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    DE TODOS OS JEITOS DE TODOS OS LUGARESOs jovens brasileiros que abraaram a nossa Olimpada

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    dezembro de 2008

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    A palavra olmpico sempre esteve vinculadaa eventos de grandes propores, envolvendomilhares de pessoas dos mais diversos lugares.O dicionrio Aurlio az reerncia ao sentidogurado que a palavra acabou por adquirir:grandioso, majestoso, divino, nobre.

    A Olimpada de Lngua Portuguesa Escre-vendo o Futuro ocorre em salas de aula de todoo Brasil, dos grandes centros urbanos s reasrurais mais recnditas do pas. Sua ao gran-diosa, no apenas por envolver mais de 6 mi-lhes de estudantes brasileiros e quase 200 milproessores, mas principalmente por ter comoobjetivo melhorar a qualidade da nossa educa-o pblica. Conjuga aes do governo ederalcom a sociedade civil, por meio da FundaoIta Social e do Cenpec, alm de Estados, mu-

    nicpios e entidades de dirigentes de ensino,ou seja, a Olimpada um exemplo concreto deque lutar por uma educao de qualidade estacima de quaisquer outros interesses e preocu-paes um consenso nacional.

    graticante, portanto, chegar ao m destaprimeira edio com a certeza de que todo o es-oro de mobilizao para que ela se realizassevaleu a pena. Fechamos com medalha de ouro

    dois anos de trabalho intenso das equipes doMinistrio da Educao, da Fundao Ita Sociale do Cenpec.

    Ouro para o Brasil

    COORDENAO TCNICACentro de Estudos e Pesquisas em

    Educao, Cultura e Ao Comunitria CENPEC

    CRDITOS DA PUBLICAO

    CoordeaoSnia Madi

    Texto e EdioLuiz Henrique Gurgel

    Maria Aparecida LaginestraRegina Andrade Clara

    ReioRosania Mazzuchelli

    e Mineo Takatama

    Edio de Arte

    Criss de Paulo e Walter Mazzuchelli

    IltraeCriss de Paulo

    EditoraoAGWM Editora e Produes Editoriais

    FotoAlexandre Mota (MG)Andr Mendes (PE)

    Arthur Calasans e Felipe Russo (SP)Christina Ruato (DF)

    Elson Jos Junior (GO)Gisele Koprowski (PR)Joaquim Saldanha (CE)

    Rogrio Uchoa (PA)

    AgradecimetoEduardo Gonalves de Andrade(Tosto)

    Joo Wanderley GeraldiMrio Prata

    Moacir Scliar

    Tiragem150 mil exemplares

    Contato com a redao

    Rua Dante Carraro, 68 So Paulo SPCEP 05422-060

    Teleone: 0800-7719310e-mail: [email protected]

    www.escrevendoouturo.org.br

    INICIATIVA

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    O conselho do lingista Joo Wanderley Geraldi, atualmente professor colaborador voluntrio daUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos principais pesquisadores brasileiros sobreo ensino de Lngua Portuguesa. Geraldi um dos organizadores da coletnea O texto na sala deaula, obra publicada em 1984 que at hoje referncia para a proposio de polticas pblicas eprticas pedaggicas para o ensino da lngua. dele o projeto Unidades Bsicas para o Ensino dePortugus, uma proposta de sistematizao para o ensino de 5- a 8- srie. Ex-diretor do Institutode Estudos da Linguagem, da Unicamp, onde concluiu o mestrado e doutorado em Lingstica,Geraldi tem participado como professor visitante de programas de ps-graduao em educao nasuniversidades do Porto e de Aveiro, em Portugal, alm de ser professor e pesquisador associadoda Universidade de Siegen, na Alemanha, onde colabora na orientao de doutorandos brasileiros.

    Professor no pode ter medo de errar

    Amrica Marinho

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    As salas e os corredores do hotel es-

    tavam tomados por adolescentes, jovens e

    seus proessores vindos de todo o pas. Pela

    primeira vez homens e mulheres de negcios

    eram minoria no Hotel Transamrica, em So

    Paulo, que recebeu entre os dias 17 e 19 denovembro a semifnal da 1- Olimpada de Ln-

    gua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Foram

    trs dias com ofcinas de ormao, trocas de

    experincias e roteiros culturais envolvendo

    620 estudantes e proessores. Desse grupo

    saram os fnalistas para a ltima etapa da

    Olimpada, em Braslia.

    No encontro, um mosaico da diversidade

    brasileira com seus sotaques, tons de pele,

    jeitos de andar e de sorrir. Estrangeiros hos-pedados no hotel tiveram a oportunidade

    rara de conhecer o Brasil inteiro num mesmo

    espao, por meio de amostras de sua gente,

    todos alando a mesma lngua, mas de mo-

    dos dierentes. Os crachs que estudantes e

    proessores ostentavam no peito indicavam

    nomes de cidades bem brasileiras: Caiap-

    nia (go), Regenerao (pi), Queluz (sp), Ma-

    ratazes (es), Derrubadas (rs), Xanxer (sc),

    Bacabeira (ma), Pocon (mt), Japaratuba (se),Manacapuru (am), Chal (mg), Salinas da Mar-

    garida (ba), entre outras.

    Acolhida

    No imenso salo de convenes, as boas-

    vindas oram dadas por Claudia Sintoni, da Fun-

    dao Ita Social, e por Snia Madi, do Cenpec,

    coordenadora pedaggica da Olimpada. Em

    seguida proessores e alunos receberam as me-

    dalhas de bronze como semiinalistas. Vocs

    correram atrs de um sonho e conseguiram

    realiz-lo, afrmou Snia.

    Mas as principais atividades iriam come-

    ar no dia seguinte. Separados, proessores

    e alunos seguiram para as ofcinas de orma-

    o, divididos conorme o gnero de texto em

    que concorriam poesia, memrias e artigos

    de opinio.Apenas a de poesia reunia s participan-

    tes do Estado de So Paulo, j que nas outras

    regies do pas as semifnais dessa categoria

    de texto j haviam ocorrido: em Belo Hori-

    zonte, reuniu os participantes do Sudeste

    (com exceo de So Paulo); em Curitiba os

    do Sul; em Goinia os do Centro-Oeste; em

    Belm os do Norte; em Fortaleza e em Recie,

    os do Nordeste.

    A maratonade uma OlimpadaA Olimpada de Lngua Portuguesa Escrevendo

    o Futurocomeou com a participao de mais

    de seis milhes de estudantes e quase 200 mil

    professores. Em sua penltima fase, em

    So Paulo, reuniu 620 pessoas em trs dias

    de intensa atividade com brasileiros de

    todos os quadrantes do pas. Na etapa final,

    15 estudantes foram premiados pelo presidente

    Luiz Incio Lula da Silva, numa cerimnia em

    Braslia, no dia 1- de dezembro.

    Luiz Henrique Gurgel

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    trechos das conversas. Eram antigas imagens

    em cores ou em preto e branco. Ivani Moura

    da Silva, de So Gonalo do Amarante (ce),

    escreveu ao lado da oto de seu entrevistado,

    um pescador aposentado, de barbas brancas,

    ao lado de uma jangada na praia, uma rase

    potica extrada de seu texto: Eu continuo

    pequeno pescador sentindo o cheiro do mar.

    Nas ofcinas com estudantes do Ensino

    Mdio que partici pam da Olimpada comartigos de opinio cada um pde apresentar

    aos colegas o tema que abordou. Sempre ma-

    niestando a preocupao de intervir em suas

    realidades, com uma grande variedade de as-

    suntos e preocupaes, mostravam-se agudos

    observadores de suas comunidades. Ficavam

    surpresos e empolgados para alar sobre o

    que escreveram ao ouvir os relatos dos co-

    legas. Numa mesma turma, um estudante do

    O dia-a-dia das oficinas

    Todas as ofcinas para proessores e alunos

    trataram da elaborao, reviso e reescrita

    de textos, alm de atividades especfcas

    conorme o gnero trabalhado. Nas 17 salas

    destinadas s ofcinas proessores de regies

    diversas trocavam opinies e experincias.

    Marta Chiva Mangabeira, de So Paulo (sp),

    que trabalhou com memrias, afrmou queos alunos perceberam que as pessoas mais

    velhas no so invisveis, elas tm uma his-

    tria. J Luiz Vicente Costa, de Poes (ba),

    disse que incentivou os alunos a observar os

    detalhes da pequena cidade pelas lembran-

    as dos entrevistados.

