ANTINOMIA JURIDICA

download ANTINOMIA JURIDICA

of 4

Transcript of ANTINOMIA JURIDICA

  • 7/31/2019 ANTINOMIA JURIDICA

    1/4

    1 DA INTRODUOO estudo das antinomias jurdicas relaciona-se questo da consistncia do

    ordenamento jurdico, condio de um ordenamento jurdico no apresentarsimultaneamente normas jurdicas que se excluam mutuamente, isto , que sejamantinmicas entre si, a exemplo de duas normas, em que uma manda e a outra probe a

    mesma conduta.Como diz Gisele LEITE:"A antinomia representa fenmeno comum que espelha o conflito entre duas

    normas, dois princpios, entre uma norma e um princpio geral de direito em sua aplicaoprtica a um caso particular. fenmeno situado dentro da estrutura do sistema jurdicoque s a teraputica jurdica pode suprimir a contradio. Apaziguando o direito com aprpria realidade de onde emana."[01]

    O ordenamento jurdico deve encerrar um conjunto unitrio e ordenado deelementos em funo de princpios coerentes e harmnicos. Todavia, no isso que seconstata quando o mesmo apresenta normas cujas antinomias no possam ser resolvidaspor nenhum dos critrios apresentados pela doutrina.

    E o grande problema de um ordenamento jurdico revelar-se inconsistente ante aexistncia de antinomias a dificuldade que causa ao operador jurdico, no momento emque este precisa encontrar uma soluo para os problemas que lhe so apresentados. Emalgumas ocasies, a antinomia encontrada pelo operador serconsiderada aparenteporque, ainda que difcil, alguma soluo existir para afast-la. Emoutras ocasies, no entanto, a remoo da contradio ser impossvel, porque aantinomia real, e ento a alternativa, na maioria dos casos, ser a ab-rogao de umadas normas antinmicas.

    Ao longo do presente artigo, objetivar-se- o estudo das antinomias, em todos osaspectos tratados pela doutrina. E a parte mais importante ser a que demonstrar aexistncia de espcies de antinomias, e, nesse passo, a existncia de antinomias

    aparentes, as quais podem ser afastadas mediante critrios apontados pela doutrina epela jurisprudncia, no constituindo, pois, indcios de inconsistncia do ordenamentojurdico.

    2 - DA CONSISTNCIA DO ORDENAMENTO JURDICOO Direito, na sua acepo objetiva, representado pelo conjunto de textos legais

    reunidos em umordenamento jurdico e este deve representar, por exigncia social, umtodo organizado, em que cada norma ocupe o lugar que lhe corresponde e desempenhe afuno que lhe compete. Nunca demais frisar que sistema um conceito que abriganexo, o conjunto de elementos dotado de mtodo como instrumento de anlise e que o

    sistema jurdico no uma construo arbitrria.Como reconhece Norberto BOBBIO, "A situao de normas incompatveis entre si uma das dificuldades frente as quais se encontram os juristas de todos os tempos, tendoesta situao uma denominao prpria: antinomia. Assim, em considerando oordenamento jurdico uma unidade sistmica, o Direito no tolera antinomias."[021]

    E isso porque a complexidade dos problemas que atingem a sociedade exige aexistncia de normas harmnicas, coerentes entre si, que permitam aos operadoresjurdicos uma soluo pronta e certeira. A desordem provoca tumulto social e exatamente isso que o ordenamento jurdico quer evitar. A ordem jurdica constitui aorganizao da sociedade pelo direito e se rege pelo princpio maior de efetivao dajustia. A coerncia do ordenamento jurdico no constitui condio de validade, mas de

    efetividade.

  • 7/31/2019 ANTINOMIA JURIDICA

    2/4

    Assim, para se verificar a consistncia de um ordenamento jurdico, faz-senecessrio que este apresente critrios de soluo para eventuais antinomias. Pode-sedizer que a construo do sistema jurdico exige a soluo dos conflitos de normas, poistodo sistema deve ter coerncia interna, possibilitando, desta forma, uma soluo por meioda lgica jurdica.

    Norberto BOBBIO, considerando que um ordenamento composto de mais deuma norma, localizou o impasse relativo s antinomias jurdicas no grupo dos quatrograndes problemas do ordenamento jurdico, isto , alinhou o problema das antinomias aodas lacunas, ao da hierarquia das normas e ao das relaes entre os ordenamentos.Como grande contribuio, BOBBIO destacou que as antinomias jurdicas muitas vezesrevelam a ausncia de coerncia, unidade no ordenamento jurdico, ou pior ainda, aausncia de um sistema. Como ele prprio afirmou:

    "Em segundo lugar, busca-se saber se o ordenamento jurdico constitui, alm deUNIDADE, um SISTEMA. O problema fundamental que se coloca diz respeito santinomias jurdicas, definida como aquela situao na qual so colocadas em existnciaduas normas, das quais uma obriga e outra probe, ou uma obriga e a outra permite o

    mesmo comportamento."[03]

