Analise Bioenergetica.Grace.pdf

download Analise Bioenergetica.Grace.pdf

of 16

Transcript of Analise Bioenergetica.Grace.pdf

  • 28 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    28 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    Anlise Bioenergtica

    para Alm das Quatro Paredes

    Resumo: Fundamentamos, no presente artigo, a experincia dos psicoterapeutas da Libertas

    Clnica-Escola e Consultoria, na cidade de Recife, que ao longo de muitos anos tm aplicado

    a Anlise Bioenergtica, alm das quatro paredes da psicoterapia. A viso da clnica ampliada

    entende que o(a) cliente pode estar nas instituies, formadas por indivduos que tm no

    trabalho um lugar de significado, de possibilidade, de realizao e que para tal, exige o

    desenvolvimento contnuo da capacidade de convivncia e trabalho em equipe. A conscincia

    do engajamento e responsabilidade social despertada e inspirada em Wilhem Reich, favoreceu

    a aplicao da Anlise Bioenergtica, integrada com autores da Dinmica de Grupo, em

    intervenes nas diferentes situaes nas reas da educao, da sade, das polticas pblicas e

    comunidades. No texto, narramos algumas dessas experincias, visando tornar mais claro para

    o(a) leitor(a) esta possibilidade de ampliao prtica da Anlise Bioenergtica, sem deixar de

    reconhecer o lugar singular e eficaz da psicoterapia, to necessria na atualidade.

    Contextualizamos a contribuio da Anlise Bioenergtica na contemporaneidade, onde se

    torna visvel o aumento da violncia, na dimenso familiar e social, bem como as

    caractersticas de individualismo e massificao, com crescente e prematuro adoecimento das

    pessoas. Por fim, expressamos o desejo de que a comunidade internacional de Anlise

    Bioenergtica, possa abrir espaos de dilogo, presenciais e virtuais, nas conferncias, nos

    jornais, nas revistas do IIBA Instituto Internacional de Anlise Bioenergtica, nas trocas de experincias dos seus membros, visando a um maior compromisso social nos diversos pases

    e continentes, respeitando-se a singularidade de cada regio e, ao mesmo tempo, unindo-se na

    universalidade humana.

    Palavras Chave: Anlise Bioenergtica, clnica ampliada, exerccios de bioenergtica,

    grupos.

    Bioenergetic Analysis

    beyond the Four Walls

    Abstract: This article outlines the key apects of the experience of psychotherapists working

    in Libertas Clnica-Escola e Consultoria, in the city of Recife, which has been applying

    Bioenergetic Analysis for a number of years, beyond the four walls of psychotherapy. The

    perspective of a broadened approach understands that the client can be the institution, formed

    by individuals who find in the work a place of meaning, of possibilities, of accomplishment

    and thus demands ongoing development of the capacities of sharing and team-working. The

    awareness of the participation and of an awakened social responsibility, inspired by Wilhem

    Reich, paved the way for the application of Bioenergetic Analysis, integrated with authors of

    Group Dynamics, used in interventions on the most diverse situations in the areas of

    education, health, public policy and within communities. We relate some these experiences,

    with the objective of making it clearer for the reader the practical possibilities of broadening

    the approach of Bioenergetic Analysis, while still valuing the singular effective place

    belonging to psychotherapy, so much needed nowadays. We contextualized the contribution

    of Bioenergetic Analysis in current times, with the evidently increased violence, in the family

    and in other social interactions, considering the features of individualism and massification

    and the growing number of premature illnesses. Finally, we express the wish that the

    Bioenergetic Analysis international community is able to make room for dialogue, live or

    virtual, in conferences, on newspapers, on IIBA journals International Bioenergetic Analysis Institute, in exchanging experience between members, aiming at a greater social

    commitment across countries and continents, respecting each regions singularities while uniting in human universality.

    Keywords: Bioenergetic Analysis, broadened approach, exercises, groups.

    _____________________________________________________________________

    Grace Wanderley de

    Barros Correia 1

    1Psicloga e Diretora da Libertas Clnica-Escola LICEPE Centro de Pesquisa e Ps-Graduao. Psicoterapeuta e Conferencista.

    Especialista em Psicologia

    Clnica e Educacional. Supervisora clnica. Formao em Anlise Bioenergtica pelo International for Bioenergetic Analysis Nova York. Trainer Internacional em

    Anlise Bioenergtica. Coautora do livro: O corpo nos

    grupos, 2004. Libertas Editora

    Emai: [email protected]

  • 29 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    29 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    Introduo

    Conhecimento, trabalho e amor natural so as fontes de nossa vida.

    Deveriam tambm govern-la; e a responsabilidade total deveria ser

    assumida pelos homens e mulheres que trabalham, em toda parte.

    (REICH)

    A cincia da Psicologia no Brasil relativamente nova, porm bem organizada e atualizada, atravs do

    Conselho Federal de Psicologia que agrega duzentos e vinte mil profissionais. Entre estes, a grande maioria

    escolhe a rea clnica e, dentro desta, a psicoterapia como prtica profissional. H cerca de vinte anos, alguns

    psiclogos perceberam as injustias sociais, o sofrimento de grande nmero de excludos, e, aos poucos,

    comeou a mudar o foco profissional, saindo de uma clientela, eminentemente, de classe rica e mdia, para

    ocupar espaos em todas as camadas da sociedade. Este movimento de uma profisso com insero nas polticas

    pblicas, com voz em defesa dos direitos humanos, ampliou o olhar para alm das quatro paredes da

    psicoterapia. J no cabia uma profisso de sade e cincias humanas se manter alienada das questes sociais.

    Neste processo de amadurecimento profissional, os psiclogos ampliaram, ainda mais, o olhar para a Amrica

    Latina e perceberam a necessidade de desenvolverem maior autonomia na produo cientfica e nas intervenes

    prticas, contemplando a histria e a cultura de nosso povo.

    Embora a Anlise Bioenergtica no se restrinja Psicologia, a aproximao com esta e o

    reconhecimento oficial dos cursos de formao da Anlise Bioenergtica pelo Conselho Federal de Psicologia,

    favoreceram sua expanso por vrios pases da Amrica Latina e sua prtica nas diversas reas do saber.

