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AMEI Escolar

Língua Portuguesa

9º Ano

Obras de Leitura Acompanhada – Os

Lusíadas (parte 2)

Partida das Naus (Despedidas em Belém)

(canto IV, estâncias 83-93)

Este episódio pertence ao plano da viagem para a

Índia. O narrador é Vasco da Gama e trata-se de

um narrador participante, pois conta ao rei de

Melinde (narratário) os preparativos da viagem.

Estância 83

D. Manuel I custeou a viagem de Vasco da

Gama e animou-os, com palavras de

encorajamento, a partirem em busca do Mundo

Novo, daquilo que estava para além do visível e do conhecido.

Da mesma forma que os Argonautas, os navegadores portugueses

reuniram-se antes de partir. (Os Argonautas, a bordo da nau Argo,

foram em busca do “Velo de Ouro”, a lanugem de um carneiro alado,

guardada por um dragão, na região de Cólquida.)

Estância 84

As naus estão preparadas para a partida, no porto de Lisboa, no

preciso local onde o Tejo desagua no mar. Marinheiros e soldados,

ousados e corajosos, seguem lealmente o seu mestre, Vasco da

Gama, para toda a parte.

Estância 85

Incide sobre os preparativos dos tripulantes para a partida, em

particular, os soldados. As naus estão também preparadas, com os

estandartes que se agitam com a brisa marítima. Tal como aconteceu

com a nau Argos, serão um dia imortalizadas.

Estância 86

Os que iam partir faziam também a preparação da “alma para a

morte,/Que sempre ao nautas ante os olhos anda”, numa igreja

Conteúdos desta unidade:

Partida das Naus

(Despedidas em

Belém);

“Mar Português” de

Fernando Pessoa;

O Gigante

Adamastor;

“O Mostrengo” de

Fernando Pessoa;

Tempestade e

chegada à Índia;

“Horizonte” de

Fernando Pessoa;

“O Infante” de

Fernando Pessoa;

Recursos estilísticos

presentes em “Os

Lusíadas”.

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próxima do local de embarque, rezando e implorando a Deus que os

guiasse e protegesse.

Estâncias 87-89

Navegadores e soldados partem da ermida de Nossa Senhora de

Belém, no Restelo. Trata-se de um momento que Vasco da Gama

recorda com bastante emoção, realçando os seus sentimentos de

“dúvida” e de medo (“receio”), antes de partir.

A procissão dirige-se da ermida até aos batéis e é presenciada por

parentes, amigos e curiosos. A convicção geral era de que os que

partiam não regressariam (“Por perdidos as gentes nos julgavam”)

porque o caminho era “longo” e “duvidoso”.

As mulheres choravam, os homens suspiravam e as mães, as esposas

e as irmãs sentiam a angústia e o medo por considerar que não

veriam tão cedo os seus entes queridos.

Estâncias 90-91

As mães expressam o medo, o desespero, a sensação do desamparo,

o descontentamento e a dor da separação, convencidas que estão a

despedir-se para sempre.

As esposas perguntam se valerá a pena trocar o amor da família por

causa de uma aventura incerta (“um caminho duvidoso”), cheia de

riscos e de sofrimento.

Estâncias 92-93

Também os “velhos” e as crianças choram pela partida dos seus

familiares. A própria Natureza reflecte e partilha da dor dos que

ficam (“os montes de mais perto respondia/Quase movidos de alta

piedade”).

Por esta razão, Vasco da Gama determina que embarquem

imediatamente, sem se despedirem, para que a dor dos que ficavam

não os demovesse do seu propósito e para que o sofrimento de todos

não aumentasse.

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“Mar Português” de Fernando Pessoa

Esta composição poética debruça-se sobre o sofrimento colectivo de

todos os portugueses (navegadores e família – mães, filhos, esposas)

para conseguirem desvendar o desconhecido e vencer todos os

obstáculos.

