Anatomia Do Júri Americano

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    Programas de Informações Internacionais:

    Coordenador Jeremy F. CurtinEditor executivo Jonathan Margolis

    Diretor de criação George Clack Editor-chefe Richard W. Huckaby Editor-gerente Bruce OdesseyGerente de Produção Janine Perry Assistente de gerente de Produção Chloe D. EllisProdutora Web Janine PerryRevisora do português Marília Araújo

    Editora de cópias Kathleen Hug Editora de fotografia Maggie Johnson SlikerProjeto da capa Diane Woolverton

    Programação gráfica Min YaoEspecialistas em referências Anita N. Green Paula Hannaford-Agor

    Capa: ©Jupiterimages

    O Bureau de Programas de Informações Internacionais Departamento de Estado dos EUA publica uma revistaeletrônica mensal com o logoeJournal USA. Essas revistasanalisam as principais questões enfrentadas pelos EstadUnidos e pela comunidade internacional, bem como asociedade, os valores, o pensamento e as instituições doEUA.

    A cada mês é publicada uma revista nova em inglês,seguida pelas versões em francês, português, espanhol erusso. Algumas edições também são publicadas em árabchinês e persa. Cada revista é catalogada por volume e número.

    As opiniões expressas nas revistas não reetemnecessariamente a posição nem as políticas do governodos EUA. O Departamento de Estado dos EUA nãoassume responsabilidade pelo conteúdo nem pelacontinuidade do acesso aos sites da internet para os quahá links nas revistas; tal responsabilidade cabe única eexclusivamente às entidades que publicam esses sites.Os artigos, fotograas e ilustrações das revistas podemser reproduzidos e traduzidos fora dos Estados Unidos,a menos que contenham restrições explícitas de direitosautorais, em cujo caso é necessário pedir permissão aosdetentores desses direitos mencionados na publicação.

    O Bureau de Programas de Informações Internacionaismantém os números atuais e os anteriores em váriosformatos eletrônicos, bem como uma relação daspróximas revistas emhttp://www.america.gov/publications

    ejournals.html. Comentários são bem-vindos naembaixada dos EUA no seu país ou nos escritórioseditoriais:

    Editor,eJournal USAIIP/PUBJU.S. Department of State301 4th St. S.W. Washington, DC 20547United States of America

    E-mail: [email protected]

    DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS EUA / JULHO DE 2009 VOLUME 14 / NUMBER 7

    http://www.america.gov/publications/ejournalusa.html

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    Em 12 Homens e umaSentença , um clássicolme de Hollywooddos anos 1950, as deliberaçõesna sala do júri ocupam ocentro das atenções. HenryFonda, como o jurado número8, resiste à pressão pelacondenação de um adolescentede origem hispânica acusado

    de matar seu pai, convencendolentamente os outros jurados— os sábios e os tolos, os velhose os jovens, os compassivos eos intolerantes — a chegar aoveredicto de “não culpado”após tensas e emocionantesdeliberações.

    Na vida real, os julgamentos por júri nãocostumam ser tão dramáticos

    ou inspiradores, mas ainda assim têm seu mérito reconhecido em quase todos os aspectos.

    Os júris — grupos normalmente de 6 ou 12 cidadãos comuns — prestam um serviço essencial a seus concassim como na Inglaterra medieval, onde se originaram, os júris impedem o governo, mesmo sendo democrátiniciar ações penais opressivas.

    “Os jurados têm o impressionante poder do Estado de punir ou não punir os cidadãos”, escreve o jornalisttelevisão Fred Graham nesta edição doeJournal USA. “Nesse sentido, eles estão acima do soberano — e isso tornou-objeto de fascínio em todo o mundo.”

    O sistema de júri não é melhor do que o sistema judiciário no seu sentido mais amplo ou do que o própriogoverno democrático. Nos Estados Unidos, cujos cidadãos aspiram sempre à criação de uma união mais perfelíderes judiciários estão buscando o aprimoramento do sistema de júri. Estão defendendo a formação de júris representativos das diferentes origens étnicas e econômicas da comunidade.

    Em certo sentido, a presente edição reexamina o sistema do júri nos EUA, com o testemunho ocular dos p jurados, juízes, promotor público, advogado de defesa, testemunha e de um jornalista. Uma discussão dos procom ponto e contraponto entre professores de Direito holandeses e americanos torna explícita a questão repeticolocada pela revista: O julgamento por tribunal de júri é a melhor forma de fazer justiça quando ocorre um cTambém investigamos a interseção entre a cultura popular e o drama de tribunal por intermédio de fotos da remelhores filmes de julgamento da Ordem dos Advogados dos EUA e de uma entrevista com o produtor da pode televisãoLaw & Order.

    Eis um fato impressionante: durante a sua vida, 29% dos americanos adultos serviram como jurados. E,comprovadamente, são melhores cidadãos por isso.

    — Os editores

    Sobre Esta Edição

    © F r a n k l i n M c M a h o n / C o r b i s

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    DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS EUA / JULHO DE 2009/ VOLUME 14 / NÚMERO 7 http://www.america.gov/publications/ejournalusa.html

    Anatomia de um Tribunal de Júri

    Os Júris AmericanosFRED GRAHAM, ÂNCORA DA TRUTV O sistema de júris dos EUA deriva de uma práticabritânica cujo objetivo era proteger os súditoscontra a tirania do rei. Evoluiu com as mudançassociais e sobreviveu, continuando a servir pararefrear o poder do governo.

    O Papel do JúriD. GRAHAM BURNETT, PROFESSOR DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE DE PRINCETONProvar a culpa acima de qualquer dúvida razoávelpode ser um teste bastante difícil para os jurados.Embora exista a possibilidade de o culpado sairlivre após o julgamento pelo tribunal do júri, essesistema ainda supera qualquer outro.

    Glossário de Termos e Fluxograma

    sobre Tribunal de Júri J ACK K ING, DIRETOR DE R ELAÇÕES PÚBLICAS E COMUNICAÇÕES, A SSOCIAÇÃO N ACIONAL DOS A DVOGADOS DE DEFESA CRIMINAL

    O Papel do JuizR ICARDO M. URBINA , JUIZ, JUÍZO FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DO DISTRITO DE COLÚMBIA EM W ASHINGTONUm juiz precisa fazer os jurados entenderem que

    eles são como juízes substitutos, imparciais sob juramento.

    Ponto-ContrapontoJulgamentos pelos Tribunais doJúri: Prós NEIL V IDMAR , PROFESSOR DE DIREITO, ESCOLA DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DUKEEm uma comunidade, os julgamentos pelostribunais do júri não somente dão credibilidade aosveredictos proferidos nos processos como tambémparecem tornar os jurados cidadãos melhores.

    Julgamentos pelos Tribunais do Júri:Contras PETER J. VAN K OPPEN, PROFESSOR DE PSICOLOGIA FORENSE, F ACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE M AASTRICHT

    O sistema de julgamento pelo tribunal do júrié tão complicado e caro que força a maioria dosacusados a aceitar transações penais. Nos poucoscasos que vão a julgamento, os jurados quasesempre analisam questões técnicas que vão além dsua capacidade.

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    O Papel do Promotor PúblicoSHANE R EAD, PROCURADOR ADJUNTO DOS EUA O promotor público visa não apenas persuadir os jurados da alegação do governo de que o réu cometeuum crime como também assegurar que nenhumapessoa inocente seja condenada por engano.

    Sistemas de Júri no Mundo

    O Papel do Advogado de DefesaB ARRY POLLACK , ADVOGADO, ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MILLER CHEVALIER Para réus dispostos a correr o risco de ir a julgamento,um advogado de defesa competente pode contestar atémesmo os poderes extraordinários do Estado.

    Lapidando as Jóias da JustiçaGREGORY E. MIZE, MEMBRO DO CENTRO N ACIONAL DE TRIBUNAIS ESTADUAISDuas organizações estão elaborando alguns princípioscom o objetivo de tornar os júris mais representativosde suas comunidades e mudar a forma com queos julgamentos são conduzidos para proporcionaraos jurados uma melhor compreensão de questõescomplexas.

    O Papel da TestemunhaM AURICE POSSLEY , JORNALISTA E ESCRITOR O modo pelo qual uma testemunha apresenta osfatos de um caso pode influenciar as emoções do júri.

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    26 Algumas Diferenças entre os EstadosP AULA L. H ANNAFORD-A GOR , DIRETORA , CENTRO DE ESTUDOS SOBRE JÚRIS DO CENTRO N ACIONAL DE

    TRIBUNAIS ESTADUAISExistem diferenças significativas nas práticas de julgamento por júri entre os diferentes tribunaisestaduais e entre os tribunais federais e estaduais.

    O Papel do JornalistaTED GEST, PRESIDENTE, A SSOCIAÇÃO DOS JORNALISTAS DA JUSTIÇA CRIMINALO olhar atento dos noticiários sobre os julgamentopor júri oferece ao público uma garantia adicional funcionamento correto do sistema judiciário.

    Law & Order Reflete a Vida RealENTREVISTA COM R ICHARD S WEREN, ROTEIRISTA E PRODUTOR DE L AW & O RDER A sérieLaw & Order atrai há 19 anos os fãsamericanos de TV ao refletir a complexidade,algumas vezes angustiante, do sistema de justiçacriminal da vida real.

    Additional Resources

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    O sistema de júris dos EUA deriva de uma prática britânicacujo objetivo era proteger os súditos contra a tirania do rei.Durantes séculos, o sistema evoluiu com as mudanças sociaise sobreviveu, continuando a servir para refrear o poder do governo. Fred Graham é âncora da truTV, inicialmentechamada TV Tribunal, e foi o principal relator de casos daCBS News de 1972 a 1987.

    No primeiro trimestre de 2009, detentos do presídioRoumieh, no Líbano, tiveram permissão para encenaruma peça de teatro. Escolheram executar uma versão

    árabe de12 Homens e Uma Sentença , originalmente um dramada televisão americana e depois um filme de sucesso de 1957sobre jurados que discutem acaloradamente em um processo deassassinato e terminam por considerar o réu inocente.

    A versão encenada pelos presos foi um sucesso arrasador— a despeito do fato de que o Líbano, como a maioria dasnações, não tem julgamento por júri, e todos os espectadorespresos tinham sido trancafiados sem o benefício do tipode deliberações angustiadas que constituem a essência deum julgamento pelo tribunal do júri. De fato, 90% dos julgamentos por tribunal de júri no mundo todo ocorrem nosEstados Unidos, onde essa prática prospera.