    A Federao Latino-americana de Anlise Bioenergtica tem sido convidada para participar de

    congressos em conferncias e/ou oficinas nos pases como: Chile, Costa Rica, Cuba, Mxico, Peru e Uruguai.

    Recentemente, no Peru, foi iniciado um curso para formar facilitadores que possam trabalhar com Anlise

    Bioenergtica aplicada a empresas, escolas e centros sociais de sade.

    Segundo Lowen,(1982,p.92) a Anlise Bioenergtica no apenas uma abordagem psicoteraputica:

    A Anlise Bioenergtica no est apenas voltada para a terapia, da mesma forma que a

    psicanlise no lida exclusivamente com o tratamento analtico de distrbios emocionais.

    Ambas as disciplinas interessam-se pelo desenvolvimento da personalidade humana,

    buscando compreender tal processo em termos das situaes sociais nas quais ocorre.

    Posteriormente, a interface com outros tericos do desenvolvimento da personalidade permitiu estender

    sua aplicao nas mltiplas situaes da existncia humana. Aqui, salientamos os benefcios dos exerccios da

    Anlise Bioenergtica, aplicados de modo independente e/ou como forma complementar psicoterapia. Lowen

    (1997) recomendava, enfaticamente, a prtica dos exerccios como promoo e manuteno da sade integral.

    Fundamentamos sobre a eficcia da Anlise Bioenergtica nas organizaes em intervenes de sade,

    segurana no trabalho, integrao de equipes, entre outras. Conceitos advindos de William Reich e Alexander

    Lowen como: economia de energia, respirao, grounding, exerccios, sonorizao, na prtica, constituem

  • 30 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    30 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    recursos eficazes no trabalho nas organizaes. A leitura corporal e energtica dos grupos sinaliza os contedos

    emergentes para serem trabalhados, respeitando-se o momento e o processo dos mesmos.

    Na rea educacional, a Libertas Clnica-Escola conseguiu o reconhecimento do Curso de

    Especializao em Psicologia Clnica, com foco em Anlise Bioenergtica, pelo Conselho Federal de Psicologia,

    atravs da Associao Brasileira de Ensino de Psicologia, que confere o ttulo, para os concluintes, de

    especialista em Psicologia Clnica. Inclumos, tambm, a disciplina Anlise Bioenergtica em vrios cursos de

    ps-graduao como: Terapia de Casal e Famlia, Gesto de Equipes, Gesto Solidria para as Organizaes

    Sociais, entre outros.

    Funciona, ainda, com o atendimento na clnica social que tem como objetivo possibilitar s camadas

    mais carentes da sociedade o acesso psicoterapia na forma individual e grupal. No momento atual, este servio,

    basicamente fundamentado na Anlise Bioenergtica, amplia-se com um enfoque de preveno e manuteno da

    sade biopsicossocial.

    A viso clnica estende-se para empresas, escolas, com a utilizao de exerccios da Anlise

    Bioenergtica que ajudam as pessoas a lidarem de modo mais saudvel com as exigncias do mundo atual.

    Exemplificamos, descrevendo uma interveno que fizemos em uma comunidade de assentados em que

    as lideranas estavam se fragmentando e tendo como consequncia um nvel elevado de estresse que repercutia

    nas relaes familiares, com o poder pblico, dificultando e ameaando a autossustentabilidade. Em todas as

    experincias narradas as intervenes foram ancoradas na Anlise Bioenergtica, associada aos princpios da

    Dinmica de Grupo.

    Anlise bioenergtica

    A Anlise Bioenergtica, desenvolvida por Alexander Lowen, com a colaborao de John Pierrakos,

    fundamenta-se em alguns conceitos da Psicanlise e na compreenso de que a dinmica e a histria familiar do

    indivduo tm influncia na formao da personalidade. Baseia-se tambm na teoria de Reich, este considerado o

    grande precursor das terapias corporais.

    Para Reich, no corpo h uma inscrio da histria do indivduo e esta influencia o comportamento e a

    forma da pessoa se colocar e responder s situaes da existncia.

    Reich delimita a Psicoterapia Corporal como um campo especfico da Psicologia Clnica, com

    teoria e mtodo prprios, fundamentando-se na especialidade da psicofsica do ser humano e

    resgatando o lugar do corpo nessa unidade. E avana quando a relaciona a processos

    macropoltico-econmico-sociais e ao cosmo, (REICH, 1985).

    A Anlise Bioenergtica, atualmente, considera o aspecto relacional, agregando contribuies da teoria

    do vnculo, Winnicott, 2000, da teoria do Apego, John Bowlby, 2002, entre outras. A definio mais recente do

    Instituto Internacional de Anlise Bioenergtica, IIBA, 2003, conceitua Anlise Bioenergtica como uma

    psicoterapia profunda, analtica relacional corporal.

  • 31 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    31 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    (...) integra um trabalho com o corpo, com as relaes interpessoais do paciente e com seus

    processos mentais, cada um deles correlacionado e interpretado em termos dos demais... A

    Anlise Bioenergtica comea pela realidade do corpo e suas funes bsicas de mobilidade e

    expresso. (A. Lowen, 1963), apud Manual IIBA, 2003).

    A Anlise Bioenergtica observa a linguagem afetiva, como um pndulo - presente, passado, presente -

    vivida e expressa no corpo. O Analista Bioenergtico, no espao teraputico, busca a construo de vnculo - a

    partir do olhar, do grounding, do holding da escuta dos sentimentos, da compreenso do corpo subjetivo,

    energtico, relacional. Percebe a linguagem corporal como expresso de si, indo alm da funo biolgica.

    Busca-se um reconhecimento dos direitos de existir e necessitar, de autonomia, de liberdade e de amar.

    Psicoterapeuta e paciente podem atravessar as dores humanas respeitando os princpios do cuidar, do

    reconhecer, do ter limites, da aceitao da histria pessoal, familiar e geracional, possibilitando o resgate da

    esperana numa humanidade inclusiva, solidria e cuidadosa. (SAFRA, 2005).

    A prtica da interveno clnica em psicoterapia conduz, inevitavelmente, ao encontro humano, numa

    interao em que o psicoterapeuta acompanha as dores existenciais mais profundas.

