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SENILE D. N. ERNANI LENDÁRIAS LIVRO I: O MENSAGEIRO E A PROMETIDA Caraguatatuba - SP 2010

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SENILE D. N. ERNANI

LENDÁRIAS

LIVRO I: O MENSAGEIRO E A PROMETIDA

Caraguatatuba - SP 2010

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“A vida pode nos reservar surpresas. Acreditar que se pode realizar depende unicamente do esforço de cada um. Nada é em vão, tudo tem um motivo para acontecer. São as corajosas ações que determinam a extensão da realização de cada sonho. Um dia haverá alguém que conseguirá e então a porta do Mundo Antigo será aberta para um novo futuro.”

Fragmentos de um texto Maraí

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CAPÍTULO I – Idéias

leana respirou fundo, acelerou e continuou na estrada. Vila dos Arcos era distante do centro, uns trinta minutos pela estrada secundária se tivesse sorte com o trânsito. Alcançou o

vilarejo, indagou sobre o endereço e sumiu pela rua de terra circundada de velhos eucaliptos. A tabuleta rude indicava Rua das Sombras. Agora compreendia o sentido de tal nome, as árvores cobriam a luz do sol dando ao local um aspecto melancólico, causando lhe uma estranha sensação. O farfalhar das finas folhas, o cheiro do verde, o balançar no ritmo do vento. Diminuiu a velocidade e, para sua surpresa, uma única casa surgia ao final, sob o fundo as montanhas. Encaminhou até o portão e conferiu o número. - 555 – sussurrou Ileana ao pedaço de papel que tinha nas mãos. - Procura alguém moça? – a voz era de uma mulher que surgiu entre as folhagens. - Procuro Sr. Aviltan. – gaguejou Ileana assustada pela inesperada aparição.- O senhor Alex Montec Aviltan. Catedrático em história primitiva. Ele mora aqui? - Quem gostaria de falar lhe? – perguntou rudemente a senhora de pele alva e cabelos embranquecidos. - Sou Ileana Kóre, eu liguei para o Sr. Aviltan agendando uma entrevista. A mulher franziu o cenho, mostrando-se indecisa quanto a informação dada: - Eu sou Hanna; auxílio o Sr. Aviltan nos afazeres domésticos. Ele já sabe de sua visita, porém não se encontra nesse momento em casa. Pediu para que o esperasse, se assim desejar. – disse a mulher tentando claramente se desvencilhar da visita indesejada. - Ah! ... Sim, obrigada, eu o espera...rei.... – falou baixinho Ileana, pois antes que fizesse qualquer movimento a mulher sumiu portão adentro a deixando na calçada.- Droga! – esbravejou Ileana fazendo gestos. Apesar de insatisfeita com a calorosa recepção não poderia perder a chance. Era início da tarde, o dia estava claro e fresco. Uma forte rajada de vento castigou seus cabelos castanhos claros, apesar de lisos os cumpridos fios se embaraçaram, ela tirou os óculos escuros deixando aparente seus olhos verdes, na verdade também eram castanhos de uma tonalidade esverdeada, mas quando estava com raiva mudavam