    O que torna o sistema de júri americano tão fascinante aosolhos do público? Por que ele faz sucesso nos Estados Unidose mal existe nos outros lugares? O sistema dos EUA carregaas sementes de sua própria destruição, tal como aconteceuem outras nações que outrora usaram júris em larga escala egradualmente os substituíram por decisões de juízes?

    As respostas devem ser encontradas nas raízes históricasdo sistema de júri americano e em sua notável capacidade de

    ajuste a mudanças legais e sociais, que, não fosse isso, poderiamparecer ameaçar a vitalidade do julgamento por júri.O sistema de júri americano foi herdado da Inglaterra

    medieval, em que grupos de 12 homens “livres e cumpridoresda lei” em cada comunidade eram convocados a ajudar o reia fazer justiça. Durante séculos, esses grupos basearam suasdecisões naquilo que conheciam do mau comportamentolocal. Porém, à medida que a população da Inglaterraaumentava, de modo geral esses jurados não podiam basear-se nas fofocas dos vizinhos e passaram a basear suas decisões,

    cada vez mais, nas provas que ouviam no tribunal. Na épocem que o sistema jurídico americano absorveu o modelobritânico, os jurados dos EUA eram admoestados a ignorartudo que talvez soubessem sobre o caso e decidir os fatosunicamente com base nas provas apresentadas em juízo.

    Os britânicos tinham considerado os julgamentos portribunal do júri como uma defesa em potencial contra as açõesrei, mas havia outro motivo mais pragmático para a manutençãdo julgamento por júri. A lei inglesa continha penalidades seveincluindo a pena de morte por crimes relativamente menores. O júris britânicos serviam para suavizar esse impacto, absolvendoou considerando-os culpados de crimes menores.

    R ESISTÊNCIA À OPRESSÃO

    A lei americana não apresentava esse problema, masos colonos americanos do século 18 tinham seus própriosmotivos para manter o julgamento por júri — eles o usavamcomo escudo para bloquear o que consideravam processostirânicos dos britânicos. Era comum os governantes britâniindiciarem americanos pelo embarque ilegal de mercadoriaem embarcações não britânicas, para depois os júris locaisabsolverem os acusados. Quando o eminente editor-chefeamericano John Peter Zenger foi levado a julgamento porcriticar um governador nomeado pelo rei britânico, um júride Nova York o considerou inocente e criou um precedentepioneiro para a liberdade de imprensa. Assim, quando osamericanos se decidiram pela revolução, não foi surpresa qem sua Declaração de Independência denunciassem o reibritânico “por nos privar, em muitos casos, dos benefícios julgamento por júri”.

    E, quando adotou sua Declaração de Direitos em

    1791, a nova nação especificou que “em todos os processocriminais, os acusados terão direito a um julgamento rápidpúblico, por um júri imparcial”. Ela também estabeleceu qo direito a julgamento por tribunal do júri em processos civdevia ser preservado.

    Nos anos seguintes, a Suprema Corte dos EUA interpretoessas garantias de maneira a ajustar o conceito do júri para quatendesse a condições variáveis. Enquanto o serviço de júri fooutrora limitado a homens brancos com propriedades, o direita servir em um júri foi gradualmente estendido a minorias e

    Os Júris AmericanosFred Graham

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    a mulheres. A lei estabelecia que o direito a julgamento porum tribunal do júri não se estendia aos casos triviais e queo réu podia renunciar ao direito a um júri e apresentar-se a

    julgamento perante um juiz. Originalmente, todos os júristinham 12 membros, cujas decisões precisavam ser tomadaspor unanimidade, mas a Suprema Corte introduziu maiorflexibilidade no sistema ao estabelecer que os júris tambémpodiam ter só seis membros e que nem todos os veredictosprecisavam ser obtidos por unanimidade. Tradicionalmente, os

    réus pobres tinham de enfrentar os promotores sozinhos perano júri, mas a Suprema Corte estabeleceu que o governo deviafornecer-lhes advogados de defesa sem cobrar.

    Até certo ponto, o direito a julgamento por júri parece mimponente do que é na realidade porque, na prática, a grandemaioria de pessoas acusadas não invoca seu direito a julgamepor um tribunal do júri. Eles percebem que, se forem a julgamento perante um júri e forem considerados culpados, sconduta imprópria terá sido realçada pelos depoimentos e o

    juiz tenderá a aplicar uma penalidade pesada. Assiminiciam uma transação penal com o promotorpúblico — concordam em declarar-se culpados deum delito menos grave em troca de uma sentençareduzida. A acusação com frequência concorda emnegociar a pena porque isso lhes poupa problemasdespesas e a incerteza de ir a julgamento. Emmuitas jurisdições, mais de 90% dos processossão resolvidos desse modo, sem julgamento pelotribunal do júri.

    Essa grande dependência da transação penal émuitas vezes criticada por observadores do sistem jurídico americano. Ela reflete a realidade de queenquanto na teoria a acusação e a defesa devem tas mesmas chances de vitória perante um júri, naverdade a acusação tem muitas vantagens. O réutem direito a assessoria jurídica, mas quase semprseu advogado é um defensor público inexperientesobrecarregado de trabalho e inclinado a liquidaro assunto negociando a pena em vez de lutardiante de um júri. Além disso, a acusação dispõenormalmente de muito mais dinheiro do quea defesa para gastar na investigação do caso, naanálise das provas e na verificação dos candidatos jurados. O resultado é um certo grau de descrençaentre os réus com relação ao direito ao julgamentopor júri, que muitas vezes parece prometer-lhesmais do que oferece em termos de justiça.

    Na verdade, acadêmicos, juizes e outros

    observadores do sistema de júri apontam umasérie de problemas resultantes dos desdobramentomodernos que não poderiam ter sido imaginadospelos estadistas que sacramentaram o direito a julgamento por júri na Declaração de Direitos.

    O IMPACTO DA R AÇA

    Um dos problemas mais preocupantesé o impacto da raça na seleção do júri.

    Anatomia de um Crime (1959) — Em uma pequena cidade, um impopular oficialdo exército é acusado do assassinato de um barman que, segundo ele, teria estupradosua coquete esposa. Esse filme realista retrata o comportamento, longe do ideal, dosparticipantes do julgamento, mas admite que mesmo autos processuais altamenteimperfeitos podem conduzir a uma solução razoável, ainda que imperfeita. O juiz(interpretado por Joseph N. Welch, famoso advogado na vida real, à esquerda) conversacom o advogado de defesa (interpretado por Jimmy Stewart, ao centro) e o promotorpúblico (interpretado por George C. Scott, à direita)

    SELEÇÕES DA ORDEM DOS A DVOGADOS DOS EUA

    © T i m e & L i f e P i c t u r e s / G e t t y I m a g e s

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    Tradicionalmente, durante a seleção do júri os dois lados têm odireito de recusar a inclusão de certos candidatos no grupo semdar nenhuma explicação. Nos últimos anos, alguns promotores

    usaram suas recusas (chamadas “impugnações peremptórias”)para retirar do júri todos os afro-americanos, que os promotoresacreditam ser inclinados a favorecer os réus nos processoscriminais. A Suprema Corte condenou essa prática e estabeleceuque os promotores precisam ter motivos válidos para recusaros negros nos júris. Mas tem sido difícil fazer cumprir essaregulamentação, porque os promotores se tornaram hábeisem citar motivos outros que não a raça para remover possíveis jurados negros. O resultado é um ressentimento feroz entrealguns réus negros e seus advogados contra um sistema queacreditam negar aos réus um júri composto por seus pares.

    Outro problema que os fundadores dos Estados Unidos jamais poderiam ter antecipado é o efeito de réus famosossobre o sistema de júri. A popularidade da televisão e docinema nos Estados Unidos criou uma cultura da fama emque os ricos e famosos são vistos por algumas pessoas comotendo mais direitos do que as pessoas comuns. Isso podecausar um resultado estranho quando uma celebridade estásendo julgada e seus admiradores fazem parte do júri.

    Exemplo clássico disso foi o julgamento, na Califórnia,do falecido artista Michael Jackson por assédio sexual a ummenor em 2005. Durante a seleção do júri, ficou óbvio que,

    embora participar do júri no longo julgamento seria penoso,vários candidatos manobraram para fazer parte do júri. Vieramespectadores do mundo inteiro para ver Jackson sendo julgade alguns dos jurados ficaram tão empolgados com o estrelatoque se comportaram de modo estranho. Para citar um exemplum jurado contrabandeou para a sala do júri o videoteipe deum relato televisivo do julgamento. Depois de Jackson tersido absolvido por unanimidade de todas as condenações, doi jurados foram para a televisão e declararam que na verdade eera culpado e que eles pretendiam escrever um livro sobre o c

    A produção literária dos jurados é um problema persistenem casos de celebridades. Para muitos jurados, a negociação um livro é a melhor oportunidade de sua vida de juntar um bodinheiro, e a tentação pode ser irresistível. Depois do julgamesensacional do ex-astro do futebol americano e ator O.J.Simpson — em que foi absolvido, com muitas controvérsias,da acusação de assassinato da ex-esposa e do amigo dela — o juiz de primeira instância lamentou que todos os juradostivessem participado de alguma forma do projeto de um livroObservadores legais reconhecem o direito dos jurados de escrsobre seu caso, conforme a liberdade de expressão garantida Primeira Emenda, mas a maioria dos críticos acredita que essprática pode ter um efeito maléfico sobre o sistema de júri.

    O setor urbano dos Estados Unidos apresenta outrosproblemas para o sistema de júri que não podiam ter sidoprevistos pelos fundadores da Constituição americana. Acobertura de casos dignos de nota pela mídia tornou-se tãodifundida que a escolha de um júri imaculado pode levarsemanas ou, às vezes, até meses. Uma nova profissão deconsultores de júri aprendeu a usar técnicas sofisticadas depesquisa de opinião para ajudar advogados forenses a selecio júris que lhes sejam favoráveis. Julgamentos por júri de casosmaior repercussão são muitas vezes tão complicados que os rque podem pagar advogados caros levam vantagem, alimentaa percepção pública de que o sistema favorece os ricos.

    Apesar dos problemas, o sistema de júri tem bases sólinos Estados Unidos. Os jurados exercem o impressionantepoder do Estado de punir ou não os cidadãos. Nesse sentideles pairam acima do soberano — e isso os transformou emobjeto de fascinação no mundo inteiro. n

    As opiniões expressas neste artigo não reetem necessariamente a poas políticas do governo dos EUA

    Número estimado de julgamentos por tribunal

    do júri nos EUA, por ano: 154 mil (149 mil em

    tribunais estaduais, 5 mil em tr ibunais federais)

    • 66% processos criminais (47% de delitos

    graves mais 19% de delitos leves)

    • 31% de processos civis

    • 4% outros

    Fonte : State-of-the-States Survey of Jury ImprovementEfforts[Iniciativas para Melhoria dos Júris da State of theStates] (Abril de 2007), Centro Nacional dos TribunaisEstaduais .