    Dores que as pessoas carregam na trajetria de suas vidas e nas lembranas traumticas do

    passado, transformadas em dificuldades no presente. Que bela e difcil a misso de ouvir,

    estar perto e acompanhar, silenciosa e solitariamente, a travessia do outro por mares revoltos,

    na viagem pelo interior de si mesmo. O mergulho na escurido da histria pessoal repleta de

    lembranas e fantasmas ameaadores que paralisaram de medo. O frio do deserto afetivo. Os

    gritos de dor. As lavas quentes da raiva e da excitao do corpo desejante de amor. A chuva

    de lgrimas. Os sons dos soluos. A entrega, representada pela aceitao da prpria histria.

    (CORREIA, 2004)

    O psicoterapeuta precisa estar situado em todas essas questes. Ouvir o outro na sua subjetividade,

    acolher o sofrimento humano. Presente, como em alguns momentos acontece, simbolicamente, no lugar do tero

    aquecido, no vnculo de confiana, na frustrao estruturante, no dar limites, no reconhecer, no olhar, no escutar,

    no tocar, no calar.

    Em que lugar nos coloca o outro quando nos abre as portas do mais ntimo do seu ser.

    Compartilha seus segredos. Revela suas imperfeies. Quo nobre a experincia da

    descoberta e o estar presente como parteiros do renascimento. Renascer, crescer, caminhar

    juntos e agradecer pela oportunidade que nos concedida, na nossa misso de mantermos a

    motivao no nosso trabalho, testemunhando as dores, assim como, a beleza da vida.

    (CORREIA, 2004)

    O psicoterapeuta procura compreender a pessoa enquanto sujeito em relao. Os aspectos da

    subjetividade so considerados, assim como seus impactos nas relaes sociais. Podemos dizer que a clnica no

    se restringe ao setting teraputico, prestando-se como suporte na compreenso do comportamento humano, nas

    diferentes situaes do existir.

    As cincias se complementam para compreender melhor a complexidade da existncia humana. A viso

    transdisciplinar e a atuao interdisciplinar, em todas as reas do conhecimento, evidenciam a necessria troca de

    saberes entre as mltiplas reas profissionais.

  • 32 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    32 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    A Psicologia, assim como a Anlise Bioenergtica, pode contribuir nos diversos tipos de instituies,

    nos hospitais, nas escolas, na famlia, nas questes jurdicas, no trnsito, nos esportes, nos programas de polticas

    pblicas, nas comunidades, ou seja, nas diversas situaes humanas.

    A psicoterapia uma das formas de interveno clnica que lida diretamente com as questes

    existenciais. Ela pode acontecer em nvel individual, grupal, com casais, famlia e nas diferentes faixas etrias.

    As psicoterapias corporais, em suas diversas abordagens, lidam com a viso da interface psicossomtica,

    reconhecendo a ligao e a interdependncia entre mente e corpo.

    A psicoterapia corporal , ao menos, to cientfica quanto outra forma de psicoterapia e, visto

    que o corpo mais diretamente observvel, alguns dos seus parmetros se prestam mais

    facilmente evidncia direta, por exemplo, os estados do tnus muscular ou os ritmos da

    respirao so observveis tanto quantitativa como qualitativamente [...]. BOADELLA,

    (1997)

    Terapia, em sua etiologia, significa cuidar e esta a principal funo do psicoterapeuta. O setting

    teraputico deve representar um lugar seguro, onde a criana ferida existente dentro de cada um, seja acolhida

    atravs de uma escuta e do reconhecimento da pessoa em sua singularidade, na sua dinmica familiar, no seu

    contexto social e na sua universalidade.

    O psicoterapeuta deve acolher o paciente respeitando sua singularidade, procurando compreend-lo na

    sua linguagem verbal e corporal. Cuidado e suporte asseguram criana o direito de existir e necessitar, alm de

    dar a sensao de ter e poder ocupar um lugar no mundo. (SAFRA, 2005).

    Ambiente seguro

    O ser humano caracteriza-se pelo desamparo que lhe peculiar. Ao nascer, precisa do cuidado da me

    ou de algum que exera a funo materna, pois no sobreviver sozinho. A construo do vnculo me/beb

    fundamental na formao da personalidade. A interao energtico-corporal vai inscrevendo um registro de

    amor, desamor e/ou de indiferena. O beb no peito olha para a me e olha para o peito.

    A qualidade do olhar, bem como o contato corporal, o ser segurado nos braos, no colo, o aconchego,

    facilitam o sentimento de pertencimento do beb na famlia - grupo primrio -, bem como a incluso na

    comunidade humana, (SAFRA, 2005).

    Diferentes psicanalistas como Donald Winnicott, John Bowlby, entre outros, desenvolveram teorias,

    salientando a importncia da relao me/beb, funo materna, aspecto fundamental na construo de vnculos

    seguros.

    Os estudos e as pesquisas da neurocincia tm comprovado o desenvolvimento filogentico do crebro

    e do sistema nervoso, a partir dos rpteis, mamferos at os humanos. Ela explica a sabedoria do funcionamento

  • 33 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    33 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    do organismo, interligado por neurotransmissores, formando uma rede de informaes e aes - neurolgicas,

    bioqumicas, motoras, emocionais - presente em todo processo da vida.

    O neurocientista Steven Porges tem estudado o nervo polivagal, trazendo uma grande contribuio na

    nova forma de entender a evoluo do sistema nervoso autnomo e a relao entre o simptico e o

    parassimptico. O nervo vagal tem dois ramos: o vagal dorsal, ramo antigo do parassimptico que nos socorre

    nas situaes traumticas, de intensa ameaa e, tambm, nos prepara para a morte. E o vagal ventral, envolvido

    com o engajamento social, numa busca de identificar o ambiente seguro.

    Quando estamos assustados, dependemos dos circutos neurais que evoluram para

    proporcionar comportamentos defensivos adaptativos para os vertebrados mais primitivos.

    Esses circuitos neurais provem mecanismos fisiolgicos que organizam reflexivamente os

    comportamentos de mobilizao ou imobilizao antes de termos conscincia do que est

    acontecendo. Por outro lado, quando a neurocepo nos diz que um ambiente seguro e que

    as pessoas desse ambiente so confiveis nossos mecanismos de defesa so desativados.

