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Ano IX nº 24 - outubro 2008

A história da educação e o currículo escolar

este Suplemento,optamos pela reflexão

sobre o CurrículoEscolar, por entender que, nomomento atual da educaçãopaulista, ela é oportuna e necessária.Contamos com os artigos A históriada educação e o currículo escolar, deJosé Luís Sanfelice;Políticas para oCurrículo Escolar: Significados e

“... As disputas pelo currículo – sobre quais experiências serão representadas como válidas ou qual línguaou história será ensinada – são inquestionavelmente permanentes.” (Michel W. Apple*)

Currículo Escolar: algumas reflexões

José Luís Sanfelice (*)

NNNNN

enti a necessidade de relacionar otema central – currículo escolar-com a história da educação, em

especial a história da educaçãobrasileira, para não perder a dimensão dehistoricidade que a abordagem exige. Minhapreocupação estará centrada no entendimentodo currículo escolar como uma produçãohistórica intencional.

Desde as origens da educação, entendidasob a ótica da prática formal escolar, discutiu-se, mesmo que sob outras nomenclaturas enão necessariamente usando um conceito decurrículo, quais conhecimentos, valores,comportamentos e habilidades aquelainstituição deveria disponibilizar (impor?) aoseducandos. Então, através do percursohistórico, é possível constatar-se como aspropostas curriculares foram se alterando nosseus fundamentos filosóficos, quanto aosideais pedagógicos, em relação à concepçãode homem e, principalmente, no que dizrespeito aos conhecimentos a serem

socializados. Bastaria lembrar, sem ter queentrar em detalhes, quanto é antiga a discussãotravada entre os defensores de uma orientaçãocurricular voltada para a formação maishumanística e os adeptos de uma formaçãomais de caráter científico. Quanto já não seescreveu, também, sobre uma formação maisgeneralista ou uma formação maisespecializada dos educandos? E a educaçãoreligiosa? Deve ou não fazer parte do currículoescolar (em especial da escola pública)? Desdequando esse debate está em pauta? Hoje sediscute formação profissional, formaçãotécnica, tecnológica e formação para omercado. E qual currículo?

É razoável lembrar também que os jesuítas,ardorosos combatentes da Reforma Protestantee ativos participantes da empresa colonialportuguesa no Brasil, discutiram durantemuitos anos o conjunto das suas açõespedagógicas, o eixo do seu currículo de ensino,até que universalizaram seus procedimentospela edição do Ratio Studiorum. Pode-se dizer

Implicações para a Escola, de MaraRegina Martins Jacomeli; Reformado Estado e política educacional: ocontexto para a reforma curricular emtempos neoliberais, de Lalo WatanabeMinto; Currículo e Histórias de Vida,de Belmira Oliveira Bueno, DaianeAntunes Vieira Pincinato, MárciaMaria Brandão Santos; Escola eCurrículo - A Discussão Necessária, de

AbordagemAbordagemAbordagemAbordagemAbordagem

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*APPLE, Michael W. e colaboradores – Currículo, Poder e Lutas Educacionais, Porto Alegre: Artmed, 2008.

que os jesuítas tinham bastante clareza do quequeriam na educação e na catequese, dentrodo processo da Contra-Reforma e de conquistaeuropéia sobre a América e os povos indígenas:formar cristãos, quadros da própria ordemreligiosa e ilustrar parte das elites. Os propósitosjesuíticos junto à Coroa portuguesa, em certomomento, não foram mais partilhadosintegralmente pelo ministro Pombal (ilustraçãoabaixo). Pombal não só expulsou os jesuítasdo reino, mas também fundou escolasrenovadas, reformulou outras, mudoucurrículos, tornou obrigatória a línguaportuguesa e, no Brasil, instaurou as Aulas-Régias. Pode-se dizer que os objetivos dodéspota esclarecido não visavam mais somenteà formação de um homem cristão, mas sim donobre de Estado, pelo menos na Metrópole.Em última instância era o Estado e anacionalidade que deveriam sair fortalecidos,sob o comando das classes dominantes.

Mais um exemplo e sem ser exaustivo: nahistória bem recente da educação brasileira, a

ditadura civil-militar do capital, que ocupou opoder de Estado com o movimento golpistade 1964, fez profundas incursões na legislaçãoe organização escolar, nos currículos e nos fins aserem alcançados pelos diferentes níveis emodalidades de ensino. Daquelas açõesresultaram a Reforma Universitária de 1968(Lei 5540/68) e a Lei de Diretrizes e Bases den. 5692/71, dentre outras iniciativas. Oscurrículos de profissio-nalização com-pulsória, pore x e m p l o ,foram logo

Helena Machado de PaulaAlbuquerque; que abordamvariadas questões sobre o currículo.Ainda, temos uma entrevista comSupervisor de Ensino sobre suasconcepções de currículo e seuimportante trabalho na Diretoria deEnsino. Finalmente, as resenhas detrês obras sobre o assunto e sugestõesde livros. Boa leitura!

Comissão organizadora:

Albino Astolfi NetoEliene BonettiJairo de CarvalhoMaria Antonia de O. VedovatoMaria Cecília Melo SarnoMaria de Lourdes de CápuaMaria José A. Rocha R. da CostaRosângela Aparecida Ferini

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impostos. Teríamos ainda como sinaliza-dores mais próximos de nós, todas asalterações curriculares feitas no transcorrerdos governos dos presidentes FernandoHenrique Cardoso e Lula.

Não é necessário continuar apontando,portanto, as inúmeras situações históricas emque as sociedades modernas, nas quais aeducação formal se institucionalizou nasinstituições escolares, repensam, reformulam,substituem, radicalizam em diferentes direçõesa orientação dos seus currículos escolares. Mas,já podemos expressar uma consideração: ocurrículo escolar é sempre produto de umcontexto histórico determinado que,tendencialmente, será alterado quando asconjunturas sócioeconômicas e político-culturais se transformarem, dentro de umprocesso mais geral de permanências emudanças da sociedade como um todo.

É preciso ter clareza que, no desenrolar daconstrução histórica das sociedades capitalistas,sob o comando da revolução burguesa e jáquando com a burguesia no poder, que aeducação foi sendo pensada para esse tipo desociedade que se caracteriza por determinadomodo de produção, bem como para tudo quedecorre de tal especificidade. O Estado, emtais circunstâncias, tornou-se estratégico.

Com a produção histórica da escola estatal,no âmbito das sociedades capitalistas, desde osmeados do século XVI, o Estado foi moldado,em especial pelo ideário burguês, paraconstituir-se no principal articulador daeducação para o povo. Nesse empenho teveque superar as influências até entãohegemônicas da Igreja Católica. Não obtevesucesso, por exemplo, na universalização daescola estatal primária com facilidade, semcontestações ou sem superar adversidades econtradições intrínsecas, produzidas por outrosinteresses de ideologias, grupos ou classes sociais.Mas, pode-se dizer que o Estado consolidou-se no papel de educador do povo, usando aeducação formal da instituição escolar como o

veículo de execução da referida tarefa.Consagraram-se, naquele contexto, osprincípios da laicidade, da gratuidade, da escolaúnica e gratuita para todos. É claro que não foiesse o único mecanismo utilizado para seproceder à sujeição do povo à nova ordemsócioeconômica e cultural. Em últimainstância: era preciso encontrar as formas pelasquais as classes trabalhadoras seriam preparadaspara atenderem de forma pacífica e disciplinadaàs determinações do mundo do trabalho, soba égide do capital.

Tornou-se uma necessidade históricapensar a escola estatal e o currículo escolar deforma intencional. Não se pode acusar aburguesia de ter agido com má-fé, pois ela tãosomente foi, no limite, em busca dos seusinteresses de classe e que não são exatamenteos interesses de toda a sociedade ou de todas asclasses. Veja-se, como um dos exemplospossíveis, o denominado Movimento da EscolaNova nos países centrais do movimentocapitalista mundial. A educação foi“revolucionada” nos seus pressupostos emétodos, na busca de cientificidade, naconcepção em torno da criança, no papel doprofessor, na organização escolar e, muito, maismuito mesmo, nos seus conteúdos curricularesdisciplinares. Era, de certa forma, a busca desuperação da considerada educação tradicionalsob a influência religiosa, fosse ela católica oureformada. Mas não se tratava de continuar arevolução rumo à liberdade, igualdade efraternidade universais, pois era preciso, na óticaburguesa, consolidar a sociedade capitalista,cuja essência estrutural está baseada naexploração do trabalho pelo capital. A educaçãoformal escolar e os currículos escolaresprecisavam atrelar-se a tais propósitos.

Sabe-se dos reflexos do Movimento daEscola Nova no Brasil e, com grande freqüência,o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,de 1932, é considerado um marco da expressãodaquele novo ideário educacional por estasterras. Sabe-se também que a realidade brasileiranão era exatamente a realidade européia e que,conseqüentemente, os desfechos práticos doMovimento da Escola Nova por aqui e por lá,foram bem distintos.

É preciso considerar que desde sempre, apóso processo de colonização portuguesa, o Brasilatrelou-se à economia capitalista mundial, quercomo colônia ou após sua “autonomia” política,mais formal do que real. No campo econômico,as determinações externas sobre o país e asociedade foram e são ainda infinitas. A nossaHistória da Educação, portanto, aconteceu querem decorrência das determinações externas,bem como das determinações postas pelasespecificidades locais. Os currículos escolaresaqui ministrados, por sua vez refletem, não deforma mecânica, mas sim tendencialmente, estasituação histórica. A escola estatal brasileira teveque responder às necessidades que foram seimpondo para um país de economia subalterna,

história da educação e constatar que se tornainevitável formular indagações. Por que temoscurrículos escolares considerados abrangentes,sólidos em conteúdos, alicerçados em basesfilosóficas e científicas para as escolasconsideradas formadoras de parte das elites?Escolas que circulam nos noticiários comosendo as melhores do país? E, por que temoscurrículos de aligeirado treinamento para umaprecária formação profissional de jovens queirão, ainda muito jovens, ao mercado detrabalho? É porque as relações do capital como trabalho, mediadas pelo Estado, determinamem última instância, os conteúdos curricularesvoltados à formação de cidadãos que, sendoconsiderados formalmente iguais perante a lei,estão “destinados” socialmente a ocuparemdiferentes postos, funções e papéis numasociedade que, na ótica dos mais privilegiados,deve permanecer como está.

Na história da educação brasileira maisrecente, desde a ditadura civil-militar de 1964até os dias de hoje, diferentemente do queimaginam alguns educadores, os mecanismos

de controle sobre a escola estatal foram cadavez mais ampliados. Os discursos oficiaispodem não revelar ou não referendar aconstatação, mas ela é um fato. Depois daditadura e, com o pretexto de se superar alegislação do arbítrio, se alterou profundamenteo quadro institucional da escola estatal.

Para não arrolar todos os indicadores quelevam à constatação acima, aponto apenasalguns: o golpe dado para a aprovação da LDBde 1996, que usurpou e ignorou a propostade projeto de lei que se produzia na sociedadecivil; a municipalização do ensino estatal quesem ter apenas o propósito de deslocar avigilância para o poder mais local, visa tambémoutros objetivos de controle sobre o própriomunicípio; o FUNDEF/FUNDEB; a reformado ensino profissional; os PCNs; os TemasTransversais; os múltiplos sistemas de avaliaçãodo aluno, da escola, do professor, dos gestores;as classificações comparativas de desempenhoentre as unidades escolares; a anuência paraque se adquira e consuma apostilas produzidaspelas empresas de ensino privado; os bônussalariais vinculados à produtividade; as metas“sugeridas” pelas agências multilaterais definanciamento e a imposição unificada de

que vivenciou três séculos de práticasescravistas, que desenvolveu uma sociedadepatriarcal, influenciado pela religião católica e,sempre, de profundas desigualdades sociais. Oscurrículos escolares, por exemplo, “teimaram”durante muito tempo em diferenciar asdisciplinas e os conteúdos ofertados(impostos?) aos meninos e meninas quepassaram a freqüentar escolas, mesmo que osrepresentantes de ambos os gênerospertencessem às elites. E diferenças curricularesmuito mais profundas marcaram sempre aseparação entre a “escola para os pobres” e “aescola para as elites”.

Os exemplos retirados da História daEducação mostram, claramente, que os cur-rículos escolares não são desinteressados. Ésempre possível dizer que não poderia ser deoutra forma. O empenho do Estado em provera educação formal de escolas estatais, comgrande ônus de custos/investimentos emprédios, salários, formação de pessoal e gastosde consumo não pode limitar-se a um meroprocesso civilizatório. O Estado tem seusinteresses para além disso, poiscivilizar as novas gerações é o mínimoque se espera em termos de sobre-vivência da própria sociedade.

O Estado não é uma instituiçãoque se confunda com o governode plantão. Ele é uma instituiçãomais permanente e de grandealcance sobre a sociedade. OEstado educa, vigia, julga, pune e,por complexos mecanismoshistórico-sociais, ganhou legi-timidade para praticar a violênciaem certas situações, em especialquando defende a propriedade privada dosmeios de produção em mãos do capital.Evidentemente, os aparelhos do Estado nãose movem em abstrato, pois eles são acionadospor seres humanos com identidade. Osgovernos, mais passageiros do que o Estado,instalam-se nele por caminhos consideradosdemocráticos ou não e aí, o Estado que nãoexiste em abstrato, atende aos interesses daspessoas, dos grupos ou das classes sociais que,conjunturalmente estiverem na hegemoniada sociedade. Em muitas situações háconfrontos e, também por um processo decontradições intrínsecas, grupos nãohegemônicos acabam por alcançar algunsdos seus interesses. Resta constatar que umasociedade com tais características éincompatível com um regime político dedemocracia plena e menos ainda para ajustiça social.

Em educação, gradativamente, o Estadopassou a discursar em prol da formação de umcidadão. E, qual seria o currículo escolar maisadequado para se formar um cidadão?Cidadãos considerados iguais perante a lei, masde uma realidade sócio-econômica e culturaldesigual. É só olhar pela janela que dá acesso à

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material didático-pedagógico produzido pelasSecretarias Estaduais de Educação. O controleestá agora induzindo que cada docente daescola estatal seja um vigilante daprodutividade e do desempenho dos demaisdocentes da sua unidade escolar. E por queaumentou o controle?

Mostra a história que os Estados nacionaisperiféricos da globalização econômica ficarammenores e mais frágeis perante o movimentodo capital transnacional, desde as últimasdécadas do século XX. Nesse sentido osEstados cumprem agendas às quais aderem,sem grandes chances de resistências e com oconsentimento das elites locais que sebeneficiam do processo. O fenômeno daprivatização dos serviços públicos, porexemplo, é um bom indicador. A perda dosdireitos sociais conseguidos com muita lutados trabalhadores no passado, seria outroindicador. A educação, por sua vez, tornou-se uma pauta presente nas discussões das

cúpulas que comandam a nova organizaçãomundial do trabalho.

Do ponto de vista interno, ou seja, daatuação do Estado sobre a sociedade local,passou a ser necessário um maior controle. OEstado, precisa gerenciar, por exemplo, amiséria, o aumento do desemprego estrutural,o primeiro emprego e o acesso à escolaridade,dentre outras mazelas, com ações e programasque, mesmo sendo paliativos, tendem adiminuir o poder das tensões sociais geradaspelo desespero.

Educar a mão-de-obra potencial quetransita pela escola estatal, com uma ofertacrescente de mão de obra feminina e juvenil,passou a ser uma meta. Os países periféricos daglobalização econômica se tornam praticamenteobrigados a formar muitos trabalhadores parao trabalho simples e que se constituirão emmão-de-obra barata para o capital transnacionalque aqui implanta suas indústrias ousubsidiárias. Uma escolarização básica e uma

(*) Prof. Titular em História da Educação no DEFHE/FE/UNICAMP. Pesquisador doGrupo de Estudos e Pesquisas “História, So-ciedade e Educação no Brasil - HISTEDBR.e-mail: [email protected]

formação profissional média respondem a isso.Uma parte infinitamente menor dos traba-lhadores chegará à formação técnica etecnológica para o trabalho mais complexo. Ea orquestração de todo o propósito do capital,na educação, se realiza, em grande parte, pelocontrole da escola estatal e pelo controle docurrículo de toda a educação nacional.

Finalmente cabe indagar: como, no Brasil,o Estado vem executando a sua tarefa? Bem,na conjuntura atual, por não se viver sob ummandato governamental resultante denenhuma ditadura política, mas sim daditadura do capital, busca-se o consentimentoda sociedade para as ações que sãoempreendidas. O trabalho solidário, ovoluntariado, os Amigos da Escola, a EscolaAberta, o Adote uma Escola, os estágios nãoremunerados pontuados nos currículos e outrosmecanismos estão demonstrando sua eficiência.Participar de tais programas virou sinônimo decidadania e conscientização política. Enquanto

Políticas para o Currículo Escolar: Significados e

Implicações para a EscolaMara Regina Martins Jacomeli (*)

MMMMMuito oportuna a iniciativa

do Sindicato-APASE emproblematizar a temática docurrículo escolar. Em tempo

de ventos neoliberais, é urgente a articulaçãode um amplo movimento dos educadores paraentender as propostas de determinadaspolíticas educacionais que chegam nas escolas,via currículo escolar. É com esse objetivo quedebaterei com essa categoria profissional, nointuito de colaborar com a questão.

