Amostra_Sociologia_Aluno

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Prof.: Índice-controle de Estudo Módulo 1 Aula 1 Individualismo e coletividade Aula 2 Liberdades individuais e coerção social Aula 3 Instituições sociais num mundo de mudanças Aula 4 Identidade, igualdade e diferença Aula 5 Castas, estamentos e classes sociais Aula 6 Liberdade, propriedade, fraternidade Código: 82703218 Sociologia

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Prof.:

Índice-controle de Estudo

Módulo 1

Aula 1 Individualismo e coletividade

Aula 2 Liberdades individuais e coerção social

Aula 3 Instituições sociais num mundo de mudanças

Aula 4 Identidade, igualdade e diferença

Aula 5 Castas, estamentos e classes sociais

Aula 6 Liberdade, propriedade, fraternidade

Cód

igo:

827

0321

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Sociologia

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angloSISTEMA DE ENSINO

CONSELHO EDITORIALGuilherme Faiguenboim

Nicolau Marmo

COORDENAÇÃO EDITORIALAssaf Faiguenboim

EDIÇÃOMaria Ilda Trigo

ASSISTÊNCIA EDITORIALCreonice de Jesus S. Figueiredo

Kátia A. Rugel VazMaria A. Augusta de Barros

Paula P. O. C. KusznirSilene Neres Teixeira Paes

ARTE E EDITORAÇÃOGráfica e Editora Anglo Ltda.

IMPRESSÃO E ACABAMENTOGráfica e Editora Anglo Ltda.

Código: 827032182008

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MATRIZ

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Módulo 1

SOCIEDADE – A EVOLUÇÃO DOS HOMENS(INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA E À ANTROPOLOGIA)

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Individualismo e coletividade

Para debater

Observe a imagem e leia o trecho que seguem.

Hélio Campos Mello. Assembléia de metalúrgicos.

São Bernardo do Campo, São Paulo, abril de 1980.

ensino médio – sociologia 4 sistema anglo de ensino

Aula 1

(...) Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mes-mo; cada homem é parte do continente, parte do todo.Se um seixo* for levado pelo mar, a Europa fica menor,como se fosse um promontório**, como se fosse umaparte de vossos amigos ou mesmo vossa; a morte dequalquer homem me diminui, porque eu sou parte dahumanidade; por isso, nunca procureis saber por quemos sinos dobram, eles dobram por vós. (...)

(John Donne (1572 – 1631), fragmento de “Meditações XVII”.)

Tanto a emblemática imagem dos metalúrgicosdo ABC quanto o célebre trecho do poeta inglêsJohn Donne fazem uma espécie de elogio à cole-tividade (ao “todo”), lembrando que ela é formadapor indivíduos, ou seja, por pessoas que têm suahistória, seus anseios, e contribuem para que esse“todo” seja o que é. Em outras palavras, a coletivi-dade é o resultado das interações entre os indiví-

duos. Justamente por isso a democracia tem porideal garantir, a um só tempo, os direitos individu-ais e o bem comum. Em sua opinião, isso é possí-vel? Em última instância, o que deve prevalecer: obem da coletividade ou as liberdades individuais?Existe saída para essa tensa relação?

Um pouco de teoriaIndividualidade e individualismo

Recorrendo à linguagem figurada, John Donnedefende que todos os homens são “parte” de ummesmo “todo” e que a morte de qualquer indivíduorepresenta um prejuízo para todos, já que ninguémpode viver como “uma ilha, sozinho em si mesmo”.

O que o poeta inglês diz em linguagem literáriacorresponde a um verdadeiro consenso entre osintelectuais das humanidades. A formulação aris-totélica de que “o homem é um ser social” apenasconfirma que os seres humanos se organizam emgrupos, o que pressupõe, simultaneamente, a cele-

* seixo: fragmento de rocha transportado pela água; cascalho.

** promontório: cabo formado por rochas ou penhascos altos.

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bração dos valores comuns e a necessidade de con-viver com as diferenças.

Isso não significa que os homens não tenham suaindividualidade. Todo ser humano tem suas cren-ças pessoais, seus sonhos, seus medos, suas habili-dades e suas limitações. Aliás, a individualidade po-de ser definida assim: como o conjunto de caracte-rísticas que distingue as pessoas, garantindo-lhesa originalidade, a unicidade, a particularidade.

Acontece que, embora o homem possa ser to-mado como um indivíduo, isto é, como alguém queé considerado isoladamente no grupo a que per-tence, esses valores individuais não podem chegarao extremo de desprezar a idéia de que somos se-res sociais. Afinal, individualidade não pode serconfundida com individualismo.

Entendemos por individualismo a atitude dequem procura satisfação pessoal a qualquer custo,vivendo exclusivamente para si; trata-se de um com-portamento – digamos “egoísta” –, que nega todasas formas de solidariedade. Dessa forma, o indi-vidualismo é incompatível com a idéia de que o ho-mem é um ser social. Já a individualidade não seconfunde com o egoísmo, uma vez que podemosviver em grupo e, ao mesmo tempo, ter caracterís-ticas que nos diferenciam das demais pessoas.

Do ponto de vista lógico, todos os homens sãoindivíduos, pois são seres concretos, que possuemunidade de características e podem ser reconheci-dos por meio da experiência. Existem várias disci-plinas que se interessam, em maior ou menor grau,pelo estudo do indivíduo, como a Psicologia, a Bio-logia ou a Filosofia. Para nós, neste curso, importao estudo da sociedade.

Sociedade e Sociologia

Podemos rearranjar a citação de Aristóteles econcluir que o homem, embora tenha sua indivi-dualidade, vive em sociedade. Isso só confirmariaa afirmação de que “nenhum homem é uma ilha”: asociedade é um agrupamento de pessoas que for-mam uma coletividade, uma comunidade, ou seja, éum conjunto de indivíduos que vivem num determi-nado momento e num determinado lugar, que se-guem as mesmas normas e têm valores semelhan-tes. O conceito de sociedade, como se vê, é bastan-te abrangente, pois pode designar tanto um grupomuito amplo – como a sociedade do século XXI –quanto agrupamentos mais específicos – como asociedade cristã medieval.

Desde a Antigüidade Clássica, principalmentecom Aristóteles, vários intelectuais se interessampelo estudo da sociedade. Em épocas em que se va-

lorizou o pensamento especulativo ou a observa-ção analítica da realidade – como aconteceu em mo-mentos do Renascimento ou do Iluminismo –, sem-pre houve quem se debruçasse criticamente sobreo estudo das sociedades humanas. Porém, até mea-dos do século XIX, não existia ainda uma ciência dasociedade.

Foi precisamente durante o Oitocentos, sob oseflúvios libertários da Revolução Francesa e astransformações tecnológicas da Revolução Indus-trial, entre a consolidação do Capitalismo e o acir-ramento da luta de classes, em meio à independên-cia das colônias americanas e ao fim da escravidão,que surgiu a Sociologia.

Montesquieu (1689 – 1755), Saint-Simon (1760 –1825), Auguste Comte (1798 – 1857) e Alexis Tocque-ville (1805 – 1859), entre outros, foram os precurso-res do pensamento sociológico moderno, pois no-tava-se em suas obras a intenção de investigar eexplicar a vida social. Alguns anos mais tarde, jána segunda metade do XIX, quando o Positivismo,o Evolucionismo social e o Determinismo ganha-ram força, como era esperado numa época marca-da pelo cientificismo, a Sociologia emergiu comociência.

Marx, Weber e Durkheim

Três pensadores podem ser considerados os paisda Sociologia: Karl Marx (1818 – 1883), Max Weber(1864 – 1920) e Émile Durkheim (1858 – 1917). Elesderam dimensão científica à disciplina e, de modomais sistemático, começaram a estudar as formasde organização e as regras de funcionamento dassociedades humanas, procurando determinar asnormas que regem as relações sociais, o que impli-cou a análise das instituições e dos comportamen-tos sociais, bem como da ideologia, da cultura edas relações de trabalho que se construíam no mun-do capitalista.

Mas a Sociologia, em sua tarefa de estudar osindivíduos em grupo, em sociedade, como seres so-ciais que somos, é mais do que uma ciência. Alémde procurar compreender – com rigor de métodose técnicas de investigação – a sociedade moderna,os sociólogos muitas vezes demonstraram desejode intervir na ordem social, de maneira que as re-flexões científicas se misturaram às intençõespráticas. Nada mais previsível. Já que vivemosnuma sociedade multifacetada, em que há valoresdivergentes e choque de interesses, era de se espe-rar que os sociólogos não se comportassem comoum “técnico que disseca um cadáver”. A sociedadeé um organismo vivo, complexo, que se modifica

ensino médio – sociologia 5 sistema anglo de ensino

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continuamente; por isso, para compreendê-la, mui-tas vezes é preciso posicionar-se dentro dela, noolho do furacão que é “o espetáculo do mundo”,como diria Fernando Pessoa.

1. Leia a tirinha para responder à questão que se-gue.

(Quino. Toda Mafalda. São Paulo, Martins Fontes, 1993, p. 2.)

Como você classificaria a visão de mundode Manolito? Justifique.

Certamente, pode-se considerar que Manolito é um indi-

vidualista, pois para ele todas as questões, por mais

amplas e complexas que sejam – como as viagens espa-

ciais, por exemplo –, passam pelo filtro do que podería-

mos chamar de uma “individualidade exacerbada”. Em

outras palavras: o mundo só faz sentido se puder lhe

trazer benefícios pessoais (no caso, ao armazém de seu

pai).

2. Escolha a alternativa que contenha uma cita-ção de sentido equivalente ao da passagem “Ne-nhum homem é uma ilha”:a) “A sociedade agora é uma horda civilizada

Formada de duas tribos poderosas: os cha-tos e os chateados.”

(Lord Byron, em Don Juan.)

b) “As bases da sociedade são a propriedade, afamília, a religião, o respeito às autoridades.”(Gustave Flaubert, em O dicionário das idéias aceitas.)

➜ c) “Ai daquele que está só!” (Eclesiastes, capítulo 4º-,

versículo 10.)

d) “O homem não é só o inato; é também o ad-quirido.” (Johann Wolfgang von Goethe, em Literatu-

ra e vida.)

e) “A grandeza do homem consiste em sua de-cisão de ser mais forte que a condição huma-na.” (Albert Camus, em Crônicas.)

3. Analise as duas frases a seguir e verifique seelas se aproximam mais do conceito de indi-vidualismo ou do de individualidade.

I. “O homem busca seu próprio bem à custa domundo inteiro.”

(Robert Browning, poeta inglês.)

II. “Cada homem é uma humanidade, uma his-tória universal.”

(Jules Michelet, historiador francês.)

A frase I remete a um sentimento de egoísmo, típico de

quem defende o individualismo, pois a satisfação pes-

soal é colocada em primeiro plano, enquanto a soli-

dariedade é esquecida. Já a frase II sugere que todas as

pessoas são uma “história universal”, pois cada uma

tem a sua individualidade, isto é, crenças, sonhos,

medos, habilidades e limitações particulares.

Tarefa mínimaAssinale com um X as afirmações que você

julgar corretas a partir das discussões travadasem aula:

1. ( X ) O fato de cada ser humano possuir sua in-dividualidade não é incompatível com a idéiade que os homens são seres sociais e, comotais, vivem em grupos, e não isoladamente.

exercícios

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2. ( ) Os conceitos de individualismo e individu-alidade asseguram a prevalência dos valorespessoais sobre os interesses coletivos, uma vezque os homens são movidos exclusivamentepor sentimentos egoístas.

3. ( X ) A Sociologia como ciência surgiu no sécu-lo XIX e, por isso, está muito associada ao mun-do capitalista, cujas contradições se tornarammais evidentes nos anos próximos às Revolu-ções Industriais.

4. ( X ) Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheimsão considerados os criadores da Sociologiamoderna, pois foram eles que, influenciadospelo cientificismo do século XIX, propuserammuitas das bases teóricas da ciência da socie-dade.

5. ( ) A Sociologia, ao estudar o mundo capita-lista, fez questão de manter uma postura neu-tra diante dos conflitos gerados por esse sis-tema, o que fez com que os sociólogos muitoraramente demonstrassem desejo de alterar aordem social.

Tarefa complementar

Anna Maria Maiolino. Por um fio.Performance, da série Fotopoemação, 1976.

Da esquerda para a direita, Vitalia, mãe da artista, a artista esua filha, Verônica.

A performance da artista ítalo-brasileira AnnaMaria Maiolino explora a ambigüidade existentenas relações humanas: ao mesmo tempo em quecertos aspectos nos ligam ao outro de maneirapraticamente definitiva (como os laços familia-res, por exemplo), nossas relações parecem es-tar sempre “por um fio”, como nos lembra o títu-lo do trabalho. Em outras palavras, poderíamosdizer que, embora haja o anseio por uma con-

vivência harmoniosa com todos que nos cercam,a possibilidade de desacordo é grande, fato facil-mente observável em nossa vida prática.Reflita sobre essa questão: afinal, por que issoacontece? O que nos une? O que nos separa?

Procure expressar seu ponto de vista sobre oassunto de maneira sintética, escrevendo umbreve texto ou escolhendo alguma imagem (ex-traída de jornais, revistas, da internet, ou mesmofeita por você) que expresse de maneira em-blemática sua opinião.

A resposta é livre e pode resultar tanto de uma reflexão

pessoal quanto de um amplo debate com a turma. No

Manual do Professor há observações sobre o encami-

nhamento dessa tarefa.

Muitos pesquisadores contemporâneos têm sepreocupado em compreender as novas condiçõesque envolvem a dinâmica social do século XXI.Michael Hardt e Antonio Negri são dois deles. Notrecho a seguir, eles tentam explicar o complexoconceito de multidão – espécie de coletividade ex-pandida que inclui sociedade civil e Estado.

Não se preocupe em entender o texto em deta-lhes, pois ele apresenta idéias que estudaremosmais profundamente durante o curso. Fique atentopara a importância dada pelos autores a conceitoscomo singularidade e multiplicidade, fundamen-tais para o estudo da sociedade atual.

O QUE É A MULTIDÃO?