Porque implicou a perda de muitas vidas, este mar é “português”,

uma vez que foi a vontade lusa que o conseguiu mapear. Apesar das

mortes e do sofrimento, esta aventura portuguesa valeu a pena, pois a

alma lusa é uma alma grande, que foi capaz de passar “além da dor”

e de atingir a excelência.

O Gigante Adamastor (canto V, estâncias 37-60)

O episódio d’O Gigante Adamastor insere-se no plano da viagem

para a Índia, sendo o narrador Vasco da Gama e o narratário o rei de

Melinde.

Neste episódio, estamos perante mais uma tentativa falhada de

impedir os portugueses de chegarem mais além. A empresa

temerária dos Descobrimentos, vai opor-se Adamastor, entidade

mitológica utilizada por Camões para simbolizar os perigos e as

dificuldades que os portugueses tiveram de enfrentar.

Este episódio pode ser dividido em partes, da seguinte maneira:

A visão de Adamastor (estâncias 37-40);

O discurso de Adamastor (profecias terríveis) (estâncias 41-

48);

- A tragédia dos Sepúlveda (estâncias 46-48);

A interpelação do Gama (estância 49);

A história do Gigante contada por ele próprio (estância 50-59);

O desaparecimento da ameaça (estância 60).

“Mar Português” – análise formal

A nível formal este poema é constituído por duas sextilhas com rima

emparelhada (aa, bb, cc, ...).

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A VISÃO DE ADAMASTOR

Estâncias 37-38

Os navegadores viajam tranquilamente, por mares “nunca de outrem

navegados” (est. 37, v.3), quando subitamente surge uma nuvem

ameaçadora (“temerosa”) e muito carregada, que deixou os

navegadores cheios de medo (“Que pôs nos corações um grande

medo” – est. 38, v.2).

Vasco da Gama interpela Deus e pergunta o que será aquele

fenómeno, que parece mais ameaçador e perigoso que uma

tempestade (“Que mor cousa parece que tormenta” – est. 38, v. 8).

Estâncias 39-40

Nestas estâncias, fez-se a apresentação e a caracterização física e

psicológica do Gigante:

CARACTERIZAÇÃO

Física Psicológica

Adamastor é apresentado como uma figura grotesca (feia e

disforme), que inspira terror e espanto naqueles que o

observam:

+ no plano geral:

- “figura (...) robusta e válida” (est. 39, v.2);

- “disforme e grandíssima estatura” (est. 39, v. 3);

+ no plano de pormenor:

- “a barba esquálida” (est. 39, v. 5);

- “os olhos encovados” (est. 39, v. 5);

- “cor terrena e pálida” (est. 39, v. 6);

- “cheios de terra e crespos os cabelos” (est. 39, v. 7);

- “A boca negra, os dentes amarelos” (est. 39, v. 8).

Adamastor intimida e

infunde terror, porque

apresenta:

- “o rosto carregado”

(est. 39, v. 4);

- “a postura/Medonha

e má” (est. 39, vv. 5-

6);

- o tom de voz é

“horrendo e

grosso” (est. 40, v.

5).

Estes traços são sinais da sua revolta e da sua ira contra a ousadia

dos portugueses, por terem invadido o seu território, nunca antes

percorrido por outras embarcações.

Recursos expressivos:

Adjectivação abundante

Exemplos: “robusta e válida”, “ disforme e grandíssima estatura”, “barba

esquálida”, “olhos encovados”, “cor terrena e pálida”, “crespos os

cabelos”, “boca negra”, “dentes amarelos”, “rosto carregado”,

“postura/Medonha e má”, “horrendo e grosso”

Nota: Este recurso atribui a Adamastor conotações de grandiosidade,

fealdade e temor e contribui para fazer um retracto vigoroso de Adamastor.