    O ambiente nas salas das ofcinas de me-

    mria era propcio. Todos os estudantes trou-

    xeram otos de seus entrevistados, destacando

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    Joo AcaiabeUma das atividades mais esperadas pelos alunos que

    participavam da Olimpada com textos de memrias oi

    o encontro com Joo Acaiabe. Consagrado contador de

    histrias no programa R-Tim-Bum, da TV Cultura, e no

    papel de Tio Barnab, no Stio do Picapau-Amarelo, da

    TV Globo, o ator teve de enrentar um desafo dierente:

    contar sua prpria histria de vida para os adolescentes

    que aziam perguntas e anotavam as histrias suscita-

    das pela memria de Acaiabe.

    Depois da entrevista, os estudantes escreveram o

    texto com as memrias narradas por Acaiabe. No dia

    seguinte, uma atividade emocionante para o ator: ele leu

    alguns textos dos estudantes e tambm ouviu, deles

    mesmos, o que haviam escrito sobre suas histrias.

    blema da mecanizao do corte de cana em

    seu municpio que pode trazer o desemprego.

    Mariane, que trabalha numa brica de calas

    jeans e estuda noite, baseou-se na histriado prprio pai, cortador de cana, para alar

    dos Cavaleiros da cana; ela explica que a

    imagem usada no texto veio de um sonho:

    Uma vez acordei com aquela imagem do

    cortador, parecendo um cavaleiro. Toda aque-

    la roupa, luva, botas az que ele parea estar

    de armadura. O aco a espada, explica a

    estudante.

    Os alunos do Ensino Mdio ainda tive-

    ram outra empolgante atividade. A equipedo Cenpec preparou um movimentado jogo

    Rio Grande do Sul alava da preocupao

    com o patrimnio histrico de sua cidade, en-

    quanto um colega da Bahia temia pela mata

    nativa ameaada pelo plantio de eucaliptos;outro, de Minas, estudante de uma escola

    militar, questionava a exaltao da violncia.

    Alguns trataram o tema de orma criativa, a

    partir da experincia pessoal. Foi o caso de

    Felipe Silva de Oliveira, que mora em Pedra

    do Salgado, uma comunidade de mil habitan-

    tes no municpio de Vitorino Freire (ma), que

    com bom humor, alou da polmica entre mo-

    radores do vilarejo que criavam porcos soltos

    pelas ruas do lugar. J Mariane de Oliveira,da cidade de Tamboara (pr), levantou o pro-

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    de tabuleiro que serviu como ponto de par-

    tida para os textos que deveriam escrever

    durante uma das ofcinas. Por sorteio, os

    estudantes tinham de discutir, deender oureutar pontos de vista sobre uma das ques-

    tes polmicas sugeridas pelo jogo: multas

    de trnsito, devastao da Amaznia, redu-

    o da maioridade penal, desarmamento,

    entre outros. Debates acalorados com troca

    de idias e pontos de vista marcaram as of-

    cinas, enriquecendo as possibilidades para a

    criao de seus artigos.

    Mas os trs dias no oram s para trabalhar

    com textos. Alm das ofcinas, todos puderamconhecer So Paulo, visitando o Centro Anti-

    go, o Museu da Lngua Portuguesa e o Museu

    Paulista, no Parque da Independncia.

    Passaporte para a fnal

    A esta que anunciou os inalistas da 1- Olim-

    pada de Lngua Portuguesa Escrevendo o

    Futuro aconteceu no Teatro Abril, em So

    Paulo. A atriz Rosi Campos, a Morgana do

    Castelo R-Tim-Bum, oi a mestre de cerim-nias. Um telo exibiu uma mensagem especial

    do ministro da Educao Fernando Haddad

    para os participantes. Em nome da Fundao

    Ita Social, Antonio Matias, vice-presidente

    da entidade, cumprimentou estudantes e pro-

    essores, destacando que a Olimpada parte

    do maior desafo do pas que oerecer edu-

    cao de qualidade para todos. Em seguida, a

    secretria de Educao Bsica do MEC, Maria

    do Pilar Lacerda Almeida e Silva enatizou a

    parceria da Fundao com o governo ederal

    na realizao da Olimpada. Todos os 150 se-

    mifnalistas receberam medalhas de prata eaparelhos de som.

    Em Braslia: 16 horas

    No encerramento da Olimpada, em Bras-

    lia, no dia 1-de dezembro, o presidente Luiz

    Incio Lula da Silva entregou pessoalmente

    as 15 medalhas de ouro aos vencedores. No

    Brasil, ns muitas vezes somos jogados para

    baixo. O que se viu hoje que nenhum ser hu-

    mano se movimenta se no estiver motivado,disse o presidente durante seu discurso. J

    o ministro da Educao, Fernando Haddad,

    lembrou o bom desempenho de estudantes,

    que apesar de vrias difculdades, como a im-

    possibilidade de dedicar-se exclusivamente

    aos estudos por precisar trabalhar, fcaram

    entre os fnalistas da Olimpada.

    O presidente do Banco Ita e da Fundao

    Ita Social, Roberto Setbal, destacou a par-

    ceira com o governo ederal na realizao daOlimpada: A colaborao entre o setor pbli-

    co e o privado undamental para azer rente

    aos desafos sociais do nosso pas, afrmou.

    Alm das medalhas de ouro, os 15 vencedo-

    res e seus proessores receberam computa-

    dores e impressoras. Suas escolas ganharam

    um laboratrio de inormtica com dez com-

    putadores, uma impressora e livros para a

    biblioteca.

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    O lugar onde vivo, tema da Olimpada deLngua Portuguesa Escrevendo o Futuro, nooi proposto por acaso. Por trs dessa esco-

    lha existe um convite: Experimente ver pela

    primeira vez o que voc v todo dia, sem ver,

    como sugeria Otto Lara Resende.

    Quando escolas, proessores e alunos er-

    tam com seu territrio e sua comunidade, vn-

    culos se potencializam, e saberes, identidadese projetos de vida tm espao para encontros.

    Comunidade aqui entendida como coletivo

    de pessoas que vivem num mesmo territrio

    sico e se alimentam de relaes de proximi-

    dade: vinculam-se a redes, portam valores,

    cultura, identidades e projetos de uturo, co-

    mungam uma mesma vida cotidiana.

    Compartilhamento raterno eis o sentido

    mais proundo do conceito comunidade que

    nem sempre se expressa, pois as vulnerabilida-des e excluses soridas muitas vezes abaam o

    potencial de partilha e construo coletiva.

    Os servios pblicos como escola, unida-

    de bsica de sade e centros de assistncia

    social carecem de base comunitria, sobre-

    tudo nas grandes cidades. Essa base ne-

    cessria para se recuperar na comunidade a

    confana perdida no servio pblico. A con-

    fana o maior capital social que a comuni-

    dade oerece. Quando esse capital se perde,perde-se tambm a comunidade.

    Por isso solicita-se da escola e dos demais

    servios pblicos habilidades de acolhimen-

    to. Mais que isso: ao abraar a comunidade, a

    escola potencializa o chamado eeito comu-

    nidade na aprendizagem. Sabe-se hoje o

    quanto o repertrio inormacional e cultural

    comunitrio interere signifcativamente no

    interesse e aprendizado dos alunos.

    Hoje temos, toda quarta-eira, um espaona rdio local onde os alunos selecionamas melhores histrias (memrias) e divul-gam para a comunidade.

    Pro- Vilma Salete dos Santos Pereira(Incio Martins PR)

    As crianas pesquisaram sobre o muni-cpio na biblioteca, nos livros, documen-tos e na internet. Tambm receberam avisita de um escritor especial, um aluno

    da APAE que escreveu dois livros sobrehistrias do nosso municpio e que orga-nizou um pequeno museu com objetosantigos dos colonizadores e de pedraslascadas utilizadas pelas tribos de ndiosque habitavam a regio e que oram en-contradas por colonos nos seus trabalhosna lavoura.

    Pro- Maira Joceli Pereira Miranda

    (Campo Alegre SC)

    Contextualizar a aprendizagem uma das

    ormas de mover a relao escolacomunida-

    de, enlaando-a com cultura e participao

    pblica.

    Como abraar o lugar em que se vive

    Quando escolas e outros servios pblicos so capazes de integrar-se

    comunidade, aproximam os alunos da vida cotidiana e da histria local,

    reforando a identidade e o sentimento de pertencimento.

    Maria do Carmo Brant de Carvalho

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    H algumas semanas oi inauguradoum mega shopping center na regiocentro-sul da cidade [Curitiba]. umbairro que no fca muito distante da perieria e atraiu, provavelmente porisso, inmeros jovens residentes emvilas vizinhas ao reerido shopping. Oato que seguranas do estabeleci-

    mento impediram a entrada de dezenasde adolescentes sob a alegao de setratar de gangues, ormadas para apa-vorar os clientes e lojistas com atos devandalismo.Na sala de aula comentei o ocorrido e areao dos alunos oi bombstica. Qua-se todos queriam emitir sua opinio si-multaneamente. O que so lugares p-blicos?, Desordeiros tm um perfl que

    os identifque?, e por a oi o debate,quente e acirrado. Foi necessrio or-malizar um debate sobre a polmicacriada: Grupos com cinco ou mais ado-lescentes, com as caractersticas j ci-tadas no podem entrar no shopping.Voc contra ou a avor?

