ANDRÉ ELALI - Direito Tributário

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Direito Tributário - Homenagem a Hugo de Brito Machado, ano 2011.

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  • 596- o CONCEITO DE "DESTINATRIO" PARA FINS DE DO ICMS-IMPORTAO

    espacial e, por conta disso, passa-se a analis-la. Nos termos constitucionais,

    entretanto, importa frisar que a identificao do estabelecimento importador

    -esta sim- que ganha relevncia, j que apenas a partir de sua determinao

    que se conhecer a competncia tributria.

    Consoante j se mencionou, cada vez mais comum que mercadorias

    sejam importadas por um estabelecimento localizado no Estado A, de-

    sembaraadas em porto ou aeroporto no Estado B e enviadas diretamente

    a um estabelecimento comprador no Estado C. Esse tipo de operao

    justificado pela agilidade e pela economia que a atividade comercial exige

    de quem a pratica.

    A revenda das mercadorias importadas e sua remessa direta ao compra-

    dor no mercado interno so situaes que nada tm a ver com a importao de

    tais mercadorias. Em outras palavras, a compra e venda realizada no mercado

    interno no tem o condo de alterar as partes da importao: o destinatrio da

    importao, a que se refere o texto da Constituio Federal, continuar sendo

    o importador, isto , aquele cujo nome consta na Declarao de Importao

    relativa operao, qualquer que seja o destino que se venha a dar no mercado

    interno s mercadorias importadas.

    O Supremo Tribunal Federal j teve a oportunidade de analisar situa-

    es semelhantes a esta ora descrita, em que ocorre a importao e remessa

    direta das mercadorias a terceiro, que adquiriu as mercadorias, do importador,

    no mercado interno.

    No julgamento do Recurso Extraordinrio n 299.079/R]l5, consignou-se

    que o Estado competente para exigir o ICMS sobre as importaes o do estabe-

    lecimento do importador, que o destinatrio jurdico da mercadoria.

    Cumpre transcrever trecho do voto do Ministro Carlos Britto, relator do

    acrdo, em que a questo perfeitamente esclarecida:

    15 "EMENTA: RECURSO EXTRAORDINRIO. TRIBUTRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAO DE MERCADORIAS E SERVIOS. ICMS. IMPORTAO. SUJEITO ATIVO. ALNEA "!{' DO INCISO IX DO 2 DO ART. 155 DA MAGNA CARTA. ESTABELECIMENTO JURDICO DO IMPORTADOR. O sujeito ativo da relao jurdico-tributria do ICMS o Estado onde estiver situado o domiclio ou o estabelecimento do destinatrio jurdico da mercadoria (alnea "a'' do inciso IX do 2 do art. 155 da Carta de Outubro); pouco importando se o desembarao aduaneiro ocorreu por meio de ente federativo diverso. Recurso extraordin-rio desprovido." (STF, RE n 299.079/RJ, Primeira Turma, Relator Ministro Carlos Britto, DJ 16.06.06, p. 20)

    Lufs EDUARDO ScHOUERI - 597

    "9. De mais a mais, o dispositivo constitucional, ao se referir a 'estabele-

    cimento destinatrio', no especifica o tipo de estabelecimento: se

    final ou se no .

    10. Dessa forma, quando a operao se inicia no Exterior, o ICMS devido ao Estado em que est localizado o destinatrio jurdico do bem,

    isto , o importador.( ... )"

    Resta evidente o entendimento de que as operaes ocorridas no mercado

    interno aps a nacionalizao de mercadorias importadas em nada interferem

    na determinao do destinatrio jurdico da importao, que somente um.

    indiferente, para tais fins, que a mercadoria tenha sido desembaraada em segundo Estado, e remetida diretamente para terceiro Estado: o importa-

    dor, sujeito do contrato de compra e venda internacional celebrado com o

    exportador no exterior, permanece sendo o destinatrio das mercadorias im-

    portadas, independentemente do fato de tais mercadorias entrarem ou no

    em seu estabelecimento16

    Deve-se mencionar que o Supremo Tribunal Federal repetiu esse enten-

    dimento no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinrio no

    396.859/R]l7, julgado em 2004.

    11.5. A lEI CoMPLEMENTAR N 87/96 E o CRITRIO DA ENTRADA FSICA

    Conforme se explicitou, a Constituio Federal clara ao dispor que o

    ICMS sobre as importaes devido ao Estado em que se localiza o estabele-

    cimento destinatrio. Demonstrou-se, desta forma, que o estabelecimento

    destinatrio, para fins de aplicao do dispositivo, o estabelecimento do im-

    16

    17

    "Nos termos desse entendimento, o que realmente importa para a identificao do sujeito ativo na situao em questo o local em que se encontra estabelecido o efetivo responsvel jurdico pela operao realizada, sendo irrelevante o fato de o desembarao da mercadoria importada ter ocorrido em outro Estado, bem como o de a mercadona ter s1do remetida diretamente para empresa que a adquiriu da importadora e sediada no Estado em que ocorreu o desembarao ou em terceiro ente federativo." Cf. COSTA, Rafael Santiago. ICMS/ Importao: entendimento do STF acerca da legitimidade ativa. ln: Revista Dia/tica de Direito Tributrio, no 133, 2006, p. 91-92. "EMENTA: O ICMS incidente na importao de mercadoria devido ao Estado onde estiver localizado o destinatrio jurdico do bem, isto , o estabelecimento importador: precedente (RE 299.079, Carlos Britto, lnf/STF 354)" (STF, RE no 396.859 AgRIRJ, Primeira Turma, Relator Ministro Seplveda Pertence, DJ 1 0.12.04, p. 36)

  • 598- O CoNCEITO DE "DESTINATRIO" PARA FINS DE INCIDtNCIA DO ICMS-IMPORTAo

    portador, como parte do contrato de compra e venda internacional celebrado

    com o exportador, no exterior.

    No entanto, a Lei Complementar n 87/96, ao dispor sobre o local da operao para fins de cobrana do ICMS na importao e determinao do

    estabelecimento responsvel pelo seu recolhimento, parece, em um primeiro

    momento, ter-se afastado do parmetro constitucional. Vejamos:

    ''Art. 11. O local da operao ou da prestao, para os efeitos da cobran-

    a do imposto e definio do estabelecimento responsvel, :

    I -tratando-se de mercadoria ou bem:

    a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrncia do fato gerador;

    b) onde se encontre, quando em situao irregular pela falta de docu-

    mentao fiscal ou quando acompanhado de documentao inidnea,

    como dispuser a legislao tributria;

    c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o ttulo que a

    represente, de mercadoria por ele adquirida no Pas e que por ele no tenha transitado;

    d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a en-trada fsica;

    e) importado do exterior, o do domiclio do adquirente, quando no estabelecido;

    ( ... )"(grifei)

    Nota-se que a Lei Complementar n 87/96, ao determinar que o local da prestao na hiptese de mercadoria ou bem importado ser o do estabele-

    cimento onde ocorrer a entrada fsica de tal mercadoria ou bem, sendo o ICMS

    devido ao Estado em que est localizado referido estabelecimento, parece se

    distanciar do quanto disposto na Constituio sobre o assunto18

    18 "Co~quanto numa primeira leitura o tratamento dispensado s importaes aparentemente estep em. conformidade com a Constituio, um exame mais detido revela que, ao indicar 0 esta.belecJme_nto .onde ocorra a entr~da, fsica da mercadoria ou bem como local da operao de 1mportaao, movando em relaao as normas anteriormente vigentes, a lei complementar (art. 11, "d':) ;nseja inconsistncias que impedem a eficcia do sistema de arrecadao do ICMS nas h1poteses em que a mercadoria ou bem sejam importados por estabelecimento de determinado contribuinte e, por qualquer razo, remetidos diretamente para local diverso,

    Lus EDUARDO SCHOUERI - 599

    De fato, conforme reproduzido acima, o art. 155, 2, inciso IX, alnea "', dispe que o ICMS incidir "sobre a entrada de bem ou mercadoria impor-tados do exterior por pessoa fsica ou jurdica, ainda que no seja contribuinte

    habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o

    servio prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o

    domiclio ou o estabelecimento do destinatrio da mercadoria, bem ou servio".

    Ora, a Constituio Federal clara ao estabelecer que o ICMS devido

    ao Estado onde estiver localizado o estabelecimento do destinatrio da merca-

    doria, em nenhum momento determinando que o imposto deve ser recolhido

    ao Estado em que se localiza o estabelecimento onde ocorrer a entrada fsica

    do produto. E, como se apontou, na economia moderna cada vez menos o

    estabelecimento do destinatrio e o estabelecimento em que ocorre a entrada

    fsica da mercadoria iro coincidir.

    Estaria a Lei Complementar n 87/96, desta forma, em dissonncia com o texto constitucional?

    Para demonstrar a conformidade do art. 11, inciso I, alnea "d", da Lei Complementar n 87/96 com o quanto disposto no art. 155, 2, inciso IX, alnea "a", da Constituio Federal, far-se- uma breve digresso ares-

    peito do papel da lei complementar em matria tributria, sobretudo com

    relao ao ICMS.

    o art. 146 da Constituio que determina as funes da lei comple-mentar na seara tributria, verbis:

    ''Art. 146. Cabe lei complementar:

    I - dispor sobre conflitos de competncia, em matria tributria,

    entre a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios;

    II- regular as limitaes constitucionais ao poder de tributar;

    III - estabelecer normas gerais em matria de legislao tributria, especialmente sobre:

    a) definio de tributos e de suas espcies, bem como, em relao aos

    impostos discriminados nesta Constituio, a dos respectivos fatos

    geradores, bases de clculo e contribuintes;

    aps o desembarao aduaneiro." Cf. FUNARO, Hugo. ICMS - a questo da entrada fsica da mercadoria ou bem no estabelecimento importador. ln: Revista Dia/tica de Direito Tributrio, n 108, 2004, p. 95.

  • 600- O CoNCEITO DE "DESTINATRIO" PARA FINS DE INCID~NCIA DO ICMS-IMPORTAO

    ( ... )"

    Por sua vez, o art. 155, 2, inciso XII, da Constituio Federal explici-ta o papel da lei complementar especificamente no que tange ao ICMS:

    ''Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir im-

    postos sobre:

    ( ... ) II- operaes relativas circulao de mercadorias e sobre presta-es de servios de transporte interestadual e intermunicipal e de

    comunicao, ainda que as operaes e as prestaes se iniciem no

    exterior;

    ( ... )

    2 O imposto previsto no inciso II atender ao seguinte:

    ( ... ) XII - cabe lei complementar:

    ( ... ) d) fixar, para efeito de sua cobrana e definio do estabelecimento

    responsvel, o local das operaes relativas circulao de mercado-

    rias e das prestaes de servios;

    ( ... )" Em suma, a partir da leitura conjunta dos dois artigos, pode-se dizer que

    em matria de ICMS, a lei complementar dever cumprir, dentre outros, os

    seguintes papis:

    (i) dirimir conflitos de competncia;

    (ii) definir "fato gerador", base de clculo e contribuintes;

    (iii) fixar, para efeito de cobrana do imposto e definio do estabele-

    cimento responsvel, o local das operaes relativas circulao

    de mercadorias e s prestaes de servios.

