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206 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” Os Contratos de Transporte de Pessoa e de Seguro no Novo Código Civil

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206 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

Os Contratos de Transporte de Pessoa e de

Seguro no Novo Código Civil

SSSSSERGIOERGIOERGIOERGIOERGIO C C C C CAVALIERIAVALIERIAVALIERIAVALIERIAVALIERI F F F F FILHOILHOILHOILHOILHO

Desembargador TJ/RJ. Diretor-Geral da EMERJ

ça, as locomotivas a vapor, que foram osprimeiros meios  de  transporte  coletivo.Dizem que  as  primeiras  locomotivas de-senvolviam  a  espantosa  velocidade  de6km/h.  De  6km/h,  passou-se  para12km/h, 20km/h, 60km/h, 120km/h atéchegar  aos  trens-bala,  que  ainda  nãochegaram  ao  Brasil,  aos  aviões  e  atémesmo  aos  supersônicos.

Enquanto  o  Projeto  de  ClóvisBeviláqua  dormitava  no  Congresso  porquase  trinta  anos,  o  transporte  coletivonão  parou;  ao  contrário,  as  rodas  gira-vam e  cada vez mais  rapidamente. Tan-to  é  que  foi  necessário  editar  uma  leiespecial para disciplinar o transporte co-letivo,  antes mesmo  de  entrar  em  vigoro Código Civil.   Refiro-me ao Decreto n°2.681,  de  1912,  que  se  tornou  conheci-do  como  a  Lei  das  Estradas  de  Ferro.Tenho para mim que o Código Civil nãofez  referência  ao  contrato  de  transporteporque  o  legislador  dele  se  esqueceu,preocupado com as questões do Congres-so,  olvidando-se  que  o mundo aqui  foranão havia  parado;  antes  pelo  contrário,as  rodas  estavam  rodando  e  cada  vezmais  rápido.  É  isso  que  ocorre  quandohá  um  distanciamento  entre  a  lei  e  ofato, ou melhor dizendo, quando o legis-lador  está  alheio  ao  fato.  Pode  tambémter  ocorrido  que  o  legislador  imaginouque a Lei das Estradas de Ferro  já  teriasuficientemente  disciplinado  a  questão,sem  prever  que  outros meios  de  trans-porte haveriam de surgir e, por isso, dei-xou o contrato de transporte apenas coma disciplina que recebera da Lei das Es-tradas  de  Ferro.

O certo é, porém, que as rodas con-tinuaram  rodando  e  outros  meios  detransporte  foram surgindo. Por  isso,  tor-

Vamos  hoje  tratar  de  dois  contra-tos da maior relevância social, política eeconômica.  Talvez  não  existam  outrosque possam competir  com eles.

Quanto  à  importância  do  contratode  transporte,  bastaria  lembrar  que,  noBrasil,  diariamente,  são  transportadoscerca  de  quarenta milhões  de  passagei-ros de  casa para  o  trabalho  e do  traba-lho para a casa, através de ônibus, trens,metrôs  etc.  Isso  evidencia  que  o  trans-porte  coletivo  é,  realmente,  um  instru-mento  fundamental  para  o  Estado mo-derno  cumprir  suas missões  sociais  eeconômicas. Uma  greve  nesse  setor,  li-teralmente,  paralisaria  o  país.  Lembra-mos que tempos atrás, uma simples gre-ve  de  caminhoneiros    chegou  a  abalar,de  certa maneira,  o  governo.

Quanto  ao  transporte  aéreo,  todossabemos  que  é um  grande  aproximadorde  países,  dos  povos,  das  pessoas,  dascidades  e um extraordinário  fomentadorde negócios,  circulador  de  riquezas.  Se-gundo  as  estatísticas,  no  ano  de  1999cerca  de  dois milhões  e meio  de  pesso-as  entraram  no  Brasil  via  aérea  e  ou-tras  tantas  saíram.

Não  obstante  essa  relevância  eco-nômica,  social  e  jurídica,  o  contrato  detransporte    não mereceu  sequer  umareferência  no  Código  de  1916.  Por  queisso?  Já  se  ressaltou  que  o  Projeto  doCódigo de 1916  foi  elaborado por ClóvisBeviláqua na última década de 1800, em1890,  quando  o  transporte  coletivo  eraainda  incipiente,  sequer  existente.  Ahistória  do  transporte  coletivo  começouliteralmente  no  tempo  da Maria  Fuma-

Palestra  proferida  no  Seminário  realizado  em10.05.2002.

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nou-se  necessário  aplicar,  por  analogia,a  Lei  das Estradas de Ferro  aos  demaismeios  de  transporte  à medida  em  queforam surgindo:  bonde,  ônibus  etc. Des-sa  forma,  essa  lei,  que  reputo uma dasmais  antigas  ainda  em  vigor,  conseguiusobreviver  por  quase um século. A  dou-trina  e  a  jurisprudência  fizeram  com  aLei  das  Estradas  de  Ferro  aquilo  queBourlanger  denominava  de  �poder  derejuvenecimento  da  lei�,  poder  que  con-siste  em  fazê-las  viver  segundo  ou aten-dendo  às  exigências  do  tempo presente.Na realidade, se quisermos ter uma idéiado poder  criativo da doutrina  e da  juris-prudência  basta  estudar  o  desenvolvi-mento  da  interpretação  e  da  aplicaçãoque foi dada à Lei das Estradas de Ferro.

Entrando em vigor o novo Código Ci-vil,  pelo menos  dois  efeitos  curiosos  iráproduzir em relação ao contrato de trans-porte.    Em  primeiro  lugar,  irá  revogaruma das mais antigas leis em vigor, queé  a  lei  das  Estradas  de  Ferro.  Tal  leisobreviveu  à Constituição  de  1988  e  aopróprio  Código  de Defesa  do  Consumi-dor, dado o avanço da disciplina que elaestabeleceu. Em  segundo  lugar,  o Códi-go  irá  disciplinar  e  incluir  no  seu  textoum contrato que não é novo; ao contrá-rio, é mais antigo do que o próprio Códi-go  que  irá  revogar.  Por  isso, na  realida-de, não encontraremos inovações na dis-ciplina  do  novo Código  com  relação  aocontrato  de  transporte.  O  Código  está,tão-somente,  positivando,  estabelecen-do  na  lei,  aquilo  que  foi  sendo  criado,desenvolvido  e  cristalizado  pela  doutri-na  e  jurisprudência  ao  longo  de  quaseum século. O novo Código  está  em per-feita  sintonia  com  a  doutrina  e  a  juris-prudência  que  nesse  período  se  firma-ram.

Destacaria,  inicialmente,  o  artigo730 do novo Código Civil que, ao discipli-nar  o  contrato  de  transporte,  ressaltouum  dos  seus  elementos,  que  seria  atédesnecessário, mas que passou a ter re-levância por aquilo que vamos enfatizar.�Pelo  contrato  de  transporte  alguém  seobriga, mediante retribuição, a transpor-tar de um lugar para o outro, pessoas ou

coisas�.  Todos  sabem que  o  contrato  detransporte,  além  de  bilateral,  é  onero-so,  ou  seja,  exige uma  contraprestação.Contudo,  surgiu  ao  longo  desse  períodoa  discussão  acerca  da  responsabilidadedo  transportador  no  caso  do  chamadocontrato  gracioso,  ou  transporte  gratui-to. Foi uma longa discussão, que acabougerando  jurisprudência  do Superior  Tri-bunal de Justiça, consagrada na Súmula145. Pois  agora  o  entendimento  cristali-zado    na  doutrina  e  na  jurisprudênciapassou a ser disposição expressa do ar-tigo 736, que diz respeito ao contrato gra-tuito:  �Não  se  subordina  às  normas  docontrato  de  transporte  o  feito  gratuita-mente por amizade ou cortesia�. Foi ne-cessário  repetir  isso  aqui  porque  houveum  tempo em que  se queria  enquadrar,aquele  que  transportava  gratuitamente,nas mesmas  regras  de  responsabilida-de  do  transportador  que  tem  como  ele-mento  do  contrato  o  recebimento  dacontraprestação.