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repentinamente de cor. Suspirou fundo, estava decidida a esperar; espreitou ao redor, arrumou os cabelos, abriu os braços e respirou fundo para capturar o frescor dos eucaliptos a sua volta. Não era muito alta, faltavam lhe poucos centímetros para completar um metro e setenta, não sentia aptidão ao esporte, mas caminhava todos os dias, o que a mantinha no peso ideal. Fechou o automóvel, pôs a mão nos bolsos, hábito incorrigível e ensaiou os primeiros passos, sua pele muito branca se arrepiou diante da provável mudança no clima. Admirou o infinito e a montanha que se desdobravam a sua frente, detendo os olhos em tão forte obstáculo; lembrou-se de como conseguiu o telefone de Alex e como o fez aceitar sua visita, insistindo como uma louca: - E é tudo uma ilusão! – dizia Ileana a seu melhor amigo. - Nem tanto Ileana, a verdade ... – ele tentava argumentar. - O que é a verdade Laerte? Palavras que podem ser manipuladas, que possuem diferentes significados pelo mundo afora, que pertencem a um código de ética! – dizia aturdida - Ora Ileana, não é necessário o sarcasmo; conheço suas idéias e as respeito, como compartilho de algumas e é por isso que continuamos amigos. Mas não pode crer que é uma lenda. Aceite, faça o curso. Sei que gosta do “místico” sabor da história. O rosto de Ileana conturbou se em um sorriso sincero de agradecimento e abraçou o colega que por sua vez entregou-lhe um volume “Antigas Civilizações”. Fez o curso e pós graduação, abandonou o jornalismo e publicou sua dissertação “Grandes Cidades: fogo ou cinzas?. O livro fora bem aceito pelo público e pelos críticos. Continuou buscando, sempre com Laerte por perto, até iniciar o doutorado, embrenhar-se nas lendas e eleger o lendário povo Gebadi como tema. O dia esvaia-se por trás do alto monte, surgiram no céu as primeiras mesclas do negro em meio ao rosa alaranjado do fogo que se extinguia. A brisa acariciava as faces. Sentou se em uma pedra chata próxima a entrada da casa, dobrou as pernas e as enlaçou com os braços, apoiou o rosto nos joelhos e continuou a observar o pôr do sol, olhos e consciência perdidos no tempo, novos fragmentos de um passado tão recente transbordavam em sua mente. - Aviltan não quer mais publicidade. Após sua última palestra, resolveu retirar-se para estudar sobre “civilizações perdidas” – dizia o orientador do curso. - Não ironize, você sabe por que ele se foi. E eu não quero mais complicações, chega de pontos polêmicos. O caso foi encerrado. Civilizações perdidas são belas lendas para contos juvenis ou filmes românticos. Só estaremos financiando estudos se houver provas

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concretas e de algo palpável, nada de sonhos. – o reitor foi categórico e duro em suas palavras. – E transmita a todos professores e pesquisadores esta “mensagem” – o disse olhando para porta onde Ileana espreitava pelo vão. - E assim foi o diálogo entre eles, Laerte – Ileana recontava o ocorrido ao amigo. - Hum, hum ... - O que este hum.. hum significa ? – indagou Ileana - Significa que se eles não querem que estudemos é porque existe algo que não querem que saibamos... – de repente Laerte riu abertamente, debochando de Ileana. - Se fosse para ouvir essa gargalhada de deboche dessa maneira eu não teria contado – as faces de Ileana avermelhavam de raiva - Ileana, simplesmente não querem incentivar gastos de verbas com pesquisas sem futuro. Não precisa levar tudo a ferro e fogo. Você não está fazendo jornalismo investigativo, você está apenas querendo uma bolsa para uma pesquisa!!! – Ileana permaneceu muda – Ora, eu entendo seu lado, não fique assim comigo. – ele se aproximou, com a frieza de Ileana, ele retomou o tom amigável e cordial - Mas como a senhora ouviu a conversa ? – inquiriu Alerte de forma jocosa e provocativa. - Eu estava passando assim por acaso – fez a cara mais inocente do mundo - e acidentalmente ouvi a conversa. Mas o mais importante agora é saber quem é esse tal de Aviltan e o que aconteceu. - Sinceramente Ileana não gosto deste brilho nos seus olhos. Acho melhor você ficar bem longe desse sujeito. – Laerte fechou a cara. - Laerte você deve saber alguma coisa a mais. Diga logo o que é ! – disse Ileana se aproximando para tentar invadir a mente do colega com o olhar. Vendo que não conseguiria nada, despediu-se – Ora Laerte, esqueceu se que foi você quem começou esta história? Tchau – Hei, aonde vai ? – Vou buscar algo interessante na minha vida. – soltou no ar enquanto batia a porta A noite caía lentamente até cobrir todo o céu, unificando as sombras. De leve surgiam inquietantes sensações entre medo e ansiedade. Resolveu esperar dentro do carro. Se pensava que ia fazê-la desistir, não conseguiria. Baixou a trava. Não havia nada para que pudesse distrair-se. Olhou para o relógio de pulso, só para não se perder no tempo. Olhou para a casa a frente, silêncio e escuridão. Não foi nada fácil encontrar esse homem. Após ouvir a conversa na Universidade, interessou se mais pelo caso, o que era de se esperar de uma jornalista. Suas fontes de pesquisas eram restritas, poucos livros atreviam se a publicar