    Cabe aqui perguntar: quais so os limites que devem ser observados pelo

    legislador complementar no desempenho das funes que lhe foram atribu-

    das pela Constituio Federal? Poder o legislador complementar, em matria

    de ICMS, dispor como quiser sobre "fatos geradores", base de clculo, confli-

    tos de competncia ou definio do local das operaes?

    Lufs EDUARDO ScHOUERI - 601

    Evidentemente no. A lei complementar somente ter o espao que a

    prpria Constituio Federal a ela atribuir. Em outras palavras: situaes h

    que a lei complementar no poder definir, por j estarem tais situaes

    definidas pela Constituio. A lei complementar somente tem espao onde

    houver conflito, dvida, situaes para as quais o texto constitucional no

    oferece soluo.

    Assim, onde no houver conflito de competncia, ou existir conflito de

    competncia eventualmente dirimido pela Constituio, no ser papel da lei

    complementar "dispor sobre conflitos de competncia, em matria tributria,

    entre a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios", ainda que seja

    essa, em princpio, sua funo.

    O papel da lei complementar somente se cumpre quando houver neces-

    sidade para tanto. E quando necessrio lei complementar definir? Essen-

    cialmente, quando h dvida a respeito de determinada questo.

    Voltando especificamente questo do local da operao para fins de

    incidncia do ICMS-Importao. O art. 155, 2, IX, "d", da Constituio esclarece caber lei complementar "fixar, para efeito de sua cobrana e defini-

    o do estabelecimento responsvel, o local das operaes relativas circulao

    de mercadorias e das prestaes de servios".

    Contudo, o prprio texto constitucional, no art. 155, 2, IX, "a'', deter-mina a incidncia do ICMS sobre mercadorias e bens importados do exterior,

    "cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domiclio ou o estabele-

    cimento do destinatrio da mercadoria, bem ou servio".

    Aparentemente, a Constituio j definiu, para fins de cobrana do

    ICMS-Importao, qual o local da operao: ser o Estado em que estiver

    localizado o estabelecimento do destinatrio da mercadoria, que, como se viu,

    o importador.

    No entanto, veio a Lei Complementar n 87/96, por meio de seu art.

    11, I, "d", para determinar que o local da operao, para efeitos da cobrana

    do ICMS sobre as importaes, o do "estabelecimento onde ocorrer a

    entrada fsica".

    Como deve ser lida a Lei Complementar n 87/96, desta forma, con-

    siderando-se que ela traz critrio aparentemente incompatvel com o crit-

    rio constitucional?

  • 602- o CONCEITO DE "DESTINATRIO" PARA FINS DE INCIDtNCIA DO ICMS-IMPORTAO

    Somente possvel chegar interpretao correta do art. 11, I, "d", da

    Lei Kandir, partindo do pressuposto de que a funo da lei complementar ,

    justamente, disciplinar aquilo que a Constituio no tratou.

    Portanto, o critrio objetivo da entrada fsica, previsto no art. 11 da Lei

    Complementar n 87/96, somente ser cabvel se houver dvida com relao

    ao estabelecimento destinatrio.

    Ou seja: nos termos constitucionais, o critrio espacial da regra ma-

    triz do ICMS deve vincular-se ao destinatrio. A lei complementar no

    poderia afastar-se de tal mandamento. No se pode conceber tenha a lei

    complementar eleito critrio espacial desvinculado do destinatrio, sob

    pena de inconstitucionalidade.

    O espao que se abre para a lei complementar , apenas, na hiptese de

    haver mais de um destinatrio. Nesse caso, surge o conflito de competncia a

    que se refere o constituinte, j que qualquer dos destinatrios cumpriria o

    critrio constitucional. A Constituio Federal vincula o imposto ao estabele-

    cimento destinatrio, mas no trata da hiptese de serem muitos os destinat-

    rios na mesma importao. Nesse caso- e apenas a- surge o papel da lei

    complementar: ela escolhe, dentre os destinatrios, aquele onde ocorrer a

    entrada fsica do bem.

    Um exemplo ajuda a esclarecer esse ponto. Na economia moderna,

    razovel e comum que vrios estabelecimentos de uma determinada empresa

    atuem em conjunto em uma importao. Imagine-se, por exemplo, a impor-

    tao de um caminho de entregas, que servir aos vrios estabelecimentos da

    empresa, localizados em diversos Estados, e que ser financiada por todos

    estes estabelecimentos.

    Em uma situao como a que se apresenta, como determinar o local da

    operao e, consequentemente, o Estado a que caber o ICMS?

    O critrio constitucional, aqui, no suficiente. Afinal, todos os estabe-

    lecimentos podem ser considerados destinatrios do caminho, j que fizeram

    surgir o contrato de compra e venda internacional. Todos os estabelecimentos

    podem ser reputados importadores do bem.

    Deve-se recorrer, portanto, ao critrio trazido pela Lei Complementar

    no 87/96, no exato cumprimento de seu papel de dirimir dvidas e confli-

    tos: no sendo possvel determinar quem o importador, levar-se- em con-

    ta o critrio objetivo e facilmente mensurvel, que a entrada fsica do bem

    no estabelecimento.

    Lufs EDUARDO ScHOUERI - 603

    Do mesmo exemplo, entretanto, j fica notrio que a escolha da lei com-

    plementar se fez entre os destinatrios. No se poderia interpretar o dispositivo

    da lei complementar no sentido de se chegar a um estabelecimento que no

    seja o destinatrio da mercadoria, sob pena de inconstitucionalidade. Assim, o

    fato de o referido caminho de entregas levar mercadorias a estabelecimentos

    de terceiros no torna estes destinatrios daquela importao, j que nada tm

    a ver com a operao de comrcio exterior. A entrada fsica do caminho fato

    alheio importao.

    Desta forma, a Lei Complementar n 87/96 e a Constituio Federal

    no apresentam textos incompatveis no que tange determinao do local da

    operao para fins de incidncia do ICMS-Importao. Isso porque somente

    ser aplicvel o texto da Lei Kandir quando, por existir mais de um destina-

    trio possvel, no for suficiente o texto da Constituio.

    11.6. 0 LOCAL DO DESEMBARAO E A ENTRADA JURDICA

    Tendo em vista a importncia dada ao desembarao aduaneiro para a

    definio do critrio temporal da regra matriz de incidncia, importa esclare-

    cer sua irrelevncia para os efeitos do critrio espacial.

    A demonstrao imediata do texto constitucional, j que o imposto

    devido, nos termos constitucionais, "ao Estado onde estiver situado o domic-

    lio ou o estabelecimento do destinatrio da mercadoria, bem ou servio".

    III. CoNCLUSO

    O "destinatrio" da mercadoria ou bem importado, referido na Consti-

    tuio Federal ao tratar do ICMS incidente sobre as importaes, aquele

    que toma parte na operao de importao, ao contratar a compra do produto

    com o exportador no exterior.

    Assim, de acordo com a Constituio Federal, o critrio espacial da

    regra matriz do ICMS deve vincular-se ao destinatrio. A lei complementar

    no poderia afastar-se de tal mandamento. irrelevante, para fins de deter-minao do critrio espacial, o momento do desembarao aduaneiro: este

    somente importa para fins do critrio temporal da regra matriz de incidn-

    cia do ICMS-Importao.

    Nesse sentido, deve-se entender que a Lei Complementar n 87/96, ao

    determinar que o local da operao, para os efeitos da cobrana do imposto e

  • 604- o CONCEITO DE "DESTINATRIO" PARA FINS DE INCID~NCIA DO ICMS-IMPORTAO

    definio do estabelecimento responsvel, o do estabelecimento onde ocor-

    rer a entrada fsica do bem ou mercadoria, somente pode ser aplicada na hip-

    tese de haver mais de um destinatrio.

    Em situaes como essa, haver um conflito, que dever ser resolvido pela

    lei complementar, j que justamente esse o seu papel: ela determinar, entre os

    vrios destinatrios possveis, que o imposto ser devido ao Estado em que se

    localiza o estabelecimento em que se der a entrada fsica do bem ou mercadoria.

    Lida dessa forma, a Lei Complementar n 87/96 apresenta-se como ple-

    namente compatvel com a disciplina constitucional conferida ao ICMS sobre

    as importaes, no havendo que se falar em qualquer inconstitucionalidade.

    Direito Tributrio e Smula Vinculante

    Marilene Talarico Martins Rodrigues

    Advogada em So Paulo, integrante da Advocacia Gandra Martins, Especialista em Direito Tributrio pelo Centro de Extenso Universitria,

    Membro do Conselho Superior de Direito da Federao do Comrcio do Estado de So Paulo, Membro da Comisso Especial de Assuntos Tributrios da OABI

    SP- CEAT, Membro do Conselho do IASP, Membro da Diretoria da Academia Brasileira de Direito Tributrio- ABDT e Membro da Academia

    Paulista de Letras Jurdicas.

  • MARILENE T ALARICO MARTINS RODRIGUES- 607

    '~ Constituio o instrumento do mandato outorgado aos vrios poderes do

    Estado. Onde se estabelece uma Constituio, com delimitao da autoridade

    para cada um dos grandes poderes do Estado, claro que estes no podem

    ultrapassar essa autoridade, sem incorrer em incompetncia, o que em direito

    equivale a cair em nulidade. Nullus est major defectus quam defectus potestatis ... "

    (Ruy Barbosa)

    Em homenagem ao Professor Hugo de Brito Machado, dedico este es-

    tudo, pela oportuna iniciativa de seus organizadores.

    Falar sobre o homenageado - a quem aprendi, desde cedo, a admirar-

    falar do dedicado professor, jurista e magistrado, reconhecido estudioso do

    direito e intrprete da Constituio. Sua preocupao constante no s com o direito tributrio e com as garantias fundamentais do contribuinte, mas

    com as instituies e cumprimento da Constituio, fundamentos do Estado Democrtico de Direito.

    A iniciativa dos coordenadores merece aplauso de toda comunidade

    jurdica.

    CoNSIDERAEs INICIAis

    Um dos problemas mais discutidos e relevantes no Poder Judicirio o acesso Justia. No Estado Democrtico de Direito, o acesso de todos justi-

    a indispensvel e um direito fundamental que consta do rol do art. 5, inciso XXXV da Constituio Federal/88: "a lei no excluir da apreciao

    do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito".

    Essa garantia, contudo, no foi suficiente para proteger o acesso justia, j que, apesar de todos poderem levar seus litgios ao Poder

    Judicirio, no havia nenhuma garantia de que o processo seria apreciado em um tempo razovel.

    A partir da EC n 45/2004, que introduziu a Reforma do Poder Judi-

    cirio, foram includos alguns dispositivos na Constituio para maior celeri-

    dade dos processos e segurana jurdica, como segue:

    (1) Inciso LXXVIII, ao art. 5, da CF:

    "a todos no mbito judicial e administrativo, so assegurados a

    razovel durao do processo e os meios que garantem a celeridade

    de sua tramitao."

  • 608- DIREITO TRIBUTRIO E SMULA ViNCULANTE

    (2) Art. 103-A da CF, que instituiu a Smula Vinculante, nos seguin-

    tes termos:

    "Art. 103-A- O Supremo Tribunal Federal poder, de ofcio, ou por

    provocao, mediante deciso de dois teros dos seus membros, aps

    reiteradas decises sobre matria constitucional, aprovar smula que,

    a partir de sua publicao na imprensa oficial, ter efeito vinculante

    em relao aos demais rgos do Poder Judicirio e Administrao

    Pblica direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,

    bem como proceder sua reviso ou cancelamento, na forma

    estabelecida em lei."

