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AMAZÔNIA: A ILUSÃO DA TERRA PROMETIDA FIORELO PICOLI

Fevereiro / 2005

FIORELO PICOLI

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IMPRESSÃO:Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991Av. das Itaúbas, 2062 – Jd. Botânico – Sinop MT

CAPA:Sidinei Novais

EDITORAÇÃO:Arte Design: (66) 531-6097 / 9985-9722E-mail: [email protected]

ORIENTAÇÃOProf. Dr. Nildo Domingos OuriquesDepartamento de Ciências EconômicasPrograma de Pós Graduação em Economia IndustrialUniversidade Federal de Santa CatarinaProf. Dr. José Luiz Vázquez BurgueteDepartamento de Direción y Economía de la EmpresaPrograma de Doutorado em Gestión y Comercialización Internacionalde la EmpresaUniversidad de León, España

REVISÃO:Renato Gomes TapadoJosete Mori

REVISÃO FINAL:Maria da Paz Sabino

PICOLI, FioreloAmazônia: a ilusão da terra prometida. 2 ed.Sinop: Editora Fiorelo, 2005.119 p.1 – Amazônia. 2 – Expropriação. 3 – Povos originários.4 – Posseiros. 5 – Garimpeiros. 6 – Devastação.ISBN - 85-904199-2-4 / Prefixo Editorial N° 904199

Todos os Direitos Reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, dequalquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n°5610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

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O presente livro é dedicado aos indígenas, posseiros, garimpeiros e peões que foram silenciados pelopoder econômico, político e militar na Amazônia.Mudez promovida por meio de armas, pistoleiros

e jagunços em nome da grilagem para a concentração da terra. Um silêncio que consegue reprimir e sufocara liberdade de expressão, culminando no controle das

emoções através da força e do poder institucionalizado.Mesmo assim, não consegue esconder as marcas,

os rastros e as sombras que transpõem os tempos,para anunciar a chegada da primavera e das flores.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO ................................................................................... 07

APRESENTAÇÃO ........................................................................ 09

O CAPITAL E A EXPROPRIAÇÃO DO HOMEM E SEU AMBIENTE

A questão indígena, o genocídio de um povo .................. 13

A expropriação do posseiro e a luta pela terra ................. 27

As formas de exploração da força de trabalho ................. 45

A exploração do trabalho na mineração aurífera.............. 59

A devastação ambiental na expansão capitalista ............. 79

RESUMO ...................................................................................... 95

CONCLUSÃO ............................................................................. 105

LISTA DE ABREVIATURAS ........................................................ 109

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................ 111

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PREFÁCIO

Falar da Amazônia sem cair no modismo de apenas exaltarsuas belezas naturais e de sua importância para o mundo não éuma tarefa fácil. Exige pesquisa e análise rigorosa.

A obra de Fiorelo Picoli “Amazônia: a ilusão da terraprometida” vem em boa hora. Ultrapassa a superficialidade de dizerque o “homem”, em sua forma genérica, está destruindo o meioambiente.

Picoli, a partir de outros estudos e de sua vivência pessoalna região, demonstra com competência acadêmica que não há umaguerra maniqueísta entre homem x Amazônia. Através de sua obrapodemos entender o processo histórico onde as relações deexploração capitalista revelam-se em suas formas mais duras esangrentas.

Demonstra como a relação entre posseiros x índios xgarimpeiros e entre si próprios não é uma guerra entre “mocinhose bandidos”. Nos ajuda a entender que estes sujeitos históricos,num processo dialético, posicionam-se no centro de uma disputapelas riquezas da Amazônia, envolvendo ainda, o Estado e o grandecapital, onde garantir a própria vida muitas vezes já pode serconsiderado uma vitória.

A obra indica ainda, sem meias palavras, como o Estadobrasileiro coloca seus mecanismos a serviço do grande capital, quese alimenta tanto dos bens naturais da Amazônia quanto da batalhacruel instalada entre os povos que vivem nesta região.

A riqueza do material oferecido por Fiorelo Picoli está namultidimensionalidade de análise. Podemos entender esta regiãoem seus vários aspectos: geográfico, histórico, econômico,sociológico e psicológico.

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Outro aspecto positivo é seu didatismo. O livro pode serentendido no todo e nas partes. Os capítulos são claros, têm riquezade dados e análise e complementam-se.

Pela atualidade do tema não há dúvida que “Amazônia: ailusão da terra prometida” é uma obra oportuna e necessária. Semser um material definitivo, pois o processo histórico encontra-seem pleno desenvolvimento, podemos considerá-lo importante tantopara quem não tem maiores leituras sobre o tema quanto para quemquer aprofundar-se ainda mais nos estudos sobre a região.

É um texto que flui, mas que não superficializa o tema. Umaótima combinação.

Sinop, fevereiro de 2004.Prof. Ms. Almir ArantesVice-reitor da UNEMAT

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APRESENTAÇÃO

Este é o segundo livro de uma série de quatro volumes quetratam da Amazônia Legal brasileira. Algumas precauções foramtomadas no sentido de escrevê-los de maneira independente, paraque o leitor não tenha a necessidade de ler o primeiro volume parapoder entender o segundo. Porém, quando lidos contribuem noentendimento global do processo de expansão, ocorrido na regiãoatravés dos tempos.

O presente trabalho não tem o objetivo de criar mecanismosque venham solucionar os problemas que envolvem os atoressociais que vivem a Amazônia no seu dia-a-dia. Temos o propósitode apontar a problemática ocorrida através da interferência dessesao longo dos tempos na região e contribuir no processo daaprendizagem através da demonstração da realidade ali impostapelas metas sistêmicas nacionais e internacionais. Também nãotemos a pretensão de apresentar soluções prontas, poisentendemos que esta é um tarefa de toda a sociedade no seuconjunto.

A estratégia desse trabalho é criar mais desafios equestionamentos, por meio da apresentação da realidade, vistaatravés dos cenários que escancaram e escamoteiam aexpropriação do homem e do seu ambiente, em detrimento daexpansão capitalista instalada na região para concentração da terrae da riqueza. A realidade é apresentada sem contornos e meiaspalavras e, quando necessário, apontamos as causas que levam aproduzir dois extremos no acesso à terra na região, um de muitospobres “Sem Terra” e o outro de poucos ricos concentrando a terra.

Não temos o objetivo de esgotar a discussão sobre aAmazônia, mas contribuir de maneira humilde, apontando situaçõesque envolvem o reino animal e vegetal num processo avançado de

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destruição da vida. Não pretendemos fechar o diálogo, mascolaborar no entendimento dos conhecimentos já existentes eapontar outras versões para o debate. O nosso propósito é somar,através da organização dos conceitos e teorias da Amazônia, queapontam para um novo espaço de expansão de forma integradapor meio das diretrizes sistêmicas mundiais.

No cenário apresentado, o livro tem o objetivo de identificaros atores que fazem a história da Amazônia brasileira – vítimasdessa expansão capitalista – bem como apontar de que forma foirealizada na região a expropriação dos povos originários, dosposseiros, dos garimpeiros e da força de trabalho. Objetiva-setambém verificar a destruição dos mais variados ecossistemasregionais, que sustentam uma rede de equilíbrio da vida entre osreinos animal e vegetal.

O homem da floresta foi expulso através de verdadeirosgenocídios. Episódios estes por muitas oportunidades ignoradospelo Estado, através de suas representações e instâncias. Abrutalidade praticada contra esses agentes ao longo dos tempos ea forma mais severa de tortura foram evidenciadas, pois essecenário desencadeia o complexo mundo das armas.

Um espaço complexo onde jorra mel, leite e sangue, queenvolve os marginalizados, os despossuídos, os grupos econômicos,os jagunços e os pistoleiros, determinando-se dois mundos distintos.O crime é colocado a serviço das elites com a finalidade de aparelharo modo capitalista de produção na região, e a violência é o meio. Ameta final do projeto ali instalado é a concentração da terra, para aprodução de monoculturas que venham servir ao mercadointernacional através dos produtos para a exportação. Para atingiressas metas, a intolerância e a brutalidade fazem a ponte entre ocapital e o Estado contra as massas.

Nesta mesma perspectiva, verificamos o tratamento da forçade trabalho que chega à região através do exército industrial dereserva do País, com o objetivo de abrir as áreas para implantar osprojetos econômicos na agropecuária, no extrativismo mineral eflorestal, bem como para dar suporte às cidades fabricadas pelosprojetos de colonização. Identificamos o quadro de trabalhadoresna agropecuária, na indústria, na prestação de serviços e em outrasfunções que estruturam o novo espaço de ocupação.

As formas de obtenção de mão-de-obra para a região secaracterizaram pela presença de trabalhadores em estado flutuante:os concentrados nas cidades planejadas ou fabricadas e osimportados de outras regiões do Brasil, para servirem de força detrabalho aos empreendimentos. Isso tudo acontece para suprir as

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necessidades locais de força de trabalho, por meio de um processoque serve de máscara da realidade, para camuflar as relações detrabalho na região, identificado através do agenciamento detrabalhadores através do sistema “gato”.

Caracterizamos a importância da mineração no processode colonização, sendo este o ponto alto para penetração daspessoas nas primeiras fases de transferência para a região.Movimento este que voltou à tona no período da pós-ditadura de1964, pois o homem continua vendo a região por meio do sonho daterra prometida.

Na Amazônia passa a ocorrer um deslocamento progressivode homens, mulheres e crianças em busca do “mel”1 . O encontrocom o “mel” passa a ser almejado e planejado através da posse daterra, bem como pelo acesso ao trabalho, para finalmente realizaro sonho dos marginalizados e dos despossuídos do País, quechegam à região com o firme propósito de serem incluídos peloacesso à terra prometida e sonhada.

Argumentamos sobre a estratégia utilizada pelo Estado queentrega os recursos minerais da região aos grupos nacionais einternacionais para exploração destas riquezas nas últimas décadas.Verificamos o projeto garimpeiro ocorrido nos anos 80 do séculoXX, que é interpretado como uma nova fase da mineração manualdos garimpos auríferos do Brasil. Essa nova fase, volta-se à atraçãode mão-de-obra para servir aos grupos econômicos ali instalados.

Os garimpos servem para atrair os posseiros e os colonosna procura do ouro. Assim acontece a desistência na busca daterra. Enquanto se processava o abandono da terra, em seu lugarse instalaram grandes latifúndios, que receberam parte das áreasparcialmente abertas nos territórios amazônicos. O grande capital,através de seus projetos econômicos, passa a concentrar aindamais as terras, por meio da expulsão do homem do campo, tornando-se a alternativa que se apresentava mais promissora para osmarginalizados engrossarem as fileiras dos garimpos auríferos.

A expansão capitalista da última fronteira brasileira trouxe

1 A busca do “mel”, bem como o encontro com este doce dourado, é uma metáfora usadaao longo do texto para demonstrar que as pessoas que se deslocam para a Amazôniabuscam um sonho. Mesmo aos marginalizados e despossuídos no processo histórico, aregião apresenta-se como um novo “eldorado”, e este veio acompanhado de muito brilhoe luz intensa. Assim, o “mel” representa o alimento, a riqueza e a esperança de uma novavida a todos os que chegam com o firme propósito de ver seus sonhos realizados. Ametáfora que passamos a utilizar neste livro, também foi muito útil no livro “Amazônia: domel ao sangue – os extremos da expansão capitalista” (Picoli, 2004: 16).

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prejuízos ao meio ambiente, não respeitou os vários ecossistemasbem definidos na região, principalmente os ligados ao Pantanal, aoCerrado e à Floresta Amazônica. Estes capitalistas passaram a sereproduzir na região através da lógica do sistema capitalistaperiférico, causando a depredação do meio ambiente e o adiantadoestado de interferência do “homem civilizado” nas terras dos povosda floresta. Esse é o meio para facilitar a concentração da riquezae promover a produção das monoculturas para servir ao mercadomundial, conforme suas exigências e tendências mercadológicas.

Os rios foram poluídos por mercúrio, e as florestas, poragentes químicos utilizados no solo e como desfolhantes,proporcionando sérios problemas ecológicos. As queimadasrealizadas na abertura da região criaram uma nova paisagem, frutoda devastação que busca o lucro por meio do aproveitamento dosrecursos naturais e a produção de monoculturas através daagropecuária. A concentração da terra também ocorre paraespeculação de mercado e agregação de valor, observada atravésdas investidas das empresas que buscam lucros fáceis.

Ficou caracterizada a vulnerabilidade da imensa florestatropical com a interferência humana, não sendo respeitada abiomassa ali existente. Do mesmo modo, as riquezas foram sendoaos poucos destruídas pelas estratégias capitalistas nacionais einternacionais, por meio do dinheiro público. A grande quantidadede insetos, plantas, animais e microorganismos pouco estudadosestão sendo destruídos e pirateados por grupos organizados queatuam impunemente na região, onde estão presentes gruposfarmacêuticos multinacionais, apurando fórmulas do saber popular,praticando a biopirataria do conhecimento e patenteando os novosprodutos para o mercado capitalista mundial.

É nesta perspectiva que tratamos a região Amazônica. Nosentido de identificar a problemática do desenvolvimento econômicoregional, bem como as formas de expropriação do homem e doseu ambiente. Nesta amplitude tecemos as relações entre o homem,o trabalho, o capital e o meio ambiente, com o intuito de identificaros atores sociais que fazem parte da Amazônia Legal brasileira.

Preocupamo-nos em contribuir com a discussão a fim depromover o debate e a crítica de forma ampla e não em apresentaros conceitos como definitivos, uma vez que não somos osdetentores da verdade absoluta. Entendemos que se faz necessáriorever teorias e conceitos, tendo em vista que a evolução do homemdeve relacionar-se com a produção de novos conhecimentos, semno entanto, desprezar os já existentes.

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CAPITAL E A EXPROPRIAÇÃO DO HOMEM ESEU AMBIENTE

A questão indígena, o genocídio de um povo

Faz-se necessário entender o espaço que compõe aAmazônia Legal brasileira, por meio da representação de parte doterritório que compreende a Amazônia sul-americana. O territóriobrasileiro forma a maior porção da área, 63,4% do total e 59% doterritório brasileiro. Os Estados que formam a parte do territóriobrasileiro são nove: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso,Rondônia, Pará, Roraima, Tocantins e a parte Oeste do meridiano44° W do Estado do Maranhão. Segundo o Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística – IBGE, em 2004, a população que vive naregião amazônica está acima de 22 milhões de habitantes. Nesseespaço pode ser encontrado 80% da vida do planeta (Picoli, 2004:17-18).

Através dessa amplitude regional, esse território brasileiroaté pouco tempo era pouco habitado e explorado, porém com atomada de poder do governo, por meio da ditadura militar em 1964,ele passa a ser área de expansão dos projetos econômicosnacionais e internacionais de maneira projetada e organizada.Nesse sentido, na Amazônia o projeto articulado pelo Estado emconjunto com o capital não foi para trazer a felicidade aos povos dafloresta. Pelo contrário, foi para expulsá-los de suas terras epromover a expansão dos grupos econômicos na região.

O objetivo principal foi instalar grandes complexosagropecuários e de extrativismo, tanto no setor mineral como no

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florestal. Com esta estratégia, grandes empreendimentos nacionaise internacionais se instalaram em terras adquiridas legalmente egriladas, dos posseiros e dos povos originários, através daexpropriação e da violência.

Os indígenas foram as grandes vítimas da expansão daúltima fronteira agropecuária do pós-1964. Podemos citar algunsprojetos ali instalados como: a Amazônia Mineração: associaçãode empresa estatal Vale do Rio Doce com a United States Steel;Indústria e Comércio de Minérios: associação da Caemi de Antunese da Bethlehem Steel; Jari Florestal e Agropecuária: D. Keith Ludwig/National Bulk Carriers; Volkwagen do Brasil, Fazenda Suiá-Missu,de propriedade da Liquigás; Swift-Armour-King Ranch e outrascentenas de empresas com a finalidade de expandir-se nesta regiãoe agregar valor para a especulação imobiliária.

No caso específico do Estado de Mato Grosso, muitos dosprojetos de colonização foram realizados por empresas privadas, evários desses ocorreram em terras indígenas. Para OLIVEIRA (2001:146), o processo de colonização “teve sua base na grilagem dasterras e em verdadeiros massacres de nações indígenas”. Citamoscomo exemplo alguns projetos realizados em terras indígenas, taiscomo: em Porto dos Gaúchos, em terras dos índios Beiços-de-Pau;em Canarana, em terras dos Xavante; em Água Boa, em terras dosXavante; em Nova Xavantina, em terras dos Xavante; em Matupá,em terras dos Kreen-Akaroé; em Alta Floresta, em terras dos Apiaká;em Juara e Novo Horizonte do Norte, em terras dos Kayabi; emJuruena e Cotriguaçu, em terras dos Ribeaktsa, e outros. O resultadodestes contatos é que boa parte destes povos foi exterminada,vítimas de doenças do contato com a civilização, ou foramassassinados (IANNI, 1986:184-85).

Alguns destes projetos, como é sabido, recebem incentivosatravés dos benefícios fiscais da Sudam e são protegidos peloEstado brasileiro com toda a infra-estrutura necessária. Por outrolado, o processo de apropriação das terras dos povos originárioscaminha sempre em conjunto com a burocracia dos órgãosencarregados em lhe dar proteção.

A Funai aparece sempre depois das ocorrências, vindo acontribuir na preservação dos interesses econômicos, políticos eculturais do capital, pois o órgão representativo dos povos dafloresta se defronta com os fatos já consumados. O Estado foi levadoa trabalhar contra as comunidades tribais sem preservar os

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interesses dos povos originários, protegendo suas representaçõescapitalistas. Em muitos casos, os postos da Funai são transformadosem instrumentos para promover a expropriação indígena. IANNI

(1986: 190) retrata a Amazônia da seguinte forma:

esse modo de encarar a situação amazônica, na qual a questãoindígena aparece como um problema menor, secundário, ou nãoantropológico, em face da força de expansão das “fronteiraseconômicas”, implica em que toda atuação da Funai aparece como“naturalmente” em segundo lugar, em atraso. Parece como se a“força das coisas” é que estivesse dispondo os problemas dessemodo. E as invasões e expropriações das comunidades indígenasaparecem como males necessários do “progresso”,“desenvolvimento”, “modernização” e outros signos da ideologiacapitalista dos governantes. Dessa maneira, o Estado e a suatecnocracia são levados a sempre dar a impressão – à opiniãopública nacional e estrangeira – de que a expropriação dascomunidades tribais não está sendo realizada pelo capitalmonopolista e em seu único benefício.

Para o Estado e o capital em conjunto, os povos das florestassão vistos como um obstáculo, um estorvo sem direito à existência.Tanto é que órgãos estatais como Sudam, Basa, Pin, Suframa,Polamazônia, Proterra, Incra e a Funai não têm preocupação algumaem preservar os direitos e interesses desses povos, pois sãodirecionados em suas práticas para proteger os grupos econômicosorganizados. Estes órgãos fogem de seu verdadeiro objetivo, queé contribuir na proteção dos povos originários, e assim acabam porpromover o desenvolvimento extensivo do capitalismo de formaagressiva, colaborando para facilitar a expropriação dos indígenase dos posseiros da região.

Estes órgãos formam um complexo e burocrático aparelhodo Estado, atuando com o objetivo firme de controle, obediência esubordinação. Adotam uma política indigenista que tem começo efim fundados na privação dos direitos dos índios de suas terras.Contudo, “transformar a propriedade tribal em propriedade ocupada,grilada, latifúndio, fazenda, empresa, é sempre o primeiro e o últimopasso para transformar o ‘índio’ em ‘nacional” (IANNI, 1986: 215).Esta foi a triste história dos índios brasileiros ao longo do tempo, eesta mesma história volta a repetir-se no final do século XX naAmazônia.

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Neste sentido, os povos originários e primeiros habitantesdeste país antes da chegada dos colonizadores europeus tinham anatureza como sua maior riqueza. Preservavam seus costumes eviviam em comunidade. Desta maneira, “os índios viviam numasociedade organizada para produzir gente, o que contrastava coma sociedade dos brancos (europeus), organizada para produzirriqueza” (SANTOS, 1998: 130).

A partir da chegada dos colonizadores começa a agressãoe a espoliação destes povos. As estatísticas, no processo decolonização pelos europeus, são alarmantes, “dos 5 milhões deindígenas que ocupavam o Brasil à época do descobrimento em1500, cerca de 220.000 [década de 70] ainda lutam teimosamentepara sobreviver. A grande maioria está concentrada na Amazônia”(OLIVEIRA, 1997: 118).

Assim, os povos originários “passaram de aproximadamente100 mil, na década de sessenta, para mais de 200 mil, no final dadécada seguinte, chegando hoje [2000] a mais de 350 mil” (HECK,2000: 16). Para a CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (2001:69-70), “estima-se que a população indígena seja de 550.438pessoas, pertencentes a 225 povos, falando cerca de 180 línguasdiferentes. Desta população, cerca de 358.310 vivem em seusterritórios, outros 191.228 migraram para centros urbanos e há umaestimativa de 900 índios que são pertencentes a povos nãocontatados”.

Nas últimas décadas obtivemos um sensível aumento dapopulação, visto que ocorreram a descoberta de novas tribos naAmazônia, assim como a demarcação de algumas áreas, ocorrendoum clima de segurança e novas leis que protegem as comunidades,principalmente na última década, pelo retorno de índiosculturalizados em suas terras. Estes fatores contribuíram para quese efetivasse o aumento da população indígena. Mas o processohistórico aponta números preocupantes e se faz necessárioentender o movimento geral para entender o momento atual. Atravésdos dados, podemos observar um sistemático extermínio progressivodos povos originários ao longo dos tempos.

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QUADRO DEMONSTRATIVO SOBRE O EXTERMÍNIO DOS POVOSORIGINÁRIOS BRASILEIROS NO PROCESSO HISTÓRICO DE 1500

A 2000

Ano População indígena

15001822188919672000

6.000.000600.000300.000100.000350.000

Fonte: Elaboração própria com base em Heck (2000: 15).

Como pode ser observado, existem divergências sobre onúmero de indígenas no ano de 1500, época do descobrimento doPaís, mas estudos realizados apontam a existência de mais de cincomilhões de indivíduos. Por outro lado, “o extermínio de mais de 70milhões de índios no continente [americano] – dos quais mais decinco milhões no Brasil - parece não comover os promotores eherdeiros do projeto de colonização nestes 500 anos” (HECK, 2000:15). Para SHIVA (2001: 24), “a população nativa americana declinoude 72 milhões para menos de 4 milhões poucos séculos mais tarde”(SHIVA, 2001: 24).

Segundo SANTOS (1998: 44), “no começo do século XVI, apopulação indígena da América devia estar na casa dos 80 milhões,e em meados do referido século essa população já estava reduzidaa 10 milhões”. Os dados apresentados nos levam a deduzir que apartir da colonização, desencadeia-se um sangrento genocídio dosnativos do continente americano. Desta forma, algumas causasrelevantes por parte dos colonizadores em destruir os povosoriginários do Brasil podem ser vistas em PRADO JÚNIOR (1988: 12):

Ao contrário do México e dos países andinos, não havia no territóriobrasileiro senão ralas populações de nível cultural muito baixo. Nãoseria grande, por isso, o serviço que prestariam aos colonos queforam obrigados a se abastecer de mão-de-obra na África. Osindígenas brasileiros não se submeteram com facilidade ao trabalhoorganizado que deles exigia a colônia; pouco afeitos a ocupaçõessedentárias (tratava-se de povos semi-nômades, vivendo quaseunicamente da caça, pesca e colheita natural), resistiram ou foramdizimados em larga escala pelo desconforto de uma vida tão avessaa seus hábitos.

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Na Amazônia não foi diferente. Com a abertura maisacelerada da última fronteira brasileira, tendo no comando o governoda ditadura pós-1964, além de expropriados, “são muitos os índiosque estão sendo proletarizados, acamponesados, lumpenizados oupura e simplesmente dizimados” (IANNI, 1986: 176), houve atransmissão de doenças pelos brancos. Até hoje não temosconhecimento de qualquer moléstia originalmente indígena quefosse transmitida aos civilizados.

Os indígenas “não conheciam doenças como varíola,sarampo, difteria, tracoma, coqueluche, catapora, peste bubônica,malária, febre tifóide, cólera, febre amarela, escarlatina, disenteria,amébica, gripe etc.” (SANTOS, 1998: 57). A agressão aos índiosacontece de duas maneiras: a primeira, através de pestes e doençastransmitidas pelos brancos; a segunda, pela mentalidade capitalistae a busca do enriquecimento.

Através da expansão da última fronteira promovida pelosmilitares, agravam-se as condições de extermínio, pois “quandoacaba o isolamento, inicia-se a dizimação” (SANTOS, 1998: 58). Osdados retratam um verdadeiro genocídio dos povos originários,“algumas tribos perderam nesses poucos anos até dois terços desua população” (MARTINS, 1997: 86).

Como forma de demonstrar a atual situação dos povosoriginários na Amazônia, LEONELLI (2000: 252) nos diz:

cento e sessenta povos indígenas diferentes vivem na Amazôniabrasileira hoje, [2000] em 370 terras, a maior parte delas com algumgrau de reconhecimento oficial, somando mais de 10,2 milhões dehectares, o equivalente a 20% da extensão da Amazônia legal. Masos dados não são definitivos. Há 53 referências de povos “isolados”,que têm contato com a Funai, órgão indígena do governo federal, e,assim, ou simplesmente não constam, ou aparecem comdenominações e localização provisórias nas listas oficiais. Há outroscasos em que, ao contrário, determinados povos oficialmenteconsiderados “extintos” reemergem do anonimato, conquistam seusdireitos territoriais e voltam às listagens e aos mapas. Há terrasainda em fase de identificação e outras, já demarcadas, em processode revisão de limites. Demograficamente, os números também sãoaproximativos: 180 mil índios – equivalente a 1% da população daAmazônia brasileira hoje – vivem nas terras indígenas conhecidas.Mas isso não é tudo. Não há dados confiáveis sobre índios vivendonos centros urbanos da região, o que poderia elevar este total para

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algo em torno de 220 mil. Os 98,8% da extensão total das terrasindígenas do país estão na Amazônia, enquanto 1,2% restanteespalha-se ao longo das regiões.

Estes dados nos orientam sobre a importância da Amazôniapara os povos originários. Na região encontram-se quase atotalidade das áreas indígenas do Brasil e a maior populaçãosobrevivente. Por outro lado, as áreas reservadas aos indígenas“na Amazônia, em sua maioria não estão demarcadas” (BECKER, 1997:78-79). No ano de 2001, segundo a CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS

DO BRASIL (2001: 82), apenas 32% das terras indígenas brasileirasencontravam-se demarcadas, e os outros 68% aguardamprocedimentos administrativos.

Não é objetivo do capital exterminar totalmente os povosoriginários e os posseiros da região amazônica, mas sujeitar a forçade trabalho à sua disposição. Assim, “na história desses quinhentosanos, os povos indígenas do Brasil perderam quase 90% de seusterritórios tradicionais” (HECK, 2000: 21). A demarcação das terrasdos povos originários representa segurança para odesenvolvimento futuro das comunidades tribais. E a regularizaçãorepresenta também a limitação do território, obstáculo para oscapitalistas ao expropriarem as terras e, conseqüentemente, osrecursos naturais nelas existentes.

O processo de colonização da Amazônia nas últimas décadasfoi realizado de forma extensiva, agressiva e repressiva, pois foipromovido pela burguesia nacional e internacional, apoiados peloEstado brasileiro, dizimando grande quantidade dos povosoriginários. Os acumuladores, através da expansão, sabem “que oíndio se relaciona com a terra de forma mística, ou religiosa, isto é,sem levar em conta a ‘racionalidade’ do empreendimento econômicocapitalista” (IANNI, 1986: 177).

Mas através da estratégia capitalista implantada na região,fez-se necessário transformar os povos originários em mercadoria,que venha a vender sua força de trabalho aos projetos ali existentes,mesmo que estes projetos se instalem em suas próprias terras.Para conseguir este feito, “primeiro a domesticação da natureza eda cultura. A partir daí ele é transformado em vendedor de suaforça de trabalho” (PROCÓPIO, 1992: 159). Na Amazônia, a partir doprocesso de colonização, houve “a penetração das missões, ouseja, a catequese e conquista espiritual como preparação de bases

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para o desenvolvimento das atividades econômicas” (SANTOS, 1998:71).