No meu entendimento, as políticas parao currículo escolar são mecanismosfundamentais para a construção do consensoe da hegemonia do projeto de sociedade sobo capitalismo. Se fizermos uma análise mais

detida sobre a legislação e os documentos quelegitimam, por exemplo, os PCNsimplementados nos anos seguintes após apromulgação da LDBEN de 1996,perceberemos uma reorganização do discursoliberal, ou neoliberal, em educação. Essareorganização é que está por trás de propostascomo aquela expressa por um “novo” currículopara o ensino fundamental, fortementeimpregnado de conhecimentos valorativos, osTemas Transversais, dentre eles: Ética, Saúde,Meio Ambiente, Orientação Sexual, Trabalhoe Consumo e o da Pluralidade Cultural, queé a adoção das perspectivas e bandeiras domulticulturalismo pela escola.

Vale a pena enfatizar que o discurso“oficial” brasileiro está em sintonia com aspolíticas mundiais adotadas em âmbitossociais, econômicos e culturais do presentemomento histórico, em que, na áreaeducacional, se enfatiza que o papel daescola deve ser o de formar o “cidadão”para atuar numa sociedade democráticae globalizada.

Esse “novo” momento social, segundomuitos de seus defensores, pede um novoconjunto de conhecimentos que ex-pressem a complexidade da sociedade

globalizada. Entretanto, apesar da ênfasena concepção de que estamos compar-tilhando políticas educacionais extre-mamente “novas”, ou “pós-modernas”, como

é o caso da proposta dos PCNs, elas sãomeramente uma adequação do que já foidiscutido, no âmbito das ideologiaseducacionais liberais, por exemplo, pelosescolanovistas. Fazer esse tipo de afirmação eanálise não implica assumir uma visãoanacrônica de história. Implica entender, sim,que a “base” teórica é dada pelo liberalismo,mas essa “base” sempre foi reorganizada, apartir de questões e características própriasde cada tempo histórico e demandas sociais.

A análise das aproximações dos PCNs eTemas Transversais, ou dos temas sociais, comas propostas escolanovistas, elucida como oliberalismo sempre utiliza a retóricasalvacionista da sociedade por meio da escola.Em todos os momentos de crise docapitalismo, o discurso de transformação daescola como forma de mudar os homens e,conseqüentemente, a sociedade foi acionado,revivendo o mito da escola redentora esalvadora da humanidade. Nessa retórica,chamada por mim de liberal-escolanovista,as conquistas e o desenvolvimento dasociedade não se dariam pelas trans-formações das formas de produzir, mas sim,pela promoção via escola. Na abordagemliberal-escolanovista, a função da escola é deredistribuir os indivíduos, conforme otalento de cada um, não pelo privilégio desangue ou outros, mas pela competência. Asupervalorização do indivíduo escamoteia o

fracasso, sendo que suas causas não teriamraízes nas questões de classes sociais, mas, sim,na capacidade de “vencer” de cada um.

Para tanto, é fundamental a formação de“valores”, já que primeiro o indivíduo deveser “convencido” de que não há nada maispossível e melhor de se fazer e acreditar, anão ser aquilo que é veiculado pela escola. Eisso pode ser verificado nas propostasescolanovistas do começo do século XX.

Como isso está se dando hoje? Comopodemos entender as políticas em educaçãoadotadas aqui para nossas escolas? No casodo Brasil e no caso da maioria dos paísesocidentais, diretrizes das políticaseducacionais, sob a égide do neoliberalismoe do discurso de globalização da sociedadecapitalista, estão sendo ditadas pororganismos multilaterais, como já dito. Omarco da articulação de tais agênciasinternacionais, como Banco Mundial, FMI,UNESCO etc., na explicitação de taispolíticas, foi dado pela Conferência Mundialde Educação para Todos, realizada emJomtien, na Tailândia, em 1990, que foireproduzida pelo documento conhecidocomo Relatório Delors. A Conferência deJomtiem teve como resultado a assinatura daDeclaração Mundial sobre Educação para Todose o Marco de Ação para a Satisfação dasNecessidades Básicas de Aprendizagem. OBrasil foi signatário desses documentos e está

isso, os currículos escolares vão se esvaziandoem conteúdos, substituídos por práticas esaberes que cada vez auxiliam menos a pensar,entender e explicar a própria realidade, paranela se posicionar como um sujeito da história.

Que fique claro: O Estado capitalista-burguês não nos ajudará a sairmos de talsituação. A principal prova contra ele é aprecarização que vem fazendo das políticas deformação de professores. Estamos diante deum desafio; não é chegada a hora de educarmoso Estado e de tornarmos realmente pública,de interesse publico, a escola estatal? O Estadosabe muito bem o que está fazendo, e nós?

Campinas, inverno de 2008

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claro que o Banco Mundial foi o grandefinanciador das propostas educacionais paraos países em desenvolvimento, entre os quaisse encontra o Brasil.

Se as agências internacionais ditam o quêe como devem os países em desenvolvimentoinvestir para oferecer educação básica atodos, por outro lado, as reformascurriculares aplicam-se para todos, semdistinção de países desenvolvidos ou emdesenvolvimento. A “nova” visão de currículoe, conseqüente, conhecimento que deve serministrado pelas escolas estão presentes emreformas educacionais pelo mundo afora. Aimpressão que nos causa é a de que há umaproposta comum de conhecimento que deveser divulgada em todas as escolas, prin-cipalmente as do Ocidente. Do ponto devista ideológico, é a conformação de todospara uma mesma realidade, semdiscordâncias, já que, segundo o discursoneoliberal, não existe mais história, não hámais a possibilidade de uma sociedadesocialista, a partir do fim da “guerra fria” edo “fim” dos embates ideológicos. Segundoessa mesma falácia, vivemos a supremacia dasociedade capitalista e com ela há de seministrar os conhecimentos de valores para(con) formar os homens. Está configurado,portanto, uma das estratégias deconsolidação da hegemonia burguesa,através das políticas educacionais brasileiras.

De acordo com um dos mais importantesdocumentos sobre a política educacionalmundial, como é o caso do “RelatórioDelors”, da Unesco, o atual momento dasociedade expresso pela globalização, pedeum “novo” conjunto de conhecimentos,principalmente conhecimentos com ênfasena formação social e ética e que prepare oindivíduo para ser “cidadão do mundo”.

A questão que se coloca quanto aoconhecimento que deve ser ministrado naescola hoje, tem por pressuposto que omodelo de ciência até então vigente nasociedade está superado. Esse debate fazparte do embate posto pela chamada “crisede paradigmas”, em que se defende uma“nova” forma de conhecer e “construir”conhecimentos. Tal postura é referendadapor adeptos da chamada pós-modernidade,os quais afirmam que, em função das grandestransformações econômicas, tecnológicas,culturais etc., as ciências e o conhecimentodecorrentes estão passando por um processode superação. A sociedade capitalista, agorasob a égide da globalização do mundo, daeconomia, da cultura e dos valores doshomens, evidencia que o conhecimentoespecializado não serve mais como referencial

de aprendizagem. Afirmando que nós somosherdeiros da “racionalidade” e da culturagrega clássica, alguns defensores dessaperspectiva acreditam que tal herança deveser repensada. Os conhecimentos advindosde conteúdos da Biologia, da Matemática,da Física, da História, por exemplo, fazemparte de uma seleção curricular que atendiaaos interesses de uma pequena classe socialda Grécia: os cidadãos gregos. Não atendiamaos interesses do homem comum, comoos conhecimentos ligados ao trabalhomanual, ao cotidiano, às mulheres. Nãoatendem hoje, também, por seu caráterextremamente elitista, aos interessescotidianos da maioria da população. Éisso que just i f ica a necess idade de“inversão” de valores e conteúdos a seremministrados pela escola, com forte ênfase,agora, nos vários conhecimentos daschamadas “competências”.

A pós-modernidade é entendida comoum “paradigma” que reflete os anseios de“todos” na sociedade globalizada. Pós-modernidade e globalização, dessa forma, sãofaces de uma mesma moeda representativada sociedade capitalista. A necessidade deuma nova forma de entender oconhecimento produzido pelas ciências éusada como justificativa para oempreendimento das reformas educacionaisque vêm ocorrendo por todo o planeta,principalmente a necessidade dereformulação dos currículos.

A proposta teórica de Edgar Morin,conhecida como teoria da complexidade1,tem encontrado grande simpatia nos meiosacadêmicos, especialmente na áreaeducacional. Sua perspectiva é uma dasfontes teóricas inspiradora da visão deconhecimento, divulgada pelos PCNs, porexemplo. Nas análises desse autorvislumbramos muitas das justificativas domovimento da pós-modernidade, queexpressam a dis-cussão de rom-pimento para-digmático dasciências, pro-blemática

presente nas nossas reformas curriculares.A noção de “complexidade” discutida

aqui no Brasil, a partir de teorizações deMorin, resumidamente, parte do princípio

de que os conhecimentos produzidos pelasciências modernas, com sua necessidade deexplicações lógicas e certas, não dão conta deexplicitar a “complexidade do real”. Lima(2003, p. 73) apresenta um quadroexplicativo das relações do pensamento deMorin, em que aponta: a) as expressões/frasesassociadas com a abordagem: complexidade,incertezas, incompletude, acaso,transpenetração (relação todo parte segundoPascal), junção/ligar/religar; b) os conceitoschaves associados com o paradigma: ordem,desordem, organização, transdisci -plinaridade, multidimensional, pensamen-to complexo, auto-eco-organização, an-tropossociologia; c) a filiação teórica:princípio dialógico e translógico (“integraçãoda lógica clássica levando-se em conta os seuslimites”), princípio da Unitas Multiplex(“escapando à Unidade abstrata do alto(holismo) e do baixo (reducionismo)”), teoriados sistemas, teoria da informação, conceitode auto-organização. Morin teria comoobjetivos: “romper com o conhecimentoparcelar, reducionista e simplificador epromover uma via que considera a confusão,a incerteza no pensar e fazer científico demaneira multidimensional”.

Noronha (2002, p.35) afirma que oparadigma da complexidade, tendo comopressuposto uma realidade complexa, naqual se convive com processos dinâmicosreversíveis e irreversíveis, com determi-nações e indeterminações, precisa, portanto,de uma abordagem metodológica queabarque tanta complexidade. É aí que seencontra, de acordo com a autora, umgrande problema, pois muitos pesqui-sadores correm o risco de fragmentar arealidade em vários aspectos particulares eisolados. Isso pode gerar, na interpretaçãoteórica, a eliminação do entendimento das“relações sociais que individualizam eintegram a chamada “complexidade”,negando que a totalidade histórica possa serapreendida e que o conhecimento destatotalidade possa ser construído.

Tanto os PCNs como as teorizações deMorin estão em sintonia, no meuentendimento, com o universo deinterpretação dos ideólogos da sociedadecapitalista. A presença de um discursopróximo das abordagens pós-modernas ébastante evidente. Uma das característicasdas teorizações pós-modernas é a valorizaçãodo conhecimento que está mais próximo denosso viver, de nosso cotidiano. Tambémestão presentes nas suas interpretações asassertivas que a pós-modernidade utiliza parareferendar o “novo” momento da sociedade,

que vivencia uma “viragem paradigmática”:a falência das grandes narrativas; asubstituição do “antigo” conceito detotalidade defendida por teorias como omarxismo; a defesa de um conhecimentoparcial e relativo; a crítica feita às ciênciasmodernas que são responsabilizadas portodos os “males” sociais e ambientaisverificados ao longo do século XX; avalorização do subjetivo, dos sentimentoshumanos e outros. Cremos, portanto, queesse tipo de interpretação acaba por esconderas verdadeiras causas da crise que assola ocapitalismo no atual momento histórico dasociedade, já que por trás de tais defesas estáo que se camufla: entre outras coisas, eprincipalmente, o fato da sociedade serestruturada em classes sociais distintas eantagônicas, em que poucos detêm o controleeconômico, concentrando a maior parte dasriquezas produzidas e relegando a maioriados homens a uma miséria material extrema.

Também as reformas educacionais, viaalteração curricular, de uma maneirageral, têm enfatizado que um dos seusmaiores objetivos é preparar o trabalhadorpara que ele saiba atuar num mundomarcado pelas transformações econômicase sociais da atual fase de globalização docapitalismo. As transformações que estãoocorrendo no mundo do trabalho, com amudança de paradigma organizacional dotaylorismo/fordismo para o toyotismo, nonosso entendimento, têm influenciado aspolíticas educacionais, já que o discursode expansão e de alteração do currículoda educação básica parte do pressupostode que a escola precisa acompanhar taismudanças para oportunizar escolarizaçãoadequada aos t raba lhadores . Areestruturação produtiva part iu daneces s idade de ins taurar mode losorganizacionais alternativos que dessemrespostas satisfatórias para superar a crisefinanceira, de mercado (de expansão econcorrência intercapitalista) e a crisesocial (conflitos políticos e capital-trabalho), verificadas nas décadas de 60e 70 do séc. XX.

Ao enfatizar o modelo japonês detrabalho como orientador das reformascurriculares, as políticas educacionais acabamcumprindo com um papel de desserviço napreparação do trabalhador, posto que nãodá para conciliarem realidades sócio-econômicas e culturais tão diferentes.

O discurso liberal dessas políticaseducacionais acaba utilizando-se da antigaidéia de progresso econômico e social pelavia de acesso à escola para todos os

1 Outros autores que comungam do entendimento sobre o “paradigma da complexidade”: L. H. O. Carvajal – Historia de las civilizaciones -, D. Bohm – A ordem implícita e a ordem superimplícita -, I. Prigoginee I. Stengers – A nova aliança: metamorfoses da ciência.

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trabalhadores, pois, ao não ter as condiçõesobjetivas para se projetar na divisãointernacional do trabalho como paísprodutor de tecnologias em larga escala, talqual os países mais desenvolvidoseconomicamente, incorpora o discursosalvacionista da sociedade via escola.

Entretanto, o entrave para a realizaçãodesse novo projeto de formação para otrabalhador, de acordo com muitas falas doempresariado nacional, justamente seencontra, numa questão que faz parte daconfiguração cultural do povo brasileiro, ouseja, a grande diversidade cultural, queobstaculiza essa nova “visão de mundo” dosistema produtivo. Daí a importância daescola em passar determinados valores ecomportamentos que ressignificariam osentido de uma coesão social e cultural,quebrando as resistências dos traba-lhadores. Explicitando a afirmação acima,o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), daConfederação Nacional das Indústrias,afirma que é via escola e via Pedagogia daQualidade que serão repassados os novosvalores e atitudes pelo Brasil, expandindoa aceitação dessa cultura, que para essesexpoentes só pode ser entendida em relaçãoao mundo do trabalho.

E quais são esses valores ecomportamentos ligados a uma novaperspectiva cultural? Aqueles quedesenvolvam laços de solidariedade, derespeito e de valorização do sentimento depertencimento de grupo. Para isso, o mesmodocumento do IEL aponta que éfundamental o conhecimento da culturaoriental, em que estão presentes essesingredientes na formação do indivíduo (Cf.ANDRADE, In: NEVES, 2000, p.72).

A mesma idéia está presente no RelatórioDelors, e não poderia ser de outro jeito, jáque esse documento é o norteador daspolíticas educacionais pensadas para o séculoXXI. Ao abordar os quatro pilares daeducação, quanto ao terceiro pilar, aprendera viver juntos, o documento afirma que elerepresenta um dos maiores desafios para aeducação. Nele está posto que o mundo atualconvive com a esperança no progresso dahumanidade e com seu oposto, a violência.O século XX apontou em sua história umpotencial destruidor sem precedentes, bemcomo conflitos por toda parte. Como entãofazer que a educação seja capaz de evitar osconflitos e resolvê-los pacificamente? E aComissão responde que é por meio deprojetos comuns, pois assim as diferenças e osconflitos tendem a desaparecer. Surge entãoa idéia da diversidade cultural, essa sim deveser conhecida para que acabem as

intolerâncias entre os homens. À educaçãofica a responsabilidade de transmitirconhecimentos sobre a diversidade culturalhumana e, ao mesmo tempo, fazer com queas pessoas compreendam suas semelhanças ea interdependência de todos os seres doplaneta. É o que diz o Relatório Delors,ensejando a questão da tolerância,mecanismo interessante para não se discutiras diferenças sócioeconômicas.

Sendo assim, a compreensão teórica dosPCNs e de outras várias reformas curricularesque “pipocam” pelo Brasil, ajuda oseducadores a “desvelar” as retóricas oficiais efazer com que os mesmos percebam o fatode que muitas “novidades” no âmbito daeducação não passam de “velhas e gastas”ideologias, travestidas e cumprindo com opapel de hegemonizar a sociedade capitalista.Marilena Chauí nos ajuda a entender essadiscussão quando aponta a necessidade de“desmascarar” a ideologia burguesa, pois...

