais8, lógicos, e as manifestações afetivas sãogerais porque são coletivos. Por isso, a razão - que não pode ser considerada universal ouabstrata, porque é sempre relativa aos grupos - ultrapassa o alcance dos conhecimentosempíricos e se impõe definindo e orientando representações e guiando as condutas, sendo, portanto, motivadora de ações.

    A maior preocupação era a de mostrar que existe uma especificidade do social, e queconvém conseqüentemente emancipar a sociologia (a ciência dos fenômenos sociais) dosoutros discursos sobre o homem, e, em especial, do da psicologia. Ou seja, cada disciplinadeve avançar separadamente e construir seu próprio objeto.

    A causa determinante de um fato social deve ser buscada nos fatos sociais anteriores e não nos estados daconsciência individual.  Há também práticas cultuais que agem por si próprias, sem que haja deuses entre oindivíduo e o objeto que este almeja. Pode-se dizer até que há ritos sem deuses e ritos dos quais derivamdeuses. A religião ultrapassa, portanto, a idéia de deuses ou de espíritos, não podendo ser definida em funçãodesta última. Depois de afastar essas definições, Durkheim coloca-se frente ao problema. Nota que em todas essas fórmu las é a natureza da re ligião que se procura exprimir . Há, porém, um erro, pois trata-se a na tureza da rel ig ião como se esta fo sse uma espécie deentidade indivisível, quando ela é um todo formado de partes. Desse modo, só pode serdefinida em relação às partes que o formam.

    8  Esse racionalismo durkheimiano será prolongado em Lévi-Strauss, que “herda” essa fundamentaçãofilosófica e essa temática que será desenvolvida por ele, particularmente nas seguintes obras: “OTotemismo Hoje”, “O Pensamento Selvagem” e a “Eficácia Simbólica”.

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    Durkeheim se opõe às explicações psicológicas do social (sempre falsas). Por exemplo:a questão da relação com o sagrado não poderia ser abordada psicologicamente estudandoos estados afetivos dos indivíduos, nem mesmo através de alguma psicologia coletiva. Damesma forma que a linguagem, também fenômeno coletivo, não poderia ser explicada pela psicologia dos que a falam, sendo absolutamente independente da criança que a prende, é-lhe exterior, a precede e continuará existindo muito tempo depois de sua morte.

    A irredutibilidade do social aos indivíduos tem para Durkheim a seguinte conseqüência:os fatos sociais são coisas que só podem ser explicados sendo relacionados a outros fatos sociais.

    Mauss vai trabalhar incansavelmente para que a antropologia seja considerada comouma ciência verdadeira e não como uma disciplina anexa. Ao buscar o fundamento daautonomia do social, ele elabora o conceito de fenômeno social total, consistindo naintegração dos diferentes aspectos (biológico, econômico, jurídico, histórico, religioso,estético...) constitutivos de uma dada realidade social que convém apreender na suaintegralidade. Pois, “É preciso que os sociólogos se esforcem em recompor o todo”.E “Osfenômenos sociais são antes sociais, mas também conjuntamente e ao mesmo tempofisiológico e psicológico”. Mas não se pode afirmar que todo fenômeno social é também umfenômeno mental, da mesma forma que todo fenômeno mental é um fenômeno social,devendo as condutas humanas ser aprendidas em todas as sua dimensões, históricas e psicofisiológica.

    Esse fenômeno social total é formado de uma multiplicidade de planos distintos, só podeser aprendida na experiência dos indivíduos. Devemos “observar o comportamento de serestotais, e não divididos em faculdades. E a única garantia que podemos ter de que umfenômeno social corresponde à realidade da qual procuramos dar conta é que possa seraprendido na experiência concreta de um ser humano, naquilo que ele tem de único”. Porexemplo, não podemos alcançar o sentido e a função de uma instituição se não formoscapazes de reviver sua incidência através de uma consciência individual, consciência estaque é parte da instituição e, portanto do social.  

    Escola/Paradigma Escola Sociológica Francesa

    Período Século XIX

    CaracterísticasDefinição dos fenômenos sociais como objetos deinvestigação socio-antropológica.Definição das regras do método sociológico.

    Temas e Conceitos

    Representações coletivas.Solidariedade orgânica e

    mecânica. Formas primitivas de classificação(totemismo) e teoria do conhecimento. Busca pelo FatoSocial Total (biológico + psicológico + sociológico). Atroca e a reciprocidade como fundamento da vidasocial (dar, receber, retribuir).Empenhou-se esssencialmente em mostrar a lógica

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    A Escola Sociológica Francesa lega a antropologiauma ferramenta de trabalho importante para oacesso às “representações sociais”, ao imaginário,que são os pressupostos teóricos e metodológicos para a análise das categorias do entendimento ourepresentações sociais. Ou seja, as categoriassintéticas, não enquanto a priori, mas, enquantohistoricidades, permanências e metamorfoses.

    AlgunsRepresentantese obras de referência

    Émile Durkheim:“Regras do método sociológico”-1895; “Algumas formas primitivas de classificação” -c/ Marcel Mauss - 1901; “As formas elementares davida religiosa” - 1912. Marcel Mauss:“Esboço de umateoria geral da magia” - c/ Henri Hubert - 1902-1903;“Ensaio sobre a dádiva” - 1923-1924; “Uma categoriado espírito humano: a noção de pessoa, a noção de eu”-

    1938).

    Em Durkheim e Mauss, a teoria social se afasta da Biologia e compreende o pensamentoenquanto construção coletiva. Com Lévi-Strauss, sem ignorar o social, voltamos ao biológico. O primeiro retém do biológico apenas o cérebro, entendido como um formantede estruturas binárias, complementares e opostas, que funcionam como estruturador lógico para as elaborações culturais.