    Obs.: A soma ultrapassa 100 devido a arredondamentos.

    SERVIÇO DE JÚRI NOS ESTADOS UNIDOS

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    Provar a culpa acima de qualquer dúvida razoável pode serum teste bastante difícil para os jurados. Embora exista a possibilidade de o culpado sair livre após o julgamento pelotribunal do júri, esse sistema ainda supera qualquer outro. A narrativa a seguir sobre o julgamento de um assassinato éverdadeira, mas o autor trocou os nomes dos envolvidos. D.

    Graham Burnett é professor de História da Universidadede Princeton e editor da revista Cabinet no Brooklyn, NovaYork. Também é autor de vários livros, entre os quais A TrialBy Jury [Um Julgamento por Júri]e, mais recentemente ,Trying Leviathan [Julgamento de Leviatã].

    Como é participar de um júri? Milhões deamericanos poderiam responder a essa pergunta,cada um deles de forma diferente. Mas o fato de

    cada um ter uma resposta — e de ter entrado em umasala de audiência, testemunhado o desenrolar de um julgamento e finalmente julgado um concidadão — dizmuito sobre os ideais de abertura e democracia aos quaiaspiramos nos Estados Unidos.

    Os Estados Unidos não são de forma alguma uma

    nação perfeita, nem temos qualquer coisa semelhante a usistema jurídico perfeito, mas nossa tradição de júris decidadãos proporciona aos americanos comuns uma notávoportunidade de participar de modo íntimo e desafiadorda manutenção do Estado de Direito e da construção deuma sociedade justa.

    Não devemos romantizar essa instituição (éimportante lembrar que, na grande maioria, os casos legnos Estados Unidos são resolvidos sem ir a julgamentopelo tribunal do júri), e há sempre o perigo de que a

    O Papel do JúriD. Graham Burnett

    © M o n a

    S h a f e r E

    d w a r

    d s / A P I m a g e s

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    ênfase excessiva na força sedutora do caráter cívico dosistema de justiça por júri nos desvie das característicasestruturais e administrativas mais amplas da prática jurídica americana (como o recurso de transação penal).No entanto, qualquer pessoa que queira entender o modocomo funciona a lei nos Estados Unidos deve consideraro júri e examinar seu papel nos tribunais e na vida dosamericanos — tanto os acusados de crimes quanto aqueleschamados a decidir sua sorte.

    Sou historiador e leciono em uma universidadeamericana. No exercício da minha função, lido com ahistória da ciência e da tecnologia do século 17 ao sécul20 e não tenho conhecimentos jurídicos formais. Háaproximadamente 10 anos, contudo, escrevi um pequenolivro sobre minha experiência como primeiro jurado no julgamento de um assassinato em Manhattan. Esse livro A Trial By Jury [Um Julgamento por Júri] , recebeu muitaatenção pela descrição dos esforços do júri para chegarao veredicto em um caso difícil e continua a ser lido emfaculdades de Direito e por formuladores de políticas paesclarecer o modo como os júris funcionam (e como nãofuncionam!). O objetivo da narrativa que se segue é darum resumo da história contada em detalhes nesse livro eoferecer algumas reflexões sobre o que aprendi da minhexperiência como jurado.

    UM ASSASSINATO HORRENDO

    Quando a polícia arrombou a porta de um pequenoapartamento na baixa Manhattan, no terceiro trimestre d1998, encontrou Randolph Cuffee caído de cara no cantsob uma janela. Estava “mortinho da silva”: tinha maisde 20 facadas no alto das costas, no pescoço e na base dcrânio. Eram feias, com certeza, mas o golpe fatal estavde fato, escondido: um único corte no peito que haviaseccionado a aorta de Cuffee; ele deve ter sobrevivido ppoucos minutos após receber esse ferimento.

    Quando me sentei no banco de jurados em uma salade audiência de Manhattan dois anos depois, olhandoas fotos do corpo apresentadas pela acusação, a políciatambém já havia encontrado o jovem que empunhara afaca: Monte Milcray, sentado, olhando diretamente parafrente, diante do banco com seu advogado. Milcray alegque um dia estava andando pelas ruas de Nova Yorkquando encontrou uma jovem atraente que entabulouconversa com ele e deu o número de seu telefone,sugerindo um encontro em alguma ocasião. Como decid

    aceitar o convite, telefonou-lhe uma noite e anotou oendereço de seu apartamento em Greenwich Village. Achegar lá, ela o levou para um quartinho mal iluminadoonde sentaram em um sofá e assistiram a um programapicante de televisão.

    No entanto, somente quando começaram a se despiré que Milcray percebeu que sua nova conhecida não eramulher e sim um homem — um homem de pé entre elee a porta. De acordo com Milcray, o que aconteceu emseguida foi uma tentativa de estupro masculino. Na luta

    Estimativa do número de pessoas convocadasa cada ano a prestar serviço como jurado nosEstados Unidos: 32 milhões:• Número estimado de convocações devolvidas

    pelo correio, marcadas como destinatário nãoencontrado: 4 milhões.

    • Número estimado de pessoas desqualificadaspara o serviço (não cidadãos, não residentes,presos por crime qualificado): 3 milhões.

    • Número estimado de pessoas isentas do serviço(pessoas que prestaram serviço como juradorecentemente, pessoas com determinadasocupações): 2 milhões.

    • Número estimado de pessoas dispensadas pordificuldades financeiras ou médicas: 3 milhões.

    • Número estimado de pessoas “dispensadas”pelos tribunais antes da data marcada porcancelamento ou adiamento dos julgamentos: 8milhões.

    • Número estimado de pessoas que simplesmentenão aparecem após terem sido convocadas: 3milhões.

    • Número estimado de pessoas que se apresentampara prestar serviços como jurado a cada ano: 8milhões.

    Número estimado de jurados arrolados a cadaano: 1,5 milhão.

    Fonte: State-of-the-States Survey of Jury Improvement Efforts[Pesquisa de Iniciativas para Melhoria dos Júris da State-of-the-States] (abril de 2007), Centro Nacional dos TribunaisEstaduais.

    SERVIÇO DE JÚRI NOS ESTADOS UNIDOS

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    Milcray sacou um pequeno canivete do bolso da calça eesfaqueou seu atacante, primeiro no peito e, em seguida,sem poder se livrar de um abraço indesejado, várias vezesnas costas. Quando Randolph Cuffee caiu, Milcray correupara a porta e fugiu.

    Essa, pelo menos, foi uma das histórias que elecontou. Houve várias versões.

    De início, ao fugir pelas ruas da cidade apinhadas degente, com sangue por todo o corpo (ele quase seccionouo dedo mínimo enquanto golpeava com a faca), Milcrayhavia implorado ajuda aos passantes e foi para o hospital,alegando ter sido atacado por um bando de brancos que ohaviam surrado (tanto Milcray quanto Cuffee eram negros).Somente mais tarde, quando a polícia retirou-o do hospitale apresentou-o como suspeito do assassinato de Cuffee,ele admitiu ser o assassino, incluindo na sua confissãoessa fantástica versão de sedução e identidade errada. (Alocalização de Milcray resultou de conjeturas da polícia: osdetetives sempre vão aos hospitais locais em busca de pessoascom ferimentos nas mãos após um esfaqueamento, pois émuito comum cortar-se ao golpear alguém com uma facarepetidamente.) Acontece que ao tomar assento no bancodas testemunhas no tribunal para se defender da acusação deassassinato, Milcray modificou sua história de novo, dizendoque de fato havia conhecido a vítima por meio de um sistemade bate-papo telefônico, mas manteve a parte sobre o enganoquanto ao sexo de Cuffee e sobre a tentativa de estupro.

    CHAMADO AO DEVER

    Como me envolvi com todo esse horror? Bem,como bom cidadão, simplesmente registrei-me comoeleitor. Bastou isso para colocar em movimento asrodas da burocracia. Naquela época, minha esposa e eusublocávamos o apartamento de um amigo e havíamosterminado recentemente nossos estudos e iniciado a vidaprofissional: minha mulher estava trabalhando comoorganizadora política das bases e eu estava tentando

    transformar minha tese de doutorado em livro, naesperança de encontrar um emprego de professor.Estávamos os dois muito ocupados, portanto fiquei

    bastante irritado quando chegou pelo correio a notificaçãopara me apresentar ao serviço de júri no tribunal ao sulde onde morávamos. Resmunguei, mas fui e sentei-meem um grande saguão durante mais ou menos um dia,enquanto os nomes eram tirados de um grande globo desorteio e as pessoas eram encaminhadas para as diferentessalas de audiência.

    Quando meu nome surgiu, ainda pensei que haviapouca probabilidade de eu acabar fazendo parte de um júri, porque os advogados e o juiz podem interrogar cad jurado potencial para verificar sua adequadação ao casoquestão, de acordo com o processo conhecido como “voirdire ”. Há várias maneiras de ser retirado de um processo(por exemplo, se você disser que é racista ou tem muitomedo ou se já tem uma opinião formada sobre o caso), epresumi que seria considerado inadequado de uma formou de outra.

    Mas não. Embora tenha respondido a muitas perguntade forma dogmática (por exemplo, disse que era contraa pena de morte e não tinha certeza, em sã consciência,de poder condenar um réu que corresse o risco de ter suamorte decretada pelo Estado), fui escolhido como juradoe, na verdade, recebi a incumbência de presidir o corpo d jurados composto de doze americanos bem diferentes entsi: quatro homens, oito mulheres, sendo nove brancos, dnegros e um hispânico; metade deles com menos de trintaanos; cerca de metade, profissionais liberais de um tipo ode outro. Iríamos nos conhecer muito bem durante as trêssemanas seguintes.

    É impossível repetir todas as reviravoltas e surpresas ddepoimento que ouvimos ou reproduzir a intensidade dosquatro dias que passamos juntos em deliberações secretassobre o nosso veredicto. Em casos sérios como o nosso, écomum que os jurados sejam mantidos em custódia peloEstado enquanto tentam chegar ao consenso sobre o caso —e, portanto, não nos permitiram ir para casa nem falar coma família durante as 66 horas de nossa decisão final. Éramescoltados durante as refeições por funcionários do tribunamantidos em hotéis durante a noite, cuidados por guardas.

    Tudo isso foi muito mais do que animadas lições decivismo; foi um contato perturbador com o poder doEstado e com o assunto desagradável em nossas mãos.Em nossa provação, atrás das portas fechadas da sala do jurados, lutávamos para entender nossas responsabilidade dar sentido a uma quantidade imensa de provas

    conflitantes e complicadas. Houve lágrimas e brigas,silêncios comoventes, conversas sobre Deus e gays everdade e justiça. Foi uma deliberação democrática elevao nível de um esporte radical.