... primeiro, tal ideologia afirmaque a educação é um direito de todos,mas, na realidade, as contradições doCapitalismo não permitem arealização dessa “idéia”, ao separartrabalho intelectual do manual.Segundo, a idéia burguesa afirma queo Estado é um consenso dacomunidade, da sociedade civil paragarantir unidade e harmonia entre asclasses sociais, enquanto se oculta queele é um instrumento de uma classeparticular (a dominante), uma formade manutenção da divisão e dascontradições de classe. O terceiro, aidéia burguesa de trabalho afirma queeste dignifica o homem, escondendoque as condições reais de trabalho,na sociedade capitalista, desu-manizam, brutalizam, entorpecem ohomem. (...) Haveria ainda nu-merosas outras “máscaras” (ademocracia, por exemplo) a encobrira realidade, e seria necessáriodesmantelar a ideologia por umaprática política nascida dos própriosexplorados. E em uma prática dessetipo seria fundamental a crítica daideologia, preenchendo os silêncios eas lacunas do discurso ideológico(CHAUÌ, apud SILVA E SILVA,2005, p. 207).

Para pensar as políticas educacionais noBrasil e em São Paulo

É importante ressaltar que as medidaslegais adotadas para a educação brasileira,desde a década de 1990, visam configurar erearranjar o modelo de sociedade a uma

pedagogia de hegemonia e de consenso emtorno do ideário neoliberal de homem. Sendoassim, muitas ações foram efetivadas, como:reformas curriculares, formação deprofessores, processos de avaliação dossistemas de ensino, entre outros.

Dentre tais iniciativas, uma que temchamado muito a atenção de educadores dasredes públicas de ensino, ou melhor das redesestatais de ensino, é aquela que afirma umnovo modelo de gestão escolar. Tal modelo,em consonância com a minimização do Estadono que diz respeito ao repasse de recursosfinanceiros, tem apostado em parcerias com asociedade civil, na administração da escola,entre outras medidas que mostram a relaçãopervertida que se estabeleceu entre o que seentende por política pública e setor privado.É o caso, por exemplo, de parceriasestabelecidas com Ongs. De acordo com aRevista Nova Escola de junho/julho de 2007,as Ongs: “atuando em áreas diversas e trazendosoluções para os problemas que afetam o dia-a-dia da direção e de professores, (...)cumprem um importante papel: o decontribuir para a melhoria da aprendizagemdos alunos (p. 55)”.

Da mesma maneira, outra medida, quebusca atender aos anseios e ao discurso demais qualidade para a escola estatal, é a adoçãodo chamado “apostilamento” das redes deensino bancadas com recursos públicos. Umadas editoras que tem feito ampla divulgaçãode parceria com os sistemas de ensino de redesmunicipais, é a Editora Positivo. Suapropaganda tem enfatizado que sua propostade apostilamento “revolucionará” o sistemaeducacional que o adotar. Para tanto, ofereceno pacote “Sistema de Ensino AprendeBrasil (SABE)”, um centro de pesquisa, quediz contar com mais de 200 educadores“qualificados”; livros didáticos integrados;assessorias pedagógicas e um portalexclusivo com homepage personalizadapara o município2.

É interessante perceber que por trás dessaproposta está explícita a relação de incentivoà iniciativa privada, na geração de renda edesenvolvimento do mercado editorial. Aidéia do “apostilamento” também está deacordo com as políticas do Banco Mundialpara a Educação Básica. Nessas estratégiasdo Banco Mundial estão explicitadas emqual “rubrica”, tal qual uma empresa privada,deve o Estado investir para alcançar aeducação de qualidade. Vejamos:

A qualidade educativa, naconcepção do BM seria o resultadoda presença de determinados“insumos” que intervêm naescolaridade. Para o caso da escola de

primeiro grau, consideram-se novefatores como determinantes de umaprendizado efetivo (...): (1)bibliotecas; (2) tempo de instrução;(3) tarefas de casa; (4) livrosdidáticos; (5) conhecimentos doprofessor; (6) experiência doprofessor; (7) laboratórios; (8) saláriodo professor; (9) tamanho da classe.(...) ao mesmo tempo que desestimulaa investir nos três últimos –laboratórios, salários docentes eredução do tamanho da classe -,recomenda investir nos primeiros e,especificamente, em três deles:

a) aumentar o tempo deinstrução, através da prolongação doano escolar, da flexibilização eadequação dos horários, e dadistribuição de tarefas de casa;

b) proporcionar livros didáticos,vistos como expressão operativa docurrículo e contando com eles paracompensadores dos baixos níveis deformação docente. Recomenda aospaíses que deixem a produção edistribuição dos livros didáticos emmãos do setor privado, que capacitemos professores na sua utilização, alémde elaborarem guias didáticos paraestes últimos; e

c) melhorar o conhecimento dosprofessores (privilegiando acapacitação em serviço sobre aformação inicial e estimulando asmodalidades a distância) (BM, 1995,p. 51, apud Torres, 2000, p. 134).

Todas essas políticas para a educaçãobrasileira convergem para chegarmos aalgumas conclusões:

1. Que vivemos um momento deconstrução de um consenso em torno dasbandeiras sociais da ideologia neoliberal e aescola é um dos espaços de sua divulgação,principalmente pelos conhecimentostransmitidos;

2. O Estado brasileiro, tal qual todos osestados sob o capitalismo, desenvolvem eimplementam as políticas públicas sociais,visando ao interesse de determinada classesocial, qual seja, aquela que detém o controledos meios de produção e de poder político;

3. Sob o discurso de implantação de umaeducação de qualidade que visa emanciparos “cidadãos”, está a implementação deatividades econômicas que subsidiam a

2 Verificar essas informações em www.editorapositivo.com.br

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iniciativa privada, portanto, é dinheiropúblico, que vem do povo, da gentecomum, financiando e solidificando asempresas capitalistas. Nada mais injustonuma sociedade que prega a igualdadeentre todos...

Também tomo Gramsci para pensarmos,nós – os educadores – se queremos seremancipadores ou homens-massa. Ele, aodiscutir a filosofia da práxis, já apontava paraa seguinte pergunta: “qual é o tipo deconformismo, do homem-massa do qualfazemos parte?”

Quando a concepção demundo não é crítica e coerente,mas ocasional e desagregada,pertencemos simultaneamente a

UUUUU

Reforma do Estado e política educacional: o contexto

para a reforma curricular em tempos neoliberaisLalo Watanabe Minto (*)

ma contradição ronda aeducação brasileira hoje: nunca

foi tão pronunciado o discursoque alça a educação à condição

de solução para todos os problemas sociais, aopasso que as políticas efetivamenteimplantadas expressam o descontrole e odescaso efetivos do Estado para com os maisurgentes problemas educacionais.

O tipo de educação que hoje se praticaexpressa as condições objetivas da sociedadeem que vivemos. É a educação de quenecessita um país capitalista periférico,permeado por contradições que permitem aconvivência tranqüila entre um discursodemagógico em prol da educação e oimperativo de “honrar os compromissos” como capital internacional que são, precisamente,fatores limitadores de uma políticaefetivamente preocupada com a educação.

Sabemos também que a atividade educativaé fundamental em qualquer formação socialhumana, tanto no sentido mais geral do seucaráter humanizador, como no sentido estritodas necessidades específicas de qualificação dosindivíduos. Estas duas dimensões, contudo,não são determinadas a priori. Ao contrário,resultam das condições sociais efetivamenteexistentes num certo período histórico. É sobreesta educação em sentido estrito – que, nassociedades modernas, transformou-se emsinônimo de escola – que vamos tratar aqui.

Inicialmente, poderíamos dizer que nessadeterminação da educação pela sociedadecapitalista destacam-se duas questões: a da

abrangência da educação escolar e a doconteúdo desta escola, da formação por elaproposta e praticada. Neste último, em especial,nos deparamos com o problema do currículo.Mas vale o alerta: não se trata de pensar ocurrículo de forma “especializada”, mas em seusentido social (historicamente produzido), oque se desvela à medida que o complexoeducacional é desvelado. Faremos então umasíntese dos principais processos aquiimplicados, adentrando, posteriormente, naquestão do modo como o currículo hojeexpressa as dimensões mais gerais de uma dadaformação social e, nela, de uma políticaeducacional específica.

A educação como política social noEstado contemporâneo

O contexto histórico no qual se produz acontradição citada no início, é o da destruiçãodas bases objetivas das sociedades capitalistasdo pós-2a Guerra Mundial. Em termos gerais,esta reestruturação decorre das mudanças nomundo da produção e das relações de trabalhoocorridas a partir dos anos de 1960. Mudançasconcretizadas no processo permanente detransformação das forças produtivas, em vistada necessidade do capital expandir-se eacumular-se em escala mundial.

A reestruturação capitalista tem, como umde seus requisitos básicos, o processo no qual ocapital se apropria de setores não inteiramentedominados por sua lógica reprodutiva (a dolucro crescente). Os serviços estatais de interessepúblico, bem como as políticas sociais, tornam-

se assim grandes oportunidades de negócios. Asíntese ideológica desta necessidade é oneoliberalismo, que postula a necessidade doEstado ser mais eficiente, sobretudo no que serefere aos gastos sociais. Por isso, o discursoreformista mistificou a idéia de que, uma vezfeito o “saneamento fiscal do Estado”, ampliar-se-ia a capacidade de investir em políticas sociais.O que vem ocorrendo efetivamente é o inversodisso: um processo de privatização cuja lógica éretirar os gastos sociais do orçamento estatal,reduzindo a esfera dos direitos sociais.

Com o neoliberalismo busca-se construirum Estado máximo para o capital, no qual seimpõe um novo tipo de política social de caráterassistencialista, gerida como atividade privada,que assume um tom de caridade evoluntarismo. O Estado passa a ser o gestor dosserviços que delega ao setor privado (ou à“sociedade civil”), o que implica transferênciade responsabilidades: deixa de financiaratividades como a educação, reservando a si opapel de “avaliador” e “fiscalizador”; mas deuma avaliação e controle feitos por meio decritérios como os da gestão eficiente e domercado. (SAVIANI, 2002, p. 23).

No caso brasileiro, foi basicamente aReforma do Estado que promoveu essa adequaçãojurídica-política à nova realidade do mundoda produção e da acumulação capitalistas. Suasdimensões foram dadas por reformas parciais:previdenciária, fiscal, tributária, trabalhista esocial (saúde, educação etc.); e seu objetivoinadiável: tornar o Estado mais eficaz e funcional

às demandas do capital. No interior dessalógica, a educação é duramente atingida pelosinteresses do capital e os organismosinternacionais atuam como porta-vozes de taisinteresses: por um lado, disseminando a idéiade que é necessário reformar (“modernizar”);por outro, impondo politicamente tais medidas,via formulação de diretrizes e estratégias1.

Na forma histórica contemporânea docapital, expansão econômica associada a altosníveis de desemprego é plenamente possível.Dispensa-se, com isso, a promessa integradorada educação dos tempos do pós-2ª Guerra,quando educar-se era garantir ‘ascensão social’.Reinventa-se esta promessa agora, não maiscomo política social para o desenvolvimentonacional, mas para o simples desenvolvimento,expressão genérica da condição subordinadado país aos ditames do capital mundializado.A educação tem de ser promovida não comopolítica de Estado, mas como aparato deacumulação do capital, mediado pela suamercantilização crescente. Ao indivíduo cabeconcorrer para que tenha a chance de ser“incluído” no seleto grupo que ainda conseguirá“ascender socialmente”.

Na reforma educacional brasileira doisprocessos são indissociáveis: a reforma de cunhoorganizacional (promoção da gestão “eficiente”,enxugamento dos gastos públicos edirecionamento de recursos ao setor privado,privatização e controle via avaliação etc.); e a decunho curricular (conteúdos e tipo de formaçãodemandados na nova fase do capital). Ambas

uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidadeé compósita, de uma maneirabizarra: nela se encontram oselementos dos homens das cavernase pr inc íp ios da c i ênc ia mai smoderna e progres s i s ta ,preconceitos de todas as faseshistóricas passadas (...) Criticar aprópria concepção de mundo,por tanto , s ign i f i ca torná- launitária e coerente e elevá-la até oponto atingido pelo pensamentomundial mais evoluído (Gramsci,1999, p. 94).

Pensemos nisso...

Referências Bibliográficas:GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. v.

1. Introdução ao estudo de filosofia. Afilosofia de Benedetto Croce. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 1999.

JACOMELI, M. R. M. PCNs e TemasTransversais: análise histórica das políticaseducacionais brasileiras. Campinas/SP:Alínea, 2007.

LIMA, P. G. Tendências paradigmáticasna pesquisa educacional. Artur Nogueira/SP:Amil, 2003.

NEVES, M. L. W. Educação e Políticano limiar do séc. XXI. Campinas: AutoresAssociados, 2000.

NORONHA, O. M. Políticas neoliberais,conhecimento e educação. Campinas/SP:

(*) Professora do Departamento de Filosofia eHistória da Educação da Faculdade deEducação da Unicamp e pesquisadora doGrupo de Pesquisa “História, Sociedade eEducação no Brasil – HISTEDBR”.

Editora Alínea, 2002.Revista Nova Escola, junho/julho de 2007.SILVA, K.; SILVA, M. H. Dicionário de

conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005TORRES, R. M. Melhorar a

qua l idade da educação bás ica ? Asestratégias do Banco Mundial. In: DeTOMMASI, L. e outros (Orgs.). O BancoMundial e as políticas educacionais. 3ªed. São Paulo: Cortez, 2000.

1 Para uma visão ampliada da reforma do Estado e da educação no Brasil, ver MINTO (2006, caps. 2 e 5).

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abrangem todos os níveis de ensino, compondoum único processo2.

O discurso da educação como solução paratodos os males

Vimos que a sociedade capitalistacontemporânea se organiza de modo a tornaras determinações do capital (produção erealização do lucro) o único horizonte possívelda reprodução social. É dessa forma que aideologia neoliberal3 propõe novas funções paraa educação, cujo objetivo é, de um lado,legitimar as desigualdades numa formaçãosocial altamente excludente; e, de outro,ampliar a lógica dual de uma educação queatende de forma diferenciada a diferentessegmentos da sociedade (as classes sociais).

Para que a reforma educacional atendesseàs demandas do mundo da produção e dareprodução sociais foi preciso, inicialmente,recolocar em pauta uma linguagemsalvacionista. Em grande medida isso foicumprido pelos organismos internacionais, queoperam numa lógica de padronização,oferecendo verdadeiros pacotes educacionaisaos ditos “países em desenvolvimento”.

Interessa-nos destacar um dos elementosessenciais desses “pacotes”, referente àqualidade do ensino. Para isso, lembremos dealgumas das recomendações do BancoMundial (BM): 1) o professor é consideradoapenas o quinto fator de importância naqualidade do ensino, que, ademais, é resumidaa uma noção de “domínio de conteúdos” queenfatiza a formação em serviço (especialmenteem programas de formação à distância) e nãoa formação inicial, considerada cara eineficiente. Também não se reporta àscondições de trabalho e remuneração dosdocentes; 2) para piorar, esta visão deconteúdo, já empobrecida, é tomada comosinônimo de “livro didático”, ao qual se conferehegemonia por ser “insumo de baixo custo” ede “alto retorno” (relação custo-benefício).

(TORRES, 2000). Vê-se que, somadas estaspoucas recomendações, não se está longe deconcluir que o professor é desnecessário noprocesso educativo, pois visto apenas comomais um dos “insumos” que dele participa.

Nesse contexto a difusão de noções comoempregabilidade, aprender a aprender ecompetências torna-se central no campoeducacional. Nesta fase do capital, que secaracteriza pelo desemprego estrutural e pelacrescente precarização das condições detrabalho, empregabilidade significa “transferiraos trabalhadores a necessidade de suaqualificação, que anteriormente eram emgrande parte realizadas pelo capital”(ANTUNES, 2003, p.131). Igualmente, oaprender a aprender “sintetiza uma concepçãoeducacional voltada para a formação, nosindivíduos, da disposição para uma constantee infatigável adaptação à sociedade regida pelocapital” (DUARTE, 2003, p. 11) e ascompetências são a sua outra face: mantém-sea idéia de fundo do construtivismo – deesquemas adaptativos construídos pelo sujeitona interação com o ambiente –, mas re-elaboradas à luz da necessidade premente deadaptação que não pressupõe mais o domíniode conhecimentos mínimos sobre o meio aoqual se adapta o sujeito. “Agora a questão daverdade é elidida”, diz SAVIANI (2007, p.435), que acrescenta: a “pedagogia dascompetências” tem como objetivo “dotar osindivíduos de comportamentos flexíveis quelhes permitam ajustar-se às condições de umasociedade em que as próprias necessidades desobrevivência não estão garantidas”.

