Antes de mim Para começar -...

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I 11 1. Antes de mim UNIDADE A genética é a área de investigação que se dedica sobretudo ao estudo do processo de variação e transmissão de características biológicas dos pro- genitores aos seus descendentes. A este processo dá-se o nome de heredi- tariedade, porque, de certo modo, assemelha-se ao processo através do qual herdamos algum bem que pertencia aos nossos ascendentes e que foi sendo transmitido de geração em geração. Contudo, existem, claramente, diferenças muito significativas entre estes dois processos. Não herdamos características biológicas do mesmo modo que herdamos uma casa. No primeiro caso, esta- mos a falar de transmissão genética, o que significa que aquilo que é trans- mitido às gerações seguintes são potencialidades genéticas que poderão ou não vir a manifestar-se ao longo das nossas vidas; ao passo que no segundo caso aquilo que recebemos encontra-se já materializado nalgum tipo de bem. Mas, afinal, em que consiste a transmissão genética e como se processa? 1.1. Os agentes responsáveis pela transmissão das características genéticas No caso dos seres humanos, os agentes responsáveis pela transmissão das características genéticas são as células sexuais 1 : o ovócito e o espermatozoide (oriundos da mãe e do pai, respetivamente). Estas células, tal como todas as do nosso corpo, transportam no seu interior cromossomas. Por sua vez, os cromossomas são constituídos por finas e longas cadeias de uma molécula muito especial, o ADN (ácido desoxirribonucleico). É no ADN que se encontra a informação genética proveniente dos nossos progenitores, codificada nos genes. Podemos concluir que as noções de cromossomas, ADN e genes são cruciais para perceber o processo de transmissão genética. Vejamos, de modo mais detalhado, em que consiste cada um destes elementos. GREGOR MENDEL Heinzendorf, 1822-Brno, 1884 Nascido no Império Austríaco (hoje, República Checa), era um monge que estudou a reprodução e os cruzamen- tos entre plantas, formulando as leis es- senciais da hereditariedade a que estão igualmente sujeitos os animais. 1 Também designadas células ger- minais, células reprodutoras ou gâmetas. • Apresentação A genética • Animação Multimédia Mendel e a hereditariedade Vídeo Mendel BRIGITTE MATSCHINSKY-DENNINGHOFF e MARTIN MATSCHINSKY, Berlim, Berlim, Alemanha. 10 10 Uma negra brasileira deu à luz três crianças brancas Uma mãe negra deixou os cientistas confusos ao dar à luz três filhos albinos. Os pais das crianças, Rosemere Fernandes de Andrade e o seu companheiro João, têm ambos a pele escura característica dos afro-brasileiros, mas três dos seus cinco filhos são albinos. O professor de genética Valdir Balbino, da Universidade Federal de Pernambuco, disse que esta ocorrência é muito rara, especialmente tendo em conta que os pais são ambos negros. Para que possa nascer uma criança albina, ambos os progenitores têm de ser portadores do gene do albinismo. E, mesmo nessas circunstâncias, a possibilidade de a criança ser afetada é de 1 para 4. Esta condição afeta cerca de 1 em cada 17 000 pessoas. Os albinos não produzem o pigmento responsável pela cor da pele, dos cabelos e dos olhos e pela pro- teção do corpo contra os raios do sol – a melanina – em quantidade suficiente; o que faz com que tenham, geralmente, problemas de visão e uma enorme sensi- bilidade à luz. Rosemere Fernandes de Andrade, que mora com a sua família na favela de Olinda, no Nordeste do Brasil, diz que tem de se esforçar bastante para conseguir pagar as contas médicas dos filhos Ruth, Esthefany e Kauan, respetivamente com 10, 8 e 5 anos de idade. Além das despesas médicas, queixa-se ainda de ter de gastar muito dinheiro na compra de vestuário adequado e de protetores solares especiais para a condição dos filhos. Chegando mesmo a confessar: “Tenho medo que eles apanhem um cancro de pele, porque eu não posso pagar a proteção que precisam.” Na escola, as crianças têm sido alvo de troça por parte dos colegas devido ao seu tom de pele. A mãe também tem sido abordada por seguranças que insistem que ela não é a mãe das crianças. Já para não falar das suspeitas de infidelidade de que foi alvo depois do nascimento da primeira criança albina.  Daily Mail Reporter, 03/09/2009 (adaptado). No final deste capítulo, responda às questões que se seguem. · Por que razão ficaram confusos os cientistas? · Como se explica a ocorrência deste tipo de casos? · Será que o facto de um casal de negros ter um filho albino é motivo suficiente para levantar suspeitas relativamente à paterni- dade da criança? ATIVIDADE Para começar... Rosemere Fernandes e os seus filhos na favela de Olinda, no Nordeste do Brasil. PROFESSOR Porque, dos cinco filhos que Rosemere teve com o marido, três eram albinos. Embora não seja impossível que um casal de negros tenha um filho albino, Rosemere e o marido desafiaram as probabilidades, uma vez que nenhum dos dois é albino e o gene responsável pelo albinismo é um gene recessivo: apenas um em cada quatro dos seus filhos tinha probabilidade de ser albino. Este tipo de casos explica-se pelo facto de o albinismo ser uma característica ditada por um gene recessivo, isto é, por um gene que não chega a manifestar-se caso se tenha um gene com informação contrária proveniente do outro progenitor. Ora, para que as crianças sejam albinas, ambos os progenitores deveriam ser portadores do gene do albinismo, mas como só tinham um gene com essa instrução, nenhum dos pais manifestava sintomas de albinismo. Isso não significa que não possam transmitir esse gene aos seus descendentes. Caso cada um deles transmita precisamente esse gene, a criança será albina, pois terá dois genes com essa instrução. Não, os pais podem não apresentar sinais exteriores de albinismo, visto esta anomalia ser causada por um gene recessivo, e ainda assim serem ambos portadores do mesmo. Nesse caso, existe a possibilidade de ambos transmitirem à criança o gene responsável pelo albinismo, de maneira que a criança acabará por ser albina.