Os povos originários se fundamentam na comunhão da terra,na forma de trabalho, nas formas espirituais e materiais dacomunidade. Com a presença de estranhos ficam ameaçados nasua religiosidade, na sua vida em comunidade e em seus costumes.Ao contrário, a Funai, criada em 1967 para proteger e defender osinteresses dos povos originários, se apresenta “como um órgão dapolítica da ditadura” (IANNI, 1986: 182). Ao invés de protegê-los,passou a ser um instrumento de aculturação agressivo, dentro doprojeto de expansão e acumulação. PROCÓPIO (1992: 162) adverte:

são indismentíveis as queixas e denúncias dos indígenas, como,por exemplo, a invasão de suas terras por garimpeiros e mineradoras.Mas quase nunca se diz que essas mineradoras são, em suamaioria, ligadas a multinacionais, cujas matrizes estãofreqüentemente nos Estados Unidos da América, Europa Ocidentale Japão. Omite-se também da opinião pública internacional o principaldestino do ouro e dos metais preciosos roubados das terrasindígenas. O pior de tudo é que a imagem positiva e com freqüênciameio apologética que se tenta dar do índio, nas escolas brasileirase nos livros, é substituída pelo do índio vilão e preguiçoso (...). Édifícil deixar de lembrar que, até recentemente, a quase únicapresença do homem dito civilizado nos rincões mais afastados dopaís foi a dos missionários e soldados. Os padres e soldados,durante longo espaço de tempo, se não os únicos, foram a principalreferência do mundo do branco na Amazônia. Em seus internatos equartéis, além da Ave-Maria e outras orações, se ensina o “HinoNacional” e aulas de moral e cívica.

Os ensinamentos religiosos e as formas pedagógicas a elesimpostas, em nada contribuem para a vida dos povos originários.Não se respeitam os conceitos já estabelecidos, tenta-se destruir eimpor costumes e modos dentro da moral e do civismo, criandonovos conceitos através do medo e da submissão. “Tenta-se incutirno indígena ideais de humildade, obediência e castidade” (PROCÓPIO,1992: 170). Todo este esforço é para torná-los cristãos e civilizados,porém, no último estágio, se tornam proletários para servirem aosistema expansionista na região, embora só tenham a necessidadede serem respeitados dentro de seus princípios, costumes e todasua forma de ser.

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Mas o processo de expansão da Amazônia os torna forçade trabalho e consumistas, pois passam a comprar produtos atéentão não conhecidos como refrigerante, cachaça, leite em pó,relógio e aparelho de som, aparelho celular, entre outros. Algunsse encontram visivelmente obesos e a grande maioria dos ditos“civilizados” são alcoólatras. O civilizado que visita as aldeias sentea necessidade de adquirir alguns pertences dessas pessoas – arco,flecha e outros objetos –, para depois exibi-los como troféu. Estecomércio representa a perda de sua cultura e alternativa desubsistência, visto terem sido expropriados de sua terra no processode colonização ou porque passaram a viver em áreas menores. Aomesmo tempo tornam-se “civilizados”, adquirem novos conceitosde moral, civismo e religiosidade.

O modo capitalista de produção objetiva transformá-los emproletários, permanentes ou temporários, explorando-os comocastanheiros, seringueiros, peões ou vaqueiros e outras funções.Neste sentido, torná-los civilizados é fazê-los cantar o Hino Nacionalbrasileiro, bem como torná-los cristãos é rezar a Ave-Maria. Comesta civilização imposta se tornam civilizados, e a perda da “própriaidentidade pessoal e cultural e a marginalização social vêm sendoas grandes conseqüências do processo de destruição que atingeos índios” (PROCÓPIO, 1992: 204). Assim, atualmente na capitalamazonense “chega a 12 mil o número de índios saídos do rio Negro,vivendo agora na periferia de Manaus, nas piores condiçõespossíveis. Mais do que abandonados, eles foram deserdados”(PROCÓPIO, 1992: 204).

Os povos originários não estão preparados para competirno mercado, nem mesmo para vender sua força de trabalho, masservem para compor o exército industrial de reserva em potencial,mesmo “não tendo chance de competir no restrito mercado detrabalho: meninas de 14 anos podem ser encontradas às dezenasnos principais prostíbulos de Manaus”. (PROCÓPIO, 1992: 205). Parao branco isso é um problema, para os povos originários é aconseqüência da expropriação. “Na verdade, à medida que apropriedade invade os territórios indígenas, o índio invade asociedade que quer dominá-lo” (MARTINS, 1991: 137). IANNI (1986:221) afirma:

mais estrangeiro do que o estrangeiro que está expulsando o índiodas terras tribais. Esse, o estrangeiro que aparece na Amazônia

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como grileiro, latifundiário, fazendeiro ou empresário, esse éconacional. Não fala a mesma língua, possui outros trajes, tem outroshábitos, mas tem a mesma noção do que é a terra, a propriedadeprivada, o trabalho produtivo, a acumulação etc. Está integrado nosmesmos padrões de valores, principalmente no Cristo, napropriedade privada e no dinheiro. E o índio somente passa a serconsiderado como “integrado”, nacional ou “brasileiro” quandoabandona o seu modo de praticar a propriedade tribal das terras,dos meios de produção e das coisas produzidas pelo trabalho. Oíndio perfeito, ideal, aquele que se acha perfeitamente integrado –portanto, que negou o seu modo de ser –, índio ideal, pois, é aqueleque foi expulso da terra tribal e passou a vender a sua força detrabalho para o grileiro, latifundiário, fazendeiro ou empresário,nacional e estrangeiro.

O processo de colonização deixa para trás um rastro desangue, violência e mortes dos povos originários, acontecendocasos de genocídios de tribos inteiras. Neste sentido, relatamospor meio da pesquisa alguns fatos relevantes encontrados na regiãonas últimas décadas. Na tribo Xavante, em Conceição de Cima,com mais ou menos quinhentos índios, os homens da CompanhiaAgropecuária Índia, para afastá-los da gleba, “jogaram, de avião,roupas e brinquedos contaminados com vírus de gripe e sarampo.Noventa por cento da aldeia morreu. A Força Aérea Brasileira retirouos últimos índios doentes” (PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 18). Assim, oobjetivo proposto pelos capitalistas concretiza-se, os índios mortosnão reivindicam terras e os capitalistas realizam a expansãoproposta para a região. O Estado fez a limpeza final desta área,muito mais para liberar as terras aos capitalistas do que parapreservar a vida dos últimos sobreviventes deste genocídio praticadopelos “ditos civilizados”.

Outro fato semelhante ocorreu na construção da BR-163,que liga Cuiabá a Santarém, nas margens do rio Peixoto, norte doEstado de Mato Grosso. Os índios Kareen-Akarore tiveram osprimeiros contatos com brancos em 1973, “eram 350 pessoas. Doisanos depois desse episódio e do contato com os bandos, em janeirode 1975, só restaram vivos setenta e nove deles (quarenta homense trinta e nove mulheres), todos com sinais visíveis de tuberculose”(MARTINS, 1997: 165).

Outro episódio ocorreu com a “tribo dos Ofaiés, dascabeceiras dos Rios Taboco e Negro. Estavam sendo caçados e

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exterminados por um ‘coronel’, porque matavam, para comer, resesda fazenda” (MARTINS, 1971: 78). As rodovias fazem a ponte para apenetração do homem na região, bem como o extermínio dos povosoriginários. No projeto para construção da rodovia Transamazônicanão foi diferente, pois ela cruza terras de mais de vinte naçõesindígenas (GOMES, 1972: 95).

Outro caso brutal foi para eliminar a tribo indígena Beiços-de-Pau, em território mato-grossense, alguns “fazendeiros, comajuda de funcionários do governo, distribuíram alimentosenvenenados com arsênico. Em várias aldeias, aviões lançarambrinquedos contaminados com vírus da gripe, sarampo e varíola”(SABATINI, 1998: 79). Mas o fato que mais impressiona é o conhecidocomo massacre do paralelo 11, também no Estado mato-grossense.Um matador de aluguel de índios, não recebeu pelos serviçosprestados a um seringalista e denunciou os motivos da perda doemprego: a necessidade urgente de exterminar os indígenas datribo Cinta-Larga, pois os índios estavam sentados em cima degrandes jazidas de cassiterita, terras de boa qualidade e muitomogno para extração da madeira (SABATINI, 1998: 79-80). O motivoda denúncia foi a falta de recebimento pelo trabalho prestado, poistinham a necessidade em apressar o processo de desocupação daárea e passaram a “bombardear as malocas com dinamite, usandoavião” (SABATINI, 1998: 80). Comprovando a dizimação dos povosda floresta ARNT, PINTO e PINTO (1998: 68) nos relatam:

foram necessários mais de cinco anos para que os irmãos VillasBôas finalmente conseguissem se aproximar dos arredios Panará,no dia 4 de fevereiro de 1973, porque os índios montavam as aldeiase fugiam sempre. Mas antes desse encontro histórico, antes daCuiabá-Santarém passar por cima deles, o contato esporádico comos vírus dos brancos da frente de obras da estrada consumiu osPanará. Em dois anos, morreram tantos, de gripe e diarréia, que ogrupo quase desapareceu: “Nós estávamos na aldeia – lembra-se ochefe Aké Panará – e começou a morrer todo mundo. Os outrosforam embora pelo mato, e aí morreram mais. Nós estávamosdoentes e fracos e, então, não conseguimos enterrar os mortos.Ficaram apodrecendo no chão. Os urubus comeram tudo”.

O lema do sertanista Cândido Mariano da Silva Rondon, noServiço de Proteção ao Índio, fundado no início do século XX,baseava-se no respeito às culturas e terras indígenas (“Morrer se

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preciso for, matar, nunca”). No entanto, estas frases passaram afazer parte apenas dos escritos e lembranças, pois alguns dos“administradores viram-se implicados em matanças de índios comdinamite, metralhadoras e arsênico misturado no açúcar”(SHOUMATOFF, 1990: 72). A crueldade contra os povos origináriosfaz parte da história brasileira, ela não aconteceu somente nasúltimas décadas na Amazônia. Exemplo disso é o ocorrido em 1560,através do governador-geral do Brasil, Mem de Sá, ao relatar asfaçanhas ao rei de Portugal. A Conferência Nacional dos Bispos doBrasil – CNBB22 (2001: 60) relata parte da carta ao rei:

na noite que entrei em Ilhéus fui a pé em uma aldeia que estava asete léguas da vila. E a destruí, e matei todos os que quiseramresistir. Na vinda fui queimando e destruindo todas as aldeias queficaram para trás. Então se ajuntaram e vieram me seguindo aolongo da praia outros gentios. Lhes fiz algumas ciladas e os forcei ajogarem-se no mar...Mandei outros índios reunirem os corpos ecolocá-los ao longo da praia, em ordem, de forma que tomaram oscorpos (alinhados) perto de uma légua.

Este massacre cruel, ordenado pelo governador-geral doBrasil, deixou um saldo de “seis quilômetros de praia cobertos peloscorpos dos índios assassinados em uma única noite” (CNBB, 2001:60). Poderíamos citar vários outros casos, pois os povos origináriosse tornam um obstáculo para os interesses capitalistas e oextermínio das tribos fazia parte da estratégia para concentrar aterra. Contudo, poucos dos episódios ficaram conhecidos e agrande maioria das tribos foram exterminadas no anonimato e semalguém que contasse a sua história de violência e morte.

Na Amazônia, uma das condições para se adquirir terrasdevolutas do Estado, por parte das empresas nacionais emultinacionais, é apresentar um certificado de não-existência deocupação indígena e de posseiros nas áreas pretendidas. Por estemotivo, burla-se a lei através da corrupção dos órgãos do governo,e em muitos casos são apresentados documentos falsos paradepois expulsá-los. O extermínio é realizado por meio de pistoleiros,pois estes são contratados pelos grupos econômicos que se utilizam

2 A campanha da fraternidade da CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, noano de 2002, tem como tema “Fraternidade e Povos Indígenas” e como lema “Por umaterra sem males”.

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de métodos brutais e violentos. Leis que protegem os povosoriginários existem. O problema é colocá-las em prática, visto queos mesmos grupos que as fazem, beneficiam-se delas praticando aviolação. Por outro lado, na Amazônia, a lógica da colonização eexpansão se pautou “na depredação da natureza e exploração dohomem pelo homem” (SANTOS, 1998: 239).

Os povos originários também acreditam pertencerem à terrado “mel”, mas acreditar é só o começo para a grande caminhadarealmente efetivar-se. Se a busca não fosse interrompida por forçasestranhas, talvez chegassem ao pote sagrado a tempo. Porém,estas forças estranhas muitas vezes ocultam e desviam do rumocerto. São induzidos a acreditar que, para buscar o “mel”, o índioprecisa ser proletário, tornar-se cidadão civilizado, saber cantar oHino Nacional brasileiro e rezar a Ave-Maria. Aos próprios donos dafloresta é negada a possibilidade de encontrar o tesouro sagrado,e são reduzidos “a mais extrema miséria” (SANTOS, 1998: 239).

O sonho de adoçar a boca com o precioso líquido, maisuma vez foi adiado. Mesmo aos donos da floresta foi negada apossibilidade de estarem em liberdade para encontrar estafelicidade eterna, duradoura e dourada. Os métodos para desviaros caminhos dos simples povos das florestas formam um engenhosoe arquitetado plano para desviar os caminhos da conquista do “mel”.Contudo, a luta continua e novas possibilidades são oferecidas aestes povos, pois existe a oportunidade de acessar as maravilhasdouradas através de sua proletarização, e assim a vida segue, ospovos da floresta tentam conquistar seu espaço, roubado pelosditos “civilizados”...

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A expropriação do posseiro e a luta pela terra

No processo de ocupação da Amazônia brasileira o principalobjetivo dos migrantes despossuídos e marginalizados foi a buscada terra. O movimento espontâneo de pessoas acentuou-se naregião, a partir do golpe militar de 1964. Entretanto, “os conflitospela terra ganharam contornos dramáticos, sobretudo ao longo doseixos rodoviários” (GONÇALVES, 2001: 54). Neste sentido, ocorreraminúmeros confrontos, com envolvimento de soldados, jagunços,pistoleiros, grileiros, colonos, índios, latifundiários e posseiros3 .Nesta região se evidenciou a concentração da propriedade, e assim“a luta pela terra retrata a face selvagem do capitalismo brasileiro”(FERREIRA, 1986: 35).

A partir do movimento de expansão dos grandes projetoseconômicos na região, iniciaram-se também os horrores da

3 “Posseiros – Os posseiros são agricultores que cultivam pequenas parcelas de terra.Não possuem títulos de propriedade, dispondo apenas da posse da terra. Trabalhamgeralmente em base familiar, ou às vezes coletiva, com outras famílias de posseiros,produzindo gêneros alimentícios para o próprio consumo e para a venda, que irá abasteceros centros urbanos. Na Amazônia, os posseiros em geral são migrantes oriundos doNordeste ou de outras regiões. Eles são as grandes vítimas dos grileiros ou empresáriosque arranjam títulos de propriedade e controlam jagunços para expulsá-los da terra.”(PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 15).

“Empresários – Também chamados genericamente de ‘paulistas’, os empresários sãopessoas ricas ou empresas que adquirem enormes extensões de terra na Amazônia,munidos de títulos de propriedade duvidosos. Eles surgiram a partir dos incentivosfiscais concedidos pela Sudam para implantação de projetos agropecuários. Normalmenteos empresários adquirem os títulos de propriedade sem conhecer a área, pois só avistoriam de avião.” (PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 15).

“Indígenas – São o elo mais frágil na estrutura de ocupação da Amazônia. Constantementeexpulsos das terras que habitam, eles são exterminados ou obrigados a se confinar em‘reservas’ especiais (como o Parque Nacional do Xingu), que são muito mal protegidaspelo governo. Ou, então, têm de se aculturar e se transformar em ‘peões’ ou trabalhadoresde baixa remuneração.” (PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 15).

“Grileiros – Os grileiros são pessoas que se apoderam ilicitamente de grandes extensõesde terras, através da obtenção de títulos falsificados.” (PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 15).

“Jagunços – Os jagunços são ‘pistoleiros’ ou ‘seguranças’ contratados por grileiros,empreiteiros ou empresários para patrulhar as suas terras e expulsar delas os posseiros.”(PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 15).

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acumulação, pois estes fazem parte do modo de concentrar a terra.Neste episódio, as principais “vítimas dos conflitos de terras sãoindígenas e posseiros, ao passo que os beneficiários são grileiros,latifundiários e empresas” (IANNI, 1986: 143). Para MARTINS (1997:104), os posseiros não são trabalhadores sem-terra, e desta formanão podemos confundi-los. Estes “são trabalhadores privados dodireito legal sobre a terra que ocupam”.

O modelo de colonização ali implantado não respeitou odireito à terra, foi propositalmente articulado para beneficiarprincipalmente a burguesia agrária. Neste espaço grandes projetosde conglomerados econômicos, tanto nacionais como internacionais,defrontaram-se com posseiros vivendo há muito tempo na região etambém com os recém-chegados. Estes grupos econômicos,beneficiados pelos incentivos fiscais, e também com apoio em todaa infra-estrutura por parte do Estado, viabilizaram a produção demercadorias e realizaram seu objetivo maior, a expansão para aacumulação.

Dessa forma, os grandes empreendimentos encontraramtodo um aparato que interessa à elite dominante do País, sempreamparada por leis protecionistas que contribuem para a expansãocapitalista e, conseqüentemente, à expropriação dos posseiros. Osprojetos da burguesia efetivaram-se na região sem, no entanto,tomar conhecimento se eram implantados em terras dos povosoriginários ou dos posseiros, como foi visto no capítulo anterior.

Os posseiros são formados entre os povos marginalizadose despossuídos ao longo dos tempos, alguns provenientes de fasesanteriores de penetração na região como: extrativismo florestal;garimpagem; agropecuária; e povos originários culturalizados.Também há os recém-chegados, estes vindos de regiões com sériosproblemas sociais – principalmente do Nordeste brasileiro –, frutosda colonização espontânea recente.

Ambos são formados geralmente por caboclos que cultivamo solo de forma primitiva, produzindo quase na totalidade para asubsistência familiar. Contudo, carregam o sonho de vida melhor ebuscam a dignidade para si e seus familiares na utilização da terra.Neste propósito são crentes de poder conquistar, através de suaspróprias forças o “mel” prometido, e este pode ser apenas umapromessa, mas a esperança existe. Todo o empenho é direcionado

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no sentido de participar da ceia prometida e o encontro com o potede “mel” é a meta de todos os posseiros amazônicos.

Os principais produtos de suas roças são o arroz, o milho, ofeijão e a mandioca; costumam também criar algumas cabeças degado, principalmente bovino e caprino para a produção de leitepara o autoconsumo. Vivem de forma bastante rudimentar, tendopouco ou quase nenhum acesso à educação e à saúde, sem amenor assistência sanitária, sendo a higiene bastante precária. Alémdisso, o posseiro, através de sua cultura não sente a necessidadede possuir titulação da terra, pois foi acostumado a sempre teracesso a ela, entendendo que a floresta pertence à natureza e,sendo da natureza, pertence a ele.

Historicamente na região, o deslocamento dos grupos deposseiros foi facilitado pelo acesso através dos rios navegáveis,mas recentemente a penetração foi facilitada pelas rodovias deintegração nacional. No entanto, a partir da entrada mais acentuadados grupos econômicos, impulsionados por órgãos governamentais,a tranqüilidade dos posseiros e dos povos originários deixou deexistir. As áreas com posseiros e povos originários são consideradasum problema para os capitalistas e passaram a ser áreas de conflito.

O acesso dos grupos econômicos na região é facilitado, sendocomuns “anúncios de jornais relativos à venda de terras naAmazônia, mencionando freqüentemente, como uma das qualidadesdo imóvel, que justifica o preço pedido, o fato de que a áreaoferecida à venda ‘não tem posseiros’“ (MARTINS, 1995: 116).

Por causa dos conflitos no Estado do Acre4 , muitas centenasde milhares de posseiros não vivem mais no território brasileiro,foram expulsos de sua própria pátria, vivendo agora na fronteiracom o Peru e com a Bolívia. São posseiros expropriados de suasterras, por forças capitalistas interessadas em expandir-se nestaregião. MARTINS (1981: 88) enfatiza:

Quem vive há décadas nessa região – observou um brasileiro que

4 Acre, Estado do Norte brasileiro que compõe a Amazônia Legal, com população de557.337 habitantes em 2000; sua capital é Rio Branco, com área de 153.149,90 km².Limita-se internacionalmente com o Peru e a Bolívia. Este Estado foi anexado ao territóriobrasileiro no começo do século XX. O interesse do Brasil nesta área foi pela grandequantidade de seringais para produção da borracha. Este produto foi de maior exportaçãoda Amazônia, principalmente entre 1870 e 1912.

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hoje mora na Bolívia – termina aprendendo uma lição, simples e

clara: seringueiro e colono não têm pátria. Somos joguetes nas mãos

de grupos poderosos. Quando quiseram anexar o Acre ao Brasil

recorreram aos nossos pais e avós. Agora, que não precisam mais

da gente, utilizam os jagunços5 , que deveriam ser nossos irmãos, e

queimam nossas casas, incendiam nossas roças, prendem-nos e

a nossos filhos. Onde está a pátria nesta história?

Muitos que lutaram por melhores dias para si e para os seuspereceram na longa caminhada, mas permanecem vivos com ashistórias de suas lutas sociais6 . Para SILVA (2001: 201), “sem osseringueiros provenientes da região Nordeste, o Acre possivelmentenão seria brasileiro (...) em 1899, o Acre produzia mais de 60% daborracha da Amazônia”.

As lutas entre posseiros e grupos econômicos acontecemde forma desigual; enquanto a grilagem da terra, promovida porempresários, chega com um aparato político, econômico, jurídico ecom os jagunços, os posseiros são completamente desprovidos dequalquer estrutura para possíveis enfrentamentos.

O crime organizado atua impunemente na região. “Poucomais de oitenta milhões de hectares de terras na Amazônia legalforam ‘griladas’ nesta década [70], mas é provável que muito maisdo que isso esteja sendo apossado ilegalmente por particulares”(PINTO, 1980: 17). Os empresários têm ao seu dispor advogados,recursos financeiros, jurídicos e transporte rápido, como aviões, ecompram áreas de terras com auxílio de mapas. É possível consultarno Diário Oficial de um dos Estados da região amazônica de

5 Na luta pela posse da terra, e para dar continuidade às funções dos pais e avós noextrativismo, muitos seringueiros morrem lutando. É o que aconteceu em Xapuri, noAcre, com o sindicalista Chico Mendes, líder seringueiro morto por jagunços, a mandodos empresários da terra. Foi morto no dia 23 de dezembro de 1988, aos 44 anos, comum tiro de espingarda calibre 12, na porta de sua casa. Mendes era conhecidointernacionalmente por ter sido premiado pela luta ecológica. Recebeu o prêmio Global500 da ONU e o prêmio da Sociedade para um Mundo Melhor, na Inglaterra (MELLO, 1991:63-64).

6 “Os homens fazem a sua história, mas não a fazem arbitrariamente, nas condiçõesescolhidas por eles, mas sim nas condições diretamente determinadas ou herdadas dopassado. A tradição de todas as gerações mortas pesa inexoravelmente no cérebro dosvivos.” (MARX, 1980: 17).

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interesse, e verificar as publicações sobre terras disponíveis paraefetuar a compra.

Por outro lado, o aparato dos recursos ilegais vai desde asimples alteração de números nos títulos ou sua completafalsificação, até complicadas manobras articuladas por advogadosinescrupulosos (PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 18; e SODRÉ, 1980: 17).Segundo o relatório sobre a grilagem de terras no Brasil, produzidopelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, “na Região Norte, osnúmeros são preocupantes: da área total do Estado do Amazonas,de 157 milhões de hectares, suspeita-se que nada menos que 55milhões tenham sido grilados” (JUNGMANN, 2001: 2).

RETRATO DA GRILAGEM DE TERRAS NO BRASIL. QUANTIDADEDE ÁREAS QUE ESTÃO COM SEUS CADASTROS CANCELADOS

PELO INCRA, MAS CONTINUAM SOB INVESTIGAÇÃO DASIRREGULARIDADES

Este é o retrato da virada do milênio, pois estas práticassão o resultado de um Estado que trata de maneira diferente osposseiros e os grupos econômicos. Não se trata de um Estadoomisso, mas conivente e, historicamente, colocado a serviço dosgrupos econômicos, que fazem o papel de reprodução da classeburguesa por meio das representações políticas na última fronteirade colonização.

Os posseiros, dentro desta luta desigual, enfrentam a faltade recursos financeiros e do conhecimento jurídico. A assistênciajurídica encontra-se distante, e para chegarem às instâncias dedecisões, os caminhos são longos e complicados, pois geralmentequando chegam aos sindicatos ou órgãos para assisti-los, o prazode representação na justiça já venceu. É bom lembrar que noperíodo da ditadura, o Estado reprimia toda e qualquer iniciativados movimentos sociais, principalmente as representações sindicais.

Unidade de Federação

M ato GrossoParáAm azonasOutros EstadosTotal no Brasil

Núm ero de Im óveis Área em hectares9604221861.4973.065

22.779.58620.817.48313.905.00236.118.51693.620.587

Fonte: Elaboração própria com base no Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário(2001: 6).

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A partir da intensificação do processo de ocupação, as áreasde maior tensão passam a ser ao longo das rodovias, em áreasférteis, vales úmidos, florestas ricas em madeiras e regiões comdescobertas de minerais. A luta pela posse da terra através dosmovimentos sociais da classe desprotegida é desprezada e sufocadapelos capitalistas. SHIVA (2001: 25) diz que:

o capital é, dessa forma, definido como uma fonte de liberdade que,ao mesmo tempo, nega a liberdade à terra, às florestas, aos rios e àbiodiversidade, que o capital reivindica como seus, e a outros sereshumanos cujos direitos se baseiam no seu trabalho. A devolução dapropriedade privada ao povo é vista como expropriação da liberdadedos detentores do capital. Assim, camponeses e povos tribais queexigem de volta os seus direitos e acesso a recursos sãoconsiderados ladrões.

Neste sentido, a luta do MST7 – Movimento “Sem-Terra”,reflete a situação que vive a maioria da população brasileira. Dadosdeste movimento indicam que “1% da população é dona de 46%das terras brasileiras e apenas 60 milhões de hectares se destinamà lavoura, dos 360 milhões aptos para a agricultura no país” (GOHN,2000: 116). Nesta perspectiva, “menos de 20% da terra cultivável éplantada, deixando 80% para funções não produtivas” (PETRAS eVELTMEYER, 2001).

Por outro lado, os que não têm acesso à terra formam umgrande contingente de desprovidos, fruto das desigualdades doprocesso social, como desempregados, posseiros expropriados,moradores de rua, agricultores, entre outros. Os despossuídos doBrasil estão “formando um coletivo dos excluídos do mundo dotrabalho e do mundo da vida” (GOHN, 2000: 132). Assim, GOHN (2000:114), citando OLIVEIRA, (1997) e GARRETÓN (1998), enfatiza:

7 “MST é um movimento social que atua sobre um problema milenar na sociedade brasileira,advindo de necessidades e direitos sociais básicos elementares, que são o direito àcomida, ao abrigo e ao trabalho. Ele atua enquanto um ator político e sua demanda básicaé a terra –, além de incidir diretamente sobre aqueles direitos básicos, também comrespeito a um dos pilares da sociedade capitalista, que é a questão da propriedade. OMST questiona a apropriação e distribuição desta propriedade ao propor novas formasde acesso à terra. Propõe um ‘igual’ numa sociedade marcada pela clivagem dadesigualdade sócio-econômica e político-cultural.” (GOHN, 2000:153-54).

