Análise crítica do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA...
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Análise crítica do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto de Integração do rio São francisco
Rachel de Sousa Maia
UFPB- [email protected]
Letícia Ramos Paes Barreto
UFPB – [email protected]
INTRODUÇÃO
O estudo apresentado tem como objetivo fazer uma análise sobre os impactos
ambientais causados pela obra de integração das bacias do NE setentrional, mas para
podermos entender o esse processo é necessário que nos voltemos para o foco de tudo
isso, a transposição das águas do Rio São Francisco. A dinâmica em que se encaixa esta
obra não é só ambiental, mas também social e vai englobar vários fatores, os quais
positivos e negativos.
De forma simplificada para aqueles que defendem a transposição, a mesma tem como
foco amenizar, ou mesmo, acabar com a escassez hídrica no semiárido nordestino,
sendo essa água transportada suficiente para o abastecimento humano, animal e usada
para irrigação, mas mesmo com esse tipo de política disponível ainda sim ocorrem
degradação e uso desenfreado das águas, logo, com este trabalho vamos tentar entender
os impactos ambientais acarretados pela obra que vem complementar a transposição,
desta forma é através de uma breve remontagem histórica e análise do relatório de
impacto ambiental EIA/RIMA evidenciando o Eixo Leste que iremos expor algumas
problemáticas deste assunto.
O “VELHO CHICO”
A ideia de transpor as águas do São Francisco é bem antiga, pois desde século XVIII
fortes secas, a escassez de água o semiárido preocupava a Corte Imperial, pois estava
causando muitas mortes, assim o primeiro a pensar nessa ideia foi D. João VI, mas em
outras localidades do globo fazer barragem como os sertanejos para armazenar água,
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que hoje poderíamos chamar de açudes, desviar rios para benefício de uma região era
algo bem comum.
A transposição vem como uma complementação para uma melhoria de vida que antes
dela existia graças aos açudes, pois juntamente com o governo os camponeses que ali
viviam puderam amenizar os impactos avassaladores da seca através de políticas
públicas. Assim é notável que uma grande infraestrutura hídrica como os açudes de
antigamente e a transposição nos dias atuais, foram e ainda podem ser uma forma de
não deixar o Nordeste brasileiro tão susceptível a escassez de água.
Assim foi pensando em uma complementação dessa obra enorme que, o governo federal
juntamente com o Ministério da Integração Nacional criou o Projeto de Integração do
Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, que como já foi
dito visa beneficiar 12 milhões de pessoas que se encontram no chamado Polígono das
Secas, significando que o Nordeste Setentrional (parte do Semiárido ao norte do rio São
Francisco) caracteriza – se por ser a área que mais sofre os efeitos de secas prolongadas,
Figura 1 - Fonte: Tomas Munita/The New York Times - Trecho da transposição do São Francisco - economia.ig.com.br - 12/02/2014.
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abrangendo parcialmente os Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do
Norte. Pelo o que será exposto da obra de integração será possível perceber que, a
transposição é algo a ser analisado com cautela, pois os dados ambientais mostram
grandes problemas de fragilidade, salinização dos solos entre outros que serão
discorridos.
MATERIAL E MÉTODOS
O Eixo Leste exposto no trabalho tem como características: desenvolve-se a partir do
reservatório de Itaparica, no município de Floresta, em Pernambuco, e segue em direção
à cidade de Monteiro, na Paraíba. Da mesma maneira como futuras bacias receptoras:
Paraíba (PB) e Moxotó (PE). Será derivada água para os grandes açudes: Poço da Cruz
(PE) e Epitácio Pessoa (PB), também denominado Boqueirão. As águas que chegam à
barragem de Itaparica são advindas da barragem de Sobradinho, futuramente
reservatório fonte de águas para os eixos da transposição. A maior parte do Eixo Leste
estará no estado de Pernambuco, com cerca de 79% dos 202km do trecho, enquanto os
21% restantes estarão no estado da Paraíba (MELO, 2011).