Esse tecnicismo requentado, disseminadopelos organismos internacionais, visa promoverjustamente este deslocamento para o indivíduo,de modo que as condições mais gerais de suaprópria existência jamais sejam anunciadascomo problema. Na educação observa-se um“deslocamento do ensinar para o aprender e doformar para o treinar, com um tipo de ensinocentrado no estudante e nas redes de educação àdistância, por onde ele pode navegar e acessar aqualquer momento o estoque de informaçõesdisponíveis de modo ‘democrático’ e, com isso,compor sua ‘cesta básica’ de informações e deconhecimentos” (NORONHA, 2002, p. 70-1).

O discurso da educação como solução paratodos os problemas, articulado ao processo dereorganização das políticas sociais de modo atorná-las mais “afetas” ao mercado, permitemobservar que o processo de privatização não ésenão a própria expressão da reforma em curso:

quando se desqualifica a ação do Estado naeducação e se impõe uma ideologia que converteesta última em meio exclusivo de inserção nomercado de trabalho, a educação se transformanum campo altamente rentável, passível degrandes investimentos capitalistas. Impera alógica da mercadoria: quem pode pagar, tem‘acesso’; quem não pode, está ‘excluído’.

A legislação educacional brasileiraincorporou essas noções e esse discursotecnicista, sobretudo após o marco legal daLDB/1996, que se complementa com aconstrução dos Parâmetros CurricularesNacionais (PCNs) e das Diretrizes Curricularesdos ensinos médio e superior, bem como pelareforma da educação profissional4.

Currículo: renovação pedagógica ouesvaziamento do ensino?

Numa sociedade que privatizacrescentemente a educação, a concepção deensino e de formação necessárias para uma plenaadequação dos indivíduos, sua lógica não émais do que aquela que prevê a simples‘adaptação’. Por isso, o conceito de cidadania(e de educar para a cidadania) será o grandearticulador das Diretrizes CurricularesNacionais e dos PCNs. Se a cidadaniapressupõe o atendimento de condiçõesobjetivas mínimas (acesso à saúde, à educação,à moradia etc.) e estas estão organizadasfundamentalmente na forma de mercadorias/serviços no vasto mercado brasileiro, é precisoque o cidadão seja, antes de tudo, umconsumidor de sua própria condição cidadã.

No caso da educação, esta condição éduplamente articulada: de um lado, comoconsumo do serviço educacional (o acessoà escola), o que favorece o setor privado,uma vez que a política educacional oficialdesqualifica o público (estatal) e beneficiao mercado; de outro lado, pelo tipo demercadoria (o conhecimento) que se estáconsumindo. Ao que nos leva novamenteà problemática do currículo: qual é o tipode formação/treinamento, conhecimento/saber que se demanda numa sociedadecomo esta? Estar íamos v ivendo na“sociedade do conhecimento”?

DUARTE (2003, p. 11-2) respondenegativamente a essa questão e destaca seucaráter ilusório. Isso se completa com a críticadas “pedagogias do aprender a aprender” e seucaráter adaptativo, cujo intuito é oferecer umaformação criativa: criatividade que “não deveser confundida com busca de transformações

radicais na realidade social, mas sim (...) emtermos da capacidade de encontrar novasformas de ação que permitam melhor adaptaçãoaos ditames da sociedade capitalista”.Organismos como o BM e a Unesco5

tornaram-se os grandes arautos das reformaseducacionais porque traduziram taisnecessidades em termos de diretrizes políticasgerais. Nesta perspectiva ideológica, “não épreciso que os indivíduos desenvolvam umaformação sistemática, ampla e profunda,tendo como base os conhecimentossocialmente significativos produzidos eacumulados pela humanidade. Nem mesmoé preciso que a escola propicie tal tipo deformação. O conhecimento estariasintetizado e disponível a todos na rede,bastando a cada um ‘acessá-lo’”(NORONHA, 2002, p. 79-80).

Política “social” neoliberal, discursosalvacionista da educação e privatização do ensinocompletam-se, portanto, com a questão doconteúdo (ou esvaziamento) do ensino. Juntos,formam o universo em que as mudanças no campoeducacional tornam-se compreensíveis. A ilusãode que estaríamos vivendo numa “sociedade doconhecimento”, por suposto, apenas obscurece osentido de tal transformação.

Todo o constructo pós-moderno que dásuporte às teorias pedagógicas e que se refletemem propostas educacionais novidadeiras,ampara-se na idéia de um deslocamento dosconteúdos para os métodos e práticas, bemcomo do domínio dos recursos (meios)fundamentais do ensino, cuja expressãomáxima é o construtivismo. Se, por um lado, écorreto dizer que o domínio do instrumental énecessário, elevá-lo à condição de único (ouprincipal) suporte do processo educativo, étorná-lo absoluto, atemporal e aistórico. Éseparar forma de conteúdo, teoria de prática.

Os PCNs, anunciados como uma propostaflexível (BRASIL. MEC, 1997, p. 13),também não podem ser considerados em simesmos. Isto porque, somados a uma políticade financiamento restritiva, a uma idéia de‘autonomia’ escolar desvencilhada de recursose infra-estrutura6, bem como a uma política deavaliação centralizadora e quantificadora deuma série de “índices” de qualidade daeducação, tornam-se, efetivamente, verdadeirosmecanismos de aprisionamento dos conteúdosque compõe o currículo escolar. Eis porque seconcebe para a educação um papel em que:

“Não basta visar à capacitação dosestudantes para futuras habilitações em

2 Os diagnósticos que vêm orientando as reformas enfatizam essas duas dimensões, como que atribuindo dois níveis de “responsabilidade” pelos problemas educacionais: do currículo, o qual deve ser

reformulado, e, da gestão, para a qual privatizar é a solução.3 Por ideologia neoliberal denominamos todo o amplo conjunto de ideologias conservadoras – não só econômicas – que se desenvolvem nesta fase do capitalismo.

4 Não vamos tratar dessas mudanças em geral, mas enfatizar a proposta dos PCNs e, em seguida, aquelas que se referem à política de formação de professores.

5 Tomamos como base o documento conhecido como Relatório Jacques Delors (DELORS, 2001).

6 Vejamos a compreensão da atual Secretária de Educação de São Paulo: “Estamos enfrentando a desorganização pedagógica com várias ações (...) como a criação de um currículo para todas as séries, de

disciplinas e as expectativas de aprendizagem. Ou seja, as escolas agora sabem o que devem ensinar aos alunos. Não significa que a escola não tenha autonomia. Ela continua escolhendo seus livros e seu projetopedagógico. Mas isso tem de seguir os conteúdos básicos” (CASTRO, 2008).

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termos das especializações tradicionais,mas antes trata-se de ter em vista aformação dos estudantes em termos desua capacitação para a aquisição e odesenvolvimento de novas competências,em função de novos saberes que seproduzem e demandam um novo tipode profissional, preparado para poderlidar com novas tecnologias e linguagens,capaz de responder a novos ritmos eprocessos. Essas novas relações entreconhecimento e trabalho exigemcapacidade de iniciativa e inovação e, maisdo que nunca, ‘aprender a aprender’”(BRASIL. MEC, 1997, p. 34-5).

Os conteúdos preconizados pelos PCNsdizem respeito à participação dos indivíduosna sociedade contemporânea e à sua plenaadaptação a ela, ao que se convencionouchamar de “exercício da cidadania”. Nesta visão,ser cidadão significa: a) dominar certasferramentas cognitivas para adaptar-se – nuncapara transformar – à realidade vigente (a “cestade informações”); e b) consumir os bens eserviços mínimos necessários à sobrevivênciamaterial. A tradução disso encontra-se na noçãode equidade, pronunciada regularmente peloBM, pela Unesco, pela CEPAL, pelo MEC, e,claro, incorporada pelos PCNs.

Mas, afinal, qual é o tipo de conteúdo queprepara para o exercício dessa cidadania, para ousufruto de direitos sociais numa sociedade querestringe cada vez mais as já escassas conquistasdo século XX, e que relega ao mercado a tarefade oferecer os “bens” necessários à cidadania?Trata-se de um conteúdo escasso, simplificado,que mais apela à própria utilidade social (docertificado) do que promove qualquer tipo deretorno para os indivíduos (domínio deconteúdos). No fundo, retorno mesmo é aqueleque beneficia aos grandes empresários, agoraimbuídos da “responsabilidade social” depromover a conquista da cidadania, numaformação social tão desigual como a brasileira7.

Por essa razão, os PCNs só se tornamfuncionais quando apresentados como algoacima das relações sociais. Não por acaso, o “BMrecomenda enfaticamente a elaboração edesenvolvimento do currículo como uma tarefarestrita ao poder central ou regional, semparticipação local e sem formar parte do pacotede funções delegadas pela descentralização”(TORRES, 2000, p. 156). Para poder oferecera todo o amplo quadro da organização daeducação brasileira um formato definido –ainda que ‘flexível’, torna-se necessário apelar a

um suposto “modelo ideal”. E tal como noformato mais adequado e coerente com amercantilização da educação, este se dá pela viada padronização e do esvaziamento8. Eis osentido da visão de currículo apresentada pelosPCNs, na qual:

“os Temas Tranversais são osconhecimentos principais e os conteúdosdas várias áreas devem servir para otrabalho com eles. O documento deslocao debate do conteúdo a ser ensinado paraa forma de ser ensinado. (...).

Ao professor, agora, cabe a tarefade organizar os conteúdos das váriasáreas em torno de temáticas escolhidas,atentando para não isolá-las e paraenfatizar o exercício da cidadania”(JACOMELI, 2004, p. 102-3).

Para alguns de seus defensores nota-se até atentativa de sobrepor a noção detransversalidade à realidade, como uma simplesdeterminação do pensamento, da subjetividadedo educador, o que só pode ser formuladoquando se despreza que a produção doconhecimento também temuma história, vinculadanecessariamente às condiçõesobjetivas das sociedadeshumanas, terreno da luta declasses e das relações sociaisrealmente existentes9.

Formação de professores

Uma das formas básicasde operacionalizar oesvaziamento da educação émediante uma política deformação de professorestambém esvaziada. Por isso,este é um tema sempreenfatizado pelos organismosinternacionais, que adotam aperspectiva tecnicista do custo-benefício,associando formação com o que se pensa ser o“rendimento” do processo educativo. Nessesentido, FREITAS (2002, p. 148) alerta queas atuais políticas para a graduação e pós-graduação pretendem retirar a formação deprofessores do campo científico e acadêmicopróprio da educação, localizando-a no “campo”da “epistemologia da prática”, isto é, das práticaseducativas, o que nos leva aos problemas dafragmentação/especialização e do aligeiramentoda formação inicial. Nas Diretrizes Curricularesdo governo brasileiro, a discussão dos conteúdose métodos das disciplinas é deslocada de modo

restritivo, reduzida a um “processo dedesenvolvimento de competências para lidarcom as técnicas e os instrumentais do ensino(tecnologia) e da ciência aplicada no campo doensino e da aprendizagem” (idem, p. 156).

Já ARCE (2000, p. 55) critica a perspectivaconstrutivista na qual se postula que o professordeve ter “subtraídos da sua formação osconteúdos escolares em prol dodesenvolvimento de habilidades que o levem agerar autonomia do aluno”. Nota-se aqui que,também para o professor, vigora a tendênciade individualização, forçando-o a tornar-seresponsável pela própria formação/qualificação,ao sabor das novas relações de trabalho. Comisso, distancia-se de qualquer noção de projetoglobal de formação, atendendo apenas aosditames da nova ordem econômica.

Não é de estranhar, portanto, que o atualPlano de Desenvolvimento da Educação (PDE)reforce duas tendências que vêm promovendoo esvaziamento: tornar a educação à distânciabase dos cursos de formação de professores e, naesteira da diversificação institucional do ensinosuperior, retirá-la das universidades.

Em síntese, pode-seafirmar que o esvaziamentoda escola (conseqüen-temente, do currículo)corresponde às necessidadesimanentes ao modo deprodução capitalista hoje. Éuma das formas pelas quaisse busca (des)educar osindivíduos, naturalizando asdeterminações materiais docapital e as relações sociais porela constituídas como asúnicas possíveis: fazendo-assenso comum.

Duas das tendências maisexpressivas disso são: a) o

esvaziamento em geral, como processo desimplificação dos conteúdos que compõem oscurrículos escolares. Ou seja, uma redução aomesmo tempo absoluta e relativa, esta últimareferente ao pragmatismo e às propostasnovidadeiras que assolam a educação. As noçõesde “pedagogia das competências” e “aprender aaprender” são alguns dos artifícios ideológicosassociados a esta tendência; b) o esvaziamentono sentido da educação dominada pela lógicada mercadoria. Direito social converte-se emserviço, atendimento em oferta, qualidade emeficiência, igualdade em equidade. Aos extratosdo capital que investem no ensino importa“servir aos poucos e sempre” a educação, o que

converge plenamente com o aligeiramento daformação e a redução dos conteúdos: a lógica éoferecer um serviço simplificado, facilmenteproduzido e pouco dispendioso, que pressupõeprofissionais pouco qualificados (professortorna-se “tutor”, “facilitador”), mas muitorentável quando associado a um discursohegemônico que valoriza a educação10. Nestecaso, as noções mais emblemáticas são:“aprender ao longo da vida”, “educaçãopermanente”, “qualidade total” e “pedagogiade resultados”.

Nessa lógica, a qualidade da educação passa aser medida apenas pelos “indicadores da educação”,donde se vê que a ênfase conferida a isso naspropostas educacionais oficiais não é fortuita.

Algumas conclusões: que escola, quecurrículo, que sociedade?

Como pensar numa outra forma deorganização da educação? Como escapar de umapolítica que se autodenomina flexível, mas que,em nome da ‘autonomia’ escolar, da‘individualidade inata’ do sujeito e da‘liberdade democrática’ de uma sociedadeextremamente mercantilizada, impõe condiçõeslimitantes e castradoras para a educação?

Sabendo que a educação não se constituinum problema em si mesmo, entendemos queo esvaziamento do conteúdo escolar é altamenteprejudicial para a formação das futurasgerações. É necessário, então, resgatar umaconcepção educacional e pedagógica que prezepelo aprendizado dos conteúdos historicamenteproduzidos e acumulados pela humanidade.Mas não se trata apenas disso: o significado e aimportância de uma pedagogia de tal naturezaresidem na possibilidade de reverter o sentidode uma política educacional que vempromovendo a destruição das formassistemáticas de transmissão dos saberes econhecimentos e, com ela, a possibilidade defazer com que cada um dos indivíduos sejatambém um portador da humanidadeproduzida ao longo da história.

Urge definir uma política educacionaladequada a esse fim e não subordinada aosditames da acumulação de capital em escalaglobal, que desvia recursos públicos emmontantes crescentes para remunerar o capitalfinanceiro e que, do ponto de vista curricular,impõe formatos pretensamente flexíveis, porémuniformizantes tanto quanto alienantes. Umapolítica que quebre o círculo vicioso da exigênciade eficiência, pela via punitiva da avaliação, eque tenha nesta um mecanismo de efetivamelhora da qualidade, não servindo apenas para

7 Nada mais emblemático do que o “Compromisso Todos pela Educação”, acordo empresarial que serviu de base para muitas das proposições do atual Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).

8 Os imperativos de padronização, flexibilização e produtividade funcionais ao capital no campo educacional levaram GENTILI (1996) a comparar a educação com o funcionamento das lanchonetes de tipo

fast food, analogia à qual denominou de “mcdonaldização” da escola.9 Ver, neste sentido, a formulação de GALLO (2001, p. 34), que afirma suas diferenças para com a proposta dos PCNs, mas não deixa de aproximar-se dela em pelo menos dois aspectos: o caráter meramente

adaptativo da educação e o distanciamento para com a realidade histórica, proclamada na hipótese de que as “grandes questões políticas” devem ser resolvidas “no campo do fluxo de informações”.10

A indicação de que os alunos que chegam ao nível superior apresentam lacunas essenciais de formação é emblemática. A Folha de S. Paulo apresenta dados que atestam a ampliação da prática de oferecer“reforço” – sobretudo em português e matemática – nas instituições de ensino superior particulares do país, o que inclui renomadas instituições e não apenas aquelas reconhecidas por seu pouco rigor na seleçãodos estudantes. Conhecimentos básicos que antes eram ensinados na escola básica passam a fazer parte dos currículos de cursos superiores (FACULDADES dão ‘supletivo’..., 2008).

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atestar o dado, o consolidado, mas que seja pontode apoio para o avanço contínuo e progressivo.

Mas não se trata, aqui, de reinventar a roda.Sem reordenar as prioridades desta sociedade,não há como pensar numa outra políticaeducacional. É preciso construir uma saídaeducacional que, de um lado, não repita o errode pensar a educação como algo acima dasrelações sociais dadas e que a pense, por outrolado, não apenas como reprodução destasmesmas relações. Uma educação que,assumindo seus elementos de contradição, sejadirecionada para produzir em cada um dosindivíduos, o máximo desenvolvimento de seusconhecimentos e capacidades, a saber, aquelashistoricamente produzidas e acumuladas pelahumanidade11. Numa sociedade que já vive ossinais de uma crescente barbárie social, estatarefa é inadiável.

