ANDRÉA_BORGES_LEÃO_SBS_2013
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1
XVI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA
10 a 13 de setembro de 2013, Salvador (BA)
Grupo de Trabalho 28: Sociologia da Cultura
Fazer do velho uma novidade. A invenção dos best-sellers juvenis
Andréa Borges Leão – Universidade Federal do Ceará
2
1. Os fluxos transnacionais da cultura nacional
“Já publiquei sete livros em Portugal e em 2012, se tudo correr bem, meus livros serão
editados em outros países da Europa e na América Latina. Depois de tantos anos correndo atrás, atingi um milhão (!!) de livros vendidos em 2011. Mas eu ainda quero mais, muito mais”.
Thalita Rebouças
Nas listas dos best-sellers1 infantojuvenis contemporâneos publicadas
na grande imprensa e sites especializados, destaca-se a obra das escritoras
brasileiras Thalita Rebouças e Paula Pimenta. As “melhores vendas”, porém,
não reduz seus livros a uma classificação comercial, na medida em que diz
respeito à preferência de milhares de leitores.
Do ponto de vista da crítica literária, a designação best-seller, observa
Silvia Borelli (1996: 139) em pesquisa realizada na década de 90, “preenche
certo número de critérios e requisitos que o separam da literatura culta e
erudita”. A classificação editorial, por sua vez, priorizaria “critérios quantitativos”
encarando o livro como mercadoria sujeita às regras do mercado, com “muito
pouca, ou quase nenhuma, densidade literária”, observa a socióloga. Os
elementos da linguagem e da narrativa só seriam levados em conta quando
úteis para atrair o grande público, quer dizer, para mediar a relação de compra
e venda do produto. O best-seller, sob esse ângulo, não passaria de um livro
de melhor venda oferecido a um mercado homogêneo e sem rumo. Como se
não contassem os agentes mediadores e instituições culturais que orientam as
escolhas ― as livrarias e escolas ― ou os projetos intelectuais que visam a
garantir a qualidade dos produtos no mercado. Nessa linha de raciocínio, o
mercado seria constituído apenas pela comercialização do livro “procurado e
selecionado por livre escolha”, continua a socióloga (1996: 140). As listas dos
best-sellers seriam montadas exclusivamente a partir dos dados de vendas que
dispensam as mediações de especialistas. Ora, quando consultamos as listas
dos livros infantojuvenis produzidos no país, constatamos que boa parte
destina-se à compra e distribuição pelos governos estaduais e federal, a
exemplo do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), e do Programa
1 O termo surgiu no século XIX para indicar as melhores vendas no comércio de livros.
3
Nacional Biblioteca da Escola. Essas agências certamente não se guiam por
escolhas aleatórias, mas por seleções de especialistas reunidos em comissões.
Ao invés da pura e simples condenação aos best-sellers como gêneros
menores, outro caminho é inserí-los nos regimes de historicidade nos quais
adquirem sentido e permitem compreender os seus sucessos e as suas
relações com as instituições de consagração e dominação simbólica, como a
crítica literária que os condena. O importante, sugere Jean-Yves Mollier (2003),
é indagar a história dos sucessos literários do ponto de vista dos produtores e
dos leitores: o que se lê em determinados períodos; quais são os usos dos
livros na vida cotidiana ― distração, instrução, passatempo; se os best-sellers
são fontes de distinção ou de estigmatização para quem os lê ou possui.
O objeto dessa comunicação é situar as escritoras de grandes vendas
Thalita Rebouças e Paula Pimenta na reinvenção de uma cultura literária para
a juventude. Toma como ponto de partida os processos de informalização2 dos
comportamentos que investem os livros alinhados a uma dinâmica da produção
que atualiza velhas fórmulas editoriais, temas e modelos literários. Os
romances de princesas, as narrativas intimistas de conselhos, diários e cartas
definem uma literatura sentimental, aparentada aos melodramas dos séculos
XIX e XX. Não faltam regras e padrões de etiqueta. A permanência na
atualidade de temas já gastos, como as fadas e outros seres sobrenaturais,
evidencia o papel da literatura nos processos de refreamento dos afetos e
controle das emoções, conforme identificou Norbert Elias (1994) em estudo
clássico baseado no corpus dos livros de boas maneiras. Tudo leva a crer que
a civilidade contemporânea é um ponto de encontro com o passado. Os
sucessos juvenis, desse modo, ocupam tanto lugares de inserção nos sistemas
literários nacionais como se inscrevem no patrimônio da cultura universal.
O que explica os sucessos de vendas, as reações apaixonadas, são os
pactos de leitura firmados entre autores e público e um maior controle da
produção e distribuição dos livros por parte dos escritores. Não por acaso,
Thalita e Paula lançam mão dos suportes da escrita na web, blogs e redes
sociais, possibilitando contato direto com o público de fãs-seguidores.
2 Considero processos de informalização segundo Cas Wouters (2007): emancipação das
emoções nas sociedades contemporâneas, com a maior flexibilidade e diferenciação dos códigos sociais as pessoas tornam-se menos rígidas e mais conscientes das restrições sociais.