    Podemos ento nos comportar de maneira que incentive o envolvimento social e o afeto

    positivo. (PORGES, 2012, p. 35),

    A Anlise Bioenergtica, assim como todas as escolas psicoteraputicas, tm em comum a importncia de

    criar um setting teraputico seguro, que possibilite aos pacientes a travessia de suas dores existenciais, em

    companhia de um terapeuta respeitoso e emptico, que os ajudem a integrar a histria pessoal, a suavizar as

    couraas, a dissolver as mgoas, numa perspectiva de acessar o amor, a aceitao e a entrega vida. A partir da

    compreenso da teoria polivagal podemos dizer que o psicoterapeuta conectado com seu parassimptico, vagal

    ventral, possibilita criar um campo energtico seguro que favorea a construo de uma relao de confiana e

    que ajude o paciente acessar seu parassimptico. Os seres humanos so criaturas altamente sociveis. Nossa

    capacidade de nos curarmos est fisicamente ligada aos nossos relacionamentos com outras pessoas. Tanto a

    doao como o recebimento de cuidado ou de amor tem a capacidade de proteger, curar, e restaurar. (PORGES,

    2012.p.308)

    Sociedade contempornea

    Falamos da incontestvel necessidade de um ambiente seguro desenvolvido a partir do grupo primrio,

    familiar. No entanto, atualmente, dentro de uma viso macro, como falar em ambiente seguro, num mundo

    caracterizado pela violncia?

    Alexander Lowen, 1983, no seu livro Narcisismo, faz uma anlise da sociedade ocidental salientando a

    distoro dos valores, a valorizao do ter em detrimento do ser, o afastamento do verdadeiro self e a energia

    investida na imagem de grandiosidade.

    Observamos uma estimulao excessiva e o sucesso uma exigncia, inclusive para as crianas. Os

    limites entre o pblico e o privado so frgeis. Individualismo e massificao, desrespeito ao corpo, conflitos de

    classe e excluso social, sentimentos de abandono, solido, pnico, depresso, so frequentes. Na

  • 34 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    34 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    contemporaneidade, a pessoa est reduzida sua funo biolgica. O corpo deixa de ser a morada de si e passa a

    ser objetificado, (SAFRA, 2005).

    H uma perda do corpo simblico, subjetivo, relacional. H um desespero pela falncia corporal e

    proximidade da morte. As pessoas lutam contra a decadncia do corpo, embora a decrepitude seja inevitvel aos

    idosos. Fere-se o funcionamento natural e percebe-se um desrespeito que impacta no corpo pelos maus tratos,

    pela violncia, pelo abuso, pela desumanizao.

    Segundo Freitas (2006), todas as geraes tm a obrigao tica de deixar para as geraes futuras o

    legado do amor,do bem-estar e do dever, - direitos e deveres - das leis e dos limites, contribuindo para o

    funcionamento sadio das novas geraes. No caso atual, no estamos cumprindo a funo materna, do amor e do

    cuidar, nem a funo paterna da Lei e dos deveres.

    A tica do cuidar no est sendo cumprida, tendo como consequncia um aumento da violncia, que se

    estende desde a famlia, aos grupos minoritrios, ao meio ambiente, ao universo. A insegurana se estende do

    plano individual ao planetrio. A famlia, como a escola deixaram de representar ambientes seguros. Os pases

    no do conta das ameaas e dos atentados terroristas. O planeta sofre a violncia de seus habitantes que no

    preservam a natureza: rios, mares, florestas, animais, pessoas. A ameaa se faz presente, atravs dos desastres

    ambientais, das catstrofes, dos acidentes, do medo, do pnico, da depresso, do desespero e das dores humanas

    que aumentam, vertiginosamente.

    Sabemos que as dores existenciais fazem parte do viver e do morrer. Porm, muitos dos sofrimentos so

    gerados pelo descuido e pelo afastamento do verdadeiro sentido da vida. A ignorncia, o apego e as emoes

    perturbadoras podem ser causas de sofrimentos construdos pelas prprias pessoas. (SAMTEN, 2010).

    A ignorncia diz respeito ao afastamento do verdadeiro significado da vida, prevalecendo uma

    superficialidade materialista, ilusria, baseada no falso self. O apego ao ego, a situaes passadas, ao aspecto

    material, ao medo do futuro e a no aceitao da impermanncia da vida, causam grandes sofrimentos que se

    repetem num crculo vicioso.

    O socilogo Alexandre Freitas, numa palestra proferida no Seminrio Famlia, realizado pela Libertas,

    2006, salienta que as leis do bem-estar, do dever, da incluso social esto em crise. O ser humano est ameaado

    em sua sobrevivncia, sem limites e referncias. As pessoas no fazem contato com o corpo, em seu simbolismo

    e subjetividade, no escutam seus sinais, no respeitam o ritmo natural. Relacionam-se apenas com os aspectos

    biolgicos e aparentes. Revelam baixo senso de si mesmas e fazem pouco contato com os sentimentos.

    (LOWEN, 1983).

    Negam a morte e as crianas no so preparadas para lidar com a finitude existencial. Lutam contra a

    decrepitude. H uma averso velhice, tentam manter a jovialidade custa de cirurgias e de outros

    procedimentos na tentativa de preservar uma imagem de forte e narcsica.

  • 35 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    35 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    Incluso Social

    A incluso social um direito que deveria ser assegurado. Todas as pessoas serem reconhecidas e

    atendidas nos direitos de existir, necessitar e ter um lugar no mundo. Ao contrrio disto, percebemos um

    processo de forte excluso social. O excludo no tem reconhecimento, no tem visibilidade social, perde a

    noo de si mesmo e procura afirmar sua identidade social pela violncia, buscando renda, respeito e poder.

    Observa-se um desamparo familiar, institucional, social que gera conflitos expressos de diferentes formas, a

    saber: (FREITAS, 2006).

    Destrutividade, Violncia, Barbrie.

    Destrutividade Onde machuca-se o outro pela busca de encontrar alteridade.

    Violncia . Desrespeito tico onde o aspecto humano tornou-se distante. Podemos entender a

    violncia como uma denncia desesperada do que foi perdido no campo poltico, social.

    Ex: os protestos na Frana dos jovens descendentes dos imigrantes. Assim como, sequestros, assaltos, rebelies

    no Brasil.

    Barbrie - Violncia num grau inumano como os jovens que queimaram um velho em New York e

    outros que queimaram um mendigo e, posteriormente, um ndio no Brasil.