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1. Antes de mim

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A genética é a área de investigação que se dedica sobretudo ao estudo do processo de variação e transmissão de características biológicas dos pro-genitores aos seus descendentes. A este processo dá-se o nome de heredi-tariedade, porque, de certo modo, assemelha-se ao processo através do qual herdamos algum bem que pertencia aos nossos ascendentes e que foi sendo transmitido de geração em geração. Contudo, existem, claramente, diferenças muito significativas entre estes dois processos. Não herdamos características biológicas do mesmo modo que herdamos uma casa. No primeiro caso, esta-mos a falar de transmissão genética, o que significa que aquilo que é trans-mitido às gerações seguintes são potencialidades genéticas que poderão ou não vir a manifestar-se ao longo das nossas vidas; ao passo que no segundo caso aquilo que recebemos encontra-se já materializado nalgum tipo de bem. Mas, afinal, em que consiste a transmissão genética e como se processa?

1.1. Os agentes responsáveis pela transmissão das características genéticas

No caso dos seres humanos, os agentes responsáveis pela transmissão das características genéticas são as células sexuais1: o ovócito e o espermatozoide (oriundos da mãe e do pai, respetivamente).

Estas células, tal como todas as do nosso corpo, transportam no seu interior cromossomas. Por sua vez, os cromossomas são constituídos por finas e longas cadeias de uma molécula muito especial, o ADN (ácido desoxirribonucleico). É no ADN que se encontra a informação genética proveniente dos nossos progenitores, codificada nos genes.

Podemos concluir que as noções de cromossomas, ADN e genes são cruciais para perceber o processo de transmissão genética. Vejamos, de modo mais detalhado, em que consiste cada um destes elementos.