4
O meio digital abre caminho para invenções autorais e, por conseguinte,
para redefinições de interesses e reposicionamentos de indivíduos nos circuitos
de produção e recepção. As novas mulheres de letras apostam na publicidade
via internet como meio de consagração. Sem ambivalências, concebem os
livros simultaneamente como obras literárias e produtos à venda. Para elas, o
importante é corresponder aos horizontes de expectativas de meninas fãs de
princesas e de meninos românticos. Suas atenções não se prendem aos
paradoxos do que seja ou não a “verdadeira literatura”, do que seja o “livro
nacional” ou as fronteiras que separam o centro e as margens na esfera
literária brasileira. O dilema do duplo “intelectual e negociante”, que marcou a
carreira de gerações de escritores, passa longe delas.
Uma primeira pergunta se impõe: o que têm a dizer, hoje, os críticos
literários, interlocutores tão importantes nas classificações da ficção juvenil?
O desafio da análise é apreender a psicogênese3 dos leitores previstos
nos best-sellers4 e, em consequência, seguir as pistas explicativas das
identificações e preferências de longo prazo. Essas pistas nos levam não
apenas às variações no gosto literário, mas também às censuras e proibições
veiculadas nas narrativas, à assimilação das regras e ao progressivo
relaxamento no manejo das emoções nas práticas de leitura. Como diz o
historiador da cultura, Roger Chartier (2000), o livro impresso é o melhor lugar
para o encontro entre a forma material, o texto e o leitor.
Um aspecto comum aos livros eleitos do público, dos mais populares
aos canonizados, é o desconhecimento de nacionalidades. Se seus autores
são celebrados “gênios da nação”, como aconteceu a Monteiro Lobato no
Brasil, não é por força de seus leitores, mas do julgamento crítico. Por isso, há
livros que atravessam gerações, circulam por diversos países, hierarquias e
pertencimentos sociais. Os heróis e as tramas dos sucessos juvenis seguem
temas abstratos ― como amizade, amor, traição, inveja ―, tornando-os
clássicos por deixarem os espaços nacionais em suspenso ― quem consegue
localizar o planeta de O Pequeno príncipe? Também se tornam clássicos por
3 Norbert Elias, na teoria da civilização, incorpora a ideia de mudança na estrutura psíquica e
cognitiva dos indivíduos, atribuindo a esse fenômeno o termo “psicogênese”. 4 Este estudo trata do volume de vendas dos livros juvenis brasileiros em processo de entrada
no mercado estrangeiro, que são bem inferiores, por exemplo, à venda recordista da série de livros Harry Potter, de J. K. Rowling, traduzida para 67 línguas.
5
força das permanências por anos a fio nos catálogos das editoras e no
comércio de livraria. Em consequência, prestam-se muito bem às operações de
tradução e adaptação, circulando com desenvoltura de uma língua a outra, de
uma dinâmica literária a outra, entre continentes e épocas. Os temas
potencialmente universais, resume Jean-Marc Gouanvic (2009), possuem o
condão de fazer do velho sempre uma novidade. O que muda, com a
passagem do tempo, são os modos de vida e as percepções dos leitores.
Não se pode desconsiderar a vocação expansionista das edições de
grandes vendas e consumo ampliado. Importa abordá-las por meio de uma
sociologia das circulações que dê conta dos fluxos nacionais e internacionais
entre indivíduos, ideias e produtos. Essas circulações, no caso das obras
traduzidas, delineiam espaços literários e esferas de recepção transnacionais.
É importante destacar, na dinâmica das circulações, a emergência de
“autores elásticos” que permitem com maior facilidade as transferências entre
tradições culturais. Esses autores de “grande elasticidade” ou de grande
alcance tornam-se estratégicos por transmitirem valores morais sumários,
normas de condutas estabelecidas e mobilizarem um repertório de sentimentos
e emoções previsíveis, complementa Pierre Bourdieu (2009).
Se as obras preferidas do público não costumam alimentar projetos de
nação tampouco fixam temporalidades. Permanecem por meses e até por anos
nas listas dos mais vendidos, acabando por tornarem-se long-sellers. O
procedimento metodológico mais adequado para estudá-las consiste em situar
seu funcionamento nos processos de mundialização da cultura que, ao menos
na edição juvenil, remontam ao século XIX e apontam as tendências de
estruturação do mercado do livro contemporâneo. Outro aspecto importante na
orientação analítica é a interconexão entre a materialidade dos livros como
produtos comerciais, as práticas literárias ― as autorias e projetos de criação
― e a definição das comunidades de leitores.
Para estudar a literatura juvenil na perspectiva das conexões
transnacionais é preciso ir além da parte mais visível do mercado ― o
dinamismo e as inovações contemporâneas ― e introduzir uma reflexão sobre
as transferências, trocas e empréstimos culturais de longo prazo.