    Lowen, 1983, referia que atos como estes indicavam um afastamento da humanidade nas pessoas que

    praticam e das pessoas vtimas de tamanha violncia. Para ele os jovens queriam matar a velhice e no

    propriamente o velho.

    Como vimos, vivemos uma cultura de violncia que assistida dentro de casa. As guerras, os incndios

    provocados, a fome, as aes policiais, tudo isto acontecendo nas vrias partes do mundo transmitido pelos

    canais da mdia e redes sociais. Nesses acontecimentos constata-se um distanciamento dos valores humanos e

    ticos.

    A vida est completamente banalizada, mata-se por qualquer motivo. A barbrie acontece tambm

    dentro das famlias. Muitas so as notcias de crimes cobertos de crueldade em todas as partes do mundo,

    incluindo as crianas que deveriam ser asseguradas de proteo e amor. Todos os dias, sem nem que se perceba,

    as pessoas formam um campo energtico nocivo decorrente de palavras, imagens e aes violentas.

    reas de aplicao da anlise bioenergtica

    A Anlise Bioenergtica foi criada com aplicao, eminentemente, clnica, atravs da psicoterapia. No

    Brasil e, notadamente, em Recife quando fizemos nossa formao, j atuvamos como psicoterapeutas em

  • 36 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    36 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    psicodrama e com grupo, trabalhvamos em organizaes como: empresas, escolas e comunidades. Entendemos

    que o trabalho psicocorporal podia se estender para as vrias situaes da existncia humana.

    Desta forma, Libertas levou a Anlise Bioenergtica para diversas instituies, pblica e/ou privada, em

    programas de sade, segurana comportamental e integrao de equipes. Portanto, o foco passou a ser alm das

    quatro paredes da psicoterapia. A viso da clnica ampliada, fundamenta a nossa experincia em vrios campos

    de ao a saber: na clnica, nos hospitais, na educao, nas organizaes, nas polticas pblicas, nas comunidades

    carentes.

    Clnica

    Na clnica, destacamos a psicoterapia que pode ser aplicada na modalidade individual, em grupo, em casal

    e em famlia. O analista em bioenergtica faz uma leitura e escuta do inconsciente, atravs da linguagem verbal e

    corporal, expressas no setting teraputico e na relao paciente/terapeuta. H uma compreenso de que a histria

    individual est interrelacionada com a dinmica familiar, inseparveis da cultura e do momento histrico vividos

    no passado e no presente.

    Atualmente, a desigualdade social, a velocidade e excesso de informaes, as presses e estimulaes, tornam a

    psicoterapia, por si s, insuficiente para a manuteno da sade.

    Alexander Lowen mantinha na sua prtica diria e recomendava a todas as pessoas os exerccios de Bioenergtica como

    forma de ampliar a respirao, favorecer o contato com o self, permitir a expresso dos sentimentos, o fluir da

    energia e preservar a vitalidade. (LOWEN, 1985, p. 114)

    Alm dos exerccios, inclumos os conceitos bsicos da Anlise Bioenergtica - grounding, respirao,

    sonorizao juntamente com o processo de grupo, no trabalho com profissionais da rea de sade. O objetivo

    desta interveno dar suporte aos profissionais que trabalham em hospitais, lidando, diariamente, com as

    questes existenciais dor, sofrimento, decrepitude e morte, com contnua presso e, geralmente, sem

    preparao emocional.

    Grande parte dos profissionais de medicina e enfermagem so orientados, para o exerccio da profisso, a

    no fazer contato com os sentimentos em relao aos pacientes, como forma de defesa, medida que lidam com

    as questes e dores existenciais, nem sempre suficientemente elaboradas em si mesmos. Esta forma de atuar

    acumula tenses emocionais que podem gerar adoecimento.

    Realizamos em Recife um trabalho em um hospital privado, onde participaram 225 profissionais, visando

    melhorar o relacionamento interpessoal e intergrupal, bem como desenvolver a coeso e integrao das equipes.

    Iniciamos com os gestores num total de 19 participantes entre eles enfermeira chefe, nutricionista, tcnicos de

    recursos humanos, de segurana e de servios gerais. Alm da equipe de gestores, formamos sete grupos de,

    aproximadamente, trinta pessoas que, em ambiente externo ao hospital, tiveram a oportunidade de dar uma pausa

    ao trabalho do dia-a-dia, em busca de construir um clima de confiana e relaes mais solidrias.

    O objetivo foi trabalhar as tenses, as emoes e os sentimentos pertinentes natureza do

    trabalho, bloqueados no corpo, bem como os conflitos interpessoais no resolvidos no

    cotidiano. Havia, portanto, o enfoque individual e o grupal. Os profissionais de sade,

  • 37 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    37 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    especialmente enfermeiros e auxiliares, tm como agravante a necessidade de dois ou mais

    empregos, com carga horria e plantes exaustivos que interferem no humor e na sade.

    Geralmente, a autoestima desses profissionais muito baixa, por no se sentirem

    reconhecidos, nem valorizados. Iniciamos o encontro com uma apresentao dentro de um

    enfoque pessoal. (ALVES; CORREIA, 2010, p. 116)

    Depois da apresentao, solicitamos que as pessoas compartilhassem os desejos e as fantasias que tinham

    em relao ao trabalho. Nesta ocasio, tivemos que dar espao para a expresso da raiva pelo fato das mesmas

    terem se sentido obrigadas a participar do encontro. Percebemos que o fato de poderem socializar os incmodos

    e a raiva, possibilitou a diminuio das resistncias e uma melhor compreenso dos objetivos do trabalho e da

    nossa funo no mesmo. Explicamos a nossa viso sobre sade, sendo esta decorrente do estilo de vida e da

    qualidade das relaes interpessoais, seja na famlia ou no trabalho. O ambiente em que se vive fundamental na

    promoo da sade. Em toda convivncia, tratar os conflitos interpessoais e grupais constitui uma maneira de

    manter uma comunicao sadia. Para atingir este objetivo, utilizamos alguns exerccios da Anlise Bioenergtica

    para trabalhar os anis de tenso, com nfase nas emoes emergentes. Para o enfrentamento de alguns conflitos

    interpessoais, fizemos alguns exerccios em pares que permitiram a expresso da raiva e das competies.