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O MST é um ator político porque atribui qualidade aos atores sociaisque compõem suas bases ao inseri-los num plano que vai além daluta pelo acesso à terra, que é a luta pela democracia, pela igualdade,contra a exclusão. Ele se formou ao redor de uma identidade – sem-terra e luta para alterar a qualidade desta identidade passando a serum com-terra um “igual”, sem passar pelo funil divisório que é acompra. Quer o acesso à terra pela posse com direitos iguais quedetêm a sua propriedade e com isto ele perturba a lógica e a ordemdas relações demarcadas na sociedade. Por isto, ele tem uma faceinovadora e perturbadora à ordem dominante.

O MST é fruto dos movimentos sociais dos trabalhadoressem-terra e dos sem-posse, e tornou-se a organização maisrepresentativa da última década na busca da reforma agrária noBrasil. Através de lutas desiguais com os latifundiários e a presençade jagunços fortemente armados, acompanhados de leis que osbeneficiam, favorecimentos políticos e, em muitos casos, proteçãopública e corrupção da justiça e dos órgãos do Estado, o capital seestabeleceu na região Amazônica de forma triunfante, sem, noentanto, atender às reivindicações do movimento “sem-terra” doPaís. Por outro lado, o grileiro tem grande capacidade para aconquista da terra, pois possui tratores, caminhões, aviões edezenas de jagunços acostumados a “legalizar” glebas noutroslugares (REIS, 1992: 8).

Dentro desta perspectiva, “a grilagem de terras é um dosaspectos dessa luta cada vez mais intensa e generalizada, por meioda qual os grileiros e empresários, latifundiários e fazendeirosbuscam expulsar índios e posseiros das terras nas quais vivem há5, 10, 15, 20, 40 ou mais anos” (IANNI, 1986: 165-66). O posseiro,pessoa simples e com costumes nativos, não está preparado paraenfrentar mudanças tão radicais dentro de seus conceitos e valores,e ter que lutar para poder permanecer na terra é algo estranhopara ele. IANNI (1986: 166) esclarece que:

nesse contexto, os posseiros antigos e recentes, e os índios sãopressionados ou expulsos das suas terras. Daí as freqüentesfraudes, pendências e lutas que se generalizam em diversas partesda Amazônia. Assim, ao mesmo tempo que a burguesia pressiona,submete ou expulsa posseiros e índios, também se estabelece eaguça a controvérsia entre diferentes grupos da própria burguesiaem luta pela apropriação privada da terra. Tanto assim que com

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freqüência o poder público tem sido levado a anular títulos de terrasfalsificados, ou sem requisitos legais completos.

Em 1971, através da indústria da falsificação de documentosde terras no “Estado do Pará restavam como terras devolutas menosde 10% de todo o território, que tem 1,24 milhões de quilômetrosquadrados” (PINTO, 1980: 130). Por outro lado, o Estado mato-grossense não possuía mais terras devolutas. Ocorre na regiãoamazônica a “reprodução de uma estrutura fundiária cada vez maisconcentrada” (OLIVEIRA, 1997: 126). Segundo levantamentos feitos,“técnicos [do governo] acreditam que existam pelo menos dez mildocumentos de terras falsos no Pará, mas que em geral conseguemboa comercialização. A indústria dos títulos falsos prosperoubastante entre 1963 e 1967” (PINTO, 1980: 160), no início do governomilitar. Segundo OLIVEIRA (1997: 126), “18 proprietários apenasconcentram na Amazônia um total de mais de 19 milhões dehectares”.

Os grupos econômicos foram estimulados a “procurargrupos de falsificadores que oferecem títulos feitos em quarenta eoito horas” (PINTO, 1980: 160) A astúcia é tão bem montada que“nem sempre é possível distinguir o que é irregular do que é ilícito”(PINTO, 1980:161). Por outro lado, os funcionários dos órgãoscompetentes, em alguns casos coniventes, contribuíam paraefetivar as fraudes. Desta forma, “qual o documento falso que sepreza que vai abrir mão de carimbos oficiais?” (MARTINS, 1981: 104).

É nesta perspectiva que surgiram grandes nomes da fraudena região. Podemos usar como exemplo “o mais famoso ‘grileiro’ daAmazônia, era um ex-tabelião de um cartório de 1º oficio, João Inácio,chefe de uma quadrilha que atuou em Goiás ‘grilando’ quase todoo município de Ponte Alta do Norte e áreas de mais duas, num totalde doze fazendas” (PINTO, 1980: 33). O escândalo e a corrupçãosão tão grandes na região que frases comuns são ditas porquadrilhas: “se o governo não dá a terra, nós damos” (PINTO, 1980:42). Porém, o fato mais curioso foi o ocorrido no Estado do Pará. OMinistério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário(JUNGMANN, 2001: 14) denuncia que:

ao longo de mais de duas décadas, a partir de 1975, doisportugueses, Manoel Joaquim Pereira e Manoel Fernandes de Souza,hoje falecidos, tiveram centenas de imóveis – em 83 municípios do

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Estado, totalizando aproximadamente nove milhões de hectares –inventariados em nome de Carlos Medeiros, a quem teriam sidotransmitidos em “cessão onerosa de direitos hereditários”. Estasterras foram em seguida vendidas por Carlos Medeiros a dezenasde terceiros, pessoas físicas e jurídicas. Todas as terras do espóliodos portugueses eram públicas, pertenciam à União ou ao Estadodo Pará. Carlos Medeiros jamais foi localizado, nem mesmo pelapolícia ou por seus próprios advogados, tendo ficado evidente tratar-se de pessoa fictícia.

Na Amazônia, a grilagem de grandes áreas não ficou sónas terras da União, quando investiu contra a pequena propriedadeproporcionou uma luta desigual, pois “o Estado, através de seusmandatários e instâncias diretas (tribunais, quartéis e polícia) ouatravés das instâncias indiretas, como os cartórios, não raro seposiciona contra o lavrador e sua causa” (FERREIRA, 1986: 195).

O Estado, além de comprometido com as classes maisfavorecidas, é conivente ou omisso para proteger os gruposeconômicos, pois somente no ano de 1975 “em todo o Estado doPará há apenas um juiz e seu substituto, para questões agrárias.Só na justiça federal há pelo menos 5 mil processos tramitandonesse momento” (MARTINS, 1981: 104). O Estado poderia designarmais juízes, o problema é que estes precisam apresentar trabalho,o que complicaria os interesses dos grupos constituídos naaplicação de leis fazendo justiça.

São grandes as dificuldades para os posseiros e os colonoslegalizarem suas terras no território amazônico, pois sofrem pelamorosidade do Estado. Enquanto a burguesia da terra recebe seusbenefícios rapidamente devido às diferentes condições, sejam elaseconômicas, políticas, legais e também ilegais, muitos dos posseirosficam impossibilitados de reivindicar seus direitos por não saberemler e escrever e por não possuirem documentos como: carteira deidentidade, título de eleitor, Cadastro de Pessoa Física – CPF ecertificado de reservista para os homens. Muitos destes nãopossuem nem sequer registro de nascimento. Neste sentido, “nointerior não há justiça gratuita, e esse homem do mato não sabe irbuscar em juízo os seus direitos” (MARTINS, 1981: 113).

Neste processo, lhes resta a alternativa de transformarem-se em comunidades flutuantes, pois são forçados a abandonar odireito de posse, através de sucessivas mudanças em busca de

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novas terras ou compor o exército industrial de reserva das cidadesfabricadas. Assim, os grupos organizados determinam os destinosdos menos favorecidos da floresta e fazem a lei no sertão. As milíciasdo exército civil, que é formado por jagunços e pistoleiros, praticamatrocidades brutais em nome do capital. As “empresas empurramos pequenos produtores para terras menos férteis ou menosacessíveis através de violento processo de expulsão e expropriaçãode suas terras. Não só por queima de suas casas ou assassinatopelos jagunços” (BECKER, 1996; 30), mas por mecanismosimpulsionados pela política governamental, que se encarrega daexpropriação.

Segundo BECKER (1996: 31), “a ocupação do norte mato-grossense, por exemplo, teve sua base na grilagem de terras”. Estaregião “tem se constituído em um paraíso para o capital, para osespeculadores e para os grileiros que têm atuado livremente com o‘apoio’ do próprio governo” (OLIVEIRA, 2001: 156). Para seapropriarem das terras onde estão os posseiros instalados comsua agricultura e pecuária bastante rudimentares, os latifundiárioscolocam no cenário verdadeiros quartéis de homens, sempremuniciados de estrutura armada, com alto poder de pressão porparte dos que possuem a titulação das áreas, na grande maioriadas vezes irregulares, conforme foi apontado.

Por outro lado, “se até 1970 a expectativa dos camponesesnas frentes pioneiras era de permanecer por dez a vinte anos naterra antes de o proprietário aparecer e migrar uma ou duas vezesna vida, depois, com a aceleração do ritmo de ocupação, essaexpectativa se alterou para dois anos apenas de permanência nolote e quatro a cinco migrações por expulsão” (BECKER, 1996: 39).Atualmente, a grande maioria dos posseiros estão engrossando oscinturões de pobreza nas “cidades fabricadas” pelo capital, e servemde exército industrial de reserva aos grandes projetos de expansão,por ser esta a única alternativa que lhes restou do processo violentopraticado contra os posseiros na região.

Nos últimos anos tornou-se quase impossível ser posseirona Amazônia brasileira, dada a brutalidade imposta contra eles porgrupos armados. Assim, o “mel” tão esperado, mais uma vez énegado a estas pessoas simples. Não lhes é dado o direito desubsistir em harmonia com a natureza, pois a sanha do capital lhesrouba o direito de sonhar e lhes são sufocadas as perspectivas devida. Em muitos casos estes heróis da floresta são assassinados

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antes de colocar a mão calejada no pote sagrado que a naturezalhes deixou gratuitamente.

Neste vasto espaço da natureza é roubado o sonho doshomens, das mulheres, dos jovens e das crianças de viverem empaz e harmonia com os ecossistemas. Através de práticas violentas,a expropriação dos posseiros é realizada por jagunços e pistoleirosem nome do capital organizado. Assim, através de profissionaisfortemente armados que “fazem parte dos quadros de empregadosde muitos latifúndios” (MARTINS, 1991:98), faz-se a lei na floresta,mas a lei de interesse da elite da terra.

Estes profissionais exercem a função de coronéis do sertãocom a finalidade de guardar as propriedades já adquiridas e, quandonecessário, são usados para conquistar mais terras. Para atingiros objetivos dos grupos organizados, realizam a expulsão dosposseiros e dos povos originários com métodos não convencionais,fazem ameaças, queimam suas roças e casas, violentam esposase filhas e praticam os assassinatos.

O jagunço faz parte do quadro de marginalizados edespossuídos no processo de acumulação do capital, mas servede força de trabalho ao poder acumulador. Eles trabalham contraas pessoas de sua própria classe e praticam a violência contra seupróprio grupo em nome do capital. São, na maioria, marginaisaltamente perigosos, fruto da exclusão social, e a eles tanto fazmatar como morrer. Através das armas demarcam limites, assegurama propriedade privada e fazem a lei na selva, tudo em nome docapital e da expansão dos grandes projetos econômicos aliinstalados, principalmente nas últimas décadas.

Os conflitos com os posseiros e os povos originários, atravésda investida capitalista na região, têm como resultado aexpropriação de forma violenta, em muitos casos seguida de morte– basta o posseiro não se submeter às regras impostas peloscapitalistas. Nestes episódios “os conflitos envolvem centenas demilhares de camponeses atingidos com extrema violência atravésde seqüestros, assassinatos, espancamentos, prisões arbitrárias,queimas de roças, de casas e benfeitorias várias, que colocam sobextrema tensão milhares de famílias” (KOWARICK, 1995: 175).

Os mecanismos repressivos da ditadura vinham sempreacompanhados de formas estratégicas para camuflar os conflitossociais do País, bem como dar aparência à população detransparência no processo de ocupação da Amazônia. Para OLIVEIRA

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(2001: 7), “no Brasil das últimas décadas, um grande número deconflitos, em geral sangrentos, têm acontecido no campo”. Nestesentido, “entre 1964 e 1985, quase seiscentos camponeses foramassassinados em conflitos na região amazônica, por ordem deproprietários que disputam com eles o direito à terra” (MARTINS,1997: 150). Nestes episódios o poder das armas demarca os níveisda violência, e o domínio econômico e político assegura aimunidade.

Para FALEIRO (2001: 320), “dos 705 casos de trabalhadoresrurais assassinados no estado do Pará de 1964 a 1998, só 113deram origem a processo, que tramitaram ou estão tramitando najustiça”. Conforme PETRAS e VELTMEYER (2001, 150), “entre 1985 e1999, dos 1.158 ativistas rurais assassinados, apenas 56 pistoleirosforam julgados e só 10 foram condenados”. Entretanto, “liderançassindicais de trabalhadores, religiosos, advogados entre outros, têmsido cruelmente assassinados ao arrepio da lei. A justiça continuasendo a única ausente do campo nos dias de hoje” (OLIVEIRA, 2001:7). Exemplo da violência de nossos dias é o “massacre dostrabalhadores rurais sem terra no sul do Pará, pela Polícia Militar”(MARTINS, 1997: 55). Assim, “no país, a questão agrária tem duasfaces combinadas: a expropriação e a exploração” (OLIVEIRA, 2001:100).

Considerando apenas os dados de 1988, após o regimemilitar, “ocorreram na Amazônia Legal 247 conflitos agrários,envolvendo 18,3 milhões de hectares e 128.503 pessoas, resultandoem 63 mortes, centenas de ameaçados de morte, prisões ilegais,torturas agressões etc.” (KOWARICK, 1995: 175). Neste ano tambémmorreram entre as tantas pessoas, o deputado João Carlos Batista,do Pará, e o sindicalista rural de Xapuri, no Acre, Chico Mendes,vítimas dos conflitos de terra. As vítimas dos abusos por parte deempresas com grandes projetos são os índios, os posseiros e osgarimpeiros, através de disputas de terras na região. A violênciaestá presente em todas as partes, ela aconteceu principalmente,no regime ditatorial, mas também acontece sem ele. As vítimas sãofruto da expansão e da sanha do capital em concentrar riqueza naregião e, com o final da ditadura não significou o final da expansãona região, pois o grande projeto de acumulação permanece ali.

Os assassinatos dos posseiros, dos indígenas e dosgarimpeiros raramente são divulgados na grande imprensa.Acredita-se que milhares de vidas foram ceifadas, fruto da cobiça

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da posse da terra na região. Os dados oficiais revelam apenasuma quantidade insignificante do que ocorreu nas fazendas daAmazônia brasileira, pois as mortes ficaram no anonimato, devidoà conivência do Estado com os agressores e do aparato paraacobertar os crimes. Aos sobreviventes expulsos da terra restam-lhes formar os cinturões aglomerados de pobreza ou somaram-seao exército industrial de reserva para servir ao capital comoproletários.

É comum ouvir histórias narradas por empresários desucesso, considerados como “pessoas de bem” na sociedade emque vivem, que mostram a forma violenta como expulsaram famíliasde suas terras e ficaram impunes. Para exemplificar, reproduzimosa história contada por uma pessoa e, mesmo tendo autorizado acitação, preferimos mantê-la no anonimato por uma questão desegurança. A entrevista ao autor foi realizada em 20/7/2000,apresentando a seguinte situação:

A história contada é de um rapaz relativamente jovem. Há mais dedez anos ele e sua família vieram conhecer o Norte do Estado deMato Grosso. Aqui se encantou pela terra, suas riquezas naturais e,sobretudo, por vislumbrar a possibilidade de ser “dono da terra”, devirar fazendeiro, agropecuarista. Adquiriu, juntamente com algunsdos seus irmãos e o pai, imensas áreas. Mas logo percebeu que jáhavia gente no local. Não desanimou, afinal estava na selva, na terraonde, na época, não havia lei ou não se aplicava a lei. Foi em frentee, armado, determinou a retirada dos posseiros. Ele também eraposseiro. Mas um posseiro “diferente”, afinal tinha dinheiro e era deuma família com um certo poder aquisitivo. Os posseiros resistiram.A resistência, no entanto, foi por pouco tempo. À noite, o rapaz voltouà área já ocupada e, juntamente com alguns dos seus irmãos eoutros capangas contratados para realizar a expulsão, executouvários homens. No meio da mata, eles enterraram os corpos. Omais impressionante é a forma fria como este empresário, que hojeé madeireiro e agropecuarista, conta a história. Em sua narrativa, oex-grileiro/empresário, que condena a ação do Movimento dos Sem-Terra, disse que, para não ter muito trabalho, cortou os corpos emvários pedaços e enterrou todos em uma só cova. Até hoje não foipunido pelo crime. A polícia nem ficou sabendo e, se ficou, ignorou,já que havia uma grande conivência entre eles.

Fatos desta natureza ficam fora das estatísticas oficiais, pois

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o processo de colonização da Amazônia mostra um quadrosangrento e dramático. Por este motivo, o modo de acesso à terra“sempre esteve atravessado por grilagens, emissão de títulosduvidosos, falsos, como se fosse uma história de faz-de-conta”(OLIVEIRA, 1997: 67). As estatísticas, como vimos, não demonstrama realidade, tendo em vista que, no período da ditadura, os dadosreais da violência ficavam às escondidas, esta era a estratégiaadotada pelo Estado para favorecer o capital. Para o capitalista “oposseiro operou como desbravador do território, como amansadorda terra” (MARTINS, 1991: 67). Num segundo estágio, basta entrarna área, pois o posseiro e o índio já iniciaram a abertura da florestapara transformá-la em um grande latifúndio capitalista.

Para ilustrar os fatos, faz-se necessário conhecer o casode Santa Terezinha, no Estado de Mato Grosso, entre os váriosacontecimentos contra posseiros. Conforme OLIVEIRA (1997: 74-75),no ano de 1966 a indústria da grilagem conseguiu transmitir àCodeara, empresa agropecuária, 200.000 ha de terras, incluindonesta transação o povoado de Santa Terezinha, fundado em 1922.Neste local, desde 1931, já existiam a igreja e a escola para servirà comunidade. Em 1965, os posseiros também fundaram umacooperativa. Após comprar esta área, a empresa, aproveitando-seda ditadura, fez pressão sobre os posseiros, exigindo a suatransferência para outras áreas.

A área ocupada pelos posseiros era de 10.000 ha, apenas5% do total. O grupo econômico colocou tratores de esteira parademolir as construções dos posseiros, sempre acompanhados pelodestacamento militar, inclusive prendendo posseiros. No decorrerhouve tiroteios, pois os funcionários da empresa estavam armadose os posseiros reagiram ao ataque. Este episódio não foi divulgadona época, pois estávamos em pleno regime militar, momento emque o controle sobre os meios de comunicação era pleno, e sóveiculavam as notícias de interesse do capital e do Estado.

Neste mesmo sentido, OLIVEIRA (1997: 76-77) afirma que ocomando militar foi designado para averigüar o local com umbatalhão de 80 homens, e prenderam seis posseiros, dos 40denunciados. Os seis posseiros presos foram levados para Cuiabá,os demais tiveram que abandonar suas casas fugindo para a mata,vivendo durante 105 dias na clandestinidade, alimentando-se decarne de macacos e frutas silvestres. Depois de muitos anos deconflitos, os posseiros sempre receberam apoio da igreja católica,

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principalmente através do padre Francisco Jentel, este tambémpreso e condenado a dez anos de prisão. Porém, através de recursono Superior Tribunal Militar em Brasília, desqualificou-se o processoe Francisco Jentel foi preso em 1975, em Fortaleza e expulso doPaís, por decreto assinado pelo Ministro da Justiça, Armando Falcão.Como acerto com os posseiros, em 1972 foram destinados 2.446ha para área urbana do distrito. Também 120 posseiros foramtitulados com uma área de terras de 100 ha cada um. No final dosanos 70, o distrito foi elevado à categoria de município8 . Hoje é umpequeno município; conforme dados do censo do IBGE (2001),vivem 6.222 habitantes neste local. Apresentamos este episódiopela ousadia dos grupos econômicos, pois neste local, hoje, algunsdos posseiros que ali nasceram estão com mais de 80 anos deidade.

Nos acontecimentos que envolvem colonos, posseiros e ospovos originários, a igreja católica tem um papel muito importante,pois “os bispos de Marabá, D. Alano Pena, de Conceição doAraguaia, D. Pedro Casaldáliga, são apontados como ‘os preladosvermelhos do vale do Araguaia” (MARTINS, 1981: 106). A igrejacatólica foi a única instituição com capacidade de enfrentar osmilitares no período 1964-85. Ela contribuiu para a redução daviolência contra os povos oprimidos na implantação dos projetoseconômicos, bem como no que tange a assistir posseiros eindígenas.

Entretanto, ao invés da ocupação dos chamados “espaçosvazios”, aconteceu o esvaziamento da região, através dopreenchimento de imensas áreas por poucos beneficiados,proporcionando a concentração da terra. Isto é fruto da estruturafundiária vigente no País, pois beneficia o grande capital em

8 Assim narramos o desfecho de um caso que teve alguns ganhos por parte dosposseiros, mas o normal é a expropriação e a violência praticadas pelos gruposorganizados. Também no decorrer da ocupação da Amazônia a igreja se apresenta naregião como protetora dos povos oprimidos pelo capital nacional e internacional,principalmente os posseiros e os povos originários. “A igreja católica tem um papelfundamental na organização dos posseiros. Face à omissão do governo central quantoà violência, por ele aceita como preço necessário a ser pago pelo desenvolvimento, aigreja torna-se talvez a única organização no país com poder e autoridade para enfrentaro poder governamental, particularmente as forças repressivas de segurança.” (BECKER,1996: 39).

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detrimento aos interesses das massas que buscam a terra. MARTINS

(1991: 76) enfatiza:

A Amazônia é hoje uma das regiões mais tensas do país, exatamenteporque nela estão se acumulando tensões geradas em outras áreas,ao mesmo tempo que a reprodução deliberada e exacerbada daestrutura fundiária concentracionista, que expulsa lavradores etrabalhadores rurais, faz dela uma região de desespero.

As formas de violência na região não ficam somente nosassassinatos. Elas ocorrem também pela submissão, pela imposição,pela dominação, pelo controle e todas as formas que tiram aliberdade e as perspectivas das pessoas. Neste sentido, OLIVEIRA

(1997: 89) relata:

o grande capital do Centro-Sul, nacional e multinacional está abrindoa Amazônia, para a sua reprodução. Não há lugar onde a violêncianão se faça presente. E os governos, militares ou não, têm ficado aolado dos grupos capitalistas, na sua defesa intransigente que,gradativamente, faz da Amazônia um território para o capitalinternacional no Brasil.

O relatório da COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DA

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA mato-grossense (1995: 4) detectou que,entre os principais problemas fundiários do Estado, podemos citaros seguintes: “superposição de títulos; títulos sem amarração; títulosexpedidos fora da fronteira do Estado; títulos em áreas de reservalegal; fraude no registro de títulos; influência política/econômica natitulação; irregularidades em colonizadoras; permutas de áreas semcritério técnico; invasão de áreas etc.”. Como realmente acontecea apropriação e a legalização das terras na Amazônia no períododa ditadura, é mostrado de forma mais clara por OLIVEIRA (1997:83-84), afirma:

naquele período, as empresas, para aplicar os incentivos fiscais,passaram a adquirir títulos de propriedade de terras, que obedeciama lógica da “grilagem legalizada”. Ou seja, um “procurador” obtinha-os através de procurações passadas por pessoas que, às vezes,nem sabiam o que estavam assinando ou, então, até recebiam umacerta quantia em dinheiro para assinarem; e, mesmo em época deeleição, aproveitava para oferecer títulos de terras para quem votasse

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nos “candidatos do governo”. De posse desta procuração, o“procurador” dava entrada no órgão governamental competente eobtinha em nome de terceiros os títulos de propriedade de terrasdevolutas. Como se sabe, anexava ao processo duas declaraçõessabidamente falsas, uma de que nas terras solicitadas não haviaíndios, e outra de que não havia posseiros. Com os títulos em mãos,diga-se de passagem, com todo o “falso levantamento de divisas”feito por profissionais habilitados (engenheiros civis, arquitetos,agrônomos etc.) passava a oferecê-los aos grupos econômicos doCentro-Sul do país, isto quando não foram estes mesmos gruposque executaram o processo de grilagem sobre essas terras eobtiveram os títulos por esse caminho.

Não podemos generalizar a questão das irregularidades daterra na Amazônia. A maioria dos grupos da agropecuária e doextrativismo se reproduzem em terras hoje regularizadas. Todo esteprocesso de fraudes, bem como o aparato de benefícios e leis, foicriado para proteger o grande capital e, assim, a legalização dasterras na Amazônia é semelhante a passagem bíblica damultiplicação dos pães. Para SHOUMATOFF (1990: 58), “se vocêcompra 50 hectares, vai ao cartório e registra 500. Mais tarde, muda-se o número por 5 mil. Eles continuam adicionando zeros, enquanto80 por cento dos camponeses não têm nada”.

Observa-se que, com o fim do regime da ditadura militarem 1985, o cenário pouco mudou quanto ao desrespeito aosposseiros e aos povos originários na região. O governo continuafortemente comprometido com o capital, seja ele nacional, sejainternacional, pois a manutenção política e o poder continuam sendofruto das forças econômicas. Todavia, não percebemos melhorassignificativas que venham minimizar os problemas sociais criadosna região, principalmente no que diz respeito a dar oportunidadesaos menos favorecidos.

Em regime ditatorial ou não, a investida capitalista na regiãoem nada mudou. A Amazônia está sendo totalmente devastada porgrupos econômicos que estão usufruindo dos recursos florestais,minerais e hídricos, conseqüentemente poluindo os ecossistemase destruindo a fauna e a flora. Os lucros produzidos por estasempresas, em sua maioria, são investidos fora da Amazônia, inclusivefora do País. São socializados aos povos amazônicos, por estasempresas, a poluição atmosférica proveniente das queimada, a

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poluição dos rios através do uso indiscriminado de mercúrio pormineradora e o uso de desfolhantes para abertura da mata.

Contudo, culpam os brasileiros de serem os destruidoresdos recursos naturais e, conseqüentemente, poluírem a região.Assim, o posseiro não encontra o “mel”, mas, segundo a crença, o“mel” prometido pode estar em outro lugar da Amazônia, basta terpaciência e procurá-lo. Talvez ele possa ser visto nas frentes detrabalho, através da abertura da mata. A dificuldade de encontrá-lopode ser explicada: a Amazônia é imensa e talvez ele esteja mataadentro. Então é bom não desistir de procurá-lo. Nesta lógica, avida continua...

Muitas das áreas regulares de hoje, no passado tiveram ainterferência da indústria do crime organizado para legalizá-las e,os atuais proprietários muitas vezes, não têm o conhecimento dasmanipulações ocorridas.

*****

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As formas de exploração da força de trabalho

Nesta parte trataremos da exploração da força de trabalhoda Amazônia brasileira de modo geral, com ênfase ao período pós-ditadura de 1964. A propósito, desenvolveremos o entendimentodo processo de exploração do trabalho na região, de forma macro,num processo de superexploração9 da mão-de-obra. Nesta dialéticase faz necessária uma análise macro das condições de trabalho,para que possamos tecer o entendimento das partes e fortalecer acompreensão sobre a força de trabalho nos vários segmentos naproletarização do homem.

Nesta lógica os vários segmentos da produção regionalexercem a função reprodutora de capitais, e assim estão atreladosaos movimentos e às necessidades das mercadorias para servirao mercado mundial. Na seqüência, enfatizaremos que o modelode reprodução capitalista só se justifica quando produz mais-valiada força de trabalho para efetivar, na prática, a acumulação decapitais. Assim, os capitalistas dependem da força de trabalho parareproduzir e acumular riqueza, enquanto os trabalhadoresdependem da classe burguesa para subsistir e se reproduzir.

Este é o elo de dependência de ambos, mas é através dotrabalho humano que acontece a acumulação capitalista. Nestalógica, a lei da acumulação é a relação entre trabalho pago etrabalho não pago, fruto do prolongamento e da intensificação dasjornadas de trabalho, bem como da redução dos salários. No entanto,no processo reprodutivo, o capitalista necessita submeter ostrabalhadores ao decréscimo salarial, assim como os submete amais trabalho. Em estágio avançado, a organização da força detrabalho ocorre espontaneamente e através da pressão exercidaentre a própria classe pela formação do exército industrial dereserva.