A vocação exportadora da edição européia, francesa e inglesa e, em
consequência, o intenso movimento das trocas culturais iniciado pela
6
circulação internacional das obras no século XIX ocupa o centro das atenções
dos intelectuais que se debruçam sobre a formação cultural brasileira. As
relações entre a cultura nacional e as influências, seja por imitação ou
assimilações e dependências, de países europeus, ainda hoje animam as
discussões e pontuam as agendas dos pensadores sociais, a ponto de
erigirem-se em categorias de percepção por meio das quais são explicadas as
alteridades culturais5. Se vistas de outro ângulo, as exportações de livros
populares franceses, portugueses e ingleses vinculadas a uma política de
distribuição baseada na disseminação de pontos de venda pela América Latina
permitiram a transferência de capital literário para os países de produção ainda
incipiente. No caso específico do Brasil, o que poderia ser um projeto de
colonização cultural, de pura e simples imposição de modelos, imagens e bens
de consumo, permitiu o acúmulo de um capital simbólico necessário à
autonomização da literatura nacional. Um Brasil importador de artefatos
culturais, em fins do século XIX, assumia um lugar na circulação mundial dos
bens simbólicos. Desse modo, ampliavam-se os horizontes de expectativas do
leitorado em formação e estavam lançadas as bases do que viria a ser um
público de massa.
Os livreiros estrangeiros que migraram para o Rio de Janeiro a partir de
1850, como os irmãos Garnier, os Aillaud, Garroux, Briquiet e Laurrane,
investiram no trabalho de difusão de textos europeus clássicos, já de largo
sucesso comercial em seus países de origem, apostando na durabilidade de
diversos gêneros, vendendo, editando e reeditando por longos anos romances
para a juventude, a obra de escritores de sucessos em seus países de origem,
como os franceses Jules Verne e Sophie de Ségur, uma vasta literatura de
viagens ― todas as variações do Robinson Crusoé e das viagens de Gulliver
―, almanaques, biografias, tratados de educação, dicionários.
Essa contingência das trocas e empréstimos no vasto espaço
transatlântico prosseguiu na formação de uma indústria cultural nacional e
ainda se faz notar nas reinvenções do século XXI. Assim, um dos princípios da
formação da esfera literária juvenil nacional são as incorporações de traduções
e adaptações dos clássicos universais.
5 O modo de considerar a problemática da cultura brasileira na relação entre
nacional/estrangeiro encontra inspiração no trabalho pioneiro de Renato Ortiz (1988).
7
Em um primeiro momento, a criação de um circuito de importação de
obras estrangeiras causou reações adversas. A principal delas, ainda no século
XIX, foi o movimento de formação de um mercado de obras populares
nacionais, escritas, impressas e comercializadas no país, protagonizado pelos
livreiros-editores Pedro da Silva Quaresma e Francisco Alves de Oliveira6. O
livro popular e barato assumiu o projeto de formalizar a nação. Não se pode
afirmar que, no Brasil, a produção ampliada esteja situada nas margens do
sistema literário. Isso significa o descarte metodológico das dualidades entre
domínios do popular e do não popular, aí incluindo os bens produzidos em
larga escala e que criam/atendem públicos ampliados. Essas dualidades não
são essenciais, mas construções históricas. Nessa perspectiva, a sociologia
das circulações acaba enfrentando o modelo bourdieusiano da divisão de uma
mesma esfera literária em dois polos7, que podem ou não coincidir sem serem
obrigatoriamente excludentes, ao menos na experiência brasileira.
Ora, uma obra quando circula de um país ou continente a outro, adverte
Pierre Bourdieu (2009), leva consigo o campo da sua produção. As
transferências entre espaços nacionais se fazem por meio de uma série de
operações entre agentes sociais, a exemplo da seleção do que merece ser
traduzido e publicado e dos que reúnem competência e legitimidade para verter
os textos de uma tradição linguística a outra. Essas operações de leitura estão
baseadas em categorias de percepção e problemáticas próprias a um campo
nacional específico. Por isso, atribuem novos sentidos aos textos. Na lógica
das escolhas, as afinidades de gosto de linhas editoriais, ecolhas de títulos,
podem ser explicadas por homologias de posições entre campos nacionais. As
tramas de imposição simbólica ditadas pelas altas posições de escritores e
editoras não reconhecem fronteiras, podendo ser um ponto de convergência
entre as eferas nacionais. Não por acaso, um grande e potente grupo editorial
espanhol ou inglês sempre escolhe empreender negócios e fusões com os
grandes grupos brasileiros, já estabelecidos no mercado.
6 Consultar: Leão, Andréa Borges. Brasil em imaginação. Livros, impressos e leituras infantis
(1890-1915), 2012. 7 No livro As regras da arte. Gênese e estrutura do campo literário (2006), Pierre Bourdieu
estuda a dinâmica da vida literária francesa de meado do século XIX. As adaptações, usos e abusos que se fazem para as mais diversas esferas literárias nacionais escapam ao projeto do sociólogo.