(…) o processo de formação da multidão está pro-fundamente envolvido com a destruição dessa sepa-ração [entre sociedade civil e Estado]. Mas esse estreita-mento pode acontecer de várias maneiras e isso não re-sulta necessariamente numa unidade. Na verdade, paraa multidão não é essencial que isso resulte numa uni-dade. A multidão está engajada na produção de diferen-ças, invenções e modos de vida. Deve, assim, ocasionaruma explosão de singularidades. Essas singularidadessão conectadas e coordenadas de acordo com um pro-cesso constitutivo sempre reiterado e aberto. Seria umcontra-senso exigir que a multidão se torne a “socieda-de civil”. Mas seria igualmente ridículo exigir que forme

LEITURA COMPLEMENTAR

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um partido ou qualquer estrutura fixa de organização.A multidão é a forma ininterrupta de relação aberta queas singularidades põem em movimento. (…)

Mas o comum não é unidade, nem quando envolveresistência contra o inimigo, nem quando implica a cons-trução coletiva de terreno para a existência da pólis –em resumo, nem quando é “multidão contra”, nem quan-do é “multidão a favor”. “Multidão contra” significa re-sistência a forças que não desejam o comum, que o blo-queiam e o dissolvem, que o separam e se reapropriamdele privadamente. “Multidão a favor”, pelo contrário,significa afirmação do comum em sua diversidade e emcada uma de suas expressões criativas. Se chamarmosisso de unidade, teremos de fazê-lo como unidade para-doxal, composta unicamente por diferenças. Mas essaformulação tende a reduzir e negar diferenças. Eis por-que preferimos conceitos como multiplicidade e singu-laridade.

O que vocês dizem sobre a unidade imposta a partirde dentro da multidão aproxima-se do que diríamos,mas continuamos convencidos de que unidade é um con-ceito errado. (…)

Por que unidade? Vocês parecem pensar que o únicocaminho para as forças de resistência desafiarem os pode-res dominantes é se unir, mesmo que essa unificação con-trarie nossos desejos de democracia, liberdade e singula-ridade. É uma concessão, vocês parecem dizer que lamen-tavelmente devemos aceitar em face das duras realidadesdo poder. Não estamos convencidos disso. De fato, mesmoque se aceite por um momento pensar apenas em termosde efetividade e suspender todos os desejos políticos, nãoacreditamos que a unidade seja a chave. Pensemos apenasem termos das atuais lutas políticas concretas de resistên-cia. Seriam realmente mais efetivas se estivessem unifi-cadas? O poder de algumas delas não está diretamenteligado à diversidade interna e suas expressões de liberda-de? Pelo conteúdo, aquilo que o conceito de multidão in-dica (e vemos isso emergir em movimentos por toda a par-te) é uma organização social definida pela capacidade deagir em conjunto sem qualquer unificação.

(Michael Hardt e Antonio Negri, em entrevistaconcedida a Nicholas Brown e Imre Szeman. In: Revista

NOVOS ESTUDOS – CEBRAP, nº- 75, julho 2006 , pp. 93-108.Tradução do inglês de Milton Ohata.)

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Liberdades individuais e coerção social

Para debater

Praça da Paz Celestial – Tiananmen Square, primavera de 1989.

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Aula 2

A imagem de Wang Weilin – estudante chinêsque, aos 19 anos, deteve desarmado uma coluna detanques, em meio a uma série de protestos pela de-mocratização da China – pode ser considerada umsímbolo da luta pela afirmação das liberdades in-dividuais.

A defesa das liberdades do indivíduo (como odireito à livre expressão, por exemplo) é um dos pi-lares da democracia, mas, no fundo, sabemos queninguém é absolutamente livre e que viver em so-ciedade significa, em certa medida, abrir mão dealgumas liberdades. Em outras palavras: somos li-vres dentro de certos limites.

Você consegue identificar alguns desses limi-tes? Quem os determina? Você acha que devemosaceitá-los passivamente ou é necessário questioná--los? Por quê?

Um pouco de teoriaO mundo e suas leis

Quando nascemos já encontramos um mundopronto, com suas leis, suas regras de funcionamen-

to, os padrões de comportamento institucionaliza-dos e as normas de conduta a serem seguidas. Que-rendo ou não, de modo inconsciente ou não, acaba-mos pautando nosso modo de agir por essas regras,seja para referendá-las, seja para discordar delas.

Muitas vezes, por influência da família, da reli-gião, da escola, dos hábitos de nossos amigos, aca-bamos vestindo “máscaras” sociais, pois sabemosque nossas atitudes estão sempre sendo julgadas.Por isso, podemos sentir necessidade de adequarnosso comportamento e nosso pensamento aos va-lores estabelecidos.

Isso significa que estamos sempre sujeitos a co-erções sociais, isto é, a aceitar valores que podemnão ser compatíveis com nossas opiniões e cren-ças pessoais. Valores que, em última instância, po-deriam ser bem diferentes, se cada um pudesse es-colhê-los de acordo com sua vontade.

A noção de coerção social é a base para enten-dermos um dos conceitos mais relevantes da So-ciologia moderna: o de fato social, proposto porDurkheim em sua obra As regras do método socio-lógico.

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O que é fato social?

Seria impossível que os sociólogos estudassemtodos os fenômenos, todos os acontecimentos, to-dos os pormenores da vida em sociedade. Na ten-tativa de limitar o raio de alcance da Sociologia,especificando-lhe os objetos de estudo, Durkheimpropôs que os sociólogos se debruçassem sobre osfatos sociais, da mesma forma que os astrônomoso fazem com os astros celestes e os zoólogos, comos animais.

A apreensão de um fato social passa pela ob-servação da realidade. É observando-a e analisan-do-a que o sociólogo identifica o fato social. Mas,afinal, o que é um fato social?

É tudo aquilo que exerce uma força de coerçãosobre os indivíduos. Durkheim afirmava que osfatos sociais são:

Essa “influência coercitiva” é exterior, e não in-terior. Ela é social, e não psicológica. Assim, a So-ciologia não se interessa pelos “hábitos individuaisou hereditários” que “nos impõem crenças ou prá-ticas”, mas sim pela pressão “que exerce a cons-ciência de um grupo sobre a consciência de seusmembros” – de novo, recorrendo às palavras deDurkheim.

Quando se usa a expressão “consciência de umgrupo”, consciência coletiva, ou algo do gênero, épreciso ter em mente que a sociedade é uma síntese,e não uma soma das ações e valores individuais. Épor isso que a mentalidade de um grupo é diversa damentalidade dos membros que o compõem.

Portanto o fato social é caracterizado pela co-ercitividade, uma vez que atua sobre as pessoas,moldando-lhe as atitudes e pensamentos e, aomesmo tempo, pela exterioridade, já que apresen-ta “existência própria”, sendo “exterior aos indiví-duos”. E, para os sociólogos, as “representaçõescoletivas” são mais importantes do que os “estadosindividuais de consciência”.

Além disso, só é fato social aquilo que é genérico,que se repete e que tem, de alguma maneira, aceita-ção coletiva. Durkheim é categórico nesse ponto:

Alienação e transgressão

O conceito de fato social pode passar a impres-são de que os indivíduos estão sempre obrigados arespeitar um padrão de comportamento, uma nor-ma de conduta, uma lei, uma ideologia, que lhessão impostos, sem que haja a possibilidade de dis-cordar da força coercitiva dos fatos sociais. Issonão é verdade.

Na realidade, todos reconhecemos o peso que aestrutura familiar, a escola, a religião, os partidospolíticos ou os meios de comunicação exercemsobre cada um de nós. Mas isso não significa que aaceitação desses valores seja sempre caracterizadapela passividade. Quando isso acontece – e o indi-víduo sucumbe às pressões sociais, sem sequer re-fletir sobre o modo como a consciência coletivacontribuiu para delimitar suas ações e seu modode pensar –, estamos diante de um caso de aliena-ção. Mas há situações em que o sujeito se recusa aaceitar as coerções sociais (assumindo todos osriscos que essa postura pode acarretar), acreditan-do que é necessário romper com a ordem vigente,o que pressuporia novas formas de “representa-ções coletivas”. Quando isso ocorre, temos a trans-gressão.

1. Para responder às questões, leia o fragmento aseguir:

(...)Fiz de mim o que não soube, E o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó* que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era e não des-

exercícios

(...) para que exista o fato social, é preciso que pelomenos vários indivíduos tenham misturado suasações, e que desta combinação se tenha desprendi-do um produto novo.

maneiras de fazer ou de pensar, reconhecíveis pelaparticularidade de exercerem influência coercitivasobre as consciências particulares.

ensino médio – sociologia 10 sistema anglo de ensino

Émile Durkheim (1858 – 1917) é con-siderado um dos pais da sociologia moder-na. Fundador da escola francesa de socio-logia, que combinava a pesquisa empíricacom a teoria sociológica, é reconhecido co-

mo um dos melhores teóricos do conceito de coerção social. Suasprincipais obras são: Da divisão social do trabalho (1893), Re-gras do método sociológico (1895), O suicídio (1897) e As for-mas elementares de vida religiosa (1912).

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[menti, e perdi-me.Quando quis tirar a máscara,Estava pegada à cara.(...)

(Fernando Pessoa [1888 – 1935], fragmento de “Tabacaria”,poema atribuído ao heterônimo Álvaro de Campos.)

a) Existem, no texto, duas palavras usadas para indicar a situação do sujeito que não se comporta, so-cialmente, da maneira como ele gostaria de se comportar. Quais são?

“dominó” e “máscara”.

b) O eu-lírico avalia essa situação de maneira positiva ou negativa? Explique sua resposta.

De maneira negativa. O eu-lírico afirma estar perdido, pois ficou conhecido por quem não era e não se sentiu capaz de

desfazer o mal-entendido.

c) Que nome a Sociologia dá a essa “força social” que nos leva a seguir determinados padrões de com-portamento, mesmo quando não concordamos com eles? Quais suas principais características?

Fato social. Suas principais características são a coercitividade e a exterioridade.

2. Leia a tirinha e responda às questões.

a) Que conceito sociológico equivale a “não ter a menor idéia do que se passa no mundo”?

O conceito de alienação.

b) Assim como Lucy, a personagem da tirinha, todos sabemos que é importante “ter consciência doque se passa no mundo”, mas o fato é que muita vezes nos comportamos de maneira alienada. Emsua opinião, por que isso acontece?

Existem vários motivos. Os alunos podem citar tanto questões “pessoais” – como o medo de sofrer san-

ções caso ousem contrariar os padrões estabelecidos –, quanto questões mais “amplas”, como os me-

canismos utilizados por quem detém o poder para dominar a maioria (a publicidade, por exemplo).

Tarefa mínimaEm muitas pessoas já é um descaramento* dizer “eu”.

(Theodor Adorno [1903 – 1969],fragmento do parágrafo 29 de Minima moralia.)

* descaramento: falta de vergonha, cinismo, atrevimento, sem-vergonhice.

* dominó: traje usado em baile de máscaras ou fantasia carnavalesca.

ensino médio – sociologia 11 sistema anglo de ensino

(O Estado de São Paulo, setembro de 2007.)

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Considere as seguintes afirmações sobre a frase de Adorno:

I. Trata-se de um “descaramento dizer ‘eu’”, porque, para algumas pessoas, a vida em sociedade exigeque os indivíduos dêem suas opiniões independentemente dos valores sociais institucionalizados.

II. A palavra “descaramento” mostra que as pessoas se imaginam mais transgressoras do que aliena-das, pois elas estão sempre enfrentando – de modo descarado – a ordem social vigente.

III. É possível concluir, a partir da formulação de Adorno, que os valores individuais defendidos pelaspessoas não são a expressão de uma individualidade completa, pois eles estão sujeitos às coerçõessociais.

Está correto o que se afirma em:a) apenas I.b) apenas II.

➜ c) apenas III.d) apenas I e II.e) I, II e III.

Tarefa complementarA transgressão é, na maioria das vezes, vista como algo negativo. Mas devemos lembrar que muito do

que se considerou transgressor um dia hoje faz parte de nosso cotidiano. Um exemplo disso foram as mu-danças políticas, estéticas e comportamentais ocorridas nas décadas de 1960 e 1970. Sobre elas, veja as ima-gens e leia o texto.

Da esquerda para a direita, de cima para baixo:1 – Twiggy, ícone da moda dos anos 1960, usa minissaia – uma invenção da década (Londres, 1966).2 – Os Beatles, em foto do início da carreira.3 – Capa do disco-manifestoTropicália, ou Panis et Circensis, criação coletiva de 1968 que, no Brasil, incorporou as inovações estéticas

que ocorriam no mundo.4 – Woodstok, primeiro grande festival de música ao ar livre, reuniu milhares de jovens hippies, numa fazenda em Bethel, Nova York,

entre os dias 15, 16 e 17 de agosto de 1969.5 – Martin Luther King, líder do movimento pacifista pelos direitos civis dos negros nos EUA e Prêmio Nobel da Paz de 1964.6 – Uma das muitas manifestações contra a guerra do Vietnã ocorridas nos Estados Unidos. Em um dos cartazes, lê-se: “Não sou co-

munista, mesmo assim sou contra a guerra do Vietnã.” (Nova York, dezembro de 1967.)

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Em 1968 o mundo ia explodir. Agitações e passeatas sesucediam em todos os cantos e continentes. (…) Mutantesda nova “era oral e tribal em dimensões planetárias, pro-duzidas pelas comunicações de massa”, segundo MarshallMcLuhan, os jovens entre quinze e 24 anos tornaram-seao mesmo tempo mito e mitificadores da sociedade. Con-sumindo e sendo consumidos, contestadores e contesta-dos, eles lutavam em todas as frentes para destruir o velhoe impor o novo. Já no começo dos anos 60, de eternaameaça romântica, eles passavam a destruidores radicaisde tudo o que estava estabelecido e consagrado: valores,instituições idéias e tabus. Em todos eles, um máximo de-nominador comum: o não, que poderia ter a aparência decabelos compridos para ambos os sexos, jeans desbotados,pés descalços, anéis em todos os dedos, colar de índio,chapéu de cowboy. Os adultos se chocavam e ficavam ar-repiados diante das vastas cabeleiras encaracoladas e dasboinas dos jovens espalhados nos campi universitários,que declaravam, na voz de um hippie: “Desconfiem doschefes, dos heróis. Desconfiem de todas as pessoas de foraque tentam impor a vocês suas estruturas. Façam o quetenham de fazer. Sejam o que vocês são. Se não sabem oque são, descubram.”

(“1968: o ano da contestação política generalizada”.In: Nosso século 1960/1980 – 2ª- parte.São Paulo, Abril Cultural, 1980, p. 8.)

