ANPT repudia Lei da terceirização

4
Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho NOTA PÚBLICA Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), entidade que congrega os membros do Ministério Público do Trabalho (MPT) de todo o país, vem a público, tendo em vista a aprovação, na data de ontem, pela Câmara dos Deputados do PL 4.302/1998, que libera a terceirização para todas as atividades, sem quaisquer garantias para os trabalhadores, expor sua posição oficial sobre os efeitos que referido projeto de lei trará ao país e às relações de trabalho no Brasil, caso venha a ser sancionado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República. É certo que, atualmente, o Estado Brasileiro já vive um estágio de hiperterceirização, com mais de 12 milhões de trabalhadores terceirizados, o que equivale a cerca de 27% do número total de trabalhadores com contrato de trabalho formalizado. Com a aprovação do PL nº 4.302/1998, a regra será o trabalhador ser terceirizado, invertendo toda a lógica bilateral-protetiva do Direito do Trabalho. Ao contrário do alegado pelos seus defensores, o incremento da terceirização agravará a crise econômica vivenciada pelo nosso país e contribuirá sobremaneira para o aumento dos índices de desemprego no Brasil, hoje em torno de 13 milhões de pessoas, pois se sabe que os trabalhadores terceirizados enfrentam uma maior rotatividade no emprego, com tempo médio de permanência no trabalho de 2,6 anos, enquanto os trabalhadores diretos ficam, em média, 5,8 anos no mesmo posto. É público e notório que a terceirização, de um modo geral, tem causado a degradação das relações de trabalho no Brasil, com redução significativa dos direitos dos trabalhadores e da qualidade do emprego. A estratégia de otimização dos lucros mediante a terceirização está fortemente baseada na precarização do trabalho. A presença de um terceiro, no caso a

Transcript of ANPT repudia Lei da terceirização

Page 1: ANPT repudia Lei da terceirização

Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho

NOTA PÚBLICA

Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), entidade que

congrega os membros do Ministério Público do Trabalho (MPT) de todo o país,

vem a público, tendo em vista a aprovação, na data de ontem, pela Câmara

dos Deputados do PL 4.302/1998, que libera a terceirização para todas as

atividades, sem quaisquer garantias para os trabalhadores, expor sua posição

oficial sobre os efeitos que referido projeto de lei trará ao país e às relações de

trabalho no Brasil, caso venha a ser sancionado pelo Excelentíssimo Senhor

Presidente da República.

É certo que, atualmente, o Estado Brasileiro já vive um estágio

de hiperterceirização, com mais de 12 milhões de trabalhadores terceirizados,

o que equivale a cerca de 27% do número total de trabalhadores com contrato

de trabalho formalizado. Com a aprovação do PL nº 4.302/1998, a regra será o

trabalhador ser terceirizado, invertendo toda a lógica bilateral-protetiva do

Direito do Trabalho.

Ao contrário do alegado pelos seus defensores, o incremento da

terceirização agravará a crise econômica vivenciada pelo nosso país e

contribuirá sobremaneira para o aumento dos índices de desemprego no Brasil,

hoje em torno de 13 milhões de pessoas, pois se sabe que os trabalhadores

terceirizados enfrentam uma maior rotatividade no emprego, com tempo médio

de permanência no trabalho de 2,6 anos, enquanto os trabalhadores diretos

ficam, em média, 5,8 anos no mesmo posto.

É público e notório que a terceirização, de um modo geral, tem

causado a degradação das relações de trabalho no Brasil, com redução

significativa dos direitos dos trabalhadores e da qualidade do emprego. A

estratégia de otimização dos lucros mediante a terceirização está fortemente

baseada na precarização do trabalho. A presença de um terceiro, no caso a

Page 2: ANPT repudia Lei da terceirização

empresa terceirizada, entre a empresa tomadora-contratante e o trabalhador,

certamente gerará uma significativa redução de salários e benefícios e de

investimentos em qualificação profissional e em saúde e segurança do

trabalho, tendo em vista que ambas as empresas terão que obter lucro nessa

relação trilateral, que só acontecerá à custa dos direitos dos trabalhadores

terceirizados, fato que causará certamente o empobrecimento geral da classe

trabalhadora e uma ainda maior concentração de renda no nosso país.

Dentre seus principais efeitos danosos para os trabalhadores

brasileiros encontram-se o descaso com as condições de saúde e segurança

no trabalho, a redução de direitos, a exigência de jornadas excessivas ou

superiores aos limites legais, a maior rotatividade no emprego e a dispersão e

falta da representatividade sindical.