    3 - DO CONCEITO DE ANTINMIA JURDICAPor antinomia jurdica, na lio de Trcio Sampaio FERRAZ JNIOR, entende-

    se "(...) a oposio que ocorre entre duas normas contraditrias (total ou parcialmente),emanadas de autoridades competentes num mesmo mbito normativo, que colocam osujeito numa posio insustentvel pela ausncia ou inconsistncia de critrios aptos apermitir-lhe uma sada nos quadros de um ordenamento dado." [04]

    4 - DO HISTRICO DE SURGIMENTO DAS ANTINOMIAS JURDICAS

    A primeira notcia que se tem quanto utilizao do termo antinomia remonta Antiguidade, por meio dos trabalhos desenvolvidos por PLUTARCO e QUINTILIANO. Noentanto, o termo s alcanou relevncia jurdica em 1613, com GLOCENIUS, quedistinguiu a antinomia em sentido amplo que ocorria entre sentenas e proposies e, emsentido estrito, existente entre leis. Mais tarde, em 1660, ECKOLT j falava em antinomiareal e aparente. Na seqncia, ZEDLER, em 1732, define antinomia como contrariedadede leis que ocorre quando duas leis se opem ou mesmo se contradizem. JBAUMGARTEN menciona a antinomia entre direito natural e o direito civil. [05]

    Entretanto, como ensina Gisele LEITE [06],o problema das antinomias surgiuprecisamente na poca da Revoluo Francesa, quando ocorreu a consolidao de certascondies polticas, como a preponderncia da lei enquanto fonte do direito e a concepo

    do direito como sistema. que nesta poca, devido freqente influncia poltica naconfeco das leis e ausncia da tcnica apropriada, as incompatibilidades entre asnormas se tornaram mais e mais freqentes.

    No sculo XIX, o problema das antinomias jurdicas aparece marcado pelofenmeno da positivao e da crescente relevncia da lei. A partir da, intensifica-se aimportncia em conceber o direito como um sistema normativo coerente eharmnico. Assim, a antinomia jurdica aparece como um elemento do sistema jurdico enecessitando este ser harmnico (coerncia interna) urge a criao de mtodos para asoluo dos conflitos normativos.

    5 DOS PRESSUPOSTOS PARA A OCORRNCIA DE ANTINOMIAS JURDICAS

    Para se constatar a existncia de uma contradio entre normas, so necessriosos seguintes pressupostos: a) que sejam jurdicas; b) que estejam vigorando; c) que

  • 7/31/2019 ANTINOMIA JURIDICA

    3/4

    estejam concentradas em um mesmo ordenamento jurdico; d) que emanem deautoridades competentes num mesmo mbito normativo, prescrevendo ordens ao mesmosujeito; e) que tenham comandos opostos, por exemplo, que uma permita e a outraobrigue dada conduta, de forma que uma constitua a negao da outra; f) que o sujeito aque se dirigem fique numa situao insustentvel.

    Imprescindvel, pois, que o operador jurdico esteja diante de todas essascondies para afirmar que constatou uma antinomia jurdica no ordenamento observado.

    6 - DAS ESPCIES DE ANTINOMIAS JURDICASNo interessa aqui o estudo das antinomias tratadas genericamente no campo da

    lgica. Parte-se, portanto, para a anlise das antinomias propriamente jurdicas.Classicamente, proposta a seguinte classificao:a)Antinomias Reais: pressupem um conflito ou uma coliso entre normas

    jurdicas, que se excluem reciprocamente, por ser impossvel remover a contradio comos critrios existentes no ordenamento jurdico, at mesmo porque esses so conflituosos.Trcio Sampaio FERRAZ JNIOR explica que:

    O reconhecimento desta lacuna no exclui a possibilidade de uma soluo efetiva,quer por meios ab-rogatrios (edita-se nova norma que opta por uma das normasantinmicas), quer por meio de interpretao equitativa, recurso ao costume, doutrina, aprincpios gerais do direito, entre outros. O fato, porm, de que estas antinomias ditas reaissejam solveis desta forma no exclui a antinomia, mesmo porque qualquer das solues,ao nvel da deciso judiciria, pode suprimi-la no caso concreto, mas no suprime a suapossibilidade no todo do ordenamento, inclusive no caso de edio de nova norma, quepode por pressuposio, eliminar uma antinomia e, ao mesmo tempo dar origem a outras.O reconhecimento de que h antinomias reais indica, por fim, que o direito no tem ocarter de sistema lgico-matemtico, pois sistema pressupe consistncia, o que apresena da antinomia real exclui. [07]

    b)Antinomias Aparentes: pressupem a existncia de critrios que permitam suasoluo. Constatada a existncia de antinomias aparentes, cumpre ao operador jurdicoconhecer os critrios que podem ser utilizados na soluo do impasse ocasionado entre asnormas aparentemente incompatveis, eis que no demonstram verdadeiramenteinconsistncia do ordenamento jurdico.