    Pro- Ades Nascimento

    (Curitiba PR)

    A comunidade/cidade tem sempre suasquestes polmicas: A chegada de es-trangeiros, comprando terras em nossacidade, trar desenvolvimento e geraode emprego ou ser outra orma de co-lonizao?.

    Pro- Francisca Elane Costa

    (Camocin CE)

    Construir argumentos e contra-argumen-

    tos para elaborar um artigo de opinio cone-

    re escrita uma possibilidade em geral pouco

    explorada nas escolas: alunos-autores ins-

    crevendo-se como cidados que podem tornar

    pblico aquilo que pensam e sentem a respei-

    to do lugar onde vivem.

    O sentido de pertena e a iniciao ao

    mundo pblico so exerccios undamentais

    para a construo do ser social e percepo

    da coletividade. Se, por um lado, valores, com-

    portamentos, saberes e aes de um povo

    em seu territrio so chaves para a induo

    desses processos, por outro, preciso ga-

    rantir circulao e abertura a outros mundos

    possveis.

    Assim que ouvi as primeiras propagan-das da Olimpada, tive o desejo de parti-cipar. Motivar meus alunos a participarera ento o meu desaio. Sem dizer nadasobre a Olimpada, organizei uma excur-so at Itabira cidade vizinha nossa ebero de um dos maiores poetas domundo: Carlos Drummond de Andrade.Itabira abriga hoje o Projeto Drummon-zinho, que consiste basicamente em

    vencer barreiras sociais atravs da arte,da poesia. Ns conhecemos vrios doscaminhos drummondianos acompanha-dos por um dos Drummonzinhos do pro- jeto, que, alm de contar a histria desua cidade, declamou divinamente di-versas poesias de Drummond. Os mo-mentos de declamao, a reao dosmeus 34 alunos diante daquele adoles-cente, no meio da rua, com barulho de

    carro, gente conversando... me fzeramter mais certeza ainda que a nossa parti-cipao nessa Olimpada aconteceria demaneira signifcativa.

    Pro- Claydes Regina Ricardo

    (Santa Brbara MG)

    Por isso importante compreender a idia

    de coalizo com a comunidade e com o terri-

    trio como algo mais undo. O conhecimentoque a escola e seu currculo propem precisa

    envolver a prosa e a poesia que habitam os di-

    erentes espaos e sujeitos capazes de ensi-

    nar. Caso contrrio, a aprendizagem de crian-

    as e adolescentes corre o risco da clausura.

    Maria do Carmo Brant de Carvalho, doutora em Servio

    Social pela PUC SP, coordenadora-geral do Cenpec.

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    Agora tem um ano que mudamos para a nossa casa no Paraso. Ela ainda

    no est pronta. Falta emboar as paredes de ora e pintar as de dentro, mas,

    orgulhoso, meu pai ala que pelo menos j no precisamos mais ter medo de fcar

    sem dinheiro no fm do ms para pagar o aluguel.

    Uma correria danada durante a construo. Todos ajudaram. No dia de bater a

    laje, os colegas do meu irmo da Manuatora organizaram um mutiro. Parecia um

    caminho-de-ormiga: l embaixo, os que misturavam areia, cimento, pedra-britada

    e gua; l em cima, os que espalhavam a massa sobre o madeirame; e entre uns e

    outros, os baldes transbordando passavam de mo em mo. Eu mesmo, nesse dia,

    fquei numa lua-lua sem fm: montado na bicicleta Phillips, reio contra-pedal,pneu-balo, que meu pai tinha comprado de segunda-mo para mim, emendei vrias

    viagens entre a Vila Teresa e o Paraso, carregando sacos de po-com-molho-de-

    tomate e garraes de quissuco que minha me e minha irm aziam.

    Aquilo lembrava mesmo um caminho-de-ormigas, que, depois que o sol morre,

    eu e meu pai combatemos nos altos dos pastos. So cabeudas, que arrancam

    sangue da gente, as enezadas. Nosso bairro ainda no tem luz. A gua tiramos

    de um poo de vinte metros de undura, com uma bomba Marumby. Todos ns nos

    revezamos para garantir o banho e para minha me cozinhar e lavar roupa para

    ora. Hoje so dez trouxas, mas j oram umas quinze por semana.

    Eu sinto alta da Vila Teresa. Quando no ano passado o caminho encostoupara levar a mudana, corri para o quintalzinho, onde vivia em camaradagem com

    lesmas, grilos, paquinhas, minhocas, e at um sapo-boi, na estao das guas, e

    abri o bu. No tenho vergonha, solucei mesmo. Ali passei os melhores anos da

    minha vida, brincando de bola no campinho, de pique na chcara, indo escola... Eu

    possua um gato, branquinho-branquinho, de rabo assustado, chamado Ronrom.

    Ele veio preso dentro de um saco-de-estopa, porque alaram que no podia ver

    o caminho, seno voltava para a casa antiga. Durante o trajeto, preocupado se

    ele estava sentindo alta de ar, deixei que pusesse a cabea para ora. Bastou a

    gente chegar no Paraso e ele sumiu. Passei vrios dias andando de um lado para

    o outro, especulando sobre ele, mas nunca mais ouvimos o miado do Ronrom.Ainda hoje penso que se no tivesse deixado ele olhar a paisagem...

    Mas minha me disse que os gatos so assim mesmo, desagradecidos, e

    prometeu me dar um cachorro de presente de aniversrio. Ele vai se chamar

    Joli, um nome bonito que ouvi na Praa Santa Rita, onde meu pai vende pipoca.

    Ele tem um carrinho verde e, de vez em quando, me deixa tomando conta para

    eu poder aprender a no ter medo de trabalho. Apareceu l certa eita um

    adestrador com um pastor-alemo e o bitelo s altava alar, porque entender,

    ele entendia tudo. O senhor mandava ele deitar, rolar, sentar, fcar paradinho eito

    Minha vidaComposio de Luiz Ruffato, corrigida pela professora D. Aurora

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    esttua, buscar um pedao-de-pau-l-longe, e todos batiam palmas, encantados.

    S quando pediu para tirar o chapu do meu pai que no gostei, porque ele

    levou um susto e quase caiu de costas e o povo morreu de rir (eu tambm, mas

    disarcei). Este pastor alemo que se chamava Joli.

    Est sendo dicil adaptar aqui, porque antes a gente vivia num cortio, mas

    com gua encanada e luz eltrica e a rua, calada de paraleleppedo, era perto do

    centro. Atravessvamos a ponte nova e j estvamos na Praa Rui Barbosa, onde

    meu irmo e minha irm rodavam no sbado noite. L esto os dois cinemas da

    cidade, a padaria mais bonita, as maiores lanchonetes, os bancos e, para tristeza

    do meu pai, coitado, o melhor ponto para vender pipoca, ocupado pelo xardele, seu Sebastio Lopes. A Praa Santa Rita no oerece nada, s a missa da

    Igreja Matriz e a onte-luminosa. Mas o lugar, escuro, por causa das rvores que

    escondem a iluminao dos postes, s acolhe quem no presta, como diz a minha

    me. Imagina ento a reguesia do meu pai... Mas na Vila Teresa tambm havia

    inconvenientes. O correio de casas, muito perto do rio Pomba, fcava coberto

    pelas guas quando vinha a enchente.

    A minha irm detesta o Paraso, porque longe e eio. Na hora de trabalhar,

    ela tem que ir a p at o Beira-Rio para pegar um nibus. Ela acorda antes do sol

    e desce a morraria xingando e lamentando o dia em que nasceu. Ela reclama da

    poeirama, na estiagem, e do barro, na poca das chuvas. E vive ameaando queum dia se casa com algum s para ir embora. A minha me fca brava, porque

    ela ala que quis sair da Vila Teresa para dar uma vida mais digna para os flhos,

    mas principalmente para minha irm, onde j se viu criar uma menina no meio

    de marginais e mulheres-da-vida? Meu irmo entra na discusso e acusa minha

    irm de ser metida, que ela tem um rei na barriga, e que ao invs de louvar a

    amlia que tem, cospe no prato que come. E meu pai, que no gosta de conuso,

    comea a assobiar, a cantar, sai de fninho, e s volta quando colocaram uma

    pedra sobre o assunto.