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comentários ou apontamento sobre Aviltan. Mais difícil ainda era encontrar alguma coisa sobre o povo Gebadi. E por quê ? Faltas de provas ou de investigações? Algo fazia com que seus sentidos despertam se, mas não conseguia compreender por que. E o que esperava perguntar a Aviltan! Não teria informações diretamente do reitor ou de alguém do departamento. Conhecia bem a instituição onde trabalhava. Recorreu ao arquivo morto da biblioteca da faculdade de história. Estava exausta, pois por dias vasculhou gavetas e armários e não encontrava qualquer sinal. Folheou revistas de décadas anteriores, se Aviltan dera palestra, possivelmente encontraria registros sobre seus trabalhos. Reiniciou sua busca em outros arquivos, era a última chance de encontrar pistas. Como poderia o homem ter se esvaído ? Foi até a seção de pesquisas e palestras. -Bom dia Sr Antônio. – sorriu o mais que pode - Bom dia Dona Ileana. A estas horas e estudando? – retribuiu o sorriso o bom velhinho. - Não se pode perder tempo. Todos têm um calendário a seguir. Será que eu poderia copiar umas palestras antigas? – pediu Ileana com um olhar adoçado em mel. - A senhora sabe que neste horário não é permitido fazer consultas. A máquina está desligada, mas diante desta cara tão cansada e ansiosa eu abrirei uma exceção, desde que o reitor não saiba. - Claro Sr Antônio, o senhor sabe que pode contar com minha descrição. Não precisa se incomodar. Eu conheço os arquivos e a máquina. Farei tudo rapidinho e sem barulho. Preciso terminar este trabalho em dois dias. – Ileana sorriu profundamente grata ao simpático senhor – Muito obrigada. Entrou na saleta, foi até o armário que indicava palestras. O arquivo encontrava-se em ordem alfabética de palestrante. Foi direto a letra A. Nada de Aviltan ou Alex. Suspirou! Encostou-se a uma prateleira e observou o amontoado de gavetas e portas devidamente identificadas. Ao lado um velho arquivo não possuía qualquer plaqueta indicatória. Achou muito estranho. Dirigiu-se até ele, mas encontrava-se trancado. Por que trancariam um velho fichário? Voltou a biblioteca. Seu Antônio encontrava sentado em uma cadeira, cochilava enquanto sua cabeça pendia para os lados. Dirigiu se pé ante pé até escrivaninha da atendente. Não se atreveu em ligar a luminária de mesa. Não gostaria que o homem acordasse. Cuidadosamente abriu as gavetas. Não poderia fazer barulho ou tirar os objetos de lugar. Só faltava usar luvas, pensou. Em uma das gavetas havia uma caixinha de lata já descorada; abriu-a. Um molho de chaves descansava entre canetas e clipes. Provavelmente seriam aquelas chaves!!