    Durkheim e Mauss compreendem a realidade humana como construção virtual,

    dispositivo, “sistemas de montagens simbólicas” na bela e competente expressão de Mauss.Essa noção pode ser aproximada do “dispositivo maquínico” e do “agenciamento coletivo”de Guattari, para acentuar a atualidade das formulações da primeira geração da  École ,  queescreveu no início do século. Se, no início do século, Durkheim ao contribuirdecisivamente para o estabelecimento da Sociologia, o faz “heroicamente”, pelo corte,separando-a da Psicologia Introspectiva e da Filosofia Social, no programa mesmo daEscola, a noção de “fato social total” preconiza a abordagem interdisciplinar para aelucidação do “fato social”. Mesmo porque, a interrelação entre o “soma” e a “psiquê”, foiobjeto de análise de Mauss, em seu artigo sobre o “Efeito físico no indivíduo da idéia demorte sugerida pela coletividade” para compreender os casos em que o indivíduo se deixamorrer porque acredita que, de acordo com o padrão do grupo, ele, por transgressão ou

    ataque psíquico de inimigos, não pode continuar vivo.É também Marcel Mauss – fortemente ligado à História Social (ao contrário de seu tio

    Durkheim que inaugura o funcionalismo-estrutural na França) – e, também interessado nosaspectos afetivos da sociabilidade, quem retomará o diálogo com a Psicologia, através deum outro artigo que trata das “Relações reais e práticas entre a Sociologia e a Psicologia”, projeto que será retomado por Roger Bastide em “Sociologia e Psicanálise”. Ou seja, há umintenso e intrincado debate interdisciplinar em torno da constituição mesma do pensamento

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    humano, entendido enquanto imaginário social, e da relação entre grupo e indivíduo. Essedebate perpassa a produção da Escola e encontra eco na produção de vários intelectuaisfranceses contemporâneos.

    Lévi-Strauss vai articular o social ao substrato biológico, evidenciando outro aspecto dodebate que é o diálogo interdisciplinar. É bem verdade que a Antropologia éinterdisciplinar desde a fundação da “Escola”, Mauss, inclusive, estabelece a noção de“fato social total” para demarcar a necessidade de o antropólogo considerar todos osaspectos do fenômeno que estuda: econômico, político, biológico, psicológico, religioso,estético. A diferença está na escolha quanto às disciplinas consideradas no diálogo que osautores desenvolvem. Lévi-Strauss, por exemplo, não aprofunda o diálogo com a Biologia,sua hipótese encontra argumentos na lingüística9  de Saussure e na Cibernética; a Biologia participa como meta-teoria, pois ele acredita que em função da universalidade da lógica binária, inclusive no pensamento selvagem, aquele ainda não informado pela herançaOcidental, deve haver homologia entre a natureza – o mundo orgânico (sabemos que ele équímico, elétrico, magnético e computacional) e o modo de funcionamento do cérebro; docontrário, como seria possível o isomorfismo das produções do “espírito” humano, entrenós e os “primitivos” e, entre essas duas metades da humanidade e a materialidade domundo?

    Escola/Paradigma Estruturalismo

    Período Século XX - anos 40

    Características

    Busca das regras estruturantes das culturas presentes na

    mente humana. Teoria do parentesco/Lógica domito/Classificação primitiva. Distinção Natureza xCultura.Estruturalismo (analogia consciente com a lingüísticaestrutural) de C.Lévi-Strauss que enfatiza o aspectosimbólico da cultura ao identificá-la como expressão desistemas do espírito. A cultura é uma manifestação domundo das idéias abstratas do espírito; é um instrumentode comunicação. Na sua expressão mais simples, oestruturalismo fornecia um modo de análise dos aspectossimbólicos da sociedade (sobretudo o mito, mas também o

    totem e outros sistemas de classificação). Na suaexpressão mais complexa fazia afirmações sobre auniversalidade dos modos de estruturação do pensamento.

    9 Lingüística: estuda e analisa a linguagem articulada. A língua é um sistema de símbolos vocais arbitrários por meio dos quais osmembros de um grupo social se interagem. A língua esta na base da cultura, a língua condiciona a mentalidade, pois não é possíveltraduzir exatamente uma língua para outra por isso o antropólogo estusda a língua procurando o específico de cada povo.

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    Temas e ConceitosPrincípios de organização da mente humana: pares deoposição e códigos binários.Reciprocidade

    Alguns

    Representantese obras de referência

    Claude Lévi-Strauss:“As estruturas elementares do parentesco” - 1949 . “Tristes Trópicos”- 1955 .

    “Pensamento selvagem” - 1962. “Antropologia estrutural”- 1958 “Antropologia estrutural dois” - 1973 “O cru e ocozido” - 1964 “O homem nu” – 1971

    BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

    CLIFFORD,J. " A autoridade etnográfica";"Sobre a alegoria etnográfica";" As fronteiras daantropologia"(entrevista)In: Clifford, J.  A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX (org. Gonçalves, J.R.S.) Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1998.

    COPANS, Jeans - Críticas e políticas da antropologia. Lisboa, Edições 70, 1981.

    DAMATTA, Roberto.  Re lati vi zando; uma introdução à Antropologia social. Rio deJaneiro: Rocco, 1987.

    DURKHEIM, Emile. As Formas Elementares da Vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes

    FOURNIER, M. " Marcel Mauss ou a dádiva de si" In:  Revista Brasileira de CiênciasSociais,ANPOCS, no. 21, pp. 104-112.

    GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

    HELL, Victor. A idéia de cultura. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

    LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2000.

    LARAIA, Roque de Barros. Cultura – um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

    LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural . Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970.

    LINTON, Ralph. O Homem; uma introdução à antropologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

    MAUSS, Marcel. Antropologia. São Paulo: Ática.