    Agora, que estou terminando o primrio, meu pai avisou que vai me inscrever

    no Senai, para eu poder aprender uma profsso. Ele quer que eu seja torneiro-mecnico que nem meu irmo, e sonha um dia a gente ir para So Paulo para

    trabalhar nas bricas de carro, que onde est o uturo, ele acha. A minha me

    chora s de pensar nisso, porque por ela ns nunca vamos nos separar. Mas meu

    irmo j recebeu at proposta de emprego em Diadema, que, dizem, longe. E

    minha irm est namorando frme e deve casar mesmo, no demora muito. Eu

    fco triste, porque s vai restar eu e devo seguir tambm para ora. Mas eu no

    queria ser torneiro-mecnico, queria mesmo era ser bancrio do Banco do Brasil,

    que nem o marido da Dona Aurora.

    Minha vida uma composio escolar escrita por um aluno do quarto

    ano primrio do Grupo Escolar Flvia Dutra, de Cataguases, corrigida

    pela proessora Dona Aurora Silveira, e conta um pouco o momento

    de mudanas em sua vida. Mudana de casa, de bairro, de amigos, e,

    principalmente, de perspectivas. A continuao da histria do menino

    Luiz Ruato est, de certa maneira, contada no livro De mim j nem se

    lembra, publicado em 2007 pela Editora Moderna.

    Luiz Ruffato escritor, nasceu em Cataguases (MG). Tem publicados

    Eles eram muitos cavalos e o projeto Inerno Provisrio, composto por

    cinco volumes, dos quais quatro j lanados: Mamma, son tanto felice,

    O mundo inimigo,Vista parcial da noite e O livro das impossibilidades.

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    A palavra crnica, em sua origem, est

    associada palavra grega khrnos, que

    signica tempo. De khrnos veio chroniks,

    que quer dizer relacionado ao tempo. No

    latim existia a palavra chronica para desig-

    nar o gnero que azia o registro dos aconte-

    cimentos histricos, verdicos, numa seqn-

    cia cronolgica, sem um aproundamento ou

    interpretao dos atos. Como se comprova

    pela origem de seu nome, a crnica um g-

    nero textual que existe desde a Idade Antiga

    e vem se transormando ao longo do tempo.

    Justicando o nome do gnero que escreviam,

    os primeiros cronistas relatavam, principal-

    mente, aqueles acontecimentos histricos

    relacionados a pessoas mais importantes,

    como reis, imperadores, generais etc.

    A crnica contempornea um gnero

    que se consolidou por volta do sculo XIX,

    com a implantao da imprensa em pratica-

    mente todas as partes do planeta. A partir

    dessa poca, os cronistas, alm de azerem

    o relato em ordem cronolgica dos grandes

    acontecimentos histricos, tambm passa-

    ram a registrar a vida social, a poltica, os

    costumes e o cotidiano do seu tempo, publi-

    cando seus escritos em revistas, jornais e

    olhetins, ou seja, de um modo geral, impor-

    O gnero textual crnicaHeloisa Amaral

    tantes escritores comeam a usar as crni-

    cas para registrar, de modo ora mais liter-

    rio, ora mais jornalstico, os acontecimentos

    sociais de sua poca, publicando-as em ve-

    culos de grande circulao.

    Os autores que escrevem crnicas como

    gnero literrio recriam os atos que relatam

    e escrevem de um ponto de vista pessoal, bus-

    cando atingir a sensibilidade de seus leitores.

    As que tm esse tom chegam a se conundir

    com contos. Embora apresente caractersti-

    ca de literatura, o gnero tambm apresenta

    caractersticas jornalsticas: por relatar o

    cotidiano de modo conciso e ser publicadas

    em jornais, as crnicas tm existncia breve,

    isto , interessam aos leitores que podem

    partilhar esses atos com os autores por te-

    rem vivido experincias semelhantes.

    As caractersticas atuais do gnero, po-

    rm, no esto ligadas somente ao desenvol-

    vimento da imprensa. Tambm esto intima-

    mente relacionadas s transormaes so-

    ciais e valorizao da histria social, isto ,

    da histria que considera importantes os mo-

    vimentos de todas as classes sociais e no s

    os das grandes guras polticas ou militares.

    No registro da histria social, assim como na

    escrita das crnicas, um dos objetivos

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    mostrar a grandiosidade e a singularidade

    dos acontecimentos midos do cotidiano.

    Ao escrever as crnicas contemporneas,

    os cronistas organizam sua narrativa em pri-

    meira ou terceira pessoa, quase sempre como

    quem conta um caso, em tom intimista. Ao

    narrar, inserem em seu texto trechos de dilo-

    gos, recheados com expresses cotidianas.

    Escrevendo como quem conversa com

    seus leitores, como se estivessem muito

    prximos, os autores os envolvem com refe-

    xes sobre a vida social, poltica, econmica,

    por vezes de orma humorstica, outras de

    modo mais srio, outras com um jeito poti-

    co e mgico que indica o pertencimento do

    gnero literatura.

    Assim, uma orte caracterstica do gnero

    ter uma linguagem que mescla aspectos da

    escrita com outros da oralidade. Mesmo

    quando apresenta aspectos de gnero liter-

    rio, a crnica, por conta do uso de linguagem

    coloquial e da proximidade com os atos co-

    tidianos, vista como literatura menor. Ao

    registrar a obra de grandes autores, como

    Machado, por exemplo, os crticos vem seus

    romances como verdadeiras obras de arte e

    as crnicas como produes de segundo plano.

    Essa classicao como gnero literrio me-

    nor no diminui sua importncia. Por serem

    breves, leves, de cil acesso, envolventes,

    elas possibilitam momentos de ruio a mui-

    tos leitores que nem sempre tm acesso aos

    romances.

    No Brasil, a partir da segunda metade do

    sculo XIX, muitos autores amosos passa-

    ram a escrever crnicas para olhetins. Coe-

    lho Neto, Jos de Alencar, Machado de Assis

    estavam entre aqueles que sobreviviam do

    jornalismo enquanto criavam seus romances.

    Os cronistas, atualmente, so numerosos

    e costumam ter, cada um deles, seus leitores

    is. Hoje, os cronistas nem sempre so ro-

    mancistas que escrevem crnicas para ga-

    rantir sua sobrevivncia. H aqueles que vm

    do meio jornalstico ou de outras mdias,

    como rdio e TV. Por isso, a publicao do g-

    nero tambm ocorre em meios diversicados:

    h cronistas que lem suas crnicas em pro-

    gramas de TV ou rdio e outros que as publi-

    cam em sites na internet.

    Pelo ato de os autores serem originrios

    de dierentes campos de atividade e de pu-

    blicarem seus textos em vrias mdias, as

    crnicas atuais apresentam marcas dessas

    atividades. Por isso, h, atualmente, dieren-

    tes estilos de crnicas, associados ao perl

    de quem as escreve. Todos os estilos, porm,

    acabam por encaixar-se em trs grandes gru-

    pos de crnica: as poticas, as humorsticas

    e as que se aproximam dos ensaios. Estas l-

    timas tm tom mais srio e analisam atos

    polticos, sociais ou econmicos de grande

    importncia cultural.

    Helosa Amaral mestre em educao, autora do Caderno

    do ProfessorPontos de vista.

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    Esses cronistas maravilhosose suas palavras voadoras

    Jorge Miguel Marinho

    A histria que agora passo

    a contar do incio

    explica em grande parte

    por que ainda acredito no

    ser humano

    , raa!

    Tutty Vasques

    A crnica aqui entre ns se casou to bemcom o esprito brasileiro, com a vontade dese conessar nas coisas midas e extrair de-las uma histria maior, com o calor aetivode um povo que, espontneo nos atos, se

    quer espontaneamente expressivo na lingua-gem tambm, com as necessidades de umpas novo que busca a sua identidade com osolhos no mundo e um olhar mais decisivo nolocal, com aquela versatilidade camalenicaque precisa de muitas vozes e muitas ormasde expresso para se auto-afrmar, com apressa de leitura de um mundo que tem ur-gncia de se ver e se reconhecer nas suaspalavras e no seu lugar que este gnero

    jornalstico, hoje signifcativamente liter-rio, que ainda resiste a uma classifcaoormal, to presente no processo de orma-o da Literatura Brasileira e igualmente tosingular na afrmao das nossas Letras que

    se pode dizer, com segurana, que a crnica um modo muito nosso de ser.

    E de onde vem a crnica?

    Machado de Assis, como a maioria dosnossos escritores, tambm oi cronista e, jun-to com Jos de Alencar e Joaquim Manuel deMacedo, ez parte do primeiro time de cesarejadores do cotidiano numa expresso

    eliz de Antonio Candido para registrar aavidez pela reportagem da vida que pro-gressivamente vai se tornar na nossa tradioliterria um encontro nico entre literatura ejornalismo, gnero que os escritores brasi-leiros dominam como poucos e, por que nodizer?, como ningum.