A política salarial da ditadura nasceu através desta dialética.O Estado organizava suas ações voltadas ao papel de capitalistacoletivo na produção da mais-valia, sempre atrelado ao movimento

9 O conceito de superexploração é amplamente tratado por Ruy Mauro Marini no livroDialética da dependência. Também por Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Müller, nolivro Amazônia: expansão do capitalismo.

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mundial da mais-valia universal. Se, de um lado, incentivava odesenvolvimento econômico para as empresas através dasuperproteção, dando-lhes toda a estrutura necessária e créditosfacilitados, isenções, facilidades fiscais e tarifárias, por outro lado,“a força de trabalho da classe operária é apenas uma mercadoriaentre outras” (IANNI, 1981: 62). Uma mercadoria que oxigena osempreendimentos ali instalados, submetendo-se às estratégias domundo do capital atrelado ao Estado da ditadura. Nesta perspectiva,a “história da ocupação da Amazônia tem sido também a história daescravização do homem que a desbrava” (PINTO, 1980: 99).

A ditadura adotou uma política repressiva contra as massase ofereceu os favores e as oportunidades aos grupos organizados.No período compreendido entre 1964-85, as ações repressivas doEstado passaram a ser a tática na Amazônia, pois principalmenteneste período prenderam membros sindicais, trabalhadores foramtorturados e ocorreram inúmeras mortes. Ao mesmo tempo em quetorturava trabalhadores, adotava estreitas relações com aburguesia, como forma de retribuir ajuda a estes na tomada dopoder no golpe de Estado, ocorrido em 1964.

Através dos esforços conjuntos entre Estado e burguesia,“na prática, crescia a produção de mais-valia, absoluta e relativa,pela realização da mais-valia ‘potencial’, ou ‘extraordinária’, que aviolência ditatorial propiciava” (IANNI, 1991: 64). Neste sentido, “naAmazônia – talvez mais do que em qualquer outra região do país –o conceito de superexploração de trabalho e a extração de mais-valia absoluta constituem parte integrante do grande capital”(CARDOSO e MÜLLER,1977: 8).

Isto foi possível através da política de arrocho salarial,previdenciária, sindical e leis antigreve. Na verdade, fazia parte dodesenvolvimento e da acumulação capitalista amazônica, a relaçãoestreita do Estado com os capitalistas. Apesar de se burocratizarao máximo a vida do trabalhador, aplicando sanções e cassandoos direitos políticos, crescia a agitação entre os trabalhadores naperspectiva de restabelecer os caminhos democráticos e melhorescondições trabalhistas. Os trabalhadores não aceitavam asuperexploração de seu trabalho e o rápido ciclo reprodutivo docapital. IANNI (1981: 78) diz:

ao longo desses anos, desde 64, cresceu muito a distância entre oEstado e a classe operária. A forma pela qual o poder estatal foi

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posto a serviço do capital monopolista fez com que o operário sesentisse dominado por um Estado que se lhe parecia como totalmenteestranho, estranhado, oposto, imposto, dominante, repressivo,opressivo. Um processo que é inerente à sociedade burguesa, noqual o Estado é bastante, ou muito, controlado pelos interesses daburguesia dominante, sob a ditadura adquire um caráter ainda maisacentuado, sem mediações.

Através das condições jurídicas e políticas, a burguesiaaumentou as taxas de mais-valia. Assim, “criou as condições sobas quais a mais-valia potencial, que o subsistema econômicobrasileiro poderia produzir, se realizasse na mais-valia extraordinária,que a burguesia passou a acumular” (IANNI, 1981: 79). À medidaque a ditadura reprimia econômica e politicamente a classe operária,também possibilitava o crescimento do País, consolidando a euforiado “milagre econômico” brasileiro dos anos 70.

Enquanto a burguesia concentrava altas taxas de mais-valiaabsoluta e relativa, “também provocava a pauperização absolutada classe operária, ou de setores dessa classe” (IANNI, 1981: 81).Fica expressa esta desigualdade “na forma como o Estado assume:autoritarismo para as massas, protecionismo para as empresas”(CARDOSO e MÜLLER, 1977: 9). Assim, de um lado, o Estado favoreceua burguesia, por outro, conseguiu acorrentar os trabalhadores. IANNI

(1981: 83) enfatiza e retrata as reais condições entre o Estado, aburguesia e a força de trabalho:

para a burguesia, a contrapartida da superexploração da força dotrabalho operária foi o “aumento da produtividade”, a transformaçãoda mais-valia potencial em mais-valia extraordinária. Para a classeoperária, a contrapartida da superexploração da sua força de trabalhofoi a redução do salário real, a militarização da fábrica, a intervençãogovernamental nos sindicatos, a censura, a pressão policialgeneralizada. Tudo isso configura o caráter fascista da ditaduraburguesa subjacente à ditadura militar. Nessas condições, a classeoperária foi forçada a aumentar a produção de mais-valia absoluta erelativa, ou transformar em mais-valia extraordinária aspotencialidades. A crescente dinamização, “modernização” ou“racionalização” das relações de produção, sob ampla proteção dopoder estatal, favoreceu largamente a acumulação monopolista.

Através do planejamento e da violência do Estado, criaram-

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se as condições ideais para que a burguesia concretizasse seuprojeto maior: a concentração e a acumulação capitalistas, atravésdas empresas nacionais e internacionais que optaram por expandiro modo de produção na Amazônia brasileira. A força de trabalhoque se deslocou para esta região no projeto de colonização foicaracterizada apenas como componente do processo deacumulação dos grupos econômicos. Todavia, as questões salariaisno período da ditadura, eram decididas pelos governantes atravésdos seus técnicos, vindo garantir os interesses da elite dominantedo País.

A política repressiva do Estado não ficou somente nasfábricas. Ela aconteceu também através da proletarização no campo.Muitos colonos arrendatários e parceiros transformaram-se emassalariados de forma exclusiva ou temporários, alguns residindodentro das áreas onde se desenvolveram os projetos econômicosatravés da agricultura e da pecuária, outros sendo trabalhadorestemporários em forma de exército industrial de reserva latente,trabalhando como peões, bóia-frias e trabalhadores flutuantes. Nocaso específico da Amazônia, com o desenvolvimento extensivo ecumulativo, os capitalistas usaram vastas áreas de terras, utilizandotambém a tática da expropriação dos posseiros e dos povosoriginários, como vimos anteriormente.

Muitos destes expropriados formaram a força de trabalhonos projetos econômicos da região. Foi o que aconteceu com osseringueiros do Estado do Acre, pois houve uma grande quantidadede extrativistas expropriados das suas terras de posse e, comocastigo, alguns dos trabalhadores se tornaram mão-de-obra dospróprios grileiros, para, com auxílio das motosserras, devastaramos seringais que sempre lhes deram o sustento e a vida emcomunidade. Por outro lado historicamente, o Estado negou aosmarginalizados o acesso aos meios de produção, mas facilitou aoscapitalistas esse acesso com formas protecionistas.

A ação do Estado ensejou os “favores fiscais e creditíciospelo poder público, no sentido de impulsionar a formação e aexpansão de latifúndios e empresas agropecuárias, aí tambémdesenvolveu a proletarização do trabalhador rural” (IANNI, 1981: 95).Nesta região a proletarização se desenvolveu de forma muito maisagressiva e brutal que em outras partes do Brasil. Entretanto, umanova perspectiva de busca movimentou a classe trabalhadoramarginalizada no País. Na Amazônia procuraram terra e trabalho,

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aliados com à esperança de poder alcançar o “mel” prometido.CARDOSO e MÜLLER (1977: 69) indicam que:

os movimentos migratórios aqui examinados, com ênfase namagnitude dos fluxos, expressam, no fundo, a redistribuição damassa de trabalho demandada segundo os interesses econômicose políticos em jogo – governos federal e estaduais, empresasindustriais e de serviços, empresas agropecuárias e mineradoras,autônomas urbanas e rurais, latifúndios extrativos e pecuários e sítios– na organização regional e nacional.

A maioria desses trabalhadores, vindos do Nordeste ou deoutras regiões do Brasil, acabam se tornando força de trabalhopermanente ou temporária na Amazônia. Neste sentido, para a mão-de-obra ali existente ou recém-chegada que busca oportunidades,o “mel” pode ser conseguido tornando-se proletário nodesmatamento da floresta, na queima da mata, na formação depastagem, no plantio de soja, na indústria madeireira, no garimpoe na abertura de estradas. Estes novos trabalhadores da aberturada nova fronteira são também os sulistas que se juntam aosnordestinos para drenar e oxigenar os grandes empreendimentosda região.

A modalidade de contratação é realizada através do sistema“gato” que, “como é conhecido em amplas regiões, opera como umagenciador de trabalhadores” (MARTINS, 1991: 49). Assim, a maioriados “peões10 são contratados, administrados, aviados e pagos porum empreiteiro de mão-de-obra que, por sua vez, já estabeleceuum contrato com os proprietários das terras” (IANNI, 1981: 96).Grande parte destes trabalhadores são de empregos sazonais oueventuais11 . Assim, quanto maior for a mobilidade dos trabalhadores,mais se agravam a instabilidade e os métodos de mais exploração.Este trabalho itinerante e de empregos latentes também decorreda não-organização política e sindical da força de trabalho.

10 “Peões – Trabalhadores de projetos agropecuários. Eles realizam atividades comoderrubar a mata, plantar capim etc. São contratados ou agenciados pelo ‘gato’ ouempreiteiro por baixos salários e sem registro em carteira de trabalho. Os peões dispõemde um único local para comprar suprimentos – as cantinas [geralmente dos própriosproprietários do empreendimento]. Lá, os alimentos e bebidas são vendidos a preçoscaríssimos e por isso os trabalhadores ficam permanentemente endividados.” (PORTELA

e OLIVEIRA, 1991: 15).

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A maioria dos postos de trabalho, ocupados na abertura daAmazônia por grupos econômicos, são preenchidos por “peões dotrecho”, que geralmente vivem sem família e se aventuram emtrabalhos distantes, em alguns casos até 300 km ou mais da cidademais próxima. Este é um dos motivos que contribuem para agravarainda mais “as condições de exploração do trabalho espoliativasem quase toda a parte” (CARDOSO e MÜLLER, 1977: 183). Ostrabalhadores, para chegarem às frentes de trabalho, sãoconduzidos pelos grupos econômicos através de caminhonetespossantes, tratores, caminhões-toureiros e em alguns casos, deavião.

Nesta estratégia, a força de trabalho tem três procedências:a primeira é oferecida nas próprias cidades planejadas, ou queestá na agricultura e pronta para formar o exército industrial dereserva, que Marx chama de latente; a segunda, de “peõesrodados”, é formada por trabalhadores que já estão na região ouchegam para trabalhar, não possuem vínculo local, e são tambémchamados de “flutuantes”; a terceira é importada de outras regiõesdo Brasil pelo capital organizado na produção; contratada parasuprir as eventuais deficiências de força de trabalho, principalmenteem determinadas épocas e locais específicos com falta de mão-de-obra. No processo de trabalho amazônico existe uma certahierarquia que limita posições para servir de controle desta forçade trabalho. BECKER (1996: 49) descreve:

para o desmatamento, circuito das empresas e fazendas, o contratoé feito diretamente com o “gatão”, indivíduo que possui informaçõessobre as bacias de mão-de-obra, sua localização e preço, poupandoesforços do fazendeiro e do administrador para recrutarem egerenciarem o trabalho. O “gatão” pode delegar o recrutamento damão-de-obra aos “gateiros”, que possuem informações maislocalizadas e específicas, e estas por sua vez encarregam os

11 “A pecuária extensiva emprega uma pessoa para cada 29 hectares explorados,sendo 89% referentes à mão-de-obra temporária e 11% à mão-de-obra fixa. Apesar dea produção aumentar quando os pastos abandonados são reformados, a geração deemprego continua a mesma, uma vez que o processo de intensificação é alcançadoatravés do uso de máquinas. A agricultura extensiva tradicional emprega uma pessoapara cada 1,33 ha/ano. Assim, são necessários 16 hectares explorados para gerar umemprego (1,33 x 12). A agricultura de cultivo perene, por sua vez, é a atividade que geramaior número de empregos por hectare, empregando uma pessoa para cada 1,4 hectareexplorado.” (ALMEIDA e UHL, 1998: 21).

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“gatinhos” ou fiscais de turma de reunirem no local um grupo dequatro a cinco peões que trabalham diretamente sob suas ordens.As formas possíveis de contratação neste circuito são a empreitadae a diária. Quanto maior o desmate, maior o número deintermediários.

QUADRO DEMONSTRATIVO DA CADEIA HIERÁRQUICA DETRABALHO NA AMAZÔNIA, BEM COMO AS FORMAS DE

PAGAMENTO ATRAVÉS DA CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORESNO SISTEMA “GATO”

Para BECKER (1996: 50), os trabalhadores são contratadosde forma clandestina, pois na maioria das vezes não têm qualquervínculo de emprego. Os valores pagos dentro desta hierarquiavariam conforme a posição da cadeia hierárquica, cabendo divisõesdiferenciadas. Através desta estrutura arquitetada pelos gruposeconômicos na utilização da força de trabalho, observa-se que oproprietário do capital não se envolve diretamente nasintermediações e mediações com a mão-de-obra. Estes podem serchamados de “gatos velhos”, visto que na hierarquia eles seapresentam ocultamente primeiro.

No maior projeto florestal do planeta, de propriedade domilionário norte-americano Ludwig, a então quarta maior fortunaindividual do mundo, evidencia-se a problemática expostaanteriormente, onde, “dos 5.000 empregados do Jari, 1.200trabalhavam diretamente para a firma e 3.800 eram subcontratadospor ‘empreiteiros de mão-de-obra’, chamados gatos” (CARDOSO eMÜLLER, 1977: 183). O caso Ludwig também é citado por PINTO (1980:99-00). Para melhor entender como é feito o recrutamento da forçade trabalho para os trabalhos nas regiões da Amazônia, precisamosentender como funcionam as estratégias no agenciamento dosistema “gatos”.

Os peões são recrutados em suas próprias casas, em muitoscasos deixam a família para trás. Nos grandes empreendimentos

Posição hierárquica no trabalho

“Gato”“Gateiro”

“Gatinho” ou fiscal“Peões”

Pagam ento em %

20%20%10%50%

Fonte: Elaboração própria com base em Becker (1996: 50).

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“mulher e família são concessões que só os ‘bons patrões’ permitemna selva” (CARDOSO e MÜLLER, 1977: 186). O peão parte em buscade alternativa para sustentar sua família. O “gato” geralmente deixauma estrutura em dinheiro para confortar, tanto a família que ficaquanto o peão que sai para trabalhar. Com esta atitude, cria umvínculo de homem bom, protetor, mas o deixa em completasubmissão e dependência na nova empreitada (IANNI, 1981: 96).CARDOSO e MÜLLER (1977: 187) confirmam sobre o ciclo do trabalho:

depois de 30 a 40 dias de trabalho o “peão” volta “à civilização” para2 ou 3 dias de descanso. Vai para as vilas de “for-west”, no caso, do“norte longínquo” onde, entre bares noturnos, bebidas, mulheres edoenças venéreas, curte a tragédia de existir. Este breve intervalo,seguido de cura sumária das moléstias mais evidentes, é o interregnoentre um e outro ciclo de trabalho na selva, do qual o peão só escaparáse voltar à miséria do lugar de origem ou se, com certa audácia esorte, puder embrenhar-se nalgum desvão da mata como posseiro,até que o Incra se apiede dele e lhe dê um título legal.

Para facilitar o agenciamento do trabalhador no sistema“gato”, nestas cidades existem hotéis e pensões que recolhem oschamados “peões rodados”, aqueles recém-chegados na cidade àprocura de trabalho. Ao chegarem nas cidades, eles não precisamde dinheiro para receber a estrutura mínima, que é cama e alimento.O hoteleiro e o pensionista vão contabilizando até a chegada dealguém da família dos “gatos” para comprar sua força de trabalho.Assim o “gateiro” providencia o pagamento de hotel, refeições, atémesmo dinheiro para comprar cigarros e bebidas. Também é umaforma de endividar o trabalhador e torná-lo submisso e obediente,bem como fazê-lo aceitar qualquer trabalho que aparecer pela frente.Estes locais para concentração de mão-de-obra eram muito comunsem Sinop e região, área de nossa pesquisa, e ainda podem serlocalizados em 2004.

A negociação é semelhante a um objeto qualquer, porémuma mercadoria muito valiosa, e o peão fica depositado à esperade um agenciador de trabalho, alguém que esteja disposto aexplorá-lo. Ele se transforma em uma mercadoria na prateleira àespera de algum subordinado dos capitalistas, para levá-lo a algumprojeto econômico e tirar vantagens com seu trabalho. Nestaestratégia, alguns dias depois de ser depositado à espera do

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agenciador de trabalho, “o dono da pensão que o aloja e o alimentano povoado o venderá na primeira oportunidade, ao primeiro ‘gato’que compre a dívida” (MARTINS, 1995: 122).

Esta forma escrava da modernidade é o tratamento de regrae não de exceção dos que fazem a abertura das matas na Amazônia.O processo de trabalho na abertura da floresta pode ser comparadoao ocorrido nos canaviais brasileiros no período colonial,diferenciando-se em um ponto fundamental; deve o trabalhador“livre de hoje”, encontrar um capitalista disposto a consumi-lo notrabalho, em troca de sua subsistência.

O peão contratado paga todas as despesas efetuadas porele, como parte do adiantamento da empreitada, tendo que aceitarqualquer trabalho, pois já está na dependência de recursosfinanceiros para saldar sua dívida perante o hoteleiro ou pensionista(MARTINS, 1981:61). Assim, é obrigado a aceitar qualquer tipo detrabalho que aparecer, pois, se isto não acontece, passa a ser vistocomo malandro e preguiçoso, e pode vir a ser enquadrado comoinadimplente na forma da lei, devido ao poder dos gruposorganizados na região.

No interior destas estruturas, “num grande empreendimentooperam vários ‘gatos’, responsáveis por grupos de 5, 10 ou maistrabalhadores. Às vezes existem ‘gatos’ que controlam exércitos de100 ou mais homens” (CARDOSO e MÜLLER, 1977: 186). Apósrecrutados, partem para o trabalho ou são negociados em frentesde trabalho em algum empreendimento mata adentro, e muitas vezeso peão não sabe para onde está sendo transportado. Sabe apenasque vai trabalhar.

Aos que não têm família, existe um local de uso coletivo nasfazendas, que serve de dormitório e local para alimentação, sendosua nova moradia. Geralmente é acertado com o contratante umcerto tempo sem voltar à cidade, exatamente para poder saldar osdébitos referentes ao adiantamento dos gastos já pagos.

Como visto, quando voltam à cidade, geralmente é parapassar o final de semana. Aproveitam para ir à bailes, bordéis,envolver-se em cachaçadas12 e fazer compras. Enfim, gastar o

12 Cachaça, bebida alcoólica proveniente da fermentação e destilação do caldo da cana-de-açúcar. Esta é a bebida alcoólica mais popular do Brasil, sendo muito consumida portrabalhadores, por ser muito acessível e barata. Os peões, ao voltarem para as cidades,se envolvem em cachaçadas em bares e bordéis, até consumirem todo o dinheiro ganhodentro do ciclo de idas e vindas para o trabalho.

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pouco dinheiro adquirido neste período de trabalho. Para MARTINS

(1997: 43), “nem sempre entendemos por que a extrema violênciaque sofre o peão não lhe talha a alegria da farra na bebedeira comuma prostituta de ocasião num cabaré de povoado”. O capitalista,através deste processo de endividamento, torna o peão dependente.

Quando este retorna, tem dívidas novas com o hoteleiro ese encontra novamente sem dinheiro, assim o ciclo se repete. Estadependência financeira se torna necessária aos capitalistas, poisassim a força de trabalho continua também submissa e dependente.Para manter esta força de trabalho sempre produtiva, faz-senecessário o máximo de redução nos seus salários e envolvê-loscom débitos. Assim, quando o trabalhador consegue poupar partedo rendimento de seu trabalho, o sistema de agenciamento de mão-de-obra deve arquitetar formas para efetivar o consumo destapoupança e proporcionar novas opções de endividamento.

Nesta nova investida capitalista da região, são os chamados“peões rodados” que mais contribuem para oxigenar a indústria dapeonagem. São indivíduos sem procedência fixa na maioria dasvezes, além de serem simples e rudes. A sua presença na região édeterminante, devido a sua utilidade no processo produtivo emquestão e sua brutalidade é tolerada pela necessidade detrabalhadores. A partir da negociação com o “gato”, o peão sofretoda a violência possível, inclusive se transformando em escravo etornando-se dependente. Neste sentido, MARTINS (1995: 121-22)acrescenta, denunciando:

a primeira violência é contra o posseiro. E a segunda é contra opeão. Os peões são trabalhadores braçais recrutados no Nordeste,em Goiás, e até em São Paulo, nas áreas de divisa com o MatoGrosso. São levados pelo “gato”, que combina antes o pagamentoque vai fazer às “boas” condições de trabalho e de vida que vaioferecer. Depois põem todo mundo em cima de um caminhão e vãoembora no rumo do sertão, dos povoados e da mata. Lá longe,quando não há mais retorno, vendem os peões para o dono de umapensão, que os reserva depois, ou para a própria fazenda, para algumempreiteiro que precise de trabalhadores. O peão virou escravo. Eleestá preso ao “gato” por dívidas, pelas despesas que fez no caminhopara comer, dormir, fumar, beber, pelo transporte. Só fica livre quandopagar todo o trabalho. Na mata, alojado em barracas, paga o alimentoque o “gato” fornece, pelo preço que este quiser e impuser. Essepreço é calculado de tal modo, que o peão está sempre devendo ao

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“gato” enquanto este quiser, até que a empreitada chegue ao fim.Antes disto só é possível sair fugindo; na prática, porém nem isso:os acampamentos e os locais de passagem são fiscalizados porjagunços armados. Peão fugido é peão morto: ele é o capital de seupatrão – a fuga é interpretada como roubo.

Embora a escravidão negra esteja extinta no Brasil desde1888, em algumas fazendas ela continua. Em pleno final do séculoXX, aplicam-se os mesmos mecanismos já extintos há mais de 100anos na utilização da força de trabalho. Esta forma de escravizartrabalhadores no Brasil é conhecida como escravidão branca13. ParaMARTINS (1997: 89), o cativeiro no capitalismo de fronteira apresentaum quadro preocupante, pois das 431 fazendas das quais se têmnotícias da presença de trabalho escravo no Brasil, entre 1970 a1993, 308 estão localizadas na Amazônia. Nestes episódios, 85 miltrabalhadores foram escravizados. O número foi obtido com basede depoimento de peões que conseguiram fugir e fizeram denúnciasàs autoridades.

Estes números são possíveis graças às denúncias feitasjunto à Polícia Federal, a agentes locais ou regionais do Ministériodo Trabalho e à igreja católica (Comissão Pastoral da Terra). Osnúmeros denunciam a exploração; neste período foram “nove milos trabalhadores que conseguiram fugir do cativeiro, na imensamaioria fugas de fazendas amazônicas” (MARTINS, 1981: 91).

Neste sentido, é difícil conseguir dados precisos, pois amaioria dos trabalhadores que se envolve neste trabalho sãopessoas simples que não sabem de seus direitos, submetendo-sesempre à regra dos “gatos”, sem denunciar os abusos no trabalho,por medo de represálias dos grupos organizados. Esta prática aindase faz presente em nossos dias. Entre os dias 7 e 13 de agosto de2002, o Ministério do Trabalho libertou 152 trabalhadores mantidosem cativeiro em fazendas do Estado paraense (O LIBERAL de 19/7/2002).

13 Escravidão branca – Refere-se à escravidão dos tempos atuais, que engloba pessoasbrancas e negras. Os trabalhadores se encontram na maioria das vezes em condiçõessubumanas e de dependência. São violados os direitos humanos, ficam presos emcativeiros nas fazendas agropecuárias, sendo obrigados a efetuar trabalhos forçados,não tendo a liberdade de ir e vir. Em muitos casos, os trabalhadores são agredidos,torturados e mortos. A escravidão branca acontece em grandes propriedades, atravésdo sistema “gato”, com ajuda de jagunços e pistoleiros fortemente armados que prestamtrabalho a grupos econômicos nacionais e internacionais na Amazônia brasileira.

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O sistema “gato” confunde a responsabilidade e o vínculoempregatício, e quando algo de errado acontecer, o “gato” se omitee o peão fica sem saída. Neste caso, não se encontra o responsável,pois o capitalista formalmente não contratou peão algum. Assim,“os donos das fazendas alegam que não têm nada a ver com oshomens que derrubam as matas e fazem plantações” (PINTO, 1980:101).

Nos projetos com incentivos fiscais, a fiscalização dos órgãosgovernamentais é feita, na maioria das vezes, por aviões dosproprietários, inclusive com acerto do dia que vão inspecionar, nãotocando no item exploração do trabalho, tornando-se difícil deacreditar em alguma coisa séria na região (PINTO, 1980: 102). Destamaneira, “esse quadro certamente não sugere, a quem quer queseja, que estamos diante do que os teóricos definem como trabalholivre. Certamente estamos diante, ao mesmo tempo, do que osmesmos teóricos definem como capitalismo” (MARTINS, 1997: 91).

Em 1985, com o fim da intervenção militar no País, o trabalhona Amazônia representa 72,7% dos peões empregados nodesmatamento da floresta virgem para posterior formação depastagens para a formação da agropecuária (MARTINS, 1997: 94).Este e outros fatos apresentam as condições favoráveis para quese viabilize a exploração da força de trabalho além do normal,quando comparado com outras regiões do País. Faz-se necessáriaaos grupos econômicos “a fundação de fazendas (ou de indústrias)na Amazônia era é o meio de obter os recursos dos incentivosfiscais” (MARTINS, 1997: 99).

Na nova fronteira de expansão do capital, “a impunidadecorre solta e até hoje não se tem notícias das prisões dosproprietários e/ou responsáveis pelas usinas ou fazendas onde erapraticado o cativeiro” (PIAIA, 1999: 65). O que prova que o capital eo Estado andam juntos. O Estado, no caso amazônico, é coniventee serve para acobertar todas as formas de exploração e a violênciapraticada contra os trabalhadores, como também garantir àsempresas formas legais de exaustão dos recursos naturais daregião. Por outro lado, há a necessidade de projetos econômicospara obter os recursos financeiros da União na formação de capitaisatravés dos incentivos fiscais, bem como produzir formas para

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proteger os grandes conglomerados nacionais e internacionais aliinstalados.

A violência é visível em todo o processo produtivo daAmazônia. Nestas cidades é comum nos cemitérios, um espaçoreservado aos mortos não identificados. São centenas de cruzescom os dizeres “não identificado”. Os cemitérios, inclusive, sãoplanejados com espaços reservados a estes “indigentes” – pessoasque morreram e que “não têm família”. Isto acontece na maioriadas cidades mato-grossenses, inclusive em Sinop. São os chamados“peões rodados”, que não possuem nome que os identifiquem emuito menos famílias que os reconheçam, quando mortos setransformam em peso para a sociedade.

Após a morte destes trabalhadores, ter um local junto da“sociedade organizada”, mesmo que este seja separado, é vistocomo um favor, ao mesmo tempo convencionado como digno, vistoo descaso do poder constituído. Este episódio tem maioresproporções em áreas garimpeiras, mas em geral esta prática naregião faz com que se acobertem não só as mortes naturais, masos acidentes de trabalho, que são muito freqüentes nas derrubadasda mata e a violência contra os posseiros. Também se escondetoda a violência peculiar da região, que em muitos casos acaba emassassinatos, fazendo com que fiquem acobertados e impunes osseus autores, os mandantes e o Estado pela conivência e omissão.

É necessário que se diga que muitos dos que morrem vítimasda violência no trabalho ou por conflitos da terra distante não sãonotificados e registrados, muito menos recebem local em cemitériodepois de mortos. Este tratamento usado nas últimas décadas naregião, identifica formas de superexploração da força de trabalho.São métodos usados que denunciam práticas que vão além daexploração, pois os mecanismos para produzir mais mais-valia ficamevidentes em todas as etapas de trabalho bem como as formas detratamento impostas à classe trabalhadora na região.