    O V EREDICTO

    Acima de tudo, batalhamos para entender o quesignificava o Estado ter de provar seu caso “além de umdúvida razoável”. É um padrão bem elevado. E quando

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    um réu alega ter agido em legítima defesa, o ônus da provarecai sobre o Estado, que deve provar além de qualquerdúvida razoável que o réu não procedeu assim. Doishomens entram em uma sala e um sai, alegando ter sedefendido. Nenhuma testemunha. Nenhuma evidênciade crime violento anterior por nenhum dos envolvidos.Quem pode dizer “além de uma dúvida razoável” que osobrevivente está mentindo?

    Não podíamos. E, no final, nós o absolvemos.Não que estivéssemos felizes com isso. Não

    gostávamos do réu. Achávamos bem provável que eleestivesse mentindo sobre o caso todo. Pensamos serbem possível que ele tivesse simplesmente assassinadoCuffee que, com toda probabilidade, era seu amante.Mas também percebemos que não perguntaram o queachávamos possível ou provável. Perguntaram o que haviasido provado além de qualquer dúvida razoável.

    Foi feita justiça na sala do tribunal? Francamente,não tenho certeza. Aplicamos a lei da forma comofomos instruídos? Acredito que sim. O veredicto de “nãoculpado” — lembramos uns aos outros quando saímos dasala do júri — não significa inocente.

    Por que o ônus da prova era tão alto? Aprendemosmuito sobre isso durante nosso próprio serviço de júri,pois tivemos um vislumbre da sombra do terrível poderdo Estado em nossa ausência de liberdade durante quatrlongos dias de retiro forçado — contra o qual, afinal decontas, cada cidadão tem somente outros cidadãos emsua defesa. Isso, para mim, foi a lição mais profunda doserviço de júri. E é uma lição que jamais será esquecid

    As pessoas às vezes me perguntam se o sistema de jrealmente funciona. Cheguei a uma conclusão sobre essquestão em uma paráfrase da famosa frase espirituosa d Winston Churchill sobre democracia, considerada por ela pior forma de governo, com exceção de todas as outraPara construir uma sociedade, devemos punir os outrospelos crimes cometidos. Quem deveria tomar essa decispossivelmente fatal? Nos Estados Unidos, a resposta é “ júri de pares”. Com certeza nem sempre é agradável, maas alternativas são melhores? Tem certeza?

    As opiniões expressas neste artigo não reetem necessariamente a poas políticas do governo dos EUA.

    SERVIÇO DE JÚRI NOS ESTADOS UNIDOS

    Duração média dos julgamentos pelo tribunal do júri: cinco dias para julgamentos de processos penais,quatro dias para julgamentos civis.Duração média das deliberações do júri: quatro dias para julgamentos criminais e civis.

    Fonte: State-of-the-States Survey of Jury Improvement Efforts [Pesquisa de Iniciativas para Melhoria dos Júris da State-of-the-States] (abril de 2007), Centro Nacional dos Tribunais Estaduais

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    Acusação (arraignment ) – (subst.) Processo em queum réu criminal é trazido perante um tribunal para serformalmente acusado e declarar-se culpado ou inocente.Veja também Acusação escrita (presentment).

    Acusação (charge) – (subst.) Uma incriminação. (verbo) Acusar uma pessoa de um crime.

    Acusação escrita ( presentment ) – (subst.) Primeirocomparecimento do réu perante um juiz, quando sãolidas as acusações e é determinada uma fiança. A acusação

    escrita precederá a acusação formal se o réu for preso antesde seu indiciamento por um grande júri.

    Advogado de defesa ( defense counsel ) – (subst.) Advogado que representa o acusado em uma açãocriminal municipal, estadual ou federal. A Sexta Emendaà Constituição do EUA [ver abaixo] provê, em parte,que “Em toda ação penal, o acusado deve dispor ... deassistência jurídica para sua defesa.”

    Ataque colateral ( collateral attack ) – (subst.)Contestação à legalidade ou constitucionalidade dadetenção de uma pessoa, tal como uma petição para

    um mandado de habeas corpus. Pode-se alegar erros no julgamento ou uma sentença ilegal.

    Audiência (hearing ) – (subst.) Procedimento judicialno qual um tribunal recebe provas sobre uma questãoespecífica ou ouve a argumentação sobre um ponto jurídico. As audiências podem ocorrer antes, durante ouapós um julgamento ou recurso.

    Audiência preliminar ( preliminary hearing ) – (subst.) Audiência criminal perante um juiz para decidir se háprovas suficientes para processar o preso ou encaminhar oprocesso a um grande júri para um possível indiciamento.

    Causa provável ( probable cause) – (subst.) Crençarazoável de que um crime ocorreu, está ocorrendo ouirá ocorrer, o que é suficiente para justificar a prisão deuma pessoa, uma busca ou um confisco de propriedade.É geralmente descrita como mais do que uma simplessuspeita.Condenação ( conviction) – (subst.) Em um processopenal, sentença em que o réu é considerado culpado deum crime.

    Contradita da promotoria ( prosecutor’s rebuttal case) – (subst.) Como o governo tem o pesado ônus de provara culpa do réu, ele tem o direito de apresentar provasadicionais após o réu ter apresentado seus argumentos.Mas se o réu não apresentar suas próprias provas, ogoverno não terá o direito de apresentar uma contradita,pois não haverá provas adicionais a refutar.

    Declaração ( plea) – (subst.) Em um processo criminalnos EUA, o réu geralmente se declara “inocente” emseu primeiro comparecimento perante o tribunal ou

    juiz. Mais tarde, se as circunstâncias o permitirem, o réupode mudar sua declaração para “culpado”, admitindoas acusações contra ele, ou pode continuar insistindoem seu direito de ir a julgamento e ser condenado pelotribunal, quase sempre em um julgamento por um júri.Em casos especiais, o réu, por meio de seu advogado, podeclarar-se “inocente por motivo de insanidade”, e a deftem de provar que o réu não deve ser responsabilizadocriminalmente por suas ações por causa de um gravedefeito ou deficiência mental. (verbo) Declarar em juízo— o ato verbal de fazer uma declaração em juízo.

    Depoimento ( testimony ) – (subst.) Prova fornecida por

    uma testemunha sob juramento em um tribunal.Detenção ( arrest ) – (subst.) Retenção física de umapessoa em custódia legal com base em um mandado deprisão ou causa provável. Detento é a pessoa que está sodetenção.

    Direito de defesa legal ( right to counsel ) – (subst.) ASexta Emenda à Constituição do EUA assegura que todapessoa acusada de um crime tem o direito de constituirum advogado para ajudá-la em sua defesa. Se o réu tiverecursos, ele poderá contratar um advogado de sua escocaso contrário o tribunal indicará um advogado de um

    escritório de defensoria pública ou de uma ordem deadvogados particular para defendê-lo.

    Fase probatória da promotoria ( prosecutor’s case-in-chief ) – (subst.) Nos tribunais dos Estados Unidos, opromotor público sempre apresenta os argumentos dogoverno primeiro, e a prova deve ser forte o suficientepara que, se não refutada pelo réu, possa sustentaruma condenação. Se a prova for fraca, o réu poderá terdireito a uma sentença de absolvição ao encerramentoda fase probatória da promotoria. Veja tambémMoção

    Glossário de Termos sobre Tribunal de Júri

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    para sentença de absolvição ( motion for judgment ofacquittal ), Contradita da promotoria ( prosecutor’srebuttal case).

    Fiança (bail ) – (subst.) Entrega de dinheiro ou bens aum tribunal para obter a soltura provisória de um réu egarantir o seu comparecimento no tribunal em uma datafutura. Nos Estados Unidos, a fiança por pequenos delitos

    às vezes é estipulada de acordo com a penalidade máximapara o delito, permitindo ao réu “depositar e perder” afiança em vez de sujeitar-se a futuras audiências. (verbo)Obter a liberação de um réu por meio de dinheiro ou bens(“Ela pagou a fiança de seu irmão.”).

    Grande júri ( grand jury ) – (subst.) Grupo de cidadãosconvocados por um período de tempo para apreciar as provasapresentadas pela promotoria e decidir se foi cometido umcrime. O grande júri pode ouvir muitos processos duranteseu mandato. Se, após ouvir as testemunhas e examinar asprovas do processo penal, a maioria dos jurados entenderque foi cometido um crime e que uma determinada pessoaprovavelmente o cometeu, eles emitem um “libelo-crimeacusatório” acusando o suspeito de um crime.

    Habeas corpus ( habeas corpus) – (subst.) Manobra jurídica antiga (“mandado de habeas corpus”) usada paratrazer um prisioneiro perante um tribunal, em geral paradescobrir se o governo tem algum fundamento legal paradetê-lo. Essa manobra data pelo menos do ano 1215 naInglaterra e é mencionada na Constituição dos EstadosUnidos. Veja também Ataque colateral (collateral attack).

    Indiciamento ou denúncia ( indictment ) – (subst.)Documento formal que representa a determinação deum grande júri de acusar uma ou mais pessoas de haver

    cometido um crime (“libelo-crime acusatório”).Intimação ( subpoena) – (subst.) Documento (oumandado) exigindo que uma pessoa preste depoimento oapresente documentos perante um tribunal ou grande júr

    Julgamento ( trial ) – (subst.) Processo judicial formalpara receber provas e produzir um veredicto como, porexemplo, determinar se um réu criminal é culpado ouinocente. O “inquiridor” em um julgamento pode ser um juiz e um júri ou apenas um juiz.

    Julgamento criminal ( criminal trial ) – (subst.) Julgamento, de acordo com o Direito Penal, de delitoscontra o próprio estado, ações que podem ser dirigidascontra uma pessoa, mas que são consideradas ofensivassociedade como um todo — por exemplo, assalto à mãoarmada ou estupro.

    Julgamento de ação civil ( civil trial ) – (subst.) Julgamento,de acordo com o Direito Civil, relativo ao relacionamentoentre um cidadão comum e outro, entre um cidadão comume uma empresa ou entre uma empresa e outra.

    Júri ( jury ) – (subst.) Grupo tradicionalmente composto por6 a 12 cidadãos que analisam as provas durante o julgamene decidem o veredicto (“culpado” ou “inocente”). Um oumais jurados podem ser escolhidos como suplentes caso um jurado se torne impossibilitado de comparecer ao julgamene não possa ser dispensado de seus deveres.