8
Por outro lado, as estratégias de anexação de obras traduzidas ao
repertório das coleções e séries juvenis brasileiras têm como objetivo
nacionalizar os produtos estrangeiros. A circulação de modelos literários acaba
por firmar pactos de leitura que auxiliam a compreensão do sucesso local de
aventuras que se passam no Egito antigo, das fantasias medievais com a
explosão da magia de fadas, elfos e anões em J. R. R. Tolkien, autor de
Senhor dos Anéis, das tramas de Harry Potter, de J. R. Rowling, da novidade
dos velhos diários na série Diário de um Banana, de Jeff Kinney, das
atualizações da mitologia greco-romana nas traduções de Rick Riordan da
Editora Intrínseca, entre outros universos e “tempos médios” vividos por
guerreiros, príncipes e princesas, anões e dragões. O Pequeno Príncipe, do
francês Antoine Saint-Exupéry, publicado em 1943, é um dos livros mais
traduzidos no Brasil e vem ocupando posição de destaque nas listas dos tops
nacionais8. Da safra dos best-sellers destaca-se ainda o brasileiríssimo Meu pé
de laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos, publicado em 1958 e hoje
traduzido em 52 línguas, o que aponta para outro movimento: a
internacionalização dos produtos nacionais. Mais recentemente o mesmo tem
acontecido com os sucessos de Paula Pimenta, Fazendo o meu Filme, lançado
pela Gutenberg a partir de 2008, e Thalita Rebouças, Fala sério, na editora
Rocco, a partir de 2003. Essas séries criam um amplo e cativo mercado
receptivo. Examinando-as mais de perto fica evidente a permanência de velhos
modelos literários em um universo comercial cada vez mais orientado pelos
grandes conglomerados de mídias.
O inventário histórico dos sucessos juvenis, considerando as
especificidades de cada conjuntura editorial e espaço literário, exige o exame
de uma seqüência temporal alongada, capaz de evidenciar as permanências e
mutações nos processos de formação do mercado. A própria noção de sucesso
muda com as preferências de cada público, do mesmo modo que, hoje, as
boas vendas devem muito ao alargamento dos circuitos de difusão da
publicidade na internet. Com efeito, a leitura dos novos contos de fadas e
princesas não é simples experiência de retorno ao passado. As mutações da
sociedade contemporânea afetam a estrutura das narrativas e a concepção dos
8 Recentemente, a Editora Leya desdobrou as aventuras vividas pelos personagens em séries
de histórias em quadrinhos destinadas a leitores de 1 a 10 anos.
9
personagens, aproximando o universo atemporal da fantasia à sociedade
midiática, a tecnologia e a tradição.
Acabo por pensar que há gêneros ficcionias que sempre existem em
estado de latência; de tempos em tempos, com a emergência das indústrias
editoriais, eles vêm à tona.
2. A “arte das vovós” das novas mulheres de letras
“Uma editora jovem, não só na idade ― afinal foi fundada em dezembro de 2003 ― mas no espírito inovador de optar pela publicação de ficção e não ficção priorizando a qualidade, e não a quantidade de lançamentos. Essa é a marca da Intrínseca, cujo catálogo reúne títulos cuidadosamente selecionados, dotados de uma vocação rara: conjugar valor literário e sucesso comercial”.
Do site da Editora Intrínseca
Na sessão Perguntas e Respostas da “casa virtual” de Thalita Rebouças
(leia-se o site), entre várias cartas de leitores perguntando como conseguir a
primeira editora e como tornar-se um escritor, além dos pedidos de leitura de
originais, aparece uma leitora perguntando como fazer para entrar no mundo
da moda: “você pode me ajudar a virar modelo?”9. Thalita responde: Não,
meninas, não conheço absolutamente ninguém do mundinho fashion. Melhor
procurar agências de modelos no Google. Boa sorte!”. Um pouco de senso
comum não faz mal a ninguém, afinal o mundo dos livros pode levar às
passarelas, já que ambos são parte do mesmo universo fashion construído
pela autora. Ser uma fadinha pop, emancipada e consciente de suas emoções,
sem precisar de coações externas para realizar magias mas apenas da boa
leitura de um manual, como faz a personagem do livro Uma fada veio me
visitar, corresponde ao horizonte de expectativas da leitora-modelo. Publicado
pela editora Rocco, na coleção Jovens leitores, o livro conta a aventura de uma
fada de 857 anos, um ser atemporal que atualiza a moda da década de 60 em
pleno ano de 2007. Tatu, a fada, veio a uma residência da zona sul do Rio de
Janeiro com a missão de ajudar a adolescente Luna a dar uma lição de moral
na orgulhosa Lara, que vê sua rica família desmoronar com a prisão da irmã, 9 As notas e passagens biográficas de Thalita Rebouças foram tomadas do site:
http://www.thalita.com/site/quem-sou.html Tomei todo o cuidado para não cair nas armadilhas da editora do site, a própria autora, na construção de sua autoimagem.