Atualmente na Amazônia, no início do novo milênio, formou-se um exército de reserva bastante acentuado. Assim, o capitalinstalado na região consegue realizar a superexploração da classetrabalhadora de forma mais tranqüila. É também comum encontrarpeões errantes, andando de um lado para o outro, sem conseguirem

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trabalho, muitos em estado de marginalização extrema, semperspectivas de trabalho e de vida. Desta maneira se submetem aqualquer função dentro da escala de trabalho do sistema “gato”. Aeles restam a exploração através de baixos salários, a intensificaçãodas jornadas e condições subumanas cada vez maiores. Para Marx,a partir da criação do exército industrial de reserva, a exploraçãoda força de trabalho se acentua14 .

*****

14 “Quanto maior a riqueza social, o capital em função, a dimensão e energia de seucrescimento e, conseqüentemente, a magnitude absoluta do proletariado e da força detrabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível éampliada pelas mesmas causas que aumentam a força expansiva do capital. A magnituderelativa do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza,mas quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército ativo, tanto maior amassa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do suplíciode seu trabalho. E, ainda, quanto maiores essa camada de lázaros da classe trabalhadorae o exército industrial de reserva, tanto maior, usando-se a terminologia oficial, opauperismo. Esta é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista (...). Quanto maior aprodutividade do trabalho, tanto maior a pressão dos trabalhadores sobre os meios deemprego, tanto mais precária, portanto, sua condição de existência, a saber, a vida daprópria força para aumentar a riqueza alheia ou a expansão do capital.” (MARX, 1998:748).

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A exploração do trabalho na mineração aurífera

Historicamente, a partir dos princípios do século XVIII, comas primeiras descobertas das jazidas auríferas, “a mineração doouro no Brasil ocupará durante três quartos do século o centro dasatenções de Portugal” (PRADO JÚNIOR, 1988: 56). Assim, “de 1700 a1800, 1 milhão de quilos de ouro foram oficialmente registrados etalvez outro milhão tenha escapado do fisco real. Cerca de 2,4milhões de quilates de diamantes foram extraídos” (DEAN, 2000:108). O açúcar, que “durante século e meio representa o nervoeconômico da colonização e sua própria razão de ser, é desprezado”(PRADO JÚNIOR, 1988: 56) pelos colonizadores portugueses paraconcentrar a busca econômica no ouro. No Brasil, ao contrário doMéxico e do Peru, as descobertas ocorreram só mais tarde. Umdos motivos é que os povos originários brasileiros, por seremcompostos de nível cultural muito baixo, não tinham se interessadopelo minério (PRADO JÚNIOR, 1988: 56).

No território brasileiro, o ouro se encontra na sua maior parteem aluvião15 , sobretudo nos leitos dos rios. Através do impulsopromovido pelas descobertas do minério no Brasil, desloca-se aocupação para o centro do País de forma mais acentuada. Na época,as melhores minas concentravam-se em Minas Gerais, Mato Grossoe Goiás. As descobertas auríferas foram muito importantes para acoroa portugesa, pois desenvolveram de forma mais acentuada aintrodução do homem na região amazônica. OLIVEIRA (1983:195-96) afirma que:

várias incursões à procura de metais e pedras preciosas tiveramlugar na Amazônia durante o século XVIII, o ouro começou a serdesvendado nessa região, em Cuiabá (Mato Grosso), onde saíapelo rio Madeira, e no Norte de Goiás, onde era escoado porintermédio do rio Tocantins. A ocorrência desse metal foi o queimpulsionou o povoamento e a expansão de brasileiros e portuguesesnaquela área, colaborando na ampliação e posse dos domínios dePortugal na América do Sul.

15 Aluvião – Depósito de cascalho, areia e argila que se forma junto às margens ou na fozdos rios, proveniente do trabalho da erosão (AURÉLIO, 1999: 110).

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As viagens para a região aconteciam de forma bastantepeculiar, visto que, na época, não havia vias de acesso definidas.OLIVEIRA (1983: 198) nos orienta:

os caminhos de acesso a Mato Grosso, por onde penetram ossertanistas e os exploradores de minas, eram: a) roteiro fluvial doTietê – iniciando-se a viagem neste rio, em Porto Feliz (São Paulo),atingia-se o Paraná e depois passava-se para a bacia do Paraguai,até poder alcançar-se o destino almejado; b) rio Madeira Tapajós; c)rota terrestre que, a partir da capital de Goiás, Vila Boa, seguia-seem direção a oeste, passando pelo arraial de Pilões e alcançandoCuiabá, podia comunicar-se com Minas, Rio e São Paulo.

A capital do Estado de Mato Grosso teve sua origem nogarimpo de ouro. O garimpo e a mineração representaram nestaépoca, para a região aurífera da Amazônia, sinal de poderio,ambição por parte dos capitalistas e uma forte base econômica.Também representou sinônimo de destruição da natureza edegradação humana. Contudo, “chega-se ao fim do séc. XVIII a ummomento em que já se tinha esgotado praticamente todos osdepósitos auríferos superficiais em toda a vasta área em queocorreram” (PRADO JÚNIOR, 1988: 62).

Tanto o ouro como o diamante ainda eram explorados nofinal do século XVIII, embora o segundo com menor intensidade.Mesmo tornado-se escasso, permaneceu sendo produzidocontinuamente, mas em menor quantidade. Com o esgotamentodas minas no Estado de “Mato Grosso, embora ainda fosse amineração a única fonte de produção e riqueza da capitania, muitopouco sobrava do passado” (PRADO JÚNIOR, 1973: 172). A extraçãonunca tinha cessado, tanto em Mato Groso como em Goiás, mas “ésomente em Minas Gerais que a extração de ouro conserva algumaimportância” (PRADO JÚNIOR, 1973: 173).

Mesmo que o garimpo de ouro e diamantes não tenhadeixado de existir nos séculos XIX e XX, tornou-se de menorimportância econômica. A região Amazônica rica em recursosminerais, voltou-se à outras espécies de extrativismo. SegundoPASSOS (1998: 55),

na década de 1940, o governo federal concedeu por cinqüenta anosà ICOMI – Indústria e Comércio de Minérios S. A. – empresa nacional

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associada à Bethlehem Steel Corporation, dos EUA, o direito deexplorar as reservas de manganês do Amapá, na Serra do Navio,calculadas em 30 milhões de toneladas. A ICOMI construiu 194 kmde ferrovia entre a Serra do Navio e o Porto de Santana, em Macapá,eletrificou-a por meio de uma usina termoelétrica e exporta até hoje,1,5 milhões de toneladas de minério em média por ano,especialmente para os EUA.

A garimpagem aurífera volta a representar importância paraa região amazônica, somente nas últimas três décadas do séculoXX, mas não representa muito em termos econômicos para o País,visto que a nação se encontra em crescente industrialização e coma agricultura e a pecuária em franco desenvolvimento capitalista.Por outro lado, é exatamente no território amazônico que sedesencadeia uma nova alternativa econômica para região, agarimpagem aurífera nas últimas décadas.

As descobertas ocorreram pelo fluxo migratório no períodomilitar de 1964, acentuando assim a expansão capitalista na regiãotambém através da exploração mineral. Nesta nova era, agarimpagem aurífera desempenhou três papéis importantes: oprimeiro, serviu de incentivo ao deslocamento de pessoas de áreasonde a marginalização social se agravara, como no Nordeste e noSul do País, e estas vieram para a região para servir de força detrabalho aos projetos econômicos que chegaram para se expandirtambém na mineração; o segundo, serviu de alternativa à populaçãona Amazônia, pela grande quantidade do exército industrial dereserva ali transferido, e também impulsionado pelo fácil acesso àgarimpagem manual. O terceiro, representa uma nova alternativaaos posseiros para abandonarem os conflitos pela posse da terra.

Nesta nova fase do garimpo, os “peões rodados” não foramsomente desprovidos de procedência ou de identidade, como é ocaso de alguns “peões” da agropecuária, das usinas de álcool eindústrias de transformação de madeiras. Este ser humano nãotem direito de usar seu próprio nome, pois em muitos casos temque viver na clandestinidade. É chamado de Baiano, Paraíba,Mineiro, Catarina, Gaúcho, Zé, Ruivo, Jacaré, Macaco, Tucunaré,Metralha, Carabina, entre outros. Contudo, para qualquer “Zé” davida, existe mais uma vez a possibilidade de ter acesso ao “mel”. Ameta é provar o gosto doce deste produto e o brilho intenso doouro que o fixa em busca da colméia. É nela que pode ser

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encontrado o “mel”. Este precioso produto mais uma vez atrai osdespossuídos e marginalizados.

O uso de nomes falsos ocorre para que não sejamreconhecidos ou identificados. O anonimato e a clandestinidadesão para efetivar-se a superexploração com táticas mais apuradas,pois o conjunto violento que envolve a garimpagem apresentamétodos mais arrojados para produção de mais mais-valia. Éconsiderado ato de desconfiança querer saber o nome e aprocedência de alguém, visto que nestas áreas existem tambémmuitas mortes por encomenda e gente com problemas na justiça. Aestrutura e a formação da força de trabalho são semelhantes às dapeonagem da abertura das matas da última fronteira, sendo umpouco superior a quantidade de “peões rodados”. São perfeitospara os interesses do capital e tolerados por todas as suasdeficiências e brutalidade.

Muitos destes trabalhadores surgem com as crises, odesemprego no País, e avolumam o exército industrial de reservaconcentrado na região amazônica nas últimas décadas. Atravésdesta nova alternativa, principalmente nos anos 70 e 80, “o garimpocaracteriza-se como paliativo, uma alternativa provisória num mundode desemprego” (PROCÓPIO, 1992: 72). Em busca do eldorado, aforça de trabalho “chega a ser alugada, passando a não ser donado seu próprio destino” (PROCÓPIO, 1992: 73). Vistos como umamercadoria, os garimpeiros ficam flutuando na região e se instalamonde existir a possibilidade de venda de sua força de trabalho.

Contudo, muita gente passou a depender do garimpo: “aAmazônia detém hoje [metade dos anos 80] a maioria das áreasgarimpeiras do país, e elas são sobretudo de ouro e diamante. Apopulação garimpeira do Brasil é estimada em 305.000, sendo quena Amazônia fica mais de 80% deste total” (OLIVEIRA, 1976: 63),embora a quantidade seja motivo de controvérsia. Para PROCÓPIO

(1992: 257), “cerca de um milhão de homens estão diretamentetrabalhando junto aos garimpos de ouro” (PROCÓPIO, 1992: 257).

Torna-se difícil precisar a quantidade de garimpeiros, poismuitos nem documentos possuem e transitam nos locais de trabalhoclandestinamente. Para o Estado e o capital, o garimpo passou aser estratégia para consolidar uma contra-reforma agrária naAmazônia, tornando a população nômade, enquanto se estabelecemos grandes grupos econômicos, inclusive legalizando aconcentração da terra. O pequeno agricultor que ainda resta, seja

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ele em terras próprias, seja em posse, neste estágio da investidacapitalista, vai servir de exército industrial latente e em potencial.

O garimpo deste novo período funcionou como válvula deescape aos problemas sociais criados na região amazônica e foradela. Nos processos de colonização espontânea, particular epromovida pelo governo, o Estado não esperava um fluxo tão grandede pessoas em busca de novas alternativas de vida, embora tivesseconhecimento da marginalização das massas. Formou-se na regiãoum grande contingente de exército industrial de reserva,acarretando sérios problemas sociais.

Para os migrantes, a alternativa imediata foi a busca daterra e do trabalho, mas o projeto capitalista proposto para a regiãonão contemplava os colonos, os posseiros e os “sem-terra”. O “mel”não estava ao alcance de todos, mas sempre tinha uma alternativanova de finalmente conseguir chegar até ele. O garimpo de ouroera uma forma de chegar ao “mel”, pois o brilho do mineral preciosopassou a fazer parte do sonho dos que chegaram à região.

Se a garimpagem pode ser a alternativa para as massasdespossuídas, também é vista com bons olhos por alguns setoresdo capital e o Estado dominador. Além de absorver a força detrabalho excedente e sem alternativa de vida, retira os posseirosdas terras que se encontram em processo jurídico sobre a posse.Neste sentido, os litígios sobre a propriedade da terra são processoslongos, e de repente aparece uma nova alternativa para a força detrabalho, eles se sentem atraídos, abandonam a luta pela possede terra e vão em busca do minério.

Assim, a grande maioria dos conflitos de posse da terra naregião tiveram seu fim com a abertura dos garimpos auríferos. Amineração de “ouro ‘atrai qualquer um’ e, ‘voluntariamente’, oposseiro que se transforma em garimpeiro entrega ‘de mãosbeijadas’ suas terras ao latifundiário” (PROCÓPIO, 1992: 86). Tambémocorrem desistências da terra nos assentamentos, pois a corridaem busca do ouro faz com que as pessoas abandonem a posse daterra e também os projetos de colonização.

As causas do abandono da terra nos assentamentos nãose fundamentam apenas na alternativa aurífera, mas são fruto daspéssimas condições estruturais desses projetos de colonização,visto o descaso por parte do Estado em detrimento dos gruposorganizados. A não permanência na terra é uma forma de fracasso,e esta desistência é a vitória do poder econômico, militar e político

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do País, pois o projeto amazônico não visa a proteger osmarginalizados que ali se fixaram, mas a favorecer o capitalconstituído para a expansão e acumulação. Em regra geral, a únicaalternativa oferecida à classe trabalhadora é a proletarização paraservir aos grandes conglomerados econômicos ali instalados, bemcomo dar estrutura ao capital nas cidades planejadas.

Os posseiros e os colonos prestam um grande benefícioaos capitalistas, facilitam a acumulação através da expansão, poisservem de amansadores das terras. Neste caso, tanto os colonoscomo os posseiros fazem a ponte para a entrada dos gruposeconômicos. Depois de passarem por dificuldades para aberturadas matas nativas, desistem da área e o latifúndio entra. Esta é ameta dos grupos ali estabelecidos ou querendo estabelecer-se naregião, pois desejam aproveitar a abertura já realizada pelos colonose posseiros.

Por outro lado, a garimpagem, tanto no passado como nopresente, em pouco contribui para o desenvolvimento da região,pois foram “contrabandeados em sua totalidade, ontem como hoje,o ouro e o diamante trazem principalmente a miséria” (PROCÓPIO,1992: 80). O desvio da produção não ficou somente no ouro, “95%do produto brasileiro de diamantes foi contrabandeado” (SABATINI,1998: 65). Para demonstrar a real situação, “na segunda décadados anos 80 o Uruguai se tornou um grande exportador, apesar denão haver em seu território uma única mina” (PROCÓPIO, 1992: 118).

Neste sentido, BEZERRA, VERÍSSIMO e UHL (1998: 22)denunciam que “muito do ouro produzido na região de estudo [em1993] – aproximadamente 80% – foi vendido no mercado negro,portanto livre de impostos”. A Amazônia tornou-se rota das drogas,contrabando de ouro e lavagem de dinheiro, contribuindo com asestruturas de produção16 e consumo da droga para indústria docrime. Para RIBEIRO (2000: 38), o narcotráfico e o capitalismo andamjuntos com a ilegalidade, pois através do crime os lucros não são

16 “A geografia do Narco. Os maiores produtores de maconha são: Colômbia, Belize,Costa Rica, Jamaica, Líbano, Marrocos, México, Panamá, Paraguai, Brasil e EstadosUnidos. Na produção de cocaína, os destaques são: Colômbia, Bolívia, Equador e Peru.(Brasil entra como potencial produtor). Na produção de ópio, destacam-se: Afeganistão,Birmânia, Egito, Guatemala, Laos, Líbano, México, Paquistão e Tailândia. Os paísesperiféricos produzem as substâncias tóxicas, e o primeiro mundo consome a maiorparte da produção.” (RIBEIRO, 2000: 34).

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controlados pelo sistema oficial, muito menos pelo mercadointernacional, vindo a atuar sem limites morais e reproduzindo aexclusão social em larga escala.

Segundo ROCCO (2000: 125), as Nações Unidas estimamque o tráfico de drogas ilícitas movimenta anualmente algo entreUS$ 500 a US$ 800 bilhões, além de financiar outras atividadesilícitas, como tráfico de armas, guerrilhas, golpes de estado,seqüestros, eleições em todos os níveis etc. A cocaína e o ourofazem a lavagem de dinheiro da indústria do crime na Amazônia.PROCÓPIO (1992: 119) certifica:

muitos aviões que trazem a pasta da coca, ou pronta e embaladapara o consumo, chegam igualmente com mercúrio proveniente daAlemanha Ocidental e do México, entre outros países. No Brasil éproibido por lei o uso do mercúrio nos garimpos. Tais aeronaves nãovoltam vazias. Além do ouro, transportam a cocaína, a pasta ou entãoo éter, acetona e ácido clorídrico, em boa parte produzidos por firmasnorte-americanas que dominam a indústria química. Como é sabido,tanto o ouro quanto a cocaína existem fortemente na Amazônia, emáreas do Brasil, Peru, Equador, Bolívia, Venezuela e Colômbia.

A ilusão de riqueza ao garimpeiro é um engano, pois seesconde por trás uma complexa máquina de intermediação: “depoisde expropriado das mãos dos garimpeiros por compradoresacobertados pelas preeminências capitalistas locais, comconsiderável margem de lucro, o ouro é revendido fora do país”(PROCÓPIO, 1992: 87). O garimpo de ouro na região é um grandenegócio para os detentores do poder político e econômico, bemcomo para manter o controle e usufruir os recursos naturais com afinalidade de concentrar riqueza.

Provando esta realidade, “no Encontro Anual da SBPCrealizado em 1983, na cidade de Belém do Pará, foi mostrado queapenas 5% dos ‘garimpeiros’ acumulavam aproximadamente 80%do ouro retirado até junho de 1983 em Serra Pelada” (PROCÓPIO,1992: 87). Para o garimpeiro que fornece a força de trabalho, osresultados são o aprofundamento da sua marginalização e aexclusão social. Nos locais das minas, após de exaurido o minérioresta “uma profunda desestruturação da paisagem social eecológica local” (PROCÓPIO, 1992: 87).

A maior parte do ouro é contrabandeada e serve na lavagem

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de dinheiro, e “sob vistas grossas de autoridades, diariamentesaem, pelos campos de aviação locais [clandestinos], quilos e maisquilos do precioso metal para tomar rumos ignorados” (PROCÓPIO,1992: 87). Na Amazônia, os únicos produtos que não precisam deestradas são a cocaína e o ouro; devido ao seu alto valor, otransporte pode ser feito via aérea. A exploração do homem e adegradação dos ecossistemas, aliados à concentração capitalista,se retratam na triste situação dos garimpos auríferos. PROCÓPIO

(1992: 90-91) define:

Na mineração do ouro, impera é a “lei da selva” onde “tudo é permitido”para alcançar a fortuna. A estabilidade do sistema capitalista serelaciona, ali, ao vale tudo. Nestes lugares, a importância da vida é oque menos importa. No garimpo, conforme se ouviu, “ninguém chorapor ninguém”. Houvesse respeito à vida, há tempo, por exemplo, aGarimpagem de Peixoto de Azevedo, em Mato Grosso, teria sidointerditada. Lá, centenas de garimpeiros mergulhadoresdesaparecem e continuam a morrer no rio Peixoto. Se, por um lado,é o ouro que atrai, e tantas vidas são desperdiçadas em sua busca– este metal que no mundo das representações é o meio que satisfazas necessidades e traz recompensas através de uma vida de riqueza- por outro lado, é a extração da mais-valia que motiva o sistema apermitir o verdadeiro holocausto nos garimpos espalhados pelaAmazônia17 .

17 A cidade de Peixoto de Azevedo está situada nas margens da BR-163 em MatoGrosso, próxima da divisa com o Estado de Pará. Nos anos 80 tivemos a oportunidadede ir várias vezes à cidade. Quando Procópio se refere ao garimpo desta região, eleestá falando realmente da violência e da prostituição que ali se realizavam. Na época, ànoite, eram comuns tiroteios seguidos de mortes. As boates com prostituição e bebidasmovimentavam o ambiente local. Nos finais de semana era comum vários a assassinatos.Os corpos eram vistos estirados nas ruas, resultado da festa na boate, pois eramsempre acompanhadas de muita bebida alcoólica, maconha e cocaína. Em um domingopela manhã fomos ao cemitério local para verificar o resultado da violência. Para nossasurpresa lá estavam alguns corpos, resultado da noite do sábado. Os mortos não tinhamninguém para chorar por eles, alguns não tinham documentos e muito menos alguém quesoubesse de onde vinham. Neste local, as pessoas viviam em estado de guerra, e paramuitos desses, tanto fazia matar como morrer. As mortes, na maioria das vezes, era peladisputa de mulheres nas boates. Neste local quem faz a lei são as armas e a coragemdas pessoas que ali vivem é fruto de sua brutalidade e bestialização. Outro fato que levamuitos trabalhadores do garimpo à morte são as doenças venéreas e a malária, doençasmuito comuns na região. Hoje a cidade vive em estado harmonia, se comparado com operíodo do auge da produção aurífera. Praticamente o ouro quase se exauriu e a regiãosobrevive do extrativismo, da agropecuária, do comércio e da indústria.

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Como outra atividade qualquer, a atividade garimpeira, alémde concentrar renda nas mãos de poucos, é retirada através damais-valia absoluta e relativa da classe trabalhadora, além deprestar grande serviço “aos latifundiários, contribuindo para umamaior concentração de terras em mãos de poucos” (PROCÓPIO, 1992:91). A procura de ouro na região serve apenas para minimizar osproblemas sociais, “enquanto se está a sua procura se esquece oresto” (PROCÓPIO, 1992: 92) dos problemas latentes na sociedadebrasileira produzidos pelas diferenças sociais.

Enquanto isso, as áreas de garimpos vivem uma verdadeiradegradação humana, com mortes e prostituição, onde impera a leido silêncio promovida por jagunços e pistoleiros. A ocupação daAmazônia é o retrato de tragédias para os povos marginalizados edespossuídos no processo histórico brasileiro, que buscam novasformas de subsistência. Os desempregados, os sem-terra e os sem-teto, que chegam de outras regiões do País passam a viver emclima de agressão física/moral. Neste sentido, o local onde ocorreua maior violência contra garimpeiros de que temos conhecimentofoi em Paranaíta, no norte mato-grossense, na gleba Iindeco.KOWARICK (1995: 235), citando JOSÉ RENATO (1985), comprova:

talvez o caso de maior violência contra garimpeiros tenha ocorridono garimpo de Paranaíta, no Norte do Mato Grosso, região dominadapelos garimpos da bacia do rio Teles Pires, formador do rio Tapajós(PA). Calcula-se em 300 o número de garimpeiros assassinadospor jagunços e policiais (...). Sofreram também sevícias e torturas(...). A tortura de 3.500 garimpeiros inclui mulheres à frente de seusmaridos, pisoteio, surras e, por fim o assassinato. Após as servíciasmuitos foram despejados na beira do rio Teles Pires; foramencontrados ainda vários cadáveres na área.

Para OLIVEIRA (2001: 155), “a violência passou a fazer partedo cotidiano do projeto, e a tentativa de ‘enriquecimento fácil’ tomouconta das cidades de Paranaíta e Alta Floresta. Estima-se que maisde 300 garimpeiros já foram mortos nessa disputa pelo ouro”. Osinistro acorreu no dia 11 de setembro de 1979, mas “no mês denovembro um grupo de garimpeiros encontrou 18 cadáveresamontoados, mortos recentemente. Isto significa que a matançanaquela região ainda não chegou ao fim” (SCHAEFER, 1985: 151).Fatos desta natureza fazem questionar sobre o modelo de

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Colonização da região, bem como da atitude da polícia sobre oabuso18 de poder e da justiça do Mato Grosso (SCHAEFER, 1985:151).

A violência no garimpo de Paranaíta também foi citada porPIAIA (1999: 105-106). É bom lembrar que nesta época o País eragovernado pela ditadura, as informações e a violência repressivasfaziam parte do cotidiano brasileiro. Nesta lógica, “o norte de MatoGrosso é uma das regiões garimpeiras que ‘escondeu’ essesmassacres de garimpeiros” (OLIVEIRA, 1997: 65). Para BECKER (1997:77), os garimpeiros descobrem os minérios, desbravam as áreas edepois são expulsos, foi o que aconteceu em Rondônia, com aexploração da cassiterita e em Paranaíta (Alta Floresta, MT) com aexploração de ouro. Estas atitudes representam atos do capitalismoconcentrador e retratam as formas de expansão da Amazônia demodo selvagem e brutal.

Este é apenas mais um dos casos de violência com osdespossuídos e marginalizados, retratando a brutalidade ocorridanas frentes de trabalho e na ocupação da Amazônia. Além de todaa violência praticada com a população que ali chega, vivem semqualquer condição de higiene sanitária. São vítimas de doençastais como: tuberculose, leishmaniose, verminose, malária, doençasvenéreas, acompanhadas de muitos assassinatos, além deprostituição infantil, devido a grande quantidade de indústrias dolazer e por tornar-se esse negócio muito lucrativo. Neste sentido,nas regiões de garimpo existem muitas casas de prostituição, sendoum dos comércios mais importantes das áreas garimpeiras.

No ano de 1987 tivemos a oportunidade de verificar in locoa região garimpeira, para entender como funcionam os garimposna região amazônica. Além de visitar a cidade de Peixoto de Azevedo,visitamos também a área garimpeira, local de extração do minério.Acompanhamos a garimpagem aquática, no rio Peixoto, na alturaem que recebe como afluente o rio Braço do Norte, e o garimpoterrestre por vários dias nesta região. Constatamos que há duasmodalidades de extração de ouro: a terrestre e a aquática. Tanto a

18 SCHAEFER JOSÉ RENATO. As migrações rurais e implicações pastorais. Um estudo dasmigrações campo – campo do sul do País em direção ao norte do Mato Grosso. SãoPaulo: Edições Loyola, 1985. Neste livro, o autor relata os assassinatos dos garimpeirose das prostitutas e os requintes de crueldade aplicados na tortura e morte pela polícia emParanaíta, no Estado de Mato Grosso.

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extração aquática quanto a terrestre utilizam de quatro a seispessoas por equipe de trabalho. A exploração aquática necessitados seguintes equipamentos: uma balsa que flutua na superfíciedo rio, se deslocando quando necessário; uma motobomba, commangueiras para sugar o lodo no fundo do rio; uma caixaconcentradora, em cima da balsa; equipe de mergulhadoresequipados com roupas de mergulho.

O mergulhador fica no fundo do rio controlando a mangueirapara sugar o lodo em uma profundidade de 10 a 15 metros oumais, através da força sugadora da motobomba. Neste processo,muitas vidas são ceifadas, pois ocorrem muitos desmoronamentosnas crateras, soterrando os garimpeiros ou porque são arrastadospor troncos de árvores pela força das águas. Além de usaremequipamentos e roupas não adequadas nesta prática, também háo uso indiscriminado de drogas como: cocaína, bebidas alcoólicase outras (PROCÓPIO, 1992:95).

Nesta modalidade, de duas em duas horas é feito orevezamento com a equipe, o trabalho não pára dia e noite, namaioria dos casos. O garimpeiro trabalha de forma precária naregião. No garimpo de balsa, os “acidentes de trabalho foram umaconstante no rio Madeira, onde a profundidade média varia entredez e quinze metros” (PROCÓPIO, 2000: 140). Sempre usam roupasemborrachadas, não permeáveis, uma chupeta na boca pararespirar, se jogando na água com alguns pesos de chumbo,geralmente amarrados na cintura e nas pernas para mantê-los nofundo do rio. Este procedimento abre verdadeiras crateras,removendo o fundo do rio, sendo todo o material jogado em umacaixa com uma banca em declive forrada com carpete ou pano,pois, na passagem do material, o ouro, por ser mais pesado, ficaretido neste carpete. A cada três ou quatro dias é feita a limpezadestes carpetes, retirando o ouro com auxílio de mercúrio e, nofinal, parte deste mercúrio é jogado nas águas, e outra, naatmosfera.