    BJETIVOS DA SMULA VINCULANTE

    " 1 o, do art. 103-A: A Smula ter por objetivo a validade, a inter-

    pretao e a eficcia de normas determinadas, acerca das quais haja

    controvrsia atual entre rgos judicirios ou entre esses e a admi-

    nistrao pblica que acarrete grave insegurana jurdica e relevante

    multiplicao de processos sobre questo idntica."

    Tal como colocado no 1 do art. 103-A da CF, a Smula ter por

    objetivo a validade, a interpretao e a eficcia de normas determinadas,

    sobre as quais haja controvrsia entre rgos judicirios ou entre esses e a

    Administrao Pblica que resulte insegurana jurdica e multiplicao de

    processos sobre questo idntica.

    Requisitos para a Smula Vinculante

    a) deve haver controvrsia atual entre rgos do Judicirio ou entre esses

    e a Administrao Pblica;

    b) essa controvrsia deve resultar insegurana jurdica e relevante multi-

    plicao de processos sobre questo idntica;

    c) o STF deve proferir reiteradas decises sobre a matria constitucio-

    nal (o que revela a prpria natureza constitucional da controvrsia), pois a

    seu respeito que o STF dever se manifestar;

    d) necessidade de aprovao de pelo menos dois teros dos membros do Tribunal.

    O mbito material para a criao de Smulas vinculantes ser a valida-

    de, a eficcia e a interpretao das normas.

    MARILENE T ALARICO MARTINS RODRIGUES - 609

    Um dos principais objetivos a serem perseguidos com a instituio da S-

    mula Vinculante a reduo dos processos repetitivos no mbito do STF,

    pois um dos requisitos para sua criao a existncia de controvrsia atual que

    acarrete "multiplicao de processos sobre questo idntica" ( 1 o, art. 103-

    A, CF). O objetivo, portanto, descongestionar o Poder Judicirio.

    A Smula Vinculante igualmente se concretiza como sedimentao de

    uma linha interpretativa que o STF consolidou ao construir sua Jurispru-

    dncia sobre determinada questo. Ela representa a opo jurdico-consti-

    tucional que a Suprema Corte, reiteradas vezes, considerou como devida para

    uma srie de situaes semelhantes. medida que atribui efeito vinculante s diretivas interpretativas constantes das Smulas, devendo ser aplicadas s

    situaes em andamento, elas significam um relevante instrumento de pa-

    dronizao da interpretao jurdica da Constituio.

    De tal forma que a Smula Vinculante a sntese da Jurisprudncia

    constitucional consolidada pelo STF, rgo encarregado de dizer o direito,

    interpretando a Constituio. A interpretao constitucional firmada pelo

    STF pode se sobrepor s demais interpretaes desenvolvidas pelos ou-

    tros intrpretes da Constituio.

    Com a edio da Smula Vinculante, o que se pretende impor a viso

    consolidada do STF e acabar com decises conflitantes de outros Tribu-

    nais. Se houver descumprimento da linha Jurisprudencial da Suprema Corte,

    caber, diretamente, RECLAMAO.

    APROVAO, REVISO ou CANCELAMENTO DE SMULA

    " 2, do art.103-A: Sem prejuzo do que vier a ser estabelecido em lei,

    a aprovao, reviso ou cancelamento de Smula poder ser provocada

    por aqueles que podem propor a ao direta de inconstitucionalidade."

    A aprovao, reviso ou cancelamento de Smula poder ser provoca-

    da por aqueles que podem propor a Ao Direta de Inconstitucionalidade

    (art. 103 da CF).

    Qyem pode pedir a Edio de Smula Vinculante?

    O rol dos legitimados consta do art. 103 da CF:

    - o Presidente da Repblica;

    - a mesa do Senado Federal;

  • 61 o- DIREITO TRIBUTRIO E SMUlA ViNCUlANTE

    - a mesa da Cmara dos Deputados;

    - a mesa da Assembleia Legislativa ou a Cmara Legislativa do Dis-

    trito Federal;

    - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

    - o Procurador Geral da Repblica;

    -o Conselho Federal da OAB;

    - Partido Poltico com representao no Congresso Nacional;

    - Confederao Sindical ou entidade de classe de mbito nacional.

    DA RECLAMAO AO STF

    " 3, do art. 103-A: Do ato administrativo ou deciso judicial que

    contrariar a Smula aplicvel ou que indevidamente a aplicar, caber

    reclamao ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a proceden-

    te, anular o ato administrativo ou cassar a deciso judicial recla-

    mada, e determinar que outra seja proferida com ou sem a aplica-

    o da Smula, conforme o caso."

    O alcance da vinculao da Smula estende-se no s aos rgos do Po-

    der Judicirio, mas, tambm Administrao Pblica direta e indireta em

    todas as esferas (Federal, Estadual e Municipal).

    Nos termos do 3 do art. 103-A da CF, do ato Administrativo ou da

    Deciso Judicial que contrariar a Smula aplicvel, caber Reclamao ao Su-

    premo Tribunal Federal, que julgando-a procedente anular o ato adminis-

    trativo ou cassar a deciso judicial, e determinar que outra seja proferida.

    A Smula Vinculante de observncia obrigatria no apenas contra

    deciso judicial, mas tambm pela Administrao Pblica.

    CRTICAS SMULA VINCULANTE

    A Smula Vinculante tem sido objeto de grandes debates com argu-

    mentos favorveis e contrrios sua adoo:

    Argumentos Favorveis:

    a) a Smula Vinculante torna a justia mais gil;

    b) injustificvel a repetio de demandas sobre teses jurdicas idnticas,

    j pacificadas na Corte Superior;

    MARILENE T AlARICO MARTINS RoDRIGUES- 611

    c) a preservao do princpio da igualdade de todos perante a interpreta-

    o da lei, eliminando o perigo de decises contraditrias;

    d) necessidade de resguardar o princpio da segurana jurdica, assegu-

    rando a previsibilidade das decises em causas idnticas;

    e) a inexistncia do perigo do engessamento da Jurisprudncia, por ser

    possvel o cancelamento e a reviso dos enunciados sumulares.

    Argumentos Contrrios:

    a) a Smula Vinculante seria uma atribuio de funo de natureza le-

    gislativa ao Poder Judicirio, contrariando o princpio da Separao dos Pode-

    res e a liberdade de decidir dos Juzes, com a supresso do duplo grau de

    jurisdio, violando clusulas ptreas da Constituio;

    b) a Smula restringe a criao do direito pela Jurisprudncia, impedin-

    do o seu progresso;

    c) a Smula leva a uma demasiada concentrao de Poder nos Tribu-

    nais Superiores;

    d) a Smula restringe o princpio constitucional do direito de ao.

    CoMENT RJos

    1. Trata-se de analisar o que merece ser mais prestigiado- a segurana

    jurdica e a celeridade processual ou a vontade subjetiva de amplos e cons-

    tantes debates sobre a mesma tese.

    2. O STF, sobre a matria constitucional, tem a ltima palavra sobre as

    questes afetas sua competncia, cuja apreciao deve ser unificada em nome

    da necessidade de segurana jurdica e de resguardar a Federao e o orde-

    namento jurdico.

    3. A Smula Vinculante torna mais clere a prestao jurisdicional e

    mais efetivo o respeito Jurisprudncia consolidada da Corte.

    4. As Smulas Vinculantes surgem a partir de decises reiteradas sobre

    determinada matria constitucional. O seu contedo a interpretao feita

    pelo STF de enunciados normativos em casos concretos de forma reiterada.

    5. Desta forma, o STF no estaria legislando, uma vez que o "enunciado da Smula apenas sintetiza a essncia do entendimento consolidado juris-

    prudencialmente sobre determinada matria", a fim de assegurar a estabili-

  • 612- DIREITO TRIBUTRIO E SMUlA VINCUlANTE

    dade judicial e a segurana jurdica. Esse entendimento jurisprudencial

    produto da interpretao de enunciados normativos que foram elaborados

    pelos legisladores, em confronto com a Constituio.

    6. Ao interpretar os enunciados normativos, os Ministros do STF no

    estariam criando normas, mas interpretando a lei em face da Constituio.

    A NATUREZA JURDICA DA SMULA VINCULANTE

    As Smulas Vinculantes so na verdade, a fixao de determinado senti-

    do interpretativo a determinada norma, vinculado hiptese ftica que deu

    origem a esse sentido interpretativo.

    Vincula-se no a atividade jurisdicional pela criao de uma norma, mas

    a partir do estabelecimento de um sentido interpretativo, vinculam-se as

    decises futuras a esse sentido.

    A atribuio do efeito vinculante Smula no muda a sua natureza de

    deciso jurisdicional consolidada a partir da repetio sistemtica de enten-

    dimento em um mesmo sentido.

    Cria-se, no mximo, uma norma de deciso, especfica para um caso con-

    creto que, em razo da repetio de hipteses idnticas, vincula a interpretao

    de casos futuros. No se cria proposio hipottica, abstrata e geral, mas a obri-

    gatoriedade de seguir determinado entendimento sobre o assunto.

    A FUNO DA SMULA VINCULANTE

    A Smula Vinculante possui trs funes principais:

    a) tornar conhecida a Jurisprudncia consolidada no mbito do STF,

    facilitando a sua observncia;

    b) evitar que sejam tomadas decises discrepantes daquela Sumulada

    por economia, celeridade processual e poltica judiciria;

    c) dar segurana jurdica ao sistema e s relaes sociais.

    A Smula Vinculante reflete a necessidade de assegurar a segurana

    jurdica. A experincia tem demonstrado que, alm da celeridade e econo-

    mia processual, essencial para que se tenha outra forma de dar segurana

    jurdica ao sistema.

    Existe a norma geral que, interpretada pelo Supremo Tribunal Federal,

    d origem a uma deciso que, se refletir a posio dominante na Corte, ser

    MARILENE T AlARICO MARTINS RODRIGUES - 613

    vinculativa, obrigando aos demais rgos do Poder Judicirio e Administra-

    o Pblica. Isto ocorre para que no haja divergncia do posicionamento

    consolidado do STF e cause insegurana jurdica com decises em diferen-

    tes sentidos.

    EDIO, REVISO E CANCELAMENTO DE SMULAS VINCULANTES

    A prpria Constituio Federal trata da edio, reviso ou cancela-

    mento da Smula Vinculante no art. 103-A.

    A edio ocorrer aps reiteradas decises sobre matria constitucio-

    nal, o STF, por deciso de dois teros de seus membros, aprovar a Smula

    com efeito vinculante (que obrigar os demais rgos do Poder Judicirio e

    a Administrao Pblica), ficam com sua Jurisprudncia vinculada pela edi-

    o da Smula.

    A reviso e/ou cancelamento de Smulas pode ocorrer apenas quan-

    do houver real necessidade em face de nova argumentao e de aspectos

    novos do problema.

    Em razo da alterao da realidade social e da percepo dos fatos da

    mesma problemtica, os motivos que levaram edio de uma Smula po-

    dem ser modificados e o enunciado consolidado, vir a ser revogado. Some-

    se a possibilidade de a atividade legislativa ser alterada acelerando o processo

    de alterao da realidade, regulamentando ou modificando normas que te-

    nham servido de base para o entendimento sumulado.