O  parágrafo  único  do  artigo  736nada mais faz do que repetir a distinçãoque a doutrina e a  jurisprudência  já es-tabeleceram  entre  o  contrato  puramen-te  gratuito  e  o  aparentemente  gratuito.O parágrafo único dispõe: �não se consi-dera  gratuito  o  transporte  quando,  em-bora feito sem remuneração, o transpor-tador  auferir  vantagem  indireta�.  Bas-tará  qualquer  tipo  de  vantagem,  como,por  exemplo,  no  caso  de  o  empregadorque  transporta o empregado, o  idoso ouo estudante que têm passe gratuito. Nes-sas  hipóteses  alguém  está  pagando  aconta,  não  sendo  esse  contrato  essenci-almente  gratuito,  só  podendo  ser  assimconsiderado  aquele  que,  segundo  o Có-digo,  é  feito por  amizade ou  cortesia.

Um ponto  que me  pareceu  impor-tante é o artigo 731 do novo Código Civil.Quando entrou em vigor o Código do Con-sumidor,  surgiu  uma  questão  bastanteinteressante.  O  CDC  estabelece  inde-nização ilimitada. Contudo, o Código Bra-sileiro da Aeronáutica e a Convenção deVarsóvia  estabelecem  indenizaçãotarifada,  limitada,  para  o  transporte  aé-reo.  A questão que se colocou foi esta: o

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transportador  aéreo,  sem dúvida,  é  umprestador de  serviços  e, no  caso de  res-ponsabilidade,  estaria  ele  sujeito  a  pa-gar uma indenização ilimitada, como pre-visto no CDC, ou uma  indenização  limi-tada,  como  previsto  na  Convenção  deVarsóvia e no Código Brasileiro da Aero-náutica?    Desde  o  primeiro momentosustentei, com base no entendimento doSupremo  Tribunal  Federal,  que  os  tra-tados  e  convenções,  no nosso  país,  nãosão supraleis, não são leis constitucionais,não  estão acima das  leis  ordinárias masno mesmo plano delas. Essa foi uma ques-tão longamente debatida no STF, que aca-bou  entendendo  dessa maneira,  haven-do, hoje,  disposição  expressa na Consti-tuição  (art. 105,  III,  a). Quando qualquerdecisão  contrariar  tratado  ou  convençãointernacional  o  recurso  cabível  não  é  oextraordinário, mas sim o especial. Se tra-tado  fosse  lei    constitucional,  o  recursodeveria  ser  o  extraordinário,  e não  o  es-pecial. Hoje, portanto, por expressa dispo-sição  constitucional,  não há  dúvidas  deque o tratado está no mesmo plano da leiordinária.  Sendo  assim,  evidentemente,deveria prevalecer  o Código de Defesa doConsumidor por ser a lei mais nova. Essaquestão  foi muito  discutida no SuperiorTribunal de Justiça que,  inicialmente,  seinclinou  pela  prevalência  da Convençãode Varsóvia e do Código Brasileiro da Ae-ronáutica. Entretanto, o STJ mudou o seuentendimento,  e nas ultimas decisões, dealguns anos para  cá,  tem decidido que oCódigo do Consumidor prevalece em rela-ção à Convenção de Varsóvia.

Esse  entendimento  estará  consa-grado no artigo art. 732 do novo CódigoCivil:  �Aos  contratos  de  transporte,  emgeral,  são  aplicáveis,  quando  couber,desde que não contrariem as disposições

deste Código, os preceitos constantes dalegislação  especial  e  de  tratados  e  con-venções  internacionais�.  Lendo  esse dis-positivo  na  ordem direta,  teríamos:  aoscontratos  de  transporte  em  geral,  sãoaplicáveis,  quando  couberem,  os  trata-dos  e  convenções  internacionais, desde

que não contrariem esse Código. Equivaledizer  que  se  houver  alguma  contrarie-

dade  entre  as  disposições  do  Código  equalquer disposição de  tratados  ou  con-venção  internacional,  deverão prevaleceras disposições do Código Civil, o que meparece  estar  em perfeita  harmonia  coma  nossa Constituição  e  com  o  entendi-mento  jurisprudencial,  não  só  do  STFcomo também do STJ. De sorte que, con-forme as novas disposições do Código Ci-vil,  essa  questão  estará,  no meu  enten-der,  superada.

O  artigo  733  do  novo Código Civiltrata do  transporte  cumulativo,  ou  seja,aquele  em  que mais  de  um  transporta-dor  se  encarrega  de  fazer  o  transporteem  percursos  diferentes.  Por  exemplo:um transporta até Portugal  e outro pelorestante  da  Europa.  Nesses  contratoscumulativos,  o Código  estabeleceu umaregra  em  relação  à  responsabilidade  ci-vil que não é a da solidariedade. Diz que�nos  contratos  de  transporte  cumulati-vo, cada transportador se obriga a cum-prir  o  contrato  relativamente  ao  respec-tivo  percurso,  respondendo  pelos  danosnele  causados  a  pessoas  e  coisas. Con-seqüentemente,  não  haverá  responsa-bilidade  solidária.   No  entanto,  e  aí nãoentendi bem o porquê,  no artigo 756 donovo  Código  Civil,  quando  tratou  dotransporte  cumulativo  de mercadorias,o  legislador  estabeleceu  a  responsabili-dade solidária. No caso de transporte cu-mulativo,  todos  os  transportadores  res-pondem  solidariamente.  A  diferença  dedisciplina talvez tenha por causa não serpossível  determinar-se  com precisão  emque percurso ocorreu o dano, o que nãose  verifica  no  transporte  de  pessoas.Certo  é  que  o  legislador  fez  essa  distin-ção  entre  o  transporte  cumulativo  demercadoria  e  transporte  cumulativo  depessoas,  atribuindo  a  responsabilidadesolidária  àquela modalidade,  e  não  aatribuindo quando se tratar de transportecumulativo  de  pessoas.

O  artigo  734  do  novo Código Civildisciplina  a  responsabilidade  civil  dotransportador. Essa matéria  passou porvárias  fases. A Lei das Estradas de Fer-ro  estabelecia  responsabilidade  civil  ob-jetiva  para  o  transportador  em  relação

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ao  passageiro.  Em  relação  ao  pedestre,àquele  que  não  era  passageiro,  a  res-ponsabilidade era subjetiva  (art. 159 doCC).   Com a Constituição de 1988,  queestabeleceu  responsabilidade  objetivatambém para o prestador de serviço pú-blico,  o  transportador  passou  a  ter  res-ponsabilidade objetiva  também em rela-ção  a  terceiro.  Veio  o Código  de Defesado Consumidor  e  estabeleceu  responsa-bilidade objetiva para o prestador de ser-viço,  quer  com  relação  ao  contratado,quer  com  relação  ao  consumidor  diretocomo  em  relação  ao  consumidor  indire-to. Só aí passamos a ter uma responsa-bilidade unificada do transportador comrelação não só  ao passageiro como tam-bém  em  relação  ao  terceiro.

O novo Código Civil,  no seu artigo734,  praticamente  consolidou  esse  en-tendimento  jurisprudencial,  estabele-cendo  a  seguinte  regra:  �O  transporta-dor  responde  pelos  danos  causados  àspessoas  transportadas  (evidentementesomente  em  relação  ao  passageiro)  esuas  bagagens,  salvo motivo  de  forçamaior,  sendo  nula  qualquer  cláusulaexcludente  da  responsabilidade�.

