Amanaque de Cultura e Saúde - FEBEC - Edição 11

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Amanaque de Cultura e Saúde - FEBEC - Edição 11

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  • As invenes so sobretudo o resultadode um trabalho teimoso

    Sumrio

    Diretor editorial Elifas AndreatoDiretor executivo Bento Huzak Andreato

    Editor Joo Rocha RodriguesEditor de arte Dennis Vecchione

    Editora de imagens Laura Huzak AndreatoEditor contribuinte Mylton Severiano

    Redatores Bruno Hoffmann e Natlia PesciottaAssistentes de arte Guilherme Resende e Soledad Cifuentes

    Gerente administrativa Fabiana Rocha OliveiraAssistente administrativa Eliana Freitas

    Assessoria jurdica Cesnik, Quintino e Salinas AdvogadosJornalista responsvel Joo Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP)

    O AlmAnAque de CulturA e SAde est sob licena Creative Commons. A cpia e reproduo de seu contedo so autorizadas para uso no comercial,

    desde que dado o devido crdito publicao e aos autores. No esto includas nessa licena obras de terceiros. Para reproduo com fins

    comerciais, entre em contato com a AndreAto ComuniCAo e CulturA.

    Correspondncias Rua Dr. Franco da Rocha, 137 - 11 andar Perdizes. So Paulo-SP CEP 05015-040 Fone: (11) 3873-9115 [email protected]

    O AlmAnAque de CulturA e SAde uma publicao mensal da Andreato Comunicao e Cultura em parceria com a FEBEC Federao Brasileira

    de Entidades de Combate ao Cncer. A revista distribuda por assinatura, pelos estabelecimentos filiados Associao Paulista de Supermercados

    (APAS) e pelos voluntrios das Ligas de Combate ao Cncer.

    5 carta enigmtica

    6 voc sabia?

    12 gente aJUDanDo gente Rosa Maria Chucre Gentile

    13 PaPo-cabea Pel

    16 ilUstres brasileiros Nara Leo

    18 esPecial Invenes

    22 Jogos e brincaDeiras

    23 o teco-teco

    24 viva o brasil Natividade

    28 temPeros e sabores Frango com Angu

    29 almacrnica por Loureno Diafria

    30 em se PlantanDo tUDo D Manga

    32 rir o melhor remDio

    33 caUsos De rolanDo bolDrin

    34 mUito obrigaDo Jos Dias Pereira

    Presidente Antonio Luis Cesarino de Moraes Navarro

    Se este pas no existisse, a gente inventava

    Santos-Dumont

    Rua Silva Airosa, 40. Vila LeopoldinaSo Paulo-SP Cep 05307-040

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    lm do avio, os brasileiros inventaram coisas que nem se imagina. Voc sabia, por exemplo, que o walkman coisa nossa? Que o balo voou primeiro por aqui? Que criamos at a mquina de escrever? E a lista continua,

    abarcando de tecnologias fundamentais, como o rdio, a objetos prosaicos, como o imprescindvel escorredor de arroz. No Especial do ms, revelamos algumas das mais curiosas histrias que envolvem a criatividade do povo brasileiro.

    Criaes so fruto da sensibilidade apurada de gente que percebe anseios prprios ou das pessoas ao redor. Andras Pavel queria ouvir msica em qualquer lugar quando inventou o pequeno equipamento de fixao corprea para a reproduo de eventos auditivos em alta qualidade, que conhecemos como walkman. Santos-Dumont via que o mundo poderia ficar menor com a aviao. Francisco Joo de Azevedo inventou a mquina de escrever para substituir os manuscritos. Assim foi com o carto telefnico, a urna eletrnica, o identificador de chamadas.

    As Ligas de Combate ao Cncer tambm nasceram, h mais de uma dcada, para suprir uma necessidade. Em grupos espalhados por quase 100 municpios, elas hoje prestam auxlio a pacientes com transporte, apoio psicolgico, acompanhamento das famlias, medicamentos, alimentao. No AlmAnAque, todos os meses mostramos exemplos do trabalho dessa turma na seo Gente Ajudando Gente. Alm disso, na seo Muito Obrigado, trazemos histrias de pessoas que s tm a agradecer a essa corrente de solidariedade.

    O AlmAnAque est sempre pescando prolas da inventividade brasileira e histrias de superao. Nesta edio, o leitor pode conferir a arte do cone maranhense Nhozinho, que foi muito maior que seu problema de sade. Tem tambm a paulistana Dorina Nowill, que, depois de desenvolver deficincia visual, no tinha o que ler. E, a partir dessa dificuldade, criou uma fundao que mudou a vida de milhares de pessoas no Brasil inteiro.

    O AlmAnAque de CulturA e SAde resulta de uma parceria entre a Federao Brasileira de Entidades de Combate ao Cncer (Febec), a Associao Paulista de Supermercados (Apas) e a Andreato Comunicao e Cultura. A renda arrecadada com a venda das revistas destina-se a aes de preveno e apoio biopsicossocial aos pacientes com cncer. Se voc tambm valoriza a inventividade e a cultura nacional e quer colaborar, assine. Basta acessar www.febec.com.br ou ligar para (11) 2166-4100.