    7 DOS CRITRIOS PARA A SOLUO DE ANTINOMIAS APARENTESVrios so os critrios para a soluo de antinomias no direito interno, a saber:a) Critrio Cronolgico: na existncia de duas normas incompatveis, prevalece a

    norma posterior. Este critrio anunciado pelo brocardo jurdico: lex posterior derogat legipriori. Essa regra se explica pelo fato de a eficcia da lei no tempo ser limitada ao prazo de

    sua vigncia, que comea com a sua publicao e perdura at a sua revogao. Assim, alei s comea a produzir seus efeitos aps entrar em vigncia e deixa de produzi-losdepois de revogada. Como ensina Norberto BOBBIO, "Do princpio de que a lei s temeficcia durante a vigncia, resulta que nenhuma lei pode aplicar-se a fatos anteriores(nenhuma lei tem efeito retroativo). O nico caso de retroatividade permissvel da leipenal favorvel ao ru."[08]

    b) Critrio Hierrquico: tambm chamado de Lex superior, porque inspirado naexpresso latina lex superior derogat legi inferiori. Por esse critrio, na existncia denormas incompatveis, prevalece a hierarquicamente superior. O contrrio, uma normainferior revogar uma superior inadmissvel.

    c) Critrio da Especialidade: tambm denominado Lex specialis, em funo da

    expresso latina lex specialis derogat legi generali. Por esse critrio, se as normasincompatveis forem geral e especial, prevalece a segunda. O entendimento que norteia

  • 7/31/2019 ANTINOMIA JURIDICA

    4/4

    esse critrio diz respeito circunstncia de a norma especial contemplar um processonatural de diferenciao das categorias, possibilitando, assim, a aplicao da lei especialaquele grupo que contempla as peculiaridades nela presentes, sem ferir a norma geral,ampla por demais. Alm do mais, a aplicao da regra geral importaria no tratamento igualde pessoas que pertencem a categorias diferentes, e, portanto, numa injustia.

    8 - DA CONCLUSOAo longo do presente estudo, pode-se perceber que as "antinomias jurdicas",

    mormente as reais, representam um considervel problema para a Dogmtica Jurdica, medida que elas demonstram que o ordenamento jurdico, tomado como dogma - comoum todo, completo, perfeito e acabado, apresenta inconsistncias, o que acabarepercutindo na eficcia desse ordenamento.

    Constatada uma antinomia, imensa a insegurana que passa a reinar nasociedade: o ordenamento que era o maior centro de segurana passa a difundir ainsegurana e a incoerncia. E o problema no para por a, j que os conflitos jurdicosno podem ficar sem soluo. Assim, no campo das antinomias aparentes, verificou-se

    que so disponibilizados ao operador jurdico critrios para afastar as antinomias. Agora,no que tange s antinomias reais, como bem disse o prof. Trcio Sampaio FERRAZJNIOR, por mais que se encontre uma soluo para o caso concreto, a antinomiapermanece, fazendo-se necessria uma interveno legislativa eficaz.

    A soluo mais sensata, considerando-se os inmeros posicionamentosdoutrinrios e filosficos a respeito, partir do pressuposto de que no o ordenamentojurdico que incoerente [09], mas sim as suas normas. O direito pode at ser harmnico,mas as normas jurdicas podem encerrar antinomias, no entanto. H de se pensar assim,porque mesmo a ab-rogao de uma lei pelo Poder Legislativo uma alternativa previstapelo ordenamento jurdico.

    Assim, os operadores jurdicos podem defender a tese segundo a qual o

    ordenamento jurdico consistente, de forma que as solues para todos os impasses,especialmente entre normas, neles se encontram presentes, at porque o fenmeno dasantinomias jurdicas ocorre com freqncia por circunstncias inevitveis e especialmenteporque aqueles encarregados de confeccionarem as leis no possuem, nas mais dasmuitas vezes, o conhecimento tcnico necessrio para essa atividade.

    Leia mais:http://jus.com.br/revista/texto/7207/das-antinomias-juridicas#ixzz1q8OVsmy0

    http://jus.com.br/revista/texto/7207/das-antinomias-juridicas#ixzz1q8OVsmy0http://jus.com.br/revista/texto/7207/das-antinomias-juridicas#ixzz1q8OVsmy0http://jus.com.br/revista/texto/7207/das-antinomias-juridicas#ixzz1q8OVsmy0http://jus.com.br/revista/texto/7207/das-antinomias-juridicas#ixzz1q8OVsmy0