Referências Bibiográficas

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho.

CCCCC

Currículo e Histórias de VidaBelmira Oliveira Bueno (*), Daiane Antunes Vieira Pincinato (**), Márcia Maria Brandão Santos (***)

A história de vida é outra maneira de considerar a educação. Já não se trata de aproximar a educação da vida, (...) mas de considerar a vida como o espaço deformação. (...) A educação é assim feita de momentos que só adquirem o seu sentido na história de uma vida. (Pierre Dominicé)

urrículo e histórias de vida têm bemmais em comum do que a primeira

vista se poderia pensar. Ambos dizemrespeito a percursos e experiências de

vida, a trajetos percorridos, àquilo quedocumenta e testemunha o que alguém realizou,seja na escola, na profissão ou ao longo de todauma existência.

Partir desse ponto parece-nos importante, jáque acostumados demais às palavras, acabamosmuitas vezes por perder seus significados. Nocaso do currículo, essa perda desencadeou ummovimento que já dura algumas décadas, cujopropósito foi o de analisar e recriar o seu sentidona escola. Com as histórias de vida algosemelhante também se deu. A história dessaabordagem também teve seus percalços e osmodos de entender e usar essa abordagem é,ainda hoje, assunto para polêmicas. Entendemosque sua apropriação na área da educação temuma relação muito estreita com movimentos quevisam promover mudanças na escola, ou mesmo,uma reinvenção dessa instituição.

A escola é uma produção histórica forjadaem outro momento, uma instituição criada nassociedades européias dos séculos XVII e XVIII,portanto, a partir de outras referências espaços-temporais e concepções, de sociedade,indivíduo, cultura etc. A escola que viemos aconhecer – com sua organização, seriação edivisão de espaço e tempo, no que diz respeitoaos alunos (separados por classes, turmas, séries)

e, também, aos conhecimentos (separados pordisciplina, subdivididos em conteúdos,ministrados em dias, horários e períodos pré-fixados) – é uma invenção relativamenterecente, com pouco mais de dois séculos dehistória. Contudo, já deu provas exaustivas desua obsolescência e desajuste às demandas dasociedade contemporânea.

O desafio hoje é, pois, o de sermos capazes dereinventar a instituição escolar, cuja tarefa, pormais difícil que se apresente, urge ser enfrentada.Trata-se antes de mais nada de reexaminar suafunção social e seu papel, hoje, assim como aconcepção que dela fazemos e o que desejamospara nossos alunos e as gerações que estão por vir.

A proposta deste texto é a de oferecer algunselementos que possam contribuir com essareflexão. Para tanto, retomamos algunsmomentos do percurso que, no âmbito dahistória da educação, marcou o lugar dasupervisão em sua relação com o currículoescolar, bem como o da entrada das histórias devida na cena educacional. Espera-se que taiselementos possam ajudar a compreender maisas tantas vidas e histórias que se cruzam naescola, bem como a vida que se produz emcada escola.

Supervisão escolar e currículo: os(des)encontros de duas histórias

A trajetória da supervisão escolar, como campode estudos no Brasil, já foi contada e recontada

por importantes educadores, todos preocupadosem compreender os caminhos e descaminhos dessaárea e dessa função no magistério.

Embora se possa considerar que a funçãosupervisora tem sua origem na própria gêneseda prática educativa, nas comunidadesprimitivas, em que a educação se dava de formadifusa e indiferenciada, é com o desenvolvimentodas sociedades e aumento de sua complexidadeque essa função se dissemina como forma decontrole das práticas educativas informais. Nocampo da educação, esse processo se dá com odesenvolvimento dos sistemas formais de ensino,quando começa a figurar como parte integranteda organização escolar burocrática.

De início, a supervisão foi exercida pelosinspetores escolares que, nos finais do séculoXIX e início do XX, tinham uma atuaçãovoltada à transmissão e garantia de manutençãodas normas de funcionamento da organizaçãoescolar. Por deterem os saberes da experiênciaacumulada, como balizadores do exercício daorientação do ensino, os inspetores escolaresgozavam de respeito e legitimidade. Eramconsiderados os guardiões da tradição. Alémde realizarem a função supervisora de orientaçãopedagógica, acompanhamento e controle daspráticas docentes, também exerciam as funçõesadministrativas de fiscalização e vigilânciaburocrática. No que tange às práticas docentes,o controle recaía, sobretudo, na cobrança aocumprimento do programa oficial.

Com as reformas educacionais que ocorremna década de 1960, notadamente no Estadode São Paulo, um novo profissionalespecializado passa a atuar no interior dasescolas: o orientador pedagógico. Esse foi oprimeiro supervisor no sistema de ensinopaulista. Com efeito, é com ele que nasce asupervisão escolar como um dos componentesda tríade supervisão/currículo/avaliação. Aosorientadores pedagógicos cabia o trabalho deviabilizar o currículo, interpretar asdeterminações legais e oferecer soluções criativaspara as situações pedagógicas propostas. Emoutras palavras, pode-se dizer que os guardiõesda tradição foram substituídos pelos guardiõesdo currículo.

O Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino (PABAEE), acordoassinado em 1956, exerceu significativainfluência no desenvolvimento do currículono país. Dentre seus oito departamentos, umdizia respeito, especificamente, a Currículo eSupervisão. Esse departamento oferecia trêsdisciplinas - currículo na escola elementar;supervisão do ensino na escola primária; ecurrículo e supervisão - todas enfatizando ocomo planejar e desenvolver currículos. Aassociação entre currículo e supervisão assinala,pois, uma ênfase sobre os aspectosinstrumentais e técnicos do currículo.

Na década de 1970, a influência americanano campo do currículo permanece com fortes

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11 Sobre o sentido dessa educação com base em conteúdos, ver SAVIANI (2003), LOMBARDI (2006) e ARCE (2000).

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características tecnicistas. Isso marca a passagemdo supervisor guardião do currículo para osupervisor guardião da proposição legal. Comefeito, o Decreto n° 5.586/75 estabeleceu queao supervisor compete “orientar o acom-panhamento, avaliação e controle dasproposições curriculares na área de sua jurisdiçãoe zelar pela integração do sistema, especialmentequanto à organização curricular”.

A visão tecnicista se propunha a garantir aeficiência e a produtividade. Com isso, osupervisor acabou por se tornar um técnico que,progressivamente, se distanciou das questõescurriculares essenciais, uma vez que ficou“alojado” na burocracia. No entanto, asdiscussões teóricas e as produções críticas dosanos 80 sobre o currículo provocam uma rupturacom essa visão tecnicista predominante.Marcadas por um forte espírito de renovação,tais discussões afetaram o pensamentopedagógico, que passa a formular novos temas enovas questões para pensar a escola.

O que se observa nesse período dos anossetenta é a presença de dois movimentosreagentes: de um lado, o surgimento dasupervisão de tom tecnicista; de outro, a buscapor uma nova concepção de currículo. Aorecusar o tom técnico e apolítico que prevaleciaaté então, os teóricos do currículo se voltampara a compreensão do processo curricular, oque implica no exame das disciplinas escolares,das relações entre as mesmas, bem como dasrelações entre o currículo e o mundo exterior àescola. Não se tratava, todavia, de umadesconsideração pela prática, mas, sim, de umredimensionamento de sua importância.

A influência de autores estrangeiros,sobretudo de orientações neomarxistas,dirigindo críticas severas à escola e ao seufuncionamento, sobre os trabalhos que aquiforam produzidos nesse momento, provocamum novo movimento que tem como foco aescola e seu papel na sociedade. A supervisãoescolar torna-se um dos alvos dessas críticas,que propugnavam pela extinção dessa funçãono sistema de ensino, visto que o supervisor,como “especialista”, estaria usando a técnica semcontexto; com isso dividia, desagregava eenfraquecia a escola, submetendo-a aosinteresses da política sócio-econômica vigente.

Esse caso ilustra bem uma tendência e umaatitude recorrente de pensar os problemas daeducação como resultado de umfuncionamento deficitário da instituiçãoescolar, ora de seus agentes, ora dos alunos, orados pais e da comunidade. Acredita-se que asolução é aumentar os conteúdos, preparar maisos professores e administradores, cobrar maiorenvolvimento dos pais, quando, de fato, acomplexidade da escola exige uma visão maisabrangente, que contemple uma análise sobreas mudanças históricas e os modos como estasse articulam na instituição escolar.

Quanto aos caminhos tomados pelasupervisão escolar, sua história veio a mostrarque, a despeito de todos os questionamentos,

essa área acaba por se tornar um instrumentonecessário para a implementação das mudanças,passando a ser inserida no sistema de ensinocom expectativas de uma atuação maisdemocrática. Com isso, amplia suas dimensõesvinculando-se à formação dos docentes, àqualidade e avaliação do ensino, acom-panhamento e monitoramento dos processosde gestão, presentes nas reformas educacionaispropostas pelos diferentes governos quemarcaram esse período.

Atualmente, a supervisão ganha novasdimensões, especialmente, pela ênfase que é dadaao supervisor como estimulador do trabalhodocente. Tendo em vista a implementação danova proposta curricular vinculada pelo atualgoverno estadual, cabe a esse profissional atuarno desenvolvimento do trabalho curricular naescola, baseando-se em três princípios:autonomia da escola, projeto pedagógico etrabalho coletivo, coordenando encontros detrabalho, indicando leituras, propondodiscussões de novos temas, esclarecendoconceitos, ordenando a reflexão educativa.

Nessa direção, é importante assinalar quatropontos que nos parecem importantes. Atentarpara os riscos de uma ampliação exagerada doconceito de currículo que, ao invés de ajudar,poderá comprometer o estabelecimento deprioridades para a instituição escolar. Emmomentos de crise é fundamental intensificara preocupação com as práticas que ocorrem nointerior das escolas, pois, é por meio de seuacompanhamento que novas questões e novoshorizontes poderão surgir. É fundamental queesse trabalho seja desenvolvido junto e com osprofessores, visto serem eles os principais atoresdesse processo. Retomar as discussões sobre oconceito de currículo, notadamente, as quefocalizam a questão do conhecimento noprocesso pedagógico. Cabe, assim, à açãosupervisora construir espaços coletivos dediscussão, de modo que tais reflexões possamse expandir e criar elos mais fortes e efetivosentre os professores.

Entre as alternativas que podem estimularesse trabalho encontram-se as histórias devida ou autobiográficas pois, ao lidarem comaquilo que fala mais de perto e mais fortecom aquilo que é mais caro a cada um de nós– nossa vida – favorecem modos diversosde levar os professores se verem a frente a simesmos e à profissão.

As histórias de vida e currículo:ampliando perspectivas

Várias têm sido as formas pelas quais ashistórias de vida adentraram a área da educação.De início, predominou o uso de depoimentosorais com vistas ao estudo do passado dasescolas, de seus contextos sócio-culturais, bemcomo as experiências e carreiras de antigosprofessores. Em tempos mais recentes, ao ladodessa primeira perspectiva, vem surgindo uminteresse cada vez maior pelo uso das históriasde vida na formação de professores. Trata-se de

perspectivas distintas, porém, ambasmuito férteis para fazer suscitarquestões e favorecer novas com-preensões sobre a escola, os professorese a profissão do magistério. Alémdisso, o que deve ser ressaltado é ocaráter formativo do método, umavez que ao voltar-se para o passado ereconstituir seu percurso de vida,aquele que relata sua vida exercita umareflexão que o leva a uma tomada deconsciência, tanto no plano indi-vidual como no coletivo.

Na forma oral e escrita, detestemunho vivo à reconstituiçãohistórica, empregada a fim de se contrapor aosmodelos quantitativos, as histórias de vida têmse firmado como um dos mais valiososinstrumentos para a valorização do passado. Arecuperação da memória pela oralidade vemsendo utilizada principalmente no estudo eanálise social de minorias culturais,possibilitando a construção de uma outrahistória, diferente da história oficial, contada eregistrada pela elite. Pois, ao resgatar a memória,rompem silêncios provenientes do cotidiano,do fazer anônimo, revelando acontecimentos,experiências e concepções que, de fato, não seencontram nos documentos escritos e nasversões oficiais da historiografia.

Trabalhar com as histórias de vida eautobiografias é uma forma de acesso àsubjetividade, tanto de indivíduos como degrupos e, com isso, poder compreender comose dão as relações entre os sujeitos e entre estese o meio social do qual participam ouparticiparam. Por meio de relatos orais podem-se apreender sentimentos e pontos de vistavividos e construídos em certos momentos davida, as influências recebidas, as escolhas feitas,as aspirações experimentadas, bem como asdecepções, ou, ainda, os modos deenfrentamento de uma pessoa ou um gruponos momentos de crise.

Os estudos com histórias de vida podemtambém nos ajudar a compreender, porexemplo, como os professores fizeram seuspercursos e carreiras em íntima relação com ahistória do seu tempo, evidenciando que ahistória da profissão docente acha-seentrelaçada com a história da própria sociedade.Com isso, levam também a um esclarecimentosobre seus processos de escolha face àscontingências com as quais tiveram de sedeparar. Pode-se então compreender que oscaminhos profissionais, longe de serem pré-estabelecidos, são o produto doentrecruzamento de fatores de ordem diversa -familiares, econômicos, culturais – em cadamomento e etapa da vida.

Dentre a diversidade de trabalhos quecontamos nessa perspectiva, dois merecem sermencionados por seu pioneirismo. Velhos mestresde novas escolas: professores primários rurais na1ª República, de Zeila Demartini, e Memória esociedade: lembranças de velhos, de Ecléia Bosi.

O primeiro faz um resgate do funcionamentodo sistema de ensino por meio das histórias devida de professores idosos, ao buscar conheceros problemas educacionais em áreas rurais deSão Paulo, no limiar do século XX. O segundoassume uma importância muito especial porquemostra a riqueza e potencialidade das narrativasde pessoas idosas que, nesse caso, tinham maisde setenta anos. De fato, torna-se patente aespontaneidade que caracteriza os depoimentosautobiográficos de pessoas que se situam emuma faixa etária a partir dos cinqüenta anos.Isso porque, quanto mais idoso, maismodificações sua história de vida terá sofrido e,igualmente, seu processo de rememoração eauto-representação. Com isso, torna-seevidente que o idoso é aquele que guarda econserva a memória de um grupo e de sua época.

O caráter subjetivo dos relatos orais, muitasvezes apontado por certos críticos, tambémpodem ser encontrados na história oficial. Naverdade, todo e qualquer documento –impresso ou oral – é produzido por pessoas egrupos; por isso, carregam de forma inevitávelsuas visões a propósito dos fatos. Assim sendo,o que interessa à história oral e aos estudos comhistórias de vida é o que é lembrado, aquiloque o depoente escolhe para fazer perpetuarna história de sua vida.

O estudo desenvolvido por Pincinato apropósito da experiência de homens quefizeram suas carreiras no magistério, dentre osquais encontravam-se vários supervisores,também evidencia as potencialidades dosestudos com histórias de vida. O foco desseestudo recai sobre a participação dos homensna construção da cultura escolar, focalizandosuas experiências e trajetórias profissionais, nodecorrer das décadas 1950 a 1980, períodomarcado por grandes mudanças de ordempolítica, econômica e ideológica no país.

No terreno da educação, as mudanças foramsentidas, sobretudo, a partir da reformaestabelecida pela Lei 5692/71, que provocouprofundas alterações na organização do sistemade ensino e, por conseguinte, na carreira, naprofissão e na vida dos professores. A culturaescolar e, em especial, a cultura do magistério,viu-se em ebulição, trazendo à tona disputasentre antigas e novas representações, quepassaram a explicitar o lugar dessa profissão

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(*) Professora Titular da Faculdade de Educaçãoda Universidade de São Paulo. (**) Doutora pela Faculdade de Educação daUniversidade de São Paulo. (***) Supervisora de Ensino (SEESP),mestranda do Programa de Pós-Graduação emEducação da Faculdade de Educação daUniversidade de São Paulo.

nas hierarquias do imaginário social.A perspectiva foi a de oferecer a esses homens

a oportunidade de falarem sobre as experiênciasque tiveram em cada uma das funçõesexercidas, desde a docência até os últimos cargosadministrativos assumidos, com a finalidadede conhecer melhor os modos de trabalho, asrepresentações formadas e, também, as táticasutilizadas para a permanência em uma profissãomarcadamente feminina.

Evidenciou-se que, mesmo a partir dapromulgação da reforma estabelecida pela Lei5692/71, quando os homens se tornaram umgrupo proporcionalmente menor emcomparação ao das mulheres, aqueles quepermaneceram na profissão, especialmente nacarreira administrativa, acabaram por deterparcela significativa de poder, em decorrênciade certas prerrogativas adquiridas no âmbitodas relações de gênero, em que determinadosvalores de masculinidade ainda contam comovantagens em relação aos de feminilidade.