    Apoio

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  • Soluo na p. 22

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    capitaldo estado de

    Massachussetts

    Chico Buarque conhecido por no aceitar interferncias comerciais em suas obras e apresentaes. Mas nem sempre foi assim. No comeo da carreira, fechou acordo para subir aos palcos portando um Mug da Sorte, boneco assim batizado por pre-tensamente trazer bom agouro a quem o comprasse. O compositor no foi o nico a associar a imagem estranha criatura. Outras estrelas da poca se prestaram ao mesmo papel. Wilson Simonal at exaltava, numa cano, o talism dos anos 1960: Se voce no acredita / Eu no posso fazer nada / Mas a figa tem um Mug / Dentro da mo bem fechada.

    gonia; Felicidade Infeliz; Marcada; Meu Mundo Caiu; Rindo de Mim; Tarde Triste. os ttulos das msicas j indicam o repert-

    rio carregado de melancolia. Intrprete magistral do gnero conhe-cido como dor-de-cotovelo, ela no se melindrou em juntar-se tur-ma do amor, do sorriso e da flor que conduzia os primeiros passos da bossa nova. Foi a primeira cantora a divulgar o novo estilo fora do pas, apresentando-se na Frana, nos Estados unidos e em portugal. Descendente de uma famlia rica do Esprito Santo, nasceu em So paulo, mas viveu a maior parte da vida no Rio. Envolveu-se com a msica ainda criana. Tocava piano e, aos 12 anos, escre-veu o samba-cano adeus.Com o hbito de tirar os sapatos para cantar, ficou conhecida co-mo condessa descala no exterior. Independente e geniosa, no

    aceitava interferncias da gravadora em suas escolhas de repert-rio. alm de dar voz a msicas de grandes como Tom Jobim, Vini-cius de Moraes, Ronaldo Bscoli e adoniran Barbosa, firmou-se co-mo compositora. Em seu primeiro disco, de 1956, s gravou msi-cas prprias. na dcada de 1970, passou a escrever trilhas sonoras para teatro e televiso.Manuel Bandeira definiu seus olhos verdes como dois oceanos no-pacficos. Dizem que quando lhe pediam para sorrir diante das cmeras fotogrficas, disparava: por que sorrir? no h moti-vo para tal. Eu no sou feliz.Em 22 de janeiro de 1977, seguia de carro pela ponte Rio-niteri para a casa do crtico Ricardo Cravo albin, em Maric, quando um acidente lhe tirou a vida. Tinha apenas 40 anos.

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  • 29/1/1943 O PRESIDENTE ROOSEVELT,

    DOS EUA, VEM AO BRASIL CONVERSAR COM GETLIO VARGAS SOBRE NOSSA

    PARTICIPAO NA 2a GUERRA MUNDIAL.

    29/1/1960 O PRESIDENTE

    NORTE-AMERICANO EISENHOWER VISITA

    JUSCELINO KUBITSCHEK PARA ESTREITAR ELO CONTRA

    BLOCO DE PASES COMUNISTAS.

    m 1929, nas palavras de Raul Bopp, a arca antropofgica encalhou. E

    se as coisas no caminhavam bem para o Modernismo, tambm entre o casal Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade a vida comeava a desabar. Patrcia Galvo, a polmica Pagu, na poca com 18 anos, era presena constante no dia-a-dia do casal. Cercada de mimos, acompanhava-os em bailes, teatros e reunies.

    Deste convvio nasceu um romance entre Pagu e Oswald, que abandonou

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    Pagu e Oswald (ao centro) depois da cerimnia.

    FeSTA eSTrANHA

    Oswald e Pagu casaram no Cemitrio da Consolao

    E Tarsila e escandalizou a todos, casando-se com a jovem. A cerimnia aconteceu em 15 de janeiro de 1930 no Cemitrio da Consolao, em So Paulo. O prprio Oswald registrou: Nesta data contrataram casamento a jovem amorosa Patrcia Galvo e o Crpula forte Oswald de Andrade. A faanha realizou-se em frente ao tmulo da famlia do noivo, na rua 17, nmero 17 do cemitrio, mas foi apenas simblica. Mais tarde a unio foi confirmada na igreja da Penha, na zona leste paulistana.

    Origem da expressodo tempo da ona A expresso refere-se a algo acontecido h muito tempo. Mais especificamente, no sculo 18, quando Luis Vahia Monteiro, conhecido como o ona, governou o

    Rio de

    Janeiro (1725-1732) . O apelido veio de sua rigidez, j que ele exigia que todas as leis fossem rigorosamente

    cumpridas. Por isso, ficaram boas lembranas do tempo do ona, que logo virou da ona.

    Saiba MaiS Paixo Pagu: A autobiografia precoce de Patrcia Galvo (Agir, 2005).

    t a dcada de 1860, as canoas eram o principal meio de transporte dos mais de

    75 mil habitantes do Recife, cidade cortada pelos rios Capibaribe e Beberibe. Cavalos e carruagens, s para os abastados. A populao exigia meios de transporte mais econmicos; a produo de cana-de-acar e algodo precisava escoar com agilidade. A soluo encontrada: uma ferrovia.

    Primeiro sistema de transporte urbano sobre trilhos do Brasil, os trens do Recife foram inaugurados em 5 de janeiro de 1867, em concesso do governo Brazilian Street Railway, sediada em Londres.

    O trem movido por machine pump (bomba mecnica, em ingls) ficou conhecido por aqui como maxambomba. As viagens de trem custavam menos da metade das de carruagem. As lojas, que fechavam s 18 horas, passaram a ficar abertas at s 21, horrio final dos trens.

    A ferrovia chegou a ter 22 quilmetros e 20 estaes. Em 1919, foi substituda por modernos bondes eltricos.

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    Trem urbano do Recife: primeiro do Brasil.