10
Milena, acusada de participar de roubos de obras de arte no exterior. A moral
da lição é que não se deve julgar os outros pela aparência. Milena caiu no
golpe por ter acreditado na conversa de um grupo de bandidos que a convidou
para uma festa num castelo. Eternamente jovem, aparentando ter 20 anos, a
fada Tatu freqüenta academia, vê o oprograma “Fadástico” aos domingos,
flutua e reaparece, nos capítulos finais, à moda antiga: com uma estrela lilás
“carimbada na bochecha”. A mesma estrela que traz a autora na foto que
ilustra a orelha do livro.
Jornalista de formação, Thalita oferece a imagem de uma mulher
empreendedora que tem o projeto intelectual mais despretensioso do mundo
das letras, divertir e cativar os fãs, aproximando a série de suas histórias às
séries de televisão. Vale lembrar que a série define uma literatura sequenciada.
Ao mesmo tempo, Thalita faz convergir uma prática literária ao cuidado com a
produção material da obra. Na sala de visitas de sua “casa virtual”, uma foto
recente ao lado de Maurício de Sousa ganha destaque, acima do convite ao
lançamento de seu livro ilustrado pelo cartunista, na livraria Saraiva.
Visitando o blog da autora, o público intervém no texto, comentando as
tramas, enviando sugestões, formando um triângulo amoroso autor-leitor-
personagem, enfim, servindo como fonte de trabalho e inspiração para a
elaboração de novas histórias. Ora, blogs funcionam como suportes de
fidelização dos leitores. Em função dos e-mails recebidos, Thalita resolveu
oferecer um curso online sobre “como iniciar uma carreira de escritor”10,
conferindo a si mesma a legitimidade para falar em nome do que é e de como
praticar a literatura. Na sessão Quem sou, lê-se:
“Sou fofa. Pelo menos é o que dizem as boas línguas. Nasci no dia 10 de
novembro de 1974, sou carioquésima (daquelas que louvam o Rio e agradecem
diariamente por ser de uma cidade tão linda e especial), empolgada, teimosa,
escorpiana, portelense, Fluminensesesê!, abracenta, sorridente, chata à beça na TPM,
chorona (do tipo ridícula, choro até vendo comercial de detergente), alucinada por
sambas e marchinhas de Carnaval, louca por brigadeiro (para comer de colher) e
adrenalina — já saltei de pára-quedas e asa-delta algumas vezes — e viciada em
10
http://www.iedb.com.br/
11
algumas séries de TV (Friends, Seinfeld, Sex and The City, Big Bang Theory e
Brothers and Sisters são minhas preferidas)”.
A vontade de escrever nasceu da paixão material pelos impressos. Aos
10 anos sonhava em ser “fazedora de livros”. Depois de corrigir os textos,
preocupava-se com os mínimos detalhes da produção ― desenhava,
encadernava, grampeava a capa e as folhas. Com esses ingredientes
autobiográficos conquista um lugar de inserção/paixão na cultura literária
juvenil e vai preparando, via internet, a recepção de sua obra.
A carreira literária de Thalita Rebouças começou mesmo em 2001, na
Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em frente ao estande da sua primeira
editora, Ao Livro Técnico. Foi assim:
“Vários autores consagrados estavam presentes, como eu poderia competir
com eles? Meu Traição entre amigas era apenas mais um livro naquele universo de
títulos disponíveis na Bienal. O estande da minha editora, apesar de bonitinho e bem
localizado, era um entre muitos espalhados em dois imensos pavilhões do Riocentro.
Se eu quisesse vender livros teria que inventar uma forma de chamar atenção, de
aparecer, de me destacar e rápido.”
Nessa tarde, lembrou do tempo em que fazia teatro e começou “a bater
palmas, a brincar com quem passava na frente do estande e a anunciar o livro
em altos brados, como um vendedor empolgado com o seu produto”. No relato
da atuação fica evidente o cuidado especial com a didatização da imagem:
”logo juntou gente ao meu redor, rindo e escutando, e o livro começou a vender
como água no deserto”. Ao mesmo tempo em que recupera a “arte das vovós”
contadoras de histórias ― transmissoras orais enfeitiçando rodas de leitores ―
encarnava outras figuras populares ― os mágicos e os comerciantes de feiras
―, tornando a Bienal um espaço de construção da autoria, como se ela mesma
escrevesse um prefácio elogioso ao seu livro. Thalita provou que a indentidade
de um escritor não se restringe ao mundo da escrita. A partir daí, começou um
trabalho independente de divulgação do livro. Dispensou intermediários e saiu
batendo nas portas das grandes redes de livrarias para anunciá-lo, como um
caixeiro viajante do século XIX ou um vendedor de enciclopédias do século XX.