O mergulhador, nesta técnica, fica em constante perigo devida. O proprietário das balsas constrói uma casa flutuante ondeadministra todo o trabalho. Também é o local onde os garimpeirosfazem suas refeições, descansam e dormem. A alimentação é feitapor um peão conhecido por “Cuca19 “. Deste local o proprietário dasbalsas pode administrar várias equipes de trabalho, tendo às vezesa tarefa de coletar o ouro. O proprietário necessita inicialmente de

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certa quantidade de capital disponível, para poder bancar toda ainfra-estrutura como: máquinas, equipamentos, alimentação,transporte e combustível.

Na outra modalidade, a extração de ouro terrestre, usam-se duas motobombas, com duas mangueiras. Uma caixa nosmesmos moldes da aquática, pois o processo é o mesmo. Asmotobombas têm funções distintas. A primeira serve para lançarágua sobre pressão, desintegrando os sedimentos. A segunda tema função de sugar aquele lodo removido, fazendo a mesmaoperação da mangueira aquática. As mangueiras têm duas funções:uma de jogar jatos de água para desintegrar os sedimentos, a outrapara sugar os sedimentos removidos até a caixa concentradora. Oprocesso de apuração é o mesmo das operações aquáticas, usandosempre o mercúrio para facilitar a separação de outras misturas etambém para diminuir as perdas.

Em qualquer das modalidades de extração de ouro nãoexiste vínculo empregatício entre o proprietário das balsas que faza ponte entre o capital e os peões do garimpo. A violência estápresente em toda parte. Para melhor esclarecer, KOWARICK (1995:133) retrata as reais condições:

a garimpagem é um capítulo à parte da história da Amazônia e espelhaa luta pela sobrevivência, assim como a violência praticada pelapolícia militar, jagunços e as “quadrilhas organizadas”. São vítimaspeões (trabalhadores rurais sem-terra) e os índios, o meio ambientecontaminado pelo mercúrio e a degradação. Na verdade, a produçãode ouro é muito maior do que a registrada oficialmente e com certezaé exportado pelas “quadrilhas organizadas”, as “máfias” que atuamimpunemente no Brasil e em especial na Amazônia legal.

Isso pode ser ilustrado através do estudo realizado pelaequipe do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia –Imazon, no que diz respeito à garimpagem de ouro na região. Atravésde estudo de caso, avaliam a questão trabalho, finanças e impactoambiental. Este foi realizado no Sudoeste do Estado do Pará,

19 Cuca é um trabalhador muito comum na área garimpeira, na extração de árvores e nosprojetos agropecuários, exerce a função de cozinheiro. Também organiza os horáriospara refeições, visto que a rotatividade de trabalhadores é constante. Deve sempreobedecer os intervalos necessários entre o espaço de tempo para o mergulho, istoquando a garimpagem for aquática.

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servindo de referência para outras regiões. Os pesquisadoresfizeram entrevistas e acompanhamento de todo o processo degarimpagem neste local. A equipe entrevistou 55 proprietários degarimpos, 155 trabalhadores, 15 comerciantes e 12 transportadores.Os pesquisadores BEZERRA, VERÍSSIMO e UHL (1996: 10) nosdemonstram, através de seus estudos, os resultados dascaracterísticas da garimpagem:

em 1993, havia 245 garimpos na região de estudo. Deste total 60%tinham acesso por via aérea, 35% podiam ser alcançados por viafluvial e 5% por via aérea, fluvial e rodoviária. A maioria dos garimpos(216 de 245) eram do tipo “fechado” e empregavam 15.120 pessoas.Os 29 garimpos restantes eram “abertos” e envolviam 14.500pessoas. A população dos 18 garimpos que visitamos (10 “abertos”e 8 “fechados”) era dividida em empregados de mineração (75%),prostitutas (9%), proprietários (6%), comerciantes (4,8%) etransportadores (1,2%). Grande parte dos garimpeiros, proprietáriose comerciantes na região de estudos veio do Estado do Maranhão. Amaioria teve pouca educação e uma pequena experiência deagricultura de corte e queima. Os trabalhadores da mineraçãodistinguem-se dos proprietários e comerciantes em dois aspectos:1) eram jovens (idade média 23 anos vs. 40-42 dos donos ecomerciantes); e 2) geralmente solteiros (70% solteiros vs. 0-10 desolteiros entre proprietários e comerciantes).

QUADRO DEMONSTRATIVO SOBRE A PRODUÇÃO AURÍFERA COMMÁQUINAS COM POTÊNCIA BAIXA, MÉDIA E ALTA REALIZADO NA

REGIÃO DE TAPAJÓS, NO ESTADO DO PARÁ (1996).

No estudo, observa-se uma lucratividade crescente,conforme a potencialidade das máquinas, a produção aumenta,enquanto os custos permanecem baixos. Sendo assim, a margemde lucro é de 9% para baixa potência, 17% para média potência e34% para alta potência (BEZERRA, VERÍSSIMO e UHL, 1996: 12). Estesresultados demonstram uma cadeia de explorados, em que o

BaixaM édiaAlta

2,63,77,20

30.00043.00084.000

27.40035.40055.000

2.6007.60029.000

Potência Prod. Kg/ano Renda US$ Custo em US$ Lucro em US$

Fonte: Elaboração própria com base em Bezerra, Veríssimo e Uhl (1996: 12).

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pequeno proprietário das máquinas, a princípio, suga sua força detrabalho, depois a entrega às mãos de grupos organizados,demonstrando, assim, a existência de cadeia na exploração da mais-valia.

A força de trabalho, quando tem dinheiro, quase sempregasta o que tem, “os garimpeiros alugam carros, fecham bares,restaurantes, casas noturnas e se sentiam um pouco donos domundo” (MARTINS, 1991: 68). Dentro da indústria dos garimpos existetambém a indústria do divertimento. Neste cenário, em média, umatípica boate “que emprega 8 prostitutas, teve um lucro superior aUS$ 100.000/ano, aproximadamente 8 vezes mais do que o lucrode uma equipe que opera um par-de-máquinas de alta potência”(BEZERRA, VERÍSSIMO e UHL, 1998: 15).

Já os comerciantes ficam com lucro médio que varia de US$5.000 a US$ 30.000/ano. Cada trabalhador do garimpo “ganha deUS$ 2.000 a US$ 6.000 por ano. Em geral, estes ganhos são gastosnos povoados dos garimpos: dois terços gastos em boates combebidas alcóolicas e prostitutas, 10% com transporte, 7% com saúde,13% eram enviados para as famílias em outras cidades ou estadose outros 7% correspondiam a gastos com necessidades básicas”(BEZERRA, VERÍSSIMO e UHL, 1998: 17). O processo de trabalhogarimpeiro é semelhante ao que ocorre nas fazendas daagropecuária e da indústria do extrativismo florestal. Nestes locaisse faz necessário manter os trabalhadores endividados e possibilitarque gastem o que ganham, enquanto os proprietários dos garimpose comerciantes investem em fazendas de gado, agricultura, mercadofinanceiro e outros.

A grande fatia dos lucros não fica para o pequenoproprietário das máquinas e o garimpeiro, mas com osatravessadores deste mercado e os grandes mineradores, eprincipalmente com a lavagem de dinheiro através do comércioclandestino. Alguns barões da droga e do ouro, através do tráfico edo contrabando, conseguem acumular grandes fortunas. O mesmoque acontece com o monopólio da terra, também acontece namineração, pois são grandes complexos capitalistas que objetivama concentração da renda através da exploração do trabalho. Estefato coloca “a exploração dos recursos minerais em grande escalae configura uma nova fase na expansão da fronteira. Ao lado dabusca de ouro nos garimpos, já antiga na região, grandes projetosminerais, controlados por join ventures, empresas estatais e/ou

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estrangeiras, iniciam a nova fase industrial da fronteira nos anos80” (BECKER, 1996: 62).

Assim é com o desenvolvimento da região e a criação doPrograma Grande Carajás – PGC. BECKER (1996: 67) destaca que:

no final dos anos 70, (...) se configura a estratégia do Estado para anova fase da fronteira e da indústria da exportação mineral em grandeescala. Proposto pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – amaior exportadora mundial de ferro – e endossado pelo Estado, o‘Carajazão’ propõe-se a ser o maior projeto de desenvolvimentointegrado do mundo.

Com a finalidade de demonstrar o poderio mineral destaregião, CARUSO e CARUSO (2000: 242) avaliam que:

a Amazônia não é apenas um monte de árvores. Para o estrangeirorepresenta mais do que tudo, um imenso depósito de recursosnaturais. Apenas na província metalífera de Carajás, numa área de600 por 300 quilômetros, encontram-se 18 bilhões de toneladas deferro, 84 milhões de toneladas de manganês, aproximadamente 164toneladas de ouro, um bilhão e duzentos e cinqüenta milhões detoneladas de estanho, 87 milhões de toneladas de níquel, oitomilhões e meio de toneladas de zinco, um milhão de toneladas detungstênio. O ferro, mineral típico dos terrenos mais antigos, encontra-se com relativa facilidade em todo o mundo e por isso é mais barato.Agora, esse de Carajás, no sul do Pará, possui um teor altíssimo, demais de 60% de ferro.

A Companhia Vale do Rio Doce – CVRD, a maiorconcentração mundial de ferro, está localizada no Estado do Pará,na grande Amazônia (BECKER, 1997: 67). Até o final da década de90 era uma empresa estatal, depois passou às mãos da iniciativaprivada. No entanto, a Vale do Rio Doce, “antes mesmo de suaprivatização, era a maior exportadora de minério de ferro do mundo”(BIONDI, 1999: 22). Mesmo não se sabendo em profundidade aquantidade de recursos minerais na área, “às vésperas do leilão,foi confirmada a descoberta de imensas jazidas, inclusive de ouro,ainda não devidamente estudadas (‘medidas’) pela empresa e queficaram fora do preço fixado” (BIONDI, 1999: 28).

A empresa foi vendida no processo de privatizações20 doPaís por 3,13 bilhões de dólares no final da década de 90 do século

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XX, e ficaram 0,7 bilhões de reais em caixa. O grupo compradorobteve “um lucro de 1,25 bilhões de reais em 1999, para umfaturamento de 4,4 bilhões de reais” (BIONDI, 2000: 16). No entanto,neste mesmo ano, enquanto a classe média do País pagou 27,5%de Imposto de Renda, o mesmo grupo pagou 0,5%, ou seja, 5milhões de reais (BIONDI, 2000: 16). Fatos desta natureza denunciamo comprometimento entre o Estado e os grupos organizados naAmazônia brasileira, pois neste local acontece a destruição danatureza acompanhada do roubo e da fraude legalizada.

Além do descaso com os brasileiros e de entregar opatrimônio público aos grandes conglomerados nacionais einternacionais, as pesquisas mais apuradas para a descoberta dosminerais estão sendo feitas por satélite e com tecnologia dos paísesdos centros do capitalismo, ou seja, Estados Unidos, Japão e algunspaíses da Comunidade Européia.

As descobertas e o controle da Amazônia vêm de longasdatas. Neste sentido, “entre 1966 e 1970, cerca de 22% dasdescobertas foram feitas unicamente pelas empresas internacionaisou pelos seus testas-de-ferro. Isto evidencia, de forma clara, arelação entre a integração da Amazônia e a entrega dos recursosaos grandes grupos multinacionais/nacionais/estatais” (OLIVEIRA,1997: 35).

Na Bacia Amazônica “são 12.967 quilômetros de fronteira,ou quase 80% do total de nossa fronteira terrestre, se incluirmostoda a linha divisória com a Bolívia que, na sua parte sul, é platina”(MATTOS, 1980: 123). Assim, para controle, nos últimos anos foiinstalada em Sinop, área de nossa pesquisa, uma das bases daNasa e outra do Sivam, além de outras em vários lugaresestratégicos da região.

O Sistema de Vigilância da Amazônia foi idealizado pelogoverno do presidente Sarney e criado oficialmente no governo do

20 Segundo Gonçalves e Pomar (2000: 26), “de 1991 a 1998 o país teria arrecadado 85bilhões de reais com privatizações. Cálculos mostram que – mesmo desconsiderandoos preços subavaliados e o impacto social negativo – o governo perdeu pelo menos 87bilhões de reais nas privatizações. Embora tenha produzido um abatimento contábil nadívida interna, a privatização aumentou a dívida externa e o passivo do país. Por exemplo,com empréstimos contraídos no exterior por empresas privadas que compraram estatais.É o caso da Vale do Rio Doce, uma das maiores estatais brasileiras, que depois deprivatizada contraiu um empréstimo bilionário nos Estados Unidos para participar dacompra da Light, estatal de energia elétrica”.

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presidente Collor. São previstas “18 estações-radar fixas e 6estações-radar transportáveis e custo total de US$ 1,385 bilhão”(BRIGAGÃO, 1996: 64). No processo de licitação para fiscalizar aregião, concorreram as seguintes empresas: a Thomsom da Françae a Raytheon dos Estados Unidos. O processo de licitação deixamuitas dúvidas, pois foi considerado obscuro, vindo a motivarprotestos e acusações políticas no cenário nacional e internacional.As acusações foram no sentido de apontar fraudes na licitação,que favoreceu a empresa Raytheon, que ganhou a concorrência.

O interesse dos Estados Unidos era de conhecimento dasautoridades brasileiras, pois “o Presidente Bill Clinton chegou aenviar uma carta a Itamar Franco [Presidente da República]recomendando a escolha da empresa norte-americana. Em julhode 1994, a Raytheon foi declarada vencedora” (BORTONI e MOURA,2002: 15). Neste sentido “o Le Monde publicou um dossiê,garantindo que a Raytheon venceu a licitação com ajuda dos espiõesda CIA” (BRIGAGÃO, 1996: 67).

Por outro lado, “o New York Times estampou em mancheteem fevereiro de 1995 que a Casa Branca havia pressionado ogoverno brasileiro a fechar com a Raytheon, após descobrir queconcorrente francesa havia pago propina à autoridades brasileiras”(BORTONI e MOURA, 2002: 15). Assim “o contrato assinado com aempresa norte-americana Raytheon para tocar o projeto previa umserviço de 1,4 bilhão de dólares” (BORTONI e MOURA, 2002: 69).

Possivelmente, os interesses hegemônicos do centro docapital mundial objetivam o controle da região para si. Assim, a jáinternacionalizada Amazônia brasileira passa estrategicamente aservir sob o domínio dos estadunidenses, bem como aos interessesdo capital mundial. O Sivam21 e a Nasa presentes na região vêmpara consolidar o domínio e a submissão do Brasil e de toda aAmérica Latina.

21 Sivam – Sistema de Vigilância da Amazônia (resumo). “1994 – A Raytheon é escolhida,sem licitação, para executar o projeto Sivam. 1995 – A imprensa denuncia, em novembro,a existência de um grampo no telefone do ex-chefe de Cerimonial do Palácio do Planalto,embaixador Júlio César Gomes dos Santos. As conversas que vazaram indicavam umaestreita relação entre o funcionário de confiança da Presidência da República e orepresentante da Raytheon no Brasil. 1977 – O governo federal assina, em 7 de março,o contrato com a Raytheon para implantação do Sivam. 2001 – A câmara dos Deputadosinstala em agosto uma CPI para apurar se houve irregularidades no projeto Sivam.”(BORTONI e MOURA, 2002: 70).

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Com esta estratégia, o centro do capital mundial passa adeterminar de forma técnica os encaminhamentos futuros e ascondições da vida dos brasileiros, porém os custos doempreendimento saem dos cofres do Brasil. O projeto Sivam “contarácom a mais alta tecnologia, utilizando o sensoriamento remoto deúltima geração, com imagens fornecidas por satélites e dados porradares, além de um completo sistema integrado detelecomunicações” (BRIGAGÃO, 1996: 45).

A história de ocupação da Amazônia denuncia a entrega dopatrimônio nacional aos grupos estrangeiros e agora o controledas informações, principalmente sobre descobertas minerais. O fatoda dominação pode ser visto nas diferentes fases da produção eda influência dos capitalistas na região, através dos diferentesprodutos para servir ao comércio mundial. Os estudos sobre aregião, coordenados pelos estadunidenses, nos transmitem asensação de embrulho, de controle e principalmente de seqüestrodas riquezas naturais ali abundantes. Possivelmente, tudo isto podevir acompanhado da perda da soberania nacional da Amazônia eda concretização da entrega total da região ao capital concentrador.

Estes grupos objetivam o lucro de qualquer forma, mesmoque este proporcione a miséria para os demais povos e a destruiçãodos ecossistemas, vindo a agravar-se em proporções cada vezmaiores. Além disso, a região está sendo monitorada por altastecnologias e satélites para o controle do espaço amazônico,realizando as estratégias militares econômicas e políticas do centrodo capital mundial, bem como a submissão e a obediência aospaíses dependentes para efetivar a dominação. Para atingir estesobjetivos, a lógica sistêmica não respeita o meio ambiente, asoberania nacional e muito menos os homens da floresta, além defacilitar a interferência na soberania dos demais países da AméricaLatina.

A expropriação dos recursos minerais da região amazônicacontinua sendo grande meta do capital mundial. A região amazônicaé considerada rica em produtos minerais, como: ferro, manganês,cassiterita, ouro, cromo, níquel, cobalto, urânio, cobre, chumbo,titânio, prata, diamante, sal-gema, calcário, caulim, carvão, tório,bauxita, alumínio, gás e outros. Além destes minerais, foi encontradana foz do rio Amazonas uma promissora região petrolífera (FERREIRA,1980: 157). O controle das pesquisas está nas mãos dos países

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exploradores de nossas riquezas naturais. Além disso, o Ministériodas Minas e Energia não possui técnicas, muito menos pessoalpreparado, que consiga acompanhar as descobertas estrangeirasna região.

Enquanto isso, acontece uma verdadeira destruição danatureza, também deixando profundas conseqüências sociais naregião, tudo em nome do lucro e da expansão do capital nacional einternacional. Neste sentido, a presença dos grupos estrangeirosna Amazônia é real, pois “o maior grupo estrangeiro instalado naregião amazônica, a British Petroleum, detém, em concessões, áreaequivalente a Rio de Janeiro, Espírito Santo e Santa Catarina, 13%do subsolo da Amazônia” (VASCONCELLOS e VIDAL, 2001: 20-21).

Na virada do milênio, o garimpo artesanal praticamentedeixou de existir. Os trabalhadores das áreas auríferas tiveram quese deslocar para outras regiões de frentes de trabalho, ou formaramo exército industrial de reserva nas cidades planejadas da região.Assim, “após a corrida pelo ouro e a falência das minas, parte dessamão-de-obra ficou desempregada e hoje encontra-se disponívelem qualquer cidade da Amazônia” (PROCÓPIO, 1999: 159).

Exemplos desta natureza na região, podem ser vistos emSinop, “o bairro Jardim Boa Esperança (fusão de outros três bairros)é um verdadeiro ‘peixotinho’, formado por pessoas que fugiram dacrise do ouro no extremo norte de Mato Grosso e vieram em buscade melhores condições de vida para suas famílias” (SOUZA, 2001:172). “Nestes bairros periféricos de Sinop vivem o nordestino e osulista ‘fracassado’, que são prestadores de serviços, únicaalternativa para manter-se no sistema social e econômico” (SOUZA,2001: 224). Estes não encontrando trabalho, passam a ingressarnas fileiras do MST, por meio da organização em busca da terra.Fato que vem se verificando com muita freqüência e intensidadeem Sinop e região.

Mais uma vez não foi possível alcançar o “mel”, mas ocobiçado produto está sendo visto em todas as partes da Amazônia.Quem não o encontra em um lugar, pode procurá-lo em outro, bastapersistir na busca e não desanimar nesta procura. Este produtosagrado, é possível que seja disponibilizado a todos, e nesta lógicapode estar à disposição também dos despossuídos emarginalizados. Aqueles que insistirem na sua procura podem

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encontrá-lo. Hoje, as alternativas da busca se esvaziam, que outrapossibilidade restou aos excluídos além de engrossarem as fileirasdo MST? Assim a luta continua e a vida tenta seguir...

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A devastação ambiental na expansão capitalista

Na Amazônia brasileira existe uma relação muito grandeentre os seres vivos e o meio ambiente. Com a chegada dos“civilizados” na região, “devastam as terras, matam os animais,envenenam os rios e os mares, e os homens caminham para o fimdestruindo tudo na natureza, em pleno século XX, à luz da ciência”(ESPÍRITO SANTO, 1956: 195). A partir da interferência na região, ohomem passa a alterá-la através dos movimentos naturais aliexistentes, modificando os ecossistemas. Segundo SACHS (2002:32), “conservação e aproveitamento racional da natureza devemandar juntos”.

Para THOMAS-HOPE (2001:87), o papel dos fatores ambientaisno comportamento humano deve brindar as causas dodesenvolvimento, bem como as estratégias de subsistência doshomens. Por outro lado, as mudanças nos últimos anos são rápidase muitas vezes irreversíveis ao meio ambiente. Isto se torna possívelpelo fato de o homem interferir de modo predatório nos diferentesecossistemas da região.

Neste sentido, em nome da segurança nacional,principalmente na década de 70 do último século, os projetosdesenvolvidos pelos militares na Amazônia, tornaram-se maisvelozes e agressivos à biosfera. Através do “binômio Segurança eDesenvolvimento, como projeção de Poder Nacional no mundo e anecessidade de integração nacional” (SABATINI, 1998: 56), aAmazônia foi sendo devastada e internacionalizada. Assim, aditadura “não resultou apenas em crise econômica, mas tambémem uma tempestade conjunta de desastres ambientais” (DEAN, 2000:307).

Por outro lado, podemos contribuir para o desenvolvimentodo ambiente ecológico, através da “consciência de que não existeseparação entre mente e corpo, o homem e a natureza” (SHIVA,2001: 90). Dessa forma, “o desaparecimento de uma espécie estárelacionado com a extinção de inúmeras outras, as quais ela seliga ecologicamente nas teias e cadeias alimentares” (SHIVA, 2001:92). A biodiversidade é “um recurso e propriedade comunitáriaquando existem sistemas sociais que o utilizam segundo princípiosde justiça e sustentabilidade” (SHIVA, 2001: 92).

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Nesta perspectiva, a natureza “deve ser vista em seuconjunto como a ‘herança da humanidade’ que precisa ser mantidae manejada para garantir a qualidade de vida para hoje e para ofuturo” (GONÇALVES e POMAR, 2000: 30). Através da modernizaçãodo sistema produtivo da grande região amazônica, “o Brasil e outrospaíses tropicais têm todas as condições de se tornaremexportadores da sustentabilidade, transformando o desafioambiental em uma oportunidade” (SACHS, 2002: 42). Com esta novaforma de compreensão da natureza, “a conservação dabiodiversidade deve estar em harmonia com as necessidades dospovos do ecossistema” (SACHS, 2002: 53). A humanidade deve voltar-se de forma sistemática ao “aproveitamento racional eecologicamente sustentável da natureza em benefício daspopulações locais” (SACHS, 2002: 53).

Não é o que aconteceu na Amazônia até hoje, pois em todoo processo de colonização da região entre o Estado e o capital, emnenhum momento preocuparam-se em utilizar os recursos naturaisde forma sustentável. Esta também é a difícil situação dos paísesdo Terceiro Mundo, mas principalmente das comunidades maisafastadas, que estão sendo agredidas e exterminadas juntamentecom os ecossistemas que orientam e determinam suas vidas.

Para STIGLITZ (2002: 273), “a pobreza pode levar àdegradação ambiental, e a degradação ambiental pode contribuircom a pobreza”. Isto pode ser visto através dos nativos; além depreservarem o meio ambiente onde vivem, são detentores de vastoconhecimento popular. Conhecimento este que está sendo pirateadopelos interesses de grupos econômicos farmacêuticos. Em nomeda expansão capitalista na região, acontece não só a destruiçãodo meio ambiente onde está o homem inserido, mas doconhecimento agregado de centenas de anos. SHIVA (2001: 101)adverte que:

dos 120 princípios ativos atualmente isolados de plantas superiores,e largamente utilizadas na medicina moderna, 75% têm utilidadesque foram identificadas pelos sistemas tradicionais. Menos de dozesão sintetizados por modificações químicas simples; o resto éextraído diretamente de plantas e depois purificado. Diz-se que ouso do conhecimento tradicional aumenta a eficiência de reconheceras propriedades medicinais de plantas em mais de 400%.

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O imediatismo e a falta de respeito com o homem e anatureza passam a destruir as possibilidades de avanços nadescoberta de remédios, pois estamos perdendo a oportunidadede novas invenções no tratamento de doenças. Por outro lado, osgrupos econômicos que atuam no ramo de medicamentos seaproveitam do conhecimento já adquirido ao longo dos tempos.Para eles, “o conceito de agregar valor por meio da bioprospecçãoesconde a remoção e destruição do valor de plantas econhecimento dos nativos” (SHIVA, 2001: 100).

Utilizando-se do poder capitalista, que é inerente a todo oprocesso de acumulação de capitais, os grupos organizados sebeneficiam da natureza, bem como do conhecimento sobre ela, naAmazônia. Além de destruir o conhecimento existente ou detê-lopara si, têm à disposição leis protecionistas. Assim, “as patentes,em última análise, são sistemas de proteção para o investimentode capital sem habilidade de controlar o capital. Como tal, nãoprotegem nem povos nem sistemas de conhecimento” (SHIVA, 2001:106).

Podemos identificar alguns dos produtos amazônicos jápatenteados no exterior. É o caso da erva espinheira-santa, pelolaboratório Mektron japonês, com indicações antiinflamatórias; aerva quebra-pedra, pela Fax-Chase Cancer Center, Filadélfia, nosEstados Unidos, indicada contra a hepatite B; a erva mirapuama,como afrodisíaco, pela Taisho Pharmaceutical, do Japão; o guaraná,pelos Estados Unidos, cujo o extrato das sementes é usado emcoágulos, pela empresa Ciencinnati University; a erva sangue-de-pedra, pelos Estados Unidos, com indicações antivirais e contradiarréias em doentes aidéticos, pela empresa ShamanPharmaceuticals, e outros produtos da região (HOMMA, 1999: 95).Para SHOUMATOFF (1990: 21-22), “75 por cento dos remédios nasprateleiras das farmácias contêm produtos da floresta tropical, masapenas 1 por cento das plantas nas florestas tropicais foi analisadapara obter o potencial medicinal”.

Neste sentido, “a questão da patenteabilidade da vida nãose relaciona apenas com o comércio: é, principalmente, uma questãoética e ecológica intimamente ligada à injustiça social da biopirataria”(SHIVA, 2001: 112). Entendemos que a diversidade amazônica seapóia na sustentabilidade, mas esta deve estar a serviço dos povosda floresta. Hoje, “a engenharia genética, ao mesmo tempo queage predatoriamente sobre a diversidade biológica do mundo,

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ameaça agravar a crise ecológica pela expansão das monoculturase dos monopólios” (SHIVA, 2001: 113).

Assim, os impactos ambientais e sociais nos países deTerceiro Mundo são mais acentuados, pois a população das regiõesmais pobres é culturalmente mais dependente da diversidadebiológica. A pirataria na região é histórica e a saída de materialgenético do Brasil acontece há muito tempo. Segundo HOMMA (1999:97), em 1746, o primeiro recurso genético importante transferidofoi o cacau, mas o mais importante produto da Amazônia pirateadoforam as sementes de seringueiras em 1876, o que muda o eixo dahistória da região, além de outros produtos com menor importânciaeconômica.

Além disso, os países do Primeiro Mundo usam os territóriosdos países pobres para colocar em prática experimentos, tais como:uso de pesticidas, fungicidas, inseticidas, produtos transgênicos earmas de guerra, além de praticar a pirataria generalizada, vindo acomprometer os povos nativos e os ecossistemas. A expansãocapitalista se sustenta na exploração da força de trabalho, e via deregra se apóia em práticas de monoculturas e destruição do meioambiente. SHIVA (2001: 127-28) nos diz:

as monoculturas estão sempre associadas à violência política – ouso da coerção, do controle e da centralização. Sem controlecentralizado e forças coercitivas, este mundo tão rico em diversidadenão pode ser transformado em estruturas homogêneas e asmonoculturas não podem ser mantidas. As comunidades e osecossistemas organizados e descentralizados geram diversidade. Aglobalização gera monoculturas controladas pela coerção. Asmonoculturas também estão associadas à violência ecológica – umadeclaração de guerra contra as diversas espécies em extinção, mastambém controla e mantém as próprias monoculturas. Monoculturasnão sustentáveis são vulneráveis ao colapso ecológico.