    No Recife, machine pump virou maxambomba A

  • Muitos olhos j brilharam ao v-lo com a bola nos ps. Defendeu trs dos maiores times de futebol do Rio de Janeiro, cidade onde nasceu em 29 de janeiro de 1966. Foi destaque numa Copa do Mundo

    e alcanou marca inaugurada pelo rei do futebol. Seu nome s vezes relacionado com boemia e mulheres. Outras tantas, substitudo pelo apelido carinhoso, que denota pouca altura.

    Confira a resposta na pgina 22

    de quem so estes olhos?

    Origem da expressodo tempo da ona A expresso refere-se a algo acontecido h muito tempo. Mais especificamente, no sculo 18, quando Luis Vahia Monteiro, conhecido como o ona, governou o

    Rio de

    Janeiro (1725-1732) . O apelido veio de sua rigidez, j que ele exigia que todas as leis fossem rigorosamente

    cumpridas. Por isso, ficaram boas lembranas do tempo do ona, que logo virou da ona.

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    Biu Roque cantoua Fulorestaem todo canto

    Biu Roque e Siba, do Fuloresta do Samba.

    Saiba MaiS Documentrio Siba e a Fuloresta, de Marcelo Pinheiro (2005).

    a voz e percusso, nosso caulinha, com 73 anos. Era assim que Siba, frente do grupo

    Fuloresta do Samba, apresentava Biu Roque, ex-cortador de cana nascido em Aliana, Zona da Mata pernambucana. Na verdade, ele era o mais velho do conjunto idealizado por Siba (ex-Mestre Ambrsio) a fim de atrair luzes para a arte de msicos/brincantes ligados ao Maracatu Rural e ao Cavalo Marinho manifestaes culturais de origem pernambucana.

    Junto ao Fuloresta, a goela de ouro da mata norte se apresentou por vrios cantos do Brasil. A primeira grande plateia foi no Abril Pro Rock 2003, no Recife. No ano seguinte, foi mais longe: fez turn de duas semanas na Europa. Passou por Portugal, Holanda, Frana. Estranhou o vazio dos campos: Nessa terra ningum faz menino?

    Casado com Dona Maria, teve 13 filhos, 40 netos, muitos bisnetos. Foi a cantoria que a conquistou. No por acaso. Entre as canes do grupo, entoa: Maria, minha Maria / Meu doce da melancia [...] Vem ver o belo luar / Que a tua ausncia reclama / que noite to preciosa / No deve dormir quem ama.

    Da poca de cortador de cana, guardou a sade frgil e a viso prejudicada. Morreu este ano, aos 72, pouco antes de seu primeiro lbum solo, A Noite Hoje a Maior, ficar pronto. Dizia que vivia feliz: Depois de velho uma vida mais gozada, mais liberta.

    omida de boa qualidade na lata do

    lixo. Gente com fome e sem ter o que comer. Duas realidades to prximas que sempre tiraram o sono da economista Luciana Chinaglia Quinto. Em 1999, ela decidiu botar a mo na massa e agir. Com fome de resultados, criou a ong Banco de Alimentos, em So Paulo. A tarefa parecia simples, mas tinha propores enormes: retirar os alimentos de onde sobram e entregar onde faltam. No comeo, s os mercados de frutas e verduras apostaram em doar para a moa sonhadora. Movida pela solidariedade, de porta em porta, ela visitou 400 empresas de alimentos industrializados e no recebeu nenhuma ajuda. Foi s questo de tempo e perseverana. A dedicao de Luciana sensibilizou 800 voluntrios. Hoje o Banco de Alimentos transporta pelas ruas congestionadas da grande So Paulo cerca de 44 mil toneladas de comida por ms. O que no vendido nos pontos comerciais, est em boas condies para o consumo e iria para o lixo separado. Enche os pratos de 22 mil pessoas em entidades assistenciais, a maioria idosos e crianas. Mas matar a fome de comida para quem tem sede de tudo ainda parecia pouco. A ong tambm oferece cursos com tcnicas para manipular os alimentos. Nutricionistas acompanham as doaes e preparam uma dieta rigorosa para quem est desnutrido ou obeso. Palestras ensinam a importncia de se evitar o desperdcio no s de alimentos, mas tambm de energia, de terras frteis, de gua. E Luciana continua sonhando, agora com o dia em que possa saciar a fome alheia de educao, trabalho e lazer.

    Saiba MaiSSite do Banco de Alimentos: www.bancodealimentos.org.br

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    Profissionais da ong.

    Banco de Alimentos busca onde sobra e leva

    para onde faltad

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  • aquario O aquariano tem esprito aberto a novidades. Tem sintonia com tudo o que diferente, novo e moderno. Gosta de investigar e descobrir a razo das coisas. Costuma ser tambm bondoso e tranquilo. Mas, s de pensar em ser controlado, irrita-se facilmente. Em qualquer tipo de relacionamento, evite cobranas e conte com surpresas.

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    enigma figurado

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    figurinha a ao lado nasceu em 7 de janeiro de 1951 num morro

    carioca. Do pai, trabalhador do cais, herdou o segundo nome

    artstico-musical. Tocava violo com ele na igreja batista. No grupo

    Os Instantneos, embalava sucessos da jovem guarda e da bossa

    nova. Depois de servir ao Exrcito, em 1972, foi consagrado na voz

    de Gal Costa, que gravou a sua Prola Negra.

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    R.: Confira a resposta na pgina 22

    cAScATA, LoroTA, poTocA

    a segunda metade do sculo 19, a Tipografia Paula Brito era um

    fervilhante ponto de encontro dos intelectuais cariocas. O estabelecimento levava o nome de seu dono, Francisco de Paula Brito, considerado por muitos o primeiro editor do Pas. E foi por sugesto do influente livreiro que, em 1840, reuniu-se pela primeira vez a Sociedade Petalgica do Rossio Grande.