GREGOR MENDELHeinzendorf, 1822-Brno, 1884Nascido no Império Austríaco (hoje, República Checa), era um monge que estudou a reprodução e os cruzamen-tos entre plantas, formulando as leis es-senciais da hereditariedade a que estão igualmente sujeitos os animais.

1 Também designadas células ger-minais, células reprodutoras ou gâmetas.

• Apresentação A genética

• Animação MultimédiaMendel e a hereditariedade

• VídeoMendel

BRIGITTE MATSCHINSKY-DENNINGHOFF e MARTIN MATSCHINSKY, Berlim, Berlim, Alemanha.

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Uma negra brasileira deu à luz três crianças brancasUma mãe negra deixou os cientistas confusos ao dar à luz três filhos albinos.

Os pais das crianças, Rosemere Fernandes de Andrade e o seu companheiro João, têm ambos a pele escura característica dos afro-brasileiros, mas três dos seus cinco filhos são albinos.

O professor de genética Valdir Balbino, da Universidade Federal de Pernambuco, disse que esta ocorrência é muito rara, especialmente tendo em conta que os pais são ambos negros. Para que possa nascer uma criança albina, ambos os progenitores têm de ser portadores do gene do albinismo. E, mesmo nessas circunstâncias, a possibilidade de a criança ser afetada é de 1 para 4.

Esta condição afeta cerca de 1 em cada 17 000 pessoas. Os albinos não produzem o pigmento responsável pela cor da pele, dos cabelos e dos olhos e pela pro-teção do corpo contra os raios do sol – a melanina – em quantidade suficiente; o que faz com que tenham, geralmente, problemas de visão e uma enorme sensi-bilidade à luz.

Rosemere Fernandes de Andrade, que mora com a sua família na favela de Olinda, no Nordeste do Brasil, diz que tem de se esforçar bastante para conseguir pagar as contas médicas dos filhos Ruth, Esthefany e Kauan, respetivamente com 10, 8 e 5 anos de idade.

Além das despesas médicas, queixa-se ainda de ter de gastar muito dinheiro na compra de vestuário adequado e de protetores solares especiais para a condição dos filhos. Chegando mesmo a confessar: “Tenho medo que eles apanhem um cancro de pele, porque eu não posso pagar a proteção que precisam.”

Na escola, as crianças têm sido alvo de troça por parte dos colegas devido ao seu tom de pele.

A mãe também tem sido abordada por seguranças que insistem que ela não é a mãe das crianças.

Já para não falar das suspeitas de infidelidade de que foi alvo depois do nascimento da primeira criança albina.

  Daily Mail Reporter, 03/09/2009 (adaptado).

No final deste capítulo, responda às questões que se seguem.

· Por que razão ficaram confusos os cientistas?

· Como se explica a ocorrência deste tipo de casos?

· Será que o facto de um casal de negros ter um filho albino é motivo suficiente para levantar suspeitas relativamente à paterni-dade da criança?

ATIVIDADE

Para começar...

Rosemere Fernandes e os seus filhos na favela de Olinda, no Nordeste do Brasil.

P R O F E S S O R

• Porque, dos cinco filhos que Rosemere teve com o marido, três eram albinos. Embora não seja impossível que um casal de negros tenha um filho albino, Rosemere e o marido desafiaram as probabilidades, uma vez que nenhum dos dois é albino e o gene responsável pelo albinismo é um gene recessivo: apenas um em cada quatro dos seus filhos tinha probabilidade de ser albino.

• Este tipo de casos explica-se pelo facto de o albinismo ser uma característica ditada por um gene recessivo, isto é, por um gene que não chega a manifestar-se caso se tenha um gene com informação contrária proveniente do outro progenitor. Ora, para que as crianças sejam albinas, ambos os progenitores deveriam ser portadores do gene do albinismo, mas como só tinham um gene com essa instrução, nenhum dos pais manifestava sintomas de albinismo. Isso não significa que não possam transmitir esse gene aos seus descendentes. Caso cada um deles transmita precisamente esse gene, a criança será albina, pois terá dois genes com essa instrução.