    A alterao da Smula Vinculante convive em conflito constante: imu-

    tabilidade (segurana jurdica) x mutabilidade (realidade social) e a sua fun-

    cionalidade ideal depende da correta e razovel valorizao entre esses valores

    constitucionais e a realidade social.

    REGULAMENTAO lEGISLATIVA

    A Lei 11.471 de 19/12/2006, regulamentou o art. 103-A da CF.

    Dois artigos so importantes para comentar:

    ''Art. 3- So legitimados a propor a edio, a reviso ou o cancelamen-

    to de enunciado de Smula Vinculante:"

    Alm do rol constante do art. 103 da CF,

  • 614- DIREITO TRIBUTRIO E SMULA VINCULANTE

    "IX- a Mesa de Assemblia Legislativa ou da Cmara Legislativa do

    Distrito Federal;

    X- o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

    XI- os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justia ou do Distrito Fede-

    ral e Territrios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais

    do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

    1 o- O Municpio poder propor, incidentalmente ao curso do proces-

    so em que seja parte, a edio, a reviso ou o cancelamento de enunciado

    de Smula Vinculante, o que no autoriza a suspenso do processo."

    O art. 3, da Lei 11.471/2006, alargou o nmero de legitimados para propor a edio, reviso ou cancelamento da Smula Vinculante,

    no constantes do texto constitucional, o que tem sido objeto de crticas

    sobre a sua constitucionalidade.

    ''Art. 4-A Smula com efeito vinculante tem_ eficcia imediata, mas o

    Supremo Tribunal Federal, por deciso de 2/3 (dois teros) dos seus

    membros, poder restringir os efeitos vinculantes ou decidir que s

    tenha eficcia a partir de outro momento, tendo em vista razes de

    segurana jurdica ou de excepcional interesse pblico."

    Como regra geral, a Smula Vinculante tem eficcia imediata, mas o STF, por deciso de 2/3 de seus membros, poder restringir os efeitos vincu-lantes, a partir de outro momento, por razes de segurana jurdica ou inte-

    resse pblico.

    Em matria processual sobre a Jurisprudncia do Supremo Tribunal

    Federal, Humberto Theodoro Junior lembra que:

    "Em matria de direito processual civil, o clamor social maior contra a

    morosidade da prestao jurisdicional, e para contornar essa mazela

    sucessivas alteraes tm sido introduzidas no Cdigo de 1973, todas

    justificadas com argumentos relacionados efetividade e celeridade

    do processo. Reconhecidamente a causa maior da demora processual

    decorre quase sempre de um sistema de recursos obsoleto e propcio a

    manobras protelatrias dos litigantes de m-f. Nada obstante, as re-

    formas do CPC no conseguem abolir recursos (nem mesmo quando se

    trate de figuras estranhas e injustificveis como os embargos infringentes

    e a remessa ex if.ficio) e, ao contrrio, criam cada vez mais recursos

    internos nos tribunais. Por outro lado, medidas que sabidamente pode-

    riam contribuir para expurgar a tos e provas desnecessrios, como a au-

    MARILENE T ALARICO MARTINS RoDRIGUES- 615

    dincia preliminar (CPC, art. 331, 3) so reformadas para pior, por-

    que de expediente obrigatrio acabou por se transformar em mera fa-

    culdade dos juzes, graas infeliz alterao provocada pela Lei 10.444,

    de 07.05.2002." (A Onda Reformista do Direito Positivo e suas Impli-

    caes com o Princpio da Segurana Jurdica. Revista Autnoma de

    Direito Privado, n 2, p. 227. Ed. Juru, jan./maro de 2007).

    Tanto assim que, para dar efetividade uniformidade das decises

    judiciais em nome da segurana jurdica, existem, na legislao infraconsti-

    tucional, diversos dispositivos destinados a evitar a proliferao de discus-

    ses judiciais de matrias sobre as quais j haja entendimento pacfico do

    Supremo Tribunal Federal.

    O art. 557 do CPC, ao dispor sobre os processos nos tribunais, consagra a inadmissibilidade de recursos que contrariem jurisprudncia consolidada

    do STF, do STJ ou do prprio Tribunal ad quem:

    ''Art. 557- O relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissvel, improcedente, prejudicado ou em confronto com smula ou

    jurisprudncia dominante do respectivo tribunal ou do Supremo Tri-

    bunal Federal ou de Tribunal Superior." (no destacado no original)

    O art. 475 do CPC, com a nova redao da Lei 10.352/01, ao estabele-cer que a sentena est sujeita ao duplo grau de jurisdio, no produzindo

    efeito seno depois de confirmada pelo Tribunal, prev, entretanto, exceo a

    essa regra, no seu 3, ao dispor:

    " 3-Tambm no se aplica o disposto neste artigo quando a sen-

    tena estiver fundada em jurisprudncia do plenrio do Supremo

    Tribunal Federal ou em smula deste Tribunal ou do Tribunal Supe-

    rior competente."

    Como se v, o ordenamento positivo est, todo ele, voltado a prestigiar a

    uniformidade da jurisprudncia, principalmente quando emana do intrprete

    mximo da Constituio Federal, o que autoriza no apenas a celeridade na pres-

    tao jurisdicional, mas tambm o tratamento isonmico e de segurana jurdica.

    CoNcLusEs

    - No contexto do elevado volume de recursos no STF, a ideia positiva,

    por obrigar os rgos inferiores (Judiciais e Administrativos) a respeitar as

    Smulas da Suprema Corte.

  • 616- DIREITO TRIBUTRIO E SMULA ViNCULANTE

    - Devem ser considerados certos valores, como: (a) o acesso Justia; (b) a celeridade processual; (c) a isonomia no tratamento de questes cons-

    titucionais, interpretadas de forma uniforme. Esses valores so indispensveis

    ao Estado Democrtico de Direito.

    - De fato, se uma questo constitucional foi apreciada e j est consolidada

    no mbito da Suprema Corte, nada justifica que seja reexaminada inmeras vezes.

    - Segurana jurdica o valor principal do sistema, obtido por meio da

    garantia de que determinada lei preexistente ser aplicada pelo magistrado,

    conforme o entendimento do STF.

    - A partir da previsibilidade das decises judiciais, toda a sociedade

    organiza-se e adota condutas de forma segura, antevendo as consequncias

    futuras no caso de questionamentos judiciais. essa previsibilidade que ga-rante a segurana jurdica e fundamental para a vida organizada e para que

    seja possvel a pacfica convivncia em sociedade.

    - No seria coerente, a partir de decises reiteradas da Suprema Corte,

    sobre determinada matria, que deu origem Smula Vinculante, que essa

    mesma matria continuasse a ser interpretada de forma diversa por magistra-

    dos de instncias inferiores ou pela prpria Administrao Pblica, razo pela

    qual a Smula Vinculante necessria para dar estabilidade s relaes pro-

    cessuais e concretizar a Segurana Jurdica.

    - A Smula Vinculante positiva e merece a confiana da sociedade.

    A segurana jurdica e a celeridade processual sero prestigiadas, valores

    fundamentais, constitucionalmente consagrados.

    SMULAS VINCULANTES EM MATRIA TRIBUTRIA

    SMULA VINCULANTE 8

    "So inconstitucionais o pargrafo nico do artigo 5o do Decreto-Lei no

    1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei n 8.212/1991, que tratam de

    prescrio e decadncia de crdito tributrio."

    SMULA VINCULANTE 19

    ''A taxa cobrada exclusivamente em razo dos servios pblicos de coleta, remoo e tratamento ou destinao de lixo ou resduos provenientes de

    imveis, no viola o artigo 145, II, da Constituio Federal."

    MARILENE T ALARICO MARTINS RODRIGUES- 617

    SMULA VINCULANTE 21

    " inconstitucional a exigncia de depsito ou arrolamento prvios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo."

    SMULA VINCULANTE 24

    "No se tipifica crime material contra a ordem tributria, previsto no

    art.1,incisos I a IV, da Lei n 8.137/90, antes do lanamento defini-

    tivo do tributo."

    SMULA VINCULANTE 25

    " ilcita a priso civil de depositrio infiel, qualquer que seja a modali-dade de depsito."

    SMULA VINCULANTE 28

    " inconstitucional a exigncia de depsito prvio como requisito de admissibilidade de ao judicial na qual se pretenda discutir a

    exigibilidade de crdito tributrio."

    SMULA VINCULANTE 29

    " constitucional a adoo, no clculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de clculo prpria de determinado imposto, desde

    que no haja integral identidade entre uma base e outra."

    SMULA VINCULANTE 31

    " inconstitucional a incidncia do Imposto sobre Servios de Qyal-quer Natureza- ISS sobre operaes de locao de bens mveis."

    Vale recordar as lies sempre precisas de Carlos Maximiliano quanto

    interpretao do direito:

    "Deve o direito ser interpretado inteligentemente, no de modo a

    que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconvenincias,

    v ter a concluses inconsistentes ou impossveis."

    (Hermenutica Interpretao e Aplicao do Direito. Rio de Janeiro: Fo-

    rense,ed.1999,p.183)

  • Notas sobre a Decadncia da Invalidao de

    Contrato de Locao de Imvel Urbano Particular

    pela Administrao Municipal e o Uso dos Crditos do Locador

    Privado na Compensao com Dbitos Tributrios

    Executados no Municpio de atai/R

    Vladimir da Rocha Frana

    Mestre em Direito Pblico pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Direito Administrativo pela Pontifcia Universidade Catlica de So

    Paulo. Professor Adjunto do Departamento de Direito Pblico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do Curso de Direito da

    Faculdade Cmara Cascudo. Advogado e Consultor em Natal/RN.

  • VLADIMIR DA RocHA FRANA- 621

    1. CONSIDERAES GERAIS SOBRE OS CONTRATOS DE LOCAO QUE TM A ADMINISTRAO MUNICIPAL COMO LOCATRIA

    Os contratos de locao celebrados entre locador privado e locatrio p-

    blico municipal so considerados contratos de Direito Privado da Adminis-

    trao por injuno do art. 62, 3, I, da Lei Federal n 8.666, de 21.6.19931

    Segundo a doutrina majoritria, os contratos de Direito Privado da

    Administrao encontram-se subordinados aos preceitos de Direito Privado que

    sejam compatveis com o regime jurdico-administrativo2 Ao contrrio dos contratos

    administrativos, esses pactos somente admitem a presena de prerrogativas especiais

    para o contratante pblico quando expressos no instrumento contratual3

    Como a Unio tem competncia privativa para legislar sobre o Direito

    Civil e sobre as normas de contratao pblica, a Administrao Municipal

    no tem legitimidade para recusar aplicao s regras veiculadas em lei federal

    que dispem sobre a matria4.

    Em rigor, a locao de imvel urbano na qual a Administrao Municipal

    locatria tem naturalmente carter no residencial, estando submetida aos precei-

    tos da Lei Federal n 8.245, de 18.10.19915, sem prejuzo aplicao subsidiria

    O art. 62, 3, da Lei Federal no 8.666/1993, apresenta o seguinte enunciado: "Art. 62. (. .. ) 3 Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber: I -aos contratos de seguro, de financiamento, de locao em que o Poder Pblico seja locatrio, e aos demais cujo contedo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado" (grifos acrescidos). Registre-se que o art. 2, pargrafo nico, da Lei Federal n 8.666/1993 determina a definio de contrato que deve ser empregada na interpretao desse texto normativo.