    Aos impressionados com o nome pomposo, um esclarecimento: peta significa mentira, cascata, lorota, potoca. A Sociedade era uma espcie de clube ltero-humorstico que tinha como propsito exercitar a imaginao e difundir mentiras para desmoralizar quem as passasse adiante.

    Foram muitas as personalidades que contaram por ali suas histrias. O mais clebre certamente foi Machado de Assis, que integrou a sociedade aos 16 anos. L se conversava de tudo, desde a retirada de um ministro at a pirueta da danarina da moda, descreveu mais tarde. A maior marca do grupo, segundo o escritor, era o pluralismo. Era um verdadeiro campo neutro, onde o estreante das letras se encontrava com o conselheiro.

    Assim, polticos, poetas, dramaturgos, artistas, viajantes, simples amadores, amigos e curiosos se juntavam ao grupo, que teve uma intensa produo potica e musical. Castro Alves, Casimiro de Abreu, Artur Azevedo, o prprio Machado e tambm Paula Brito deram letras a vrios lundus e modinhas, fazendo da Sociedade Petalgica reduto criativo e um dos beros da msica popular brasileira.

    Machado de Assis

    Machado de Assis integrou uma sociedade de mentirosos N

    Nhozinho lutou contra a doena para deixar seu legado

    Saiba MaiS Nhozinho: Imensas miudezas, organizao de Alice Cavalcante e Heloisa Alves (Sbios Projetos, 2007).

    maranhense Antnio Bruno Pinto Nogueira, mais conhecido como Nhozinho, nasceu em

    Bacuripan, em 1904. Sua infncia foi normal at os 12 anos, quando tumores e feridas comearam a aparecer em suas mos. Depois, a chaga se alastrou para as pernas e ps, impedindo-o at mesmo de vestir-se. O diagnstico, nunca confirmado precisamente, era que sofria de sfilis.

    Confinado em casa, Nhozinho passou a confeccionar pequenos objetos de madeira que serviam de presente aos amigos de prespios a carrinhos de boi. Aos 32 anos, com o corpo bastante deformado, comeou a fabricar tambm as prprias ferramentas: facas, serrotes, formas, furadores, prensas e at um carrinho para sua locomoo. Tempos depois, mudou-se para So Lus. Adotou o buriti como matria-prima e comeou a vender timidamente sua arte. Enquanto divertia a crianada com brinquedos, tornava-se referncia em bonecos de bumba-meu-boi, figura-smbolo do folclore maranhense.

    Ferreira Gullar escreveu: Rara a pessoa em So Lus que no o conhece, e mais rara a que, conhecendo-o, no goste dele. No jornal O Globo, foi chamado de o mais famoso arteso do Maranho. Ganhou exposies no Brasil e na Itlia. Junto do reconhecimento, porm, veio o agravamento da doena. No auge da carreira, Nhozinho faleceu, em maio de 1974. Tal como Aleijadinho, foi um escultor de talento mpar que no se deixou abalar nem mesmo diante das piores condies de sade.

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    O que se colhe no msAbacaxi, atemoia, fruta-do-conde, graviola, banana, uva-itlia, laranja-pera.

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  • difcil encontrar uma pessoa cega no Brasil que no tenha tido em mos

    um livro impresso pela Fundao Dorina Nowill. Trata-se da maior imprensa braile da Amrica Latina e referncia mundial. Produz centenas de obras didticas e literrias distribudas gratuitamente. Porm, quando a moa que d nome instituio foi acometida por uma patologia ocular aos 17 anos, o volume de coisas que podia ler era pfio. Ela no se intimidou. Foi a primeira aluna brasileira com deficincia visual a cursar o ensino regular, em So Paulo. Anotava tudo que os professores diziam em uma mquina de escrever especial e, com outras amigas, nenhuma cega, fundou uma instituio para confeccionar livros em braile. Dorina especializou-se em educao de cegos na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. L conseguiu apoio para seu projeto e ainda conheceu o marido, Edward, por telefone. Sou feio e baixinho, ele brincou na ocasio. Tudo bem, eu sou cega, respondeu ela.

    Hoje a Fundao Dorina Nowill tambm desenvolve diversos trabalhos alm da imprensa: estudos, palestras, atendimento de educao e reabilitao para deficientes visuais. Fez 64 anos em 2009, ao mesmo tempo em que a presidente completou 90. Dorina, que morreu em agosto de 2010, fez parte da comisso de homenagens ao bicentenrio do francs Louis Braille portador, assim como ela, no s de uma deficincia, mas tambm de uma causa.

    Sem ter o que ler, Dorina criou a imprensa braile

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    doavam dinheiro e empregados, outros tramavam para que inimigos polticos fossem no seu lugar. Havia at quem oferecesse familiares: sobrinhos, irmos, filhos... A prtica mais comum, no entanto, era a aquisio de escravos para substituir o convocado. At o governo passou a comprar negros para as batalhas. Foras e mais foras a Caxias. Apresse a medida de compra de escravos e todos os que possam aumentar o nosso Exrcito, escreveu

    dom Pedro 2 ao ministro da Guerra.Estima-se que mais de 20 mil escravos tenham lutado na

    Guerra do Paraguai. O nmero representa cerca de 16% dos soldados brasileiros. Como de se imaginar, eram tratados como inferiores pelos companheiros. Muitos trabalhavam como criados dos soldados brancos. A Ordem do Dia para a Batalha de Tuiuti, uma das mais importantes da guerra, determinava: todos os batalhes deveriam estar a postos, inclusive os bagageiros e camaradas [criados] dos senhores oficiais.