As populações do Terceiro Mundo, “da Ásia, África, e daAmérica Latina são os últimos ‘steps’ (degraus) dos testes paraliberação de agrotóxicos nos países desenvolvidos” (PINHEIRO etal., 1998: 129). Além de servir de cobaia para experimentoscientíficos, para o estudo de herbicidas, fungicidas e todo o tipo deprodutos tóxicos, a Amazônia é também vítima da sua utilização. Naregião, no período pós-guerra do Vietnã, o Tordon, como agentebranco e laranja, foi amplamente utilizado.

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É o que aconteceu na construção da barragem de Tucuruíno Pará, pela então empresa estatal Eletronorte. Depois de váriasdenúncias, as equipes responsáveis pela investigação “haviamconcluído seu trabalho, completando o levantamento da área.Pareciam os números de uma guerra: 48 mortes; 50 abortos; maisde 300 cães mortos; mais de 12 mil aves de terreiro mortas. Portoda parte encontrava-se efeitos fitotóxicos dos desfolhantes”(PINHEIRO et al., 1998: 72).

Como é sabido, no período da ditadura as informaçõessomente eram veiculadas quando de interesse do Estado. Osexperimentos e a utilização dos produtos agrotóxicos faziam partedos projetos internacionais para a região, conseqüentemente, ogoverno da ditadura os apoiava. No caso brasileiro, “as estruturasde governo foram transformadas em cartórios para protegergraciosamente os interesses das indústrias multinacionais” (PINHEIRO

et al., 1998: 140). No entanto, passava-se à nação que a aplicaçãode agrotóxicos trazia benefícios aos habitantes. Eram comuns frasescomo as citadas na revista Senhor (semanal) de 29/5/85, citadopor PINHEIRO (1998: 146). “Defensivo. Uma ajuda no combate à fome”.

Era preciso condicionar a população através da mídia aserviço do capital internacional e a mentira era dita com tom deverdade. Hoje, os agrotóxicos continuam amplamente utilizados emtodo o Brasil e em países que compõem a Amazônia Legal.Recentemente, “na Bolívia, no Peru e na Colômbia, aviões militaresdos Estados Unidos da América invadiram o espaço territorial dessespaíses para despejar nas plantações de coca o ‘spike’, um químicosemelhante ao agente laranja empregado na guerra contra o Vietnã”(PROCÓPIO, 1999: 93).

A preocupação agora é criar plantas e produtos transgênicospara suportar a ação dos herbicidas, assim os organismosgeneticamente alterados suportam sua ação. Na engenhariagenética e no uso do “transgênico não se observa ganhos deprodutividade; o que existe é uma economia de mão-de-obra e ummaior controle de pragas” (CÂNDIDO et al., 1999: 10), e comoconseqüência, maior lucratividade.

Se os produtos geneticamente modificados fazem mal àsaúde ou não, pouco muda, o que importa é que as indústriasmultinacionais consigam produzir um pacote completo para aagricultura. Este deve conter a semente geneticamente modificadade forma híbrida, acompanhado de herbicidas, fungicidas e outros

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componentes que sejam de interesse dos grupos multinacionais,tornando o produtor dependente destes produtos de forma casada.

Neste sentido, os grupos organizados “querem fazer de nós,brasileiros, cobaias desses experimentos” (CÂNDIDO et al., 1999: 22).Porém, faz-se necessário questionar como estão se desenvolvendoas experiências com a soja na Amazônia, pois o Brasil é o segundomaior produtor do mundo. Também questiona-se como é possívelabater de forma extensiva o gado bovino em idade precoce nestaregião.

A Amazônia é um laboratório vivo e torna-se maisinteressante quando os experimentos podem acontecer sem limites.É desta forma que a região foi e é muito importante para o modelocapitalista mundial, pois não se faz necessário respeitar o homeme o meio ambiente. Este é um território livre, podendo ir daacumulação de capitais aos experimentos científicos, inclusive paraserem utilizados em guerras. Esta estratégia faz parte do podermilitar e capitalista mundial, colocado a serviço da concentraçãoeconômica do mundo e da região.

A transgenia na agricultura aprofunda o modelo deconcentração de renda, “concentra o controle tecnológico,concentra o poder, maximiza o uso da química ao mesmo tempoque maximiza os riscos ao meio ambiente e à saúde de agricultorese consumidores” (GÖRGEM, 2000: 35). Nesta perspectiva, a expansãooriginária na última fronteira é motivada a degradar a região,modifica os ecossistemas, polui e envenena os rios, vindo a modificartoda formação integrada do meio ambiente. O modelo capitalistaimposto ao mundo moderno, que está fundado no “lucro e naprodução de mercadorias, tem sido responsável pela maioria dosproblemas sócio-ambientais” (PIAIA, 1999: 198).

Na Amazônia, o modelo expansionista dos tempos modernosfundamenta-se na destruição da natureza e na finalidade de obterlucro sem limitações. No que diz respeito às queimadas, só no Estadode Mato Grosso, a Fundação Nacional do Meio Ambiente – Fema,“identificou em 1995, a presença de 46.851 focos; em 1997, foram23.594 focos e, em 1998, foram registrados 32.812 focos deincêndios” (PIAIA, 1999: 201). As queimadas acontecem no períododa seca, principalmente nos meses de julho a setembro.

O órgão responsável para controlar os abusos dasqueimadas indiscriminadas no Estado mato-grossense “contaatualmente [1999] com 141 funcionários lotados na

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Superintendência em 18 escritórios no interior do Estado” (PIAIA,1999: 204). O número de funcionários disponíveis não reflete anecessidade, pois somente o Estado do Mato Grosso possui umaárea de 906.806,90 km². O Estado não coloca mais pessoal técnicopara fiscalizar, por ser conivente com o processo destrutivo,protegendo os grupos econômicos. O Ibama “tem hoje [2000] menosde 200 homens nessa função na Amazônia” (SCHWARTZ, 2000: 71).Além de serem poucos os funcionários, muitos destes sãovulneráveis à corrupção, e se alguém quiser ser 100% correto emfavor da aplicabilidade das leis, corre o risco de ser impossibilitadode atuar ou ser retirado da função.

Através do Estado, seus órgãos com o ofício de orientar ecoibir abusos ambientais e humanos na região, nos deixam dúvidasna aplicabilidade desses objetivos. Eles nos passam a sensaçãode impotentes e incapazes pelos resultados obtidos, bem como nostransmitem insegurança e comprometimento pelas formas dedegradação do homem e do meio ambiente produzidos na Amazônia.Em regra geral, o Estado e seus órgãos, mesmo atuando de formapouco convincente, se sustentam em dois princípios básicos. Oprimeiro, uma atuação medíocre e com poucos resultados pelaimpotência e amarras na sua atuação, vindo a sustentar-se naomissão e na conivência, atuando com resultados que revelam aimpunidade e os favorecimentos de forma generalizada. O segundoconcretiza a tese dita por Marx e Engels: o Estado só existe emfunção da propriedade privada e, assim, os indivíduos de uma classedominante fazem valer os seus interesses através dos órgãosestatais comprometidos com eles.

O que nos faz chegar a esta conclusão são as formas deatuação dos órgãos encarregados em orientar e frear os abusosali existentes, tanto no processo produtivo, como com o tratamentodado ao meio ambiente. Assim, os grupos econômicos,representados por grandes latifúndios, através dos projetosagropecuários, madeireiros e mineradores, têm um papelfundamental no desequilíbrio ecológico e as táticas de exploraçãoda força de trabalho na região.

A maioria desses grandes projetos está usufruindo dodinheiro público através dos incentivos fiscais, e alguns deles atuamde forma fraudulenta, devastando a natureza apenas para receberos benefícios. Contudo, “os desmatamentos e as queimadas jádemonstram reflexos diretos no clima, na vegetação, na fauna

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restante, nos solos, no ar e na conseqüente piora da qualidade devida da população” (KOWARICK, 1995: 210). Através das queimadas,que retiram a cobertura vegetal, se deixa o solo exposto a altastemperaturas, ao impacto das chuvas, e se desagrega a estruturado solo, levando à erosão (KOWARICK, 1995: 215).

Neste sentido, “muitas das causas de destruição sãoamplamente conhecidas, tais como: incentivos falhos a investidoresou também uma política de colonização anti-social”. (HAGEMANN,1996: 173). Por outro lado, “grandes empresas poluidoras nãohesitam, inclusive, em contratar financiamentos com ONGspreservacionistas para acobertarem os desastres ecológicos porsua insustentável maneira de agir” (LEONELLI, 2000: 45). SegundoHOMMA (1999: 106),

na Amazônia legal, cerca de 55 milhões de hectares já foramdesmatados, equivalente à soma dos Estados do Rio Grande doSul, Santa Catarina e Paraná. A proteção desse patrimônio genéticoinclui o desenvolvimento de políticas apropriadas para frear essedesmatamento, voltando para a fronteira interna já conquistada.Apesar dessa imensa área desmatada, com grandes custosambientais e destruição da biodiversidade, há o contraste daampliação do apartheid urbano e rural, sem alternativa de empregoe renda.

A Amazônia representa uma riqueza sem igual, no que dizrespeito aos recursos naturais. É fantástica. Riquíssima em recursoshídricos, flora, fauna e minerais, mas “só 3,63% dos solos têm altafertilidade (...) 69,51% são considerados solos de baixa fertilidadee ácidos (...) 16,06% são solos chamados Hidromórficos (...) 6,94%são solos chamados Halomórficos” (KOWARICK, 1995: 80). Segundodados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, “83%de suas áreas são imprestáveis para a agricultura e pecuária”(SCHWARTZ, 2000: 70). Mesmo assim, com sua fragilidade “e pobrezade praticamente todos os solos tem sido recentemente tratada comose fosse tão estável quanto a ‘terra roxa’ do sudeste” (DEAN, 2000:380) e do Sul brasileiros.

A floresta nativa da Amazônia, com interferência do homem,não consegue se restabelecer, pois ela perde a capacidade desustentar-se. Segundo SIOLI (1991: 60),

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uma conclusão que se impõe é que a floresta cresce, de fato, apenassobre o solo, e não do solo, utilizando-se deste apenas para suafixação mecânica e não como fonte de nutrientes. A floresta se protegedas perdas de nutrientes por meio de verdadeiros estratagemas,que possibilitam ao seu ecossistema, extremamente diversificadoem espécies e, por isso, multiestratificado, uma utilização ótima emáxima das quantidades limitadas de nutrientes em circulaçãoatravés da cadeia de organismos que compõem este ecossistemaflorestal. Estas quantidades de nutrientes não têm possibilidade deser renovadas ou complementadas por eventuais reservas no solo.

Concordamos com os dados sobre a fertilidade do solo, masisto não quer dizer que não é conveniente à colonização e aosprojetos capitalistas implantados na região. Estas terras, quandofeita a correção do solo através de insumos agrícolas, produzematé mais que em outras áreas produtoras do País, devido àabundância de chuvas no período do plantio e crescimento e doclima quente o ano inteiro. A terra, mesmo não sendo muito fértil,também se torna lucrativa para criação de gado extensivo. Alémdisso, o capital pode usufruir de três benefícios extras: incentivosfiscais oferecidos pelo Estado; grandes áreas a preços baixos eforça de trabalho à sua disposição para extrair mais-valia de formaabsoluta e relativa, tendo inclusive, o exército industrial de reservaà disposição, de forma latente e em potencial.

Dentro desta perspectiva, o capital consegue ter lucro atémesmo criando gado de forma extensiva, mas principalmenteplantando soja para os cavalos dos Estados Unidos e da Inglaterra.No caso do setor de transformação de madeira, é contempladocom “florestas que ocupam quase 68% da área, um total de60.870.000 ha compõem cerca de 14 formações diferentes, quevariam em densidade, altura e espécies vegetais” (KOWARICK, 1995:83).

As matas mais exuberantes “podem atingir mais de 50 metrose são densas e formadas por árvores grossas, representam cercade 30% do total. As demais formações florestais, com árvores demenor porte, variam entre 15 a 20 metros e representam 38%”(KOWARICK, 1995: 83). Neste processo, as madeireiras vão na frente,e os agropecuaristas chegam depois. A grande destruição dasflorestas pelas madeireiras é pelo aproveitamento econômico dasárvores, pois os grandes projetos para a região são osagropecuários.

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Estes grupos, através da utilização da força de trabalho emotosserras, cortam todos os dias grandes quantidades de madeirascomo: cedro, mogno, sucupira, maçaranduba, castanheira,seringueira etc. Após a retirada das árvores nobres, passam asmotosserras no restante e queimam para facilitar o uso do espaçopara a agropecuária. Os capitalistas nacionais e internacionais queexploram a região, apresentam-se com o firme propósito de extrairda natureza a maior quantidade de lucro, mesmo que sejanecessário degradar o meio ambiente, pois o objetivo maior é aexpansão para a acumulação. PROCÓPIO (1981: 152) nos revela comoé efetuada a degradação na retirada da cobertura natural, antesdas queimadas:

os tratores contribuem para a mudança de fisionomia. Nas matasde médio porte, os peões utilizam uma grossa corrente presa a doistratores, que rodam paralelamente e põem abaixo árvores, arbustose toda a forma vegetal. A motosserra é a mais recente invenção datécnica de derrubar árvores; no Projeto Jari, entre o Pará e o Amapá,os peões manobram quase exclusivamente essa máquina perigosa,que tem provocado muitos acidentes fatais. Já os herbicidas e osdesfolhantes são de uso mais simples, lança-se essa armabioquímica na área desejada e, em pouco tempo, as folhas caemdas copas, os caules perdem o viço e os velhos lenhos nobrespassam a lembrar aquelas árvores esgalhadas e secas que serviramde moldura às cenas de retaliação na guerra do Vietnã, onde essesdesfolhantes foram empregados para revelar os esconderijos dosguerrilheiros vietcongs. Os desfolhantes são lançados de avião eem pouco tempo a árvore perde seu viço, suas folhas e morre.

Com toda esta infra-estrutura à disposição dos capitalistas,é consumida uma boa quantidade de áreas da Amazônia a cadaano. Para as populações nativas que se alimentam de peixes, deaves, de animais, de frutos silvestres, do extrativismo e dos produtosda agricultura de subsistência, isso poderá, em futuro próximo, seruma tragédia irreparável. Com o adiantado processo dasqueimadas, do envenenamento das águas dos rios e a poluição doar, ocorre prejuízo também na reprodução das espécies.

Os rios sofrem agressão pelos garimpos, com o usoindiscriminado de mercúrio, bem como pelas empresasagropecuárias com o uso de pesticidas, fungicidas, desfolhantes eoutras formas que poluem os mananciais d’água. Desta maneira,

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prejudicam o período da desova dos peixes na piracema22 e areprodução dos animais silvestres. O ciclo da vida é proporcionadopela abundância das águas, também pela floresta amazônicaextensa, cujas árvores exuberantes permanecem verdes em todasas estações do ano, abrangendo assim um número significativo deecossistemas, tanto no que se refere aos aquáticos como aosterrestres, vindo a tornar-se vulnerável como potencial23 .

A floresta tropical faz parte da solução dos problemas como meio ambiente, é uma alternativa econômica e pode ser usadapara minimizar os problemas sociais do Brasil. Além disso,proporcionado pelo clima favorável, com capacidade sem igual nomundo, “o sol batendo no solo do Brasil equivale por dia à energiagerada em 24 horas por 320.000 usinas hidroelétricas de Itaipu24 ,a maior do mundo” (VASCONCELOS e VIDAL, 1998: 20).

Neste sentido, a floresta pode ser a alternativa energéticapara a humanidade. O petróleo, recurso mineral não renovável,está se exaurindo, e a biomassa amazônica pode ser a soluçãodos problemas energéticos. O problema é que “a superestrutura

22 “Durante o período da piracema, entre novembro e janeiro, os cardumes dirigem-se àscabeceiras dos rios para a reprodução. Os peixes desovam em águas calmas. Seusovos, fecundados, desenvolvem-se nos alagados marginais, onde se transformarãoem dezenas de milhares de alevinos, que, por sua vez, vão se alimentar demicroorganismos e da vegetação aquática. Quando as águas começam a baixar, osalevinos já são peixes que voltam aos rios, reiniciando seu ciclo vital. O problema são osrios envenenados, assoreados e com níveis reduzidos de oxigênio que impossibilitamou diminuem as chances de que esse ciclo seja cumprido satisfatoriamente. Na práticacardumes inteiros morrem antes de conseguir atingir as cabeceiras dos rios. As avesaquáticas também sofrem, obviamente, com a morte ou a doença dos rios. Seu cicloreprodutivo começa no final de setembro, coincidindo com o início da primavera, edepende da existência de alimentos nos alagados que se formam com a baixa daságuas.” (ABREX JR. e OLIC,1996: 58).

23 “A floresta domina, mas tem feições diversas, distinguindo-se dois grandes grupos decobertura vegetal: (a) vegetação de terras inundáveis (5 a 10% da Amazônia),compreendendo as matas de várzea, de igapó e das áreas litorâneas, e os campos devárzea; (b) vegetação de terra firme, predominando a mata alta que com as matas decipó, bambu e mata seca formam 80% da área total da região amazônica, além de incluircampos e cerrados, enclaves dentro da floresta densa ou áreas de transição em seuentorno, mais expressivos em Roraima e Marajó. A hiléia se estende sobre uma área depelo menos 4.500.000 km² e abriga cerca de 1.500.000 a 2.000.000 de espécies vegetaise minerais, das quais foram até agora classificadas no máximo 500.000, o que traduzsua enorme riqueza e potencial em recursos genéticos. Para uns, metade das espéciesanimais do planeta estariam na Amazônia; para outros, as plantas medicinais são estimadasem 4.000, mas o seu número pode ser muito maior.” (BECKER, 1987: 84).

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cultural da gasolina, movida a dólar, não admite a não ser petróleocomo fonte de energia” (VASCONCELLOS e VIDAL, 1998: 48). Noentanto, a “biomassa afigura-se como uma alternativa energética,uma opção tecnológica e um modelo econômico e político dedesenvolvimento” (VASCONCELLOS e VIDAL, 1998: 53).

Esta alternativa tem origem nos recursos naturaisrenováveis, porém o petróleo assegura o não desmoronamento dodólar. Para assegurar a hegemonia capitalista através do petróleo,é necessária a ocupação de 70% das regiões produtoras do planetapor forças militares norte-americanas, mesmo o sonho do petróleoestando próximo ao seu fim, (VASCONCELLOS e VIDAL, 1998: 54). Nestatática, “os Estados Unidos arvoram-se nos papéis de promotorpúblico, juiz e júri” (STIGLITZ, 2002: 95). Assim, “é difícil entender asguerras contemporâneas sem ligá-las à questão do petróleo”(VASCONCELOS e VIDAL: 2001: 17).

Com a biomassa25 como alternativa, podemos “solucionaros problemas contemporâneos: o energético e o ecológico. A únicamaneira de preservar a floresta em pé, renovando-a, é dar-lhe valoreconômico [e socializar em forma de benefícios à população]. Semisso, queimam a floresta, até para criar gado extensivo, de baixíssimarentabilidade”. (VASCONCELLOS e VIDAL, 1998: 290). Dentro destaperspectiva “1 metro cúbico de madeira com 20% de umidadeequivale a um barril de petróleo” (VASCONCELOS e VIDAL, 1998: 290).

Não concordamos com esta tese em sua plenitude, pois, sefor para concentrar os recursos da biomassa amazônica nas mãos

24 A Usina Binacional de Itaipu faz parte do projeto entre o Brasil e o Paraguai, criado em26 de abril de 1973. Esta usina se sustenta através dos recursos hídricos do rio Paraná.Fica a aproximadamente 14 quilômetros da ponte da Amizade na divisa dos dois países.Seu reservatório inundou uma área de 1.400 quilômetros quadrados, sendo 800 no ladobrasileiro e 600 no paraguaio, e os custos foram divididos entre os dois países parceiros.É considerada a maior usina hidrelétrica do mundo, com 14 unidades de força, cada umagerando 765 megawatts. A inauguração desta hidrelétrica ocorreu em 1983 (SANDRONI,1994: 178).

25 Biomassa – “Total de matéria orgânica contida em determinado espaço, incluindotodos os animais e vegetais. Para a economia, interessa a biomassa que possa serutilizada como matéria-prima, especialmente na produção de energia. Com a crise dopetróleo em 1973, intensificou-se a pesquisa de novas fontes energéticas de exploraçãoimediata. Do estudo da biomassa surgiram, por exemplo, projetos para a produção decombustível como etanol, o metanol (a partir da cana-de-açúcar, mandioca, madeiraetc.) e gás metano (por industrialização de detritos orgânicos). No Brasil destaca-se oplano Pro-álcool, de produção de combustíveis para veículos.” (SANDRONI, 1994: 28).

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da sociedade capitalista, o problema social dos marginalizados edespossuídos continuará da mesma forma. Esta preocupação sefundamenta no fato de que na região, as terras já se concentramcom os grupos capitalistas. No entanto, da forma como está aquestão da terra podemos obter algumas melhorias ambientais, eassim atribuir valor econômico à floresta, mas isso continuaráexcluindo o posseiro, o colono e os povos originários, como tambémcontinuará sem ganhos para a população, para minimizar asdiferenças sociais. Neste sentido, na Amazônia as minorias sempreprivilegiadas ficam com os benefícios, e as maiorias despossuídase marginalizadas ficam sem participar deles.

Nesta perspectiva, os grandes grupos nacionais, eprincipalmente, os internacionais, se estabelecem na Amazôniabrasileira para expandir seus negócios e acumular propriedades,devastam grandes áreas florestais de forma irreversível ao meioambiente. Por outro lado, os países centrais asseguram a hegemoniamundial do petróleo, às custas de forças militares, como forma deassegurar a ditadura financeira que propaga ao mundo e concentrao poder das comunicações, para desviar a opinião pública doplaneta. Além de dominar o mundo com poder militar e destruir omeio ambiente, fazem dos países pobres a extensão de seusnegócios para acumular capitais. VASCONCELLOS e VIDAL (1998: 303)nos dizem:

o jogo geopolítico estabelecido por potências hegemônicas e ONGsmantidas por poderosos grupos de financistas e especuladoresinternacionais está transformando a questão ecológica em novoinstrumento colonial de dominação. Jogam com a opinião públicainternacional com o objetivo de criar um clima que justifique aintervenção militar externa, com o apoio dessa mesma opiniãomanipulada, como correu nos massacres “cirúrgicos” sobre o povodo Iraque, na última Guerra do Golfo.

A relação entre a devastação da Amazônia e a entrada docapital internacional na região pode ser vista pelo alto grau dedevastação, visto principalmente após o início da ditadura em 1964,dado o alto grau de interferência dos grupos econômicos na região.Neste sentido, de 1500 “até o final da década de 70 [do século XX],apenas 4% de toda a Amazônia havia sido devastada” (SCHWARTZ,2000: 66). Em nossos dias, a área devastada atinge entre 12 a

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20% da Amazônia. Aproximando os dados, “cerca de 14% dacobertura original da floresta Amazônica perdeu-se para virar pasto”(VEJA, 2000: 69). Segundo o GREENPEACE, (2001: 1), “nos últimos30 anos 15% da Amazônia brasileira foi completamente destruída”.O tamanho da Amazônia é superior ao da área da Europa Ocidental,mas pode num futuro próximo ser destruída.

Os dados apresentados nos fazem deduzir queaproximadamente 14 ou 15% da cobertura florestal foi destruídaaté 2002, e este é um índice pequeno de devastação pelo tamanhoda região. Por outro lado, fazendo uma projeção futura, opesquisador William Laurance, do Smithsonian Tropical ResearchInstitute, citado por VIANA (2001: 287) diz que: “até 42% da florestaAmazônica brasileira pode estar dizimada por volta de 2020,restando apenas 28% intocados; no pior cenário restariam menosde 5% da floresta intocados”.

Em um levantamento, o Fundo Mundial para a Natureza,“uma das maiores organizações ecológicas do mundo, concluiu quedos quase 600.000 quilômetros quadrados já desmatados naAmazônia, 180.000 quilômetros quadrados estão abandonados”(VEJA, 2000: 69). Isto comprova que muitos projetos econômicosrealizados nos últimos anos nasceram com o objetivo de desviarrecursos da nação através dos incentivos recebidos. Uma dascondições para conseguir as parcelas de recursos por parte dogoverno está condicionada com a apresentação das áreas abertase os projetos em pleno desenvolvimento. O problema hoje tem outrasproporções e conseqüências. Segundo WALLERSTEIN (2000: 247),

enquanto existiam outras florestas, ou zonas ainda não utilizadas, eportanto não poluídas, o mundo e os capitalistas podiam ignorar asconseqüências. Mas hoje estas atingem os limites da exteriorizaçãodos custos. Não restam muitas florestas. Os efeitos negativos dapoluição excessivamente acelerada na terra implicam impactosgraves e múltiplos, dos quais temos conhecimento através decientistas esclarecidos. Por isso surgiram movimentos “verdes”. Doponto de vista global, há apenas duas soluções: fazer com que oscapitalistas paguem os custos e/ou aumentar os impostos. Mas aúltima é pouco provável, dada a tendência a reduzir o papel dosEstados. E a primeira implica uma considerável redução nos lucrosdos capitalistas.

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Da forma como se efetiva a degradação ambiental na região,não podemos nos iludir que algum capitalista venha a fazer algopara evitar uma catástrofe ambiental na Amazônia, ou seguir asorientações da Constituição Federal do Brasil no artigo 22526 , queorienta sobre o equilíbrio do meio ambiente. Quando entram emjogo os ecossistemas e as várias formas de apurar lucros, o podereconômico sempre opta pela conivência do momento, acumular ereproduzir-se dentro dos princípios capitalistas, mesmo que adestruição da natureza seja a conseqüência imediata.

Desta forma, as leis ambientais não passam de palavrasmortas que enfeitam papéis. Em muitos casos servem para legalizara destruição ou para serem burladas e agredidas, sempre com acerteza de que nada aconteça aos infratores, visto o controlepolítico, econômico e militar dos grandes grupos ali estabelecidos.Contudo, no início do século XXI os povos dos países periféricosnão conseguem “romper a muralha do trinômio petróleo – dólar –mídia” (VASCONCELLOS e VIDAL, 2001: 24). Nesta dinâmica, o projetocapitalista mundial objetiva a concentração da renda e asubordinação da humanidade, mesmo que para isso sejanecessário reproduzir maior desigualdade social e destruir anatureza em nome do lucro fácil. Para PORTER e KRAMER (2003: 9),conservando o meio ambiente estaremos protegendo a sociedadede forma geral.

Podemos concluir com o pensamento do índio Hamawt’a,citado por BERNA (1994: 39), para quem: “o dia em que vocêsenvenenarem o último rio, abaterem a última árvore, assassinaremo último animal, (...) quando não existirem nem flores, nem pássaros,se darão conta de que dinheiro não se come”. Assim, o “mel” podeser destruído junto com a floresta tropical, pois acabar com asflorestas e com os ecossistemas também significa acabar com asalternativas de encontrar o pote de “mel” tão sonhado e desejadopelos marginalizados e despossuídos.

Se as flores são destruídas, as abelhas não podemprocessar a doce relíquia cobiçada por todos, bem como carregaro “mel” até a colméia e, conseqüentemente, findam as

26 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de usocomum do povo e essencialmente à qualidade de vida, impondo-se ao poder público e àcoletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”(CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 1988: 96).

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oportunidades de o homem simples, do colono, dos desempregadose dos sem-terra encontrarem o líquido doce para adoçar a si e aosseus. Assim, a vida segue, e os rumos da humanidade ainda sãoincertos, pois a cada dia que passa a Amazônia sangra e agonizamais, sem que nada seja feito para reverter este triste quadro dedestruição da natureza. Neste sentido, cada dia que passa deixamais distante do homem a conquista do “mel”, e assim a vida desteshomens, mulheres e crianças tenta seguir...