    Mandado ( warrant ) – (subst.) Ordem emitida por umtribunal ou magistrado autorizando uma busca ou umconfisco de propriedade (“mandado de busca e apreensãou a prisão de uma pessoa (“mandado de prisão”).

    Mandado de busca e apreensão ( search warrant ) – VejaMandado ( warrant ).

    Moção (motion) – (subst.) Solicitação para que o tribunaltome uma decisão sobre uma questão específica — talcomo se certas provas, incluindo uma confissão de culpserão admissíveis no julgamento ou se, devido a erros, unovo julgamento será marcado. Solicitações de serviçosespeciais, tais como o agendamento de testemunhas ouintérpretes especializados, são geralmente feitas por meide uma moção, oral ou escrita, pelo advogado. As moçõpodem ser feitas antes, durante ou após um julgamento recurso.

    SERVIÇO DE JÚRI NOS ESTADOS UNIDOS

    Para qualificar-se para o serviço de júri na

    maioria dos tribunais estaduais e federais

    dos EUA, uma pessoa precisa ser cidadão

    americano, residir na jurisdição geográfica

    atendida pelo tribunal, ter no mínimo 18

    anos de idade, falar e entender inglês e

    não estar sob impedimento legal (crime

    qualificado, condenação ou incompetência).

    Fonte: State Court Organization [Organização dosTribunais Estaduais], 2004, Departamento de Justiçados EUA, Bureau de Estatísticas da Justiça.

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    Moção para sentença absolutória ( motion for judgmentof acquittal ) – (subst.) Solicitação feita pelo advogado dedefesa para que o juiz dê ao réu o veredicto de inocente

    com base no fracasso da promotoria em apresentar provasde sua culpa além de uma dúvida razoável. Acontece emgeral no início do julgamento, depois da fase probatóriada promotoria e, se negada pelo tribunal, é renovada aoencerramento da contradita da promotoria.

    Ordem judicial ( writ )– (subst.) Ordem judicial exigindoque um ato seja ou não realizado.

    Pena ( sentence) – (subst.) Punição imposta a um réu apósa condenação, tal como uma multa ou um período dereclusão. Trinta e cinco estados americanos e o governofederal podem impor a pena de morte para assassinatos outraições particularmente hediondos.

    Promotor público ( prosecutor ) – (subst.) Advogado querepresenta o governo (municipal, estadual ou federal) nosprocessos criminais.

    Prova (evidence) – (subst.) Qualquer coisa recebida(“admitida”) em um processo judicial que possa provara veracidade ou falsidade de um fato controverso. Aprova pode ser física, como uma arma ou uma roupamanchada de sangue, ou não, como o depoimento de umatestemunha.

    Queixa (complaint ) – (subst.) Acusação formal de crimeregistrada com ou pela polícia e apresentada ao tribunal noprimeiro comparecimento do réu a juízo.

    Recurso (appeal ) – (subst.) Revisão, por um tribunalsuperior, de decisão ou veredicto de um tribunal deinstância inferior.

    Relatório pré-sentença ( presentence investigation) – (subst.) Exame detalhado do histórico de um réucondenado, em geral feito por um funcionário dotribunal conhecido como oficial de liberdade condicional,apresentado para ajudar o juiz que irá sentenciar o réu.O ideal é que o relatório seja uma análise objetiva do réue de seu crime, destacando quaisquer fatos que poderiamagravar ou mitigar a sentença.

    Réu (defendant ) – (subst.) Pessoa acusada de um crime etrazida perante um tribunal.

    Revelação (discovery ) – (subst.) Processo pelo qualos advogados inteiram-se do caso de seu oponente napreparação para um julgamento, o que inclui a solicitaçã

    de documentos e declarações orais.Sexta Emenda (Sixth Amendment ) – (subst.) Cláusulada Constituição dos Estados Unidos que relaciona muitodos direitos das pessoas acusadas de crimes nos tribunaiamericanos a fim de protegê-las e assegurar-lhes um julgamento justo. Reza ela: “Em todas as ações penais, acusado deverá ter direito a julgamento público e rápidopor um júri imparcial do Estado e do distrito em queo crime tiver sido cometido; ... a ser informado sobre anatureza e a causa da acusação; à confrontação com astestemunhas de acusação; à condução coercitiva para aobtenção de testemunhas em seu favor; e à assistência jurídica para sua defesa.” (Obs.: A Constituição dosEstados Unidos foi ratificada pela maioria dos 13estados originais em 1789. As 10 primeiras emendasà Constituição do EUA, também conhecidas comoDeclaração de Direitos, foram ratificadas em 1791.)

    Testemunha ( witness) – (subst.) Pessoa que depõe,sob juramento e com conhecimento real, sobre um fatoem questão em um caso. As testemunhas podem serconvocadas e questionadas (interrogadas) pela acusaçãopela defesa ou por ambas. Quando uma testemunhatermina de dar seu depoimento direto, a outra parte podeinterrogá-la com perguntas que podem evocar outros fatou desacreditar seu depoimento.

    Transação penal ( plea bargain ) – (subst.) Acordo entreo réu e a promotoria segundo o qual o réu concordaem declarar-se culpado em troca de uma consideraçãofavorável, tal como uma redução de pena ou uma sentenmais branda.

    Veredicto (veredict ) - (subst.) Decisão do “inquiridor”(júri ou juiz) ao final de um julgamento; em um julgamento criminal, o veredicto será “culpado” ou“inocente”. Se o júri não chegar a um acordo sobre overedicto (júri em “desacordo”), um novo julgamentopoderá ser marcado ou a promotoria poderá retirar asacusações a seu critério.

    Preparado por Jack King, diretor de Relações Públicas e Comunicaçõ Associação Nacional dos Advogados de Defesa Criminal, Washingto

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    Escolha do júri > Declarações iniciais > Fase probatória da promotoria > Moção do réu para sentença absolutória > Caso dadefesa > Contradita da promotoria > Moção renovada para sentença absolutória> Instruções ao júri > Alegações nais >Instruções nais ao júri > VEREDICTO ou júri que não é capaz de chegar a uma decisão unânime (recomeça no grande júri)

    AÇÃO PENAL FEDERAL TÍPICAEVENTOS QUE CONSTITUEM O PRETENSO CRIME

    DETENÇÃO INVESTIGAÇÃO

    QUEIXA CRIME/UNILATERAL EX PARTE DO JUÍZ

    ACUSAÇÃO ESCRITA— caso o mandado de prisão não seja emitido antes da prisão

    DETERMINAÇÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA FIANÇA

    AUDIÊNCIA PRELIMINAR:Indícios sucientes encontrados pelo juíz | Ausência de indícios

    sucientes encontrados pelo juíz

    PROCESSO ARQUIVADO

    GRANDE JÚRI: Testemunhas, intimações do promotor de justiça, documentos; jurados do grande júri apreciam as provas do promotor de justiça

    INDICIAMENTO SEM INDICIAMENTO (“libelo-crime acusatório não aprovado”)

    PROCESSOARQUIVADO

    ACUSAÇÃO E DISCUSSÃO JUDICIAL A RESPEITO DA FIANÇA

    (processo de “revelação” e transação penal antes do julgamento)

    MOÇÃO ANTES DO JULGAMENTO

    JULGAMENTOou DECLARAÇÃO DE CULPA

    JULGAMENTO:

    VEREDICTO:

    CULPADO

    Mal sucedido

    Mal sucedido

    ou

    ou

    ou

    INOCENTE

    Bemsucedido

    Bemsucedido

    FIM, PROCESSO ARQUIVADO

    Réu consegue novo julgamento (recomeça nogrande júri)

    Réu consegue novo julgamento (recomeça no grande júri

    MOÇÃO PARA NOVO JULGAMENTO

    RELATÓRIO PRÉ SENTENÇA(“relatório PSI”)

    AUDIÊNCIA PARA DETERMINAÇÃO DA PENA

    RECURSO PELO RÉU

    ATAQUES COLATERAIS SOBRE A CONDENAÇÃO OU SENTENÇA DE HABEAS CORPUS

    Fornecido por Jack King, diretor de Relações Públicas e Comunicações, Associação Nacional dos Advogados de Defesa Criminal, Washington, D.C.

    OU

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    O juiz precisa fazer os jurados entenderem que eles sãocomo juízes substitutos, imparciais sob juramento. Ricardo M. Urbina é juiz do Juízo Federal de Primeira Instância doDistrito de Colúmbia, em Washington.

    Q uando um juiz convoca um caso para

    julgamento perante um júri, sua missão éorganizar, facilitar e supervisionar um processoque levará a um resultado com base na análise justae imparcial das provas do caso. Os advogados querepresentam as partes desempenham um papel essencialna escolha dos jurados que atuarão sem preconceito oupredisposição no desempenho do seu dever. É o juiz, noentanto, o responsável pela garantia da integridade dosprocedimentos, assegurando o desempenho apropriado dosadvogados dentro dos limites das suas funções.

    O juiz decide antes e durante o julgamento quaisprovas propostas pelos advogados poderão ou não serconsideradas pelo júri. Nesse sentido, o juiz dá instruçõesaos membros do júri no início, durante e no final do julgamento com o intuito de guiá-los no processo deconsideração justa dos depoimentos, dos documentos e doutras provas do caso. O juiz, por seu próprio exemplo,

    motiva os jurados a considerar as questões com neutralidenquanto esperam pela conclusão do julgamento.Costumo dizer ao júri logo no início de um

    julgamento que a liberdade que normalmente temosde tirar conclusões precipitadas na vida cotidiana ficasuspensa no propósito do nosso trabalho. Em vez dissoos jurados devem considerar-se “juízes substitutos”sob juramento de imparcialidade, assim como eu. Essaautoimagem elevada os ajuda entender a importânciasolene de sua tarefa.

    O Papel do Juiz Ricardo M. Urbina

    © B i l l R o s s / A P I m a g e s

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    O Homem que Não Vendeu sua Alma (1966) – O júri, seguindo o rei inglês Henrique VIII (interpretado porRobert Shaw, à esquerda), nem mesmo delibera antes de condenar injustamente o lorde chanceler Thomas More(interpretado por Paul Scofield, à direita) por traição e condená-lo à execução. More não busca o martírio, masnão pode comprometer sua crença religiosa aprovando o divórcio de Henrique de Catarina de Aragão, que não lhedeu filhos, para se casar com Ana Bolena

    SELEÇÕES DA ORDEM DOS A DVOGADOS DOS EUA

    12 Homens e uma Sentença (1957) – Ao começar ofilme, o jurado número 8(interpretado por HenryFonda, quinto à esquerda) éo único voto de absolviçãoem um caso envolvendo umadolescente hispânico acusadode matar o pai. Na sala quentee apertada do júri, os homenslutam emocionalmente comseus próprios preconceitos elimitações enquanto algunsdeles contribuem com insightspessoais que começam alevantar dúvidas sobre apreponderância de provascircunstanciais indicando aculpa do rapaz

    © C i n e m a P h o t o / C o r b i s

    © A

    c e r v o

    J o h n S p r i n g e r /

    C o r

    b i s

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    Julgamentos pelosTribunais do Júri: Prós

    Neil VidmarEm uma comunidade, os julgamentos pelos tribunaisdo júri não somente dão credibilidade aos veredictos proferidos nos processos como também parecemtornar os jurados cidadãos melhores. Neil Vidmaré professor da cátedra Russell M. Robinson II deDireito na Escola de Direito da UniversidadeDuke na Carolina do Norte e coautor, com ValerieHans, do livro American Juries: The Verdict [Júris Americanos: o Veredicto], publicado em 2007.