    2 Nesse sentido, consultar: CARVALHO FILHO, Jos dos Santos. Manual de direito administratJvo, 13a ed. Rio de janeiro: Lumen juris Editora, 2005, p. 151-153; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 22a ed. So Paulo: jurdico Atlas, 2009, p. 251-258; FRANA, Vladimir da Rocha. Conceito de contrato administrativo. Revista Trimestral de Direito Pblico, So Paulo: Malheiros Editores, n 41/2003, p. 116-122; GASPARINI, Digenes. Direito administrativo, 14a ed. So Paulo: Ed. Saraiva, 2009, p. 705-706; e JUSTEN FILHO, Maral. Comentrios lei de licitaes e contratos administrativos. So Paulo: Dialctica, 2004, p. 519-520.

    3 Como assevera Maria Sylvia Zanella Di Pietro: "Quando a Administrao celebra contratos administrativos, as clusulas exorbitantes existem implicitamente, ainda que no expressamen-te previstas; elas so indispensveis para assegurar a posio de supremacia do Poder Pblico sobre o contratado e a prevalncia do interesse pblico sobre o particular. Quando a Adminis-trao celebra contratos de direito privado, normalmente ela no necessita dessa supremacia e a sua posio pode nivelar-se do particular; excepcionalmente, algumas clusulas exorbitantes podem constar, mas elas no resultam implicitamente do contrato; elas tm que ser expressa-mente previstas, com base em lei que derrogue o direito comum. Por exemplo, quando a lei permite o comodato de bem pblico, pode estabelecer para a Administrao a faculdade de exigi-lo de volta por motivo de interesse pblico" (op. cit., p. 257; grifos no original).

    4 Vide art. 22, I e XXVII, da Constituio Federal. 5 Vide art. 1, caput, e art. 55, ambos da Lei Federal n 8.245/1991.

  • 622- NOTAS SOBRE A DECADNCIA DA INVALIDAO DE CONTRATO .

    do Cdigo Civil em vigor6 Levando-se em considerao a expresso "no que

    couber" do art. 62, 3, da Lei Federal n 8.666/1993, admite-se a incidncia

    dos preceitos deste diploma legal desde que no violem o direito de propriedade

    do locador7 e nem descaracterizem o regime jurdico desse contrato8

    Apesar do art. 37, XXI, da Constituio Federal no estabelecer expressa-

    mente, o ato administrativo que autoriza a celebrao do contrato de locao de

    imvel urbano privado exige a realizao de processo licitatrio9, salvo na hiptese

    de dispensa de licitao constante do art. 24, X, da Lei Federal n 8.666/199310

    Logo, a formao do contrato de locao entre locador privado e locat-

    rio pblico no se encontra submetida ao regime jurdico de Direito Privado.

    2. APLICAO DAS NORMAS REGENTES DA INVALIDAO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS AO CONTRATO DE LOCAO DE

    IMVEL URBANO PARTICULAR PELA ADMINISTRAO MUNICIPAL

    Em contrato de locao no residencial de bem imvel que envolve parti-

    culares, a parte interessada em invalid-la dever exercer o seu direito de ao e

    solicitar ao Poder Judicirio a expedio de um provimento que o faa11 O

    mesmo no pode ser dito quanto a contratos como o que compe o objeto do

    presente trabalho.

    Com amparo na conjugao do art. 49 da Lei Federal n 8.666/199312

    com o art. 59 do mesmo diploma legal13 (p.seg.), a Administrao Municipal tem

    6 Vide art. 2, 2 e 3, da Lei de Introduo ao Cdigo Civil (Decreto-lei n 4.657, de 4.9.1942). Vide art. 79 da Lei Federal no 8.245/1991. Vide art. 2.036 do Cdigo Civil de 2002 (Lei Federal no 10.406, de 1 0.1.2002).

    7 Cf. JUSTEN FILHO, Maral. Comentrios ... , cit., p. 519. Vide art. 5, caput, e XXII, da Consti-tuio Federal. Vide art. 1.228, caput, do Cdigo Civil de 2002.

    8 Cf. CARVALHO FILHO, Jos dos Santos, op. cit., p. 152. 9 O art. 2 da Lei Federal n 8.666/1993 tem a seguinte redao: "Art. 2 As obras, servios,

    inclusive de publicidade, compras, alienaes, concesses, permisses e locaes da Adminis-trao Pblica, quando contratadas com terceiros, sero necessariamente precedidas de licita-o, ressalvadas as hipteses previstas nesta lei" (grifos acrescidos).

    1 O O art. 24, X, da Lei Federal no 8.666/1993 tem a seguinte redao: "Art. 24. dispensvel a licitao: ( ... ) X - para compra ou locao de imvel destinado ao atendimento das finalidades precpuas da Administrao, cujas necessidades de instalao e localizao condicionem a sua escolha, desde que o preo seja compatvel com o valor de mercado, segundo avaliao prvia" (grifos acrescidos).

    11 Cf. PEREIRA, Caio Mrio da Silva. lnsdtuies de direito civil. Rio de janeiro: Ed. Forense, 2004, v. 1, p. 632-635. Vide art. 5, XXXV, da Constituio Federal. Vide art. 168 do Cdigo Civil de 2002.

    12 O art. 49 da Lei Federal n 8.666/1993 tem a seguinte redao: "Art. 49. A autoridade competente para a aprovao do procedimento somente poder revogar a licitao por razes

    VLADIMIR DA ROCHA FRANA- 623

    a competncia de invalidar o contrato administrativo que tenha celebrado com

    vcio quanto ao seu procedimento de celebrao14 No ocioso lembrar que o

    regramento previsto para a invalidao dos atos administrativos municipais pelo

    seu prprio emissor plenamente exigvel no exerccio daquela prerrogativa15.

    J foi exposto que os contratos de locao de imveis urbanos privados

    pela Administrao Municipal precisam ser precedidos de processo adminis-

    trativo (licitao ou dispensa de licitao). Para garantir a defesa da legalidade

    desses negcios jurdicos privados, no h como recusar ao Poder Pblico local

    a prerrogativa de invalid-los na esfera administrativa16

    Noutro giro: a invalidao do contrato de locao de imvel urbano

    particular pela Administrao Municipal se encontra submetida ao mesmo

    regime jurdico da invalidao dos contratos administrativos.

    Nesse diapaso, chega-se natural concluso de que a Administrao

    Municipal deve observar em relao ao locador privado os mesmos limites

    que a lei lhe impe na invalidao administrativa dos contratos inteira-

    mente regidos pelo Direito Pblico.

    de interesse pblico decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anul-la por ilegalidade, de ofcio ou por provocao de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado. 1 o A anula-o do procedimento licitatrio por motivo de ilegalidade no gera obrigao de indenizar, ressalvado o disposto no pargrafo nico do art. 59 desta Lei. zoA nulidade do procedimen-to licitatrio induz do contrato, ressalvado o disposto no pargrafo nico do art. 59 desta Lei. 3 No caso de desfazimento do processo licitatrio, fica assegurado o contraditrio e a ampla defesa. 4 O disposto neste artigo e seus pargrafos aplica-se aos atos do procedimento de dispensa e de inexigibilidade de licitao".

    13 O Art. 59 da Lei Federal n 8.666/1993 tem a seguinte redao: "Art. 59. A declarao de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurdicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, alm de desconstituir os j produzidos. Pargrafo nico. A nulidade no exonera a Administrao do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado at a data em que ela for declarada e por outros prejuzos regularmente comprovados, contanto que no lhe seja imputvel, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa".

    14 Atualmente, o processo de invalidao dos contratos administrativos do Municpio se encon-tra disciplinado nos arts. 73 a 77 da Lei Municipal n 5.872/2008.

    1 5 Vide Smula n 473 do Supremo Tribunal Federal. Vide art. 53 a. 55 da Lei Municipal n 5.872, de 4.7.2008. Sobre a matria, consultar: MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 26" ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 454-478 e 623; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, op. cit., p. 273-274; FIGUEIREDO, Lcia Valle. Extino dos contratos administrativos, 2" ed. So Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 67-88; FRANA, Vladimir da Rocha. Estrutura e motivao do ato administrativo. So Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 136-142; e JUSTEN FILHO, Maral. Curso de direito administrativo, 4" ed. So Paulo: Ed. Saraiva, 2009, p. 469-472.

    1 6 Assim, reformamos ponto de vista anterior no sentido de recusar Administrao a prerrogativa de desconstituir os seus atos jurdicos de Direito Privado mediante a invalidao administra-tiva. Cf. FRANA, Vladimir da Rocha. Estrutura ... , cit., p. 149.

  • 624- NOTAS SOBRE A DECADtNCIA DA INVALIDAO DE CoNTRATO ...

    3. INADMISSIBILIDADE DA ARGUIO, EM JUZO, DA NULIDADE DE CONTRATO DE lOCAO DE IMVEl URBANO PRIVADO

    PELO LOCADOR PBLICO

    O negcio jurdico sob apreciao goza de presuno de validade diante

    da presena de autoridade administrativa municipal que tenha competncia

    para celebr-lo17

    Inicialmente, deixe-se claro que a Administrao Municipal no tem

    legitimidade para arguir a nulidade desse contrato de locao perante o

    Poder Judicirio18 , salvo se houvesse invalidao administrativa anterior

    com observncia ao devido processo legal19

    Pensar o contrrio, com a devida vnia, ignorar o devido processo legal20 e

    as garantias constitucionais do contraditrio e da ampla defesa2\ tambm

    previstas na Lei Federal n 8.666/199322 Ressalte-se que essas protees ao

    1 7 Vide art. 49, art. 55, 11, art. 57 e art. 58, todos da Lei Orgnica do Municpio. 1 8 Como j asseveramos em outra oportunidade: "Deve ser observado que a invalidao judicial e a

    invalidao administrativa so competncias estatais diversas. A invalidao judicial do ato admi-nistrativo uma via quase que exclusiva do administrado. Somente se justificaria o recurso da Administrao ao Poder judicirio para se retirar um ato administrativo do sistema do direito positivo quando: este provimento no foi expedido por ela, ou o ordenamento jurdico no lhe outorgue alternativa que no seja a via judicial [referamo-nos ao ato administrativo municipal fundado em lei inconstitucional]. Ora, se a Administrao tem um instrumento mais clere para retirar um ato seu que se encontra eivado de invalidade, o que justificaria a opo por um caminho reconhecidamente mais moroso e incerto? Basta que a Administrao realize a invalidao admi-nistrativa segundo os ditames do devido processo legal e conforme os princpios do regime jurdico-administrativo" (FRANA, Vladimir da Rocha. Estrutura ... , cit., p. 151; grifos no original).

    1 9 Em situao similar, assim decidiu o Tribunal de justia de So Paulo (TjSP): "Ementa: Locao de imveis. Embargos execuo de ttulo extrajudicial. Fazenda Pblica que alega nulidade do contrato de locao gerador da obrigao executada. Suposta nulidade apurada em proce-dimento administrativo que no observou os arts. 5", LIV, da CF, e 49, 3", da Lei 8.666/93. Inadmissibilidade. Regularidade formal do ttulo. Reconhecimento. Recursos oficial e volun-trio improvidos" (TjSP, Apelao com Reviso n" 969.440-0/0, 34a Cmara de Direito Priva-do, Relator Des. Nestor Duarte, Revisor Des. Rosa Maria de Andrade Nery, julgado em 30.3.2009, registrado em 14.5.2009, disponvel em: .