    Pois o nosso Machado mesmo que, brin-cando seriamente e se autodenominando es-criba das coisas midas, desvenda O nasci-

    mento da crnica, no por acaso numa crnicacom este mesmo ttulo, afrmando e abulandocom aquele humor inteligente que a naturezaou a origem da crnica nasce de uma trivialida-de como exclamar Que calor!, para depoisconjecturar acerca do sol, da lua, da ebreamarela, dos enmenos atmosricos eoutros calores da alma humana. E mais: que

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    esse tom to trivial e aparentemente bisbilho-teiro da crnica mais velho do que Esdras,Abrao, Isaque e Jac, sugerindo para nsleitores que mais velho at do que No,

    que por essas veredas da bula, no ne-nhum pecado imaginar muito provavelmentese utilizou do ritmo exclamativo e prosaico dacrnica para anunciar ou quem sabe irradiar aiminncia do maior dilvio de todos os

    tempos, ameaa ou notcia esta em que, coma graa de Deus, teve gente que acreditou.

    isto: por seu carter de prosa, colquio,confsso, comunicao imediata, graa,sentido telegrfco, urgncia, trivialidade e

    at mesmo brincadeira, ainda que o tema so-licite o tom da seriedade, no d para precisarem que poca nasceu a crnica, mas muitoprovvel (e ainda quem nos alerta Machado)que a crnica aconteceu pela primeira vezquando as duas primeiras vizinhas, depoisdas tareas do jantar, se sentaram na porta decasa para papear sobre o dia e agarrar a tran-sitoriedade da vida com palavras triviais evoadoras porque aparentemente dispersas,

    palavras com ar de coisa nenhuma, mas noundo necessrias e urgentes como o impulsonatural de comunicao entre dois amigos escritor e leitor que, se conessando no rs-da-calada e nas miudezas da vida, revelam acomplexidade da condio humana e a expe-rincia nica de viver.

    Carlos Drummond de Andrade, que, comoRubem Braga e Clarice Lispector, imprimiupoesia e estados de alma crnica, diria me-

    lhor, sugerindo, por sua vez, num poema, osentido atvico e at mesmo inexorvel dalinguagem como busca do outro e, por ser raize matria to antiga e presente na naturezahumana, ilustra muito bem a origem remots-sima da crnica, para usar uma imagem nossa,um vo breve com o tempo da eternidade,purssimo dilogo:

    Escolhe teu dilogo

    e

    tua melhor palavra

    ou

    teu melhor silncio

    Mesmo no silncio e com o silncio

    Dialogamos.

    S para iluminar mais a simplicidade e asutileza, por vezes, at refnada da crnica, quase uma sorte poder recorrer tambm spalavras de Manoel de Barros, hoje carinho-samente acolhido por leitores de todas as ida-des como o grande poeta das coisas peque-nas, entendendo que ele levou a herana e acincia da crnica para os seus poemas emprosa e avisa, com voz de cronista, que paraapalpar as intimidades do mundo, labor pre-cioso da crnica, preciso saber que o es-plendor da manh no se abre com aca eque, no jogo literrio, a gente tem de sabermuito bem como pegar na voz de um peixe.

    Enfm, como pegar com as palavras as pe-quenas coisas, agarrar o grande com a sabe-doria do mido, revelar a dimenso humananas suas pores mnimas, escutar a vida co-tidianamente, atenes estas presentes emtodos os tempos e em todas as ormas liter-rias, mas em nenhum deles com o sentido depermanncia, a singularidade e o vontadedo ocio de ser cronista.

    E aqui no Brasil d para

    situar o comeo da crnica?A crnica como gnero literrio s vai

    aparecer em 1854 com Jos de Alencar escre-vendo para o jornal Correio Mercantil o o-lhetim Ao correr da pena, ttulo sugestivopara ilustrar a leveza e o tom corriqueiro damatria que comentava desde a presena da

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    mquina de costura que roubava a graa dodedilhar das agulhas, passando pela euoriatola das danas e dos costumes que invademo Rio de Janeiro, at o uror especulativo da

    poca e a indierena da nao diante daGuerra da Crimia.Mas o esprito de cronista j est presente

    na certido de nascimento da LiteraturaBrasileira: a carta de Pero Vaz de Caminha,que, com o entusiasmo de cronista, a precisono registro objetivo e circunstancial do ato eum certo tom segredado da conversa de co-madres escrita com engenho e arte, relata ael-rei D. Manuel, com olhos de descobridor in-

    teressado, os benecios e os malecios daTerra de Vera Cruz.Isso ainda no arte literria, mas o ocio

    de cronista a primeira voz, ainda que embrio-nria, das nossas Letras e vai ocupar umlugar de destaque a partir de meados do s-culo XIX na Literatura Brasileira, persistindocomo uma espcie de idioma nacional ecompondo uma galeria de cronistas maravi-lhosos que, com suas palavras voadoras, soli-

    drias ao registro actual e aos vos imagi-nrios, mais parecem uma comunidade dealquimistas que vo das memrias aos lagran-tes do dia-a-dia, da piada s inquietaesmetasicas, do dirio s digresses flosf-cas, do ultimato s cartas literrias, dosapelos de alma ironia mordaz, da dennciasocial contemplao introspectiva, dasconfsses poticas ao comentrio chulo, dohumor compaixo, da bolsa vida, ape-

    nas para registrar seus extremos.Em todos o tom da oralidade e o sentidoda solidariedade azem do leitor um inter-locutor que se reconhece na matria, sempreexpressa com lego de experincia vivida,at mesmo como co-autor dessas pginas

    escritas como uma espcie de subjetividadecoletiva.

    ato mais que conhecido no universo daspalavras que o clima de conversa ao p do ou-

    vido da crnica, tocante e ao mesmo tempovoltil, e que Manuel Bandeira, cronista naprosa e cronista na poesia, chamou puxa-pu-xa, provoca no leitor um desejo enorme de es-crever crnica tambm.

    Por tanta expressividade e tantas ormasde expresso, vale azer um percurso de lei-tura pelos labirintos da crnica desde Joodo Rio e Lima Barreto, que chegaram a criarpersonagens, stiras, e mesclar fco e rea-

    lidade nos seus olhetins dos primrdios dosculo XX, at os mais atuais, que escrevemdiariamente para as mais conhecidas revistase jornais brasileiros, como Andr SantAnna,que chega a suprimir a pontuao para per-der o lego de tanto dio e adorao porSo Paulo, Antonio Prata, que vai ao piceda auto-ironia amorosa de sua prpria classesocial, ou Tutty Vasques, que, com o eternoesprito solidrio da crnica, conessa que

    cronista porque ainda acredita no serhumano. isto: nesse trajeto to humanamente nos-

    so que recupera e reassume algo da versatili-dade do heri Macunama enquanto histriade busca e constante desejo de se reinventar,a nossa crnica avana e retorna no tempocriando novos modos de cultivar, na prpriarespirao das palavras, o ocio de contar eelegendo sempre o tema da solidariedade

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    entre cronistas e leitores como norte da expe-rincia imperdvel de ler. E por essas veredasde sensvel e purssima comunicao que elaveio se aclimatando desde os tempos que j

    l vo com a pena missionria do padre Ma-nuel da Nbrega ou do padre Jos de Anchietano Quinhentismo e se frma progressivamentenas dcadas de 1930 e 1950 de orma nica eoriginalssima no Brasil, acolhendo o que asvanguardas oereciam de melhor nos idos de22, entrando no ritmo da bossa nova com aaparente simplicidade de quem conta e az re-portagem da vida com uma nota s, estejan-do ou no a criao de Braslia, comemorando

    a primeira vitria da copa do mundo, cami-nhando contra o vento sem leno nem docu-mento nas passeatas e comcios dos anossessenta, transitando sempre na contramodos articios e de toda e qualquer ditadura deexpresso, por estar a servio da vida, a partemelhor de toda essa sua histria.

    Pensando mais uma vez junto com AntonioCandido, ela, a nossa crnica, pode servir decaminho no apenas para a vida que ela serve

    de perto, mas para a literatura, como que-rem, do undo do corao e na memria dotempo, todos os cronistas ou folhetinistasde ato, como eles eram chamados, nessenosso pas to cronicamente tropical.

    E, para provisoriamente

    pr um ponto final nessas

    linhas que j esto com

    vontade de virar crnica,como vai ela hoje em dia?