Não tardou para que a experiência da escritora pop star se transformasse em
12
ficção. Em março de 2003, assina contrato com a editora Rocco para a
publicação do seu primeiro best-seller, Tudo por um Pop Star. Esse livro conta
as aventuras de três amigas da cidade de Resende, Manu, Gabi e Ritinha. O
trio parte em busca dos ídolos de uma banda internacinal que está vindo ao Rio
de Janeiro fazer um show, no estádio do Maracanã. O cantor pop Júnior Lima
assina um texto de apresentação aos leitores, que provavelmente fazem parte
da mesma comunidade de fãs das suas canções.
O universo cor-de-rosa das meninas pop sugere a filiação da escritora
carioca aos romances populares e sentimentais da série Rosa da coleção
Harlequin, que publicava nos anos 40 e 50 do século XX históras açucaradas
conhecidas como « romances para moças ». Esses romances formavam a
sensibilidade das leitoras numa linha de continuidade à recepção feminina de
histórias românticas no século XIX. Tudo sem perder o frescor. As
interdependências entre o novo e o velho indicam que uma etapa de formação
da esfera literaria juvenil contém a sua sucessão. Norbert Elias (1998)
descortinaria, nesses processos, tendências de civilização.
Seguindo essas tendências, a obra de Thalita Rebouças conduz a sua
interpretação, restrospectivamente, aos diversos gêneros da literatura popular,
desde os contos de fadas do século XVIII, os romances-folhetins do século
XIX, os clássicos universais traduzidos e toda a produção destinada ao grande
público que marcou a indústria editorial e a cultura de massa no Brasil.
Para Daniel Compère (2011), o romance popular nasce no ano de 1836,
com o aparecimento do romance-folhetim publicado em capítulos nos jornais
franceses. Gênero menor diante da poesia e do teatro, o romance popular
voltava-se à satisafação das expectativas de novos leitores que emergiam com
os progressos da alfabetização, as mulheres, os jovens e os trabalhadores.
Difunde-se amplamente graças ao jornal, um meio acessível a todos. Do ponto
de vista dos estudos literários, o romance popular inicia a sua carreira por uma
« não recepção », quer dizer, pela exclusão do repertório das obras legítimas e
reconhecidas por instâncias como a crítica e a escola. Assim, continua
Compère, os romances populares estão vinculados a um público ampliado,
formado pelos progressos da educação, e ao desenvolvimento de novas
formas de publicação, a exemplo das coleções de livros de aventuras e
viagens do editor francês Louis Hachette, baratos e de pequenos formatos,
13
feitos para a venda nas estações de trem de Paris. Ou, a exemplo da invenção
da coleção Viagens Extraordinárias de Jules Verne, pelo editor Pierre-Jules
Hetzel. A partir daí, o romance popular foi se diversificando em sub-gêneros: a
ficção-científica, os policiais e westerns, as fantasias, o horror e demais formas
sobrenaturais, os sentimentais, os eróticos e a pornografia. Todos esses sub-
gêneros, voltados ao entretenimento do grande público, dependem dos
suportes de difusão e da distribuição comercial ampliada.
Pode-se, então, afirmar que as novas mulheres de letras utilizam a
internet do mesmo modo que os escritores de folhetim do século XIX utilizavam
o jornal, evidenciando uma linha de sucessão também midiática. Vale lembrar,
com Marlyse Meyer (1996), a velocidade com que o romance folhetim
oitocentista atravessa o Atlântico e passa a circular no Brasil. As traduções das
novelas francesas para o Jornal do Comércio eram feitas imediatamente após
aparecerem em Paris. Por essas e outras estratégias de circulação os best-
sellers são constantemente reinventados e a literatura de entretenimento
continua fazendo enorme sucesso.
A coletânea de contos O livro das princesas. Novos contos de fadas,
publicada pela Galera, do Grupo Editorial Record, neste ano de 2013, deve
muito aos compiladores dos contos populares de fins do século XVII, em
especial ao cortesão e fundador do gênero “contos de fadas” Charles Perrault.
Noutras palavras, o livro que já nasceu duplamente clássico e best-seller ―
essa semana está nas listas dos tops ― deve muito à posteridade e às
transformações do gênero.
Sobre O livro das princesas, que coloca questões morais a seus leitores,
a editora Galera apresenta a seguinte resenha11:
“As mais populares autoras contemporâneas norte-americanas, Meg Cabot
(Diário da princesa e A mediadora) e Laura Kate (Fallen), se unem às brasileiras
igualmente bem-sucedidas Paula Pimenta (Fazendo meu filme) e Patrícia Barboza (As
mais) em uma coletânea que reinventa contos de fadas clássicos e traz para a
realidade das crianças e jovens de hoje em dia. Uma Cinderela DJ, uma Rapunzel
popstar, a Fera se apaixona por uma supermodelo, e existem unicórnios na história da
11
http://www.record.com.br/
14
Bela Adormecida. O convite partiu da editora Galera e foi recebido com festa. O livro
das princesas é o novo clássico”.