Hipérbole exagero da realidade

Exemplo: “Ouviu o Douro e a terra Transtagana”

O Poeta recorre a estes recursos expressivos como forma de realçar o

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Na estância 40, refere-se a forma como Vasco da Gama e os seus

marinheiros reagiram ao aparecimento deste colosso. Todos são

percorridos por calafrios de susto e de medo, tão horrendo era a

figura que os interpelava (“Arrepiam-se as carnes e o cabelo/A mi e

a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!”).

O DISCURSO DE ADAMASTOR (PROFECIAS TERRÍVEIS)

Estâncias 41-48

As palavras de Adamastor dirigem-se, neste discurso, aos

portugueses em geral mas mais em particular aos navegadores

que, naquele momento, ousam atravessar os mares que ele domina

(“Ó gente ousada”, “e navegares meus longos mares ousas”).

Inicialmente e involuntariamente, Adamastor tece um elogio à

coragem épica dos portugueses. Na verdade, os portugueses são

aqueles que, acima de tudo, ousam e que conseguem destacar-se dos

outros povos pelos seus feitos heróicos, pelo seu carácter

incansável e pela vitória sobre o desconhecido:

“No mundo cometeram grandes cousas” (est. 41, v.2);

“por guerras cruas (…) /E por trabalhos vãos nunca repousas”

(est. 41, vv. 3-4);

“Pois os vedados términos quebrantas” (est. 41, v.5).

No entanto os portugueses excederam-se, pois atreveram-se a

navegar por mares “nunca arados de estranho ou próprio lenho” (est.

41, v. 8), mares esses que estavam sob a protecção de Adamastor,

que castigava todos aqueles que ousassem aproximar-se dos seus

domínios.

Recursos expressivos (continuação):

Personificação

Adamastor era na realidade o Cabo das Tormentas.

Hipérbole exagero da realidade

Exemplo: “Tão grande era de membros, que bem posso/Certificar-te que

este era o segundo/De Rodes estranhíssimo Colosso”

Nota: O exagero dos traços desta personagem tem como objectivo realçar

o seu carácter atemorizador.

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Adamastor pretende, por isso, vingar-se de tal atrevimento, e faz um

conjunto de profecias terríveis:

estância 43 – aquele local será sempre temível para os

navegadores (“com ventos e tormentas desmedidas”, v.4). A

primeira armada (a seguir à de Vasco da Gama) a passar por

este Cabo sofrerá naufrágios (a armada de Pedro Álvares

Cabral): “E da primeira armada (…) /Eu farei de improviso tal

castigo, /Que seja mor o dano que o perigo!” (vv. 7-8);

estância 44 – profetiza futuros desastres dos portugueses

naquelas paragens: “em vossas naus vereis, cada ano (…) /

Naufrágios, predições de toda a sorte” (vv. 5-7);

estância 45 – vaticina a morte de D. Francisco de Almeida,

primeiro vice-rei da Índia: “E do primeiro ilustre (…) / Serei

eterna e nova sepultura” (vv. 1-3).

A tragédia dos Sepúlveda (est. 46-48)

De todas as ameaçadoras profecias de Adamastor, há uma que tem

maior realce, a da tragédia do casal Sepúlveda quando navegava por

aquelas paragens. Naufragaram, mas conseguiram sobreviver.

Todavia, novos dramas os esperavam e aos seus filhos:

“Verão morrer os filhos caros” (est. 47, v.1);

“Verão os Cafres (…) / Tirar à linda dama seus vestidos”

(est. 47, vv. 3-4);

“Os dous amantes míseros ficarem / Na férvida e implacábil

espessura” (est. 48, vv. 3-4);

“Abraçados as almas soltarão” (est. 48, v.7).

A INTERPELAÇÃO DO GAMA

Estância 49

Vasco da Gama interrompe as profecias de Adamastor.

Ultrapassando o medo inicial, dirige-se, agora, com coragem, de

cabeça erguida, num tom quase de desafio: “quando alçado / Lhe

disse eu” (est. 49, vv. 2-3).