    Saiba MaiS A Guerra do Paraguai, de Joaci Pereira Furtado (Saraiva, 2000).

    VoLuNTrioS, pero No mucHo

    Brasileiros deram jeitinho para escapar da Guerra do Paraguai

    m 1864, Brasil, Argentina e Uruguai se uniram para

    combater um inimigo comum, o Paraguai, ento a nao mais desenvolvida da Amrica do Sul. A justificativa era que os paraguaios pretendiam invadir o Sul do Brasil e parte dos outros dois pases para expandir o territrio at o Oceano Atlntico.

    A guerra eclodiu, mas as primeiras batalhas foram um fiasco para os brasileiros. Logo percebeu-se a necessidade de mais combatentes no front. Em 7 de janeiro de 1865 foram criados os Corpos de Voluntrios da Ptria, que pretendiam incentivar o alistamento de civis por ideais patriticos. No comeo at que deu certo, mas logo a empolgao passou, e o trabalho de persuaso tornou-se cada dia mais complicado. Os brasileiros no se alistam voluntariamente por acreditarem que s pobres lutam, explicou poca o escritor Joaquim Manoel de Macedo.

    Os voluntrios comearam ento a ser recrutados na marra. Cada qual dava seu jeito para escapar da guerra. Uns

    ENhozinho lutou contra a doena para deixar seu legado

    Despedida dos primeiros voluntrios.

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    Fases da Lua1 . 2 . 3 . 4 . 5 . 6 . 7 . 8 . 9 . 10 . 11 . 12 . 13 . 14 . 15 . 16

    . 17 . 18 . 19 . 20 . 21 . 22 . 23 . 24 . 25 . 26 . 27 . 28 . 29 . 30 . 31

    cheiacrescentenovaminguante

    Saiba MaiS Assista a trechos do programa em www.youtube.com

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    Vila Ssamo provou que possvel divertir e educar

    Verso brasileira da Vila Ssamo: quatro anos de sucesso.

    odo dia dia / Toda hora hora / De saber que esse mundo seu / Se voc for amigo e companheiro / Com

    alegria e imaginao / Vivendo e sorrindo / Criando e rindo / Ser muito feliz / E todos sero tambm!

    Esses versos conquistaram a ateno de milhares de crianas brasileiras entre os anos de 1972 e 1976. Era a abertura do programa Vila Ssamo, verso brasileira do original Sesame Street, idealizado pela norte-americana Childrens Television Workshop (CTW) rede especializada em entretenimento educativo de qualidade para crianas.

    A transmisso em preto e branco no intimidava a imaginao dos pequenos. Eles se divertiam com a vila habitada por Seu Almeida (Manoel Inocncio), dono do armazm e amigo de Juca (Armando Bgus), casado com Gabriela (Aracy Balabanian) e primo da professora Ana Maria (Snia Braga), namorada de Antnio (Flvio Galvo). Completando o time, e sempre acompanhados por um grupo de crianas, entravam bonecos como o simptico Garibaldo, o ranzinza Gugu e o sapo Caco, entre outros.

    Mais do que um programa com desenhos animados e passatempos, Vila Ssamo inovou ao apresentar uma proposta educativa para crianas em idade pr-escolar. Noes de matemtica, msica, lngua portuguesa e leitura eram transmitidas de forma divertida e ldica. Fazia sucesso tambm entre os grandes, no s pelo seu elenco de atores consagrados, como pelas diversas referncias cultura pop. Para assegurar o formato e o teor originais da srie, uma cartilha pedaggica acompanhava as instrues

    de produo dos programas. Era tambm elaborado material local, conferindo carter regional s verses.

    Vila Ssamo tornou-se fenmeno televisivo mundial, transmitido ainda hoje em 150 pases e campeo de 85 prmios Emmy. A verso brasileira foi produzida nos dois primeiros anos pela TV Cultura, com a ajuda de alunos do curso de Rdio e TV da Universidade de So Paulo. Foi o primeiro sucesso infantil da emissora. Posteriormente, o programa seria produzido em parceria com a Rede Globo, sendo exibido em dois canais e horrios diferentes.

    Depois de quatro anos de transmisses, Vila Ssamo foi cancelado no Brasil devido aos altos custos de produo e de pagamento de direitos autorais. A ideia da TV educativa para crianas, porm, continuou dando frutos, inspirando diversos programas infantis que se tornaram sucesso.

    Mesmo aqueles que nunca acompanharam o Vila Ssamo original conhecem ao menos alguns de seus personagens, dada a influncia do programa nas geraes que se seguiram. O sapo Caco e o pssaro Garibaldo, por exemplo, at hoje so capazes de conquistar a crianada.

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    garoto Piconz tenta resgatar Maria Esmeralda, sua melhor

    amiga, das garras do vilo Gustavo Bigodo. esse o enredo de Piconz, primeiro longa-metragem de animao brasileiro totalmente em cores, lanado em 24 de janeiro de 1973. Levou seis anos para ficar pronto. Na trilha sonora, canes de Damiano Cozzella com letras de Dcio Pignatari.

    Dirigido pelo japons Yp Nakashima, considerado um marco da animao brasileira. Foi agraciado duas vezes

    o ba do BaroO melhor jeito de pegar disco voador com vitrola voadora.Nossa homenagem a Aparcio Torelly, o Baro de Itarar.

    Piconz: primeiro filme de animao em cores do Brasil.