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Utilizamo-nos de pesquisas bibliográficas e documentais, fichamentos, câmera digital
para registro e discussão de textos para aprofundar os conhecimentos e assim poder
melhor analisar os fatos. Paralelo a esses procedimentos, foram realizadas algumas
visitas a campo na área de transposição que irá ser construída no Estado da Paraíba, no
denominado Eixo Leste, a fim de percebermos melhor a situação ambiental existente e
inferirmos algumas possibilidades entre o quadro atualmente dominante e o que
promete o RIMA para solucionar os problemas ambientais de áreas como essa. As
imagens foram pegas dos sites.
O EIA/RIMA
Um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, o EIA/RIMA foi
instituído pela RESOLUÇÃO CONAMA N.º 001/86, de 23/01/1986 e resolve que, para
adquirir seu licenciamento ambiental, atividades utilizadoras de recursos ambientais,
que possam ser consideradas essencial ou potencialmente poluidoras ou degradantes,
dependerão da avaliação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório
de Impacto Ambiental (RIMA).
É DE DEVER DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL (EIA)
DESENVOLVER, NO MÍNIMO, AS SEGUINTES ATIVIDADES TÉCNICAS:
I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise
dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a
situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando:
a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a
topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d'água, o regime hidrológico, as
correntes marinhas, as correntes atmosféricas;
Figura 2: Eixo Leste do Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco Fonte: MIN, 2000 in MELO, 2011.
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b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, destacando as espécies
indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas
de extinção e as áreas de preservação permanente;
c) o meio socioeconômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócia-
economia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da
comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais
e a potencial utilização futura desses recursos.
II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de
identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis
impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e
adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e
permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a
distribuição dos ônus e benefícios sociais.
III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os
equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência
de cada uma delas.
lV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento (os impactos
positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.
O RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL – (RIMA) REFLETIRÁ AS
CONCLUSÕES DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E CONTERÁ, NO
MÍNIMO:
I - Os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as
políticas setoriais, planos e programas governamentais;
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II - A descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especificando
para cada um deles, nas fases de construção e operação a área de influência, as matérias
primas, e mão de obra, as fontes de energia, os processos e técnica operacionais, os
prováveis efluentes, emissões, resíduos de energia, os empregos diretos e indiretos a
serem gerados;
III - A síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos ambiental da área de
influência do projeto;
IV - A descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação e operação da
atividade, considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo de
incidência dos impactos e indicando os métodos, técnicas e critérios adotados para sua
identificação, quantificação e interpretação;
V - A caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando
as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a
hipótese de sua não realização;
VI - A descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos
impactos negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de
alteração esperado;
VII - O programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos;
VIII - Recomendação quanto à alternativa mais favorável (conclusões e comentários de
ordem geral).
Sendo assim, este trabalho tem como objetivo, avaliar o EIA/Rima São Francisco, a fim
de entender como foi feito esse estudo e como foi montado o seu respectivo relatório, e
o porque de não conter nele, informações tão necessárias sobre o seu potencial
degradante da natureza em volta desta obra, tais como a desertificação e salinização
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desta área, e assim, colocar nossas críticas e possíveis soluções, já que o dito Estudo não
cumpriu com seu papel.
EIXO LESTE, CARACTERÍSTICAS E INFLUÊNCIAS DO PROJETO.
O Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste
Setentrional apresenta dois eixos: o Norte, que levará água para os sertões de
Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, e o Leste, que beneficiará parte do
sertão e as regiões de agreste em Pernambuco e parte da Paraíba.
O Eixo Leste terá sua captação no lago da barragem de Itaparica, no município de
Floresta - PE, se desenvolverá por um caminhamento de 220 km até o rio Paraíba -
PB, após deixar parte da vazão transferida nas bacias do Pajeú, do Moxotó e da
região agreste de Pernambuco. Para o atendimento das demandas da região agreste de
Pernambuco, o projeto prevê a construção de um ramal de 70 km que interligará o Eixo
Leste à bacia do rio Ipojuca.