• Não, os pais podem não apresentar sinais exteriores de albinismo, visto esta anomalia ser causada por um gene recessivo, e ainda assim serem ambos portadores do mesmo. Nesse caso, existe a possibilidade de ambos transmitirem à criança o gene responsável pelo albinismo, de maneira que a criança acabará por ser albina.

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3. Eu com os outros

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A avaliação da vinculação do adulto: uma revisão crítica a propósito da aplicação da adult attachment scale-r (AAS-R) na população portuguesa

Embora Bowlby, ao longo da sua obra (1973, 1977, 1988), reconheça, em diversas ocasiões, a importância da vin-culação no ciclo de vida do ser humano, a sua investiga-ção centrou-se fundamentalmente na infância. Bowlby e Ainsworth focaram a atenção nas origens desenvol-vimentais do sistema de vinculação, centrando-se na vinculação da criança aos pais e, sobretudo, à mãe. A partir da década de 80, um conjunto de investigadores ofereceu contributos distintos que tornaram relevante o estudo da vinculação durante a adolescência e a idade adulta. (…) Os contributos que anteriormente referimos e, especificamente, a possibilidade de avaliar domínios da vinculação do adulto permitiram que a Teoria da Vinculação tenha vindo a ser utilizada por um número crescente de investigadores como quadro concep-tual de referência, ao estudarem aspetos psicológicos diversos relativos à idade adulta. Mais especificamente,

encontramos vários trabalhos que, com referência à Teoria da Vinculação, estudam processos de continui-dade e mudança ao longo da vida (…), avaliam o amor romântico como um processo de vinculação (…), testam a influência das relações estabelecidas com os pais na infância e adolescência nas relações estabelecidas na idade adulta (…) e procuram compreender o papel da vinculação nas estratégias de coping associadas aos pedidos de ajuda (…).

Recentemente, é ainda frequente encontrarmos a Teo-ria da Vinculação utilizada como grelha conceptual na investigação sobre questões mais particulares da idade adulta, tais como a violência conjugal (…), os maus-tra-tos infantis, a orientação sexual (…) e diversos quadros clínicos psicopatológicos (…).

NOTA: Coping, ou enfrentamento, corresponde à capacidade de enfrentar situações desafiantes quer a nível cognitivo (estratégias de resolução de problemas) quer a nível emocional (regulação das emoções).

C. Canavarro, P. Dias e V. Lima (2006) Avaliação da vinculação do adulto.

Psicologia em ação

ESCAlA DE VINCUlAçãO DO ADUlTO · C. Canavarro, 1995; Versão portuguesa da Adult Attachment Scale-R; Collins & read, 1990

Por favor, leia com atenção cada uma das afirmações que se seguem e assinale o grau em que cada uma descreve a forma como se sente em relação às relações afetivas que estabelece. Pense em todas as relações (passadas e presentes) e responda de acordo com o que geralmente sente. Se nunca esteve afetivamente envolvido com um parceiro, responda de acordo com o que pensa que sentiria nesse tipo de situação.