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RESUMO

No processo de ocupação da Amazônia brasileira, o principalobjetivo entre Estado e capital foi instalar os projetos econômicospara concentrar capitais. Mesmo que estes projetos ofereçam aosmarginalizados e aos despossuídos do País, apenas a alternativade servirem de força de trabalho aos empreendimentos, o homempobre também busca a terra. Enquanto o Estado organiza adistribuição de terras em conjunto com as empresas de especulaçãoimobiliária, os sem teto, os sem terra e os sem emprego chegam àregião ou já se encontram lá há muito tempo, na forma de posseiros.

Os posseiros são pequenos agricultores que cultivam a terraem pequenas proporções que servem apenas para a subsistênciade seu grupo. Não possuem titulação de propriedade das terras, edesta maneira viveram de gerações em gerações. Muitos sãomigrantes do período mais acentuado do extrativismo da borrachaou são povos originários, civilizados ao longo dos tempos.

Podemos afirmar que na Amazônia, a partir de 1964, seformaram três modalidades de colonização: as promovidas peloEstado, as promovidas por empresas de especulação imobiliária eas promovidas pelos marginalizados e despossuídos do País, quechegavam e tomavam posse da terra. Esta última é também chamadade colonização espontânea e estava fora do controle do Estadobrasileiro, pois a grande maioria dos migrantes eram analfabetos enão possuíam registro de nascimento e outros documentosnecessários para reivindicar a terra.

Neste período da ditadura, as áreas de terras eram vendidasnas capitais dos Estados através da demonstração em mapas. Oempresário que desejasse adquirir grandes áreas de terras faziasua compra através dos mapas ou de terceiros que já tinhamadquirido do Estado, ou através da grilagem. Assim, este comprava

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a área muitas vezes em terras dos posseiros e das tribos indígenas.Na aquisição das terras, o empreendimento tinha como requisitobásico comprovar que na área não existiam posseiros e muito menospovos indígenas. Através da indústria do crime, da corrupção dosfuncionários do Estado, do poder econômico e político, eramproduzidos laudos e relatórios fraudulentos e legalizavam-se asáreas irregulares.

Outra forma de adquirir terras é através da grilagem. Osgrileiros se apoderam ilicitamente de grandes extensões de terras,através da obtenção de títulos falsificados. Segundo levantamentofeito pelo Ministério da Política Fundiária e do DesenvolvimentoAgrário, em 2001, existiam 3.065 imóveis no Brasil fruto da grilagemde terras, com uma área de 93.620.587 hectares. Estes dados nosfazem deduzir a quantidade de processos tramitando na justiça etambém o descaso em que vivem os povos simples da floresta.

A região passou por sérias transformações, e começarama surgir lutas sangrentas em torno da propriedade da terra. De umlado, os índios, os pequenos proprietários e os posseiros, do outrolado, os grandes empreendimentos que desejavam fazer asinstalações dos projetos. Neste estágio, os grupos organizados como apoio do Estado, realizaram a expropriação dos povos da florestaatravés da contratação de jagunços, para fazer a “limpeza” da áreaadquirida.

Os jagunços são pistoleiros fortemente armados econtratados por grileiros e empresários para patrulhar as áreas eexpulsar os posseiros e os indígenas. Quando necessário, tambémsão usados para adquirir mais terras e assim efetivar a concentraçãoda terra em mãos de poucos proprietários.

Entre 1950 e 1960, podemos observar que 84,6% das áreaseram ocupadas por estabelecimentos agrícolas, com no máximo100 hectares. No ano de 1975, em plena ditadura, a concentraçãoda terra atinge seu ponto mais alto na Amazônia: neste ano 99,8%das terras foram para estabelecimentos com mais de 100 hectares,e destes, cerca de 75% foram para estabelecimentos com mais de1000 hectares. Na região da Amazônia brasileira não se realizou adistribuição das terras, aconteceu a concentração dela nas mãosdos grupos econômicos organizados.

Os conflitos de terras raramente chegam a uma solução,pois os posseiros são obrigados a abandonar a propriedade atravésda violência imposta a eles. Quando suas reivindicações chegam

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aos tribunais, os posseiros não possuem condições financeiras paracontratar advogados, não possuem a documentação necessária e,muitas vezes, quando recebem a notificação para se apresentaremem juízo, o prazo já passou. Por outro lado, somente na região,aproximadamente 600 camponeses foram assassinados porpistoleiros. Entre 1985 e 1999, no período pós-ditadura, dos 1.158assassinatos, apenas 56 pistoleiros foram julgados e só 10 foramcondenados.

Estes dados não representam a realidade da Amazônia, poisprincipalmente no período da ditadura, as mortes ficavamacobertadas pelos interesses conjuntos entre o capital e o Estado.Além disso, quase a totalidade das mortes ficaram no anonimato, eassim, possivelmente podemos multiplicar as mortes por dez oupor vinte, pois os dados oficiais são falhos e não refletem a realidadeda Amazônia, bem como a forma de ocupação, principalmente nasúltimas décadas.

A estes posseiros resta a alternativa de transformarem-seem força de trabalho aos empreendimentos da região. A força detrabalho é contratada de três maneiras: na primeira, ela se encontrafixa nas cidades fabricadas pelo capital; na segunda, fica flutuandoe não tem procedência, pois trabalha onde encontra trabalho; e naterceira, os empresários importam os trabalhadores de outrasregiões do País, para suprir as necessidades de mão-de-obra local.O quadro de trabalhadores dos empreendimentos é composto depessoas simples, com baixo nível educacional e poucoconhecedores de seus direitos e obrigações.

Os peões dos projetos da pecuária realizam atividades comoderrubar a mata, a queima, o plantio de capim, a construção decercas e o manejo do gado. Na agricultura, o procedimento ébastante semelhante, além da derrubada da mata e da queima,necessitam fazer a limpeza para o plantio das sementes. As fazendasestão localizadas em locais distantes, muitas vezes de 300 a 400km da primeira cidade e os trabalhadores são transportados porcaminhões, caminhonetes possantes e também em tratores.

A contratação da força de trabalho raramente é realizadapelos grupos econômicos. Esta estratégia tem como finalidade nãoassumir as obrigações trabalhistas com a mão-de-obra contratada,que realiza os trabalhos de derrubada da floresta. Entra em cenaum agenciador de trabalhadores, conhecido na região como “gato”,que tem a responsabilidade de comandar e organizar o trabalho

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nos empreendimentos. Nesta modalidade de contratação, osagenciadores de trabalho assumem posições hierárquicasdiferenciadas e ficam com 50% do pagamento recebido naempreitada.

A contratação é realizada nas cidades, na própria casa dotrabalhador, em que o agenciador deixa para a família umadiantamento de seu trabalho, assim conforta a família ecompromete o trabalhador. Para contratar a força de trabalhoflutuante, a forma é um pouco diferente: ela é encontrada naspensões e pequenos hotéis, onde o trabalhador já está empenhadocom dívidas, pois a ele são fornecidos cama, comida, cigarros ebebidas, mesmo não tendo dinheiro. Com a chegada do agenciadorde trabalhadores, ele compra a dívida como parte do pagamentode seu futuro trabalho e o peão, parte muitas vezes sem saberpara onde está indo.

Nesta forma de trabalho, a tática é manter a força de trabalhocom dívidas. A cada 20 ou 30 dias são levados até a cidade maispróxima para terem um final de semana de alegria. Podem envolver-se em bebedeiras, bares e casas de prostituição. Na volta, semdinheiro e novamente endividados, o ciclo se repete, e assim osistema “gato” consegue com sucesso desempenhar o papel detrabalho irregular, pois os peões não possuem registro em carteirae benefício social algum para protegê-los.

Quando ocorrer algum acidente de trabalho, o trabalhadorfica desamparado, pois o agenciador de mão-de-obra some e, comoé sabido, ele não é possuidor de firma legalizada e o proprietárioda fazenda nega que contratou o empregado. Esta forma deexploração de trabalhadores na Amazônia é uma das condiçõesimpostas pelas estratégias do mundo do capital, com a finalidadede obter mais lucro às custas da classe trabalhadora.

Os peões são submetidos a trabalhos forçados, através docontrole, pois entre 1970 a 1993 foram confirmadas 431 fazendasque realizaram formas de trabalho escravo, destas, 308 naAmazônia, e assim 85.000 trabalhadores foram escravizados.Recentemente, entre os dias 7 e 13 de agosto de 2002, o Ministériodo Trabalho libertou 152 trabalhadores mantidos em cativeiro noEstado paraense, na Amazônia brasileira. Estes dados são obtidosatravés das denúncias dos próprios trabalhadores que conseguemfugir, mas a realidade é muito diferente, muitos não formalizam asdenúncias com medo de represálias. Além disso, muitos

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trabalhadores perdem suas vidas na clandestinidade, sem seremconhecidos os fatos e suas histórias.

A exploração do trabalho na mineração aurífera é tambémmuito degradante. Nos anos 1980 se formaram na Amazônia váriosnúcleos de mineração, principalmente aurífera, que serviram paradiminuir os conflitos da posse da terra. O posseiro sabe da lutadesigual quando questiona o direito à terra com os gruposorganizados. Assim, a procura do ouro e do diamante na Amazôniafez com que ele desistisse da terra e, novamente, se efetiva naprática a concentração da terra em mãos de poucos proprietários.

O garimpo é uma modalidade de exploração da força detrabalho. No garimpo manual existem duas formas de conseguir oouro, através dos rios ou em terra firme. No rio, o garimpeiromergulha e suga o lodo que fica depositado no fundo, este é levadopara caixas concentradoras onde é feito o processo de separaçãoatravés do mercúrio. Na forma terrestre, uma mangueira com águadesintegra a terra e a outra transporta os sedimentos para a caixaconcentradora, cuja separação também é realizada com mercúrio.Os garimpeiros realizam trabalhos para os donos das máquinas eo ouro vai parar nas mãos dos grupos organizados.

Nestes locais existe muita violência no trabalho,acompanhando o dia-a-dia de todos os que vivem na área degarimparia. O mergulhador não usa equipamentos adequados paraproteger-se e fica muitas horas no fundo dos rios. Na Amazônia, osrios são de grande volume de água e o mergulhador fica, muitasvezes, a uma profundidade de 10 a 15 metros, correndo o risco deser atingido pelos desmoronamentos das escavações no fundo dorio, ficando daí impossibilitado de subir, morrendo soterrado.Também existe a possibilidade dos troncos das árvores seenroscarem nos equipamentos através das correntes dos rios e sechocarem com seu corpo. Neste caso, o acidente pode ser fatal.

Podemos afirmar que os garimpos são uma terra sem lei.Nestes locais a violência anda por todas as partes e o poder maioré o das armas, dos pistoleiros, dos matadores de aluguel e dosgrupos organizados. As pessoas passam a conviver com outrascuja vida não têm valor: tanto faz matar como morrer. A vida nesteslocais fica entre o trabalho, os bares e mulheres, pois oslevantamentos apontam que 10% da população garimpeira écomposta de prostitutas na fase inicial de atividade. Neste sentido,na região garimpeira, a indústria do lazer é uma forma muito lucrativa

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ao empreendimento. O que pode ser observado é que a maioriadas pessoas são viciadas em drogas, tais como: cigarros, álcool,maconha, cocaína, entre outras.

Outro fato que chama atenção é o destino do ouro e dodiamante. Os dados apontam que em torno de 95% do diamante écontrabandeado e aproximadamente 80% do ouro também. AAmazônia é rota de drogas e o ouro e o diamante servem paralavagem de dinheiro ao crime organizado. Para esta região, estáficando uma enorme degradação ambiental e social, a riqueza estásendo contrabandeada de forma irregular para outros países.

A Amazônia é considerada rica em produtos minerais como,ferro, manganês cassiterita, ouro, cromo, níquel, cobalto, urânio,cobre, chumbo, titânio, prata, diamante, sal-gema, calcário, tório,bauxita, alumínio, gás, petróleo e outros. Muitos desses mineraisainda são pouco explorados e muitos destes pouco estudadosquanto à sua capacidade. Somente na área da Mineradora Vale doRio Doce, numa área de 600 por 300 quilômetros, encontram-se18 bilhões de toneladas de ferro, 84 milhões de toneladas demanganês, 164 toneladas de ouro entre outros minérios 1,25 bilhõesde toneladas de estanho, 87 milhões de toneladas de níquel, 8,5milhões de toneladas de zinco, 1,25 bilhões de toneladas detungstênio, entre outros. O ferro desta mineradora possui um teoraltíssimo, acima de 60%.

Os grandes capitais investem na região, proporcionadospelas riquezas naturais ainda pouco estudadas, e também pelasgrandes áreas de terras à disposição por preços baixos. Assim, osindígenas também se tornam vítimas do processo de ocupação,pois em suas terras também existem muitos minérios e madeirasnobres que são objeto da cobiça dos grupos organizados.

Hoje 10,2 milhões de hectares, o equivalente a 20% daAmazônia, pertence aos povos indígenas, mas apenas 32% dasterras encontram-se demarcadas. Segundo dados do governobrasileiro, a população indígena brasileira não passa de 350.000habitantes, e a maioria está concentrada na Amazônia. É difícilprecisar os dados, pois muitos grupos ainda não tiveram contatocom o homem civilizado. Além disso, muitos vivem nas cidades enão fazem parte das estatísticas oficiais.

Calcula-se que no ano de 1500, por ocasião dodescobrimento do Brasil pelos europeus, a população era de6.000.000 de habitantes. Ao longo da história, os povos originários

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se tornaram empecilho aos interesses dos ditos “civilizados”, eassim foram sendo exterminados. Foi o que aconteceu a partir de1964 na Amazônia, quando os grupos organizados contratavamjagunços para fazer a limpeza de suas áreas, passando a eliminarindígenas e posseiros de forma brutal e sangüinária. Os métodospara exterminar as tribos foram os mais violentos, tais como:envenenamentos, introdução de doenças, pois o índio não temimunidade a gripe, sarampo, tuberculose entre outras, a violênciafísica, a queima de suas moradias e os assassinatos. Como temosapontado, os militares no poder, em relação à Amazônia,objetivavam distribuir terras aos grandes conglomerados nacionaise internacionais e não respeitavam as populações da floresta.

As formas como foram e estão sendo eliminados ocorremcom requintes de crueldade. É necessário conhecer um pouco dahistória da Amazônia. Só assim podemos entender o processoespoliativo das populações nativas. O interesse pela expansão degrandes capitais com a finalidade de concentrar e centralizarriqueza, faz da região um local de submissão, de obediência, decontrole e de violência por parte dos detentores do poder econômicoe político, sendo eles nacionais ou internacionais.

Os povos originários e os posseiros são as principais vítimasdo processo de ocupação. Os beneficiados são os gruposeconômicos que têm à sua disposição grandes áreas a preçosbaixos, uma grande quantidade de recursos florestais e minerais emão-de-obra barata. Assim, o meio ambiente, local de extrativismodos povos das florestas, aos poucos está sendo atacado pelo podereconômico e político. A devastação já atinge índices de proporçõesalarmantes pela fúria da acumulação dos grandes conglomerados.

Neste sentido, os estudos apontam que aproximadamente14 a 20% da região já foi devastada, porém até a década de 1970,apenas 4% havia sido devastada. O futuro é incerto. Segundoprojeções do pesquisador William Laurance, do SmilhsonianTropical Institute, até 42% da floresta amazônica brasileira podeestar dizimada em 2020, restando apenas 28% intocados. No piorcenário, restariam menos de 5% da floresta intocados. Estes dadospreocupam, uma vez que a região contém de 20 a 25% de toda aágua doce do mundo, 1/3 das reservas florestais e 80% dasvariedades de vida do planeta.

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Outro fato importante de ser mencionado é a biopiratariana região. Muitas ervas do conhecimento popular já forampatenteadas por grandes laboratórios multinacionais. Podemos usaralguns exemplos: espinheira-santa, pelo laboratório MektronJaponês; a erva quebra-pedra, pela Fas-Chase Cancer Center,Filadélfia, nos Estados Unidos; a erva mirapuana, pela TaishoPharmaceutical do Japão; o guaraná, pelos Estados Unidos; a ervasangue-de-pedra, pela Shaman Pharmaceuticals dos EstadosUnidos. Os estudos apontam que 75% dos remédios encontradosnas prateleiras das farmácias contém produtos da floresta tropical,mas apenas 1% das plantas foram estudadas.

Os recursos naturais devem fazer parte da segurança dahumanidade, devendo ser utilizados com sensibilidade e respeitoaos povos de forma geral, pois o desaparecimento de algumasespécies está relacionado com a extinção de inúmeras outras. Osgrupos farmacêuticos têm como alvo os povos que detêm oconhecimento popular, pois, segundo estudos, o conhecimentotradicional aumenta em mais de 400% a eficácia de reconhecer aspropriedades medicinais de plantas.

A grande preocupação da região é devastar a floresta paraa formação de pasto para o gado bovino e extensas plantações,principalmente de soja, ambas para servir ao mercado internacional.Entretanto, faz-se necessário dar valor econômico às árvores. Sóassim acontece a preservação através da coleta seletiva eplanejada. Temos estudos sobre a biomassa Amazônica que aapontam como alternativa energética, tecnológica e, principalmente,um modelo econômico e político de desenvolvimento. Neste sentido,a Amazônia pode solucionar os problemas contemporâneos: oecológico e o energético. Um metro cúbico de madeira com 20% deumidade, eqüivale a um barril de petróleo, porém, isso deve serfeito de maneira seletiva e planejada.

Se a lógica de utilizar as terras para criar gado bovino deforma extensiva prosseguir, poderemos acabar com a floresta. Épreciso dar valor econômico às árvores, só assim a Amazôniapoderá ter vida no futuro, pois do contrário, teremos um enormedeserto. Dos solos desta região, 69,51% são considerados de baixafertilidade, porém são muito lucrativos, existindo muitas áreas apreço baixo, incentivos fiscais e uma grande capacidade de mão-de-obra disponível. As áreas são utilizadas para produzirmonoculturas, como: soja, algodão, milho e criação de gado bovinopara o corte.

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Qual a explicação para a existência de exuberantes árvoresna Amazônia, com solos pouco férteis? A floresta tropical tem acapacidade de se auto-sustentar através de seus resíduos – asfolhas, os galhos e os frutos. Retirando-se as árvores, serãonecessários muitos anos para que o solo se restabeleça novamente.Este é um dos motivos mais importantes para preservar a florestatropical. A interferência na região deve ser de forma seletiva eplanejada, pois da maneira como está sendo ocupada, asconseqüências da interferência se tornam irreversíveis aoecossistema local.

O “mel” é visto e localizado todos os dias na região, mas naatual conjuntura o proletário não pode ter acesso ao brilho querepresenta a luz, a paz e a esperança de sua libertação. Porém, aesperança de um dia chegar até ele deve permanecer viva. Assim,o trabalhador pode vislumbrar a possibilidade do encontro. Para alógica do capital é necessário mantê-lo empobrecido e empenhado,mas não miserável. Pobre, ele mantém acesa a chama da produção,motivado pela possibilidade de um dia ter acesso ao pote de “mel”,objeto de sua constante busca. Se for reduzido à miséria, deixa delutar e perde qualquer interesse na busca do valioso produto e,desta maneira, não reproduz as formas capitalistas de produção.Assim, mais uma etapa de procura é vencida e não foi possívelchegar ao pote de “mel”, mas resta a certeza de que ele existe epoucos podem acessá-lo.

Realmente o “mel” existe, mas o projeto arquitetado pelomundo do capital na região, definitivamente, impossibilita os homenssimples das florestas e das cidades de alcançá-lo. As reprovaçõessucessivas ao longo da história fazem mais uma vez a lógica daconcentração, pois a centralização econômica é um fruto enigmáticoque vai parar em mãos de poucos privilegiados, e a expansãoregional brasileira acaba nos limites geográficos da Amazônia. Osmarginalizados e despossuídos chegam ao final do espaço territoriale o “mel” da tão sonhada Amazônia já tem dono, pertence aosgrandes conglomerados econômicos nacionais e internacionais. Asanha desvairada do mundo concentrador se repete e mais umavez roubam-lhes a esperança de encontrar o “mel” na Amazônia, aúltima fronteira das esperanças destes marginalizados edespossuídos. Enquanto isso, a vida deve prosseguir...

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CONCLUSÃO DO ESTUDO REALIZADO

No processo de ocupação da Amazônia brasileira, grandeparte das terras dos povos originários e dos posseiros foiexpropriada através da violência praticada pelos gruposeconômicos, com auxílio do Estado por meio de práticas repressivas.Nesta lógica, estes povos foram esquecidos pelo poder público,sendo a indiferença refletida através da conivência com as atitudesdo capital organizado na região, que os retirou da terra de formaviolenta.

Nestes episódios, milhares de posseiros e povos origináriosperderam suas terras e também suas vidas. Aqueles que escaparamda morte ficaram confinados nos limites da terra, ou tiveram que seadaptar à vida urbana e servir de força de trabalho ao capitalorganizado. Das poucas terras que ainda restam com estes povos,muitas estão sem demarcação, visto o interesse de retirar riquezasdestas áreas através da grilagem e do crime organizado. Estesfatos contribuem para que não se limitem estas áreas, ficando ospovos indígenas vulneráveis aos interesses dos grupos econômicos,e não sendo protegidos os povos das florestas pelo Estado queage de forma omissa e conivente com os interesses da burguesianacional e internacional.

Por outro lado, para a maioria dos povos marginalizados doPaís que buscam a terra, restam duas alternativas para encontraro “mel”: transformarem-se em proletários nos vários projetoseconômicos ali instalados; ou tornarem-se urbanos, para darestrutura às cidades fabricadas. Estas cidades fazem o papel decentro do capital na região. Para este fim, muitas delas nasceram etornaram-se importantes na lógica do sistema expansionista,implantado na região, principalmente nas últimas décadas do séculoXX. E para os marginalizados de outras regiões do Brasil, que migram

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para a Amazônia, não restam outras opções a não ser se tornaremvítimas da exploração do trabalho nos grandes projetos aliinstalados.

Neste processo organizado por empresas nacionais einternacionais, a força de trabalho da abertura das matas na região,passa a receber tratamento escravocrata. Os fatos ali ocorridosnos apontam para um processo de superexploração e oaniquilamento da classe trabalhadora. Podemos identificar formasde se tratar a mão-de-obra de modo diferenciado com os centrosmundiais do capital. Na Amazônia brasileira se processa a expansãodo capital através da lógica sistêmica periférica, por meio demecanismos que vão além da exploração já concebida no processode acumulação mundial.

O trabalhador e sua família passam a subsistir e a sereproduzir com valor abaixo do convencionado. Esse fato pode servisto através do não acesso aos produtos básicos: alimentação,vestuário, moradia, ensino e remédios. Além de não ser atendidoem seus direitos básicos de saúde, de educação e de segurança,os direitos sociais são privados aos trabalhadores, por meio devida social não digna e integrada. O seu estado de pobreza passaa ser de marginalizado. Não conseguindo manter seu modo dereprodução enquanto espécie, passam a fazer parte de suasrelações, a ausência de perspectivas de vida digna.

Nas regiões de extrativismo aurífero, podemos observar aexploração e a violência andando juntas. O desenvolvimentohumano nesta região anda na contramão da evolução e das formasde se tratar a humanidade. Os homens passam a ser tratados comocoisas, mas por outro lado existe a personalização da produção dariqueza. Nesta relação de poder e de dominação do homem pelopróprio homem, a meta principal é a busca do lucro a qualquerpreço, mesmo que esse venha a aniquilar a força de trabalho edestruir o seu ambiente.

Além da não valorização do ser humano, a violência se fazpresente em todo o processo produtivo, através das formas de setratar a produção e o trabalho. O tratamento não digno passa a seracompanhado de mecanismos que levam os indivíduos a seaniquilarem enquanto espécie. A mais-valia consegue seridentificada com mecanismos de superexploração, por meio doaperfeiçoamento da relação de trabalho ali praticada.

Por outro lado, os mais variados ecossistemas da região,aos poucos assumem características degradantes. A poluição dosrios e a devastação da floresta, do cerrado e do pantanal deixam

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um rastro de destruição, que está sempre acompanhado daeliminação das espécies animais e vegetais. A biomassa e osmicroorganismos da região lentamente vão sendo eliminados e emseus lugares se forma uma paisagem diferente que contrasta comáreas ainda não devastadas.

O grande projeto da Amazônia pode ser visto como vitoriosopara os interesses das classes dominantes. A vegetação dá lugaràs monoculturas de soja e do gado bovino, produtos que vão servirao mercado mundial com a finalidade de atender aos interessesdos países dominantes. Aos povos amazônicos estão sendosocializados os rios poluídos por mercúrio e por outros produtosusados nas monoculturas extensivas. Também a vegetação édestruída e queimada, para dar lugar às plantações de grãos desoja e aos pastos. Nesta lógica, o homem passa a ser um objetosem muita importância, se coisificando neste projeto de expansão,para dar lugar à produção que objetiva a exportação personalizadae mais importante nesta relação.

Podemos concluir que o “mel” não pertence a quemrealmente produz a riqueza da região. Foi parar nas mãos dosgrupos organizados através da violência e da destruição do meioambiente. Aos despossuídos e marginalizados ao longo dos tempos,restam-lhes duas alternativas para a conquista do brilho douradodo doce “mel” por tantos almejado. A primeira é ficar flutuando decidade em cidade na busca de trabalho e oportunidades, visto queas possibilidades de ser posseiro, garimpeiro, trabalhador daagropecuária e do extrativismo florestal aos poucos, vai eliminandoo homem.

A segunda forma, embora poucos queiram entender eaceitar, é juntar-se ao Movimento Sem Terra – MST, que constitui-se hoje em uma opção dos povos da Amazônia. Nesta nova ordemestabelecida nos limites da vida e da expansão, a esperança aindanão morreu, e assim, a vida segue mais uma vez. Concretiza-se atriste sina de homens, mulheres e crianças no encontro dos limitesestabelecidos pelo capital. O projeto da região foi arquitetado paranão beneficiar os sofridos e marginalizados ao longo dos tempos,mas para servir de acumulação aos grupos econômicos nacionaise internacionais organizados. Mesmo nesta perspectiva excludente,a vida segue – os homens, as mulheres e as crianças ainda ousamsonhar com a primavera e as flores e poder chegar à terraprometida...

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LISTA DE ABREVIATURAS

ADA ---------------- Agência de Desenvolvimento da Amazônia.BASA --------------- Banco de Crédito da Amazônia S. A.CLT----------------- Consolidação das Leis Trabalhistas.CNBB -------------- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.CPI ----------------- Comissão Parlamentar de Inquérito.CPT ---------------- Comissão Pastoral da Terra.CVRD -------------- Companhia Vale do Rio Doce.DIEESE ------------ Departamento Intersindical de Estatísticas e

Estudos Socioeconômicos.GEBAM ------------ Grupo Executivo para a Região do Baixo

Amazonas.FEMA -------------- Fundação Nacional do Meio Ambiente.FGV ---------------- Fundação Getúlio Vargas.FUNAI -------------- Fundação Nacional do Índio.GETAT------------- Grupo Executivo de Terras do Araguaia.IBAMA ------------- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis.IBDF---------------- Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal.IBGE --------------- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.ICMS --------------- Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços.ICOMI -------------- Indústria e Comércio de Minérios S.A.INCRA ------------- Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária.INSS ---------------- Instituto Nacional de Seguridade Social.MST ---------------- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.MIRAD ------------- Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário.NASA -------------- National Aeronautics And Space Administration.PGC ---------------- Programa Grande Carajás.

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PCN ---------------- Projeto Calha Norte.PIN ------------------ Programa de Integração Nacional.PND ---------------- Plano Nacional de Desenvolvimento.PROÁLCOOL---- Programa Nacional do Álcool.PROTERRA ------ Programa de Redistribuição de Terras.POLAMAZÔNIA - Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais

da Amazônia.SBPC -------------- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.SPVEA------------- Superintendência do Plano de Valorização

Econômica da Amazônia.SUDAM ------------ Superintendência do Desenvolvimento da

Amazônia.SUDECO ---------- Superintendência do Desenvolvimento do Centro-

Oeste.SUDENE ---------- Superintendência do Desenvolvimento do

Nordeste.SUFRAMA -------- Superintendência da Zona Franca de Manaus.SIVAM -------------- Sistema de Vigilância da Amazônia.

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