Funcionará com uma vazão contínua de 10 m³/s, disponibilizados para consumo
humano. Periodicamente, em caso de abundância de água na bacia do São Francisco e
Figura 3: Eixo Leste – Sertania – Monteiro (PB). Trecho em construção dos canais da transposição. FONTE: blog do
Vinicius, 2013.
Figura 4: Eixo Leste – Floresta (PE). Trecho com o concreto rachado e quebrado dos canais da transposição. FONTE: Tribuna
hoje, 2011.
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de necessidade nas regiões beneficiadas, o canal poderá funcionar com a vazão máxima,
que é de 28 m³/s. Este excedente hídrico será transferido para reservatórios existentes
nas bacias receptoras: Poço da Cruz, em Pernambuco, e Epitácio Pessoa (Boqueirão), na
Paraíba. (Ministério da Integração Nacional)
Segundo a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação, a desertificação é "a degradação da terra nas regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultante de vários fatores, entre eles as variações climáticas e as atividades humanas". Considera as áreas suscetíveis aquelas com índice de aridez entre 0,05 e 0,65. (WIKIPÉDIA, 2010).
O que acontece é um processo em que o solo de determinados lugares começa a ficar
cada vez mais estéril. Isso quer dizer que a terra perde seus nutrientes e a capacidade de
fazer nascer qualquer tipo de vegetação, seja florestas naturais ou plantações feitas pelo
ser humano.
A área que Constitui o Eixo Leste do projeto de Integração, é uma área que já é
naturalmente predisposta à ocorrer esse tipo de fenômeno, por ser uma área seca e
sensível à ações humanas invasivas. O processo de salinização, causador de
desertificação ocorre quando existe deficiência de drenagem nos solos, sendo
potencializado quando estes apresentam pequena espessura e se localizam em áreas de
clima seco, devido ao elevado déficit hídrico.
Com a evaporação os sais se concentram na zona superficial do solo, aumentando o
potencial de compactação, redução da infiltração e incremento do escoamento
superficial, afetando a germinação, a densidade, o desenvolvimento e a produtividade
das lavouras, podendo inviabilizar o cultivo nas terras afetadas. No caso das áreas da
transposição muitas já apontam sinais de salinização o que logo avançaria para a
desertificação, e o mais espantoso é o fato de que não consta no Relatório de Impacto
Ambiental desta obra, nem uma palavra sobre este problema.
IMPACTOS AMBIENTAIS
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Os impactos que podem ocorrer se a obra de integração do Rio São Francisco for levada
adiante são inúmeras, de níveis ambientais e socioeconômicos, como:
• Perda temporária de empregos e renda por efeito das desapropriações.
• Modificação da composição das comunidades biológicas aquáticas nativas das bacias receptoras.
• Risco de redução da biodiversidade das comunidades biológicas aquáticas nativas nas bacias receptoras.
• Introdução de tensões e riscos sociais durante a fase de obra.
• Ruptura de relações sociocomunitárias durante a fase de obra.
• Possibilidade de interferências com populações indígenas.
• Pressão sobre a infraestrutura urbana.
• Risco de interferência com o Patrimônio Cultural.
• Perda e fragmentação de cerca de 430 hectares de áreas com vegetação nativa e de hábitats de fauna terrestre.
• Risco de introdução de espécies de peixes potencialmente daninhas ao homem nas bacias receptoras.
• Interferência sobre a pesca nos açudes receptores;
• Modificação do regime fluvial das drenagens receptoras.
Mas o nosso enfoque está direcionado para problemas como a salinização e
desertificação, que são impactos inevitáveis por causa da grande vulnerabilidade do solo
da área da transposição por causa de suas características, e como não foram sequer
citados no RIMA da obra, devem ser abordadas a fundo, questionando a validade deste
relatório. A nossa área de estudo (o Eixo Leste) faz parte do semiárido nordestino, uma
área muito propensa a ocorrer problemas como a desertificação, que ocorre através de
uma serie de fatores como a ação do homem sobre o meio ambiente acarretando a
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destruição de seus recursos naturais, e fenômenos naturais, como a variabilidade
climática.