    2 O Vide art. 5" LIV, da Constituio Federal. 21 Vide art. 5", LV, da Constituio Federal. 22 Vide art. 49, 3", da Lei Federal n" 8.666/1993. Como adverte Maral justen Filho, nem mesmo

    a natureza do vcio de validade tem o condo de exclu-las da invalidao administrativa de contrato pblico: "Nem mesmo os argumentos da notoriedade do vcio ou da configurao do fato incontroverso podem ser utilizados para afastar o respeito ao devido processo legal. Ressalte-se, alis, que o devido processo legal abrange os diversos aspectos pertinentes questo. Assim, cabe facultar ao particular o direito de ser ouvido sobre os efeitos de eventual invalidao. O ato pode ser absolutamente nulo e at se poderia imaginar que nenhum argumento poderia ser trazido baila pelo particular quanto a isso. Mas da no se infere a ausncia de controvrsia sobre a indenizao ou extenso dos efeitos da invalidao" (Comentrios ... , cit., p. 512).

    VLADIMIR DA RocHA FRANA- 625

    contratado j vinculavam a Administrao Municipal antes do advento da

    Lei Municipal n 5.872, de 4.7.2008.

    Antes do advento da Lei Municipal n 5.872/2008, a Administrao

    Municipal tinha o prazo decadencial de cinco anos para invalid-lo, contado

    da data de sua celebrao23 Essa regra resultava da aplicao por analogia24 do

    prazo constante do art. 1 do Decreto Federal n 20.910, de 6.1.193225, e do

    art. 21 da Lei Federal n 4.717, de 24.7.196526 Atualmente, esse preceito se

    encontra expresso no art. 54 da Lei Municipal daquele diploma legal, que pos-sui redao idntica ao do art. 54 da Lei Federal n 9.784/1999.

    Por conseguinte, h a decadncia da invalidao administrativa que a

    Administrao do Municpio poderia realizar na situao jurdica em apre-

    o quando houve o decurso do prazo de cinco anos, contado da formaliza-

    o regular do negcio jurdico sob exame.

    Malgrado o disposto no art. 168 do Cdigo Civil de 2002, impe-se a

    ponderao que a legislao municipal no usa prazos de estabilizao dife-

    renciados entre os atos nulos e os atos passveis de convalidao. Apenas h

    distino relevante quando se trata da contagem do prazo decadencial da in-

    validao administrativa de ato nulo que tenha gerado efeito favorvel a desti-

    natrio de m-f. E essa exceo, mesmo assim, somente passou a compor a

    legislao municipal com o art. 54 da Lei Municipal n 5.872/200827

    Em virtude da presuno de boa-f dos administrados em geral, caberia

    Administrao Municipal comprovar que o referido contrato foi realizado

    com o dolo do locador privado em causar eventual ilegalidade (ou dela se

    aproveitar) no caso concreto. Mas nem essa hiptese asseguraria ao locatrio

    23 Nesse sentido, consultar: MELLO, Celso Antnio Bandeira de, op. cit., p. 477-478 e 1044-1 045; FRANA, Vladimir da Rocha. Estrutura ... , cit., p. 145-155; e ZANCANER, Weida, op. cit., p. 76-98.

    24 Vide art. 4" da Lei de Introduo ao Cdigo Civil. 25 O art. 1" do Decreto Federal n" 20.910/1932 tem a seguinte redao: "Art. 1" As dvidas

    passivas da Unio, dos Estados e dos Municpios, bem assim todo e qualquer direito ou ao contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou do fato do qual se originarem" (grifos acrescidos).

    26 O art. 21 da Lei Federal n" 4.717/1965 tem a seguinte redao: "Art. 21. A ao prevista nesta Lei prescreve em 5 (cinco) anos".

    27 Sobre a matria, consultar: FRANA, Vladimir da Rocha. Estrutura ... , cit., p. 152; e LEITE, Fbio Barbalho. Rediscutindo a estabilizao, pelo decurso temporal, dos atas administrativos supostamente viciados. Revista de Direito Administrativo, v. 231, p. 93-115, Rio de janeiro: Renovar, janeiro-maro/2003.

  • 626- NOTAS SOBRE A 0ECADtNCIA DA INVALIDAO DE CoNTRATO ...

    pblico o direito de arguir a nulidade desse negcio jurdico em juzo sem

    demonstrar a m-f do locador privado.

    E, mesmo se a Administrao Municipal tivesse tempestivamente inva-

    lidado o contrato de locao que celebrou com o locador privado, este teria o

    direito de receber os pagamentos decorrentes do uso do imvel locado, como

    disciplinado no art. 59, pargrafo nico, da Lei Federal n 8.666/1993.

    Uma vez que j foi demonstrado que o negcio jurdico sob anlise teve

    sua validade estabilizada pela decadncia do direito da Administrao Munici-

    pal de invalid-lo administrativamente, impe-se a anlise da validade dos cr-

    ditos que podem ser reivindicados pelo locador privado em virtude desse evento.

    4. DISCIPLINA DA PRESCRIO DA COBRANA DOS ALUGUIS INADIMPLIDOS PELO LOCADOR PBLICO

    A Administrao Municipal pode oferecer em juzo o entendimento

    que parcela considervel dos crditos reivindicados pelo locador privado teria

    sido fulminada pela prescrio, caso o Poder Judicirio reconhea a validade

    do negcio jurdico que os gerou.

    Segundo o art. 394 e o art. 397, ambos do Cdigo Civil de 2002 (Lei

    Federal n 10.406, de 10.1.2002)28 , a Administrao Municipal constituda

    de pleno direito em mora quando deixa de pagar os aluguis no lugar, tempo e

    forma estipulados no contrato de locao que firmou 'com o locador privado.

    Nas relaes de trato sucessivo, a prescrio do direito do administrado de

    pleitear judicialmente os crditos inadimplidos pela Fazenda Pblica do Muni-

    cpio ocorre no praw de cinco anos, a ser aplicado nos termos do art. 3 do Decre-

    to Federal n 20.910/193229 Acresa-se que somente aplicao da prescrio

    de fundo de direito em situaes como essa quando h a denegao expressa da

    pretenso do administrado, de acordo com a Smula n 443 do Supremo Tribu-

    nal Federal (STF) e a Smula n 85 do Superior Tribunal de Justia (STJ)30

    28 O art. 955 e o art. 960, ambos do Cdigo Civil de 1916 (Lei Federal no 3.071, de 1.1.1916) apresentam redao similar.

    29 O art. 3 do Decreto Federal no 20.910/1932 tem a seguinte redao: "Art. 3 Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos a prescrio atingir progressivamente as presta-es, medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto".

    3 O A Smula n 443 do STF tem a seguinte redao: "A prescrio de prestaes anteriores ao perodo previsto em lei no ocorre, quando no tiver sido negado, antes daquele prazo, o

    VLADIMIR DA RocHA FRANA- 627

    Por conseguinte, o direito do locador privado de propor ao judicial para

    obter o pagamento de cada aluguel vencido seria atingido pela prescrio no

    praw de cinco anos, contado do momento em que a Administrao Municipal

    deixou de pag-lo no tempo, lugar e forma que foi convencionado.

    O locador privado tem a opo de deflagrar processo administrativo para

    obter o pagamento das prestaes contratuais inadimplidas. Em rigor, h nes-

    se caso o emprego de reclamao administrativa, que tem amparo no art. 5,

    XXXIV, a, da Constituio Federal31

    Se no houver resposta expressa a esse pleito, configura-se o silncio

    administrativo da Administrao Municipal32 Merece destaque que essa con-

    duta constitui uma violao frontal garantia fundamental do art. 5, XX-

    XIV, a, da Constituio Federal33

    Qyando o locador privado protocola o seu pedido administrativo com o esco-

    po de obter o pagamento dos aluguis vencidos e inadimplidos, h a suspenso do

    prazo prescricional da ao judicial, nos termos do art. 4 do Decreto Federal n

    20.910/193234 Em conformidade com jurisprudncia pacfica do STP5 e do

    prprio direito reclamado, ou a situao jurdica de que ele resulta". A Smula no 85 do STJ tem a seguinte redao: "Nas relaes jurdicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pblica figure como devedora, quando no tiver sido negado o prprio direito reclamado, a prescrio atinge apenas as prestaes vencidas antes do qinqnio anterior propositura da ao".

    31 A reclamao administrativa instrumento mediante o qual o administrado defende direito ou interesse diante de ato ou fato da Administrao, observado o devido processo legal adminis-trativo. No mbito do Municpio, encontra-se disciplinada pelo Decreto Federal no 20.910/ 1932, naquilo que no afrontar a legislao municipal.

    32 Como bem leciona Celso Antnio Bandeira de Mello: "Se a Administrao no se pronuncia quando deve faz-lo, seja porque foi provocada por administrado que postula interesse prprio, seja porque um rgo tem de pronunciar-se para fins de controle de ato de outro rgo, est-se perante o silncio administrativo" (op. cit., p. 407).

    33 Sobre a matria, consultar: MELLO, Celso Antnio Bandeira de, op. cit., p. 409. 34 O art. 4o do Decreto Federal n 20.910/1932 tem a seguinte redao: "Art. 4 No corre a

    prescrio durante a demora que, no estudo, no reconhecimento ou no pagamento da divida, considerada lquida, tiverem as reparties ou funcionrios encarregados de estudar e apur-la. Pargrafo nico. A suspenso da prescrio, neste caso, verificar-se- pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das reparties pblicas, com designao do dia, ms e ano" (grifos acrescidos).

    35 Como, por exemplo, no seguinte acrdo: "1. PRESCRIO- SILENCIO DO RU DENUNCIAN-TE- DEFESA DO DENUNCIADO- EFEITOS. A defesa do denunciado aproveita ao denunciante. Dai a ausncia de precluso pelo fato de o primeiro no haver veiculado, corr~o matria de defesa, a prescrio- artigos 74 e 75 do Cdigo de Processo Civil. 2. PRESCRIAO- DIVIDA DO ESTADO. No h o curso da prescrio durante a apurao e estudo da dvida, na repartio competente, provocados via requerimento do credor - artigo 4. do Decreto 20.91 O, de 6 de janeiro de 1932. 3. PERDAS E DANOS- ATO DO ESTADO. O Estado e responsvel pelas perdas e danos sofridos pelo particular, em razo do retardamento indevido da satisfao de valores contratados artigos 159 e 1.056 do Cdigo Civil. 4. JUROS DA MORA -A iliquidez da

  • 628- NOTAS SOBRE A DECADtNCIA DA INVALIDAO DE CONTRATO ...

    STJ36, a omisso da Administrao em oferecer resposta expressa petio do

    administrado impe o reconhecimento de tal situao jurdica.

    Em regra, o prazo prescricional de um ano para o exerccio da reclama-

    o administrativa, disposto no art. 6 do Decreto Federal n 20.910/1932,

    pode prejudicar alguma(s) parcela(s) da dvida da Fazenda Pblica do Muni-

    cpio com o locador privado. Contudo, perfeitamente possvel que a sua

    incidncia possa ser afastada no caso concreto.

    cedio que, ao lado dos interesses pblicos -cuja tutela consta do rol de suas competncias constitucionais - o Municpio tem interesses secundrios

    no ordenamento jurdico como qualquer pessoa jurdica37 A sua proteo so-

    mente obrigatria para a Administrao Municipal quando ela instrumen-

    tal e coincidente com o interesse primrio, ou seja, o prprio interesse pblico.