Os acidentes e as mortes no trabalho são a faceta mais terrível

da terceirização no país. Dados estatísticos comprovam que os trabalhadores

terceirizados estão muitos mais sujeitos a infortúnios no local de trabalho do

que os trabalhadores contratados diretamente. De cada 10 acidentes de

trabalho, 8 acontecem com terceirizados; de cada 5 mortes por acidente de

trabalho, 4 são de terceirizados. A falta de investimento em segurança e de

treinamento e a pouca capacidade técnica e econômica das empresas

contratadas são os principais fatores. Setores como o da construção civil, o

petrolífero e o elétrico estão dentre os campeões de acidentes de trabalho

entre terceirizados. Apenas em 2011, das 79 mortes corridas no setor elétrico,

61 foram de trabalhadores de empresas terceirizadas (dados da Fundação

Comitê de Gestão Empresaria - COGE). Esses números alarmantes impactam

profundamente nos cofres do Sistema Único de Saúde e da Previdência Social,

gerando gastos com atendimentos hospitalares e com pagamento de

benefícios previdenciários, impactando negativamente todo o sistema de

Seguridade Social.

Além de estarem muito mais sujeitos a acidentes e mortes no

trabalho, o tratamento discriminatório conhecidamente dispensado aos

trabalhadores terceirizados faz com que a remuneração destes seja, em geral,

bastante inferior àquela paga aos trabalhadores diretos (em média, 25 a 30% a

Page 3: ANPT repudia Lei da terceirização

menos), mesmo quando estes possuem a mesma qualificação acadêmica dos

não terceirizados.

Não bastasse a remuneração bem menor, os trabalhadores

terceirizados realizam uma jornada de trabalho semanal de 3 horas a mais do

que os trabalhadores diretos.

Além de todos esses prejuízos sociais, a terceirização

indiscriminada, liberada com a aprovação do PL 4.302, trará como

consequência, caso não vetada, a não inclusão social de pessoas com

deficiência no mercado de trabalho, vez que com a pulverização do

desenvolvimento das atividades da empresa tomadora mediante contratação

de empresas terceirizadas, haverá muito menos empresas com mais de 100

funcionários, aquelas que, por força do art. 93 da Lei nº 8.213/1193, tem a

obrigação legal de contratar pessoas com deficiência, o que gerará ainda mais

exclusão social a esses cidadãos.

Não bastassem esses efeitos maléficos para os trabalhadores,

ao permitir a terceirização sem quaisquer limites e garantias, o PL 4.302

agravará ainda mais a crise econômica e de arrecadação do Estado, pois, ao

permitir a redução material de direitos e benefícios, mediante a diminuição

significativa da renda do trabalhador, acarretará a redução da arrecadação de

impostos. Além do mais, o projeto trará como consequência o aumento da

sonegação fiscal e do não recolhimento de impostos, tendo em vista ser

comum que as empresas terceirizadas, por não possuírem, em geral, uma

razoável capacidade econômica, acabam por não honrar todos os

compromissos fiscais, trabalhistas e previdenciários.

A aprovação do PL 4302 também permitirá a terceirização

irrestrita no serviço público, em clara burla à regra constitucional do concurso

público, o que trará, sobremaneira, uma diminuição da eficiência do Estado, já

tão deficiente na prestação de serviços, vez que se sabe que, em muitas das

vezes, o trabalhador passa a prestar serviços para o Estado com o pagamento

de alguma “dívida” de campanha, sendo seu compromisso como seu padrinho

político, em detrimento do interesse público. Fora isso, há casos em que a

Page 4: ANPT repudia Lei da terceirização

terceirização no serviço público tem sido utilizada para irrigar campanhas de

políticos como uma “troca” pelo fechamento de contratos com o Poder Público,

situações que possivelmente aumentarão nesse novo cenário.

Assim, considerando a experiência e a forte atuação da ANPT, do

MPT e dos seus procuradores no âmbito da terceirização, não há dúvidas de

que a aprovação do PL nº 4.302/1998, ou seja, liberando a terceirização para

quaisquer das atividades das empresas e do Estado, incrementará os índices

de desemprego no Brasil, possibilitará a redução material de direitos dos

trabalhadores brasileiros, dentre eles remuneração e benefícios, e, sobretudo,

aumentará os índices de acidentes de trabalho, inclusive fatais, e de doenças

ocupacionais no Brasil, o que representará imenso retrocesso social para

nosso país, expandindo a desigualdade social presente na sociedade

brasileira.

Ante todas essas razões, cabe à Associação Nacional dos

Procuradores do Trabalho, entidade representativa dos membros do Ministério

Público do Trabalho, órgão constitucional incumbido da defesa da ordem

jurídica trabalhista e dos direitos sociais e individuais indisponíveis dos

trabalhadores alertar o Excelentíssimo Senhor Presidente da República das

consequências nefastas que o texto do PL 4.302 acarretará ao Brasil e a seu

povo, conclamando Sua Excelência a vetar integralmente o referido projeto de

lei, preservando, com isso, a dignidade e a vida do trabalhador brasileiro e o

valor social do trabalho, fundamentos basilares da República Federativa do

Brasil.

Brasília-DF, 23 de março de 2017.

Ângelo Fabiano Farias da Costa

Presidente da ANPT

Ana Cláudia Rodrigues Bandeira Monteiro

Vice-Presidente da ANPT