Nesse  dispositivo  temos  váriasquestões  importantes.    Em primeiro  lu-gar,  trata-se,  inquestionavelmente,  deresponsabilidade  objetiva  em  relação  aopassageiro  e  aqui  está  a  cláusula  deincolumidade  enquadrada pelos  juristasfranceses  quando procuraram  construiruma nova responsabilidade para o trans-portador.  No meu  entender,  o  que  te-mos aqui é a cláusula de segurança, ex-pressa  no Código  de Defesa  do Consu-midor. Quem  se  dispõe  a  prestar  servi-ços que causam riscos ao passageiro oua terceiros, fica obrigado a prestá-lo comsegurança,  tendo  que  garantir  aincolumidade de quem quer que seja. OCódigo  consagrou  o  que  já  estava  esta-belecido  desde  a  Lei  das  Estradas  deFerro.

Destacamos em segundo lugar queo  dispositivo  em  exame  estabelece  cla-ramente  a  nulidade  de  qualquer  cláu-sula  excludente  de  responsabilidade.Isso foi uma criação da doutrina, depois

da  jurisprudência  e,  finalmente,  essavedação está expressa no Código de De-fesa  do Consumidor. Qualquer  cláusulaque  reduza  a  responsabilidade  é  plena-mente nula. Essa disposição estará, ago-ra, no novo Código Civil.

Temos  também aqui o princípio daindenização  ilimitada,  que  embora  nãoescrito no caput, o depreendemos do pa-rágrafo único, que diz: �É lícito ao trans-portador  exigir  a declaração do  valor dabagagem a fim de fixar o  limite da  inde-nização�. Como se vê, o  Código somenteadmitiu  fixar  limite  da  indenização  noque diz respeito à bagagem. A contrario

sensu,  não  há  limite  indenizatório  emrelação  ao  passageiro.  Como não  pode-ria  deixar  de  ser,  haverá  harmonia  en-tre o novo Código Civil e o do Consumi-dor.  Seria muito  ruim  se  o Código Civilpermitisse  uma  limitação  tendo  o Códi-go  do  Consumidor  estabelecido  comoprincípio,  como  direito  fundamental  doconsumidor,  a  plena  indenização  ou  areposição  ilimitada. Mesmo  em  se  tra-tando de  bagagem,  a  limitação  terá  queser  feita  com base  numa declaração  dovalor da própria bagagem.

O  artigo  734,  ao  primeiro  exame,permite  concluir  que  a  responsabilida-de  do  transportador  somente  seria  ex-cluída  pela  força  maior.  Alguns  diasatrás,  conversando  com  uma  ilustrecivilista, ela me disse que o Código Civilestaria  à  frente  do Código  de Defesa  doConsumidor  porque  somente  excluiria  aresponsabilidade  do  transportador  nocaso  de  força maior.  É  o  que  está  dis-posto no artigo 734 do Código Civil. To-davia,  o Código  disciplinou  a  responsa-bilidade do transportador em mais de umartigo e não apenas em um único dispo-sitivo.

A seguir temos o artigo 735 que tra-ta  do  fato  de  terceiro.  E  aqui  o  Códigonada  mais  fez  que  positivar  aantiguíssima súmula 187 do STF: �A res-ponsabilidade  contratual  do  transporta-dor,  pelo  acidente  com  passageiro,  nãoé  elidida por  culpa de  terceiro,  contra  oqual  tem  ação  regressiva.�  Isto  não  énovidade,  repetimos,  porque  a  Súmula

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187 já dispunha assim. Todavia, o códi-go  fala  em  culpa  de  terceiros.  Fatoculposo  de  terceiro  não  exclui. Mas  aquestão  é:  e  o  fato  doloso  de  terceiro?Não podemos,  evidentemente,  equiparardolo  e  culpa. O  fato  culposo de  terceiropode ser, perfeitamente,  incluído naqui-lo  que muitos  autores  chamam de  for-

tuito interno. Faz parte do risco do negó-cio do transportador. Mas quanto ao fatodoloso de  terceiro  (como, por  exemplo,  oassalto  e,  agora,  verdadeiros  ataques  aônibus,  que  são  feitos  quando  a  políciamata alguém no morro e os bandidos des-cem  para  queimar  os  ônibus),  pode-seimputar  ao  transportador  o dever de  in-denizar  se  alguém  ficar  ferido  em umamanifestação  dessa  natureza? Então  aítemos  o  fato  doloso  de  terceiro.  Parece-me que continuaremos com a mesma dou-trina, com a mesma jurisprudência e coma mesma controvérsia que até aqui se tra-vou. Há aqueles que entendem, como eu,que o fato doloso de terceiro exclui a res-ponsabilidade do transportador, porque elenão  é    questão de  imprevisibilidade, massim de inevitabilidade. E há outros que en-tendem que não excluiria a  responsabili-dade. O Superior  Tribunal  de Justiça  játem decidido dos dois modos, embora es-teja  se  inclinando, nas últimas decisões,pela não-exoneração da  responsabilidadedo  transportador no  caso de  fato dolosode terceiro, como o assalto a ônibus.

Temos  a  seguir  a  questão  do  fatoexclusivo da vítima ou da culpa exclusi-va  da  vítima,  que  é,  normalmente,  ou-tra  causa  de  exclusão  de  responsabili-dade.  A  culpa  exclusiva  da  vítima  ex-cluiria  a  responsabilidade  do  transpor-tador? O código tratou dessa questão noartigo  738.  Esse  artigo  dispõe:  �A  pes-soa  transportada  deve  sujeitar-se  àsnormas  estabelecidas  pelo  transporta-dor  constantes no bilhete  ou afixadas àvista dos usuários,  (...)�. Em outras pa-lavras,  está  dizendo  que  o  passageirodeva  ter  um  comportamento  adequado,de acordo com as regras. Dispõe o pará-grafo único, que nos interessa: �Se o pre-juízo sofrido pela pessoa transportada foratribuível  à  transgressão  de  normas  e

instruções  regulamentares,  o  juiz  redu-zirá  eqüitativamente  a  indenização,  namedida em que a  vítima houver  concor-rido para a ocorrência do dano.� Eis aquia culpa concorrente. E aí então a minhaconclusão: Ora,  se  o  código  permite  re-duzir  a  responsabilidade  do  transporta-dor  em  razão  da  culpa  concorrente  dopassageiro, por mais forte razão teremosque  admitir  a  exclusão  da  responsabili-dade  do  transportador  se  o  dano decor-rer da exclusiva atuação da própria víti-ma.  Então, mais  uma  vez  os  surfistasrodoviários,  no meu  entender,  continu-arão sem a cobertura da  indenização dotransportador, se o dano decorrer de fatoexclusivo da própria vítima.

O  artigo  741  também  é  consagra-ção  de  entendimento  doutrinário  ejurisprudencial.  Ele  trata  do  interrom-pimento da viagem. Todos nós, juízes, jádecidimos  hipóteses  de  interrupção  deviagem  como  overbooking  ou, melhorainda, casos em que o avião ou,   então,ônibus sofre alguma pane e tem que pa-rar  em  algum  lugar.  Nesse  caso,  temosmandado  pagar  as  despesas  de  hospe-dagem,  alimentação  etc.  e  arrumar  logoum meio de transporte para levar o pas-sageiro são e salvo ao seu destino. É issoque  está  no  artigo  741:  �Interrompendo-

se a viagem por qualquer motivo alheio à von-

tade do transportador, ainda que em conse-

qüência de evento imprevisível (eis aqui ofortuito interno que não exclui a respon-sabilidade do transportador), fica ele obri-

gado a concluir o transporte contratado em

outro veículo da mesma categoria (....).�

E ainda temos um artigo importan-te  que  não  existia  em nenhum disposi-tivo  legal  com  relação  ao  transporte,  oartigo  742. É  o  direito  de  retenção,  quefoi agora outorgado legalmente ao trans-portador. �O transportador, uma vez exe-

cutado o transporte, tem direito de retenção

sobre a bagagem do passageiro e outros ob-

jetos pessoais deste, para garantir-se do pa-

gamento do valor da passagem que não tiver

sido feito no início ou durante o percurso�.Esse  direito  de  retenção,  que  já  estavaprevisto  no Código  de  1916 para  os  ca-sos  de  depósito  e  hospedagem,  e  agora

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estendido  pelo  novo Código  também aotransportador.  Muitos  entendem  queesse  direito  de  retenção  seria  arbitrá-rio,  algo  contrário  à  liberdade  etc.  desorte  que  a  controvérsia  prosseguirá,mormente em face do Código do Consu-midor.