1. Cite algumas das mudanças ocorridas naquelaépoca. Em que medida o mundo em que vive-mos hoje se beneficiou delas?

As mudanças são inúmeras. A emancipação feminina é

uma delas. Graças a ela, mulheres do mundo inteiro têm

conquistado, em maior ou menor grau, espaços antes “re-

servados” aos homens. (No Manual do Professor há ou-

tras possibilidades de encaminhamento da resposta.)

2. Você acha possível aos jovens de hoje teremuma atitude tão contestatória quanto os daque-las décadas? Justifique.

Não há resposta fechada. É interessante ver o que os

alunos têm a dizer sobre isso; afinal, eles são “os jovens

de hoje”. É provável que muitos falem das dificuldades

de um posicionamento, diante de um sistema que pron-

tamente absorve atitudes contestatórias, transfor-

mando-as em produtos (como o “punk de butique” ou o

“hippie chique”, por exemplo). Também é possível que eles

digam que a contestação não é mais tão necessária,

uma vez que têm mais liberdades que os jovens daque-

las décadas.

Todos são livres para dançar e para se divertir, do mes-mo modo que (...) são livres para entrar em qualquer umadas inúmeras seitas. Mas a liberdade de escolha da ideolo-gia, que reflete sempre a coerção econômica, revela-se emtodos os setores como a liberdade de escolher o que ésempre a mesma coisa. A maneira pela qual uma jovemaceita e se desincumbe do date* obrigatório, a entonaçãono telefone e na mais familiar situação, a escolha das pa-lavras na conversa, e até mesmo a vida interior organiza-da segundo os conceitos classificatórios da psicologia pro-funda vulgarizada, tudo isso atesta a tentativa de fazer desi mesmo um aparelho eficiente e que corresponda, mes-mo nos mais profundos impulsos instintivos, ao modeloapresentado pela indústria cultural. As mais íntimas rea-ções das pessoas estão tão completamente reificadas* pa-ra elas próprias, que a idéia de algo peculiar a elas só per-dura na mais extrema abstração: personality* significapara elas pouco mais do que possuir dentes deslumbran-temente brancos e estar livres do suor nas axilas e dasemoções. Eis aí o triunfo da publicidade na indústria cul-tural, a mimese* compulsiva dos consumidores, pela qualse identificam às mercadorias culturais que eles, ao mes-mo tempo, decifram muito bem.

(Adorno & Horkheimer, Dialética do esclarecimento.)

1. No texto, quem seria o responsável pela “coerçãoeconômica”, que faz as pessoas terem “a liberda-de de escolher o que é sempre a mesma coisa”?

A “indústria cultural”, sobretudo a “publicidade”, que des-

perta “a mimese compulsiva dos consumidores, pela

qual se identificam às mercadorias culturais que eles,

ao mesmo tempo, decifram muito bem”.

2. Considere a seguinte passagem do texto: “perso-nality significa para elas pouco mais do que pos-suir dentes deslumbrantemente brancos e estarlivres do suor nas axilas e das emoções”. Basean-do-se em suas experiências pessoais, será que épossível dizer que os jovens de hoje tambémestão “livres do suor das axilas e das emoções”?

São possíveis respostas negativas ou positivas. O im-

portante é que os alunos mostrem que compreenderam

o significado da expressão e consigam justificar sua

resposta.

* date (inglês): encontro marcado, compromisso.* reificado: tornado “coisa”, coisificado.* personality (inglês): personalidade, individualidade.* mimese: imitação.

LEITURA COMPLEMENTAR

ensino médio – sociologia 13 sistema anglo de ensino

Page 14: Amostra_Sociologia_Aluno

Instituições sociais num mundo de mudanças

Para debater

Observe a imagem:

Sem-terra, foto que ilustra a capa do livroTerra, de Sebastião Salgado. Paraná, 1996.

ensino médio – sociologia 14 sistema anglo de ensino

Aula 3

O fragmento a seguir, de autoria de José Sara-mago, foi extraído do prefácio do livro de fotosTerra, de Sebastião Salgado. Trata-se de uma pas-sagem em que Saramago fala, de maneira mordaz,sobre o surgimento da propriedade privada:

Foi o caso que estando já a terra assaz povoada defilhos, filhos de filhos e filhos de netos da nossa pri-meira mãe e do nosso primeiro pai, uns quantos desses,esquecidos de que sendo a morte de todos, a vida tam-bém o deveria ser, puseram-se a traçar uns riscos nochão, a espetar umas estacas, a levantar uns muros depedra, depois do que anunciaram que, a partir dessemomento, estava proibida (palavra nova) a entrada nosterrenos que assim ficavam delimitados, sob pena deum castigo, que segundo os tempos e os costumes, po-deria vir a ser de morte, ou de prisão, ou de multa, ounovamente de morte. Sem que até hoje se tivesse sabi-do porquê, e não falta quem afirme que disto não pode-rão ser atiradas as responsabilidades para as costas deDeus, aqueles nossos antigos parentes que por ali anda-vam, tendo presenciado a espoliação* e escutado oinaudito* aviso, não só não protestaram contra o abusocom que fora tornado particular o que até então havia

sido de todos, como acreditaram que era essa a irrefra-gável* ordem natural das coisas de que se tinha come-çado a falar por aquelas alturas. Diziam eles que se ocordeiro veio ao mundo para ser comido pelo lobo, con-forme se podia concluir da simples verificação dos fac-tos da vida pastoril, então é porque a natureza quer quehaja servos e haja senhores, que estes mandem e aque-les obedeçam, e que tudo quanto assim não for seráchamado subversão.

De acordo com o autor, teria havido uma épocaem que o mundo era de todos e em que não haviapropriedade privada. Mas, a partir de um determi-nado momento, começou-se “a traçar uns riscosno chão, a espetar umas estacas, a levantar uns mu-ros de pedra”, como se haver “servos” e “senhores”fosse “a irrefragável ordem natural das coisas”.

Assim como Saramago, muitos artistas e pensa-dores criticam a propriedade privada, atribuindo aela a culpa por muitas de nossas mazelas sociais.Mas seria possível imaginar a vida sem proprieda-

* espoliação: ato de privar alguém de algo por meio ilícitos.* inaudito: de que nunca se ouviu falar.* irrefragável: irrefutável, irrecusável, incontestável.

Page 15: Amostra_Sociologia_Aluno

de privada? Será que o equilíbrio da vida socialnão exige que se estabeleçam limites – inclusive fí-sicos – entre os interesses e bens de um indivíduoe os dos outros?

Um pouco de teoria

Padrões de controle

Já dissemos que a coerção social é uma carac-terística fundamental da vida em sociedade. Issoporque os comportamentos humanos têm uma ten-dência contínua à padronização, à uniformização.Dependendo da situação, lidar com essas coerçõespode ser mais ou menos difícil, mas é inegável queelas sempre influenciam as condutas individuais.

Muitas vezes, o responsável por essa padroniza-ção, por essa uniformização são as instituições so-ciais. Em sentido lato, uma instituição correspon-de a qualquer forma de organização que reúna pes-soas com objetivos comuns, como uma escola, umhospital ou uma empresa. Também se emprega otermo “instituição” para designar entidades maisamplas, como o governo, o sistema educacional oua Igreja. Já em sentido estrito, dentro do universosociológico e de acordo com a proposta de Peter L.Berger e Brigitte Berger, a instituição social podeser definida:

Nesse sentido, as instituições possuem uma rea-lidade exterior aos indivíduos, na medida em queelas existem independentemente de nossas vonta-des, até porque têm história própria: normalmenteas instituições já existiam antes de os indivíduosnascerem e, freqüentemente, permanecem existin-do após sua morte. Desse modo, acumulam contri-buições e características de várias gerações e vãotornando-se forças cada vez mais poderosas, quemoldam o jeito de ser das pessoas.

Peter e Brigitte Berger ainda afirmam que umainstituição social:

Autoridade, legitimidade e sanção

A exterioridade e a coercitividade das institui-ções sociais mostram, de um lado, que elas existemainda que à revelia das crenças e dos desejos daspessoas e, de outro, que elas inevitavelmente in-fluem nos comportamentos individuais. Isso ocor-re porque as instituições, com o passar do tempo,adquirem uma espécie de “autoridade”.

O reconhecimento de sua existência e, poste-riormente, de sua força lhes confere legitimidade,a ponto de o sujeito que desrespeita as regras es-tabelecidas por elas poder ser punido. Assim, o Es-tado manda para a cadeia o homicida, a Igreja Ca-tólica excomunga o infiel, a escola suspende o alu-no mal-comportado, a loja de roupas de grife tratacom desdém o cliente vestido de modo despojado.As punições podem variar do simples olhar de re-provação até a prisão, passando ainda pela ridicu-larização pública e pela segregação social. Em ca-sos de comunidades mais intolerantes, as sançõespodem chegar a espancamentos e até mesmo a mor-tes. Em todas essas situações, só pode haver san-ções, só pode haver punições, ou melhor, elas sópodem ser aceitas pela coletividade, se se reconhe-ce a autoridade da instituição que as aplica.

Assim, além da família, que garante a proteçãodas crianças, incapazes de sobreviver sozinhas, háinúmeras outras instituições, que – com sua autori-dade – são fundamentais para a manutenção e es-tabilização das relações sociais.

Propriedade privada como instituição social

Adotando a perspectiva econômica de análise, háuma instituição social fundamental para a sociedadecapitalista contemporânea: a propriedade privadados meios de produção. Ela é a base da estrutura declasses da sociedade atual, e sua autoridade é tãogrande que todas as leis costumam garanti-la.

No fragmento de Saramago com que iniciamosnosso debate, o célebre escritor português ataca apropriedade privada, supondo que houve uma épo-ca em que ela não existia. Para o Nobel de Litera-tura, o fato de tornar “particular o que até entãohavia sido de todos” foi a base das injustiças soci-ais, que dividem os homens em cordeiros e lobos,em servos e senhores, em proprietários e não-pro-prietários dos meios de produção. E Saramago mos-tra ainda que não aceitar esse fato “será chamadosubversão”, de modo que os transgressores pode-rão receber um “castigo, que segundo os tempos eos costumes, poderia vir a ser de morte, ou de pri-são, ou de multa, ou novamente de morte”.

assemelha-se a outras entidades da realidade exte-rior – guarda certa semelhança até mesmo com ob-jetos tais como árvores, mesas e telefones, que estãolá fora, quer o indivíduo queira, quer não. O indiví-duo não seria capaz de eliminar uma árvore com ummovimento da mão – e nem uma instituição.

como um padrão de controle, ou seja, uma progra-mação da conduta individual imposta pela socie-dade.

ensino médio – sociologia 15 sistema anglo de ensino

Page 16: Amostra_Sociologia_Aluno

A provocação de Saramago nos convida a umareflexão interessante: se não houvesse a propriedadeprivada, se tudo fosse de todos, será que a vida emsociedade seria possível? Se cada homem seguisseapenas seus desejos e suas crenças pessoais, se nãohouvesse fronteiras claras entre países, estados e ci-dades, se cada canto do planeta pertencesse à coleti-vidade, será que o mundo seria mais justo?

São perguntas difíceis de responder. Com rigor,aliás, nem cabe à Sociologia respondê-las. Seu prin-cipal interesse não é apontar como a sociedadepoderia ser, mas sim como ela é. E, sendo assim, apropriedade privada – ainda que seja responsávelpelo aumento das desigualdades e das injustiçasentre os homens – é uma instituição social que me-rece toda a atenção dos sociólogos.

Instituições e mudanças

Ainda é preciso lembrar que as instituições so-ciais são fenômenos históricos e, como tais, podemsofrer mudanças e até mesmo deixar de existir. AIgreja ou o Exército já tiveram, no Brasil, mais im-portância do que têm hoje. Já a propriedade priva-da continua sendo um dos pilares da sociedadecapitalista.

Num mundo de globalização, em que se formamcomunidades na internet, em que pessoas de paí-ses diferentes podem conversar on line, em que avelocidade da informação contribui para mudançasde comportamento, as instituições sociais tambémse modificam, muitas vezes se reestruturando e seredefinindo. O que precisa ficar claro é que essasmudanças ocorrem – e ocorrem muito – não porvontades individuais, mas sim por processos cole-tivos.

Observe a tirinha a seguir e responda o que sepede a seu respeito:

Casal Neuras

(Glauco, Folha de S. Paulo, “Ilustrada”, 14/10/2007.)

1. No primeiro quadrinho, a fala da mulher indi-ca que ela valoriza uma instituição social mile-nar. Que instituição é essa?

Trata-se da família. Ao dizer ao marido que era um “mi-

lagre” eles saírem para jantar, a mulher mostra a im-

portância de valorizar os momentos de intimidade fa-

miliar.

2. A observação que o homem faz, no segundoquadrinho, e a reação da mulher, no terceiro,sugerem a dificuldade de conciliar interessespessoais e profissionais no mundo contempo-râneo. Que transformação ocorrida nos últi-mos anos intensificou essa dificuldade?

Numa época de globalização, com a popularização da in-

ternet e com o acesso facilitado às mais variadas in-

formações em tempo real, muitas pessoas se sentem

obrigadas a ficar conectadas 100% do tempo a um com-

putador, o que não lhes permite dar atenção a outras

instituições sociais importantes, como é o caso da

família. A reação intempestiva da mulher é uma sanção

absolutamente esperada, uma vez que um jantar a dois

não parece ser compatível com um laptop.

Tarefa mínimaA estrofe a seguir pertence à célebre canção

“Pra não dizer que não falei das flores”, de Ge-raldo Vandré, que ficou em segundo lugar noFIC (Festival Internacional da Canção), promo-vido pela Globo em 1968:

(...) Há soldados armados,Amados ou não,Quase todos perdidos,De armas na mão.Nos quartéis lhes ensinamUma antiga liçãoDe morrer pela pátriaE viver sem razão. (...)

A que instituição social esses versos fazemreferência? Como eles avaliam essa instituição,sua autoridade e seu poder de coerção social?