Na verdade invade-o a curiosidade por aquele ser gigantesco:

“Quem és tu? Que esse estupendo / Corpo, certo me tem

maravilhado!” (est. 44, vv. 3-4).

Neste momento Adamastor muda de tom e de atitude. Solta um

grande brado e a sua voz torna-se, agora, “pesada e amara” (est. 49,

v.7).

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Para contextualizar:

Gigantes Adamastor,

Encélado, Egeu,

Centimaro

Tétis ninfa (divindade

aquática), esposa de Peleu

Dóris Mãe de Tétis

A HISTÓRIA DO GIGANTE CONTADA POR ELE

PRÓPRIO

Estâncias 50-59

Adamastor indica a sua localização

geográfica. Ele é o Cabo das Tormentas,

nunca assinalado, até aquela data, por ilustres

geógrafos: “Aqui toda a Africana costa acabo”

(est. 50, v.5). Adamastor conta, depois, a sua

história: a história de um amor infeliz.

Estância 51

Adamastor era um dos filhos da Terra e um dos titãs

que com os seus três irmãos (Encélado, Egeu e Centimano)

haviam ousado escalar até ao Olimpo para o destruírem. Júpiter

castigou-os a todos. Adamastor foi transformado num promontório.

Camões usou esta figura mitológica, castigada pelos deuses, para

simbolizar o Cabo das Tormentas.

Estância 52

Apaixonado por Tétis, deusa do Mar, decide empreender uma guerra

contra Neptuno, contrariamente aos seus irmãos. A sua paixão

surgiu, quando um dia, a viu com as Nereidas, suas irmãs, “sair nua

na praia” (est. 52, v.6).

Estância 53

Como era monstruoso e desproporcionado, decidiu conquistar pelas

armas a mais bela das ninfas. Comunica, então, a Dóris essa

intenção. Se Tétis não lhe fosse entregue, prosseguiria a guerra nos

mares contra a armada de Neptuno, até que conseguisse atingir o seu

objectivo. Dóris dá a conhecer esta ameaça à filha: “De modo a

Deusa então por mi lhe fala” (est. 53, v.5).

Estância 54

Para evitar a guerra no Oceano, Tétis diz à mãe que encontrará uma

solução: “Contudo, para livramos o Oceano / De tanta guerra, eu

buscarei maneira (…)” (est. 54, vv. 1-2). Tomando conhecimento

destas palavras de Tétis, Adamastor (completamente “cego”, por

estar apaixonado) é invadido de “desejos e esperanças” (est. 54,

v.8).

Estância 55

Adamastor desiste da guerra que planeara e, “Hua noite, de Dóris

prometida”, comparece a um encontro com Tétis. Quando vê a

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mulher amada, iludido pelo desejo, não percebe que foi atraído a um

engano. Tétis surge a seus olhos mais bela do que nunca: “o gesto

lindo / Da branca Tétis, única, despida”. Por isso, “como doudo”

correu e começou “os olhos belos / A lhe beijar, as faces e os

cabelos”.

Estância 56

Amargurado, o Gigante apercebe-se da cilada. Crendo que abraçava

Tétis “Abraçado me achei cum duro monte” e é invadido pela

perplexidade: “Não fiquei homem, não, mas mudo e quedo / E,

junto dum penedo, outro penedo!”.

Estância 57

As suas palavras magoadas atingem aqui o clímax emocional.

Adamastor é invadido por sentimentos contraditórios: “irado e

quase insano / Da mágoa e da desonra ali passada”. Se por um lado

o invadem a frustração e a dor, por outro sente a humilhação de ter

sido enganado e de passar a ser alvo de chacota (“Quem de meu

pranto e de meu mal se risse”).

Estância 58

Os outros Gigantes, irmãos de Adamastor, nesse momento, tinham

perdido a guerra contra ou deuses do Olimpo. Júpiter castiga-os.