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O homem remexeu se na cadeira. Foi então até o banheiro da biblioteca. Marcou o desenho da chave em uma barra de sabonete até que o metal afundasse na massa amolecida pela água. Lavou as chaves, retirando todo e qualquer resíduo. Voltou à sala. O vigia agora estava acordado, a cara meio amarrotada demonstrava receio e espanto. - Nossa dona Ileana, a senhora assustou-me. Não a encontrei na sala. ... – gaguejou. - Uma emergência – Ileana interrompeu o homem explicando se em um sorriso meio amarelo. O senhor pode fechar a sala. Ah... E por favor, confira se ... se desliguei a máquina de xerox. Enquanto ele conferia a saleta Ileana correu a escrivaninha. Havia esquecido a gaveta aberta. Imediatamente guardou as chaves e fechou a gaveta. O homem já retornava. - A senhora está bem dona Ileana? – seu semblante mesclava preocupação e uma ruguinha de desconfiança. - Perdoe me atrapalhar seu turno. Estava olhando os arquivos e não me senti bem, corri até o banheiro, senti um pouco de vertigem. Lembrei-me que não tive tempo de almoçar hoje. – Ileana dramatizou um pouco enquanto levava à mão a fronte, suava realmente, no entanto era de medo que desconfiasse de algo. O sabonete pesava uns cinqüenta quilos de preocupação na bolsa. Precisava sair urgente. - A senhora foi até a máquina – perguntou o homem. - Não fui? – fingiu surpresa – Não tenho certeza, senti uma leve tontura e dor no abdome... O senhor Antônio realmente eu sinto muito com tudo. Perdoe-me, estou aqui sentada. Vou embora. Amanhã em horário oportuno eu volto. -A senhora precisa de ajuda? Quer que eu chame alguém? – perguntou o simples homem demonstrando preocupação. - Não, não é necessário – apressou se em dizer – Aqui próximo há uma lanchonete 24 horas. Boa noite! E mais uma vez muito obrigada. - Boa noite! Despediu-se e saiu quase correndo, precisava ver Laerte, precisava ter certeza de que com o sabonete conseguiria a cópia das chaves, ou seria uma maluquice que virá em algum filme na TV. Telefonou mas não o encontrou. Resolveu agir sozinha. No dia seguinte foi ao centro comercial, preferiu ir de ônibus o trânsito naquela hora era um inferno. Achou melhor não ir de carro, talvez estivesse ficando maluca, provavelmente excesso de filmes na infância, riu de sua maluquice. Consultou um chaveiro que a olhou intrigado.

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- Bem eu pensei em trazer a chave. Mas eu e minha irmã só temos uma cópia e ela teria que usá-la hoje. Tivemos esta idéia, vimos em um filme, sabe – Ileana tentava justificar com um sorriso meio amarelo. - A senhora tem um arquivo? – perguntou desconfiado. - Sim, temos um escritório... de contabilidade, mas preferimos mantê-lo fechado. Descobrimos que não temos chave reserva, se houver qualquer incidente, ficará mais difícil abri-lo. Mas e então – cortou Ileana os questionamentos – o senhor pode fazê-lo ou devo procurar outro tipo de profissional? – foi direta e seca. - Este tipo de cópia é um pouco mais caro e. - dizia homem indeciso enquanto analisava aquela massa inerte. - Eu pago, mas preciso para hoje. Não posso ficar esperando o dia inteiro, fica difícil ir e voltar ao centro muitas vezes. – Ileana procurava disfarçar o máximo que podia. - Estará pronta em duas horas, senhora. - Eu esperarei. O local era um cubículo, espremido em uma sala de uns quatro metros quadrados. Sentou em uma antiga cadeira de madeira até o trabalho ser concluído. No dia seguinte voltou à biblioteca e como imaginava estava lotada. Era semana de entrega de trabalhos e dissertações. Seu Antônio era vigia, mas acumulava a função de ajudante da Sra. Rute, a bibliotecária. Uma senhora de sessenta e poucos anos que amava livros, mas muitas vezes era por demais impacientes com os alunos “barulhentos”. Naquele dia a biblioteca fervia. - Bom dia Sr Antônio. Resolvi voltar hoje em melhor horário. – sorria Ileana. - Bom dia dona Ileana, mas não acredito que o dia esteja tão propício. Parece que todo mundo resolveu vir à biblioteca ao mesmo tempo. Como a senhora está? – perguntou o senhor - Bem melhor, disposta a estudar bastante – seu sorriso era radiante. – cumprimentou Rute que estava com um ar cansado entre tantos pedidos de busca de livros e abertura de fichas de empréstimo. A sala estava vazia. Poucos pesquisavam nos velhos arquivos, pois as palestras mais recentes encontravam-se disponíveis na Internet. Foi até o armário, sua mão tremia ligeiramente. Encaixou a chave na fechadura e tentou girar o tambor, mas para sua surpresa e frustração não conseguiu. Tentou mais umas vezes e nada. - Droga!! Só me faltava essa! – bravejou contra o aço e o pó. Retornou a biblioteca. Seu Antônio sumira entre as estantes, uma fila esperava para ser atendida. Resolveu se aproximar da escrivaninha.