Nos versos de Vandré, faz-se uma referência às Forças

Amadas por meio de palavras como “soldados”, “armas”

e “quartéis”. Ao dizer que os soldados podem “viver sem

razão” e ser “amados ou não”, a canção coloca em xeque

exercícios

ensino médio – sociologia 16 sistema anglo de ensino

Page 17: Amostra_Sociologia_Aluno

a autoridade dos ensinamentos militares, a ponto de

considerar “perdidos” os soldados que julgam ser nobre

“morrer pela pátria”. Dessa maneira, Vandré condena

abertamente o poder de coerção social dos militares,

uma vez que a instituição por eles representada ensi-

naria lições que, segundo ele, não devem ser seguidas.

Tarefa complementarComo vimos em aula, embora as instituições so-

ciais se constituam numa força exterior que atua so-bre os indivíduos, muitas vezes impondo-lhes modosde viver e de sentir, elas não são estruturas fixas, es-tando, portanto, sujeitas a mudanças através dostempos. Um exemplo bastante claro disso são astransformações sofridas por uma das mais impor-tantes instituições de nossa sociedade – a família. So-bre isso, observe as informações que seguem:

Barão Ataliba Nogueira e família. Fazenda Santa Úrsula,Jaguariúna, SP, 1900.

A família era tudo, nada menos. Seguindo a tradiçãoda época em que os portugueses se instalaram no Brasil,a família não se compunha apenas de marido, mulher efilhos. Era um verdadeiro clã, incluindo a esposa e even-tuais (e disfarçadas) concubinas, filhos, parentes, padri-nhos, afilhados, amigos, dependentes, e ex-escravos.Uma imensa legião de agregados submetidos à autori-dade indiscutível que emanava da temida e veneradafigura do patriarca. Temida, porque possuía o direito decontrolar a vida e as propriedades de sua mulher e fi-lhos; venerada, porque o patriarca encarnava, no cora-ção e na mente de seus comandados, todas as virtudese qualidades possíveis a um ser humano.(“Ordem e progresso sob a tutela da família”. In: Nosso século

1900/1910. São Paulo, Abril Cultural, 1980, p. 95.)

(Folha de S. Paulo, Especial C2 Cotidiano, 29/09/2007.)

1. Com base nos dados apresentados e em seuconhecimento de mundo, diga quais as princi-pais transformações sofridas por essa institu-ição social.

Talvez a principal transformação seja a que diz respeito

à estrutura de poder: a figura do patriarca pratica-

mente desapareceu, e a mulher ocupa, cada vez mais,

papel central nas famílias. Também há que se observar o

surgimento de outras formas de organização familiar,

alternativas ao modelo “casal com filhos”. Os alunos

ainda poderão falar da flexibilização das relações: no

lugar da autoridade patriarcal, hoje se valoriza o diálo-

go e a divisão de poderes entre os membros de uma

família.

2. Em sua opinião, o fato de ela ter se transforma-do diminui sua importância para a sociedade?

A resposta não está fechada. Os alunos poderão dizer

que, apesar das mudanças, sua importância ainda é

grande, na medida em que ela continua sendo a base

para a formação dos indivíduos. Mas não está descar-

tada a resposta que apontar para uma diminuição da

influência da família, que agora divide a responsabilidade

de formar cidadãos com a escola e a mídia, por exem-

plo.

1996 2006

Unipessoal 8 10,7Casal sem filhos 13,1 15,6Casal com filhos 57,4 49,4Mulher sem cônjuge com filhos 15,8 18,1Outros tipos com parentesco 5,4 6Outros tipos sem parentesco** 0,3 0,3

Como se organizam as famílias brasileiras(tipo de arranjo, em %)

COMPOSIÇÃO DAS FAMÍLIAS

Cresce o poder das mulheres dentro de casa, segundo o IBGE

Proporção de famílias, em 2006, com mulheres casadas quesão chefes do domicílio*, em % por região metropolitana

17,7 18,924,8 25,8 27,8 28,1 29,3 29,8 30,5

20,7

Rio deJaneiro

Recife SãoPaulo

BeloHorizonte

PortoAlegre

Curitiba Salvador Belém Fortaleza Médianacional

Fonte: IBGE*Pessoa responsável pela família ou assim considerada pelos demais membros

** Quando não há relação de parentesco, mas a pessoa não paga hospedagem nem alimentação às famílias

ensino médio – sociologia 17 sistema anglo de ensino

Page 18: Amostra_Sociologia_Aluno

A linguagem como instituição social

Outra instituição importantíssima em nossa so-ciedade é a linguagem. Peter L. Berger e BrigitteBerger são categóricos ao abordar esse assunto:

Dessa forma, a linguagem constitui poderoso ins-trumento de controle da sociedade sobre todos nós,uma vez que as coerções impostas pelo Estado, pe-la Igreja ou pelas estruturas econômicas se mani-festam, antes de tudo, por meio do sistema lingüís-tico. Desde pequena, a criança vai compreendendoo mundo à sua volta pela linguagem. Antes de terconsciência da existência da própria família, elaapreende a realidade por um sistema lingüístico queexiste a priori.

Com efeito, quando usamos qualquer idiomapara nos comunicar, seguimos regras preexis-tentes a nós. Em Português, ninguém formariauma frase como: *Estudar gosto de eu. Qualquerfalante nativo da língua diria: Eu gosto de estudar.Isso significa que, mesmo sem saber, estamos se-guindo normas de linguagem institucionalizadas.

No interior do sistema lingüístico, os falantesainda têm várias opções de uso. Por isso, eventual-mente, podemos até falar ou escrever de um modomais informal. Mas, dependendo da hora e lugar,ou do interlocutor a quem se dirige, infringir cer-tas convenções pode levar à perda de um emprego,à reprovação em um exame importante ou a umprejuízo em uma negociação. Da mesma forma,

como entre os jovens é comum que cada grupo secomunique em uma linguagem própria, aquele quenão entende ou não usa a mesma linguagem – comtodas as particularidades que a definem – pode sersegregado.

Com base nessas informações e no trecho quesegue, reflita sobre o que se pede:

(…) a língua, como desempenho de toda linguagem,não é nem reacionária, nem progressista; ela é simples-mente: fascista; pois o fascismo não é impedir a dizer, éobrigar a dizer.

Assim que ela é proferida, mesmo que na intimidademais profunda do sujeito, a língua entra a serviço de umpoder.

(Roland Barthes, “Aula”.)

Tomando o fascismo como qualquer posturaautoritária, de controle sobre o comportamen-to alheio, discuta com seus colegas até queponto a linguagem – como instituição social –pode mesmo ser considerada fascista.

Não há resposta fechada. O importante é que os alunos

consigam justificar seu ponto de vista. Aqueles que

afirmarem que a linguagem é fascista poderão usar

como argumento o fato de ela ser algo “imposto”, car-

regado de valores, que absorvemos sem termos con-

dições de questionar. Também reforça essa idéia o fato

de a linguagem ser o principal instrumento de controle

utilizado pelas demais instituições sociais.

Mas é possível também discordar disso: os alunos po-

dem lembrar que, embora a linguagem seja algo herdado,

ela está sempre se modificando (exemplo disso são as

gírias), o que mostra que o indivíduo pode usá-la de

maneira “não-programada”. Além disso, não se deve des-

considerar o potencial subversivo da linguagem, que

tem, na arte, sua principal manifestação.

Diremos mesmo que muito provavelmente a lin-guagem é a instituição fundamental da sociedade,além de ser a primeira instituição inserida na bio-grafia do indivíduo. É uma instituição fundamen-tal, porque qualquer outra instituição, sejam quaisforem suas características e finalidades, funda-senos controles subjacentes da linguagem.

LEITURA COMPLEMENTAR

ensino médio – sociologia 18 sistema anglo de ensino

Page 19: Amostra_Sociologia_Aluno

Identidade, igualdade e diferença

Para debater

Mulher nhambiquara fiando, foto de Luiz Castro de Faria, integrante da expedição à serra do Norte (MatoGrosso), dirigida por Claude Lévi-Strauss em 1938.

ensino médio – sociologia 19 sistema anglo de ensino

Aula 4

Nosso contato com o Outro – com o diferente –costuma se caracterizar pela curiosidade e pelo es-panto. Isso ocorre porque, geralmente, julgamos acultura alheia tendo a nossa como referência – co-mo medida do que é “certo” ou “errado”. Não nosdamos conta de que, para o Outro, o estranho so-mos nós.

Pensando nisso, leia o poema a seguir:

Anedota* búlgara

Era uma vez um czar* naturalista que caçava homensQuando lhe disseram que também se caçam borbo-

[letas e andorinhas,ficou muito espantadoe achou uma barbaridade.

(Carlos Drummond de Andrade, Alguma poesia.)

Por que será que esse poema nos surpreendetanto? Será que é porque nossa maneira de enten-der a realidade é muito diferente da do czar? É oque vamos tentar descobrir nesta aula.

Um pouco de teoria

Antropologia e cultura

No século XIX, na mesma época em que a So-ciologia surgia como disciplina das ciências hu-manas, apareceram pesquisadores interessadospelo modo de vida, pelos costumes, pelas crençasde grupos sociais que viviam longe da Europa oci-dental.

Segundo esses pesquisadores, para conhecer o“homem”, não bastava estudar a sociedade euro-péia (considerada, equivocadamente, um todo coe-so e uniforme). Era preciso analisar agrupamentossociais formados por não-europeus, preferencial-mente aqueles com hábitos bastante diversos dosde moradores de Paris, Londres ou Milão. Assimse deu o nascimento da Antropologia.

* anedota: breve narrativa, geralmente bem-humorada, de

um fato cotidiano.

* czar: líder político soberano, equivalente a um rei.

Page 20: Amostra_Sociologia_Aluno

Enquanto a Sociologia pode ser definida como“ciência da sociedade”, a Antropologia se configu-ra como “ciência do homem”. Dessa forma, cren-ças religiosas, formas de organização política, cos-tumes, manifestações artísticas, estrutura familiar,idiomas, relações com outros grupos sociais, tudoisso forma o objeto de estudo do antropólogo.

Existe um conceito que pode resumir esse obje-to de estudo: o de cultura. Essa palavra, em suaorigem usada para designar o processo de “culti-var a terra” – daí a falarmos, por exemplo, em cul-tura de grãos –, foi passando por sucessivas ampli-ações de sentido, até que chegou aos significadosque conhecemos hoje.

Se encontramos uma pessoa com vasto conhe-cimento sobre literatura, cinema, artes plásticas,música, costumamos dizer que ela tem muita cul-tura, já que esse termo pode definir, de acordo como dicionário Houaiss, “o cabedal de conhecimen-tos, a ilustração, o saber de uma pessoa”. Em outraperspectiva, quando dizemos que um governo pre-cisa investir mais em cultura, queremos dizer que énecessário valorizar o “complexo de atividades, ins-tituições, padrões sociais ligados à criação e difu-são das belas-artes, ciências humanas e afins”, umavez que essa, de novo segundo o Houaiss, é outraacepção atual da palavra.

Para a Antropologia, o conceito de cultura émais amplo ainda:

Assim, a cultura não está associada apenas a ele-mentos que podem ser considerados em sua reali-dade concreta e material; ela também remete a for-mas abstratas de pensamento, aos símbolos pormeio dos quais cada homem compreende e avaliatudo o que ocorre a sua volta.

Como disse o antropólogo Denys Cuche: “Se to-das as ‘populações’ humanas possuem a mesmacarga genética, elas se diferenciam por suas esco-lhas culturais, cada uma inventando soluções paraos problemas que lhe são colocados”. Essas esco-lhas culturais não são – é importante que se diga –racionais ou intencionais. Elas são resultado doacúmulo de experiências de várias gerações epodem alterar-se conforme as necessidades dogrupo.

Com efeito, do ponto de vista biológico, todosos homens são iguais e pertencem a uma mesmaespécie. Porém, do ponto de vista antropológico,cada agrupamento humano tem a sua cultura e assuas particularidades. Foi por isso que os primei-ros antropólogos, reconhecendo essas diferenças,resolveram estudar sociedades não-européias, cujasculturas eram menos conhecidas e, desse modo,permitiriam maior desenvolvimento das pesquisasque se iniciavam.

Antropologia e civilização

O eurocentrismo do século XIX impediu osantropólogos de compreender, de fato, as socie-dades não-européias. Por influência do evolucio-nismo, havia uma tendência de tomar essas socie-dades como estágios menos desenvolvidos do ca-pitalismo, de modo que, um dia, elas deixariam deser sociedades “simples” ou “primitivas”, para setornarem tão “complexas” e “sofisticadas” quantoas da Europa ocidental. Era como se o desenvolvi-mento humano só se desse em uma direção.

Na verdade, a esta altura, o conceito de culturase misturava com o de civilização. Analisando aideologia eurocêntrica dominante dos séculosXVIII e XIX, Cuche afirmava: “A civilização é entãodefinida como um processo de melhoria das insti-tuições, da legislação, da educação. A civilização éum movimento longe de estar acabado, que é pre-ciso apoiar e que afeta a sociedade como um todo,começando pelo Estado, que deve se liberar de tu-do o que é ainda irracional em seu funcionamento.Finalmente, a civilização pode e deve se estender atodos os povos que compõem a humanidade. Se al-guns povos estão mais avançados que outros nessemovimento, se alguns (a França particularmente)estão tão avançados que já podem ser considera-dos como ‘civilizados’, todos os povos, mesmo osmais ‘selvagens’, têm vocação para entrar no mes-mo movimento de civilização, e os mais avançadostêm o dever de ajudar os mais atrasados a diminuiressa defasagem”.

Essa visão, posteriormente, foi superada pelosantropólogos, que questionaram o procedimentode tomar a própria cultura como referencial para aanálise de outras (para saber mais, veja a LeituraComplementar).

A questão da alteridade

A Antropologia é a ciência da diferença, da al-teridade. Alteridade se opõe a identidade. Aliás, oradical alter significa, em Latim, “outro”. Portanto,

ele engloba os padrões de comportamento, as cren-ças e os valores, os conhecimentos e os costumesque caracterizam um grupo social e, mais do queisso, que fazem com que cada membro de um mes-mo grupo interprete o mundo de modo mais oumenos parecido.

ensino médio – sociologia 20 sistema anglo de ensino

Page 21: Amostra_Sociologia_Aluno

se o “eu” define a identidade, o “outro” caracteri-za a alteridade. A relação entre cada membro deuma mesma cultura é de “identidade”; a relaçãoentre membros de culturas diferentes é de “alteri-dade”.