Nada característico em mim

Pouco característico em mim

Característico em mim

Muito característico em mim

Extremamente característico em mim

1. Estabeleço, com facilidade, relação com outras pessoas.

2. Tenho dificuldade em sentir-me dependente dos outros.

3. Costumo preocupar-me com a possibilidade de os meus parceiros não gostarem verdadeiramente de mim.

4. As outras pessoas não se aproximam de mim tanto quanto eu gostaria.

5. Sinto-me bem dependendo dos outros.

6. Não me preocupo com o facto de as pessoas se aproximarem muito de mim.

7. Acho que as pessoas nunca estão presentes quando são necessárias.

8. Sinto-me de alguma forma desconfortável quando me aproximo das pessoas.

9. Preocupo-me frequentemente com a possibilidade de os meus parceiros me deixarem.

10. Quando mostro os meus sentimentos, tenho medo que os outros não sintam o mesmo por mim.

11. Pergunto-me frequentemente se os meus parceiros realmente se importam comigo.

12. Sinto-me bem quando me relaciono de forma próxima com as pessoas.

13. Fico incomodado quando alguém se aproxima emocionalmente de mim.

14. Quando precisar, sinto que posso contar com as pessoas.

15. Quero aproximar-me das pessoas, mas tenho medo de ser magoado(a).

16. Acho difícil confiar plenamente nos outros.

17. Os meus parceiros desejam frequentemente que eu esteja mais próximo(a) deles(as) do que eu me sinto confortável em estar.

18. Não tenho a certeza de poder contar com as pessoas quando precisar delas.

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Segundo Ainsworth, dos três padrões de vinculação, aquele que se revela mais favorável ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da criança é, sem dúvida, a vinculação segura. A confiança depositada pela criança na figura de vinculação não só favorece o seu desenvolvimento motor e inte-lectual, através da exploração ativa do meio físico que a rodeia, mas tam-bém se reflete no seu mundo interior e no seu ambiente social. No que diz respeito ao seu mundo interior, a vinculação segura tem um efeito positivo no autoconceito (a representação que cada um de nós faz de si mesmo) e na autoestima (avaliação que cada um faz de si mesmo) da criança. As crianças com uma vinculação segura tendem a ter mais confiança nas suas capaci-dades e a sentir-se capazes de ser amadas, o que por sua vez tem conse-quências a nível social, sobretudo no que toca à capacidade de estabelecer relacionamentos de confiança, partilha e abertura com os outros.

Apesar de a Situação Estranha ser um procedimento experimental contro-verso, dado que provoca deliberadamente um aumento dos níveis de ansie-dade em crianças humanas, a verdade é que, ao introduzir o conceito de base de segurança e ao identificar diferentes estilos ou padrões de vinculação, o trabalho de Ainsworth ampliou e enriqueceu a teoria da vinculação inicial-mente proposta por Bowlby e abriu caminho para futuras investigações.

Os estudos indicam que a vinculação segura é a forma mais comum de vin-culação, correspondendo a 70% dos casos. A vinculação resistente/ambiva-lente e a vinculação evitante correspon-dem cada uma apenas a 15% dos casos.

Inseguro-resistente/ambivalente

SeguroInseguro--evitante

LouiS Gan, Irmão e irmã no baloiço, Malásia.

Vinculação insegura-resistente/ambi- valente: padrão de vinculação que se caracteriza pelo facto de a figura de vinculação não fornecer uma base de segurança que permita à criança explo-rar o ambiente que a rodeia. A criança procura manter constantemente o con-cacto com a figura de vinculação, expri-mindo comportamentos contraditórios de aproximação e rejeição quando esta regressa depois de uma separação.

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1. Antes de mim

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01 A prática não faz a perfeiçãoNão nascemos todos iguais no que diz respeito aos nossos genes e às nossas habilidades. Por David Z. Hambrick, Fernanda Ferreira e John M. Henderson

O que é que faz com que alguém seja bem-sucedido na música, nos jogos, no desporto, nos negócios ou na ciência? Esta questão é objeto de um dos mais antigos debates em psicologia. No final do século XIX, Francis Galton – pioneiro do estudo científico da inteligência e primo de Charles Darwin – analisou os registos genea-lógicos de centenas de académicos, artistas, músicos e outros profissionais e descobriu que a grandeza é um negócio de família. Por exemplo, contou mais de 20 músicos iminentes na família Bach (Johannes Sebastian Bach era apenas o mais famoso). Galton concluiu que os peritos simplesmente “nascem”. Aproximadamente um século depois, o behaviorista John Watson contra-pôs que os peritos “fazem-se”, garantindo que podia pegar num criança ao acaso e treiná-la “para se tornar num especialista que [ele] selecion[asse]: um médico, um comerciante, um advogado e, sim, até um pedinte ou ladrão, independentemente dos seus talentos.”