No caso do semi-árido nordestino, essa variabilidade é caracterizada por longos
períodos de estiagem, e chuvas concentradas em poucos meses do ano. Como as
temperaturas nessa região são muito altas (cerca de 26oC) exercem forte efeito sobre a
evapotranspiração potencial que, por sua vez, determinam o déficit hídrico durante a
estiagem anual.
A evapotranspiração é o fluxo de vapor de água da superfície e vegetação para a
atmosfera, sendo um componente importantíssimo do balanço hídrico e de energia da
superfície. Como o subsolo é rico em rochas cristalinas (de baixa permeabilidade), a
formação de aquíferos subterrâneos é inibida. O regime de chuvas rápidas e fortes
também impede a penetração de água no subsolo. Uma outra característica do semiárido
brasileiro é a presença de sais nos solos, precipitados pela evaporação intensa, o que
inibe a produtividade agrícola.
A salinização do solo pode ser causada pelo manejo inadequado da irrigação em regiões
áridas e semi-áridas, caracterizadas pelos baixos índices pluviométricos e intensa
evapotranspiração. A baixa eficiência da irrigação e a drenagem insuficiente nessas
áreas contribuem para a aceleração do processo de salinização, tornando-as
improdutivas em curto espaço de tempo. Sendo assim, a obra da transposição irá
acelerar esses processos, gerando grande dano para o meio físico e para a população,
pois com solos improdutivos além de ser uma grande perda para a natureza, a população
fica sem nenhum meio de sustentabilidade.
CONCLUSÕES FINAIS
Caso a transposição venha a se consolidar os problemas gerados podem ser
irreversíveis, pois pela dimensão da obra fica difícil a revitalização do leito do rio, além
de submeter à região ainda mais a desertificação. Também notamos o descaso do RIMA
com a fragilidade à qual a transposição expõe o rio São Francisco. Estando de forma
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avançada sua fragilidade por vários motivos que já foram colocados e apesar de saber
dos riscos o RIMA da obra não apresenta esse problemas, por isso é necessário criticar
seu posicionamento enquanto órgão institucional que deveria prever e alertar sobre
ações potencialmente degradantes para o meio ambiente, e não apoiar tal coisa.
Os resultados introdutórios salientam que uma obra como a transposição deve ser mais
discutida e analisada pelos órgãos que incitam, para que assim houvesse ingerências por
parte dos mesmos a fim de evitar falhas, erros e danos em vários graus. Assim antes de
propor algo tão grande como esta obra, implementar de forma local recursos que
resguardassem os recursos existentes no Eixo Leste seria imprescindível.
Podemos perceber também que o discurso de que o RIMA se utiliza é cansativo e
apelativo, em defesa da obra eles alegam que para áreas com características de escassez
hídrica se faz necessário o uso das águas do São Francisco para abastecimento
domestico, industrial e agricultura. Entretanto a localidade de Campina Grande/PB, por
exemplo, tem as características propostas pelo RIMA, porem foi proposta a construção
do açude Acauã, que foi concluída em 2003 e nos mostra que, mesmo sem as águas do
São Francisco a região consegue sustentar suas necessidades, ou seja, desmentindo
assim o discurso do RIMA. Por meio da analise crítica feita, notamos que o EIA/RIMA
omite fatos importantes no que diz respeito à degradação do meio ambiente,
desconsiderando a gravidade dos impactos que podem ser gerados caso a obra seja
efetivada.
BIBLIOGRAFIA
Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste
Setentrional. Relatório de impacto ambiental – RIMA. Brasília: Ministério de
Integração Nacional, julho/2004b. disponível em : http://www.integração.gov.br/>.
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Francisco e as prováveis consequências em relação a desertificação nos cariris
velhos (PB). UFRS, 2006.
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CIRILO, José Almir. Politicas Públicas de recursos hídricos para o semi – árido.
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FERREIRA, Elisabete Cardoso. Afinal, o que é a transposição do rio São Francisco: os desafios existentes. UFSE, 2012.