    Muito bem, obrigada, ela grita leve e sol-ta nas entrelinhas dessa conversa ligeira,sempre abusando lindamente da liberdade deexpresso que seu territrio livre para otrnsito das idias. Isso porque, quando se luma crnica que crnica mesmo, coisa ques lendo para descobrir, a gente se perde no

    tempo imemorial de todos os tempos sem omenor interesse de se achar, a gente fcacomo Carlos Heitor Cony naquela crnica queconta a sua histria de amor com a sua cade-linha Mila: com a breve eternidade da crnicaque, igual cachorrinha, nunca quer ser maiordo que a nossa alegria ou tristeza, a genteperde o medo do mundo e do vento e fcacom saudade das crnicas que ainda no leu.

    Jorge Miguel Marinho proessor de literatura,escritor, ator e roteirista. Entre as obras publicadasesto Te dou a lua amanh, prmio Jabuti; Na curva dasemoes, prmio APCA; O cavaleiro da tristssima f-gura, prmio HQMIX; Lis no peito, prmio Jabuti.

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    uma prosa bem aiada

    Conhea o que os alunos j sabem em relao ao gnero crnica.

    De que falam as crnicas?Escolha uma crnica instigante e prepare o material para a roda de leitura. Providencie

    cpias do texto para que os alunos possam acompanhar a leitura. Convide-os a ouvir ascom ateno a leitura da crnica. Pergunte se eles costumam ler as crnicas que so publicadasem jornais, revistas, livros, ou j ouviram em udio, CD. Pergunte tambm se eles sabem quaisso os temas preeridos pelos cronistas.

    Crnicas de ontem e de hojePesquise crnicas bem interessantes.Procure mesclar textos de escritores

    que oram cronistas importantes do incio dosculo XX (Joo do Rio, Machado de Assis,Jos de Alencar, Graciliano Ramos, Rachelde Queiroz, Carlos Drummond de Andrade...)e outros dos dias atuais ( Mrio Prata, JooUbaldo, Lus Fernando Verssimo, Aon-so Romano Santanna, Ivan ngelo, Walcyr

    Carrasco, Fernando Sabino...). Apresente os

    (...) ao cronista compete ser registrador do tempo,o seu particular e aquele em que mais alargadamente vive.

    Jos Saramago (1986 apudNeves, 1995)

    Num tom bem-humorado, sensvel, despretensioso, o cronista emociona, envolve, ajuda o

    leitor a reetir criticamente sobre questes sociais, atos e sentimentos humanos. O cronistausa uma linguagem simples, espontnea, quase uma conversa. Narra com naturalidade atos

    corriqueiros, miudezas do comportamento das pessoas, trazendo tona a vida da cidade.

    Para aproveitar esse clima de proximidade, de identifcao entre autor e leitor, propiciado

    pela crnica, preparamos, para voc, proessor, algumas sugestes de atividades de leitura e

    escrita que podem ser desenvolvidas em sala de aula.

    textos para os alunos. Para acilitar a leitu-ra e escolha dos trechos, organize-os nummural ou varal, ou disponha-os no cho dasala de aula. Pea aos alunos que leiam osvrios trechos e selecione um de sua pree-rncia. Faa um quadro na lousa e preenchaos dados junto com os alunos. Organize umaroda de conversa para que eles comentem ecomparem os assuntos das crnicas, a pocaem que oram escritas e a linguagem usada

    pelos autores.

    TTULO AUTOR POCA ASSUNTO

    Ser brotinho Paulo Mendes Campos 1960Hbitos e comportamentos dosjovens no incio da dcada de 1960

    ... ... ......

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    [...] Ser brotinho desdizer de enfeites

    e pinturas, e fazer uma cara lambida, arru-

    mar os cabelos no vento, apagar o corpo

    dentro de um vestido em graa de doer,mas ir por a espalhando fagulhas pelos

    olhos. Ser brotinho lanar fagulhas pelos

    olhos. [...] Ser brotinho possuir vitrola

    prpria, perambular pelas ruas do bairro

    com um ar sonso moderninho , vagaren-

    to, abraada a uma poro de eleps esfu-

    ziantes. dizer a palavra feia precisamente

    no instante em que essa palavra se faz im-

    prescindvel e to inteligente e superior....

    Ser brotinho, Paulo Mendes Campos.

    O cego de Ipanema.

    Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, p. 15.

    (...) O que uma for?

    Ser esta criao vegetal que na prima-

    vera se abre do boto de uma planta?

    No: a for o tipo da pereio, a mais

    sublime expresso da beleza, um sorriso

    cristalizado, um raio de luz perumado.

    Por isso h muitas espcies de for.

    H as fores do vale mimosas criaturas

    que vivem o espao de um dia, que se ali-

    mentam de orvalho, de luz e de sombras.

    H as fores do cu as estrelas, que

    brilham noite no seu manto azul, como os

    olhos de uma linda pensativa.

    Falemos das fores, 1855, Jos de Alencar.

    Ao correr da pena. 2- ed. So Paulo:

    Melhoramentos, s.d. pp. 309-312.

    ARuadoOuvidorcontoudiversaslojasdeper-

    fumarias,e,porconseqncia,deviaseraruamais

    cheirosa,maisperfumadaentretodasasdacidade

    doRiodeJaneiro.Etodavianooera!...Comefeitonohavianemhruamaisopulenta

    dearomas,deperfumes,depastilhasodorferas,de

    banhas e depomadas de timo cheiro;mas tudo

    issoencerradoemvidrinhos,emfrascoseempe-

    quenascaixasbonitasquemantinhamemantma

    RuadoOuvidortoinodoracomoasoutrasdedia.Atualmentedenoiteobserva-seomesmofato.Naquele tempo,porm, isto ,nos tempos do

    Demarais, e ainda depois, aRua doOuvidor, de

    fcileretacomunicaocomapraia,eraumadas

    maisfreqentadaspeloscondutoresdosrepugnan-

    tesbarris,dasoitohorasdanoiteatsdez

    ARuadoOuvidor, JoaquimManueldeMacedo.MemriasdaruadoOuvidor.

    RiodeJaneiro:Tip.Perseverana,1878,pp.99-101.

    A caminho de casa, entro num botequim da

    Gvea para tomar um ca junto ao balco. Narealidade, estou adiando o momento de escrever.

    A perspectiva me assusta. Gostaria de estar ins-

    pirado, de coroar com xito mais um ano nesta

    busca do pitoresco ou do irrisrio no cotidiano de

    cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida

    diria algo de seu disperso contedo humano, ru-

    to da convivncia, que a az mais digna de ser vi-

    vida. Visava ao circunstancial, ao episdico. Nes-

    ta perseguio do acidental, quer num fagrante

    de esquina, quer nas palavras de uma criana ou

    num incidente domstico, torno-me simples es-

    pectador e perco a noo do essencial...

    A ltima crnica, Fernando Sabino. Elenco de cronistas

    modernos por Carlos Drummond de Andrade e outros.

    Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1974. p. 259.

    Aproxime os alunos do gnero textual crnica.

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    Agora, os alunos soos cronistasTraga para a sala de aula notcias pu-blicadas em diversos jornais. Organize

    com os alunos um mural com essas notciase convide-os a l-las. Pea-lhes que as ana-lisem e escolham entre elas uma que, na opi-nio deles, pode originar uma boa crnica.Diga aos alunos que vamos escrever a crni-ca coletivamente, pois isso possibilita a troca

    de experincia e a negociao entre alunos eproessor.

    Lembre turma que o ponto de partidapara a escrita da crnica o prprio aconte-cimento relatado na notcia e o cronista vaicolocar a sua viso pessoal do ato, acrescen-

    tando uma dose de co, lirismo ou mesmo

    de humor. Por exemplo, se a notcia escolhi-da or sobre o riso, pergunte ao grupo se elesriem com reqncia, em que situaes cos-tumam cair na gargalhada, se em seu grupode amigos h algum que est sempre rindo,ou az todo mundo rir? Direcione a conversapara seleo de situaes que possam contri-buir para dar o tom literrio para a elaboraodo texto.

    Retome as idias sugeridas pelos alunos

    e v anotando-as e escrevendo na lousa ospargraos iniciais. Durante a produo cole-tiva aa perguntas e d orientaes que aju-dem o grupo na elaborao da crnica. Essaverso inicial do texto dever ser aprimoradano decorrer do processo.

    SobreorisoPorquerimos?Ningumsabe.Orisotemumaqualidadeuniversal:todasasculturastm

    seuscontadoresdepiadas.E,mesmoqueapiadatenhagraaspa

    raumacultura,aspessoasreagemsempredamesmaforma.

    Em dez anos, dobrou

    o uso de bicicletas

    De acordo com a pesquisa,

    o uso da bicicleta cresceu

    principalmente para

    viagens curtas e na periferia.

    A pesquisa tambm

    mostrou que pela primeira

    vez desde 1977 o nmero

    de pessoas que utilizamtransporte motorizado coletivo

    ultrapassou o daqueles que

    usam veculos individuais.