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- Não encontrou o que queria? – perguntou Rute sem, no entanto olhar para Ileana. - Não sei, talvez eu não consiga me concentrar. O barulho chega até a outra sala. Quer ajuda? Posso fazer as fichas enquanto localiza os livros. Podemos organizar duas filas. – a voz de Ileana era suave, “amigável”, já poderia fazer o curso de arte dramática, pensou. - Oh Ileana, não sei se devo. Você também deve estar ocupada. Deve entregar um tema até semana que vem. - Sei disso, mas preciso de inspiração. Pensei que buscar alguma coisa em velhas palestras, algum tema que fosse sempre atual. – tentou ser o mais convincente possível - E aí dona Rute... precisamos dos livros – um dos alunos aumentou a voz. - Calma rapazes. Sou apenas uma. – pediu a senhora em tom conciliador e voltou-se novamente para Ileana – Não se incomoda de fazer as fichas. O reitor colocou um computador aqui, mas veja está desligado. Não consigo mexer com essas coisas. Prometeu contratar um estagiário, mas só teremos verba no próximo ano. – Concordo com a senhora, mas devemos nos apressar, os alunos estão ficando impaciente – alertou Ileana. Ileana iniciou o preenchimento das fichas manuais enquanto a mulher se distanciava, aproveitou um momento entre um aluno e um olhar de esguelha para a funcionária que se perdia entre prateleiras e alunos para pegar as chaves e colocar nos bolsos. Escreveu o mais rápido que pode, pois depois que fizessem as fichas os alunos correriam para dona Rute a procura dos livros. Como muitos eram arduamente disputados teria tempo. Ao terminar as fichas ainda uma onda de pessoas cercava mesas e estantes em buscas de livros, mantendo os dois funcionários bem ocupados. Sussurrou a Dona Rute que voltaria a saleta arquivo. Dirigiu-se a sala, dessa vez a chave casou completamente com a fechadura. Rapidamente vasculhou os nomes até encontrar Aviltan, Alex Montec: tema Civilizações Perdidas – povo Gebadi. Retirou a ficha e a recolocou em outra pasta, misturou a outros papéis. Fechou o armário e colocou as chaves no bolso. Foi até a máquina e copilou todos os papéis. Agradeceu ao atendente, guardou seus papéis em sua maleta e retornou a saleta para recolocar tudo em seu devido lugar. Ainda teria de devolver as chaves. Que sufoco! Já se aproximava do horário do almoço. Diminuíra bem o número de alunos que circulavam na biblioteca. Dona Rute e seu Antônio agora estavam mais tranqüilos. Ileana sentou em uma das mesas de leitura que a biblioteca oferecia e fingiu ler alguns