Muitas vezes, para fazer parte de um grupo so-cial – de um Estado, de uma etnia ou de uma reli-gião – e, assim, afirmar uma identidade, é precisodialogar com a alteridade. Isso porque fazer partede uma cultura é não fazer de outra. Aos antropó-logos, não cabe somente estudar os conflitos quepodem advir daí, mas sim analisar as condições emque se estabelecem os laços de identidade e as re-lações de alteridade.

No mundo globalizado, parece haver uma ten-dência de uniformização de valores e crenças: acultura de massas igualaria todos os homens, le-vando-os a pensar do mesmo modo. Mas isso nãoé verdade. Sob essa aparente padronização cultu-ral, está o desejo de vários grupos em afirmar suasidentidades: são mulheres, gays, negros, índios, imi-grantes lutando por espaço em nossa aldeia global.

Talvez a igualdade entre os homens não passede um sonho. Entre a igualdade jurídica do Ilumi-nismo, a igualdade econômica do Socialismo e aigualdade de valores do capitalismo globalizado,sempre há grupos sociais que procuram se distin-guir dos demais. Se existe, em algumas esferas,sentimentos de igualdade, em outras prevalece ode desigualdade. Por isso, a Antropologia atual éobrigada a conviver com essa situação complexa:acredita-se que todas as culturas humanas são equi-valentes (e apenas diferentes entre si) e, ao mesmotempo, sabe-se que certos grupos buscam uma di-ferenciação, ou seja, buscam espaço no seio da cul-tura dominante. Não é tarefa fácil resolver esse pro-blema.

Maioria e minoria

Desde o início, a pesquisa antropológica sem-pre deu mais atenção aos povos não-europeus, àsminorias étnicas, aos grupos que não fazem parteda cultura dominante. Atualmente, esse interessepela alteridade cultural continua, o que explica porque as minorias religiosas, sexuais ou profissionaisrecebem atenção dos pesquisadores.

Aliás, os conceitos de maioria e minoria tam-bém se complexificaram ao longo dos últimos anos.Seria muito fácil definir essas noções de modonumérico. Acontece que, às vezes, uma maioria nu-mérica tem menos força do que uma minoria. Veja--se o caso das mulheres: embora dados estatísticosmostrem que há mais mulheres do que homens no

Brasil, elas ocupam menos cargos públicos e rece-bem salários menores do que os homens. Em con-trapartida, há certas classes profissionais – como éo caso dos médicos ou dos advogados – que, ape-sar de serem minoria numérica no mercado de tra-balho, têm um enorme prestígio social, o que signi-fica um alto poder de mobilização na defesa dos seusinteresses. Outras profissões, estatisticamente maisrepresentativas, não têm tanta expressividade social.

Para Durkheim, o comportamento dominante(isto é, do grupo social de maior prestígio e força,independentemente de se tratar de maioria numé-rica) pode associar-se ao princípio da normalida-de. Para o célebre sociólogo, os fenômenos sociais,assim como os biológicos, dividem-se em dois gran-des grupos: os que se repetem e são habituais paratodo o grupo; e os que são excepcionais, incidindosobre uma minoria. Essa análise dos fatos sociaispermitiria chegar a um “tipo médio”, que nasce dajunção entre esses dois grupos de fenômenos e po-de ser definido como “o ser esquemático que resul-taria da união, num mesmo ser, numa espécie deindividualidade abstrata, das características maisfreqüentes da espécie e das formas mais freqüen-tes destas características”.

É claro que o padrão de normalidade – o “tipomédio” – varia de cultura pra cultura. E é por issoque, no poema “Anedota búlgara”, com que inici-amos a aula, o que é normal para o “czar naturalis-ta” – caçar homens – não o é para nós – que só acei-tamos que se cacem “borboletas e andorinhas”. Demaneira provocativa, Drummond mostra como cul-turas diferentes têm valores diferentes. Esse temsido um dos elementos fundamentais das pesqui-sas em Antropologia.

O texto a seguir corresponde ao bem-hu-morado capítulo CXIX, intitulado “Parêntesis”,das Memórias póstumas de Brás Cubas, de Ma-chado de Assis. Leia-o para responder ao quese pede:

Quero deixar aqui, entre parêntesis, meia dúzia demáximas das muitas que escrevi por esse tempo. Sãobocejos de enfado; podem servir de epígrafe a dis-cursos sem assunto:

* * *

Suporta-se com paciência a cólica do próximo.

* * *

exercícios

ensino médio – sociologia 21 sistema anglo de ensino

Page 22: Amostra_Sociologia_Aluno

Matamos o tempo; o tempo nos enterra.* * *

Um cocheiro filósofo costumava dizer que o gosto da carruagem seria diminuto, se todos andassem de carruagem. * * *

Crê em ti; mas nem sempre duvides dos outros. * * *

Não se compreende que um botocudo fure o beiço para enfeitá-lo com um pedaço de pau. Esta reflexão é de umjoalheiro.

* * *Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens, que de um terceiro andar.

1. Entre as seis sarcásticas máximas de Brás Cubas, há uma que pode servir para ilustrar uma das dis-cussões habituais entre os antropólogos. Que máxima é essa?

“Não se compreende que um botocudo fure o beiço para enfeitá-lo com um pedaço de pau. Esta reflexão é de um

joalheiro.”

2. Essa máxima revela um preconceito cultural. Explique-o.

A referência aos grupos indígenas que usam enfeites de madeira em furos no lábio inferior mostra a incompetência do joa-

lheiro em reconhecer a alteridade, ou seja, a idéia de que as culturas humanas são diferentes entre si. Talvez ele quisesse

vender adereços de ouro ou prata a esses botocudos, o que nos faz pensar se esse preconceito cultural não esconderia,

na verdade, um interesse econômico.

Tarefa mínima Os dados que seguem foram extraídos do vestibular da UFMG de 2003. Observe-os com atenção:

ensino médio – sociologia 22 sistema anglo de ensino

O Quadro 1 é o resultado de uma pesquisa realizada em agosto de 2001. O Quadro 2 refere-se a umaestatística de eleitores, por gênero, realizada em 2000. O Quadro 3 resume a porcentagem de mulheresem algumas áreas profissionais.Analise atentamente estes três quadros:

QUADRO 1

Homens e mulheres – Pesquisa CNI – Agosto de 2001

Quadro comparativo da atuação de homens e mulheres em cargos públicos, em resposta à per-gunta: Quem é mais: a) honesto; b) responsável; c) confiável; d) competente; e) firme; f) capaz?

FONTE: Cartilha da Mulher. Brasília, nov. 2001, p. 35.

ATUAÇÃO Honesto Responsável Confiável Competente Firme Capaz

CARGOS % % % % % %

PÚBLICOS

Mulheres 59,8 53,7 51,2 47,5 44,7 42,8

Homens 15,1 23,2 22,3 26,1 35,1 30,0

Os dois 19,5 20,5 22,4 23,3 17,0 24,5

Não sabe/não respondeu 5,6 2,6 4,1 3,1 3,2 2,7

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Page 23: Amostra_Sociologia_Aluno

1. Do ponto de vista numérico, os homens eleito-res podem ser considerados ampla maioria nopaís? Justifique com dados estatísticos.

Não. O Quadro 2 mostra que, em 2000, o número de

eleitores é praticamente o mesmo do de eleitoras, o que

sugere igualdade numérica entre homens e mulheres no

país.

2. De acordo com pesquisas de opinião, quem sesai melhor atuando em cargos públicos: homensou mulheres? Justifique.

De acordo com o Quadro I, as mulheres são conside-

radas mais honestas, responsáveis, confiáveis, compe-

tentes, firmes e capazes do que os homens, quando

ocupam cargos públicos.

3. De acordo com os conceitos antropológicos demaioria e minoria, como explicar o número tãopequeno de mulheres em posições de destaquena sociedade, como mostra o Quadro 3?

Embora as mulheres não sejam minoria do ponto de

vista numérico, elas ainda o são no que diz respeito à

capacidade de mobilizar-se socialmente, de fazer

valerem suas reivindicações, de exigir o cumprimento

dos seus direitos. É claro que isso ainda é resquício de

uma sociedade machista, que impediu – e, em muitos

casos, ainda impede – as mulheres de ter as mesmas

oportunidades do que os homens. Mas o fato é que, do

ponto de vista científico, as mulheres são minoria, na

medida em que seu poder de pressão social ainda é, in-

justamente, menor do que o dos homens.

Tarefa complementar

Pierre “Fatumbi” Verger, Iemanjá na Bahia, São Caeta-no (Salvador, Brasil), 1946.

Sabe-se que o Brasil é um país de grande diver-sidade cultural. Mas sabe-se também que essa di-versidade nem sempre é valorizada e respeitada.Uma prova disso é o fato de a “cultura oficial” bra-

ensino médio – sociologia 23 sistema anglo de ensino

QUADRO 2O Brasil tem:

FONTE: Revista Época, 13 mar. 2000.

QUADRO 3Porcentagem de mulheres sobre o total de profissionais, em algumas áreas:

FONTE: Cartilha da Mulher. Brasília, v. 2001. p. 33 e 136.

52.794.597 53.033.650

eleitoras eleitores

Cargos políticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7%

Tribunais superiores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8%

Presidência de grandes empresas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8%

Page 24: Amostra_Sociologia_Aluno

sileira raramente incorporar elementos das cultu-ras negra e indígena, apesar de sabermos o quan-to elas influenciaram, e ainda influenciam, nossocotidiano, nos mais variados aspectos.

A reportagem a seguir, extraída da Folha de S.Paulo, de 11 de janeiro de 2003, trata de uma ten-tativa oficial de reverter esse quadro. Leia-a comatenção e discuta, em grupo, até que ponto essa re-forma no currículo escolar tem funcionado, até queponto ela é importante e até que ponto os índiostêm razão em suas reclamações.

CURRÍCULO ESCOLARLula sanciona projeto;

índios querem o mesmo tratamento

LEI OBRIGA ENSINO DE CULTURA AFRO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionoulei que torna obrigatório o ensino de história e cul-tura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensi-no fundamental e médio, oficial e particular.

Segundo a lei, os currículos deverão contemplaro estudo da história da África e dos africanos, aluta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileirae o negro na formação da sociedade nacional, "res-gatando a contribuição do povo negro nas áreas so-cial, econômica e política pertinentes à história doBrasil".

A lei determina que o assunto seja ministradoem todo o currículo escolar, em especial nas áreasde educação artística, literatura e história. Por fim,a lei diz que o calendário escolar incluirá o dia 20de novembro como o Dia Nacional da ConsciênciaNegra.

Lula vetou artigo da lei segundo o qual as dis-ciplinas história do Brasil e educação artística de-veriam dedicar pelo menos 10% do seu conteúdoprogramático à temática negra.

Esse artigo foi considerado inconstitucional pornão observar os valores sociais e culturais das diver-sas regiões do país.

(...)Segundo o Ministério da Educação, os parâme-

tros curriculares nacionais do ensino fundamentale médio já orientam que a diversidade cultural, ét-nica e religiosa esteja nos currículos.

OpiniõesO diretor-executivo da ONG Educafro, que aten-

de estudantes negros, frei David Santos, diz que alei é positiva. "Para nós, da comunidade negra, aaplicação da lei já é um grande passo."

Ele criticou, no entanto, os vetos de Lula. "A leidiz que vai ter de fazer, mas não estabelece quanto."

O assessor de educação do Conselho dos Profes-sores Indígenas da Amazônia, Benjamin de JesusAndrade de Oliveira, reclamou da falta de inclusãoda cultura indígena na legislação. "Nós temos pe-dido a introdução de disciplinas para os alunosconhecerem a realidade indígena no país."

O coordenador da União das Nações Indígenasdo Acre e Sul do Amazonas, Francisco Avelino Batis-ta, também lamentou. "É uma pena para nós, poistemos trabalhado para o Brasil conhecer mais suaprópria história."

Regina Estima, pedagoga e pesquisadora do Cen-tro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura eAção Comunitária, ONG que trabalha com ensinopúblico, diz que a idéia é boa e não há prejuízo deoutras disciplinas, justamente porque não se esta-belece um mínimo de aulas para o assunto.

Porém, ela adverte que é preciso cuidado com aformação de professores. "Há pouco repertório acu-mulado."

A psicopedagoga da Secretaria da Educação dacidade de São Paulo Marilandia Frazão diz que aprefeitura está pronta para aplicar a lei. Em feve-reiro, vai lançar 38 livros, com tiragem de 20 milexemplares, sobre a cultura negra.

As obras, programadas antes da edição da lei,vão de histórias infanto-juvenis até livros de forma-ção de docentes.

Também está em produção um vídeo sobre cul-tura negra, que deve ser lançado até maio.

Há várias possibilidades de resposta. No Manual do Pro-

fessor há observações sobre o encaminhamento dessa

tarefa.

Funcionalismo e estruturalismo

No começo do século XX, antropólogos adeptosdo funcionalismo perceberam que não cabia eti-quetar as sociedades do planeta, como se o rótulo“atrasadas” ou “desenvolvidas” as definisse comprecisão. Os funcionalistas mostraram que as cul-turas humanas eram simplesmente diferentesumas das outras e que qualquer juízo de valor quese fizesse poderia encerrar preconceitos.

A postura dos antropólogos funcionalistas eramarcada pela mera observação de dados empíri-cos, sem que, posteriormente, esses dados fossem

LEITURA COMPLEMENTAR

ensino médio – sociologia 24 sistema anglo de ensino

Page 25: Amostra_Sociologia_Aluno

analisados de maneira a constituir um aparato teórico mais consistente. Quem consegue fazer isso são osadeptos do estruturalismo, que, em meados do século XX, propõem o estabelecimento dos parâmetrosculturais de cada sociedade, isto é, sua estrutura social, que pode ser entendida como o sistema de valo-res interdependentes e complementares que organiza a vida coletiva, dando-lhe sentido.

ensino médio – sociologia 25 sistema anglo de ensino

Claude Lévi-Strauss é o principal antropólogo estruturalista. Ele não apenas se interessou por estudar asculturas particulares dos vários agrupamentos humanos, como se preocupou em construir um modelo teórico que per-mitisse apreender as invariantes, os elementos constantes de cada uma. Nas palavras de Cuche, Lévi-Strauss procura“ultrapassar a abordagem particularista das culturas”, estudando “a invariabilidade da Cultura”, uma vez que “as cultu-ras particulares não podem ser compreendidas sem referência à Cultura, ‘esse capital comum’ da humanidade e do qualelas se alimentam para elaborar seus modelos específicos”.