A estratégia da Galera foi reunir autoras consagradas no mercado
internacional às pratas da casa, Paula Pimenta e Patrícia Barboza, garantindo
não só uma transferência imediata de sacralidade, mas também abrindo as
portas para a internacionalização da literatura juvenil brasileira. Afinal, quais
são os potenciais de um livro nacional para a exportação? Do mesmo modo
que a Editora Intrínseca, citada na epígrafe, a Galera coloca todos os canônes
a seu favor. Essa é a vocação da edição juvenil brasileira contemporânea.
A glória da casa do selo Gutenbergue, do Grupo Editorial Autêntica, é a
escritora mineira Paula Pimenta12. Filha de médicos, do curso de jornalismo
Paula passou à publicidade, que a levou à prática da crônica e, tempos após, à
escrita de romances em série para adolescentes. Mas não só, Paula estudou
música e é compositora. No início de sua carreira, os originais de suas histórias
foram rejeitados. Os editores argumentavam que os leitores brasileiros jamais
leriam livros grossos, com mais de 300 páginas. Enganaram-se. Ou melhor,
foram vítimas de suas visões curtas. Hoje, a série, cujo primeiro número foi
lançado em 23 de setembro de 2008, Fazendo o meu filme 1 (A estreia de
Fani), 2 (Fani na terra da rainha), 3 (O roteiro inesperado de Fani) e 4 (Fani em
busca do final feliz), já ultrapassou a marca de 100.000 exemplares vendidos.
Os livros, que nas palavras de um crítico literário amigo da escritora são “uma
explosão de juventude”, contam a história de Estefânia, a Fani, uma garota
apaixonada por cinema que quer ser cineasta. De repente, Fani, filha de uma
família de classe média de Belo Horizonte, depara-se com a oportunidade de
fazer um intercâmbio cultural na Inglaterra, mas, durante os preparativos da
viagem, descobre-se apaixonada por um colega de colégio. A saga, rica em
detalhes da vida íntima, escolar e familiar de uma jovem, pode ser resumida
assim: Fani se apaixona, viaja e retorna. Sem provocar quaisquer rupturas nas
relações de gênero. Quem é Fani? É uma recriação da vida da autora, que do
mesmo modo viveu uma experiência de estudos no exterior. A novidade
oferecida aos leitores é a repetição dos antigos padrões de comportamento
12
As passagens biográficas de Paula Pimenta foram tomadas na sessão “Entrevistas” no site da autora: www.paulapimenta.com/paulapimentaentrevista.html
15
jovem. Estefânia, brinca a criadora, jamais irá se apaixonar por um príncipe,
talvez por um vampiro, dando um tom sobrenatural à “mesmice”. A maior
novidade oferecida por Paula Pimenta é o modo de organização do texto no
livro. Na série, cada capítulo é antecedido de fragmentos de diálogos de filmes,
aproximando a literatura do cinema e indicando um modo de apropriação
comum aos dois meios de expressão. Os livros da série também falam de
outros livros, como os de Meg Cabot, autora preferida de Fani.
Paula Pimenta iniciou uma segunda série de romances sentimentais,
Minha vida fora de série, que conta a história de amor entre Priscila e Rodrigo.
Talvez a mais atual de suas heroínas seja a adolescente Cíntia Dorella, a DJ
Cinderela, personagem pop e virtuosa, que não se preocupa muito com as
convenções de beleza e aparência, demonstrando informalidade no modo
como conduz seu cotidiano. Cíntia aparece num dos contos de fadas do Livro
das princesas. Ela vive a experiência da decepção amorosa dos pais que se
separam desmoronando seu castelo e “mil sonhos coloridos”. Porém, numa
festa de 15 anos, conhece um jovem que a faz acreditar novamente no amor.
Tudo leva a crer que o entrelaçamento entre tradição e tecnologia, entre
os suportes impressos e digitais, enseja práticas literárias nem um pouco
efêmeras. Essas práticas já entraram na longevidade, porque lançam mão de
fórmulas gastas e consagradas. Um livro de Thalita ou Paula costuma passar
bastante tempo ocupando uma alta posição nas listas.
Em meio à discussão sobre o futuro do livro impresso e as incertezas do
livro digital, quando a Europa volta os olhos para a ficção produzida no Brasil, o
convidado de honra na Feira de Frankfurt de 2013, a aposta é no passado.
Epílogo
(contribuições para um problema)
Duas perguntas estão na base do problema elaborado nessa
comunicação: por que sempre foi tão difícil conciliar sucesso comercial e
consagração literária? Quais pactos estabelecem os leitores contemporâneos
com velhas fórmulas revestidas de novidades?
O importante é entender as relações que os produtores dos best-sellers
mantêm com a legitimidade literária, quer dizer, com a dominação simbólica em
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geral e com as instâncias de consagração literária em particular. Por não
pertencerem ao panteão da alta literatura, alguns sucessos sequer aparecem
nos manuais de história da literatura juvenil. Não se pode desconhecer que a
emergência no país de uma indústria editorial de larga circulação e consumo
de massa tem como fundamento o permanente intercâmbio entre a produção
de obras eruditas e de produtos populares, consagrados e não-consagrados,
concernentes aos domínios da oralidade e da escrita, bem como as migrações
e transferências entre matrizes e modelos nacionais e estrangeiros, além de ir
promovendo, no curso de mais de um século, redefinições dos profissionais,
narrativas, suportes e públicos.