    O júri é uma instituição singular. Dozecidadãos comuns, algumas vezes apenasseis, sem treino na área jurídica, sãoconvocados a ouvir provas sobre importantesconflitos criminais ou civis. Embora o juiz decidaa que provas eles têm acesso e os instrua sobre oprocesso, no fim são esses cidadãos comuns quedeliberam sozinhos e pronunciam o veredictode culpado ou inocente; algumas vezes decidemquem deve ser condenado a morrer ou, emcausas civis, quem deve vencer uma disputaque pode envolver muitos milhões de dólares.Mas são os júris suficientemente competentese responsáveis para tomar essas decisões?Evidências esmagadoras indicam que são.

    Centenas de estudos avaliaram acompetência dos jurados. Em um estudoclássico realizado em 1966 por dois professoresda Universidade de Chicago, Harry Kalven e

    Hans Zeisel, envolvendo 3.576 julgamentoscriminais e mais de 4.000 julgamentos civis,foi solicitado aos juizes que ouviram as mesmasprovas que os jurados, dar seu próprio veredictoantes de conhecer a decisão do júri. Juizes e júrisconcordaram cerca de 80% das vezes.

    Julgamentos pelosTribunais do Júri: Contras

    Peter J. van KoppenO sistema de julgamento pelo tribunal do júri é tãocomplicado e caro que força a maioria dos acusadosa aceitar transações penais feitas em sigilo. Nosrelativamente poucos casos que vão a julgamento, o jurados quase sempre analisam questões técnicas quvão além de sua capacidade. Peter J. van Koppené professor de Psicologia Forense da Faculdadede Direito da Universidade de Maastricht e daFaculdade de Direito da Universidade Livre,ambas na Holanda.

    Um belo dia você vai se consultar com seuclínico geral. Ao chegar, é recebido porum grupo de 12 pessoas. Uma delas,que parece ser o líder, alegremente diz a você queesse grupo está substituindo seu médico até opróximo mês. E acrescenta com segurança: “Nãose preocupe, meu bem, afinal quase tudo que osmédicos fazem é senso comum.” O que você faria?

    Na verdade, o líder está certo: quase tudo oque os médicos fazem é senso comum. Mas umaparte importante não é. E essa é a parte essencialdo trabalho de seu médico. Ainda mais essencialtalvez é que seu médico é capaz de distinguir umcaso difícil e raro, com risco para o paciente, deuma doença comum. O réu que entra na sala deaudiências sem ter negociado a pena é colocadofrente a frente com um desses grupos de jurados.Eles estão lá para analisar as provas e decidir se

    o acusado é ou não culpado. A questão é se um júri é melhor que a outra alternativa. Vou explicarrapidamente o que quero dizer com alternativa.

    Por certo, todo mundo preferiria ser atendidopor um clínico geral diplomado do que por um júrise passando por clínico geral, e isso vale para quase

    Continua na página 20 Continua na página 23

    Ponto-Contraponto

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    © 2009 Sean Kane

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    E os outros 20%? O estudo mostrou que os jurados entenderam as provas e a lei referentesàqueles casos, mas diferiram dos juizes nasperspectivas e nos valores que aplicaram aosproblemas. Resumindo, os júris seguiram ospadrões da comunidade, ao passo que os juizesaplicaram os padrões técnicos legais. As conclusõesdesse estudo foram reproduzidas muitas vezes.

    Outra pesquisa comparou os veredictos de júrisem processos de erro médico, com julgamentosindependentes feitos por médicos quanto àocorrência de negligência. Os veredictos do júricorresponderam quase exatamente aos dos médicos. Além disso, na maioria das vezes os júris tomarampartido do réu, mesmo no caso de pacientes comlesões graves, indicando que os jurados não foraminfluenciados por compaixão ao tomar suas decisões.

    Entrevistas detalhadas com jurados depoisde pronunciarem os veredictos em julgamentosenvolvendo depoimentos complexos de especialistasdemonstraram que suas análises são críticas ecuidadosas. Os jurados entrevistados reconheceramque os especialistas haviam sido selecionados emum processo contraditório. Empregaram técnicassensatas para avaliar o depoimento dos especialistas,tais como a avaliação da integralidade e coerência dodepoimento, comparando-o com outras provas no julgamento e avaliando-o em relação a seu próprioconhecimento e experiência de vida. Além disso, apesquisa mostra que, nas deliberações, os juradosreúnem suas opiniões individuais sobre as provas edebatem seus méritos relativos antes de chegar a umveredicto.

    PROJETO DE JÚRI NO ARIZONA

    Participei de um projeto extraordinário noqual eu e meus colegas pesquisadores gravamostodo o julgamento e as deliberações reais dos júrisem 50 casos de tribunais civis do Arizona. Nossasdescobertas respaldaram firmemente as conclusõesde outros estudos empíricos sobre a competênciados jurados. Por exemplo, em um julgamento,os jurados questionaram um médico que depôscomo representante de uma senhora que havia

    sido ferida em uma colisão entre dois carros, umOldsmobile e um Lincoln.

    • Porque não há registros médicos além dosdois anos anteriores ao acidente?

    • Que exames ou achados além da afirmaçãosubjetiva do paciente determinaram [seudiagnóstico de] uma enxaqueca?

    • Quais foram exatamente seus sintomas deenxaqueca?

    • Por que não foram feitos outros exames paradescartar outros problemas neurológicos?

    • Existe uma medição da quantidade deserotonina em seu cérebro?

    • O que faz a serotonina funcionar mal?• A cirurgia é o último recurso?• O que é indometacina? Pode causar

    transtornos se a pessoa tiver problemas depróstata?

    As perguntas feitas ao perito na reconstruçãodo acidente do queixoso no mesmo casoincluíram o seguinte:

    • Sem saber sua posição no assento ou seupeso, como você pode ter certeza de que elabateu o joelho?

    • Esses fatores mudariam sua estimativa davelocidade de 15 [pés por segundo] ?• Se um corpo em movimento permanece em

    movimento e se ela estava em movimentodesde antes até o impacto, como essemovimento começou e em que você se baseia?

    • Qual a altura da pessoa que se sentouem seu carro-modelo para reconstruir oacidente e qual seu peso?

    • Qual é a margem de erro em sua estimativade 10 [milhas por hora]?

    • O tempo de 50 a 70 milissegundos é baseadona estimativa do tamanho da parte amassada?

    • Você conclui que o Olds estava devagar efoi empurrado para a esquerda pelo Lincoln,então [se for assim] como o queixoso poderiamover-se para a direita e para a frente?

    Deliberações de outros júris registradas noestudo mostraram atenção semelhante quanto aosdetalhes.

    Julgamentos pelos Tribunais do Júri: Prós (continuação da página 18)

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    S ABEDORIA COLETIVAHá muitas razões lógicas para acreditar que,

    sob a orientação de um juiz que lhes explica a lei,um grupo de 12 leigos pode fazer um trabalhomelhor ao examinar provas e decidir um caso doque um juiz individualmente.

    É comum os julgamentos envolverem inúmerasquestões sobre o comportamento humano. Porexemplo, em casos de estupro praticado por pessoasconhecidas, geralmente há interesse em saber se o atofoi consensual, não se ocorreu. Um julgamento porassassinato sempre terá provas claras de um assassínio,mas girará sobre o fato de ter sido premeditado,cometido por impulso repentino, cometido em defesaprópria, ou cometido por um doente mental.

    Por que devemos supor que juizes sãomelhores do que jurados para determinar acredibilidade de uma testemunha que alega queo réu proferiu ameaças de morte ou que estavaoperando um esquema sofisticado para aumentaros valores das ações?

    Variáveis culturais abundam no veredicto dequalquer julgamento, seja por juiz ou por júri. Assim, em um processo de assassinato envolvendovítima e réu afro-americanos, um júri compostopor pelo menos alguns jurados afro-americanosseria capaz de entender melhor os insultosproferidos que levaram o réu a alegar que suavida estava em perigo do que um juiz branco quecresceu em um bairro de brancos?

    Em um dos julgamentos pelo tribunal do júrido Arizona envolvendo um queixoso hispânicoferido em acidente de carro, um jurado tambémespanhol explicou aos outros jurados que osespanhóis tendem a preferir quiropráticos amédicos, explicando assim por que o queixosonão seguiu a recomendação de procuraracompanhamento médico.

    Em outro julgamento, dois jurados queestavam familiarizados com conserto de carrospuderam explicar como um caminhão incendioue queimou completamente uma casa.

    SELEÇÕES DA ORDEM DOS A DVOGADOS DOS ESTADOS UNIDOS

    O Sol é para Todos (1962)– Desafiando sua própriacomunidade branca, o advogado Atticus Finch (interpretadopor Gregory Peck, à esquerda)defende um pobre afro-americano falsamente acusadode estuprar uma mulher brancaem uma pequena cidade do Alabama na década de 1930. A história, baseada em umromance de Harper Lee, écontada sob o ponto de vista dafilha de Finch, com seis anos deidade, que começa a aprender“o sentido social do certo e doerrado, da justiça e da injustiça,da crueldade do mundo e decomo ser corajoso frente a tudoisso”, diz a ABA

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    Em resumo, a variedade de experiências que os jurados carregam para o tribunal pode dar ao júrimelhor compreensão intuitiva dos fatos do que o juiz,que pode ter pouca experiência real com o ambienteespecífico no qual os eventos contestados ocorreram.

    ENFRENTANDO OS CRÍTICOS

    Críticos dos julgamentos por tribunal do júrimuitas vezes apontam casos emblemáticos. Um énotório: em 1994, uma senhora de 79 anos abriuprocesso por responsabilidade pelo produto por terse queimado ao derramar café quente servido emum restaurante da cadeia McDonald’s. A quantiade US$ 2,7 milhões fixada pelo júri por danoscausados à senhora gerou um debate sobre o quealgumas pessoas consideravam processos frívolos.