Observo uma omissão no código noque diz respeito ao transporte de passa-geiro. Omissão esta que poderia ter sidosuprida, porque o código teve o cuidadode não cometer essa omissão no que dizrespeito ao transporte de coisas. Há umaquestão  que muitas  vezes  chega ao Tri-bunal e que diz respeito ao momento emque  começa  e  em  que  termina  a  res-ponsabilidade  do  transportador.  Essa  éuma  questão  importante  porque  umacoisa é a celebração do contrato e outraé  a  sua  execução.  Nem  sempre  a  res-ponsabilidade  do  transportador  começano momento  em  que  se  celebra  o  con-trato. Compro uma passagem de  avião,por exemplo, mas só vou viajar daqui aum mês.  Se  alguém,  que  vai  viajar  deavião,  sofrer  um  acidente  quando  estáse dirigindo para o aeroporto,  a  compa-nhia aérea não tem nada a ver com isso.Mesmo  que  a  pessoa  argumente  que  jáhavia comprado a passagem, que ia via-jar e que o contrato estava fechado, nãoimporta, pois ainda não se havia  inicia-do a execução do contrato. Uma coisa éo  contrato  e  outra  coisa  é  a  sua  execu-ção.

Sendo  assim,  seria muito  impor-tante  que  o  código  estabelecesse  o mo-mento do  início  da  execução do  contra-to  de  transporte  e  o momento  em  quetermina  essa  obrigação.  A  jurisprudên-cia  vem  fazendo  isto  com bastante  cui-dado. No artigo 750,  o  código  tratou daquestão  com  relação  ao  transporte  demercadoria,  mas  se  esqueceu  ou  nãoquis  tratar disso no que diz  respeito  aotransporte  de  pessoas.

O  artigo  750  dispõe:  �A responsa-

bilidade do transportador  (e aqui já estána parte que trata do transporte de coi-sas,  que  começa  no  artigo  743),  limita-

da ao valor constante de conhecimento, co-

meça no momento em que ele, ou seus

prepostos, recebem a coisa; termina quan-

do é entregue ao destinatário, ou deposita-

da em juízo, se aquele não for encontrado�.

Quer  dizer,  estabeleceu-se  quando  co-meça e quando termina o transporte decoisas, mas nada tratou com relação aotransporte  de  pessoas.

Há outras questões  relevantes  comrelação  ao  contrato  de  transporte, mascomo prometi  não ultrapassar  o  tempo,vamos  tratar  de  Contrato  de  Seguro.Esse  contrato  é  também  extraordináriono que diz  respeito  à  sua  relevância  ju-rídica,  econômica  e  política.  Grandesempreendimentos  se  tornariam  inviáveisse não fosse a segurança do seguro. E épor  isso que o seguro obteve um desen-volvimento  fantástico  nas últimas  déca-das. Ele  circula  bilhões de dólares  anu-almente.  Imaginem  o  que  seria  daPetrobrás,  se  não  fosse  o  seguro,  quan-do uma de suas maiores plataformas pe-gou  fogo e afundou. Um custo de bilhõesde dólares, o que abalaria a economia atémesmo de uma  grande  empresa.  Imagi-nem o que seria se não houvesse uma redede seguros e resseguros mundial. No casoda destruição das duas  torres gêmeas emNova York, não fosse o seguro esse  funes-to acontecimento abalaria a economia atéde muitos países. É esta a importância quetem o seguro. No Brasil, de acordo com asestatísticas,  somos mais de  sessenta mi-lhões  de  segurados  nos  vários  seguros.Qualquer pessoa de classe média terá, pelomenos, um tipo de seguro, por exemplo, deautomóvel, de saúde etc.

Então, o que vem a ser seguro? Por-que ele tem esta importância, esta enor-me  relevância? Costumo contar um  fatoreal que nos ajudará a compreender. Nadécada de  trinta, quando estavam cons-truindo  a  grande ponte  sobre  a Baía  deSão  Francisco,  nos  Estados Unidos,  osconstrutores se viram envolvidos com umgrave  problema:  a  segurança dos  traba-lhadores. Quem ainda hoje sobe ao cimode  uma  das  torres  daquela  ponte,  comcerca  de  duzentos  e  vinte metros  de  al-tura, e olha lá de cima as águas da Baía,a  centenas  de metros  abaixo,  não  deixade ter um arrepio na espinha. Como se-

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ria  possível  trabalhar  naquelas  alturassem o pavor de se precipitar no abismoa qualquer momento? A ponte estava or-çada  em  trinta  e  cinco milhões de dóla-res e os operários sabiam que, para cadamilhão  a  ser  gasto,  havia  a  perspectivade  que  um  deles  poderia  perder  a  suavida.  Importava,  então,  em dizer  que atéa  conclusão  da  ponte  cerca  de  trinta  ecinco  trabalhadores poderiam morrer. Eisto,  a  toda  evidência,  gerou pânico.  To-dos  trabalhavam com a  idéia  fixa de quea qualquer momento poderia se  transfor-mar em uma daquelas trinta e cinco víti-mas. Por isso a obra caminhava lentamen-te,  causando  enormes prejuízos,  até  quealguém  teve  a  idéia  de  estender,  sobretoda  extensão da ponte, uma gigantescarede  de  cordas. De  sorte  que,  se  algumoperário  caísse, haveria de  ser apanhadopela rede. A rede custou oitenta mil dóla-res, mas  revelou-se,  desde  logo, um ex-celente  investimento. Tão  logo  ela  foi  es-tendida, os operários readquiriram a con-fiança,  voltaram a  trabalhar novamente,a obra readquiriu o andamento desejado,a ponte foi concluída no prazo previsto e,melhor do  que  tudo,  sem o  sacrifício  deuma vida sequer. É que agora os operári-os  tinham uma  resposta  tranqüilizadorapara  aquela  inquietante  indagação:  e  seeu cair da ponte?

Parece-me que  esse  fato  revela  quesegurança  e  proteção  são  necessidadesbásicas  do  ser  humano,  principalmentea partir  de uma determinada  classe  so-cial.  A  todo  instante,  estamos nos  inda-gando: �e se eu cair da ponte? e se eu mor-

rer? e se eu ficar doente? e se minha casa

pegar fogo? e se roubarem o meu automó-

vel?�. E é exatamente aí que entra a idéiado  seguro. Em uma  linguagem  figurada,poderíamos  dizer  que  o  seguro  é  umaespécie  de  rede  jurídico-econômica  quenos  protege  contra  os  riscos  aos  quaistodos nós  estamos  expostos na  vida  emsociedade. Todos nós sabemos que o se-guro é fundado, é alicerçado em três ele-mentos essenciais: o risco, a mutualidade

e a boa-fé. Costumo dizer que esses  trêselementos  são  o  tripé  do  seguro,  umaespécie  de  santíssima  trindade,  uma

trilogia  do  seguro.  Não  haverá  seguroonde não houver  risco,  onde não houvermutualidade  e  onde não houver boa-fé.