    Uma vez que o objeto do pedido administrativo sob exame envolve

    interesse secundrio da Administrao Municipal, perfeitamente pos-

    36

    37

    obrigao atrai, como termo inicial da incidencia dos juros da mora, a data da citao- artigo 1.536, par. 2., do Cdigo Civil. 5. CORREO MONETRIA- Lei 6.899/81 -CLUSULA CONTRATUAL ANTERIOR- EFEITOS. A existncia de ajuste entre as partes, formalizado em data anterior a edio da Lei n 6.899/81, dispondo acerca do fator prprio a ser utilizado na correo dos valores devidos, afasta a incidncia da citada lei. 6. HONORARIOS ADVOCATICIOS -FIXAO- FAZENDA PBLICA. Na fixao dos honorrios advocatcios, observa-se o princpio segundo o qual a parte compelida a vir a juzo defender direito prprio no deve, caso vencedo-ra, sofrer diminuio patrimonial. Envolvendo o processo demandas diversas, consideradas as pessoas acionadas e denunciao a lide, com participao da Fazenda Pblica, abre-se campo propcio fixao dos honorrios de forma equnime - par. 4 do artigo 20 do Cdigo de Processo Civil. 7. DENUNCIAO DA LIDE - RESPONSABILIDADE DO DENUNCIADO. E definida nos moldes do que ajustado ou previsto em lei. A demanda decorrente da denunciao e limitada, no campo objetivo, pela real responsabilidade do denunciado" (STF, Ao Cvel Originria n 381/Rj, Tribunal Pleno, Rei. Min. Marco Aurlio, julgado em 12.6.1991, publicado no DJ de 9.8.1991 ). No mesmo sentido, consultar: STF, Recurso Extraordinrio n 113.900/SP, 1" Turma, Rei. Min. Nri da Silveira, julgado em 16.8.1988, publicado no DJ de 30.11.1990; STF, Recurso Extraordinrio n 115.033/MG, julgado em 5.2.1988, publicado no Dj de 11.3.1988.

    Como, por exemplo, no seguinte acrdo: "ADMINISTRATIVO. PRESCRIO. DEMORA NA APRECIAO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. SUSPENSO. DO PRAZO PRESCRICIONAL. CLUSULA CONTRATUAL. SMULAS 5 E 7/STJ. 1. -A simples interpretao de clusula contratual e o reexame de provas no enseja recurso especial, por encontrar bice nos enunciados das Smulas 5 e 7/STJ. 2. "Prescreve em cinco anos todo e qualquer direito contra a Fazenda, contado o prazo da data do ato ou fato que lhe tenha dado origem. No corre, porm, a prescrio enquanto a demora na apreciao de reclamao administrativa se deve prpria administrao." (REsp-13.794, Rei. Ministro Hlio Mosimann, DJ de 31.8.92.). 3. Recurso Especial conhecido em parte e, nessa, no provido" (STJ, Recurso Especial no 988.758/MA, 2' Turma, Rei. juiz Federal convocado Carlos Fernando Mathias, julgado em 3.6.2008, publicado no Dje de 19.8.2008). No mesmo sentido, consultar: STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial no 1.022.505/PR, 5' Turma, Rei. Min. Laurita Vaz, julgado em 16.12.2008, publicado no Dje de 9.2.2009); e STJ, Agravo Regimental no Agravo n 1.052.414/SE, 5' Turma, Rei. Min. Napoleo Nunes Maia Filho, julgado em 28.8.2008, publicado no Dje de 22.9.2008.

    Sobre a matria, consultar: MELLO, Celso Antnio Bandeira de, op. cit., p. 65-69.

    VLADIMIR bA RocHA FRANA- 629

    svel a ocorrncia da renncia tcita prevista no art. 191 do Cdigo Civil

    de 200238

    Afinal, se a Administrao Municipal pode empregar a arbitragem para

    a resoluo de conflitos sobre direitos patrimoniais disponveis no negcio

    jurdico sob apreciao, o que justificaria o afastamento da norma constante

    do art. 191 do Cdigo Civil de 2002 no caso concreto39?

    Ao concluir a anlise desse aspecto, adverte-se que a lio doutrinria de que

    o silncio administrativo tem efeito denegatrio quando transcorrido prazo razovel

    no aplicvel situao jurdica sob apreciao. Ela no se justifica na reclamao

    administrativa em face do art. 4 do Decreto Federal n 20.910/1932 e da

    interpretao que o STF e o STJ tm legado a esse enunciado normativo.

    5. DIREITO DO LOCADOR PRIVADO COMPENSAO DOS CRDITOS TRIBUTRIOS EXECUTADOS PELA fAZENDA PBLICA

    LOCAL COM OS DBITOS CONTRATUAIS DA ADMINISTRAO

    MUNICIPAL EM LOCAO DE IMVEL URBANO PARTICULAR

    A compensao constitui uma modalidade de extino do crdito tri-

    butrio, nos termos do art. 156 II, do Cdigo Tributrio Nacional (Lei Fede-

    ral n 5.172, de 25.10.1966)40

    Consoante o art. 368 do Cdigo Civil de 2002, se duas pessoas forem,

    simultaneamente, credor e devedor uma da outra, as duas obrigaes devem

    ser extintas na medida em que se compensarem41 Para que a compensao

    seja admitida, exige-se que:

    38 O art. 161 do Cdigo Civil de 1916 possui redao similar. 39. Vide art. 1 da Lei Federal no 9.307, de 23.9.1996. Vide art. 23, XV, e art. 23-A, ambos da Lei

    Federal no 8.987, de 13.2.1995. Vide art. 11, III, da Lei Federal no 11.079, de 30.12.2004. Sobre a possibilidade do uso da arbitragem pela Administrao, consultar: GASPARINI, Digenes. Direito administrativo, 14' ed. So Paulo: Ed. Saraiva, 2009, p. 776-777.

    40 Como se sabe, o Cdigo Tributrio Nacional foi recepcionado pelo sistema constitucional vigente como lei complementar que deve ser observada pelo Municpio, por fora do art. 146 da Constituio Federal.

    41 Em verdade, o art. 156 do Cdigo Tributrio Nacional compreende hipteses de extino da obrigao tributria, constituindo o crdito tributrio um elemento de sua estrutura que compreende o direito subjetivo do fisco. Vide art. 3 do Cdigo Tributrio Nacional. Sobre a matria, consultar: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributrio, 20' ed. So Paulo: Ed. Saraiva, 2009, p. 485-486; e CONRADO, Paulo Csar. Compensao tributria e processo. So Paulo: Max Limonad, 2003.

  • 630- NOTAS SOBRE A DECAD~NCIA DA INVALIDAO DE CoNTRATO ...

    (i) as obrigaes tenham origem em ttulos diversos;

    (ii) as obrigaes sejam homogneas, lquidas e exigveis42

    Tambm perfeitamente possvel que a compensao no resulte na

    extino de ambas as obrigaes, mas sim, no trmino de uma e na reduo da

    dvida constante da outra.

    Alm desses requisitos, a compensao de crdito tributrio municipal

    (ou dbito do contribuinte) com dbito no tributrio da Administrao

    municipal (ou crdito no tributrio do contribuinte) dever ser autorizada

    por lei desse ente federativo para que ela possa ser admitida. que impe o art. 170 do Cdigo Tributrio Nacional43

    lcito ao locador privado ter a pretenso de compensar os crditos tri-butrios lanados e executados pelo fisco local com os dbitos da Administra-

    o Municipal gerados pelo inadimplemento contratual desta em negcio

    jurdico de locao.

    De acordo com o art. 17-A, caput, do Cdigo Tributrio Municipal (Lei

    Municipal n 3.882, de 11.12.1989), a Administrao Tributria est autoriza-

    da a proceder compensao de crditos tributrios vencidos com crditos lqui-

    dos e certos do contribuinte contra a Fazenda Pblica44 Convm anotar que o

    diploma legal citado admite a compensao de "crditos tributrios e no tribut-

    rios vencidos com outros crditos no compreendidos nos incisos anteriores, ouvi-

    das a Controladoria Geral do Municpio e a Procuradoria Geral do Municpio de

    42

    43

    44

    Vide art. 369 do Cdigo Civil de 2002. Sobre a matria, consultar: GOMES, Orlando. Obriga-es, a ed. Rio de janeiro: Forense, 1992, p. 156-161; PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de direito civil: teoria geral das obrigaes, 20 ed., atualizao de Luiz Roldo Freitas Gomes. Rio de janeiro: Forense, 2004, v. 2, p. 254-270; LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: obrigaes em geral, 5 ed., atualizao de Jos Serpa Santa Maria, Rio de janeiro: Biblioteca jurdica Freitas Bastos, 1989, v. 2, p. 240-256; e TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Helosa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Cdigo Civil interpretado con-forme da Constituio .da Repblica. Rio de janeiro: Renovar, 2007, v. 1, p. 673-687. O art. 170 do Cdigo Tributrio Nacional tem a seguinte redao: "Art. 170. A lei pode, nas condies e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulao em cada caso atribuir autoridade administrativa, autorizar a compensao de crditos tributrios com crditos lqui-dos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pblica. Pargrafo nico. Sendo vincendo o crdito do sujeito passivo, a lei determinar, para os efeitos deste artigo, a apurao do seu montante, no podendo, porm, cominar reduo maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao ms pelo tempo a decorrer entre a data da compensao e a do vencimento". O art. 17-A, caput, do Cdigo Tributrio Municipal tem a seguinte redao: "Art. 17-A. Fica a Administrao Municipal autorizada a proceder compensao de crditos tribut-rios ou no tributrios vencidos, com crditos lquidos e certos do sujeito passivo contra a Fazenda Municipal".

    VLADIMIR DA ROCHA FRANA- 631

    N atal"45 Ainda se observa nesse texto normativo que a competncia para deferir

    a compensao pertence Secretaria Municipal de Tributao46

    Para o deferimento do pedido de compensao do locador privado, a

    legislao municipal exige apenas:

    (i) que o crdito tributrio que se deseja compensar esteja vencido; e,

    (ii) que o crdito do contribuinte seja lquido e certo.

    No se reconhece Administrao Tributria espao para o emprego de

    critrios de convenincia e oportunidade no julgamento dos pedidos de com-

    pensao fundados no art. 17-A do Cdigo Tributrio Municipal. Caso seja

    demonstrado pelo contribuinte que ele preenche os requisitos legais, a autori-

    dade administrativa competente tem o dever jurdico de deferir a compensa-

    o que lhe foi solicitada. Trata-se, sem dvida, de competncia vinculada47

    Por conseguinte, o locador privado tem direito subjetivo compensao

    dos crditos tributrios municipais que esto sendo executados com os dbi-

    tos gerados pelo inadimplemento contratual da Administrao Municipal

    no caso concreto.

    Com amparo nessa premissa, chega-se facilmente concluso de que o

    locador privado tem plena legitimidade para obter tutela jurisdicional para

    a compensao pretendida, sem a necessidade do esgotamento da via ad-

    ministrativa, como lhe faculta o art. 5, XXXV, da Constituio Federal48

    45

    46

    47

    48

    Vide art. 17-A, 1, IV, do Cdigo Tributrio Municipal. No incide no caso concreto o inciso 11 do mesmo dispositivo legal, que se refere ao "crdito licitado", haja vista o negcio jurdico sob exame ter sido celebrado por meio de dispensa de licitao.