O importante igualmente é tomar os gêneros dos livros impressos como
construções do mercado editorial, como dispositivos de classificação e controle
dos textos por parte dos agentes da produção e da circulação. Reunir textos e
inventar coleções juvenis diz respeito às gradações do aprendizado e às
formas de divertimento que podem oferecer13. Desse modo, os critérios de
classificação do cânone literário exclusivamente em padrões de excelência dos
textos ― que opera distinções e gradações de « literalidade », o que é ou não
a boa ficção ― pouco ajudam a elucidar o problema. Hoje, por exemplo, no
mercado de língua inglesa, está sendo inventado pelos produtores uma nova
categoria de gênero, o “new adult”, destinado a leitores de 15 a 30 anos, que
não usa o termo juvenil e não se pauta pelas intenções dos autores. A respeito,
passo a palavra a uma leitora do fã-clube das « pimentinhas » que entrevistei
na livraria Saraiva da cidade de Fortaleza : « nós, leitoras de Paula Pimenta,
um dia seremos as leitoras de (best-seller erótico) Cinquenta tons de cinza, de
E. L. James ».
Uma das vias de interpretação dos best-sellers pode ser encontrada nos
estudos disposicionais de formação do habitus leitor, nas categorias de
pensamento e disposições construídas na longa duração, em regimes de
historicidade cujas expressões são muito mais de continuidades reveladoras do
peso de um “passado incorporado” que de rupturas ou deslocamentos na
economia psíquica dos leitores. Não por acaso os produtores se empenham no
manejo das fórmulas clássicas dos contos de fadas, das narrativas fantásticas
13
Sobre coleções literárias, consultar Olivero, 1999.
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e dos romances sentimentais, e o público não escapa à lógica que rege esse
mercado.
Outro aspecto a considerar são os projetos difusionistas das edições
contemporâneas. Esses projetos investem em espaços literários transnacionais
e, por conseguinte, em comunidades internacionais de leitores que se
traduzem em mercados consumidores internos a cada país. Não por acaso, a
agenda da cultura hoje é marcada pelo programa de expansão da literatura
brasileira levado a cabo pela Fundação Biblioteca Nacional, orgão do Ministério
da Cultura. Esse programa apoia a tradução e publicação de autores nacionais
no exterior, prevendo a aplicação de recursos ao longo dos próximos dez anos.
A política governamental de internacionalização da literatura ― de progressiva
desnacionalização do mercado do livro? ― liga a atualidade aos fios de uma
história nacional marcada pela presença da literatura estangeira,
principalmente das traduções14. O fluxo das trocas, em tempo de
mundialização da cultura, mesmo entre países centrais e periféricos, agora
parece correr nos dois sentidos15.
Como visualizou Renato Ortiz (1988) em análise pioneira sobre a
consolidação de uma sociedade de mercado no Brasil nos anos de 1970 ―
uma indústria e uma cultura popular de massa ―, o contato histórico com os
produtos estrangeiros por meio de importações e traduções, diversas vezes
pensados como dependência e colonialismo cultural em relação aos países de
economias centrais, atesta uma mudança de posição do país periférico no
contexto internacional. Essa mudança de posição acompanhou a progressiva
autonomização da esfera cultural brasileira. É óbvio que os espaços
internacionais de circulação dos textos não estão orientados por livres trocas,
mas por relações de força hierárquicas e desiguais entre agentes e instituições.
Entretanto, faz-se necessário iniciar um diálogo com autores como
Renato Ortiz (1988) e Celeste Mira (2001), que identificam a consolidação e a
segmentação em nichos de venda do mercado de bens simbólicos e, por
14
Sobre tradução literária e mundialização da cultura, consultar: Sapiro, 2008. 15
Para o segmento infantojuvenil, cito o projeto Brazilian Publishers que tem como objetivo o “fomento das exportações do conteúdo editorial brasileiro”, promovendo a participação do país em feiras internacionais, entre outras iniciativas, e conta com o apoio da Fundação Biblioteca Nacional, da Câmara Brasileira do Livro e da Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoções de Exportações e Investimentos). Fonte: http://www.brazilianpublishers.com.br/ Das 60 editoras que fazem parte do projeto, não constam a Gutenberg (o Grupo Autêntica), o Grupo Record e a Rocco.
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conseguinte, do campo editorial, nos processos de industrialização de finais
dos anos 60 aos anos de 1970. Em função da dinâmica de longo prazo de um
objeto como a produção dos best-sellers juvenis, essa periodização precisa ser
ampliada retrospectivamente. A moderna tradição brasileira, para utilizar uma
feliz expressão cunhada pelo cientista social foi se constituindo de empréstimos
culturais e intercâmbios de experiências, ainda que assimétricas e tensas,
entre espaços nacionais em processos de globalização, desde meado do
século XIX.
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19
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