O  risco  é  o  elemento básico,  o  ele-mento material  do  seguro.  As  pessoassó  fazem  seguro  porque  estão  expostasa risco. Se você não sentir risco de nada,não  vai  fazer  seguro.  E  risco  é  exata-mente  perigo,  é  probabilidade  de  dano.Nós  fazemos  seguro  quando  sentimosprobabilidade de dano, qualquer que sejaa  sua natureza.

Mutualidade  é  o  elemento  econô-mico  do  seguro. É uma  operação  coleti-va  de  poupança,  que  é  feita  por  todasaquelas  pessoas  que  integram um mes-mo  grupo  de  risco.  Sabendo  que  possosofrer  um  sinistro,  sofrer  um  dano  emrazão do risco a que estou exposto, pro-curo me precaver estabelecendo algo queme  possa  reparar  o  dano  se  eventual-mente  ele ocorrer. E assim,  com muitaspessoas,  forma-se  um  fundo  capaz  debancar  os  danos  decorrentes  dos  riscosa que pessoas estão expostas. E, a  todaevidência,  terá  que  haver  (aí  está  umponto  importante)  o  equilíbrio  entre  ris-co  e  prêmio.  Prêmio  não  é  aquilo  querecebo  de  indenização, mas  aquilo  quepago como segurado. Terá que haver umequilíbrio,  uma necessária  proporciona-lidade entre o prêmio pago e os riscos aque  estou  exposto,  para  formar  o  patri-mônio adequado  e necessário para ban-car esses riscos. E isto é calculado atra-vés  de  dados  estatísticos,  cálculos  atu-ariais, a  lei dos grandes números e combastante precisão. É dessa maneira queo  seguro  se  estrutura.

Uma boa definição de seguro, calca-da no princípio da mutualidade, foi aque-la que nos deixou a Rainha Elizabeth I, daInglaterra, há mais de três séculos:  �como seguro, o dano é um fardo que pesa le-vemente sobre um grande número de pes-soas  em vez de  insuportavelmente  sobreum pequeno número�. Mutualidade é isso,é  divisão dos  riscos,  de  tal maneira  quese torne suportável por muitos aquilo queseria  insuportável por poucos.

Agora,  vem o  terceiro  elemento  -  aboa-fé. A boa-fé é o elemento jurídico do

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seguro.  Boa-fé  é  o  elemento  que  ligamutualidade  e  risco. Mutualidade  e  ris-co jamais andarão juntos se não houverboa-fé.  É  a  boa-fé  que  permite  entre  osegurado  e  o  segurador  uma  convivên-cia  tal,  que  um  contribua  para  formarum fundo, e o outro, por sua vez, tenhacondições de  reparar  o dano,  o prejuízose,  eventualmente,  o  risco  a  que  estáexposto  o  segurado  vier  a  se materiali-zar no sinistro. É por  isso que os auto-res  costumam  dizer  que  a  boa-fé  é  aalma,  é a  razão de ser do seguro. Ondenão houver a boa-fé, haverá fraude, má-fé. Por essa  razão se costuma dizer quea  fraude  é  a maior  inimiga  do  seguro,porque ela desestrutura o equilíbrio quetem  que  haver  entre mutualidade  e    oprêmio que deve ser pago.

O Código  anterior  praticamente  sófalava na boa-fé no seguro. Costumava-se  dizer  que  a  boa-fé  era  um  elementodo seguro, porque só no contrato de se-guro  ela  era  expressamente menciona-da. Aqui, no seguro, não só temos a boa-fé  subjetiva,  a  boa  intenção  das  partes,mas  também a  boa-fé  objetiva,  porque,mais do que  em qualquer  outro  contra-to,  esta  é  indispensável  no  seguro,  queé  sempre um  contrato  de  trato  sucessi-vo. Fazemos seguro por um período, umano  por  exemplo.  Então  o  contrato  vaise  prolongar  e,  embora  as  partes  pos-sam  ter  boas  intenções no momento dacelebração do contrato de seguro, se nocurso  do  contrato,  uma  delas  passar  ater má-fé,  procurar  aumentar  os  riscos,por exemplo, ou procurar criar obstácu-los  para  a  execução  do  seguro,  ele  setorna  inviável.  Então,  tudo  aquilo  quefoi dito com relação à boa-fé e que hojeestá  sendo  cantada  e  decantada,  poispassará a ser um princípio geral do novoCódigo, já era um dos elementos do con-trato  em  geral.

Feitas  essas  observações,  diriaapenas que o novo Código vai dar ao con-trato  de  seguro  uma  disciplina  maisenxuta, mais  racional. Há no Código de1916 muitas  disposições  repetitivas  eque, com o decorrer do tempo, se mostra-ram  inócuas, desnecessárias. O novo Có-

digo fez uma limpeza, deixando apenas ascláusulas  e  regras que  são  realmente  re-levantes  e  importantes. E,  como não po-deria  deixar  de  ser,  os  três  elementos:risco, mutualidade e boa-fé não só persis-tem, mas  foram ainda mais prestigiadose destacados, porque  se  esses  elementosnão  forem prestigiados  o  seguro passaráa  ser  absolutamente  inviável.

Entretanto,  o  que me  parece me-recer  destaque  é  o  novo  conceito  que  oCódigo  deu  ao  seguro. O  conceito  ante-rior  ensejava  cada  definição  que, data

venia,  era  de  chorar. Costumava-se  di-zer que o seguro transfere o risco do se-gurado para o segurador.  Isso é um ab-surdo do ponto de vista jurídico e fático.Com ou sem seguro, quem continua emrisco  é  o  assegurado,  é  o  seu  carro,  é  ooperário  que  está  pendurado  em  algumlugar.  O  seguro  não  transfere  o  risco.Também  não  é  absolutamente  corretodizer que o carro foi segurado, que a pes-soa  foi  segurada,  é  uma maneira  de  sedizer, mas  não  é  isto  que  foi  segurado.Então,  qual  é  realmente  o  objeto  do  se-guro? O que é o segurador?

Temos,  no  novo Código,  uma  defi-nição que me parece muito bem coloca-da; está no artigo 757, que dispõe: �Pelo

contrato de seguro, o segurador se obriga,

mediante o pagamento do prêmio, a garantir

interesse legítimo do segurado, relativo a

pessoa ou a coisa, contra riscos predetermi-

nados�. Aqui,  fico  realmente  em dúvida,pois  quem  irá  pagar  o  prêmio?  Quempaga o prêmio é o segurado, por  isso eucolocaria �mediante o recebimento do prê-mio�, mas,  como  assim  está  disposto,vamos  entender  que  onde  se  diz  paga-

mento, leia-se  recebimento;  quem paga  éo  segurado  e  quem  recebe  é  o  segura-dor. Depois diz:  �garantir interesse legíti-

mo do segurado, relativo a pessoa , con-tra  riscos  predeterminados�.  Primeiroponto  que  o  conceito  destaca  é:  o  segu-rador  é  um  garante,    por  isso  digo  queele  é  um prestador  de  serviço.

Os  senhores  vejam que,  sabiamen-te, o Código do Consumidor, sabendo quehaveria muita  reação,  colocou  expres-samente  no  conceito  de  serviço  a  ativi-

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dade  bancária,  securitária  etc.  Inicial-mente,  os  seguradores  quiseram  sus-tentar que não eram prestadores de ser-viço porque afinal de contas não presta-vam  serviço  algum. Mas,  na  realidade,eles  prestam  serviço,  eles  são  garantes.Mas o segurador garante o quê? Ele nãogarante a vida do segurado, pois com ousem seguro, o segurado pode falecer; elenão  garante  que  o  carro  estará  semprecom  o  segurado. O  que  ele  garante  é  ointeresse legítimo que o segurado tem emrelação a  coisas  e  em  relação a pessoas.Normalmente  será  um  interessepatrimonial. O que eu quero quando façoum  seguro? Quero,  se  o meu  carro  forroubado, ter o patrimônio necessário paracomprar outro, para repor o meu prejuízo.É um interesse econômico. A mesma coi-sa ocorre com o seguro de vida. O que sequer  quando  se  celebra  um  seguro  devida? A pessoa não quer morrer, ela querviver  o máximo possível, mas  com a  ga-rantia, a certeza de que, se morrer, aque-les  que  dependem  dela  não  ficarão  aoabandono,  é  um  interesse  econômico.Quando a pessoa  faz um seguro de  saú-de,  não  pretende  passar  dias  internadona UTI, ninguém quer isso, ninguém estáinteressado  em  obter  a  indenização  doseguro,  pelo  contrário,  o  que  se  quer  égarantia, segurança, tranqüilidade. É issoque  devemos  entender  por  interesse  le-gítimo.