    O

    Heri NAcioNAL

    Piconz deu cor aos nossos desenhos animados

    coNTA eSTrANHA

    ataque japons a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, colocou os Estados Unidos na Segunda

    Guerra Mundial e rendeu ao Brasil um presente, digamos, vagabundo. A inclinao de Getlio Vargas ao estilo nazi-fascista de governo era evidente. Para juntar o Brasil ao time dos Aliados, o presidente Roosevelt nos concedeu favores e dinheiro. Vargas liberou a implantao de uma base militar norte-americana em Natal. O Brasil importava Coca-Cola e Hollywood (o cigarro do sucesso) e exportava Carmen Miranda. Logo declarou guerra a Alemanha e Itlia.

    Engajado no esforo diplomtico, o desenhista e empresrio de cinema Walt Disney partiu para o Brasil. Inspirado pela chamada Poltica de Boa Vizinhana norte-americana, preparou um presente especial, tido como exemplo de brasilidade: Z Carioca, personagem folgado e

    Primeira revista Z Carioca saiu com o nmero 479 preguioso, misto de malandro, caloteiro e vagabundo.

    Z Carioca surgiu pela primeira vez no filme Al, Amigos, de 1942. Voltou s telonas em Os Trs Cavaleiros, de 1945. A estreia nos quadrinhos deu-se na primeira edio da revista do Pato Donald, em 1950. Onze anos depois, ganhou sua prpria publicao. As duas revistas se alternavam nas bancas, por isso, para confuso dos leitores, a primeira edio de Z Carioca saiu como 479.

    Por falta de histrias para manter a publicao mensal, quadrinhos de personagens Disney eram adaptados para nosso papagaio trambiqueiro. Um dia ele era barbeiro, no outro, sorveteiro.

    Em 1997, Z Carioca, ou Joe Carioca, ganhou samba-enredo da Acadmicos da Rocinha: Z Carioca, malandro bem brasileiro. Faz no p, incendeia esse terreiro.

    O

    Todo diatem um Santo

    So Paulo O judeu Saulo nasceu em Tarso, onde hoje a Turquia. Nove anos mais velho que Cristo, perseguia os seguidores deste em Jerusalm. Isso at receber o sinal que o levou para o lado cristo. Paulo, nome que adotou desde ento, foi grande missionrio alm do mais culto dos apstolos. Teve papel essencial na difuso do cristianismo.

    pelo Instituto Nacional do Cinema: recebeu o Prmio Qualidade e o trofu Coruja de Ouro.

    Nakashima mudou-se para o Brasil em 1956. Depois de Piconz, comeou a trabalhar em seu segundo longa, Irmos Amazonas, mas morreu em 1974 sem finalizar o projeto.

    A primeira incurso brasileira em longas animados ainda em preto e branco data de 1953. Foi Sinfonia Amaznica, produzido por Anlio Lattini Filho.

    Estria de Z Carioca nos quadrinhos, em 1950.

    repr

    od

    u

    o

    /eA

  • 12

    Queremos passar pela vida e construir

    alguma coisa

    H

    Rosa Maria, de Herculndia

    dois anos e meio, o frei Irineu Andreassa, hoje bispo em Santa

    Catarina, levou uma nova ideia para Her-culndia. Depois de conhecer grupos da Liga de Voluntrias de Combate ao Cncer em vrios municpios, percebeu que nada impedia a pequena cidade paulista de tam-bm ter o seu prprio grupo.Mulheres e homens da comunidade come-aram a se reunir e se organizar. O pro-jeto tinha tudo a ver com a biografia de Rosa Maria Chucre Gentile. Depois de dcadas desenvolvendo seu trabalho no magistrio e dirigindo escolas, a professora j tinha trocado o descanso da aposentadoria pelo envolvimento em projetos sociais. Acabou assumindo o cargo de presidente da entidade que nascia.Por certo perodo, o Grupo Herculandense de Voluntrios de Combate ao Cncer funcionou em salas generosamente cedidas por pessoas da comunidade, cientes da importncia do trabalho. Hoje, em um espao doado pela parquia, a instituio passou a ter pernas prprias. Conta com estatuto, inscrio, CNPJ. Os fundadores iniciais multiplicaram-se para 40.Semanalmente, 12 voluntrios se revezam em duplas para visi-tar e levar mantimentos aos pacientes. Organizam cestas de ali-mentos complementares, como leite, frutas e legumes, alm de suprirem a demanda de itens mdicos, como fraldas geritricas e medicamentos.As visitas dos voluntrios aos pacientes so importantes no s

    pelo auxlio material, mas tambm pelo apoio psicolgico s famlias, explica Ro-sa Maria. Apesar de no terem formao em psicologia, acabam se envolvendo com os casos. preciso saber conversar para ajudar as famlias a se manterem firmes na situao adversa. Para poder fazer tudo isso, o grupo con-ta com carns mensais de doao da co-munidade. Tivemos a utilidade pblica reconhecida, por sermos um grupo id-

    neo, comemora Rosa. Tambm organizam outros projetos para a arrecadao de renda, como rifas e um bingo anual, j aguar-dado na cidade de 11 mil habitantes.Como Rosa concilia o trabalho no grupo com a Pastoral da Sade, consegue muitas vezes unir as entidades em parcerias. No fim do ano, por exemplo, uma mesma comemorao reuniu pacientes das duas instituies.Rosa tem dois filhos e quatro netas. Dos 62 anos, viveu mais da metade em Herculndia deixou sua Flrida Paulista quando se casou. Estou aposentada, feliz, e posso fazer alguma coisa por quem necessita. Histria e anseios no muito diferentes do perfil dos demais voluntrios do grupo. Outros aposentaram-se tambm, e h ainda os que continuam desenvolvendo suas ati-vidades profissionais. O que os leva a doar seu tempo e energia a causas alheias? o amor ao prximo que nos move. crer em Deus e naquilo que se faz. Queremos passar pela vida e construir alguma coisa, finaliza Rosa.