Assim, ao conhecer, por um lado, asmudanças que a legislação vigente à época – a

versão oficial da história – provocaram nosistema de ensino, e, por outro, ao tentardesvendar as representações que se explicitaramnos depoimentos de homens que fizeram suascarreiras no magistério, em suas diferentesposições na hierarquia, o que se buscou foi apossibilidade de uma reescrita da história. Pormeio do estudo das histórias de vida,informações como as aqui referidas podem serobtidas, analisadas e, com isso, uma nova faceda história é desvendada e (re) constituída,tendo como co-autores os próprios sujeitos quevivenciaram cada uma de suas fases e sentiramcada uma de suas mudanças.

Acreditamos que essa seja uma perspectivasalutar para se descobrir novas alternativas parase repensar e recriar o currículo escolar, aformação de professores e o papel da açãosupervisora. Afinal, o mais importante e bonitodo mundo é isto; que as pessoas não estão sempreiguais, ainda não foram terminadas, mas queelas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.Verdade maior. É o que a vida me ensinou.(Guimarães Rosa)

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AAAAA

Escola e Currículo - A Discussão NecessáriaHelena Machado de Paula Albuquerque (*)

Introdução - Dados que chocam

degradação da escola públicabrasileira tem sido anunciada

nos diferentes meios decomunicação. Notícias, dados

estatísticos em jornais, revistas científicas epopulares, pelo rádio, na televisão todasalardeiam a situação do ensino.

Dados de desempenho negativo como odo Brasil no PISA (Programa Internacional deAvaliação de Alunos) são conhecidos e alardeadospara o público e, simploriamente, é feita umaanálise restrita aos limites do próprio dado. Nãose indaga por que o Brasil ficou em penúltimolugar entre 57 países. Não seria mais adequadoinvestigar o que fez a Finlândia para alcançar oprimeiro lugar? Mesmo respeitando as diferençasbásicas, ela teria algo a ensinar. A Finlândiatornou-se um modelo de excelência, ao fazeruma verdadeira revolução na educação,conseguindo reverter em 20 anos a porcentagemde 20% de alunos que completavam o ciclobásico para umasituação de apenas 12alunos fora da escola em2007. Nesse país, aprofissão de professor,muito desejada, exige,para atuar no EnsinoF u n d a m e n t a l ,formação universitária,em cursos de 5 a 6 anos,o que revela o valor e

importância que o governo lhes atribui(CANETTIERI, 2007). Professores bemformados e remunerados fizeram a diferença.Para transformar e melhorar a qualidade daeducação não basta trabalhar para corrigirsintomas, dados estatísticos nada mais são doque isso, e sim atuar sobre as causas.

Os dados não deixam indiferentes oseducadores e responsáveis pelas políticas daeducação. Reformas são propostas em nomeda melhoria da qualidade do ensino. A escolaas questiona, mas quase sempre não é ouvida.Isso, porém, não impede que crie normas efaça adaptações conforme a sua realidade,impedindo uma transferência mecânica das leispara o seu cotidiano. Todavia, os professores,mesmo percebendo outros caminhos, já nãomostram grande resistência, combalidos pelocansaço das imensas jornadas de trabalho àsquais são obrigados pelos salários sempreinsuficientes. Sabem que se dedicam, mastambém percebem que os alunos não

aprendem e, disciplinadamente, procuram aseu jeito atender o que é proposto

pelos órgãos superiores. Quasesempre têm sido acusados de

incompetentes e responsáveispela situação, o que,lamentavelmente, até certoponto assumem comoverdadeiro. Reformas,mesmo quando propostas apartir de uma visão

simplificada da escola como uma organização,sempre causam turbulência. Podem obteralgum resultado, porém, a melhoria em umaspecto dilui-se no todo e a situação permanececomo está, reforçando a tese de Bourdieu daescola reprodutora das condições econômicas esociais. Todavia, a escola não está fadada a isso.Ela possui um espaço de autonomia que podeusar para contribuir com a transformaçãopositiva da educação. Neste sentido é necessáriofocalizar o currículo que desenvolve.

O Currículo Escolar

Para SAMPAIO, currículo é o elementoordenador do que se faz na escola (2004,p.21). Afirma GIMENO SACRISTAN:

O termo currículo provém dapalavra currere que se refere à carreira,a um percurso que deve ser realizado e,por derivação, a sua representação ouapresentação. A escolaridade é umpercurso para os alunos/as, e o currículoé seu recheio, seu conteúdo, o guia deseu progresso pela escolaridade (2000,p.125).

O currículo é o instrumento por meio doqual a escola realiza o seu processo educativo.Não é fruto de uma escolha técnica e neutra. Éfruto de relações de poder, de prioridades eescolhas articuladas a um determinado modelode cultura, a uma visão particular de homem esociedade, a determinados valores. SegundoSilva e Moreira, não é um elementotranscendente e atemporal – ele tem uma

história, vinculada a formas específicas econtingentes de organização da sociedade e daeducação (2006, p. 8). Dentro de uma visãosociológica e crítica,

a educação e o currículo, não atuamcomo correias transmissoras de umacultura produzida em um outro local,por outros agentes, mas são partesintegrantes e ativas de um processo deprodução e criação de sentidos, designificações, de sujeitos (p.27).

Conforme o currículo que desenvolve, aescola pode exercer a função de simplestransmissora de valores culturais e econômicos,colocando-se a a serviço de uma classe socialprivilegiada. O papel hegemônico dointelectual, educador profissional, nesseprocesso, é bastante claro, afirma Apple tendocomo foco a escola norte-americana (2006, p.1001). Seria diferente a situação no Brasil?Quando observamos nossas escolas, percebemossemelhanças, todas as vezes que constatamosalunos das classes menos favorecidas nãoatendidos nas suas necessidades específicas, odesenvolvimento do processo ensino-aprendizagem com uma linguagem comumpara ricos e pobres, na maior parte das vezesrepleta de palavras desconhecidas por estes .Quando o conteúdo lhes é sonegado, asexpectativas da escola se revelam menores paraa clientela que vem das classes periféricas,privando-a de mais um bem, que é oconhecimento. Todas as vezes que os estudantes

Educação da USP, Tese de Doutoramento, 2007.RANGEL, M. Nove olhares sobre a

Supervisão. Campinas: Editora Papirus, 2003.SILVA Jr, C. A. Supervisão, currículo e

avaliação. São Paulo: Cortez, 2002.TIRAMONTI, G. La escuela en la

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são rotulados como incapazes, destituídos deconteúdos prévios, percebem-se similaridadese a mesma conduta orientada por valorespróprios de uma sociedade de classes, ondeapenas alguns, os mais capazes (cultural efinanceiramente) terão a possibilidade deadquirir os conhecimentos exigidos paraocupação de posições sociais mais elevadas.Estariam as escolas fadadas somente aodesempenho de uma função reprodutora decondições econômicas, sociais e culturais?Obviamente, as escolas precisam ser vistas deuma forma muito mais complexa do queapenas pela simples reprodução (Aplle, 1989,p.31). Para ele, repetem-se na escola ascontradições de uma sociedade capitalista:

Capacidades críticas são necessáriaspara manter a sociedade dinâmica:portanto as escolas devem ensinar osestudantes a serem críticos. Entretanto, ascapacidades críticas podem servir tambémpara desafiar o capital (1989, p.31).

Essa reprodução pela escola de valoreseconômicos e sociais poderá, portanto, ocorrerou não e para tal concorrerá, além doscondicionantes econômicos e sociais, outrasforças que interferem nas decisões sobre ocurrículo: políticas educacionais, as escolas e osseus sujeitos: diretores, coordenadores, outrose, especialmente, os professores. O currículoescolar resulta da interferência dessas forças, asquais agem em conjunto e simultaneamente,como afirma Gimeno Sacristan:

As instâncias de “determinaçãoescolar” do currículo atuam comdesigual poder de influência real e deordenação explícita sobre os diferentesâmbitos do currículo: os conteúdos, ametodologia, a avaliação, a organizaçãoe a inovação (2008, p. 145).

A consideração da escola como organizaçãocomplexa e o estudo e compreensão docurrículo são condições para umatransformação da qualidade do ensino. Issodemanda investigar as forças que o determinam,ou seja, as condições estruturais da sociedade eo contexto no qual se insere a escola, leis epolíticas educacionais que a regulamentam, oque se propõe e medidas que adota paraimplantação, as práticas pedagógicasvivenciadas no cotidiano escolar, as relaçõessociais no seu interior e com as demaisinstituições, os processos gestionários quedesenvolve, a clientela que recebe, as relaçõescom a comunidade, a formação dosprofissionais que nela atuam, a ação docenteem sala de aula, as forças que apóiam edirecionam o currículo escolar , o currículoconsubstanciado no projeto pedagógico, ospoderes modeladores do currículo comoprojeto, como prática e como resultados deaprendizagem (Gimeno Sacristan,2008, p.145). O entendimento do currículo exige o

exame articulado dessas forças, as quais seinfluenciam mutuamente e como totalidadenele repercutem. Atribuir o resultado negativodo ensino a uma delas isoladamente é umequivoco que não pode conduzir a açõescorretivas. Examinaremos aspectos dessasforças, mesmo que sinteticamente e em umperíodo restrito.

Políticas Públicas Educacionais

Algumas decisões da política educacionalnas últimas décadas, direcionadas ou não parao interior da sala de aula,acabaram interferindona escola e no currículo.

Ao final da décadade 60 e década de 70,com a chamadademocratização daescola, com a supressãoda barreira do exame deadmissão, muitospuderam adentrar as portas das séries finais doEnsino Fundamental, antigo ginásio.Professores foram surpreendidos com uma novaclientela escolar, oriunda das classes subalternas,sem os tais pré-requisitos para apreender osconteúdos tradicionalmente estabelecidos paraaquelas séries, sem posturas e atitudes adequadaspara o processo ensino aprendizagem,afirmavam os docentes. Tal comportamento écompreensível, pois a escola abriu-se para ademanda antes represada, mas não crioumecanismos organizacionais que permitissema real inclusão dessa demanda. Não houveempenho no diálogo e em capacitaçõesdescoladas da tradição educacional de trabalhocom alunos de classes privilegiadas para oatendimento de uma clientela diferente. Ascaracterísticas gerais da nova clientela deveriamser examinadas nas suas origens, tipo decomposição familiar, na sua linguagem.Faltaram mais estudos que abordassem, sob umponto de vista sociológico, essa demanda. Aaceitação do instituído pela escola não implicougrandes mudanças na sua forma de construir ocurrículo e desenvolver o processo educativodos alunos. A qualidade do ensino, emboratenha sido ampliada para aqueles que nãofreqüentavam a escola, no dizer de PiresAzanha, tornou-se cada vez pior para a eliteque sempre a freqüentou. Este fato teve reflexona percepção do próprio trabalho peloprofessor, que iniciou um processo de perda deidentidade, de descrença de si mesmo e na visãoda escola pública, sempre considerada de muitaqualidade e agora, não mais. A entrada da novademanda trouxe mais explicitamente adiversidade para o interior da escola, mas o fatoconduziu à massificação do ensino e não àdiferenciação do currículo, não ocorrendomudanças significativas na prática pedagógica.

Nos anos 70, os professores do Estado de SãoPaulo foram capacitados para a utilização dosGuias Curriculares, o “Verdão”, com referência à

cor da capa. A intenção era a melhoria da açãodocente, com a introdução de mudanças nocurrículo quanto aos conteúdos e procedimentosnas diferentes disciplinas. No entanto, não foramobservadas mudanças relevantes, os professoresnão foram motivados e consideravam os cursosmais como uma obrigação e não comooportunidade de aperfeiçoamento.

Nos anos noventa, há a exaltação daautonomia da escola, acompanhada da suasubmissão a uma cultura de avaliação e quepouco ou quase nada progride na correção de

dados adversos porque ascausas do fracasso nãosão pesquisadas. Éimposto o silêncio pelaadaptação a pseudo-modelos corretivos deter-minados externamente,a reflexão da escola édirecionada. Talvez fossemais produtivo, se

educadores externos e internos dialogassemsobre as causas do fracasso, sobre alternativasviáveis para a melhoria do trabalho escolar e ascolocassem em prática. Forças separadas, a doseducadores da escola e dos órgãos superioresdo sistema educacional, muitas vezes emconflito e contradição, se dispersam econtribuem para a conservação, exclusãoescolar e novos fracassos. Esta cultura deavaliação tem imposto como preocupaçãomaior, em grande parte das escolas, odesenvolvimento de um currículo voltado parao sucesso dos alunos nas avaliações externas enão para aquisição de cultura, desenvolvimentoe estímulo à sua autonomia intelectual.

A Constituição da República Federativado Brasil de 1988 traz a idéia do trabalho naescola com a diversidade cultural, étnica, degênero, etc. Isso provocou não só mudançasnos conteúdos do currículo como a necessidadede prover a escola de mecanismosorganizacionais que ajudassem o desapego deuma monocultura e a aquisição de novos valoresno norteamento do currículo. Antes da últimaConstituição, o currículo escolar privilegiavana ação e no discurso a cultura dahomogeneidade e do consenso quanto aotrabalho na escola. Valores oriundos da classemédia direcionavam a prática pedagógica. Nãose falava oficialmente, nem na escola, emcultura do afro-descendente, não se abordavaa cultura dos povos indígenas, alunos comdeficiência deveriam ser atendidos em classesespeciais. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional - 9394 reforça enormatiza uma educação, respeitando adiversidade social econômica e cultural. Em2003, a LDB seria modificada pela lei Nº10639 a qual levou à inclusão do Artigo 26-Aque determinou: Nos estabelecimentos de ensinofundamental e de ensino médio, públicos eprivados, torna-se obrigatório o estudo da história

e cultura afro-brasileira. Em 2008, com a Leinº 11645, foi acrescentado ao artigo 26-A eindígena. Isso certamente acarreta mudança nocurrículo da escola, a qual como todas estarásujeita às formas para operacionalização com assuas características próprias. O interior da escolaé muito fruto da formação, ideário e com-petência dos seus profissionais e nem diretores,nem professores, nem pais, nem mesmo osalunos estavam preparados para tal mudança,semelhante ao que ocorrera décadas antes com achamada democratização do ensino.

Um dos princípios incluídos naConstituição de 1988 é a gestão democrática doensino público, na forma da lei (Art. 206, IncisoVI), presente na Lei de Diretrizes e Bases 9394/1996 e legislações decorrentes. A políticaeducacional enfatiza o paradigma de gestãodemocrática para todas as organizaçõesescolares. A prática pedagógica orientada poresse paradigma é propícia à tomada de decisõescompartilhadas, a um trabalho coletivo, àparticipação, à solidariedade, ao diálogo nointerior da escola e entre ela e demais órgãos daestrutura educacional, à explicitação e discussãoem torno de conflitos, controvérsias, à buscaconjunta de alternativas de solução para osproblemas. O princípio de gestão democráticado ensino publico é preconizado para a escolae demais órgãos do sistema, capazes de assumirdecisões que nela reflitam. A culturapredominante nas escolas e demais órgãos,pautada em valores próprios de uma sociedadede classes, com predomínio daqueles alinhadosà competição e individualismo, busca deconsenso, ocultação de conflitos e decisõesautocráticas, poderá provocar um discurso degestão democrática e uma prática discrepante,retirando do currículo a possibilidade, quandohá diálogo e trocas, de enriquecimento ediferenciação , para adequar-se às necessidadesda demanda escolar.

Na década de 90 foram elaborados osParâmetros Curriculares Nacionais. Aceitos poruns, criticados por outros, foram difundidoscomo sugestão e oficializados no momento emque passaram a servir de base para as avaliaçõesexternas. Para Gimeno Sacristan, a idéia docurrículo comum na educação obrigatória éinerente a um projeto unificado de educaçãonacional (2008, p.111). Uma legislação quebusque unificar a prática pedagógica da escola,os conteúdos mínimos do currículo nasdiferentes unidades em si não é negativo, porém:

Numa sociedade democrática temque aglutinar os elementos de culturacomum que formam o consensodemocrático sobre as necessidadesculturais comuns e essenciais dessacomunidade (Idem, p.111).

Definir aprendizagens exigidas para todos,uma base curricular obrigatória enfocada sobuma perspectiva social, ou seja, com vistas àintegração social por meio da cultura, é

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interessante para um país onde o territórionacional é extenso, a diversidade cultural éacentuada , as oportunidades de acesso aosbens culturais são diferentes devido a fatoreseconômicos e sociais, a distância social érelevante, a sociedade não é homogênea. Osistema de ensino, para existir, exige uma açãoeducacional sistematizada, uma prática voltadapara objetivos educacionais que, de fato,promovam uma educação sempre melhor parao estudante e, conseqüentemente, para o país,o que não significa exigir que se tenha umaação docente igual na escola e sala de aula,desrespeitando a autonomia intelectual dosprofessores, desconsiderando as condições doseu trabalho, da escola, da clientela.