Agora,  então,  o  Código  estabeleceque o que é segurado, o que é garantidoé  o  interesse, mas há  que  ser um  inte-resse  legítimo.  Logo,  qualquer  interes-se  ilícito,  ilegítimo,  ainda  que  celebra-do  com  o  seguro,  contraria  o  princípioda  boa-fé,  contraria  a  própria  razão  deser  do  seguro.  Esse  conceito  está  per-feito  no meu  entender.  E mais  ainda,destaca  aqui  que  o  interesse  legítimo  égarantido  contra  os  riscos  predetermi-nados. Há uma  tendência  nossa,  inclu-sive  dos magistrados,  de  fazer  do  segu-ro  o  segurador  universal  �  �Há  seguro,então paga  tudo, cobre  tudo�.  Isso violao  princípio  da mutualidade. O  contratofoi  celebrado  tendo  em  vista  determina-dos  riscos,  o  prêmio  calculado  é  sobre

esses  riscos  específicos.  Aqui  está  oequilíbrio.  A  partir  do momento  em quese  começa  a  incluir,  no  outro  lado,  ris-cos  que não  foram  levados  em  conside-ração no momento da celebração do con-trato,  se  está  quebrando  o  princípio  damutualidade.  Pois  agora  o Código,  ape-sar  de  já  o  fazer  o  anterior,  diz  que  os

riscos devem ser predeterminados, que sãoaqueles  que  foram previstos  no  contra-to,  na  apólice.  Essa  mesma  regra  éenfatizada no artigo 760, que dispõe:  �Aapólice  ou  o  bilhete  de  seguro  serãonominativos,  à  ordem ou  ao portador,  emencionarão os riscos assumidos, o inícioe  o  fim de  sua  validade,  o  limite  da  ga-rantia e o prêmio devido, e, quando for ocaso,  o  nome  do  segurado  e  o  dobeneficiário�. Mencionar  os  riscos  assu-midos  é  vital  para  se  manter  amutualidade, o equilíbrio.  Quanto ao iní-

cio e o fim de sua validade, há uma dis-cussão muito  grande,  em  certos  segu-ros,  sobre  em  que momento  começa  ounão  a  obrigação  do  segurador;  se  é  nomomento  em que  celebrou  a  apólice,  seé no momento em que se  fez o primeiropagamento  ou  se  é  depois.  Essa  é  umaquestão bastante controvertida e que nostraz muita  dificuldade  na  vida  prática,quase  sempre  nos  inclinamos  em  favordo segurado, segundo uma tendência na-tural.

O  novo  Código  diz  expressamenteque  vai  valer  aquilo  que  está  escrito  naapólice.  É  claro  que  se  aquilo  que  estáescrito  violar  o  princípio  da  boa-fé,  sefor uma cláusula abusiva, vamos enten-der  que  isso  não  vale  nada,  é  como  senão  existisse. Mas,  se  for  uma  cláusularazoável,  como,  por  exemplo,  que  o  se-guro  vai  valer  a  partir  de  24  horas  ouapós  o  primeiro  pagamento,  coisas  des-se  tipo, nós  juízes  e  profissionais  de di-reito  devemos  respeitar  porque  é  issoque está escrito aqui na lei. Se não hou-ver  colidência  com um princípio maior,como a boa-fé, deve prevalecer aquilo quefoi  estabelecido na  apólice  para  o  inícioe  fim da validade do contrato.

Temos, no artigo 763, uma cláusu-la  que  colide  de  frente  com  a  jurispru-

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dência do Superior Tribunal de Justiça.Ainda não  é  uma  jurisprudência  pacífi-ca, mas  pelo menos  um  acórdão  já  vique me  deixou  até  bastante  preocupa-do. O caso dizia respeito a um seguradoque  estava  em mora,  até  inadimplenteporque  estava  sem  pagar  o  prêmio  hávários meses  e  precisou  do  seguro.  Osegurador negou-se  a pagar  a  indeniza-ção,  levando  o  segurado  a  ingressar  naJustiça, na qual teve ganho de causa. OSuperior  Tribunal  de  Justiça  entendeuque, mesmo estando o segurado atrasa-do,  se pagou o prêmio  terá direito à  in-denização.  É  isso  que  preocupa,  poisonde  fica  a  boa-fé? Então,  faço  um  se-guro  de  automóvel  e  espero;  se  rouba-rem  o meu  automóvel,  vou  lá  e  pago  oque devo, apesar de já ter ocorrido o si-nistro?!  Isso  viola  o princípio da boa-fé,isso é má-fé pura. Não vejo nenhum bri-lhantismo  nesse  entendimento,  contra-ria  a  estrutura  do  seguro.

O artigo 763, agora habemus legis

expressa,  dispõe  o  seguinte:  �Não  terádireito  a  indenização  o  segurado  queestiver  em mora  no  pagamento  do  prê-mio,  se  ocorrer  o  sinistro  antes  de  suapurgação�. Se essa norma não viola umprincípio de boa-fé, um princípio maior,creio  que  ela  deverá  ser  respeitada,  e,no  meu  entender,  é  uma  norma  atémoralizadora  porque  impedirá  em mui-tos  casos  exatamente  esta  posição:    doindivíduo aguardar  se  e  quando  ocorrero  sinistro  para  só  então  fazer  o  paga-mento  do  prêmio.  Aí  ele  não  quer,  evi-dentemente, um seguro, pois o contratode  seguro  é  aleatório,  ele  quer  uma  in-denização mediante  um  pagamento  in-significante porque a indenização é mui-to maior do que aquilo que ele pagou.

O  artigo  765  é  a  repetição  daquiloque está no Código atual: �O segurado e osegurador  são  obrigados  a  guardar  naconclusão  e na  execução do  contrato,  amais  estrita boa-fé  e  veracidade,  tanto arespeito do objeto como das circunstânci-as  e declarações a  ele  concernentes�.  János referimos a isso quando dissemos quea boa-fé é alma do seguro, o seu elemen-to  jurídico, mas  é  também uma  via  de

mão  dupla  porque  tanto  tem  que haverboa-fé do segurador como do segurado.