Essa Cultura se opõe, de acordo com a proposta de Lévi-Strauss, ao conceito de Natureza. O primeiro remete ao estágio em que o homemorganiza a vida social; o segundo, ao material ainda não-organizado pela Cultura. Nesse sentido, toda sociedade – de alguma maneira – faz comque a Cultura vá substituindo a Natureza, uma vez que vão sendo criadas, ao longo do tempo, regras para o “bom” funcionamento da sociedade.Assim, o que diferencia uma cultura da outra não é que uma está mais próxima da Cultura e outra da Natureza, mas sim o modo como cada umaestrutura, pela Cultura, a vida social.

Page 26: Amostra_Sociologia_Aluno

Castas, estamentos e classes sociais

Para debater

LOUIS VUITTON

Campanha publicitária, Folha de S. Paulo, 08/12/2007.

ensino médio – sociologia 26 sistema anglo de ensino

Aula 5

A relação entre ter e poder sempre marcou ahistória das sociedades. Mas, sem dúvida, ela nun-ca foi tão valorizada – ou reforçada – quanto nomundo capitalista, que utiliza inúmeros meios – den-tre eles a publicidade – para nos vender seus sím-bolos de poder. Mas até que ponto o que temos de-termina aquilo que somos ou podemos vir a ser?

O trecho a seguir trata desse assunto. Leia-o comatenção:

No dia em que Florentino Ariza viu Fermina Daza noadro da catedral, grávida de seis meses e com plenodomínio de sua nova condição de mulher do mundo,tomou a decisão feroz de ganhar nome e fortuna paramerecê-la. Sequer perdeu tempo em pensar no incon-veniente de ela ser casada, porque ao mesmo tempo re-solveu, como se dependesse dele, que o doutor JuvenalUrbino tinha que morrer. Não sabia quando nem como,

mas estabeleceu como inelutável o acontecimento, queestava resolvido a esperar sem pressas nem arrebata-mentos, ainda que fosse até o fim dos séculos.

(Gabriel García Márquez, O amor nos tempos do cólera.)

Para conquistar Fermina Daza, Florentino Ari-za toma “a decisão feroz de ganhar nome e fortu-na para merecê-la”. A pergunta é: “nome” e “fortu-na” são essenciais em nossas relações sociais, in-cluindo o casamento? Qual a origem desse tipo depensamento?

Um pouco de teoriaEtnocentrismo e dominação

Com o surgimento da propriedade privada –que estudamos na aula 3 –, a exploração do trabalhode um homem por outros homens tornou-se mais

Page 27: Amostra_Sociologia_Aluno

evidente, e dois grupos começaram a se delinearcom maior clareza: o grupo dos “explorados” e odos “exploradores”. Mas que visão de mundo esta-ria na base dessa divisão?

Na evolução social dos homens, sempre foi co-mum a divisão dos membros de uma mesma socie-dade em grupos, cada um com sua função, seus di-reitos e seus deveres. Gregário por natureza e ne-cessidade, o homem organizou seu trabalho coleti-vo para produzir os bens indispensáveis à sua so-brevivência. Da divisão sexual do trabalho, os gru-pos tribais evoluíram para uma divisão social dotrabalho e conheceram, então, a possibilidade dedominar outros grupos ou tribos. Foi assim que asdiferenças étnicas, o controle de territórios defini-dos e a dominação de sociedades rivais geraram omito do etnocentrismo.

De acordo com essa visão de mundo, o grupoétnico ou a nação a que se pertence seriam social-mente mais importantes do que os demais. Em suaorigem, o etnocentrismo partia da idéia, dissemi-nada entre certos grupos tribais, de ser este ouaquele o único realmente humano ou, pelo menos,o grupo do qual teria se originado a espécie huma-na. Daí para a concepção de serem todos os de-mais grupos inferiores ou inacabados na evoluçãoda espécie foi só um passo.

O etnocentrismo está na base, por exemplo, daconcepção eurocêntrica que encontramos na ex-pansão colonizadora ocorrida a partir do século XV,com as Grandes Navegações. Os europeus imbuí-ram-se da idéia de missão salvadora da humanida-de no processo de dominação dos povos africanos,americanos e orientais, buscando desmantelar asculturas desses povos e substituí-las pela visão demundo cristã dos brancos da Europa.

Ordem econômica, ordem social e ordem política

À medida que a humanidade foi se organizandoem sociedades mais amplas que as comunidadestribais, a estratificação social se intensificou. Porestratificação social, entende-se:

O conceito de classe social é um dos mais polê-micos em toda a história da Sociologia. De fato,muitos pesquisadores procuram estabelecer crité-rios objetivos para a definição das camadas emque se divide a sociedade contemporânea. É muito

comum que a classificação de classes sociais se dêa partir da renda de que dispõem os seus compo-nentes. Surgem, então, análises com três, cinco oumais classes entre a mais rica e a mais pobre. Oproblema é que o que pode ser considerado “classemédia” para uns pode não ser para outros analis-tas da mesma sociedade. Além disso, há a dificul-dade de se comparar, por exemplo, a estratificaçãosocial no campo e nas cidades de um mesmo país.

Na busca por critérios mais objetivos de análiseda estratificação social, um dos maiores teóricos daSociologia, o já citado Max Weber, propôs uma vi-são de estrutura social distinguindo três dimensões:a ordem econômica, a ordem social e a ordempolítica. A ordem econômica dividiria a sociedadeem classes; a social, em status ou estamentos; e apolítica, em partidos.

A partir desse ponto de vista, em cada socieda-de, não haveria apenas uma estratificação, mas vá-rias superpostas. As classes seriam identificadas apartir da posse de bens, rendimentos financeiros ecapacidade de consumo dos indivíduos. Os esta-mentos definiriam o prestígio social de um grupode indivíduos e seu poder de influência em deter-minado campo de atividade, o que inclui gruposcomo clubes ou entidades como a igreja, indepen-dentemente da classe a que se pertença. No planopolítico, a estratificação estaria condicionada às for-mas de participação junto ao poder local.

Consciência de classe e consciência de status

Esta leitura que Weber faz da realidade socialnos leva à diferença entre consciência de classe econsciência de estamento (ou de status). A ques-tão da consciência que os indivíduos podem ad-quirir de sua condição de classe será mais bem tra-tada pelos teóricos marxistas (como veremos emalgumas aulas subseqüentes). Weber preocupa-semais com a consciência de status, que sempre es-taria presente nos membros do estamento. Os mi-litares ou religiosos, por exemplo, vêem-se comodetentores de prestígio e honra, o que os distingui-ria dos civis ou leigos. Têm orgulho disso e criamrituais para reforçar a consciência de seu status.

Sociedades da Antigüidade e da Europa me-dieval conheceram estratificações muito rígidas.Ainda hoje, na sociedade indiana, verifica-se umaforma bastante fechada de estamentos: as castas.Nestes casos, os grupos de status adotam estilos devida e convenções coletivas que são impostos atodos os seus membros. Pode-se mesmo chegar àobrigatoriedade dos matrimônios endogâmicos,isto é, os casamentos só podem ocorrer entre ele-

a divisão da sociedade em grupos, camadas ou clas-ses em que os indivíduos são hierarquizados segun-do categorias ditas superiores e inferiores.

ensino médio – sociologia 27 sistema anglo de ensino

Page 28: Amostra_Sociologia_Aluno

mentos do mesmo estamento. As distinções esta-mentais incluem convenções, leis e rituais como osda cavalaria medieval ou da maçonaria, que po-dem apontar para o fechamento étnico e religiosoda comunidade.

No caso das castas indianas, o estamento se dáa partir da linhagem hereditária do grupo. Não sóos casamentos são endogâmicos, como se admitefreqüentemente o casamento de um homem comvárias mulheres, desde que pertencentes à mesmacasta. A rigidez de comportamento implica regrasde comensalismo. A casta determina que alimentosseus membros podem ou devem ingerir, com quemé permitido ou proibido comer certos alimentos,com que grupos os indivíduos podem fumar e atémesmo quem pode ser o barbeiro dos membros dacasta. Criam-se tabus estendidos à relação com ou-tras castas, como no caso dos brâmanes hindus,casta superior em relação aos xátrias e vaixás (in-termediários) e aos sudras e párias (inferiores). Umeventual contato físico entre essas castas deve serseguido de rituais de purificação do corpo e daalma, sob pena de castigos, já que os brâmanes sãoconsiderados os “limpos” enquanto os párias sãoos “imundos”.

Fazendo uma relação entre a consciência de es-tamento e a questão do etnocentrismo, lembremosque não raras vezes o fechamento da comunidadepode gerar a concepção de um “povo escolhidopelos deuses” para o cumprimento de uma missãona terra, como etnia superior da humanidade. Nãoseria exagero enxergar nisso a semente do queviria a ser chamado racismo, ou seja, a postura dadiscriminação de indivíduos ou grupos considera-dos “raças” inferiores.

1. Para responder à questão, leia a reportagem aseguir, extraída da Folha de S. Paulo, de 8 dedezembro de 2007:

Com menos de 1 metro de largura, frestade viaduto vira abrigo para catador

HOMEM-TATU: O catador Sérgio F., 31, na fresta do ViadutoRudge (região central de São Paulo), em que mora há um mês.

Faz um mês que Sérgio F. mora no viadutoRudge, no centro de São Paulo. Não embaixo de-le, como a maioria dos mendigos da região, masem cima – mais precisamente no meio, em umafresta na divisória de cimento que separa as duasvias.

(…)

Informado, Sérgio se horrorizou com a mortedo mendigo incendiado há uma semana. Masnão aceita mudar para um albergue. “Os alber-gues são nojentos, e aqui é mais gostoso.”

Para quem passou tanto tempo dividindo umacela com dezenas de presos, o espaço parece su-ficiente. Ele só tem medo da “mordida dos ratos,que dói demais”.

Vizinho

Mas há outra fresta no mesmo viaduto,onde, há oito meses, dorme José Carlos Mi-randa, 30. “Lá dentro ninguém incomoda”, dizo barbudo de olhar arredio, que com suas cal-ças puídas e jaqueta de couro branco passoupor ali uma noite e viu na fresta “um lugar tran-qüilo”, mesmo com os carros passando.

“Volta e meia alguém entra lá para usar droga evai embora. Às vezes roubam, claro, mas faz parte”,diz um Zé resignado, mas que mantém apreço pelo

exercícios

ensino médio – sociologia 28 sistema anglo de ensino

Max Weber (1864 – 1920), intelectualalemão, é considerado um dos fundadoresda moderna Sociologia. Opôs-se à assimi-lação das ciências sociais aos quadrosteóricos das ciências naturais e concebeu o

objeto da Sociologia como, fundamentalmente, “a captação da re-lação de sentido” da ação humana. Em outras palavras, para Weber,o conhecimento de um fenômeno social dependeria do conteúdosimbólico da ação ou das ações que o configuram. Suas principaisobras são A ética protestante e o espírito do capitalismo e Sis-tema econômico e sociedade.

Page 29: Amostra_Sociologia_Aluno

abrigo de menos de um metro de largura – ondeguarda roupas, cobertores e velas. (...)

(William Vieira)

Qual a situação desses dois moradores derua em relação aos três critérios para a análiseda estratificação social propostos por Weber?

Tanto na ordem econômica, quanto na social e na políti-

ca, os dois moradores de rua podem ser considerados

marginalizados. Isso porque eles praticamente não pos-

suem bens (quando muito, têm duas mudas de roupa),

não pertencem a nenhum estamento específico e não

parecem vinculados a partidos políticos.

2. Leia agora o seguinte fragmento, publicado naFolha também no dia 8 de dezembro:

Luxo e aventuraButterfield & Robinson lança rota de

navio pelo mar Negro

A Butterfield & Robinson, empresa canaden-se especializada em destinos exóticos e turis-mo de aventura, anunciou novas rotas para2008. Uma das novidades é pedalada na Namí-bia, que passa pelo Parque Nacional Etosha,Damaraland, Kaokoland e o parque Namib-Naukluft. O pacote de dez noites, sem aéreo,custa US$ 11.995.

A rota maia explora o sul do México e a Gua-temala, passando por Chiapas, Palenque, Tikale o lago Atitlan. O preço por seis noites é US$ 7.495, sem aéreo.

Entre os pacotes que incluem viagens pormar, uma das novidades é a rota pelo Mar Ne-gro, de Istambul até Odessa, na região da Cri-méia, na Ucrânia. O pacote de oito noites custaUS$ 10.495, sem aéreo.

A partir da leitura dessa reportagem e deacordo com sua resposta na questão 1, o quese pode concluir sobre as classes sociais noBrasil?

No Brasil, ao mesmo tempo em que há pessoas moran-

do em vãos de viadutos, há outras que dispõem de mi-

lhares de dólares para gastar em dez dias. Isso só

mostra que há um abismo gigantesco entre as classes

sociais privilegiadas e os marginalizados socialmente.

Tarefa mínima O fragmento a seguir foi extraído do romance

Memorial do Convento, publicado por José Sarama-go em 1982. Trata-se da história da construção dogigantesco palácio-convento de Mafra, na primei-ra metade do século XVIII. O rei português na épo-ca, D. João V, não poupou esforços para levar adi-ante seu sonho de pedra e, para isso, valeu-se dotrabalho forçado de inúmeros operários portugue-ses sem nome. Vejamos então um dos trechos maiscélebres do romance, no momento em que umamultidão é obrigada a carregar um bloco inteiriçode pedra, com mais de trinta toneladas, por quasevinte quilômetros, por causa de um capricho do ar-quiteto que queria uma só pedra para a varanda dopórtico da basílica do convento:

(…) tudo quanto é nome de homem vai aqui, tudoquanto é vida também, sobretudo se atribulada, princi-palmente se miserável, já que não podemos falar-lhesdas vidas, por tantas serem, ao menos deixemos osnomes escritos, é essa a nossa obrigação, só para isso es-crevemos, torná-los imortais, pois aí ficam, se de nósdepende, Alcino, Brás, Cristóvão, Daniel, Egas, Firmino,Geraldo, Horácio, Isidro, Juvino, Luís, Marcolino, Nica-nor, Onofre, Paulo, Quitério, Rufino, Sebastião, Tadeu,Ubaldo, Valério, Xavier, Zacarias, uma letra de cada umpara ficarem todos representados, porventura nem to-dos estes nomes serão os próprios do tempo e do lugar,menos ainda da gente, mas, enquanto não se acabarquem trabalhe, não se acabarão os trabalhos, e algunsdestes estarão no futuro de alguns daqueles, à espera dequem vier a ter o nome e a profissão.