Adamastor começa também a sentir as consequências do seu

atrevimento: “comecei a sentir do Fado immigo, / Por meus

atrevimentos, o castigo”.

Estância 59

Adamastor é metamorfoseado no Cabo das Tormentas: “Converte-

se-me a carne em terra dura, / Em penedos os ossos se fizeram; /

Estes membros (…) e esta figura / Por estas longas águas se

estenderam”.

Recursos expressivos:

Gradação

Exemplo: “Que te custava ter-me neste engano / Ou fosse monte, nuvem,

sonho ou nada?”

Nota: Esta gradação saliente a crueldade de Tétis e a dor do Gigante que

preferia continuar iludido, a tomar consciência de que fora enganado por

aquela que amava.

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Mas, o pior de tudo, é suportar o suplício de ver continuamente

Tétis: “e, por mais dobradas mágoas / Me anda Tétis cercando

destas águas”. O drama de Adamastor é, então, o de um amor

insatisfeito, frustrado e que é diariamente confrontado com a

impossibilidade, o que impede que o Gigante esqueça e supere a sua

dor.

O DESAPARECIMENTO DA AMEAÇA

Estância 60

Lembrando as razões da sua desventura, Adamastor desaparece,

“cum medonho choro”, e deixa de ser uma ameaça para os

navegadores portugueses: “desfez-se a nuvem negra, e cum sonoro /

Bramido, muito longe, o mar soou”.

Após o desaparecimento do Gigante, Vasco da Gama pede a Deus

que impeça a realização das terríveis profecias que haviam sido

feitas: “A Deus pedi que removesse os duros / Casos, que

Adamastor contou futuros”.

Comparação entre o suplício de Adamastor com o suplício de Tântalo:

Tântalo era um rei mítico da Frígida. Por ter servido o corpo do seu filho

como alimento aos deuses, foi castigado. Tântalo seria torturado pela sede

mas não conseguiria beber da água que o cobria até ao queixo. Seria

também devorado pela fome mas não conseguiria colher os frutos que

pendiam ao alcance das suas mãos.

Os objectos do seu desejo (água e frutos) estão à sua frente mas nunca

poderá alcançá-los tal como acontece com Adamastor.

Valor simbólico do episódio de Adamastor:

- geograficamente, Adamastor simboliza o Cabo das Tormentas,

posteriormente designado de Cabo da Boa Esperança;

- mitologicamente, simboliza o amor insatisfeito, a frustração amorosa.

Adamastor é também uma figura mitológica que, pela sua ousadia, foi

punida pelos deuses;

- simbolicamente, no contexto da obras d’Os Lusíadas, Adamastor

representa os perigos e as dificuldades que os portugueses tiveram de

enfrentar e vencer ao longo da sua viagem “por mares nunca antes

navegados”.

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“O Mostrengo” de Fernando Pessoa

Nesta composição poética, o Mostrengo assume a mesma postura

temível e tem características igualmente grotescas que Adamastor

n’Os Lusíadas. O Mostrengo é Adamastor, é a ameaça do

desconhecido, do mundo por desvendar, com todos os seus perigos e

adversidades.

Ao leme está “um homem” que representa “um Povo” que vai à

frente e que enfrenta todos os medos, para cumprir a sua missão

incumbida por “El-Rei D. João Segundo”, de dominar “o mar que é

teu”, isto é, o mar por ninguém descoberto e percorrido.

Tempestade e chegada à Índia (canto VI, estâncias 70-93)

Estância 70

O mestre, que comandava as manobras da nau S. Gabriel, lançou o

aviso acerca da aproximação de uma tempestade (“Daquela nuvem

negra que aparece!”) e de ventos muito fortes. Ordena, por isso, que

recolham as velas grandes do mastro, o mais rapidamente possível.

Estância 71

Contudo, a tempestade irrompe súbita, antes que as velas fossem

recolhidas. Sente-se a angústia do mestre, pelas ordens que dá cheias

de nervosismo e de impaciência (“Amaina (…) /Amaina (disse),

amaina a grande vela!).