O  parágrafo  único  do  artigo  766  éque me preocupa porque a  jurisprudên-cia  é  tranqüila  no  sentido  de  que  o  se-gurado  só  perderá  o  direito  à  indeniza-ção  se  de má-fé,  intencionalmente,  fi-zer  afirmações  que não  correspondem àrealidade,  omitir  informações  que  deve-riam  ser  prestadas,  informações  que  te-riam  relevância  na  formação  do  contra-to. Vamos ao exemplo do seguro de saú-de:  faço um seguro de vida ou de saúdee  não  informo  que  sofro  de  uma  deter-minada  doença,  ou  seja,  uma  doençapreexistente.  Então,  tem-se  entendidoque  isso é uma afirmação  falsa,  fraudu-lenta  e  conseqüentemente  violaria  oprincípio da boa-fé. Mas, se eu não sou-ber  que  tenho  uma  doença,  se  eu  nãosouber  que  tenho  um  problema  ante-rior? Aí, nesse caso, não estaria de má-fé  e,  por  isso,  a  jurisprudência  consa-grou  o  entendimento  de  que  a  afirma-ção  que  não  corresponde  à  verdade  sótira  o  direito  à  indenização  se  ela  forfeita  de má-fé,  ou  seja,  se  o  segurado,conhecendo o problema de saúde, conhe-cendo a doença, não a informa. Então, aboa-fé  é  presumida  e  caberá  à  segura-dora provar a má-fé do segurado para sóassim não pagar indenização. Agora o pa-rágrafo único do artigo 766 dispõe: �Se ainexatidão  ou  omissão  nas  declaraçõesnão  resultar de má-fé do segurado  (poisse  resultar  de má-fé  ele  não  terá  direi-to a nada), o segurador terá o direito deresolver o contrato, ou a cobrar, mesmoapós  o  sinistro,  a  diferença  do  prêmio�.Aqui,  em  outra  palavras,  está  dizendoque  se  o  segurado  estava  de má-fé  per-derá  tudo,  se  estiver  de  boa-fé, mas  fi-zer  uma  afirmação,  por  exemplo,  queestava sadio e, depois, constatou-se queele tinha uma doença, o segurador podedizer que não quer mais o contrato, queeste está rompido, que não pagará a inde-nização e ainda  irá  cobrar do segurado oprêmio que  este devia. Quer dizer,  trata-se de uma cláusula  feroz,  violenta contrao  segurado.  Já devemos  ir  pensando nainterpretação que  lhe  vamos dar.

216 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

Aqui, me parece,  houve um  retro-cesso, mas a doutrina e a  jurisprudên-cia saberão dar o trato adequado à ques-tão a  fim de que não haja maiores pre-juízos  em matéria  de  tal  importância.O Código  disciplinou melhor  a  questãodo  agravamento  do  risco.  Esse  é  outroponto  importante:  se  quando  celebra-mos  o  contrato  de  seguro,  estabelece-mos um equilíbrio entre risco e prêmio,isso  é mutualidade  e  este  contrato  detrato  sucessivo  irá  perdurar,  será  ne-cessário  que  as  partes,  na medida  dopossível, mantenham  o  status quo.  Osegurado não deve agravar os  seus  ris-cos, não deve aumentá-los sob pena de,eventualmente, causar um desequilíbriono  contrato. O Código  de  1916  fala  noagravamento do risco e a doutrina e ju-risprudência  consagraram  o  entendi-mento  de  que  esse  agravamento  só  ex-clui  a  indenização  do  segurado  se  forde má-fé, intencional. Por exemplo, moroem  uma  cidade  pacata  do  interior,  etenha  o meu  carro  segurado  lá. De  re-pente mudei-me para o Rio de Janeiro,onde o roubo e furto de automóveis sãomuito  grandes.  Aumentei  o  risco, mas,por  qualquer  razão,  esqueci-me  e  nãocomuniquei  à  Seguradora  e,  de  repen-te, o meu carro é roubado. A Segurado-ra  vai  alegar  que  se me mudei  para  oRio  de  Janeiro  e  não  comuniquei  estefato,  perdi  o  direito  por  ter  agravado  orisco. Há  entendimento  jurisprudencialno sentido de só admitir a perda da in-denização quando o agravamento do ris-co  for  intencional. O certo  será  imedia-tamente  comunicar  o  agravamento  dorisco,   mas este só excluirá a  indeniza-ção  se  houver  intencionalidade.

Agora  o  artigo  768  é  claro::  �Osegurado perderá o direito à garantia seagravar intencionalmente o risco objetodo contrato�. Não havendo agravamen-to intencional, evidentemente não ha-verá  que  se  falar  em  perda  da  inde-nização.

Uma  outra  norma  importante,  eque  de  certa  maneira  bate  de  frentecom  a  jurisprudência  do  Superior  Tri-bunal de Justiça, é a do artigo 781. Ossenhores  se  lembram  da  questão  con-

trovertida  com relação a  seguro de auto-móvel:  se  a  indenização  deveria  ser  pelopreço de mercado ou se pelo valor da apó-lice.  Essa  questão  foi muito  discutida  ehá  razões para os dois  lados. A alegaçãoprincipal  é  esta:  a  indenização não  podeser maior do que o valor da coisa. Quan-do  foi  feito  o  seguro  do  automóvel  o  seuvalor  era  cinqüenta mil  �  esse  é  o  valorda apólice � mas quando ocorreu o sinis-tro  só  valia  quarenta mil. Qual  deve  sero  valor  da  indenização?  Cinqüenta  ouquarenta mil? Para a seguradora quaren-ta  porque  este  é  o  valor  atual  do  bem.Mas o segurado pagou o prêmio sobre cin-qüenta.  Isso  chegou  ao  Superior  Tribu-nal  de  Justiça,  que,  inicialmente,  enten-deu que era o valor do mercado e depoisdeu uma guinada em embargos de diver-gência  em um acórdão em que havia  es-tabelecido  o  valor  do mercado. O  relatorfoi  o  nosso  estimado Ministro WaldemarZveiter. A partir desse momento, o Supe-rior Tribunal de Justiça passou a  enten-der que deverá ser o valor da apólice.

Agora,  temos  aqui  o  artigo  781  queme  parece  ser  um  obstáculo  a  esse  en-tendimento. O artigo 781 dispõe: �A inde-nização não pode ultrapassar o valor do inte-resse segurado no momento do sinistro, e,em hipótese alguma, o limite máximo da ga-rantia fixado na apólice, salvo em caso demora do segurador�. Em caso de mora dosegurador, manda-se  pagar  juros  e  cor-reção monetária.  Ao  que  tudo  indica,  adiscussão  será  reiniciada  no  sentido  desaber se essa posição do Superior, a par-tir do Código novo, está em vigor ou não.

Temos  outra norma    importante  noartigo  785  e  que  também  consagrou  oentendimento predominante. A tem o seuautomóvel  segurado,  vende-o  para  B,transferindo-lhe  o  seguro. Depois  que  oautomóvel  já  está  em poder de B,  é  rou-bado ou furtado. Aí o B vem pedir o segu-ro mas a seguradora alega que  tinha se-guro  com A,  e  que  este  ao  transferir  oautomóvel sem nada avisar, agravou o ris-co,  razão pela qual não pagará a  indeni-zação. Há no Código de 1916, uma  certadúvida se  era ou não possível  essa  trans-ferência do seguro. Hoje, o artigo 785 con-sagra  o  entendimento  que  prevaleceu na

Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil” - 217

doutrina e  jurisprudência:  �salvo disposi-ção em contrário, admite-se a transferên-cia  do  contrato  a  terceiro  com a  aliena-ção ou cessão do  interesse  segurado�.

Outra  questão  que  foi  construçãoda  doutrina  e  da  jurisprudência  estáconsagrada  no  artigo  786:  a  sub-roga-ção.  Quando  ingressei  na magistratu-ra,  uma  das  questões  tormentosas  erase o segurador tinha ou não o direito desub-rogar-se  nos  direitos  do  seguradodepois  de  pagar  a  indenização.  Haviateses para  todos os  lados. Finalmente ajurisprudência  do  STF,  cristalizada  naSúmula nº 188 consagrou o entendimen-to  de  que  o  segurador  sub-roga-se  nodireito  do  segurado.  Essa  súmula  estáhoje  positivada  no  artigo  786  que  dis-põe:  �Paga  a  indenização,  o  seguradorsub-roga-se, nos limites do valor respec-tivo,  nos  direitos  e  ações  que  competi-rem ao segurado contra o autor do dano�.O parágrafo primeiro tem uma certa ex-ceção que não nos interessa no momen-to. Os artigos 787 e 788 trataram de duasquestões tormentosas: no seguro de res-ponsabilidade civil, há uma corrente quehá muito tempo vinha defendendo a ad-missibilidade  da  ação  direta  do  terceirocontra  o  segurador.  Uma  pessoa  temseguro  de  responsabilidade  civil,  comrelação  ao  seu  automóvel,  bate  em  al-guém  e,  de  repente,  esse  que  causou  oacidente  não  tem  condições  de  repararo  dano, mas  o  segurador  tem. Então,  aquestão é  essa:  se a  vítima,  se o  tercei-ro que sofreu o prejuízo   poderia moveração  indenizatória  diretamente  contrao  segurador. Há muito  tempo  que  essaidéia  vem  sendo  trabalhada  no  sentidode  que  pode. O Código  do Consumidordeu  um  passo  avançado;  embora  nãopermita a denunciação da  lide ao  segu-rador,  porque  senão  ele  vem para  com-plicar  o  processo,  permite,  todavia,  ochamamento  ao  processo.  E  se  ele  échamado,  a  execução  pode  ser  feita  di-retamente  contra  o  segurador.  Era  aoportunidade de se dar um passo e de seestabelecer  a  ação  direta  contra  o  se-gurador no  caso de  responsabilidade  ci-vil. O  artigo  787  não  o  fez,  dispondo  o