Escola, Educadores e Currículo

Na escola, o currículo não se restringe à salade aula. O aluno aprende com ele mesmo, como colega, com o grupo-classe, com o professor,com todos os sujeitos da escola, pela formacomo a escola divide o seu tempo, com as rotinasque adota, pelo modo como se organiza para odesenvolvimento do processo ensino-aprendizagem e em todos os seus espaços. Nãohá um único contexto de aprendizagem, o queexige uma ação comprometida com a educaçãocom qualidade na totalidade do ambienteescolar e desempenho coerente de todos ossujeitos da escola. A função da escola não serestringe à oferta de vagas, mas à oferta de umensino de qualidade, o qual conduza à aquisiçãode conhecimentos, desenvolvimento decompetências para produzir novosconhecimentos, atendimento do educando nasdiferentes dimensões do processo educativo:cognitiva, moral, ética e estética. Para tal háque se cultivar o planejamento e avaliaçãocontínuos da ação da escola, construçãocompartilhada do projeto pedagógico,articulação entre este, planos de curso, planosde ensino, compromisso de todos para com oaperfeiçoamento profissional. Questiona-se seestá ocorrendo o processo educativo pelo menosno espaço da sala de aula. A abordagem doconhecimento exclusivamente por meio da

disciplinaridade pode reforçar o isolamento dosprofessores. Formas alternativas e transgressorasde organização dos conteúdos curricularesdevem ser verificadas, estudadas e ousadamentepraticadas. Os espaços organizacionais paraencontro dos professores devem ser para todos.A participação baseada em critériospedagógicos, se prioritária, além de firmar oparadigma de gestão democrática na escola, émais adequada à instalação do trabalho coletivono coletivo dos docentes.

A escola e seus agentes mostramdisponibilidade para a prática do que lhes ésolicitado pelas políticas educacionais, porém,não há uma transferência mecânica das leis paraa escola. Os recursos culturais, materiais,humanos, a cultura da escola e seus valores sãoalguns fatores impeditivos. A escola fazadaptações e, muitas vezes, é criticada e punidaporque não cultiva o hábito de levantar, registrare relatar as suas dificuldades para os Supervisoresde Ensino e órgãos superiores. Seria produtivaa utilização dos espaços de encontro coletivotambém para essas atividades.

A escola não questiona um currículo quecontemple a diversidade e a inclusão,todavia, está sujeita a dificuldades paraimplantá-lo. A formação acadêmica dosSupervisores de Ensino, diretores eprofessores também foi pautada por umacultura seletiva, consensual, hegemônica emtorno dos valores da classe média, asprioridades do currículo não contemplavamo trabalho escolar com a diversidade. E ocumpra-se pode estar acobertando todas asangústias, dificuldades e tropeços paracompreender e trabalhar com ela. Eminvestigação desenvolvida pelo núcleo dePesquisa em Gestão e Políticas Públicas daPontifícia Universidade Católica de SãoPaulo, em 2006, a qual focalizou o paradigmade gestão vivenciado em uma amostra deescolas públicas, ouvimos de uma diretora: -Inclusão não consigo fazer, o Estado sómandou implantar, mas não nos deunenhum apoio (Relatório de Pesquisa,

2006). Percebe-se nesta fala disponibilidadepara fazer, acompanhada da mágoa pela faltade condições organizacionais para fazê-lo.

Para Concluir

Como transformar o currículo em umexercício com qualidade da função social daescola? Não há um caminho para ser seguido.Políticas públicas são necessárias, mas nãobastam. Afirma GIMENO SACRISTAN:

La realidad educativa es losuficientemente compleja como para noser controlable de forma precisa conmecanismos de intervención sobre ella.Enfrentar-se al problema del cambio eneducación sin considerar este supuesto especar de ingenuidad o tener unaperspectiva equivocada sobre los sistemassociales (1998, p.91).

Ressaltar para a escola e seus profissionaisa responsabilidade é preciso, mas não basta.Esperar a mudança das condições culturais,políticas, econômicas da sociedade é adiar umaresposta. Seria fundamental que todos ossujeitos nos diferentes âmbitos, direta ouindiretamente implicados com o que ocorrena sala de aula, se perguntassem como propõeAplle : Para quem as escolas funcionam? Eainda de acordo com ele, poderíamosacrescentar: Alguns educadores talvez sesintam bastante desconfortáveis em dar aresposta. Mas quem disse que a consciênciade nossa própria posição política tenha de nosdeixar à vontade? (2006, p. 120).

Parece aplicar-se ao Brasil o que diz Nóvoaem relação a Portugal:

A escola de hoje é infinitamente melhordo que a escola de ontem. É mais aberta,mais inteligente, mais sensível àdiferença. Mas não chega. Pedago-gicamente ela encontra-se enclausuradanas fronteiras da modernidade. Adiferenciação pedagógica, o interesse ea motivação, os métodos ativos ou osmodelos de aprendizagem centradosnos alunos foram inventados paraeducar melhor as crianças, todas ascrianças, e não para servir de pretexto

(e de desculpa) à nossa incapacidadepara as instruirmos (2005, p.14-15).

Talvez um primeiro passo rumo à mudançaseja a abertura ao diálogo sem resistências,explicitando os conflitos para superar asacusações mútuas entre escola e sistema,abrindo a possibilidade para a busca solidária ecompetente de uma resposta coletiva quecontribua para a melhoria da escola pelos seuslegítimos responsáveis, nós, educadores, queatuamos na escola, em diferentes órgãoseducacionais, nos sindicatos, nas universidades.Não se pode relegar a outros uma tarefa que énossa. Quem dará o primeiro passo?

Referências Bibliográficas

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DepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimento

NNNNNesta edição, a Comissão Organizadora deste Suplemento decidiu

entrevistar o Supervisor de Ensino José Dujardis da Silva, pelotrabalho que vem desempenhando na coordenação da OficinaPedagógica da Diretoria de Ensino da Região de Bragança Paulista,

especialmente em relação à implementação das Propostas Curriculares da Secretariade Estado da Educação.

Esta experiência teve início com professores da área de Ciências. Seu resultadopositivo motivou o grupo de Supervisão a desenvolver semelhante trabalho com osdemais componentes curriculares, envolvendo todo o grupo de supervisão e buscandosuperar as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia da sala de aula.

Uma ação prática sobre Currículo EscolarBiólogo, matemático, pedagogo e doutorando em Políticas

Públicas e Sistemas Educativos, pela UNICAMP, Dujardisacredita que “é preciso acompanhar a implementação curricularcomo dever de ofício, pesquisando-a em detalhes para só então,confirmar sua real intencionalidade”.

Por questões práticas, a entrevista com o SupervisorDujardis não foi presencial. A Comissão encaminhou, por e-mail, os questionamentos pertinentes ao tema que foramrespondidos pelo entrevistado e ilustrados com fotos de etapasdo projeto em desenvolvimento.

(*) Professora Doutora da Faculdade deEducação daPUC e do Programa de Pós-graduação em Educação:História, Política e Sociedade da PUC/SP.

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Jornal APASE - Qual o conceito de CurrículoEscolar e sua importância para a Educação?

José Dujardis Silva - Entendo que discutircurrículo não é reduzi-lo a discussõesmeramente técnicas ou estratégicas. Discutircurrículo é discutir vida, concepção de homeme de mundo, projetos de sociedade. Écompreender, talvez relembrar, repensar,redefinir a função social da escola e de cadaprofissional da educação. Definir que currículoé um ato político tenhamos nós consciência ounão dele. Portanto, discutir currículo é um atocomplexo, pois representa desvelar relações depoder que ocorrem na escola e para além dela.

Moreira e Silva [i] (1999, p.191)especialistas na área de currículo entendemcurrículo como o "conjunto de todas asexperiências de conhecimento proporcionadasaos estudantes – que está no centro da atividadeeducacional. O currículo constitui o núcleo doprocesso institucionalizado de educação". Aescola e o currículo têm sido vistos e têmrealmente cumprido a tarefa de incorporaçãode grupos e culturas diversas ao suposto núcleocultural comum de uma nação. Educar é, nessaperspectiva, basicamente um processo deincorporação cultural.

O currículo escolar, no nosso entendimento,deve ser reflexo da produção humana construídano coletivo da escola, de forma intencional, comclareza da função precípua e específica da funçãosocial da escola, na transmissão, apropriação esocialização do conhecimento no espaçoinstitucional e lhe conferindo sentido no processode transformação. É preciso compreender queas concepções de educação, currículo e culturase complementam e se refletem na práticapedagógica da escola.

JA - Que objetivos, na sua opinião, oCurrículo de uma escola deve perseguir(conhecimento, atitudes, valores, relaçãoconhecimento/educação, etc)?

Dujardis - Acredito que a escola quequeremos, com a qual sonhamos, é aquela capazde assegurar a todos, indistintamente, umaformação cultural e científica para a vida pessoal eprofissional cidadã, de qualidade, possibilitandouma relação autônoma, crítica e construtiva coma cultura, em suas várias manifestações, providapela ciência, técnica, estética e ética, bem comopelo cotidiano pessoal e social.

Portanto, eu diria que um currículo queatenda às necessidades dos alunos deveria estarpreocupado com a formação multidimensionaldo educando, sobretudo, porque vivemos emuma sociedade marcada por expressivasdesigualdades sociais. Isto exige investimentono conhecimento histórico-científico, cultural,ético, político e estético. Requer ainda, aformação em serviço de professores no espaçoescolar vinculando educação e cultura, nosentido de fazer da escola um espaço dedesenvolvimento cultural, não apenas dos

estudantes, mas das comunidades.

Cultura aqui se refere a toda a produçãohumana que se constrói a partir das inter-relações do ser humano com a natureza, com ooutro e consigo mesmo. Esta açãoessencialmente humana e intencional érealizada a partir do trabalho, através do qual ohomem se humaniza e humaniza a próprianatureza. Por cultura entende-se, então, tudoo que os grupos sociais produzem pararepresentar o seu jeito de viver, de entender ede "sonhar" o mundo.

JA -Que observações você faria quanto aoCurrículo desenvolvido pela maioria dasescolas? Ele atende às necessidades dacomunidade escolar e ao projeto pedagógicoda escola?

Dujardis - Atualmente o currículodesenvolvido nas escolas públicas estaduaisatende à implementação proposta pelaSecretaria de Estado da Educação de São Paulo.Como sabemos, a seleção dos conteúdos,saberes e conhecimentos que "devem" serdemocratizados para toda a população escolar,tendo em vista que são considerados requisitosmínimos para a participação consciente em umasociedade cada vez mais excludente, seletiva econtraditória, foram prescritos pelos órgãoscentrais sem a participação de seus principaisveiculadores, ou seja, os professores.

Aprendemos que a proposta curricular, porsua vez, é a expressão de uma determinadaconcepção de educação e de sociedade, pensadafilosófica, histórica e culturalmente no projetopolítico-pedagógico da escola. Portanto, emtese, deveria ser construída pelos professoresdas disciplinas e mediada pela equipepedagógica, os quais lançariam mão dosfundamentos curriculares historicamenteproduzidos para proceder a esta seleção deconteúdos e métodos com uma intencio-nalidade. Portanto, há um descompasso entreo que explicita a proposta pedagógica, oregimento escolar e o currículo em ação. Éprematuro afirmar que a proposta curricularatende às necessidades da escola, pois, aindanão a conhecemos na íntegra (o material chegaapenas no início de cada bimestre). Por isso,estamos presentes na escola para acompanhar aimplementação, ouvir alunos, professores, pais,coordenação, direção para termos elementospara reflexão teórico-prática, e, a partir dosregistros, avaliá-la.

É preciso ressaltar que as políticas dereformulação curricular devem estar atentas aosprocessos de concretização do currículo,especialmente à passagem do currículo prescritoao currículo em ação, sem o que as orientaçõescurriculares podem tornar-se meros discursosconfigurados em textos, e a inovação e amudança podem se tornar, tão-somente,palavras de efeito, mais um exercício de retóricaecoando no imaginário pedagógico. Em seulivro Currículo: teoria e história, Ivor Goodson

(1995), um dos estudiosos dahistória do currículo, destaca anecessidade de se discutir aspropostas curriculares ou o queé chamado de currículoprescrito, advertindo que aquilo"que está prescrito não énecessariamente o que éaprendido, e o que se planeja nãoé necessariamente o queacontece" (GOODSON [ii],1995, p. 78).

JA -Em que medida as orientações oficiais(Conselho Estadual de Educação, LegislaçãoFederal e Estadual, Secretaria Estadual deEducação etc) influenciam, positiva enegativamente, na construção dos Currículosdas Escolas?

Dujardis - Penso que a atuação do Estadoem relação ao currículo não se limita a prescrevera seleção cultural mediante dispositivos legais.A política curricular envolve também aelaboração de meios – material de orientação econtrole –, que visam apresentar aos sistemasde ensino e aos professores o currículo prescrito,indicando com um pouco mais deespecificações, as finalidades, os conteúdos e omodo de ensinar (metodologia e avaliação),conforme explicitado nos cadernos do aluno.

Sua investigação e monitoramentosignificam, de certa maneira, uma avaliação doscondicionantes da possibilidade que tem oEstado de provocar/influenciar mudanças naprática educativa e, como decorrência, promovera qualidade da escola pública, via resultados.

Os dispositivos legais mais dificultam doque facilitam a implementação da propostacurricular. A videoconferência, normalmente,acontece antes das publicações "oficiais";quando as instruções são publicadas já vêmcom alterações e não condizem com oinicialmente proposto. A Resolução referente àrecuperação paralela foi uma vergonha, mas,apesar de tantas republicações, não garantiu atodos o direito do aluno aos "estudos derecuperação" conforme estabelece o Inciso IVdo Artigo 13 da LDB.

JA -Como você atua junto às escolassupervisionadas em relação aodesenvolvimento de seus Currículos Escolares?Quais as possibilidades e limites encontrados?

Dujardis - Acredito que a problemática detrabalho do Supervisor é a gestão daaprendizagem.

Cada escola está inserida em uma realidade,o que exige do supervisor especificidadesdiferenciadas. No entanto, o trabalho dearticulador, problematizador e integradorperpassa todos os níveis de ensino. Somente aformação permanente e o exercício do trabalhoplanejado coletivamente garantirão umaatuação consciente e será capaz de qualificar osupervisor. Dentre as atribuições do supervisor

destaca-se o acompanhamento das práticas dosprofessores, com vistas à continuidade de suaformação no interior da escola.

O supervisor contribui para a formação dosprofessores articulando a teoria e prática,buscando fazer elo do seu saber e oconhecimento profissional dos professores,interagindo, mediando, intervindo,problematizando e questionando as vivênciasescolares, num movimento de aprendizagemcontínua e mútua.

Limites

• Dificuldade inicial de integrar OficinaPedagógica e Supervisão num trabalho comobjetivos comuns estabelecidos em um planoescrito e monitorado permanentemente.

• Mudanças nos processos internos deaprender dos alunos.

• Fragilidade das formas de organização egestão da escola em meio a mudanças abruptasna organização curricular.

• Dificuldade dos professores em adequar-se a essasmudanças, acentuadas com a falta de domínio deconteúdos e metodologias das disciplinas.

• O impacto dos meios de comunicação navida escolar e na aprendizagem dos alunos.

• Recursos materiais que, embora importantes,chegam com atraso às escolas e não estão sequerdisponíveis no mercado.

• Atraso na chegada do material.

• Videoconferências que mais confundem doque contribuem para a formação deprofissionais da educação.

• Descompasso entre as orientações da CENPe DRHU.

• O grau de dificuldade de aprendizagemdos alunos.

• Professor-Coordenador das unidadesescolares em formação, pois aproximadamente40% saíram da sala de aula recentemente esem experiência como formador de formador.

Possibilidades

• A formação continuada dos ProfessoresCoordenadores que, como formadores deformadores auxiliam os professores a melhoraro seu desempenho profissional e o seudesenvolvimento pessoal, que vão desde aparticipação nas reuniões de HTPCs, nasreuniões pedagógicas, nos grupos de estudo,

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EntrevistaEntrevistaEntrevistaEntrevistaEntrevistaem troca de idéias sobre o trabalho, formaçãocontinuada de professores a distância, entreoutras atividades.

• A participação de todos é um elementopolítico da ação e até garantia de execução econtinuidade das ações. A avaliação faz partedo cotidiano; todas as ações passaram a seravaliadas. As experiências bem sucedidas sãosocializadas na escola durante os HTPCs, assimcomo as dificuldades.

• No exercício da ação supervisora percebe-seque muitos professores voltaram a prepararsuas aulas, pois o material impresso daSecretaria exige preparo prévio não só doponto de vista conceitual, mas também relativoao material sugerido. Muitas vezes somosabordados pelos professores que solicitamsugestões complementares, localização derecursos materiais, bibliografias específicasdentre outros.

• A prioridade passou a ser a implementaçãocurricular. Os demais projetos previstos noPlano de Gestão estão relacionadosà implementação curricular. Não hápulverização de projetos.