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textos, mas seria impossível concentrar se enquanto aquelas chaves gritassem em sua bolsa. Pareciam querer ser encontradas! O vigia retirou se para seu horário de almoço. Ileana aproveitou o momento para se aproximar da velha atendente. - E então dona Rute. As fichas que preenchi estavam corretas? – sorriu amistosamente para a senhora que realmente parecia cansada. - Oh Ileana, perdão não agradecer lhe, mas tudo estava um tumultuo hoje. - Não precisa me agradecer. Foi um prazer ajudá-la. Não fechará para o almoço? - Deveria mais ainda tenho que organizar algumas fichas de livros e expulsá-los das mesas. - Deixem me organizar as fichas, enquanto a senhora pede para que se retirem e voltem depois. Acho que a senhora tem mais jeito com eles do que eu – riu Ileana jocosamente - Obrigado minha querida, mas já a incomodei por demais hoje. - Não diga isso! – disse Ileana mais dura – Não pode pensar que um favor seja algo tão ruim, afinal provavelmente amanhã será eu quem vai incomodá-la solicitando auxilio na busca de livros. Encare como uma troca de favores. – falou docemente. - Está bem. – respirou a mulher aliviada com a ajuda. Dona Rute levantou-se, rapidamente Ileana se posicionou próximo a gaveta, fingiu estar procurando algo e recolocou as chaves no lugar. Precisava sair de lá, pois a sensação de culpa estava esculpida em seu rosto. Em poucos minutos organizaram a sala “expulsaram” os últimos alunos e fecharam a biblioteca para o almoço. Ileana despediu se e saiu rapidamente. Os papéis queimavam-lhe as mãos, pôs o carro em movimento e dirigiu se para sua casa. Não ousaria parar em nenhum lugar, a ansiedade e a curiosidade a impulsionavam. Fez o mesmo trajeto, cumprimentou o porteiro, tirou as chaves da bolsa: - Enfim em casa! – desabou no sofá. O cansaço e adrenalina da aventura dos últimos dias era mais forte que a curiosidade, depois de tanta emoção suava em bicas, o melhor era um bom banho. Deixou o material sobre a mesa.... Confortável e limpa preparou rapidamente sanduíches natural e suco. Afastou uma cadeira e sentou, olhou a confusão de folhas e envelopes soltos, entre suspiros e mordidas no pão, organizou a papelada. O líquido fresco ficou de lado para um gole efusivo durante um intervalo ou quando detinha se em uma análise mais profunda. Ordenou no computador toda a coleta de dados que conseguira dos livros da biblioteca, havia muito material de pesquisa para serem verificados.

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Estava muito cansada, resolveu ler no sofá da sala, precisava esticar as pernas. Aos poucos o sono a dominou, seu corpo fora vencido pelas aventuras daquele dia. A grande planície estava coberta de corpos e sangue. Ileana perambulava entre os mortos. O terror estava estampado nos rostos daqueles homens que jaziam inertes sobre o solo. Seus espíritos vagueavam ao seu redor clamando por justiça. Aterrorizada Ileana corria em direção a montanha do Sentinela buscando ajuda. Mas presa aos mortos, seus passos se tornavam um fardo difícil de ser carregado. Sua fronte estava molhada, assustada despertara daquele pesadelo. A batalha parecia tão real, tinha ouvido os sons, os cheiros; parecia ter encontrado a morte de perto. Seu corpo tremia em um misto de frio e medo. O telefone tocou, respirou fundo tentando controlar-se e atendeu – Alô! – sua voz saiu trêmula. - Ileana, onde se meteu? Telefonei a manhã inteira – o tom de Laerte era alegre. - Laerte... –desabou a chorar sem conseguir controlar-se - Calma Ileana, eu irei até aí – a voz demonstrava preocupação e carinho. Desligou o telefone. Ileana permaneceu um tempo segurando o gancho próximo ao ouvido, parecia ouvir algo mais do que o pulsar da linha. Esperou petrificada recostada no sofá, olhando o teto, secando lágrimas, respiração congestionada. O interfone tocou despertando a. O porteiro avisava da chegada de Laerte. Ele bateu de leve na porta. Ela abriu, olhou para ele buscando algo que não sabia o que era. Ele a abraçou forte e a conduziu para dentro. - Ileana eu pensei que... – respirou fundo – fale! - Estou me sentindo miserável, sozinha. Meus amigos, minha vida. – Ileana estava agitada, gesticulava muito e andava em círculos na pequena sala. – Olhe a minha volta. – parou e girou apontado as paredes. – Eu estou só, sempre estive só. - Você está passando por uma crise..., precisa... – ela não o deixou continuar. - Quê?!!!! – olhou o atônita, vacilou em continuar. – Você não me entende Laerte. - Não Ileana, eu estou tentando entender a situação para ajudar lhe – retrucou com ênfase – Seus valores sempre pareceram opostos a estereótipo da sociedade. Você seria mais feliz se fosse uma dona de casa e tivesse três filhos? Continuaria suas buscas? Sempre pensei que isso poderia anular sua personalidade. – disparou Laerte