    Aos poucos, na medida em que a confiana se formava, os anis e couraas eram trabalhados, as pessoas

    se entregaram ao processo, soltando os sons, expressando suas emoes, h tanto tempo reprimidas.

    No princpio, a expresso foi predominantemente de riso, tanto pela situao

    nova, como por ser uma forma de aliviar a ansiedade. Aos poucos, muitas

    dores e mgoas foram expressas pelo choro. A dor solitria transformava-se

    em abraos fraternos e solidrios num resgate de esperana, no direito de

    existir, ser, necessitar. Parecia inacreditvel para aquelas pessoas cuidadoras

    dos outros que pudessem tirar a roupa branca e tambm serem cuidadas. A permisso de poder chorar, compartilhar com os iguais os medos e as

    fragilidades. Cada um se encontrar com o eu mais secreto. Comemorar as

    conquistas e as alegrias. Desejar, ser escutado. (ALVES; CORREIA, 2010, p.

    117)

    No processo, intervamos com alguma reflexo ou atividade corporal, a partir da leitura do emergente do

    grupo. Em alguns momentos, abrimos um espao para que as pessoas pudessem compartilhar os sentimentos,

    focados no aqui e agora. Observamos que, geralmente, depois da vivncia corporal com os coraes abertos e os

    olhos nos olhos, tudo podia ser dito ou nada precisava ser dito. (ALVES;CORREIA, 2010, p.118)

    Organizacional

    Aliar e integrar a Anlise Bioenergtica com a Dinmica de Grupo foi uma iniciativa da equipe da

    Libertas. Expandimos sua aplicao para empresas, com foco na sade, atravs do desenvolvimento de

    relacionamentos interpessoais e intergrupais mais harmoniosos e coesos nos diversos nveis hierrquicos.

  • 38 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    38 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    De um modo geral, a maioria das empresas d pouco espao para a expresso dos sentimentos e, como

    consequncia, muitas pessoas mostram-se insatisfeitas, infelizes no ambiente de trabalho e adoecem cada vez

    mais e mais cedo. Naturalmente, que a convivncia prejudicada por um clima de competio, de desconfiana,

    de conflitos no resolvidos, que acabam por gerar um processo de adoecimento individual, grupal e

    organizacional.

    Na nossa experincia, constatamos a contribuio e eficcia da Anlise Bioenergtica nos processos de

    grupo.

    A leitura corporal e energtica dos grupos, o conceito de grounding, a respirao, a sonorizao e os

    diversos exerccios mostraram-se fundamentais nas intervenes, focadas no desenvolvimento e integrao das

    equipes.

    Pela Anlise Bioenergtica, procuramos desbloquear as tenses corporais, estimulando as pessoas a

    entrarem em contato consigo, atravs do contato com seus corpos, com as sensaes, com os sentimentos que,

    integrados e expressos, promovem sade.

    Busca-se desenvolver nas pessoas maior autopercepo, autoexpresso e o autodomnio das emoes,

    geralmente, reprimidas no ambiente do trabalho.

    O conceito de economia energtica constitui um dos indicativos do funcionamento sadio ou doentio das

    pessoas, dos grupos e das organizaes. Se o consumo de energia e de tempo, utilizados nas tarefas, so

    excessivos podem indicar bloqueios na comunicao, ou conflitos no resolvidos. Este pode ser um sinal para

    entendermos o nvel e a qualidade da energia circulante, bem como do campo energtico em que as pessoas esto

    inseridas.

    Sabemos que, na maioria das organizaes, no existe espao para a expresso dos afetos. H

    um verniz e uma mscara social em que cada um cultua a imagem que supe agradar ao outro.

    H uma presso na sociedade atual para ser forte, ultrapassar limites, enfrentar desafios,

    buscar incessantemente o sucesso. Esta presso muito estressante para as pessoas porque, o

    no corresponder aos padres de excelncia exigidos, significa correr o risco de sair da

    organizao, de perder o emprego, de ser excludo. De um modo geral, a sobrevivncia fica

    ameaada. Neste clima de ameaa e desconfiana, os relacionamentos interpessoais so

    afetados, as interaes se do entre os papis sociais, distanciando as pessoas umas das outras.

    Elas pouco se olham, pouco se tocam. A comunicao ocorre apenas no plano das ideias. E

    neste campo nem sempre as pessoas se entendem, pois cada uma defende suas verdades e

    pouco escuta o outro. S quando o corao est conectado e integrado com as ideias que se

    abre a possibilidade do entendimento. (ALVES; CORREIA, 2010, p. 121)

    Para tratar os conflitos, algumas vezes, a palavra suficiente. Em outras preciso intervir corporalmente,

    como no caso de atividades dois a dois, a exemplo, do cabo de guerra, nos casos de competio; empurrar costas

    com costas para assegurar o espao de cada um; ou ainda, sugerir repetir a expresso: quem voc pensa que ?

    acompanhada de movimentos com os braos, quando o tema emergente do grupo est ligado a relaes

    opressoras e/ou autoritrias.

    Estes exerccios da Anlise Bioenergtica possibilitam trabalhar os bloqueios corporais e os entraves na

    comunicao interpessoal. Geralmente, no enfrentamento das divergncias e conflitos, depois da expresso da

    raiva, possvel trabalhar a confiana, atravs de algumas atividades de contato, dois a dois, mos nas mos,

    olhar e silncio. O clima comea a mudar e o campo energtico torna-se mais leve e acolhedor, proporcionando

  • 39 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    39 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    maior aproximao entre as pessoas e uma melhora na qualidade da comunicao. As experincias de encontro

    pelo olhar, atividades de ressonncia corporal, desenvolvem a confiana que permite as pessoas compartilharem

    as emoes do momento, dissolvendo mgoas, na medida em que a fala estiver conectada com o corao. A cada

    conflito enfrentado, a confiana se instala e os elos se fortalecem.

    Na nossa trajetria, verificamos que muitas dessas experincias tm sido aprendidas e transmitidas para

    alm do ambiente do trabalho. Em diversas empresas, quando posteriormente tivemos encontros de

    acompanhamento, algumas pessoas referiram que, depois da vivncia, elas lembravam no dia-a-dia, das

    orientaes de respirar, do grounding, do falar diretamente. O esprito de equipe, a comunicao direta, o

    cuidado com os relacionamentos, passaram a ser uma referncia no percurso da vida.