    Contudo, a maioria das pessoasprovavelmente desconhecia as provas que os jurados tiveram que considerar no caso:

    • O McDonald’s vendia seu café 20 grausmais quente do que o recomendado pelofabricante para satisfazer a preferência doconsumidor.

    • A senhora teve queimaduras de segundo eterceiro graus em sua área genital, necessitandode longa cirurgia e enxerto de pele.

    • O McDonald’s tinha recebido mais de700 queixas anteriores sobre seu café,mas nunca consultou um especialista emqueimaduras.

    • Os depoimentos dos executivos doMcDonald’s no julgamento supostamentedemonstraram arrogância e expressaramresistência em mudar sua estratégia demarketing (embora depois do veredicto oMcDonald’s tivesse baixado a temperaturado café).

    • A quantia de US$ 2,7 milhões fixada pelo júri era o equivalente a apenas dois dias dasvendas totais de café do McDonald’s. Alémdisso, o juiz reduziu a sentença para US$480 mil.

    O caso McDonald’s serve também paralembrar que o julgamento por tribunal do júrié na verdade um “julgamento pelo juiz e pelo

    júri” e que o juiz supervisiona as provas que o júri ouve, instrui os jurados sobre a lei e examinao veredicto antes que seja registrado como julgamento do tribunal.

    Muitas outras apreciações desfavoráveis deveredictos de júri em processos civis e criminaisque aparecem nos jornais e na internet nãoresistem igualmente a um exame minucioso. Os júris podem cometer enganos, assim como os juizesou outros tomadores de decisões, mas as evidênciasindicam que, no conjunto, os júris desempenhamseu papel muitíssimo bem. E os levantamentos dos juizes americanos que presidem os julgamentospor tribunal de júri revelam apoio esmagador eentusiasta ao sistema de júri.

    CRIME, NEGLIGÊNCIA E COMUNIDADE

    Julgamentos tratam de casos que afetam acomunidade na qual ocorrem. Fazer com que osmembros da comunidade decidam se alguém éculpado ou inocente, se foi negligente ou não,confere legitimidade ao veredicto, especialmentequando o caso é polêmico.

    Nas várias pesquisas que realizei duranteas últimas quatro décadas, os candidatos a jurados afirmavam constantemente que estariaminclinados a aceitar o veredicto de um júri quetivesse ouvido as provas no tribunal, mesmoquando o veredicto fosse divergente de suaspróprias opiniões derivadas de reportagens de jornais e de televisão sobre o caso.

    Pesquisa recente também demonstrou,de modo convincente, que depois de teremparticipado de um júri, as pessoas não sóapreciam melhor o sistema jurídico comotambém tornam-se mais engajadas nos assuntos

    cívicos e mais inclinadas a oferecer-se paraserviços na comunidade.Em resumo, as evidências indicam não

    apenas que os júris são competentes para tomardecisões como também que o sistema de júri éuma instituição democrática importante.n

    As opiniões expressas neste artigo não reetem necessariamente pontos de vista ou políticas do governo dos EUA.

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    todos os profissionais. Assim, a primeira questãoé: as tomadas de decisão ou a análise dos fatos nosprocessos criminais são tão semelhantes a ponto depoderem ser realizadas por leigos? Para respondera essa questão, gostaria de analisar o problemaenfrentado pelo júri em um julgamento penal. O júri precisa tomar uma decisão sobre a verdade. Osadvogados americanos de pronto respondem que

    os julgamentos penais não tratam da verdade, masde uma certa versão da verdade: qual parte tem omelhor argumento sobre a verdade.

    De qualquer modo, o trabalho a ser feitopor um júri não difere muito da atividade de umcientista. O cientista tem de tirar conclusões sobrecircunstâncias que não podem ser observadasdiretamente, conjecturando com base emevidências que podem ser observadas. E isso é

    exatamente o que um júri tem de fazer: tomaruma decisão sobre a culpa do acusado com basenas provas apresentadas no julgamento. Esse é umempreendimento científico que vai além da aptidãointelectual de muitos leigos que são convocados parao serviço de jurado.

    Os que defendem o júri tendem a usar aquio estudo inspirador de Harry Kalven e Hans

    Zeisel, de 1966. Em muitos casos, enquanto os jurados deliberavam na sala de júri, Kalven e Zeiselperguntavam ao juiz que presidia o julgamento oque ele decidiria. Eles descobriram que, na maioriados casos, os juízes dariam o mesmo veredicto que o júri apresentaria mais tarde ao retornar.

    Julgamentos pelos Tribunais do Júri: Contras (continuação da página 18)

    Glória Feita de Sangue (1958) – Kirk Douglas(à esquerda) interpreta o coronel Dax, umoficial da linha de frente do exército francêsque, durante a Primeira Grande Guerra,defende três de seus homens acusados decovardia na corte marcial. Os três homens sãobodes expiatórios escolhidos pelos generaispara execução pública a fim de servir comoexemplo para os outros que fugiram de umamissão suicida contra uma posição alemã. “Adisposição geométrica da sala de audiênciamostra a hierarquia de poder e oferece umaarena apropriada para a condenação de um

    sistema jurídico que é um crime em si mesmo”,diz a ABA

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    SELEÇÃO DA ORDEM DOS A DVOGADOS DOS EUA

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    QUESTÕES DE C APACITAÇÃO

    Esse estudo requer algumas considerações. Assim como no exemplo do médico, o juizprofissional e o júri podem estar de acordo a maiorparte do tempo, mas isso não significa que sejamunânimes nos processos mais relevantes, naquelesem que a tomada de decisão com base em fatosdo processo é de certo modo difícil e nos quais oconhecimento e a capacitação teriam peso.

    Por que nos voltaríamos para o juiz para avaliara qualidade das decisões do júri? Isso pressupõedois pontos: que os juízes são tão competentes quepodemos nos valer de seus critérios para avaliar o júri

    e, segundo, que a lei tem importância no problemadecisório enfrentado pelo júri. O último ponto é umequívoco comum. A decisão do júri é uma decisãopuramente factual que ganha forma de decisãocientífica. O mais importante, a lei não tem nada aver com essa decisão. A decisão pode estar imbuídade todos os tipos de normas legais — por exemplo,que provas podem ser apresentadas ao júri ouconsideradas na decisão — mas isso não a transformaem uma decisão legal. Os defensores do júri poderiamentão argumentar que o padrão de tomada de decisãonos processos criminais, além de uma dúvida razoável,é uma norma legal. Não é assim. Trata-se do mesmo

    tipo de norma de decisão amplamente aplicadana ciência, apenas com um nome diferente. Empsicologia, por exemplo, a mesma regra de decisão échamada de nível de significado.

    E juízes sozinhos, sem dúvida, não são o tipo depessoa a usar como critério na tomada de decisõescientíficas. Em primeiro lugar, um painel de juízesseria uma comparação mais justa. Na maioria dospaíses, processos sem júri são julgados por painéis detrês ou cinco juízes. Em segundo lugar, não são os juízes, por sua vez, iguais aos leigos que atuam como jurados na tomada de decisões objetivas? Aqueles queentram na faculdade de Direito em geral o fazemporque não gostam do pensamento científico ouodeiam matemática ou detestam fazer experimentos.É evidente que o pensamento jurídico difere de formaconsiderável do pensamento científico.

    Desse modo, os juízes não estão mais bemqualificados do que os jurados para o levantamentodos fatos, a não ser que sejam capacitados. Enos países com juízes profissionais, os juízes sãocapacitados. Na verdade, quando atuo como

    testemunha especialista no meu pequeno país,encontro com frequência nos tribunais um ou

    mais juízes que passaram pelas minhas salas deaula quando eu lecionava sobre depoimento detestemunhas, identificação e avaliação de provas.Como poderiam os defensores de um tribunal de júri argumentar que a capacitação não faz diferençapara resolver os problemas complicados queaparecem em alguns processos criminais? Por queeles ignoram que há mais erros judiciais em paísescom tribunais de júri, como os Estados Unidos e aGrã-Bretanha, do que em países que não tem júris?

    OUTRAS DESVANTAGENS

    O sistema de julgamentos por tribunais de júritem algumas desvantagens adicionais que raramentesão comentadas. Primeiro, um julgamento portribunal do júri é mais complicado do que umabanca de juízes (tribunal em que um juiz ou umpainel de juízes chega a um veredicto.) Ele colocaexigências mais altas sobre o advogado de defesa. O julgamento por tribunal do júri exige advogados maisbem preparados, no entanto, nos Estados Unidos amaioria dos acusados é muito pobre para contratarum bom advogado. Em países com julgamento semparticipação do júri, um advogado não muito bom

    causa menos desvantagem para o acusado.O julgamento por tribunal do júri tambémconsome muito tempo e muito trabalho. Na verdade,um sistema de tribunal de júri é tão caro que sópode ser mantido se a grande maioria dos processosfor tratada de forma diferente. Nos Estados Unidos,isso ocorre pela transação penal, acordo feito entre aacusação e a defesa com verificação secundária de um juiz. Na prática, esse é um sistema que, na maioriadas vezes, termina sem que ninguém tenha analisadoas provas, sem exame público e com um poderdesproporcional da acusação.

    Em resumo: no sistema de júri, a maioria dos

    processos é resolvida em segredo e um reduzidonúmero de casos é decidido por pequenos gruposde pessoas que utilizam suas ideias de sensocomum para problemas complicados que vãoalém de sua capacitação.n

    As opiniões expressas neste artigo não reetem necessariamente posição nem as políticas do governo dos EUA.

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    O Martírio de Joana D’arc (1928)– Maria Falconetti interpreta Santa Joana neste filme mudo, recriando“com força visual inexorável” seu julgamento e execução na fogueira,no século 15, após sua captura pelosingleses

    O Processo (1962) – o filmedo diretor Orson Welles, umaversão do romance de Kafkasobre injustiça e corrupção,mostra o pesadelo sofridopor Joseph K., interpretadopor Anthony Perkins, que épreso, levado a julgamento econdenado à morte sem aomenos saber do que era acusado.“O julgamento, pela descriçãoda provação, procura atingir nãoapenas Joseph K. mas também o

    espectador”, diz a ABA

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    Em um julgamento, o promotor público visa não apenas persuadir os jurados da alegação do governo de que o réucometeu um crime como também assegurar que nenhuma pessoa inocente seja condenada por engano. Shane Read é procurador adjunto dos Estados Unidos em Dallas, Texas, e

    autor do livro Winning at Trial [Vencendo no Julgamento].

    Opapel do promotor público em um julgamento éo de representar o governo e provar que o réu éculpado do crime do qual está sendo acusado. Esteartigo discorre sobre o trabalho de um promotor públicona sala de audiência e fornece alguns exemplos de um dos julgamentos mais famosos dos Estados Unidos.