Todavia, apesar da movimentação rápida dos marinheiros e soldados,

o vento é mais veloz e rasga a grande vela do mastro.

Estância 72

Neste momento, ouvem-se os gritos espavoridos dos navegantes, que

se movimentam desordenadamente, enquanto a água invade a proa,

pois a nau havia-se inclinado da destruição da grande vela.

O mestre ordena, então, que se alivie a nau da carga, lançando-se ao

mar, enquanto outros se esforçam por bombear a água que entrou e

alagou tudo.

Estância 73

Os soldados manobram a bomba, mas são derrubados pelos

“balanços” dos “mares tenebrosos”. Três marinheiros “duros e

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forçosos” tentam segurar o leme, mas em vão. A violência das águas

era tal que nem a coragem dos homens conseguiu fazer com que se

assumisse o controlo da situação.

Estância 74

Os ventos eram a tal ponto violentos que fizeram crescer os

“altíssimos mares”, pondo em evidência a fragilidade da nau, que

parecia ter a pequenez de um “batel”. Todavia, a nau revela-se

“possante”, pois, para espanto de todos, sustém-se sobre as ondas.

Estância 75

O mastro quebrado na nau de Paulo da Gama faz aumentar o receio

de naufrágio, pois estava “quase toda alagada”. Por esta razão, os

marinheiros começam a rezar, atormentados por tal situação.

Também na nau de Coelho é grande a aflição. Todavia, o mestre foi

mais prudente, pois recolheu as velas, antes que fossem rasgadas e o

mastro partisse.

Estância 76

As ondas furiosas erguiam as naus à altura das nuvens, para as

atirarem, de seguida, aos abismos do mar. Os ventos em fúria

queriam “arruinar a máquina do mundo”, e a ferocidade dos raios

incendiava a noite “negra e feia”.

Estância 77

Ouve-se o triste canto das “Alcióneas aves”, e os golfinhos procuram

refugiar-se da tempestade no fundo do mar, embora nem aí estejam

totalmente a salvo.

Estância 78

Nunca Vulcano fabricou raios tão vivos nem Júpiter arremessou

relâmpagos tão fulminantes, no Grande Dilúvio.

Nota:

Alcíone atirou-se ao mar para abraçar o marido, morto em naufrágio. Os

deuses compadeceram-se deles e transformaram-nos em aves.

Nota:

O Grande Dilúvio tinha como finalidade aniquilar a Humanidade. Apenas

escaparam Deucalião e Pirra. Os sobreviventes, por sugestão de um

oráculo, atiraram depois pedras, das quais nasceram novos homens.

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Estância 79

As areias das profundidades eram revolvidas e as árvores antigas, de

fortes e profundas raízes, foram arrancadas do solo.

Estância 80

No auge da tempestade, Vasco da Gama, vendo comprometido o seu

desejo de chegar à Índia, sentindo a fúria dos elementos, sentindo

medo e a vida em perigo, invoca Deus e dirige-Lhe uma súplica.

Estâncias 81-83: A súplica de Vasco da Gama

Vasco da Gama começa por invocar o poder divino, que salvou, por

diversas vezes aqueles que estavam ao serviço de Deus, como os

hebreus, S. Paulo e Noé.

Seguidamente, questiona Deus. Até aquele momento, tinham

conseguido ultrapassar grandes perigos no mar, onde outros haviam

parecido. Não compreende, por isso, a aparente passividade de Deus

(“Porque somos de Ti desemparados?”), o seu abandono, pois Vasco

da Gama e os seus marinheiros empreenderam aquela viagem só para

O servirem, isto é, para aumentar a fé cristã.

Lamenta, então, não ter tido uma morte heróica, combatendo em

África pela expansão do Cristianismo. Essa morte seria lembrada e a

sua acção seria considerada ilustre. Seria, por conseguinte, preferível

a uma morte anónima no alto mar, sem honra nem memória.