1. De acordo com esse trecho, qual seria o objeti-vo do romance? Que classe social está sendovalorizada?

O objetivo do romance parece ser o de imortalizar os ope-

rários – isto é, a classe dos trabalhadores –, represen-

tar com dignidade essa multidão de miseráveis, dando-

-lhes a voz que eles não tiveram no século XVIII.

ensino médio – sociologia 29 sistema anglo de ensino

Page 30: Amostra_Sociologia_Aluno

2. Como explicar, sociologicamente, a passagem“enquanto não se acabar quem trabalhe, nãose acabarão os trabalhos”?

Neste trecho, estabelece-se uma curiosa relação de

causa e efeito entre os operários submissos (“quem

trabalhe”) e a exploração (“os trabalhos”). O normal

seria pensar que os trabalhos são a causa de haver tra-

balhadores, mas o narrador promove uma inversão, de

maneira que, para ele, enquanto houver disposição para

a exploração haverá quem explore. Assim, a culpa da ex-

ploração não seria exatamente dos exploradores, mas

dos explorados, que não se revoltam contra sua con-

dição.

Tarefa complementar

Placa de estabelecimento público na África do Sul naépoca do apartheid, com os dizeres:

USO RESERVADO A BRANCOSESTAS INSTALAÇÕES PÚBLICAS E SEUS RESPECTIVOS

EQUIPAMENTOS FORAM RESERVADOSAO USO EXCLUSIVO DE BRANCOS.

POR ORDEM DO SECRETÁRIO PROVINCIAL

O regime de segregação racial conhecido comoapartheid vigorou oficialmente na África do Sul en-tre os anos de 1948 e 1990 e impôs sérias restriçõesaos negros, em favor de uma minoria branca. So-bre esse regime, leia o trecho que segue:

“O Ato de Terras Nativas" forçou o negro a viver emreservas especiais, criando uma gritante desigualdadena divisão de terras do país, já que esse grupo – forma-do por 23 milhões de pessoas – ocuparia 13% do terri-tório, enquanto os outros 87% das terras seriam ocupa-dos pelos 4,5 milhões de brancos. A lei proibia que ne-

gros comprassem terras fora da área delimitada, impos-sibilitando-os de ascender economicamente, ao mesmotempo em que garantia mão-de-obra barata para os la-tifundiários brancos. As "Leis do Passe", por sua vez, obri-gavam os negros a apresentarem passaporte para se lo-comover dentro do território.

(Adaptado de http://www.historianet.com.br/conteudo/de-fault.aspx?codigo=50)

Faça uma pesquisa sobre esse regime e, depois,discuta com seus colegas as seguintes questões:

1. Em sua opinião, como se explica que um grupominoritário consiga subjugar a maioria da po-pulação por tanto tempo, como ocorreu na Áfri-ca do Sul? (A Leitura Complementar poderá aju-dá-lo a desenvolver sua resposta.)

Não há resposta fechada, mas há pelo menos dois posi-

cionamentos possíveis diante da questão: um a favor da

idéia de Weber (desenvolvida na Leitura Complementar)

de que a dominação só existe porque os dominados

assim o permitem, e outro contra ela. Para argumentar

a favor dessa idéia, o aluno poderá lembrar que, assim

que os dominados reagem à dominação, ela começa a

ruir. Para argumentar contra, o aluno poderá dizer que,

em geral, os dominadores detêm o poder econômico e

político, o que dificulta muito a luta por liberdade, ainda

mais quando a dominação está legalmente instituída,

caso da África do Sul durante os anos de apartheid.

2. Embora o Brasil seja conhecido pelo multicul-turalismo e pela miscigenação, sabe-se que nos-so país figura entre os mais excludentes domundo, a ponto de muitos já terem afirmadoexistir aqui uma espécie de apartheid social(que, de certa forma, é também racial). Vocêconcorda com essa afirmação? Procure susten-tar sua opinião com argumentos convincentes.

Novamente a resposta não está fechada e há dois posi-

cionamentos “principais”: a favor da afirmação e contra

ela. Certamente não faltarão argumentos ao aluno que

se posicionar a favor da idéia. Ele poderá lembrar da in-

justa concentração de renda, da falta de acesso da

população mais pobre a serviços básicos, como saúde,

educação, transporte, e da dificuldade de se mudar

essa situação (o que provaria que a exclusão já foi “in-

corporada” pela sociedade, embora não seja “oficial”). O

ensino médio – sociologia 30 sistema anglo de ensino

Page 31: Amostra_Sociologia_Aluno

aluno que se posicionar contra poderá dizer que justa-

mente o fato de a exclusão não ser “oficial”, isto é, le-

gitimada por leis, faz toda a diferença porque possibili-

ta a luta das minorias excluídas por seus direitos, sem

que tenham que pagar por isso com a própria vida.

Weber e o conceito de dominação

Para Weber, a dominação corresponde a “umestado de coisas pelo qual uma vontade manifesta(mandato) do dominador ou dos dominadores in-flui sobre os atos de outros (do dominado ou dosdominados), de tal modo que, em um grau social-mente relevante, estes atos têm lugar como se osdominados tivessem adotado por si mesmos e co-mo máxima de sua ação o conteúdo do mandato(obediência)”. É importante ressaltar o aspecto dasubmissão assumida pelos dominados, como se fos-se sua a vontade de se comportar como submissos.Daí, Weber enxerga três motivos de submissão ou

princípios de autoridade na dominação: os moti-vos racionais, os tradicionais e os afetivos. Tais mo-tivos gerariam, então, três tipos de dominação le-gitimada socialmente: a legal, a tradicional e a caris-mática.

Os motivos racionais da submissão podem ad-vir da consideração de interesses, vantagens ou in-convenientes pensados por aquele que obedece.Aos servos dos feudos, interessava a proteção mili-tar dos senhores feudais. A dominação legal estácalcada na fé no estatuto legal que os atuais servi-dores públicos, por exemplo, têm no Estado que osemprega. Os motivos tradicionais dependem da for-ça dos costumes arraigados e passados de geraçãoa geração pelo hábito cego; é a força do “ontemeterno” que move para o conformismo e mantém adominação dos príncipes da Europa de outrora oudos chamados “coronéis” sertanejos do Brasil dosséculos XIX e XX. Os motivos afetivos de submis-são movem a dominação carismática pela admira-ção pessoal no líder ou herói, seja este o profeta, osenhor guerreiro ou o político demagogo, e freqüen-temente se mistura com outros motivos e tipos dedominação e de submissão.

LEITURA COMPLEMENTAR

ensino médio – sociologia 31 sistema anglo de ensino

Page 32: Amostra_Sociologia_Aluno

Liberdade, propriedade, fraternidade

Para debater

Folha de S. Paulo, 13/12/2007.

ensino médio – sociologia 32 sistema anglo de ensino

Aula 6

A charge de Angeli refere-se a episódio ocorri-do recentemente em São Paulo – a reintegração deposse de um terreno ocupado por dezenas de famí-lias carentes. Episódios como esse nos fazem pensarsobre a legitimidade do direito à propriedade.

Sobre isso, leia o caput do artigo 5º- da Consti-tuição Federal:

Art. 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinçãode qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros eaos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dodireito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade (…).

No inciso 11, a CF ainda reforça a necessidadede se respeitar a propriedade:

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguémnela podendo penetrar sem consentimento do morador,salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou paraprestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judi-cial.

O Estado Democrático de Direito pressupõe o res-peito às leis, e a Constituição de um país é seu ins-

trumento jurídico mais importante. Assim, quando aCarta brasileira de 1988 garante o direito à pro-priedade – ao lado de direitos universais como o di-reito à vida e à liberdade – e declara a inviolabilidadeda casa de cada um, pode-se concluir que esses valo-res são consensuais em nossa sociedade. O proble-ma é que o direito à propriedade, algumas vezes, pa-rece rivalizar com os outros, como o direito à igual-dade e à vida, principalmente num país como o Bra-sil, marcado pela pobreza de parte significativa dapopulação e pela injusta distribuição de renda.

Em sua opinião, o direito à propriedade deve pre-valecer, acima de qualquer circunstância?

Um pouco de teoriaOrigem da propriedade privada

Na evolução histórica da humanidade, a buscapelo conhecimento de nós mesmos e de como nosorganizamos gerou o pensamento sociológico. Pormeio dele, elaboraram-se conceitos que são uti-lizados pelos estudiosos para desvendar a gênesedos fenômenos sociais.

Page 33: Amostra_Sociologia_Aluno

Já tratamos de alguns desses conceitos, comofato social, instituição social, cultura, classe social,apontando sua utilidade e seus limites. Neste capí-tulo, vamos analisar um pouco mais a questão dapropriedade privada dos meios de produção, deque já falamos rapidamente nas aulas anteriores, edo problema da socialização.

Pela repetição e aceitação coletiva, como deixa an-tever a Constituição brasileira, a propriedade é umfato social que se mantém institucionalizado ao longodos últimos séculos. A respeito de suas origens, veja-mos as palavras de Friedrich Engels em A origem dafamília, da propriedade privada e do Estado, na qual ofilósofo alemão assim se refere às comunidades primi-tivas: “A divisão do trabalho é absolutamente espon-tânea: só existe entre os dois sexos. O homem vai àguerra, incumbe-se da caça e da pesca, procura as ma-térias-primas para a alimentação, produz os instru-mentos necessários para a consecução dos seus fins.A mulher cuida da casa, prepara a comida e confec-ciona as roupas: cozinha, fia e cose. Cada um mandaem seu domínio: o homem na floresta, a mulher emcasa. Cada um é proprietário dos instrumentos queelabora e usa: o homem possui as armas e os petre-chos de caça e pesca, a mulher é dona dos utensílioscaseiros. A economia doméstica é comunista, abran-gendo várias e amiúde numerosas famílias. O resto éfeito e utilizado em comum, é de propriedade comum:a casa, as canoas, as hortas. É aqui e somente aquique nós vamos encontrar ‘a propriedade fruto do tra-balho pessoal’, que os jurisconsultos e economistasatribuem à sociedade civilizada e que é o último sub-terfúgio jurídico em que se apóia, hoje, a propriedadecapitalista.” Para Engels, há uma contraposição entre“a propriedade fruto do trabalho pessoal” (armas,utensílios de caça, pesca e caseiros) e a propriedadecomum do que é fruto do trabalho coletivo (casa, ca-noas e hortas).

Um pouco antes, Jean-Jacques Rousseau já ti-nha desenvolvido raciocínio parecido. O iluministafrancês acreditava que, a partir do cultivo da terra,os homens instituíram a propriedade individual: delateriam nascido a desigualdade, a concorrência, a ri-validade, o orgulho, a avareza, a inveja, a maldade,as lutas de classe, as guerras. Mas, como ele acredi-tava que “o Homem é naturalmente bom” (o quegerou o mito do “bom selvagem”), teriam sido osprogressos que o homem realizou e os conhecimen-tos que adquiriu a razão de sua degradação. Aí,Rousseau polemiza com outras correntes liberais,pois defende que o homem só pode ser livre se forigual. Sem igualdade não há liberdade. Para outrosestudiosos, só há liberdade diante da propriedade.

John Locke, teórico liberal britânico, tinha idéiassemelhantes às de Rousseau. Segundo ele, “não ha-veria afronta se não houvesse propriedade”.

Rousseau e o jusnaturalismoRousseau retoma o recurso de pensar os indivídu-

os em seu “estado de natureza” para tentar decifrar aessência do que é ser humano. Esta doutrina é cha-mada jusnaturalismo e prega a existência de um “di-reito natural” que pode ser conhecido como um sis-tema de normas de conduta diferente do direito posi-tivo, ou seja, o sistema de leis estabelecido pelo Esta-do. O direito natural seria anterior e superior ao direi-to positivo e deveria prevalecer em caso de conflito.

O certo é que nenhum de nós pode deter toda aconsciência social, pois os fatos sociais são exterio-res e independentes dos indivíduos. Por isso, não éestranho que, para o senso comum das pessoas, asobrigações que se impõem nas maneiras de agirem sociedade pareçam emanar de uma força moralmaior ou de um direito natural, senão mesmo, nasformas místicas, da vontade dos deuses, como seas coerções sociais fossem absolutas. A questão dapropriedade é assim: as pessoas tendem a aceitá-lacomo se as coisas sempre tivessem sido assim.

O processo de socializaçãoEssa dinâmica dos fatos sociais nos leva ao con-

ceito de socialização. Em termos amplos, trata-sedo processo pelo qual o indivíduo aprende a sermembro da sociedade, já que as coerções sociaisnos impõem regras de conduta individual, numverdadeiro processo de configuração e moldagem,a que somos inevitavelmente submetidos.

Desde que nascemos, os padrões da nossa so-cialização primária são relativos e variam confor-me a formação dos adultos que interagem com acriança, a época, o país e a classe social. São pa-drões relativos, mas são recebidos pelo indivíduoque está em formação como absolutos: o mundoque lhe é apresentado pelos adultos é o Mundo. Àsocialização primária, em que tudo se dá por imi-tação, seguem-se outras tantas secundárias, quetambém podem variar conforme a época, o país ea classe de origem. A figura do policial, por exem-plo, pode inspirar a imagem de segurança e auto-ridade ou de hostilidade e perigo a uma criança,dependendo do fato de ela ser de classe abastadaou da periferia pobre de uma grande cidade. A so-cialização secundária ou ressocialização pode ain-da dar-se de forma superficial, como no caso dostreinamentos profissionais, ou mais profunda, equi-parando-se quase à primária, como vemos ocorrer

ensino médio – sociologia 33 sistema anglo de ensino

Page 34: Amostra_Sociologia_Aluno

nos casos de sacerdotes, revolucionários militantesou membros de seitas secretas.

Propriedade privada e dominação

Ora, a socialização muitas vezes está associada aformas de dominação. E, de acordo com alguns so-ciólogos, a dominação se manifesta sobremaneirasob a forma da propriedade privada. Marx afirma, apartir da análise das formações econômicas pré-ca-pitalistas, que não há dominação sem a apropriaçãode “uma vontade alheia”; e não há apropriação sem apropriedade privada. O servo é servo porque o se-nhor dele se apropriou. A dominação provém daapropriação. Já com os animais não há como estabe-lecer relações de dominação, mesmo que eles cum-pram tarefas para o homem, pois o animal não temvontade de servir. Mesmo servindo ao homem, seupossuidor não se torna seu senhor.