  • 13

    foto

    s: E

    di p

    ErEi

    ra

    preciso ter orgulhode ser brasileiro.

    Ele dispensa apresentaes e estamos falando de todo o planeta. Apesar de ter encerrado

    a carreira h mais de 30 anos, em qualquer lugar do mundo em que pisar, sua presena

    ser notada. , provavelmente, a personalidade brasileira mais conhecida de todos

    os tempos. No toa. Seus gols desconcertaram adversrios mundo afora. Seus dribles,

    passes e chutes giraram o planeta num tempo em que a tev dava os primeiros passos.

    Mas, alm do mito, o que impressiona em Pel sua capacidade de mostrar-se humano,

    ainda que o mundo todo o veja como sobre-humano. Nesta entrevista, ele fala da infncia,

    do orgulho de ser brasileiro e, claro, de futebol.

    PEL

  • 14

    Na sua infncia em Bauru, antes de ir para o Santos, voc recebeu propostas de outros times? Qual equipe poderia ter tido Pel? Propos-tas, no. Mas o tcnico do Bangu, Tim, disse ao tcnico do Baquinho [equipe jnior do Bauru Atltico Clube], Waldemar de Brito, que procurava novos garotos para jogar na equipe carioca. O Waldemar respondeu: Tem um crioulinho a, filho do Dondinho, que bom de bola. Quase acertaram de eu ir pro Bangu. Mas foram trs em meu lugar: Dufi, Canjer e o ponta-direita, Picao. Esse Dufi, inclusive, era muito bom jogador. At tentei lev-lo para o Santos mais tarde.

    Desde pequeno voc era muito melhor que seus amigos? Sim, tanto que eu jogava com atletas mais velhos. Entrei no Baquinho com uns 12, 13 anos. Quando teve o primeiro campeonato de futebol de salo, meu pai falou: Voc vai se machucar, s tem gente mais velha. Tem at profissional!. Fui artilheiro do campeonato com cerca de 15 gols. Tambm jogava aos sbados, na vrzea, pelo So Paulinho de Curu. Hoje vejo as fotos e me assus-to. Jogava com uns barbados... O impressionante que eu no tinha medo. Talvez seja esse o motivo de no ter me assustado ao chegar ao Santos.

    Dizem que, ao ver seu pai sofrer pela derrota do Brasil na Copa de 1950, voc teria prometido que ga-nharia uma Copa para ele. verdade? Em 1950 eu tinha apenas 10 anos. Meu pai, ao lado dos amigo de time, estava ouvindo a partida pelo rdio. Todos com a certeza da vitria. Fizeram at bolo. Meus amiguinhos estavam l, correndo pela casa. A gen-te, garoto, nem ligava muito pra Copa. Quando acabou, todo mundo ficou quieto, e meu pai co-meou a chorar. Foi quando eu disse, com a mo em seu ombro, de um jeito descompromissado: Chora, no, Dondinho. Eu vou ganhar uma Copa para o senhor. Oito anos depois, no mesmo rdio em que Dondinho ouviu essa derrota no estdio do Maracan, ele me ouviu ser campeo na Sucia, em 1958. Tenho esse aparelho de rdio at hoje.

    Seu pai foi importante para a sua carreira? Muito. Primeiro por cor-rigir vrios dos meus defeitos. Teve uma poca em que fui gandula. Quando chutava uma bola para reposio, ele falava: P, voc no sabe que no pode chutar assim, com o corpo pra trs?. Ele me obrigava a cabecear de olho aberto. Para aprender, me fazia cabe-cear a bola 10 vezes na parede. Me ensinou tambm a respeitar o adversrio: Quer menosprezar? Ento vai l e faz cinco gols neles. No fica com drible toa!. Dondinho sempre me lembrava que ser melhor do que os outros era um presente de Deus, e que eu tinha que cuidar desse dom, no podia esnobar ningum. Ele tambm foi um grande jogador. Era centroavante, fazia gols pra chuchu. Os jornalistas o chamavam de o Baltazar do interior, em referncia ao goleador do Corinthians, tambm um grande cabeceador. Quan-do comecei a aparecer, ele dizia pra mim: h um tempo, voc era o filho do Dondinho; agora eu que sou o pai do Pel.

    Como voc foi parar no Santos? O Santos estava dando oportunidade a jovens jogadores e eu fui, depois de meu pai convencer minha me. Ela no queria que eu sasse de Bauru... A linha de ataque que

    depois ficou clebre Dorval, Menglvio, Coutinho, Pel e Pepe era reserva. S que a gente no perdia uma partida no treino. A Vila Belmiro ficava cheia s quartas e quintas para ver a gente treinar. E todos foram ganhando confiana nas partidas de aspirantes, que eram as preliminares dos jogos principais. Uma coisa que no en-tendo por que a CBF deixou de promover os jogos de aspirantes antes das partidas. Era esse o momento que jovens jogadores se expunham, eram experimentados, ficavam frente a frente com a torcida. O jogador chegava mais maduro ao profissional. Quando comecei, j tinha mais experincia.

    Logo em sua estreia voc marcou um gol, n? Sim, contra o Corin-thians de Santo Andr. Tinha que ser contra um Corinthians...