    Educacional

    .

    A anlise Bioenergtica contribui nas escolas com orientao aos pais e educadores, bem como em

    atividades de integrao da equipe de gestores e professores. Na nossa experincia junto com a Fundao

    Roberto Marinho, FRM, temos participado de capacitao de professores em vrios estados brasileiros.

    Em algumas escolas, atuamos dando suporte emocional aos professores para que pudessem lidar de modo

    mais equilibrado com o impacto de situaes traumticas, junto aos alunos. Numa escola de uma cidade

    brasileira fizemos um trabalho onde ocorreu um assassinato de 12 crianas. Esta tragdia gerou um impacto

    nacional muito forte, principalmente nos alunos, professores, funcionrios e entorno da escola.

    Fizemos trs intervenes, num perodo de um ano, com o grupo de professores. Estes estavam muito

    abalados, alm de terem que dar suporte aos alunos. A tragdia aconteceu quando um jovem, ex-aluno da escola,

    entrou em uma sala de aula e atirou, tendo atingido doze crianas.

    No nosso primeiro encontro, nos apresentamos, explicamos o nosso trabalho e abrimos um espao para as

    pessoas compartilharem os sentimentos daquele momento. As pessoas colocaram o estado de choque e

    perplexidade em que se encontravam. A maioria mostrava-se assustada, com sentimento de impotncia e com

    distrbio do sono. O foco do nosso trabalho foi criar um ambiente seguro, atravs do acolhimento das pessoas,

    do estabelecimento de uma escuta e dos exerccios da Anlise Bioenergtica. Realizamos um trabalho de

    autopercepo corporal, salientamos bem o grounding, promovemos atividades de fortalecimento dos elos, em

    dupla, incluindo em seguida todo o grupo. Depois dos exerccios, demos um tempo para a expresso verbal,

    estimulando as pessoas a socializarem suas experincias e desenvolverem no grupo um suporte emocional entre

    eles. Os outros dois encontros ocorreram em um intervalo de seis meses. Seguimos a mesma metodologia,

    respeitando o processo do grupo, com um olhar para o emergente individual e grupal. Observamos que a maioria

    das pessoas mostrava-se melhor do que na primeira vez. No terceiro encontro, ao completar um ano, as pessoas

    avaliaram como muito significativa terem tido esta interveno que os possibilitou atravessar as dores

    ancoradas nas prprias pernas e nos elos afetivos do grupo.

    Vrias pessoas levaram para seu cotidiano a respirao consciente, ateno plena, os exerccios da

    Anlise Bioenergtica. Alm de nosso trabalho, houve uma grande transformao na estrutura da escola e o

  • 40 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    40 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    aporte da expresso pela arte, a exemplo de um painel de grafite que teve a participao dos professores, alunos

    e funcionrios. Foi feito um vdeo desse processo onde foi salientada a capacidade de resilincia, referida como

    ancorada no amor.

    Clnica social

    Narraremos uma experincia de aplicao da Anlise Bioenergtica em uma comunidade de assentados

    em uma pequena regio de Pernambuco. Fizemos uma interveno de integrao com as lideranas de trs

    assentamentos que passavam por um momento de dificuldades interpessoais e intergrupais. Os assentados

    receberam a terra, mas faltou a eles um programa de capacitao e ajuda para administrar o dinheiro financiado

    para ser investido nas terras. O financiamento tinha prazos, mas diante da seca e da inexperincia de gesto a

    competio se estabeleceu entre as lideranas. Era necessrio que estes se integrassem e fortalecessem suas

    relaes para desenvolver aes comuns de organizao, de relacionamento com o poder pblico e de

    negociao conjunta dos financiamentos.

    Participaram dez pessoas de cada assentamento. O objetivo do trabalho foi integrar as

    lideranas e despert-las para a viso do todo. O grupo foi composto de trinta pessoas, tendo

    apenas duas mulheres. Havia uma heterogeneidade na faixa etria. Muitos com mais de

    sessenta anos e apenas alguns entre vinte a trinta e cinco anos. A maioria sem nenhuma

    escolaridade. (ALVES; CORREIA, 2010, p. 149)

    Iniciamos sugerindo uma apresentao em que eles contassem a histria dos nomes, - significado, quem

    escolheu- como uma forma deles falarem um pouco de si e perceberem os pontos comuns, representada na

    cultura que respaldava as escolhas dos nomes. No nordeste brasileiro muito comum nomes em homenagem aos

    santos, avs, heris. Em seguida, pedimos que eles, a partir das necessidades e desejos individuais, definissem os

    objetivos daquele encontro.

    Esclarecemos o objetivo do nosso trabalho e alguns comearam a externar que a presena de psiclogos

    poderia ajudar a uni-los, pois havia desavenas e nem todos cooperavam.

    A partir deste momento, o processo fluiu e as pessoas comearam a expressar seus sentimentos em relao

    ao novo modo de vida, como gestores das terras adquiridas. Trabalhamos os anis, dando nfase ao tratamento

    dos conflitos interpessoais e expresso da energia raivosa. Introduzimos as atividades de confiana, ocasio em

    que pessoas se buscavam em dupla, estabeleciam contatos pelo olhar e expressavam os sentimentos umas pelas

    outras.

    Quando voltamos para as cadeiras e abrimos espao para a expresso livre, muitos choraram e

    revelaram a dificuldade que eles estavam sentindo, os medos e a insegurana, neste momento

    de passagem. Saram da carncia total, da dependncia e da escravido anterior para uma

    aparente libertao: ter sua terra para morar e plantar, mas despreparados para se autorregular,

    autoadministrar. Compartilharam o peso de conseguir a sobrevivncia para a famlia, muitas

    delas, com dez, quinze, dezoito filhos. (ALVES; CORREIA, 2010, p. 151)

  • 41 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    41 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    No final do trabalho, os sentimentos predominantes foram de gratido, alegria, amizade e paz. Na

    despedida, nos abraamos e samos com a sensao de termos tido uma lio de vida, com

    exemplos de coragem, simplicidade, perseverana, esperana e f.