    Um julgamento tem cinco partes principais: seleção do

    júri, considerações iniciais, inquirição da testemunha pelaparte que a arrolou, inquirição da testemunha pela parteadversária e considerações finais. Quando um julgamentocomeça, o juiz traz cerca de 40 jurados para a sala deaudiência, de modo que possam ser selecionados 12 juradoimparciais. Para encontrar esses jurados, o promotor públictem permissão de lhes fazer algumas perguntas. Por exempVocê já teve alguma experiência negativa com a polícia ouvocê ou um membro da sua família já foi erroneamentecondenado por um crime? Se o jurado responde sim, opromotor faz outras perguntas para descobrir se ele aindapoderá ser imparcial depois dessa experiência.

    Após a seleção do júri, o promotor faz suas consideraçiniciais. Em essência, esse pronunciamento é um discurso qual o promotor fala aos jurados sobre as provas que vai lhmostrar para comprovar a culpa do réu. Uma das melhores

    O Papel do Promotor PúblicoShane Read

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    considerações iniciais — porque foi muito persuasiva e bemorganizada — foi dada pelo promotor Joseph Hartzler no julgamento de Timothy McVeigh. McVeigh foi a julgamento

    por planejar a explosão de um edifício do governo federalna Cidade de Oklahoma na manhã de 19 de abril de 1995.Naquela manhã, McVeigh estacionou um caminhão dealuguel cheio de explosivos caseiros em frente do edifício.Então desceu do caminhão e o explodiu, matando 168pessoas, entre as quais 19 crianças.

    O que tornou as considerações iniciais do promotortão persuasivas foi o fato de terem captado a atenção dos jurados de imediato, de modo que eles ficaram interessadosem conhecer em detalhes as provas que seriam apresentadasdurante o julgamento. O promotor começou falando sobreas últimas horas de vida de uma criança pequena que haviasido deixada por sua mãe na creche localizada no edifício que

    foi explodido. Fez isso para chamar a atenção do júri para acrueldade da violência de McVeigh contra a mais inocente dasvítimas — uma criança.

    O promotor então contou ao júri como iria provarque McVeigh era culpado. Um problema foi que nãohavia testemunha ocular que tivesse visto McVeigh sair docaminhão que explodiu, mas o promotor tinha provas físicas,tais como recibos do aluguel do caminhão, e o depoimentode ex-amigos de McVeigh, que o viram adquirir os materiaispara a bomba e ouviram-no explicar o que ia fazer.

    CHAMANDO AS TESTEMUNHAS

    Depois que o promotor público faz suas consideraçõesiniciais, o advogado de defesa tem a oportunidade de fazer omesmo. Em seguida, o promotor começa a parte crucial do julgamento. Ele tem de chamar as testemunhas que podemnarrar ao júri o que viram ou ouviram de modo a provar queo réu é culpado. O promotor também mostra fotografias,

    documentos, diagramas e objetos às testemunhas para queelas os identifiquem, provando assim que o réu cometeu ocrime. No julgamento de McVeigh, uma das testemunhas-chave foi Lori Fortier, que havia sido uma boa amiga doréu. O promotor perguntou a ela sobre a ocasião em queMcVeigh fez um diagrama para mostrar-lhe como iria mona bomba. Fortier também contou ao júri como McVeightentou persuadi-la a ajudá-lo em seu plano. Ela disse querecusou.

    Depois que o promotor público apresenta seu casoao júri, o réu tem o direito — mas não a obrigação — deapresentar provas de sua inocência. Quando a defesa fazisso, o promotor tem o direito de interrogar as testemunhasnovamente, para tentar fazê-las cair em contradição. Oadvogado de defesa de McVeigh tentou provar que overdadeiro assassino tinha sido um homem desconhecido.No entanto, por meio de questionamento lógico dastestemunhas, o promotor conseguiu mostrar que McVeighfoi realmente o autor do crime. McVeigh foi consideradoculpado em 1997 e executado em 2001.

    O papel do promotor público termina quando ele fazsuas considerações finais ao término do julgamento. Assimcomo as considerações iniciais, o pronunciamento final é udiscurso para o júri. Nesse segundo discurso, o promotorresume o que as testemunhas disseram e mostraram ao júrientão discute por que o réu deve ser condenado. Em sumao papel do promotor público não é obter uma condenaçãoa todo custo, mas buscar justiça para que nenhuma pessoainocente seja condenada por engano.n

    As opiniões expressas neste artigo não representam necessariamente da Procuradoria dos EUA nem do Departamento de Justiça dos EUA

    SERVIÇO DE JÚRI NOS ESTADOS UNIDOS

    Porcentagem de americanos adultos que atuaram como jurados em um julgamento emalgum momento de sua vida: 29 %Fonte: Jury Service: Is Fulfilling Your Civic Duty a Trial? [Serviço de Júri: Seu Dever Cívico É um Julgamento?](julho de 2004), Harris Interactive.

    *****************************

    Pagamento médio diário a um jurado: US$ 22 (aproximadamente 25% da renda per capita diária)Fonte: State-of-the-States Survey of Jury Improvement Efforts [Iniciativa para Melhoria dos Júris da State-of-theStates] (abril de 2007), Centro Nacional dos Tribunais Estaduais.

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    ÁustriaBélgicaBrasil

    DinamarcaGanaGuernsey

    CoreiaMalauiNoruega

    RússiaEspanhaSuíça

    Países e territórios que usam formas do júri sob diferentes sistemas processuais e seu usoé limitado a determinados tipos de crimes

    Fonte: Neil Vidmar, Escola de Direito da Universidade Duke

    Samoa AmericanaAnguillaAntíguaAustráliaBahamasBarbudaBelizeBermudaIlhas Virgínias (ReinoUnido)Canadá

    Ilhas CaymanIlhas Cook DominicaGibraltarGranadaGranadinasGuamGuianaHong KongIrlandaIlha de Man

    JamaicaJerseyMaltaIlhas MarshallMontserratNova ZelândiaIlhas Marianas do NortePanamáPorto RicoSão Cristóvão e Névis

    Sta.HelenaSta. LúciaSão VicenteSri Lanka Tonga Tortola TrinidadIlhas Turks e CaicosReino UnidoEstados Unidos

    Países, territórios e protetorados com júris no âmbito da Common Law

    SISTEMAS DE JÚRI NO MUNDO

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    Para réus dispostos a correr o risco de ir a julgamento, umadvogado de defesa competente pode contestar até mesmo os poderes extraordinários do Estado. Barry Pollack representa pessoas físicas e empresas em investigações e julgamentoscriminais como membro do escritório de advocacia MillerChevalier, em Washington, DC.

    Osistema de justiça criminal dos Estados Unidosconcede ao Estado poderes extraordinários noprocesso penal de crimes e, ao mesmo tempo,impõe pesado ônus à capacidade do Estado de obteruma condenação. O poder concedido ao Estado e suaslimitações geram um papel desafiador para advogados dedefesa criminais.

    Quando as acusações criminais são apresentadas, o réudesfruta de proteções processuais significativas, inclusive o

    direito à nomeação de um advogado se não tiver condiçde contratar um. Todavia, as sentenças, mesmo pararéus primários não violentos, podem ser draconianas.Os promotores têm liberdade total para negociar penas,oferecendo acusações mais brandas com penas reduzidaem troca da admissão de culpa ou da ajuda do réu na

    acusação de outros, ou ambas. Essa combinação deliberdade quase irrestrita para reduzir acusações e sentene penas de prisão longas para muitos crimes denunciadoconfere aos promotores um poder de negociaçãodesproporcional para resolver casos sem testar as alegaçfactuais por meio do sistema do contraditório de uma sade audiência.

    Dois exemplos recentes ilustram a disparidadeentre os que aceitam a transação penal e os que vão a julgamento. O diretor financeiro de telecomunicações da

    O Papel do Advogado de Defesa Barry Pollack

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    gigante MCI/WorldCom aplicou uma fraude contábilde grandes proporções na empresa. Declarou-se culpadoe foi sentenciado a cinco anos. O diretor executivo foia julgamento. Foi condenado e sentenciado a 25 anosde prisão. Da mesma forma, o diretor financeiro doconglomerado Enron Corporation em Houston, Texas,declarou-se culpado por fraude contábil e foi sentenciadoa seis anos. Outro executivo sênior levado a julgamento foicondenado e sentenciado a 24 anos de prisão.

    Para os que vão a julgamento, os riscos são altos, masa possível recompensa é enorme. No julgamento, o Estadotem a obrigação de provar a culpa do réu para satisfazera unanimidade de 12 jurados. A defesa tem o direito deexigir a produção de documentos e de provas físicas e ocomparecimento de testemunhas. Contudo, o advogado dedefesa frequentemente age às cegas, porque as testemunhasnão precisam falar com ele antes do julgamento e o Estadotem somente obrigações limitadas de revelar as provas que juntou. Além disso, toda testemunha tem o direito denão se incriminar e pode negar-se a depor. Ao contráriodo Estado, a defesa não pode obrigar uma testemunha adepor sob promessa de conceder-lhe imunidade. Assim,a defesa normalmente não pode provar a inocência. Aocontrário, ela expõe as fraquezas do processo do Estado etenta semear dúvida entre os jurados.

    Um advogado de defesa criminal tem o direito e, naverdade, a obrigação de organizar todos os fatos e argumentospossíveis a favor do réu, com a restrição de que não podeapresentar depoimento falso de forma consciente.

    CONTESTANDO O ESTADO

    No sistema de tribunais federais americano, oíndice de condenação é de aproximadamente 90%.Contudo, o ônus do Estado no julgamento é substancial,especialmente quando contestado por um advogado dedefesa habilidoso, com recursos adequados para investigaros fatos e apresentar impugnações legais. Para os que têm a

    coragem de testar a prova do Estado por meio de processocontraditório, a recompensa pode ser uma absolvição eo desagravo. O Estado, desacostumado a ter suas provasimpugnadas, pode achar que suas testemunhas não sãotão firmes ou que suas provas são mais suscetíveis a umainterpretação de inocência do que previu.

    Sou advogado de defesa criminal há quase 20 anos.Embora haja exceções, na maioria de meus casos oresultado foi justo e o processo admirável.

    O processo penal dos executivos da Enron

    Corporation ilustra os poderes e as limitações do Estado Alegações de fraudes disseminadas na Enron rapidamenlevaram a sua vilificação pública como uma empresaque falsificava registros financeiros e à percepção públide que seus funcionários eram ricos manipuladores quelucravam facilmente enquanto investidores individuaiseram