    Comdelicadeza,

    Linhadepasse

    mostrafamlia

    daperiferiade

    SP

    Avidadeuma

    amliana

    perieriadeSo

    Paulo(SP)

    esualutapara

    sobreviver

    erealizarsonho

    ssoos

    itenscentraisd

    oflme

    Linhadepasse(B

    rasil,2008),

    deWalterSalleseDaniela

    Thomas,quech

    egas

    telonasnestase

    xta-eira(5).

    Amplie o repertrio dos alunos por meio da leitura de crnicas.

    Produza coletivamente a verso inicial da crnica.

    crnica?Providencie cpias da crnica Histria de cheiros para os alunos para que eles acom-panhem a leitura (ou podem ler em duplas). Se isso no or possvel, copie o texto na

    lousa ou numa grande olha de papel. Planeje bem a leitura da crnica. Aps a leitura, proponhauma roda de conversa. Deixe os alunos maniestarem sua compreenso e opinio sobre o texto.Para melhor explorar as caractersticas da crnica, prepare tarjas com observaes sobre osrecursos utilizados pelo autor. Proponha aos alunos que releiam com ateno a crnica e ordeneas tarjas no texto.

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    Na

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    22

    Identifque as marcas, os recursos utilizados pelo autor na escrita da crnica.

    Usamarcadetempoelugar

    querevelamfatosdocotidiano

    Onarrador-

    personagem

    faladesimesm

    o

    deumjeitoque

    envolveoleitor

    Anarrativaemprimeirapessoaaproximaoautordoleitor.

    Onarradortrataumfato

    corriqueirodeformapeculiar

    Toda a narrativa

    se organiza em

    torno do mesmo

    tema: cheiros

    Oautortrazimpressescaptadaspelos sentidos

    Histria de cheiros

    Luiz Henrique Gurgel

    Fazia tempo que no passava por So Paulo de madru-gada. Vinha do interior e atravessava a cidade para chegarem casa. Quem mora no ABC Paulista tem sempre a tristesina de ter de cruzar o gigante. Pior se chega na hora dorush. Tinha chovido, a cidade estava vazia e molhada, o armido e quente. Eu tinha sado de um stio no Vale do Pa-raba. L tambm havia chovido, vim embora com o cheirogostoso de mato molhado, misturado ao agradvel odor

    de estrume de vaca remexido. Vi cair a chuva-criadeira,que molha a terra, que enche o rio, que limpa o cu. Quetraz o azul!, como cantava Tom Jobim.

    Menino nascido e criado em cidade, desde a innciaazendas e stios oram espaos mticos, lugares de con-tato com a natureza, mesmo quando peguei carrapatos.Bicho insuportvel, castigo de condenado no Juzo Final.Naqueles stios era possvel o contato prazeroso consigomesmo, onde o tempo escorre lento, tortuoso, sem pressade ver o pr-do-sol. Talvez por isso, at hoje, o perume do

    estrume bovino me parea to bom.Mas agora, em So Paulo, eu subia a rua da Consola-

    o, vazia, com a bonita luz amarelada saindo de postesaltos, tudo molhado e deserto de gente, de vez em quandoum carro na outra pista e o chiado da gua espalhada pe-los pneus no asalto. Com o calor e o ar mido da chuvaque acabara de cair, a cidade exalava um cheiro estranho,que aos poucos ez esvanecer a imagem bonita da urbevazia e molhada, refetindo o amarelo das luzes. O odorera azedo eito chorume de lixo, parecia esterco. quela

    hora a poluio baixara ainda mais porque havia cho-vido , no tinha a bruma cinzenta que iguala todos osodores. Ser que haviam adubado os canteiros da aveni-da? Ou ser que chegamos ao ponto em que esse era operume de So Paulo, o cheiro real da cidade?

    Em dias recentes, de orte calor, o odor do rio Pinhei-ros ultrapassou as margens e chegou aos bairros vizi-nhos. Era o rio devolvendo parte o cheiro daquilo querecebe pelos encanamentos.

    Qual devia ser o cheiro do Pinheiros e de So Paulo

    quando caa chuva boa e prazenteira, h mais de quatrosculos? Imagino o mesmo cheiro do mato molhado, doestrume de vaca remexido dos stios da minha inncia.

    Na minha utopia toro para que um dia os rios e acidade de So Paulo quem cheirosos novamente. Quechova gua-de-cheiro. gua-de-cheiro da natureza. Avai ser bom atravessar a Paulicia, de madrugada,respirando undo.

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    A crnica nossa

    de cada dia

    (...) A crnica rgil e ntima, uma relao pessoal.Como se osse escrita para um leitor, como se s ele, o narrador, pudesse se expor tanto.Conversam sobre o momento, cmplices: ns vimos isto, no , leitor?

    (Sobre a crnica, Ivan ngelo. Veja So Paulo, 25/4/2007.)

    Voc gosta de ler crnicas? De que estilo? As poticas, recheadas

    de descries lricas? Ou as bem humoradas e irnicas?

    Ou prefere as marcadas pelas speras crticas realidade social,

    poltica e cultural? Leia trechos das crnicas abaixo e descubra quem

    so seus autores. As respostas esto na pgina 25.

    BConormad

    oserealis

    tas

    FernandoC

    alazansep

    oucosout

    rosjornalistase

    sportivost

    msido

    crticoser

    ealistasso

    breaquali

    dadeeou

    turodoutebolb

    rasileiro,d

    a

    seleoed

    osclubes.P

    ensodam

    esmaorm

    a.Estamos

    preocupados.

    Janume

    rosaturma

    do oba-ob

    a,tambm

    chamada d

    e otimista,

    achaques

    omosmuit

    opessimis

    tas.

    Osconorm

    ados,osq

    uetmpo

    ucosenso

    crticoeta

    mbmosm

    o-

    dernistas,

    quesomu

    itobempre

    paradoscie

    ntifcamen

    te,dizemq

    ueo

    utebolmo

    dernoess

    ea.Temos

    deengoli-l

    o.Tocarab

    olaeespe

    raro

    momentocertop

    aratentar

    azerogolv

    irousinni

    modelent

    ido.Con-

    undemmo

    dernidadecomm

    ediocridad

    e.

    Ningum

    toingnu

    oparaacharquese

    devejoga

    rhojenoe

    stilo

    dosanos6

    0.

    Oqueque

    remosve

    rmaisqua

    lidade.N

    opodemosnosc

    ontentar

    comumut

    ebolmedoc

    re,quases

    dejogad

    asareas

    edemuitasal-

    tasemuit

    acorreria.

    Oencanto

    doutebol

    outro.

    Osjogado

    ressopr

    oduzidose

    msrie,p

    araaexpo

    rtao,co

    mo

    umabric

    adeparau

    sos.Osatle

    tasdetale

    ntosoco

    locadosna

    mes-

    malinhade

    produo

    dosmedoc

    res.Hmer

    cadopara

    todos.Aum

    en-

    touaquantidad

    eediminu

    iuaqualid

    ade.[...]

    FolhadeS.Pa

    ulo,31dea

    gostode20

    08,Cadern

    odeEspo

    rte

    AAartedeserav

    Netossocomoheranas:vocosganhasemmerecer.Semterei-

    tonadaisso,derepentelhecaemdocu.,comodizemosingleses,

    umatodeDeus.Semsepassaremaspenasdoamor,semoscompro-

    missosdomatrimnio,semasdoresdamaternidade.Enosetratade

    umflhoapenassuposto,comooflhoadotado: onetorealmenteo

    sanguedoseusangue,flhodeflho,maisqueoflhomesmo...

    Quarentaanos,quarentaecinco...Vocsente,obscuramente,nos

    seusossos,queotempopassoumaisdepressadoqueesperava.No

    lhe incomoda envelhecer, claro.A velhice temassuasalegrias, as

    suas compensaestodosdizemissoemboravoc,pessoalmente,

    aindanoastenhadescobertomasacredita.

    Todavia, tambmobscuramente, tambmsentidanosseusossos,

    svezeslhedaquelanostalgiadamocidade.Nodeamoresnempai-

    xes:adouradameia-idadenolheexigeessaseervescncias.[...]

    LivroElencodeCronistasModernos,EditoraJosOlympio,2003.

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    Na

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    ano

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    n

    10

    24

    Eduardo Gonalves de Andrade MG(1947-). Conhecido como Tosto, consi-derado um dos grandes jogadores do ute-bol brasileiro e mundial. Aastou-se doesporte e estudou medicina na UFMG,tornou-se proessor universitrio e traba-lhou em hospitais. Em 1990, oi convidadopara comentar jogos de utebol na televi-so. Os argumentos equilibrados e inteli-gentes logo fzeram de Tosto um dosprincipais nomes da crnica esportivabrasileira. Em pouco tempo passou a cola-borar na imprensa escrita.