A perspetiva os peritos fazem-se tem dominado os deba-tes recentes. Num importante artigo de 1993, publicado na Psychological Review – a mais prestigiada revista de psicologia –, o psicólogo sueco K. Anders Ericsson e os seus colegas sustentaram que as diferenças de desem-penho entre os indivíduos em áreas como a música e o xadrez refletem, em grande medida, as diferenças na quantidade de tempo que essas pessoas dedicaram à “prática deliberada”, ou seja, à realização de exercícios de treino especialmente vocacionados para melhorar o desempenho. Para testar esta ideia, Ericsson e os seus colegas recrutaram violinistas de uma academia de elite em Berlim e pediram-lhes que estimassem o tempo dedicado por semana à prática deliberada em cada ano das suas carreiras musicais. A principal descoberta do estudo foi que os melhores músicos eram aqueles que acumulavam mais horas de prática deliberada. Por exemplo, a média dos violinistas de elite era de cerca de 10 000 horas, comparativamente com cerca de apenas 5000 horas no grupo menos bem sucedido. Num segun- do estudo, a diferença entre pianistas era ainda maior – uma média de mais de 10 000 horas para os peritos

comparando com apenas 2000 horas para os amadores. Baseados nestas descobertas, Ericsson e os seus cole-gas defenderam que a diferença entre peritos e novatos depende do esforço prolongado, e não do talento inato.

Estes resultados acabaram por ir parar à cultura popular. Serviram de inspiração para aquilo que Malcom Gladwell designou por regra das 10 000 horas no seu livro Outliers. No entanto, investigações recentes demonstraram que a prática deliberada, embora inegavelmente importante, é apenas uma peça – e não necessariamente a maior – do puzzle da perícia. No primeiro estudo para provar esta ideia, os psicólogos cognitivos Fernand Gobet e Guillermo Campitelli descobriram que os jogadores de xadrez divergiam imenso na quantidade de horas de prática deliberada de que precisavam para alcançar um determinado grau de proficiência na modalidade. Por exemplo, o número de horas de prática deliberada para alcançar o estatuto de “mestre” (um grau de proficiência bastante elevado) variava entre 728 e 16 120 horas. O que significa que um jogador precisou de 22 vezes mais horas de prática deliberada para se tornar mestre do que outro.

David Z. Hambrick, Fernanda Ferreira e John M. Henderson (2014)

“Practice does not make perfect”, Journal of experimental psychology (adaptado).

Assim, podemos concluir que, para cada uma das nossas características físicas e psicológicas, existe um potencial genético que vai depender da influência de certos fatores epigenéticos para se manifestar com maior ou menor intensidade.

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1. Antes de mim

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• Os genes são a unidade básica da hereditarie-dade, constituindo-se como um conjunto codifi-cado de instruções para produzir proteínas.

• Alguns dos nossos traços são monogenéticos, ou seja, dependem da ação de um único gene.

• Alguns dos nossos traços são poligenéticos, ou seja, dependem da ação de vários tipos de genes.

• O locus é o local ocupado por um gene no interior de um cromossoma.

• A dois genes com instruções relativas ao mesmo traço ou característica presentes no mesmo locus em cada membro de um par de cromossomas dá-se o nome de genes alelos.

• Dá-se o nome de cromossomas homólogos a cada par de cromossomas com uma estrutura genética idêntica.

• O genoma corresponde à totalidade de informação hereditária codificada no ADN de um organismo.

Como se caracterizam os processos de hereditarie-dade específica e individual?

• A hereditariedade específica refere-se ao pro-cesso de transmissão genética das característi-cas gerais da espécie.

