Amor Uma Construcao

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AMOR: UMA CONSTRUÇÃO Claudia Lucia Menegatti Essa é uma reflexão sobre a experiência de amar. Vinícius de Morais, no livro "Para viver um grande amor" dizia que, nos casais de namorados, a ancestralidade do amor é revivida, e eles são “na sua extrema juventude, a coisa mais antiga”. Mesmo o amor sendo necessidade humana desde o nascimento, uma falta crônica de amor nos acomete atualmente. Muitas vezes nos questionamos: o que se sente quando o amor é sentido? E, mais gravemente: será que já amei ou sou capaz de amar? Perguntas difíceis, pois são absolutamente dependentes das experiências individuais. Não há como ensinar alguém a amar, mas há como observar a angústia de quem não sabe o que é o amor. Novamente com Vinícius: “a maior solidão é do ser que não ama... que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro”. Em Psicologia, a análise do comportamento humano ensina que conhecer nossas ações e a nós próprios envolve observar o efeito daquilo que fazemos. Por exemplo, se achamos que amamos, um gesto nosso pode provocar uma aproximação do outro, como uma carícia provocaria um abraço. De forma inversa, se achamos que amamos, que gestos nossos fazem com que a pessoa amada sinta medo ou nos desconsidere tão abertamente? Essa busca de olhar através do olhar de quem amamos permite observar, sem véus, como é a nossa experiência de amar, tomando a pessoa amada como referencial para nossas perguntas. Se fazemos coisas por amor e a outra pessoa não se sente amada, pode haver algo errado. Para tornar o amor visível, é preciso descobrir de que forma cada pessoa se sente amada. Retornando às perguntas iniciais sobre a experiência de amor, já temos algumas pistas: é preciso desacelerar, pois sentir requer a respiração calma e pausada, o olhar sereno e o silêncio possível. É preciso também observar como as pessoas que convivem conosco reagem aos nossos gestos, especialmente a pessoa amada, e então, engendrar-se na arte de receber e retribuir gestos de amor. E mais uma pista importante: quem ama, cuida. Leonardo Boff, no livro “Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela Terra” lembra que cuidamos de quem amamos. A partir disso, ao reexaminarmos nossos relacionamentos, podemos refletir sobre quanto cuidamos e somos cuidados, pois relacionar-se é uma via de mão dupla. Enfim, não há uma forma mais correta de amar, amor é sentimento, não regulamento. Como um quadro, a experiência de amar é uma pintura de autoria mútua, comunicada, em busca de intimidade verdadeira. Isso dá muito trabalho, já que relacionar-se não é mágica: uma parte é amor, a outra é construção. BOFF, L. (1999) Saber Cuidar: A Ética do Humano - Compaixão pela Terra. Ed. Vozes: Petrópolis. MORAES, V. (1962/2010) Para viver um grande amor. São Paulo: Companhia das Letras.

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AMOR: UMA CONSTRUÇÃO

Claudia Lucia Menegatti

Essa é uma reflexão sobre a experiência de amar. Vinícius de Morais, no livro

"Para viver um grande amor" dizia que, nos casais de namorados, a ancestralidade do

amor é revivida, e eles são “na sua extrema juventude, a coisa mais antiga”.

Mesmo o amor sendo necessidade humana desde o nascimento, uma falta crônica

de amor nos acomete atualmente. Muitas vezes nos questionamos: o que se sente quando

o amor é sentido? E, mais gravemente: será que já amei ou sou capaz de amar? Perguntas

difíceis, pois são absolutamente dependentes das experiências individuais. Não há como

ensinar alguém a amar, mas há como observar a angústia de quem não sabe o que é o

amor. Novamente com Vinícius: “a maior solidão é do ser que não ama... que não dá a

quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro”.

Em Psicologia, a análise do comportamento humano ensina que conhecer nossas

ações e a nós próprios envolve observar o efeito daquilo que fazemos. Por exemplo, se

achamos que amamos, um gesto nosso pode provocar uma aproximação do outro, como

uma carícia provocaria um abraço. De forma inversa, se achamos que amamos, que

gestos nossos fazem com que a pessoa amada sinta medo ou nos desconsidere tão

abertamente? Essa busca de olhar através do olhar de quem amamos permite observar,

sem véus, como é a nossa experiência de amar, tomando a pessoa amada como

referencial para nossas perguntas. Se fazemos coisas por amor e a outra pessoa não se

sente amada, pode haver algo errado. Para tornar o amor visível, é preciso descobrir de

que forma cada pessoa se sente amada.

Retornando às perguntas iniciais sobre a experiência de amor, já temos algumas

pistas: é preciso desacelerar, pois sentir requer a respiração calma e pausada, o olhar

sereno e o silêncio possível. É preciso também observar como as pessoas que convivem

conosco reagem aos nossos gestos, especialmente a pessoa amada, e então, engendrar-se

na arte de receber e retribuir gestos de amor. E mais uma pista importante: quem ama,

cuida. Leonardo Boff, no livro “Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela Terra”

lembra que cuidamos de quem amamos. A partir disso, ao reexaminarmos nossos

relacionamentos, podemos refletir sobre quanto cuidamos e somos cuidados, pois

relacionar-se é uma via de mão dupla.

Enfim, não há uma forma mais correta de amar, amor é sentimento, não

regulamento. Como um quadro, a experiência de amar é uma pintura de autoria mútua,

comunicada, em busca de intimidade verdadeira. Isso dá muito trabalho, já que

relacionar-se não é mágica: uma parte é amor, a outra é construção.

BOFF, L. (1999) Saber Cuidar: A Ética do Humano - Compaixão pela Terra. Ed. Vozes:

Petrópolis.

MORAES, V. (1962/2010) Para viver um grande amor. São Paulo: Companhia das

Letras.