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- E o que encontrei Laerte? – olhou para ele, olhos marejados e suplicantes. Laerte dirigiu-se até a mesa a apontou os papéis e disse: - Você encontrou o mistério, a aventura e tudo mais que a fascina. Ileana, por favor, escute, não adianta virar o rosto e fugir. Olhe para mim – ele foi até ela segurou seus braços e continuou a falar – Trabalhar em um jornal, escrever um livro e tantas outras loucuras, não significa nada? Imagine quantas pessoas gostariam de estar em seu lugar. Tudo ainda é um vazio? – ele a encarava – Você é um ser humano e está insatisfeita e “quer” entrar em depressão. Você não tem mais 18 anos!!! - E é necessário ser adolescente para sentir se infeliz? – vociferou Ileana - Qual é o seu problema Ileana? – o tom de voz de Laerte tornava se agressivo – Por acaso você sabe qual é o seu problema? - Não! – sua reposta foi seca e efusiva. - Você quer uma vida que signifique tempestade. Cada dia apresenta se de uma maneira, nunca se descobriu por inteiro, oculta o que realmente sente por você. Um dia você é doce no outro está ausente e distante. Você está confusa! Está se tornando uma prisioneira de si mesma. – foi totalmente categórico ao pronunciar a última palavra. - Eu escolhi “não ser”. Não ser esposa, não ser mãe, não ser dominada. – balbuciou Ileana - Você sabe querida Ileana. Você apenas não quer ver, pois há anos se protege, apaixonada por fantasmas. - sorriu enquanto segurava lhe as delicadas mãos. - Laerte, sabe o quanto estimo e é nome disto que não o mando sair imediatamente pela aquela porta. – os olhos de Ileana já estavam secos. O velho brilho havia voltado. – “Lutar e vencer se é o mais difícil obstáculo para tornar-se herói”, Allegro. Sorriu lhe meio amarelo, ele beijou sua fronte e abraçaram se. Então a sala ficou novamente vazia, caminhou até a janela e mesmo do 5º andar pode ver o carro vermelho de Laerte se afastando se. O vento gelou seu rosto, entardecia e o tempo anunciava mudanças, abaixou o vidro para poder continuar vendo a cidade e as estrelas que logo despontariam. Sabia que na verdade nunca havia encontrado respostas as suas indagações. Alguns anos haviam se passado desde que abandonou sua cidade natal e as festinhas da escola. Será que estivesse casada estaria mais feliz ? Imaginou uma casa com crianças, a pressa para preparar o jantar, o Júnior doente, a Lu com notas baixas, o marido reclamando de camisas mal passadas... E ela ? Onde se encaixaria ? Dona do lar ou uma funcionária traumatizada com o cartão de ponto ? Nossa!!! Também o quadro não é tão tenebroso. Na verdade sabia que não eram as