    Concluso

    Depois de olhar para nossa trajetria profissional, me dou conta do caminho rduo que trilhamos,

    como desbravadores de obstculos, em busca da ocupao de espaos, por acreditarmos nos benficos da Anlise

    Bioenergtica, enquanto abordagem psicocorporal, que salienta a unidade psicossomtica. Como legado de

    Reich, entendemos que tnhamos que levar a prtica profissional como um direito ao acesso de toda comunidade.

    A singularidade individual tinha que ser associada ao aspecto cultural e viso coletiva. Restringir a Anlise

    Bioenergtica a uma prtica individual ou a pequenos grupos na clnica, passou a ser, para mim, uma alienao

    social. Conseguimos o reconhecimento do Conselho Federal de Psicologia que credenciou nosso curso de

    formao em Anlise Bioenergtica, certificando os estudantes aprovados como especialistas em Psicologia

    Clnica, foco em Anlise Bioenergtica.

    Aps a concluso dos primeiros grupos, muitos profissionais, CBT`S, levaram a Anlise

    Bioenergtica para os diversos campos de trabalho. Alguns profissionais a incluram em programas de apoio a

    famlias, assim como em Centros de Apoio Psicolgicos e Sociais, organizando oficinas vivenciais para

    pacientes com diferentes transtornos mentais. Em todas as experincias, de nosso conhecimento, o impacto tem

    sido muito positivo. Os pacientes referem sentir diminuio da ansiedade, melhora do sono e outros benefcios

    na sade, inclusive em casos de depresso.

    Depois de anos de trabalho, a comunidade bioenergtica no Brasil tem se expandido e levado seus

    conhecimentos para grvidas, sade pblica, pacientes diabticos, hipertensos, deprimidos, penitencirias,

    famlias, escolas, empresas, catstrofes, alm da psicoterapia em contextos privados e pblicos. A eficcia da

    prtica inquestionvel, pelos resultados demonstrados, ao longos desses anos.

    Temos que reconhecer nossa insuficiente produo cientfica que comprove e respalde a experincia

    profissional. Este tem que ser o novo e prximo passo.

    Antes de concluir quero expressar um desejo de que a comunidade internacional da Anlise

    Bioenergtica, representada pelo IIBA e sociedades, saia do casulo de uma prtica individual e estimule um

    dilogo com troca de experincias, enriquecido pelas mltiplas realidades culturais. Nas conferncias, no meu

    entendimento, precisamos aproveitar a diversidade, contextualizada na contemporaneidade, com todas as

    nuances do sofrimento humano. As questes existenciais individuais, familiares e sociais, precisam ser o foco de

    nossos encontros com o respaldo terico complementar de outras cincias, como a neurocincia, que nos ajudam

    a realizar uma prtica com viso transdisciplinar e interdisciplinar.

    Sinto-me feliz e agradecida a todas as pessoas que me ensinaram a fazer contato com meu corpo, a

    enraizar nas minhas pernas, a aceitar e a integrar minha histria, a expressar meus sentimentos, rir, chorar, amar,

  • 42 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    42 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    ter medo e coragem de desvendar o meu lado sombra, escondido no meu corpo, na minha sexualidade, nos meus

    pensamentos, na minha voz, em busca de uma entrega experincia do viver e do morrer.

    Referncias

    ALVES, Jayme Panerai. Exerccios de bioenergtica para a sade. Recife: Libertas, 2012.

    ALVES, Jayme Panerai; CORREIA, Grace Wanderley de Barros. O corpo nos grupos: experincias em anlise

    bioenergtica. Recife: Libertas, 2010.

    BOADELLA, David. Nos caminhos de Reich. So Paulo: Summus,1997.

    BOWLBY, John. Formao e rompimentos dos laos afetivos. So Paulo: Martins Fontes, 1997.

    FREITAS, Alexandre. Seminrio da Famlia Contempornea. Que famlia essa? Recife: 2006.

    INSTITUTO INTERNACIONAL DE ANLISE BIOENERGTICA. Currculo bsico de anlise

    bioenergtica. Rio de Janeiro; 2003.

    LOWEN, Alexander. Alegria: a entrega ao corpo e vida. So Paulo: Summus,

    1997.

    ________________ Bioenergtica. So Paulo: Summus, 1982

    ________________ O corpo trado. So Paulo: Summus, 1997.

    ________________ Narcisismo: negao do verdadeiro self. So Paulo: Cultrix, 1983.

    ________________ O corpo em depresso: as bases biolgicas da f e da realidade. So Paulo: Summus,1983.

    ________________ Prazer: uma abordagem criativa da vida. So Paulo: Summus, 1984.

    ________________ Espiritualidade do corpo: bioenergtica para a beleza e a harmonia. So Paulo: Cultrix,

    1992.

  • 43 REVISTA LATINO-AMERICANA DE PSICOLOGIA CORPORAL Ano 1, No. 1, Abril/2014 - ISSN Edio eletrnica em http://psicorporal.emnuvens.com.br/rbpc

    43 Revista Latino-Americana de Psicologia Corporal

    _________________ Exerccios de bioenergtica: o caminho para uma sade vibrante. So Paulo: Agora,

    1985.

    PORGES, Stethen. Teoria polivagal: fundamentos neurofisiolgicos das emoes, apego, comunicao e

    autorregulao. Rio de Janeiro: Senses Aprendizagem e Comunicao, 2012

    REICH, Wilhem. A funo do Orgasmo. So Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

    _____________ Escuta, Z ningum. So Paulo. Martins Fontes, 1982.

    ____________ Anlise do carter. So Paulo: Martins Fontes, 1985.

    SAMTEN, Lama Padma. A roda da vida: como caminho para a lucidez. So

    Paulo: Peirpolis, 2010.

    __________________ Meditando a vida. So Paulo: Peirpolis, 2010.

    SAFRA, Gilbert. O sef e a lgrima. So Paulo: Edies Sobernorte, 2005.

    ____________Tarefas do percurso humano: uma abordagem antropolgico-psicanaltica do processo

    maturacional. So Paulo: Edies Sobernorte, 2005.

    ____________Reinventando a clnica contempornea: novos parmentros para novas formas de adoecimento.

    So Paulo: Edies Sobernorte, 2006.

    WINNICOTT, Donald. A famlia e o desenvolvimento individual. So Paulo: Martins Fontes, 1993.

    _________________ O ambiente e os processos de maturao: estudos sobre a teoria do desenvolvimento

    emocional. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1983.