• A hereditariedade individual refere-se ao processo de transmissão genética das características que distinguem o indivíduo dos restantes membros da espécie.

Como se caracterizam e como se relacionam o genó- tipo e o fenótipo?

• Dá-se o nome de genótipo ao conjunto de genes que um indivíduo herda dos seus progenitores.

• O fenótipo, por sua vez, corresponde ao potencial genético que veio a manifestar-se como resultado da interação dos genes do indivíduo entre si e com o meio onde este se desenvolveu.

• Nem todos os nossos genes exercem a mesma influência no nosso desenvolvimento.

• Alguns dos nossos genes nunca chegam a mani-festar-se.

• Cada indivíduo possui dois alelos – um de origem paterna e um de origem materna – com instruções relativas a um determinado traço ou característica.

• Quando um indivíduo possui dois alelos com o mesmo conjunto de instruções relativamente a um determinado traço diz-se que é homozigótico relativamente ao mesmo.

• Quando um indivíduo possui dois alelos com ins-truções diferentes para um determinado traço diz- -se que é heterozigótico relativamente ao mesmo.

• Um gene pode não se manifestar numa geração e, ainda assim, ser transmitido e até vir a manifes-tar-se nas gerações seguintes.

• Existem genes recessivos, dominantes e codomi-nantes.

• Os genes recessivos não se manifestam caso haja um alelo com instruções contrárias no cromos-soma homólogo.

• Os genes dominantes manifestam-se ainda que haja um alelo com instruções contrárias no cro-mossoma homólogo.

• Quando dois genes dominantes se manifestam diz-se que são codominantes.

• Se um casal é homozigótico em relação a um determinado gene, os seus descendentes tam-bém serão.

• A probabilidade dos descendentes de um casal heterozigótico em relação a um gene recessivo virem a manifestar esse traço é de 25%.

• O meio onde nos desenvolvemos pode favorecer ou inibir a manifestação de certas potencialidades inscritas nos nossos genes.

Que perspetivas existem sobre o papel dos fatores genéticos no desenvolvimento humano?

• As perspetivas preformistas sustentavam que o nosso desenvolvimento se encontrava predefinido desde o momento da conceção, sendo o fenótipo a mera expansão ou crescimento de estruturas preexistentes no ovo.

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1. Antes de mimI

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GENÉTICA

Os agentes responsáveis pela transmissão genética

A influência dos fatores genéticos e epigenéticos

no comportamento

A complexidade do ser humano e o seu inacabamento biológico

ADNHEREDITARIEDADE

ESPECíFICA E INDIVIDUAL

FILOGÉNESE E ONTOGÉNESE

GENES

CROMOSSOMAS

GENóTIPO E FENóTIPO

PREFORMISMO E EPIGÉNESE

PROGRAMA FECHADO E PROGRAMA ABERTO

PREMATURIDADE E NEOTENIA

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Em síntese

O que é a genética?

• A genética é a área de investigação que se dedica, entre outras coisas, ao estudo do processo de variação e transmissão de características biológi-cas dos progenitores aos seus descendentes.

• Ao processo de transmissão de características biológicas dos progenitores aos seus descenden-tes dá-se o nome de hereditariedade.

Quais são os agentes responsáveis pela transmissão genética?

• Os principais agentes responsáveis pela transmissão genética são o ADN, os genes e os cromossomas.

• Os cromossomas são cadeias de ADN que trans-portam a informação genética.

• No interior do núcleo de cada uma das nossas células (exceto nas células sexuais) encontram- -se 23 cromossomas de origem materna e 23 cro-mossomas de origem paterna.

• O número e a tipologia dos cromossomas que encontramos no interior das células de um orga-nismo designa-se por cariótipo.

• Os cromossomas presentes no 23.° par chamam- -se gonossomas e são os responsáveis pela deter-minação do nosso género (masculino ou feminino).

Em esquema

Em tópicos

Em áudio