Ou seja, podemos concluir, por ora, que os fatossociais são importantes por carregarem em si o po-der de coagir as pessoas a agir de formas que ten-dem a se tornar institucionalizadas. A linguagem, afamília e, principalmente, a propriedade apresentam--se como instituições fundamentais e com raízes mui-to sólidas na civilização. Para que os comportamen-tos sejam padronizados segundo os interesses domi-nantes, as relações sociais em todos os níveis da vidacoletiva são reproduzidas pelos processos de sociali-zação a que somos todos submetidos. E as várias so-cializações por que passamos servem aos interessesdominantes. Não cabe à Sociologia simplesmente jul-gar a validade do direito à propriedade privada, massim analisá-la como forma de socialização e domina-ção. Até porque nada impede que as relações de so-cialização também se tornem canais de mudanças nasociedade ao longo das gerações. A tudo isso, estãorelacionadas as ideologias produzidas pela alienaçãodos homens em sociedade e nossas relações com osmeios de produção, que serão nosso objeto de estu-do mais adiante.

1. Leia a reportagem e, a seguir, responda às ques-tões:

Brasil cai e fica em 101º- em rankingde liberdade econômica

Brasil divide a colocação com países como Haiti,Etiópia e Sri Lanka.

O Brasil ficou em 101º- lugar num ranking quemede o grau de liberdade econômica em 141 países,

dividindo a colocação com países como Haiti, Etió-pia, Sri Lanka e Paquistão.

O relatório anual, compilado pelo Fraser Institu-te, do Canadá, se baseou em dados de 2005, consi-derando quatro aspectos para avaliar os países: aliberdade pessoal de escolha, o intercâmbio volun-tário, a liberdade para competir e a segurança dapropriedade privada.

(...)Para conseguir um alto índice de liberdade eco-

nômica, os países precisam promover um ambientefinanceiro estável, em que a propriedade privada éprotegida, respeitar contratos, reduzir barreiras aocomércio nacional e internacional e manter os im-postos baixos.

(...)(O Estado de S. Paulo, 05/09/2007.)

O que esse ranking revela sobre a institui-ção social da propriedade privada?

Revela que a propriedade privada está a tal ponto en-

raizada na sociedade capitalista que a “liberdade

econômica” de um país dependeria, diretamente, do res-

peito à propriedade privada.

O relatório anual do Fraser Institute respei-ta o direito que cada país tem de escolher a me-lhor forma de estruturar sua economia e suasociedade? Por quê?

Não. O instituto canadense avalia a “liberdade econômi-

ca” a partir dos valores da sociedade globalizada, como

se os países não tivessem possibilidade de optar por

outros modos de organização socioeconômica. Dessa

forma, desconsidera a hipótese de um país não valorizar

a propriedade privada.

2. Calvin

(Bill Watterson. O mundo é mágico – as aventurasde Calvin e Haroldo. São Paulo, Conrad, 2007, p. 130.)

exercícios

ensino médio – sociologia 34 sistema anglo de ensino

Page 35: Amostra_Sociologia_Aluno

Sobre a tirinha, leia as afirmações que seguem:

I. O humor da tira se deve, principalmente, aoabsurdo da pergunta de Calvin – “Será queeu meto medo?” –, já que não há motivos pa-ra que uma criança seja vista como ameaça.

II. A tira ironiza o processo de socialização, pormeio do qual um indivíduo absorve os valo-res de determinada sociedade, passando, en-fim, a pertencer a ela.

III. O autor nos faz pensar criticamente sobre osvalores que a sociedade capitalista tem pas-sado às futuras gerações, dentre eles o con-sumismo desenfreado, o cinismo e a aliena-ção.

Está correto o que se afirma em:

a) ( ) apenas I.b) ( ) I, II e III.c) ( ) apenas I e II.d) ( X ) apenas II e III.e) ( ) apenas I e III.

A afirmação I está incorreta, já que, no caso, Calvin está

simbolizando todas as crianças de sua geração, edu-

cadas segundo princípios que nos fazem temer o futuro:

afinal, o que elas farão quando chegarem ao poder?

Assim, há motivos de sobra para que se tenha medo,

não exatamente da personagem, mas do que ela repre-

senta. As demais afirmações estão corretas.

Tarefa mínima O fragmento a seguir foi extraído do Discur-

so sobre a origem e os fundamentos da desi-gualdade entre os homens, publicado em 1754por Rousseau.

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi oprimeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-sede dizer isto é meu e encontrou pessoas suficiente-mente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guer-ras, assassínios, misérias e horrores não pouparia aogênero humano aquele que, arrancando as estacas ouenchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes:“Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdi-dos se esquecerdes que os frutos são de todos e quea terra não pertence a ninguém!” Grande é a possibi-lidade, porém, de que as coisas já então tivessem che-gado ao ponto de não poder mais permanecer comoeram, pois essa idéia de propriedade, dependendo demuitas idéias anteriores que só poderiam ter nascidosucessivamente, não se formou repentinamente no es-pírito humano.

1. De acordo com Rousseau, a propriedade pri-vada surgiu de uma hora para outra na históriada humanidade? Justifique sua resposta.

Não. Para Rousseau, a idéia de propriedade “não se for-

mou repentinamente no espírito humano”, pois se origi-

nou “de muitas idéias anteriores que só poderiam ter

nascido sucessivamente”.

2. Que avaliação o filósofo francês faz daquelesque aceitaram as imposições da propriedadeprivada, quando ela surgiu?

Uma avaliação negativa, uma vez que as pessoas são

consideradas “suficientemente simples” para acreditar

que alguém tinha o direito de cercar um terreno e dizer

“isto é meu”. Para Rousseau, não ter aceitado essa nova

situação nos teria poupado de inúmeros “crimes, guer-

ras, assassínios, misérias e horrores”.

Tarefa complementar

Cezar Fernandes. Família de sem-terra, Macaé/RJ, 18/08/2006.

Na França, a Convenção Nacional de 1793 tor-nou pública a segunda Declaração dos Direitos doHomem e do Cidadão que se conhece (a primeiraera de 1789). Em seu artigo II, essa declaração ga-rante quatro direitos ao homem: “a igualdade, a li-berdade, a segurança e a propriedade”.

Em sua obra O que é a propriedade?, Pierre-Joseph Proudhon (1809 – 1865) – principal teóricodo movimento anarquista francês – discorda vee-mentemente desse artigo, alegando que, “se com-paramos entre si esses três ou quatro direitos, no-tamos que a propriedade não se parece em nadacom os outros”. Eis o raciocínio de Proudhon:

ensino médio – sociologia 35 sistema anglo de ensino

Page 36: Amostra_Sociologia_Aluno

A liberdade é inviolável. Não posso vender nemalienar minha liberdade; todo contrato, toda condi-ção que tenha por objeto a alienação ou a suspen-são da liberdade é nula; o escravo que põe um péno solo da liberdade torna-se imediatamente ho-mem livre. Quando a sociedade prende um malfei-tor e o priva da liberdade, está agindo em legítimadefesa: quem, pelo crime, rompe o pacto social, de-clara-se inimigo público; atacando a liberdade dosoutros, força-os a tirarem a sua. A liberdade é con-dição primária do estado do homem: renunciar àliberdade seria renunciar à qualidade de homem:como, depois disso, alguém poderia agir como ho-mem?

De modo semelhante, a igualdade perante a leinão sofre restrição nem exceção. Todos os francesessão igualmente admissíveis nos empregos: eis porque, em presença dessa igualdade, a sorte ou a an-tiguidade em muitos casos decide a questão da pre-ferência. O mais pobre cidadão pode citar em justi-ça o mais alto personagem e ganhar o processo (…).

Não estou examinando neste momento se estesistema é o melhor; basta-me que, no espírito da Car-ta e aos olhos de todos, a igualdade perante a leiseja absoluta, e, como a liberdade, não possa ser ob-jeto de nenhuma transação.

Dá-se o mesmo com o direito à segurança. A so-ciedade não promete a seus membros uma semi-proteção, uma defesa parcial; ocupa-se inteiramen-te deles, como eles se ocupam dela. Não lhes diz:Garantir-vos-ei, desde que isso não me custe nada;proteger-vos-ei, caso não corra riscos. Diz: Defen-der-vos-ei a despeito de tudo; salvar-vos-ei e vos vin-garei ou perecerei eu mesma. O Estado põe todas assuas forças a serviço de cada cidadão; a obrigaçãoque os prende um ao outro é absoluta.

Quanta diferença na propriedade! Adorada portodos, nenhum a reconhece: leis, costumes, consciên-cia pública e privada, tudo conspira para sua mortee ruína.

Você concorda com as idéias de Proudhonou, ao contrário do anarquista francês, você acre-dita que a propriedade está no mesmo nível daliberdade, da igualdade e da segurança?

Forme um grupo com seus colegas, prefe-rencialmente com aqueles que discordam devocê, e debata o assunto. Procure incluir em suareflexão exemplos da realidade brasileira.

Não há resposta fechada. No Manual do Professor há

algumas possibilidades para o encaminhamento da dis-

cussão.

A sociedade usa dos mais variados meios paralegitimar seus valores tradicionais, expondo os com-portamentos rebeldes ou simplesmente diferentesa castigos diversos. Observemos uma conhecidahistorinha infantil, contada, lida e desenhada àsnossas crianças:

JOÃO E O PÉ DE FEIJÃO

Um dia, João foi ao mercado para vender uma vaca,mas em vez de vendê-la a um bom preço, trocou-a porum saco de feijões mágicos. Ao voltar para casa foi logoplantá-los, confiando que os feijões lhe dessem umagrande fortuna.

Naquela noite, João foi dormir cheio de esperanças;ao acordar na manhã seguinte, olhou pela janela de seuquarto e viu que o pé de feijão havia crescido de ummodo assombroso, transformando-se numa grande ár-vore cujos galhos se perdiam entre as nuvens. João, cu-rioso, começou a subir no pé de feijão e, quando atra-vessou as nuvens, viu um enorme castelo. Era tão gran-de que ali devia morar algum gigante. Mas isso não preo-cupou João, que foi andando em direção ao castelo.

Quando estava dentro do castelo, ele sentiu o chãotremer. Era o gigante que chegava. Então, João se escon-deu e ficou observando o gigante, que, depois de apa-nhar uns ovos de ouro que uma galinha mágica haviabotado, dormiu roncando como um leão. João, então, apa-nhou a galinha dos ovos de ouro e a escondeu. Voltouao castelo e descobriu que o gigante tinha uma mara-vilhosa harpa, mas, quando tentou pegá-la, a harpa má-gica começou a gritar, acordando o gigante que, furio-so, rugiu ameaçando-o.

João não se assustou com as ameaças do gigante e,segurando a harpa mágica, saiu correndo do castelo per-seguido pelo terrível gigante. Ele conseguiu chegar aopé de feijão e desceu depressa para chegar logo em suacasa. Quando chegou, João pegou um machado e cor-tou o pé de feijão. O gigante, então, caiu com tantaforça no chão, e fez um buraco tão grande, que desapa-receu dentro dele, e nunca mais ninguém o viu.

E assim os feijões mágicos deram uma grande fortu-na para João e sua família; com os ovos de ouro da gali-nha mágica eles puderam comprar tudo o que deseja-vam, enquanto a harpa mágica alegrava as suas vidas.

O que esta aparentemente inocente estória paracrianças nos ensina? Que o nosso também aparen-temente inocente herói, preocupado em poder com-prar tudo que a família deseja, em vez de trabalhar(vender a vaca no mercado), prefere jogar com a ma-

LEITURA COMPLEMENTAR

ensino médio – sociologia 36 sistema anglo de ensino

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gia. Como a sorte lhe responde com a descoberta deum castelo (propriedade privada), o herói não vê pro-blema algum em invadir e roubar as riquezas de ou-tro indivíduo. E ainda, não satisfeito diante da reaçãodeste, opta por fugir e matar o gigante ao invés dedevolver o que lhe havia roubado. E isso tudo porquê? Por que o “terrível” gigante era mau? Não. O gi-gante não havia feito mal algum a João. Ele era sim-plesmente diferente. Em certas sociedades o gigantepoderia perfeitamente ser substituído na alegoria pe-lo negro, pelo judeu ou pelo estrangeiro.

Pensando nas instituições sociais que surgiramcom a divisão do trabalho, Durkheim cita o concei-to de solidariedade. Maneiras de agir se tornamhábitos e a repetição dos hábitos gera regras deconduta, que podem impelir as pessoas tanto aocasamento como ao suicídio. A distribuição injustadas riquezas, as mudanças aceleradas na economiamoderna podem provocar falhas nos sistemas decoação das instituições, gerando crises e mesmomanifestações de violência. É o que Durkheim ba-tizou de estado de anomia: a estrutura da socieda-de mostra-se incapaz de estabelecer a regulamen-tação de conduta adequada e normas ficam con-fusas, comprometendo a solidariedade normal en-

tre os membros da sociedade. Caberia, assim, aosociólogo detectar as causas da anomia social, oucrise, e buscar apontar procedimentos para a recu-peração do estado de eunomia ou de normalidadeinstitucional.

Como já vimos, por meio da família, do idioma,da religião, dos valores e tradições, criam-se os pa-drões de comportamento. Ao indivíduo inovador,o grupo busca impedir, convencer, restringir suasações, censurar suas obras, expô-lo a risos ou re-primir com violência.

A inovação e evolução das instituições não é im-possível, mas depende de ação organizada e deba-tes, nem sempre acessíveis, sobre os temas polêmi-cos. Sócrates, Cristo e quantos hereges foram sa-crificados pelo livre pensar. Hoje a descriminaliza-ção do uso de drogas, o aborto, a clonagem huma-na, a pena de morte, a eutanásia, os casamentosgays são alguns dos temas que desafiam os cos-tumes e as instituições. Mas o que é condenadonuma sociedade pode não ser em outra. O homicí-dio é ato odioso em tempos normais, mas não emtempos de guerra. Ou o que já foi proibido no pas-sado pode ser aceito normalmente na atualidade,como é o caso do divórcio na sociedade brasileira.

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