Estância 84

A tempestade continua e aumenta a sua extrema violência. A súplica

do Gama não conseguiu diminuir a fúria da procela (tempestade)

que parece querer fazer cair o céu sobre a própria Terra.

Recursos expressivos:

Hipérbole domínio de frases exclamativas que sublinham a violência dos

mares e dos ventos.

Recursos expressivos:

Hipérbole “que vem representando/Cair o Céu dos eixos sobre a Terra”

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ESTÂNCIAS 85-90: A INTERVENÇÃO DE VÉNUS

Estância 85

No auge da tempestade, Vénus, que ouviu a súplica do Gama,

intervém junto dos ventos. Ao ver o estado do mar e o perigo que

enfrentava a sua “cara armada”, é invadida pelo medo e pela ira.

Estância 86

Apercebe-se de que aquela tempestade foi seguramente provocada

pela acção de Baco, inimigo dos portugueses, e toma a decisão firme

de lhe gorar os planos. Desce, por isso, até ao Mar e “manda as

Ninfas amorosas/Grinaldas nas cabeças pôr de rosas”.

Estância 87

As grinaldas intensificam a formosura natural dos cabelos loiros. A

beleza das ninfas, que Vénus mostra propositadamente aos ventos,

consegue abrandá-los, pois eles estão enamorados por elas.

Estâncias 88 e 89

Mal as avistaram, sentiram a sua força enfraquecer, e, como que

rendidos, submetem-se à vontade das Ninfas. Oritia consegue

amansar o fero Bóreas.

Faz-lhe uma ameaça. Começa por referir que o seu amor sempre foi

constante e que, se ele não puser termo àquela fúria, o seu amor

transformar-se-á em medo. Na verdade, deixará de o amar

verdadeiramente.

Estâncias 90

Galateia, que sabe ser amada por Noto, diz-lhe o mesmo, e ele, com

a alegria de se saber correspondido, imediatamente abranda, já não

se importando com o que havia sido decidido.

Estâncias 91

As outras nereidas amansam os outros ventos com o mesmo

discurso, e a ira inicial submete-se ao poder do amor. Vénus faz um

acordo com os ventos: promete proteger os seus amores, se eles lhe

forem fiéis e não comprometerem mais esta viagem, deixando os

portugueses chegar ao seu destino, a Índia.

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Estâncias 92-93: A chegada à Índia

Era manhã clara, a tempestade havia-se desvanecido e os nautas já

não sentiam medo. Avistam, com alegria, a terra de Calecut, na

Índia.

Vasco da Gama ajoelha-se e agradece a Deus a sua ajuda, pois

haviam atingido o seu objectivo: chegar à Índia, após terem vencido

inúmeros obstáculos e passado por muitos perigos e dificuldades.

“Horizonte” de Fernando Pessoa

Esta composição poética debruça-se sobre a capacidade de sonhar do

português antigo. O sujeito poético faz inicialmente referência às

concepções que, no tempo dos Descobrimentos, existiam sobre o que

estava para lá do mar até então conhecido. Depois das dificuldades,

dos obstáculos, das tempestades e da errância no mar, os medos e as

superstições converteram-se em “coral e praias e arvoredos” (est. 1,

v.2).

A linha do horizonte tinha um aspecto severo e distante, mas, à

aproximação do que parecia o Nada, surge um mundo paradisíaco,

em pleno esplendor (“abre-se a terra em sons e cores:/E, no

desembarcar, há aves, flores”).

De acordo com este poema, sonhar é, então, conseguir ver para além

do visível e, movido pela esperança e pela força de vontade, ir ao seu

encontro, procurando descobrir a verdade que está oculta pela

distância e pelo medo de a descobrir.

“O Infante” de Fernando Pessoa

Análise formal:

O poema é constituído por três sextilhas, de versos decassilábicos. Em

todas as estâncias, a rima é emparelhada nos dois primeiros versos e no

quarto e quinto, e interpolada no terceiro e sexto verso (aabccb).