seguinte:  �No  seguro de  responsabilidadecivil, o segurador garante o pagamento deperdas  e  danos devidos pelo  segurado  aterceiro�. Nos  parágrafos  1º,  2º,  3º  e  4ºestabelece uma  série  de  exigências  paraque o segurado não perca esse direito.

No  artigo  788,  entretanto,  admitiua ação direta, no caso de seguro obriga-tório, mas não no caso do seguro de res-ponsabilidade civil.  �Nos seguros de res-ponsabilidade  legalmente  obrigatórios,  aindenização por sinistros será paga pelosegurador  diretamente  ao  terceiro  pre-judicado�. E essa é a norma que me pa-rece deveria  estar  lá no artigo 787  tam-bém.  Seria  um  avanço,  eliminaria  umacarrada  de  ações  que  ainda  hoje  acon-tecem,  o  que  de  certa maneira,  na  prá-tica,  muitas  seguradoras  já  fazem.Quando  ocorre  o  acidente  o  veículo  éencaminhado  para  uma  oficina  autori-zada  e  ali  consertado  diretamente.

Com relação ao seguro de pessoas,gostaria  de  destacar  apenas  dois  dispo-sitivos:  o  primeiro  deles  é  o  artigo  793,que  também  é  uma  consagração  na  leidaquilo que foi construído pela jurispru-dência.  Quando  entrei  na magistratu-ra, se alguém fizesse um seguro de vidapara a sua concubina (que era um pala-vrão),  não  teria  validade.  Construiu-se,debateu-se, discutiu-se  e a  jurisprudên-cia  praticamente  só  não  admite  comobeneficiária  do  seguro  a  amante. Masno  caso  de  companheira,  de  convivên-cia,  admite-se  tranqüilamente  o  seguroem seu favor. O artigo 793 agora consa-gra  essa  regra:  �É  válida  a  instituiçãodo companheiro como beneficiário se, aotempo do contrato, o segurado era sepa-rado  judicialmente  ou  já  se  encontravaseparado  de  fato�.  Não  precisa  nem  sera união estável. Se houver separação defato,  será  válida  a  instituição,  vai  desa-parecer do novo Código Civil, portanto, oartigo 1.474 do Código de 1916 que dis-põe:  �não  se  pode  instituir  beneficiáriopessoa  que  for  legalmente  inibida  e  re-ceber a doação do segurado�.

Por  último,  gostaria  de  destacar  oartigo 798, muito curioso pois agora va-

218 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”

mos  ter  suicídio  com prazo de  carência.Os senhores sabem que, com relação aosuicídio,  a  jurisprudência,  tanto  do Su-premo como do Superior Tribunal de Jus-tiça entendeu que só não é devida a  in-denização,  se  se  tratar  de  suicídio  pre-meditado. É raríssimo o caso de suicídiopremeditado.  Quase  sempre  é  fruto  dedepressão  e  por  isso  a  indenização  ésempre devida, até porque provar a pre-meditação não  é  fácil.  Essa  prova  cabe-ria  ao  segurador. O  artigo  798 dispõe  oseguinte:  �O  beneficiário  não  tem direi-to  ao  capital  estipulado  quando  o  segu-rado  se  suicida nos primeiros dois anosde vigência inicial do contrato, ou da suarecondução  depois  de  suspenso,  obser-vado  o  disposto  no  parágrafo  único  doartigo antecedente�.  Se a finalidade aquiera  afastar  a  premeditação,  acabou-seestabelecendo  apenas  um  prazo maiorde premeditação. Agora, será preciso pla-nejar  um  suicídio  com no mínimo  doisanos  de  antecedência.  Se  é  curioso  ounão, é o que está escrito aqui. O legisla-dor  entendeu  que  ninguém  vai  preme-ditar um  suicídio  com dois  anos  de  an-tecedência,  de  sorte  que  se  o  suicídioocorrer  dois  anos  após  o  seguro,  presu-me-se  que  não  foi  premeditado. Mas  seocorrer  antes,  ainda  que  seja  um  infe-liz, com profunda depressão, em um es-tado  de  alucinação  etc, mesmo  assim,se  aplicarmos  a  lei  ,  como  está  escrito,não haverá indenização. É claro que aquitambém  vamos  ter  que  fazer  distinção,cada caso é um caso. Se evidenciado queo  suicídio  decorreu  de uma  situação  deangústia,  de  aflição,  de  perturbação,  dedepressão  devida  será  a  indenização.Talvez  será  caso  de  se  inverter  o  ônusda prova. Durante  esses dois anos,  teráque se provar que o suicídio não foi pre-meditado. Depois  de  dois  anos,  haveráuma presunção absoluta de que o suicí-

dio não  foi premeditado. A  interpretaçãoque faço, desde agora, é que nesse perí-odo de dois anos será preciso provar queo  suicídio  não  foi  premeditado.  Depoisdos dois anos haverá presunção absolu-ta de  que não houve premeditação.

Encerro, relatando a história de ummenino,  que morava  no  interior  de Mi-nas Gerais,  e  que  um  dia  veio  passearno Rio de Janeiro, com a sua mãe, ondeteve a  oportunidade de  conhecer  o mar.Foi  um  deslumbramento.  Brincou  napraia,  catou  conchinhas,  pulou  ondas  equando  retornou  a  sua  cidadezinha na-tal,  relatou empolgado ao seu avô a suanova  aventura. E  terminou  o  seu  relatofazendo uma pergunta:  vovô,  você  tam-bém conhece o mar? Ele que era um ve-lho marujo,  com mais de  trinta anos denavegação, ao se relembrar, em um ins-tante,  das  suas  profundas  experiênciascom o  oceano,  respondeu  com  certa  in-segurança que  também conhecia o mar.

Um novo Código Civil é um oceano,pois aqui está toda a estrutura da ordemjurídica brasileira. Estou querendo dizerque esse oceano que está aqui diante detodos  nós  pode  ser  conhecido  de  duasmaneiras:  pode  ser  conhecido  como poraquele menino  que  brincou  na  praia  eimaginou que conhecia o mar, e pode serconhecido  como por  aquele marujo,  quenavegou  trinta  anos  no  oceano,  enfren-tou  todo  tipo  de  tempestade  e  ainda  ti-nha  certa  insegurança  ao  dizer  que  co-nhecia  o mar.  Todos  nós  teremos  quenavegar nesse novo oceano, e  isso come-çará  no  dia  que  esse Código  entrar  emvigor. Poderemos  ficar na praia, brincan-do, ou poderemos iniciar uma viagem fan-tástica e que não  terá  fim. O objetivo daEMERJ é estimular a todos a que conhe-çamos profundamente esse Código e pos-samos  assim  dar  a  ele  a  aplicação  queele merece. Obrigado  pela  atenção..