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circunstâncias, mas o que lhe faltava era o amor. Perdeu seus pais em um acidente e não tinha irmãos. Talvez o que mais precisasse era de um grande amor !!! Riu para si mesma - Alex Montec Aviltan ! Então você é meu novo desafio! – sussurrou entre os dentes. Retomou os estudos pelo povo Gebadi, havia muito trabalho para organizar toda aquela papelada. Sem perceber enterrava suas indagações, não as arquivando como sempre o fazia, mas tentando encontrar soluções. Dias depois, Laerte contemplava estupefato o rosto de Ileana enquanto descrevia todos os lances de sua aventura para conseguir os dados sobre Aviltan. Não comentaram sobre aquele dia. - Gosto do brilho dos seus olhos Ileana. E você sabe que não é uma cantada e compreende o valor de tudo isso. – disse o amigo cheio de carinho. - Ora Laerte você também é responsável por esse retorno a paixão ao povo Gebadi. Quero que você dê uma olhada neste disquete e opine sobre os primeiros esboços. Ele pegou o objeto das mãos de Ileana e sorriu estranhamente. Ileana não percebeu as expressões de seu amigo e continuou de modo determinado: - Laerte, vou encontrar esse homem ! Ileana estava determinada e estava ali, em frente a casa daquele misterioso homem e não desistiria. Cigarras ao longe festejavam a noite, a sua frente perdia se o céu estrelado, a lua sorria amarelo, haviam trazido um pouco de frio. Vestiu a malha, olhou o relógio digital do carro. Estava a mais de duas horas esperando, mas não desistiria. Sabia que não seria tão fácil. Ligou o rádio, não conseguiu sintonizar em nenhuma estação, só chiados. Optou por um de seus CDs, mas a ansiedade crescia, nada a animava. Voltaram imagens de quando fora ao departamento de pessoal, sabia que não podia indagar sobre Aviltan, fato este ainda misterioso para Ileana. Precisava de uma maneira em conseguir os dados sem que percebessem. Provavelmente estaria na sala do arquivo morto, que deveria estar fechado. Mas a tecnologia mudara muita coisa, ao invés de pilhas de papéis, um computador. A primeira tentativa foi frustrante. Ao entrar no sistema não obteve nenhum dado sobre Aviltan. Conheceu dois alunos que voltavam do departamento de pessoal, solicitaram transferência ou algo parecido. Fez algumas perguntas

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discretas, descobriu o nome da atendente. Se ao menos fosse um homem, gracejou consigo mesma, poderia usar seu charme. Dias depois já possuía uma boa ficha da funcionária. Sabendo de alguns hábitos, dirigiu se ao refeitório e sentou se ao lado da moça. Coincidentemente Laerte era amigo dela e mais coincidentemente foi quando Laerte entrou pela porta do restaurante alguns minutos depois de Ileana. Cumprimentou as duas e elegantemente fez seu papel de cúmplice, intitulando animada conversa. Enquanto Laerte a distraía, Ileana discretamente furtou o maço de cigarros e isqueiros da moça. Após um sinal, Laerte pediu licença a Ileana e levou a vítima para fora. Ileana então, para concluir sua ardilosa tarefa foi até o departamento de pessoal para devolver o “objeto esquecido”. Esperou pacientemente o desenrolar dos minutos para dirigir se ao local. Encontrou a moça só, fato que realmente esperava, com um sorriso amigável aproximou se e mostrou lhe o maço de cigarros e o isqueiro. - Presumi que fossem seus ... – disse Ileana o mais docemente possível. - Oh! ... Muito obrigada – a moça estava inquieta, fez aceno para acender um cigarro, mas no mesmo instante desistiu. Talvez lembrasse se que o ambiente não era apropriado. Ileana olhou a sua volta, encarou a e chispou a pergunta a queima roupa: - Faz tempo que você conhece o Laerte ? - Bem, ... ele conseguiu este emprego para mim há uns dois anos... Na verdade nos conhecemos há uns três anos.... Mas pode ficar sossegada, eu e ... – a mulher gaguejava para falar. - Não! Não é isso.... – Ileana parecia convencê-la de seu ciúmes – Eu e o Laerte somos muito amigos. Não gostaria de vê-lo sofrer. – dissimulou um falso ressentimento. - Eu sinto pelo Laerte a mesma coisa que você: amizade. Ileana sentiu uma frieza e uma denotação naquele tom de voz, talvez provocativo, estava acertando o alvo. - Eu vejo o Laerte como um irmão mais velho – continuou Ileana como se não entendesse o apelativo da garota. - Ah! Eu entendo, ... Como é mesmo seu nome? – perguntou sem entender em qual terreno estava. - Ileana. O seu é Karina, não é ? – a outra afirmou com um aceno de cabeça – Bem Karina, se eu estiver atrapalhando pode mandar-me embora. - Não, tudo bem. Este horário é tranqüilo, ainda é horário do almoço. – disse casualmente Ileana afastou alguns centímetros do balcão e girou o corpo para demonstrar que estava observando o local: - Então é aqui todos os