Análise formal:

Esta composição poética é constituída por três quadras, cujo esquema

rimático é o seguinte: abab; cdcd; efef. A rima é, por conseguinte, cruzada

ao longo de todo o poema.

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Esta composição realça o facto de ter sido um português, o Infante D.

Henrique, a cumprir os desígnios de Deus (“Deus quer, o homem

sonha, a obra nasce”) e a desvendar os mares, ultrapassando todos os

medos e superstições.

Navegando para além do limite do que era conhecido, não surgiram

monstros e horrores mas somente novas terras e novos povos. Foi o

português que uniu o mundo, mas após a aventura dos

Descobrimentos, Portugal foi perdendo o seu rumo. Falta, por isso,

cumprir agora a sua missão de se tornar novamente grandioso.

Recursos estilísticos presentes em “Os Lusíadas”

Ao longo de toda a obra d“Os Lusíadas” podemos encontrar diversos

recursos estilísticos. Estes são os mais frequentes:

RECURSO

ESTILÍSTICO

DEFINIÇÃO EXEMPLO

Aliteração Repetição de um ou mais fonemas

consonânticos em sílabas próximas.

“Que um fraco Rei faz fraca a forte

gente” (III. 138)

Anáfora

Repetição da mesma palavra ou

expressão no início de frases ou versos

sucessivos.

“Que excedem os sonhados,

fabulosas/Que excedem Rodamonte

e o vão Rugeiro” (I. 11)

Repetição

anafórica

Repetição da mesma palavra ou

expressão no início de frases ou versos

não sucessivos.

“Vós, poderoso Rei, cujo, alto

império/O Sol, logo em nascendo, vê

primeiro;/(…)/Vós, que esperamos

jugo e vitupério” (I. 8)

Anástrofe ou

Inversão

Alteração da ordem normal das

palavras no interior da frase ou verso.

“Se neles achar posso a piedade/

Que entre peitos humanos não achei”

(III. 129)

Antítese

Aproximação de palavras ou

expressões contrárias, resultando numa

oposição de ideias.

“De quem se ganha a vida, com

perdê-la” (VI. 83)

Antonomásia

Substituição de um nome próprio por

uma expressão sugestiva, uma

qualidade ou atributo.

“Cessem do sábio grego e do

Troiano” (I. 3) = Cessem de Ulisses

e de Eneias

Apóstrofe ou

Invocação

Interrupção do discurso para interpelar

alguém ou algo (seres inanimados).

“Bem puderas, ó Sol, da vista

destes,/Teus raios apartar aquele dia”

(III. 133)

Perífrase Utilização de muitos termos para

exprimir o que se pode dizer numa só

“Pelo neto gentil do velho Atlante”

(I. 20) = Por Mercúrio

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palavra.

Pleonasmo ou

Redundância

Repetição de uma palavra ou ideia já

expressa.

“Vi, claramente visto, o lume vivo”

(V. 18)

Sinédoque

Emprego da parte pelo todo, do

singular pelo plural, do género pela

espécie, da matéria pela forma ou vice-

versa.

“Que, da Ocidental praia

Lusitana” (I. 1) = Que, de Portugal

Hipérbato

Inversão da ordem das palavras na

frase.

“Qual Austro fero ou Bóreas (…) /

Rompendo os ramos vão da mata

escura / Com impíto e braveza

desmedida” (I. 35) = Qual Austro

fero ou Bóreas (…) / Com impíto e

braveza desmedida / Vão rompendo

os ramos da mata escura.

Gradação Consiste na descrição de uma ideia ou

quadro, dando-se uma certa ordem,

crescente ou decrescente, às palavras

ou ideias.

“Que te custava ter-me neste engano

/ Ou fosse monte, nuvem, sonho ou

nada?” (V. 57)