• As críticas e sugestões sãoregistradas, em todos os segmentos,da supervisão aos alunos, com vistasà avaliação e possibilidades dealteração e/ou encaminhamento.

• Orientações descentralizadas, commenor número de participantes,possibilita melhor atendimento,além da garantia de continuidade.

• Avaliação permanente do escrito,o dito e o feito.

JA - Atualmente, existe algum projetoespecífico do qual você participa? Descreva-o.

Dujardis - A partir de março de 2008estou na Coordenação da Oficina Pedagógicada Diretoria de Ensino da Região de BragançaPaulista (esta é uma atividade paralela daSupervisão em nossa região).

Procuramos integrar o trabalho da OficinaPedagógica com a Supervisão na implementaçãoda proposta curricular da Secretaria de Estadoda Educação a partir do final de 2007. Otrabalho foi conseqüência de uma avaliação daproposta preliminar do ensino de Ciências,disponível para avaliação dos professores no siteda Secretaria da Educação em novembro de2007. Como nós, supervisores, não podíamosopinar (sic) isso porque somos, pela legislação,implementadores de políticas públicas,propusemos com a ATP de Ciências umareunião na Oficina Pedagógica com osprofessores para análise da proposta de Ciências,num trabalho conjunto com a supervisão.

A reunião foi desenvolvida em doismomentos: um com a supervisão e ATP onde seabordou a implementação de um novo currículode Ciências previsto para o ano letivo de 2008,fazendo-se uma retrospectiva histórica a respeito

de currículos anteriores, a partir da década de50 do século XX e suas possibilidades econseqüências. No segundo momento seanalisou com os professores de Ciências a versãopreliminar da Secretaria, coletando-se assugestões, supressões, acréscimos e ao términoda oficina, os professores fizeram a sugestão àSecretaria da Educação.

Como o resultado foi positivo, pensou-seem fazer um trabalho semelhante com asdemais áreas, desde que houvesse acoordenação de um supervisor para darorganicidade, acompanhamento e registro dasações, com vistas à melhoria da qualidade deensino, objeto principal de nossa ação.

A partir do início de março passamos, agoracom um supervisor responsável, a trabalharem conjunto com a Supervisão e OficinaPedagógica em outras atividades integradasalém da implementação curricular, masdecorrentes dela, como recuperação de alunos,melhoria dos resultados no SARESP, melhoriado índice do IDESP, formação continuada de

Professores Coordenadores dentre outras,não objetivando apenas o atendimento dosorganismos internacionais ou a política deresultados barganhada por bônus especiais,mas acompanhar o desempenho de nossosalunos fazendo uma leitura crítica e me-lhor fundamentada.

O trabalho em pólos foi a propostaadotada pela Supervisão e Oficina Pedagógicapara a implementação curricular. Dividimosa região em cinco pólos para atendimento a:

1. Formação Continuada de ProfessoresCoordenadores – nestes pólos os PCs da DEsão fixos, no entanto, as orientações são feitasem pólos distintos.

Essa formação continuada inclui:

• atividades de recuperação de alunos;

• discussão do Cadernos do Gestor;

• orientações específicas na área curricularexigida.

2. Formação Continuada com grupos dePCs (fixo) e supervisão para melhoria dodesempenho no SARESP. Este trabalhocontempla apenas as cinco escolas da regiãoque não tiveram bom desempenho, entretanto,procurou-se não classificá-las ou rotulá-las.

Nestas escolas o trabalho desde o início do anoé com o mesmo grupo: PCs da OP e supervisorda escola. A partir do diagnóstico dasdificuldades, elaborou-se um plano de ação quepudesse atender às dificuldades detectadas atéo final deste ano letivo.

Apesar das dificuldades, agenda intensa enão divulgada antecipadamente pela Secretariada Educação, o tamanho do grupo (19 PCs daDE), tipo de formação de cada um, interessespróprios, estamos superando problemas iniciaise nosso trabalho organiza-se resgatando afunção do supervisor-pesquisador.

JA - Como este projeto está sendo recebidopelos seus colegas supervisores, pela direçãodas escolas, professores e alunos?

Dujardis - O projeto tem sido bemrecebido pela equipe de supervisores, pois setrata de um projeto da Diretoria de Ensinocontando com envolvimento de todos osdemais em suas respectivas atividades paralelas.Acredito que houve uma maior proximidade

da equipe de supervisão com a OficinaPedagógica, possibilitando a ressignificaçãodo nosso trabalho. Os Diretores, professores

e alunos estão acostumando-se com a presençamais freqüente não só da supervisão, mas dosatuais Professores Coordenadores da OficinaPedagógica nos encontros de pólo descen-tralizado. As equipes são bem recebidas nasescolas-pólo possibilitando a realização das sessõesde estudo, com registros documentais e ensaiofotográfico para avaliação de cada pólo e daDiretoria como um todo. A comunicação, oconhecimento da prática, a capacidade denegociação, o conhecimento de técnicas dediagnóstico, de análises de necessidades,certamente, favoreceram a tomada de decisões eo conhecimento da informação e se transformamem objeto de pesquisa e registro.

JA - Comente outros pontos que vocêconsidera importantes sobre o assunto.

Dujardis - A implementação das políticaspúblicas depende de um aparelho estatal quecorresponda e responda às demandas dasociedade e, para isso, não basta reconhecer as

determinações dos organismos financeirosinternacionais que atuam em países emdesenvolvimento; implica também oreconhecimento e a compreensão dosdeterminantes históricos, culturais e simbólicosde uma dada sociedade, das influências, hoje,da mídia e das características das instituiçõesdo Estado brasileiro.

Precisamos ir além de uma política educacionalde resultados, pois o que nos interessa é umamelhoria da qualidade de ensino que leve em consi-deração o momento histórico, atenda às necessi-dades sociais de nossos alunos, respeite a sua culturae considere o processo de aprendizagem e não apenaso produto, via recompensa.

JA - Que mensagem/sugestão/recomen-dação você daria aos seus colegas supervisores,quanto ao papel da Supervisão no desen-volvimento dos Currículos Escolares?

Dujardis - Creio que a implementaçãocurricular possibilita a reflexão sobre a práticada supervisão redimensionando-a. [...] Pensarem um trabalho mais atual da ação supervisora,quando o próprio sistema pouco conhecimentotem de suas contradições, é acreditar napossibilidade de uma ação supervisora mais

significativa, que se apóia basi-camente na participação e na co-municação efetiva dos agentesde supervisão, da Oficina Peda-gógica, do pessoal escolar ecomunidade. Acredito que épreciso acompanhar a imple-mentação curricular comodever de ofício, pesquisando-a em detalhes para só então,confirmarmos sua real inten-cionalidade.

Chervel [iii], (1990) afirmaque as disciplinas escolares nãosão meros produtos dasfinalidades da educação, nem se

reduzem ao que foi programado, nem planejadopor outrem. São criações específicas da escola epor isto merecem ser amplamente estudadas.Este poder criativo do sistema escolar até agoranão foi suficientemente valorizado e "eledesempenha na sociedade um papel o qual nãose percebeu que era duplo: de fato ele formanão somente os indivíduos, mas também umacultura que vem por sua vez penetrar, moldar,modificar a cultura da sociedade global".

Referências Bibliográficas

[i] MOREIRA, A. F. B., SILVA. TomásTadeu da. Currículo, cultura e sociedade. SãoPaulo: Cortez, 1999.

[ii] GOODSON, Ivor F. Currículo: teoriae história. Petrópolis: Vozes, 1995.

[iii] CHERVEL, A. História das disciplinasescolares: reflexões sobre um campo depesquisa. Teoria e Educação, Porto Alegre,Panonica, n. 2, 177-229, 1990.

A presença da supervisão e momento do trabalho desenvolvido;registro para avaliação.

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Currículo e competências: aformação administrada

A autora empreende a análise (funda-mentada em teorias de T.W. Adorno,B.Bernstein, H.Marcuse, entre outros) dosdocumentos oficiais que contêm a reformaeducacional do início dos anos 90,especialmente os referentes ao ensino médio,isto é, as Diretrizes Curriculares Nacionais parao Ensino Médio (DCNEM) e os ParâmetrosCurriculares Nacionais para o Ensino Médio(PCNEM), assim como os pressupostoscontidos nas avaliações nacionais do ensinobásico – SAEB e ENEM.

Ela situa a reforma no momento em que ocapitalismo entrava numa nova fase para manteros seus padrões de acumulação de riquezas – achamada globalização – e se expandia aos paísesperiféricos, entre eles o Brasil. Demonstra que areforma na educação brasileira voltou-se paraatender à formação desejada pelo setor daeconomia. Discorre, à luz de diversas correntesda psicologia sobre a noção de competências -noção central nos documentos analisados - edetecta neles sua proximidade com a idéia decompetição e competitividade, assim comooutros aspectos explícitos que enfatizam oatendimento da educação aos interesses domercado e da produção.

A expressão formação administrada éutilizada porque a autora entende que aformação proposta no discurso oficial estásujeita ao controle e se guia por interessesexternos aos indivíduos, adquirindo, assim, ostatus de semi-formação.

Ela identificou, no texto do discursooficial, a colocação de teorias tradicionais dacompetência - o construtivismo piagetiano,a sociolingúitica de Chomsky e obehaviorismo - de forma ambígua e fluida.Essas teorias, ora depositam nos sujeitos,essencialmente, a capacidade de adquirir suascompetências, ora no ambiente/objeto deconhecimento o fator preponderante dedesenvolvimento de competências. Aocolocarem no sujeito ou no objeto essa

primazia, desconsideram que a relaçãoindivíduo-sociedade é uma relação sempremarcada por uma dimensão histórico-cultural. Ela entende que essa dimensão foiignorada nos textos da reforma e istoproduziu uma concepção de formaçãohumana que oportuniza, sobretudo, aadaptação, em detrimento de uma formaçãoque aproxime o indivíduo de momentos queo conduzam à diferenciação e à emancipação.

As finalidades e os procedimentos dareforma curricular são tomados comoreferência para o trabalho dos professores. Noentanto, diz a autora, - os dispositivosnormativos não são incorporados de forma“espelhada” pelas escolas: eles se deparam comprincípios e práticas já existentes, cada escolatem seu tempo e seu ritmo e reage de maneiradiferente às inovações.

Ela entende que o estudo da reforma, seusenunciados e suas normas que têm comoobjetivos definir rumos para a formaçãohumana é imprescindível, sobretudo quandoela está em pleno movimento, isto é, em seuacontecendo, pois, desse modo, pode-se flagraras contradições do discurso oficial e, ao mesmotempo, captar o modo como é apropriadopelos educadores.

A autora finaliza indagando sobre osmovimentos que têm levado os educadoresa interpretar as proposições oficiais,considerando que as escolas reconfiguram,reinterpretam, reconstroem os dispositivosnormativos. “Aí reside, justamente, acondição relativa da reforma e também ariqueza do fazer educativo: a impossibilidadede que ele se submeta plenamente aocontrole”. (grifo da resenhista)

Obs.: As Diretrizes Curriculares Nacionaispara o ensino médio encontram-se no ParecerCNE/CEB 15/98.

SILVA, Mônica Ribeiro da, 165 páginas, 1ª Edição, São Paulo: Cortez, 2008

Outras sugestões

Cleide ComiSupervisora de Ensino - Capital

A Linguagem do AfetoComo ensinar virtudes e transmitir valores

Conforme palavras do autor, este pequenotexto inspirado em avanços e descobertasrecentes da neurologia, não é um “manual depedagogia”, ainda que tenha alguns poucosfundamentos pedagógicos, já que foi escritopor um educador. As propostas, reflexões, oseventuais conselhos e os palpites apresentados,não têm intenção de servir como “guia de auto-ajuda”, ainda que possa auxiliar algumas pessoasa pensarem na melhor maneira de serelacionarem com seus filhos e alunos.

As idéias e as virtudes apresentadas não têmcomo objetivo constituir um receituário deprocedimentos, mesmo sabendo que em todasas culturas e, por todo um passado histórico,sempre se acreditou em valores estabelecidos eem obrigações que são essenciais ao convíviocom outras pessoas.

Há que considerar que existem opiniõesdivergentes a respeito das virtudes, valores eidéias aqui defendidas. Adverte-se que,havendo divergência, os pais devem educarseus filhos de acordo com seus critérios pessoais.

A proposta do livro é mostrar que, assimcomo é possível a criança aprender valores e

ANTUNES, Celso, 138 páginas, 3ª Edição, São Paulo: Papirus, 2006

RRRRResenhasesenhasesenhasesenhasesenhas

virtudes, é igualmente possível nos tornarmosmelhores pais e professores. Para isso bastasubstituirmos a arrogância de imaginar quesabemos tudo, pela fragilidade de descobrir quea cada instante aprendemos mais e que a cadapasso podemos nos reconstruir.

O título do livro representa uma idéia, umvalor, um conceito que o autor acredita serpossível ampliar. O corpo do texto abre ospensamentos do autor sobre a idéia do título econvida o leitor a aceitá-los ou rejeitá-los,seguindo-se algumas propostas deprocedimentos, calcadas na certeza de que nãoé possível uma mudança comportamental senão houver persistência e serenidade.Finalmente, vêm as atividades extras que,eventualmente, podem complementar a açãoeducativa para a construção perene de virtudese valores. Cada capítulo expressa um valor ouuma virtude a ser ensinado (a) e, como não épossível ensinar sem intenso amor, os diferentescapítulos compõem a “ linguagem do afeto”.

Florisbela BrancoSupervisora de Ensino - São Paulo

Maria de Lourdes de CapuaSupervisora de Ensino - Capital

Educação e ConhecimentoRelação necessária, insuficiente e controversa

O autor analisa em profundidade a relaçãoentre educação e conhecimento. Trata-se de umarelação necessária, na medida em que a educaçãonecessita de conhecimento, para garantir seu poderinovador, e o conhecimento necessita de educaçãopara ganhar condição ética e alcançar os excluídos.Mas, contamos com uma pobreza política,garantida pelos políticas educacionais, pelamanipulação das assistências sociais, dos meios decomunicação, e da ingerência nas variadasassociações (sindicais, partidárias, comunitárias, etc) que acaba por produzir a ignorância.

Também é uma relação insuficiente, enquantoreduz o ser humano ao pensamento lógico-formal,(contribuição do positivismo e do racionalismo),deixando de lado a emoção, aqui entendida “nãoapenas como motivação psicológica para aaprendizagem, mas como comprometimento”.

Ainda, entre educação e conhecimentopersiste uma relação controversa, onde o pontomais importante é de teor ético, ou seja, “ciênciacom consciência”. Essa controvérsia atingetambém o desafio da aprendizagem. “O saberpensar e o aprender a aprender deixam de serfatores apenas técnicos, para expressarem acompetência humana como tal, de fundopolítico eminente, já que se trata de formaçãodo sujeito capaz de história própria”.

No capítulo IV – “Sociedade doConhecimento e Aprendizagem” – mostra a

DEMO, Pedro, 183 páginas, 3ª Edição, Rio de Janeiro: Vozes, 2002

tendência do conhecimento se tornar “autoridadecognitiva” para interpretar as necessidades danatureza e da própria sociedade. Trata da polêmicaem torno da aprendizagem com o objetivo derelevar sua marca reconstrutiva política.

A inteligência humana é tipicamenteincorporada, ou seja, “ ...conhecimento dependede estar no mundo que é inseparável de nossoscorpos, nossa linguagem e de nossa história social– em poucas palavras, de nossa incorporação”.Aqui, coloca as perspectivas a partir da menteincorporada, para a aprendizagem, a formaçãodos professores e até para o papel dos sindicatos.A política social mais estratégica do futuro, será,com certeza, política social do conhecimento.

Quando aborda “Educação na Sociedadedo Conhecimento” (capitulo V), já que vivemosem plena sociedade de conhecimento, discuteo papel da teleducação e da educaçãopermanente. Para esta, assim como paraqualquer tipo de educação... “o primeiro passo...é distanciar-se – nunca separar-se – domercado, com que precisa haver-se, é claro, masdele não pode receber o sentido das coisas”.

O conhecimento, em particular, na lógicaneoliberal, tem estado atrelado ao poder. Assimcompete à educação combinar qualidadeformal e política.

ZUIN, Antônio Á. S.; PUCCI, Bruno e OLIVEIRA, Newton R. - ADORNOO poder educativo do pensamento crítico. 191 págs. 3ª edição, Rio de Janeiro:Vozes, 2001.

WEISZ, Telma - O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. 133 págs. 2ªedição, São Paulo: Ática, 2006.

SEVERINO, Antônio J. e FAZENDA, Ivani C. A. (Org). - PolíticasEducacionais: o ensino nacional em questão. 192 págs. 1ª edição, São Paulo:Papirus, 2003.

APPLE, Michael W., BURAS, Kristen L. e colaboradores, Tradução de RonaldoCataldo Costa. - Currículo, Poder e Lutas Educacionais. 285 páginas, 1ª Edição,Porto Alegre: Artmed, 2008.