    Vide art. 17-A, 6, do Cdigo Tributrio Municipal.

    Nesse sentido, leciona Misabel Abreu Machado Derzi: "A compensao sempre autorizada por lei, inexistindo margem de arbtrio ou discricionariedade Administrao Fazendria. Se conce-dida em lei genrica, independe de despacho individual autorizativo. Se porm tiver carter individual, o despacho concessivo, comprovado o preenchimento das condies e requisitos, deve aplicar a norma legal, uniforme e isonomicamente. O indeferimento somente se legitima em ato administrativo fundamentado, nunca em decorrncia de arbtrio (querer qualquer no justi-ficado na lei)" (BALEEIRO, Aliomar. Direito tributrio brasileiro, 11 a ed., atualizao de Misabel Abreu Machado Derzi, Rio de janeiro: Editora Forense, 2008, p. 901 ). Ao tratarmos da figura do ato administrativo vinculado, asseveramos em outra oportunidade: "Nos atos vinculados, o juzo de oportunidade j foi analisado e definido pelo legislador, e, por conseguinte, inexistindo espao para uma avaliao subjetiva de convenincia e oportunidade da ao estatal no caso concreto" (FRANA, Vladimir da Rocha. Invalidao judicial da discricionariedade administrauva no regime jurdico-administrativo brasileiro. Rio de janeiro: Ed. Forense, 2000, p. 1 03).

    Vide Smula n 213 do Superior Tribunal de justia. Sobre a matria, consultar: CAIS, Cleide Previtalli. Processo tributrio, 3 ed. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1996, p. 57-66.

  • 632- NOTAS SOBRE A DECAD~NCIA DA INVALIDAO DE CONTRATO ...

    Numa abordagem apressada, poder-se-ia arguir o art. 170-A do Cdigo

    Tributrio Nacional49 como obstculo legal compensao pedida pelo locador

    privado. Entretanto, uma leitura atenta desses enunciados normativos leva

    constatao de que eles somente so aplicveis s compensaes de "crditos

    tributrios vencidos com indbitos tributrios, apurados em processo fiscal ad-

    ministrativo, do mesmo sujeito passivo"50. Afinal, quer-se aproveitar aluguel

    inadimplido, e no tributo, na compensao suplicada pelo administrado.

    Feitas essas consideraes, convm analisar se o locador privado satisfaz

    os requisitos legais para a extino dos crditos tributrios que esto sendo

    executados pela Fazenda Pblica do Municpio.

    A existncia de ttulos diversos entre as obrigaes que se deseja com-

    pensar ntida e dispensa maiores consideraes. H, de um lado, os atos

    administrativos de lanamento tributrio dirigidos pela Administrao Tri-

    butria local ao locador privado51; do outro, o contrato de locao celebrado

    entre o locador privado e a Administrao Municipal, que tem fora de ttulo

    executivo extrajudicial por injuno do art. 585, V, do Cdigo de Processo Civil (Lei Federal n 5.869, de 11.1.1973).

    Tambm no h dvida pertinente quanto homogeneidade das presta-

    es que compem o objeto das obrigaes a serem compensadas, dado o

    carter pecunirio de todas elas.

    No que concerne liquidez e exigibilidade dos crditos tributrios que

    se deseja extinguir, no existe igualmente maiores controvrsias. A oposio

    da Administrao Municipal reside justamente na certeza, exigibilidade e

    liquidez dos crditos do locador privado.

    Na situao jurdica sob exame, assevere-se que a existncia e a exigibili-

    dade da dvida da Administrao Municipal para com o locador so plena-

    mente consolidadas quando:

    49

    50

    51

    (i) a Administrao Municipal no paga os aluguis nos moldes con-

    vencionados no negcio jurdico celebrado entre as partes em litgio;

    O art. 170-A. do Cdigo Tributrio Nacional tem a seguinte redao: "Art. 170-A. vedada a compensao mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestao judicial pelo sujeito passivo, antes do trnsito em julgado da respectiva deciso judicial". A redao do art. 17-A, 5, do Cdigo Tributrio Municipal idntica. Vide art. 165 a 169 do Cdigo Tributrio Nacional. Vide art. 17-A, 1, V, do Cdigo Tributrio Municipal. Vide art. 142, 173 e 174 do Cdigo Tributrio Nacional.

    VLADIMIR DA RocHA FRANA- 633

    (ii) houve a estabilizao da validade do referido contrato em razo

    da decadncia da invalidao administrativa que seria teorica-

    mente cabvel; e,

    (iii) a ao judicial adequada para a cobrana dos aluguis inadimpli-

    dos no foi atingida pela prescrio.

    A liquidez dos dbitos da Administrao Municipal com o locador privado

    est assegurada quando este apresenta o principal e os acessrios de cada aluguel

    sonegado na forma da lei, desde sua primeira tentativa de exigi-los administrativa-

    mente52. Se a dvida reside apenas na taxa de juros aplicvel para sua correo, no

    h como recusar-lhes tal atributo. Ainda mais quando o instrumento contratual

    estabelece a aplicao dos ndices e parmetros das cobranas da Fazenda Pblica

    local ao clculo dos valores devidos em virtude do inadimplemento contratual.

    6. CoNSIDERAEs FINAis

    A Administrao do Municpio de Natal/RN tem o dever de pagar, ao

    locador privado, os aluguis decorrentes da execuo regular do contrato de

    locao assinado por autoridade competente, malgrado a alegao em juzo de

    sua nulidade. Especialmente quando o negcio jurdico teve a sua validade

    estabilizada em razo da decadncia da invalidao administrativa que seria

    teoricamente possvel no caso concreto.

    Os crditos do locador privado no so atingidos pela prescrio da ao

    judicial cabvel para receber os crditos gerados pelo inadimplemento contra-

    tual quando o prazo em apreo suspenso na pendncia de reclamao admi-

    nistrativa ainda no expressamente julgada pela Administrao Municipal.

    Por fim, registre-se que o locador privado tem o direito compensao

    tributria dos crditos dos aluguis inadimplidos pela Administrao Muni-

    cipal com os dbitos tributrios junto Fazenda Pblica desta e que esto

    sendo executadas. Para tanto, basta que haja o atendimento dos requisitos

    exigidos pela legislao tributria em vigor.

    52 Como leciona Cndido Rangel Dinamarca: "Liquidez o conhecimento da quantidade de bens devidos ao credor. Uma obrigao lquida (a) quando j se encontra perfeitamente determinada a quantidade dos bens que lhe constituem o objeto ou (a) quando essa quantida-de determinvel mediante a realizao dos meros clculos aritmticos, sempre sem necessida-de de buscar elementos ou provas necessrios ao conhecimento do quantum" (Instituies de direito processual civil, 3 ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2009, v. 4, p. 231-232).

  • o aplicao da Lei 11.638 ao Regime das

    Microempresas ...... Desnecessidade de

    Auditoria de Balano ao Regime do Super Simples

    Walter Giuseppe Manzi

    Ex-procurador da Fazenda Nacional, Advogado e Prifessor da

    Ps-graduao da UFPE.

  • WALTER GIUSEPPE MANZI- 637

    1 . INTRODUO

    Em 01 de janeiro de 2008, entrou em vigor a Lei n 11.638, publicada

    em 28 de dezembro do ano anterior, alterando dispositivos da Lei n 6.404/76,

    a chamada Lei das Sociedades Annimas, e da Lei n 6.385/76, que disciplina

    o Mercado de Valores Mobilirios.

    O novo regramento buscou adequar a prtica contbil das sociedades

    brasileiras s normas internacionais de contabilidade, consubstanciadas no

    conhecido IFRS (International Financial Reporting Standards), na esteira do

    que j vinha sendo empregado em grande parte dos pases de economia slida

    do mundo, a exemplo da Unio Europeia, que as adotou desde 2005. Tudo

    isso, ressalta-se, com a clara finalidade de conferir maior transparncia s ati-

    vidades empresariais, oferecendo maior segurana ao investidor.

    No nos preocuparemos neste trabalho em analisar cada uma dessas mudan-

    as nos conceitos contbeis trazidas pelo novo diploma. O que nos chama ateno

    por ora relaciona-se ao outro objeto da lei, descrito em seu artigo 3, que estende

    s sociedades de grande porte algumas disposies relativas elaborao e divulga-

    o de demonstraes financeiras, mais especificamente a obrigatoriedade de au-

    ditoria de balano por auditores independentes, o que j era exigido s companhias

    abertas, por fora do art. 177, 2, da Lei n 6.404/76, retro mencionada.

    Seria essa obrigao imposta tambm s micro e pequenas empresas, sub-

    metidas ao recolhimento unificado dos tributos sob o regime do Super Sim-

    ples, disciplinado pela Lei Complementar n 123, de 2006? sobre isto que discorreremos adiante.

    2. MBITO DE APLICAO DA lEI N 6.404/76

    Inicialmente, cumpre esclarecer que a retro mencionada Lei n 6.404/76

    foi originalmente editada para regular as sociedades por aes, neste conceito

    englobadas as sociedades annimas e as sociedades em comandita por aes.

    Posteriormente, por fora do Decreto-Lei n 1.598/77, tambm as sociedades

    limitadas submetidas apurao do imposto de renda sob a modalidade de

    lucro real passaram a se sujeitar disciplina da Lei n 6.404/76 no que toca

    forma de apurao do lucro.

    Com a edio do Novo Cdigo de Civil de 2002 (Lei n 10.406/02), na

    tentativa de unificar formalmente o Direito Privado, foi includo um livro

  • 638- NO APLICAO DA LEI 11 .638 AO REGIME DAS MicROEMPRESAS

    especfico tratando do "Direito da Empresa", que entre outras disposies,

    buscou tratar individualmente cada tipo societrio, o que poderia levar um

    intrprete desavisado a concluir que a mencionada Lei n 6.404 havia sido

    derrogada pelo novo diploma consolidado civil.

    Todavia, sendo impossvel ao novo Cdigo conseguir regular de forma

    especificada todo o espectro civil e empresarial, o que de fato ocorreu foi

    apenas uma unificao parcial do regime privado, que continuou convivendo

    com diversas leis esparsas, a exemplo da aludida Lei da S/ A. Prova disso o expresso teor do artigo 1.089 do prprio CC/02, que assim dispe:

    Art. 1.089. A sociedade annima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposies deste Cdigo.

    A Lei n 6.404/76, portanto, no s foi recepcionada pela Constituio

    Federal de 1988, como conservou sua vigncia na regulao das sociedades por

    aes e daquelas constitudas sob outro tipo societrio, at mesmo como socie-

    dade limitada, desde que apure seu IRPJ com base no lucro real do exerccio.

    Destarte, tratando-se de sociedade ou firma enquadrada em algum des-

    ses casos, a Lei n 6.404/76 o diploma a ser obedecido, apenas se valendo de

    outros instrumentos normativos, como o Cdigo Civil, em caso de lacuna na

    legislao especial.

    A contrario sensu, constituindo-se na forma de outra espcie societria

    diferente da sociedade annima e no apurando o IRPJ pelo lucro real,

    indubitvel que est fora do mbito de aplicao da Lei n 6.404, que poder

    contudo ser aplicada subsidiariamente quando omissa for a legislao princi-

    pal, seja o Cdigo Civil ou outra norma legal esparsa, desde que logicamente

    se apresente compatvel com o tipo societrio em destaque.

    A Lei n 11.638, entretanto, trou