    Joo do Rio RJ (1881-1921). Pseudnimousado pelo escritor e jornalista cariocaJoo Paulo Alberto Coelho ao escreversuas crnicas para, entre outros, o jornalGazeta de Notcias. Parte de sua obra oireunida no clssicoA alma encantadora dasruas (Companhia das Letras, 1997).

    Paulo Mendes Campos MG (1922-1991).Cronista, poeta e tradutor, trabalhou noInstituto Nacional do Livro e oi diretor daseo de obras raras da Biblioteca Nacio-nal. Escreveu suas primeiras crnicas noDirio Carioca e manteve por muitos anos,na revista Manchete, uma coluna semanal.Destacou-se pela simplicidade com quetratou em sua obra temas como o mar, avida carioca, conversas de bar e utebol.

    C

    D

    Conto-do-vigrioDequandoemquandoaparece-nosoconto-do-vigrio.Tivemo-lo

    estasemana,bemcontado,bemouvido,bemvendido,porqueos

    autoresdacomposiopuderamreceberintegralmenteoslucrosdo

    editor.Oconto-do-vi

    grioomaisantigognerodefcoqueseco-

    nhece.Arigor,podecrer-sequeodiscursodaserpente, induzindo

    Evaacomerorutoproibido,oiotextoprimitivodoconto.Mas,seh

    dvidasobre isso,noapodehaverquantoaocasodeJaceseu

    sogro.Sabe-sequeJacpropsaLaboquelhedessetodososf-

    lhosdascabrasquenascessemmalhados.Laboconcordoucertode

    quemuitostrariamumascor;masJac,quetinhaplanoeito,pe-

    goudeumasvarasdepltano, raspou-asemparte,deixando-as

    assimbrancaseverdesaumtempo,e,havendo-aspostonos tan-

    ques,ascabrasconcebiamcomosolhosnasvaras,eosflhossaam

    malhados.A boa- de Labo oi assim embaada pela fnura do

    genro;masnosei quehnaalmahumanaqueLabo que az

    sorrir,aopassoqueJacpassaporumvaroargutoehbil.[...]

    ObraCompleta,OrganizaodeArnioCoutinho,RJ.NovaAguilar,1994

    Meureinoporum

    pente

    Filhosdi

    zopoeta

    melhorn

    ot-los.Jopro

    essorAnb

    alMa-

    chadomec

    onfougra

    vementeq

    ueavidap

    odetermu

    itosorimento,o

    mundopod

    enotere

    xplicaoa

    lguma,ma

    sflhos,er

    amelhort

    -los.

    Aconclus

    oparece

    simples,m

    asnoera

    ;Anbaltin

    haidos

    ra-

    zesdavida

    ,edelarr

    ancaraace

    rtezaimpe

    rativadequ

    eaprocria

    o

    umaver

    dadeanim

    al,umacois

    aqueno

    sediscute

    ,oradea

    lcance

    doradarf

    losfco.E

    unoseip

    orque,Pau

    lo,masaze

    rflhoso

    que

    hdemaisimpo

    rtante.

    Engraadoque,d

    epoisdess

    aconversa

    ,uidescob

    rindodeva

    gara

    melancli

    caimpostu

    radaquelaspalav

    rascorros

    ivasdofna

    ldeMe-

    mriasps

    tumas:no

    transmitia

    nenhumacriatu

    raolegad

    odenos-

    samisria

    .

    Filhos,me

    lhornot

    -los,alis,

    omesmop

    oetacorrig

    eantietetica-

    menteop

    essimismo

    daqueleve

    rso,quand

    opergunta

    :mas,sen

    oos

    temos,com

    osab-lo?

    Resumind

    o:flhos,m

    elhorno

    t-los,mas

    de

    todoindis

    pensvelt

    -los,mas

    detodo

    indispens

    velt-los

    parasa-

    b-lo;logo

    ,melhort-

    los.[...]Alhos

    &Bugalhos

    ,Civiliza

    oBrasileir

    a,2001

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    Resposta:

    A)RacheldeQueiroz;B)EduardoGonalvesdeAndrade(Tosto)

    C)MachadodeAssis;D)PauloMendesCampos

    E)JoodoRio;F)MrioAlbertoCamposdeMoraisPrata

    Rachel de Queiroz CE (1910-2003).Foi a primeira mulher a ingressar naAcademia Brasileira de Letras. Publi-cou 23 livros individuais e quatro emparceria. Sua vasta e preciosa obra esttraduzida e publicada em rancs, in-gls, alemo e japons. Alm disso,traduziu 45 obras para o portugus,sendo 38 romances. Colaborou sema-nalmente com crnicas no jornal O Es-tado de S. Paulo.

    Mrio Alberto Campos de Morais Prata MG (1946 -).Trabalhou em jornais , escreveu editoriais, reportagense artigos. Entre seus livros podem-se citar: O mortoque morreu de rir; Preto no branco e 100 Crnicas. Almde livros, escreveu novelas, roteiros e peas para tea-tro e atravs desse vasto trabalho recebeu prmiosinternacionais e nacionais.

    Joaquim Maria Machado de Assis RJ (1839-1908) Cronista, contista, drama-turgo, jornalista, poeta, novelista, roman-cista, crtico e ensasta. considerado ofccionista mais expressivo da prosa rea-lista da literatura brasileira. Escreveuvrias crnicas sobre a escravido e osdramas sociais de seu tempo, esconden-do-se atrs de vrios pseudnimos.

    E Arua

    Euamoaru

    a.Essese

    ntimentod

    enatureza

    todantim

    anovos

    seria

    reveladopormim

    senojulg

    asse,eraz

    esnotiv

    essepara

    julgar,que

    este

    amorassi

    mabsolutoeass

    imexagera

    dopartil

    hadoport

    odosvs.N

    s

    somosirm

    os,nsn

    ossentimospar

    ecidoseig

    uais;nas

    cidades,n

    as

    aldeias,no

    spovoados

    ,noporqu

    esoramos,com

    adoreos

    desprazere

    s,a

    leieapolc

    ia,maspor

    quenosun

    e,nivelae

    agremiaoamor

    darua.e

    ste

    mesmoose

    ntimentoim

    perturbve

    leindissol

    vel,onicoque,co

    moapr-

    priavida,r

    esistesi

    dadeses

    pocas.Tud

    osetrans

    orma,tudo

    variao

    amor,odi

    o,oegosm

    o.Hojem

    aisamargo

    oriso,mais

    dolorosaa

    ironia.

    Ossculos

    passam,d

    eslizam,lev

    andoasco

    isasteis

    eosacont

    ecimen-

    tosnotveis

    .Spersis

    teefca,le

    gadodasg

    eraesca

    davezmai

    or,oamor

    darua.[...]

    Ora,arua

    maisdo

    queisso,a

    ruaum

    atordavida

    dascida-

    des,aruatema

    lma. Aalma

    encantad

    oradasru

    as,Editora

    Garnier,19

    08

    FQuemtemmedodamortadela?Modismo conoscomesmo.O brasileiro adora inventarmoda. E to

    do

    mundovaiatrsdela.Altimadobrasileiroprimeiromundo.Ospublici-

    triosnativosinventaramaexpressoeagoratudoquensqueremostem

    quesercoisadoprimeiromundo.[...]Agorajtemcaipirinhadevodcae,pasmem,derum.Caipirinhasem-

    preoiesempreserdecachaa.Coisadecaipiramesmo.Eestabebida

    queoseuropeusvmprocuraraqui.Masjmeteramavodcaeorumnela

    parafcarcomcaradeprimeiromundo.Vamosdeixaracaipirinhacaipira,

    brasileiros!Todaessaintroduoparachegarmortadela.Oumortandela,comopre-

    eremgaronsepadeiros.Quercoisamaisbrasileiraqueamortadela?Claro

    queelaveioldaItlia.Mastornou-se,talvezpelobaixopreo,opetiscodo

    brasileiro.O nome vem demurta, uma plantinha italiana que Ihe valeu o

    nome.Inelizmenteobrasileiroachaquemortadelacoisadepobre,dea-

    minto.Eoquesomosns,cara-plidas?

    AcachaaeamortadelasoprodutosdoBrasil,donossoqueridoterceiro

    mundo.Masacontecequehumpreconceitodospatrcioscontraacachaae

    amortadela.Contraamortadelaocasomaisgrave.Sevocoerecermorta-

    delanumaesta,voteolhareio.Vocdeveestarpertodaalncia. [...]

    Filhobom,masduramuito.EditoraMaltese,So Paulo1995.p.157-159

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