    Da onde vinha essa birra contra o Corinthians? No seu perodo, o time no ganhou nada... Que isso? Eu adorava o Corinthians. Tem garo-

    to a que diz: P, meu pai falou que voc tinha rai-va do Timo!. Eu respondo: Seu pai est errado. mentira. Eu adorava o Corinthians. Foram 18 anos me deixando ganhar, me deixando fazer gol, nunca me tratando mal.... No d pra explicar. Dava tudo certo. Eles vinham com tudo, mas a bola batia na trave, o nosso goleiro pegava pnalti... A bola no entrava de jeito nenhum. A, no finzinho do jogo, a gente ia l e marcava: 1 a 0.

    Mas dizem que voc era corintiano na infncia... uma lenda que se criou. Minha tia, irm do meu pai, morava em So Paulo. Todos os feriados ia para Bauru. Ela era meio bem de vida e levava presentes pra gente, como bolas de capoto. Na poca, saiu uma srie de times de boto das grandes equipes da capital. Ela levou dois: um do Palmeiras e outro do Corinthians. Como meu irmo tinha simpatia pelo Palmeiras, escolheu primeiro. E qual time sobrou

    pra mim? Justamente o Corinthians. Por isso comearam a falar que eu era corintiano.

    H ainda quem diga que foi recusado numa peneira corintiana. No Baquinho tinha um garoto que se parecia muito comigo, que se chamava Tiozinho. Como ramos campees infanto-juvenis do interior, fomos jogar contra o Juventus, campeo da capital na ca-tegoria. Goleamos o Moleque Travesso. O Corinthians pediu um jo-gador emprestado, e o Waldemar recomendou o Tiozinho. Treinou um tempo l e voltou. Alm da semelhana, ele jogava com a 10. A criou-se a lenda que treinei no Parque So Jorge, fui mandado embora e peguei raiva do Corinthians.

    Para qual time, afinal, voc torcia na infncia? Torcia para o Atltico Mineiro, porque meu pai jogou l.

    Voc tremeu antes dos jogos da Copa de 1958? S tinha 17 anos... Era uma responsabilidade grande, mas j tinha maturidade como jogador. Pela prpria seleo eu j tinha jogado a Copa Rocca, j tinha jogado fi-nais pelo Santos, torneios no Maracan. Isso me dava mais confiana. Mas claro que entrava em campo com frio na barriga. At mesmo em 1970 foi assim. Mas, logo que o hino acabava, a preocupao ia embora.

    No mesmo rdio em que meu pai chorou ouvindo

    a derrota da Copa de 1950,

    me ouviu ser campeo

    em 1958.

  • 15

    Como foi o episdio de ter de jogar a final de 1958 de azul? ver-dade que os jogadores, por superstio, ficaram preocupados? No pudemos jogar de amarelo porque a Sucia tinha a mesma cor, e um sorteio definiu que eles entrariam com a camisa principal. Teve jogador que ficou preocupado. Mas sempre assim. Pouca gente per-cebeu, mas na final de 1970 jogamos de meias azuis, e teve atleta que reclamou. Azul a minha cor preferida. Todo lugar que passo peo pra pintar de azul. O nome da minha me Celeste, o da minha filha Celeste. Outra grande coincidncia da Copa de 1958 que os nme-ros dos jogadores foram escolhidos aleatoriamente. E eu fiquei com a camisa 10. Outro dia, em Santos, me fizeram uma homenagem e escreveram: Antes dele, o 10 era apenas um nmero.

    Voc considerado um jogador completo. Tinha algum ponto fraco? Ponto fraco, diria que no. Mas eu era perfeccionista. Gostava de melhorar o ca-beceio. Eu treinava com a bola pendurada numa forca. Cada vez ia apurando a impul-so e o tempo da bola.

    Tambm era conhecido por artimanhas alm-bola. Que malandragens era capaz de fazer para ganhar? Inmeras. Os beques do inte-rior batiam demais. Eu chegava no ouvido de um deles e falava: P, agora que o San-tos t querendo te contratar, voc fica a me dando pancada?. A eles aliviavam. Na hora do tiro-de-meta, o goleiro tinha a mania de rolar pro beque, que devolvia para o golei-ro pegar com a mo. Eu perdi a conta das vezes que, quando o goleiro rolava a bola para o zagueiro, eu corria gritando: Falta, falta! Para, para!. O beque se assustava, eu roubava a bola e fazia o gol. Outra que gos-tava de fazer tranar o brao com o brao do zagueiro e cair. Em geral, o juiz dava pnalti. s vezes eu fingia estar machucado para, de repente, dar um arranque e fazer o gol.

    Falta esse tipo de esperteza para os jogadores atuais? Falta, e muito. Veja s na hora que algum vai bater uma falta na intermediria. Fica aquele agarra-agarra na rea. Eu chamo aquilo de besteirol coletivo. Ningum olha para a bola, ningum finge que est amar-rando a chuteira para sair no impulso, ningum fica no bico da rea para esperar um toque rpido. O Waldemar de Brito j me ensinava: Finja que no est vendo a bola, olhe para o nada, por-que, se olhar pra bola, o marcador prestar ateno em voc. Deixa a bola sair primeiro e aja com inteligncia. Eu no vejo ningum fazer isso. Eu j falei para o Robinho pra fazer algo diferente. Por-que habilidade todo brasileiro tem, mas tem que saber fazer coisas fora do esperado.

    Voc sente falta de jogar futebol? Sonha que est em campo? Se so-nho com isso? Dou at bicicletas na cama! s vezes at grito gol. Mas agora eu, com outros companheiros, assumi a direo do Jaba-quara, de Santos. Duas vezes por semana apareo l e d pra matar a saudade de estar em campo. Mas ainda sofro pra caramba ao ver

    jogos, principalmente os da seleo.

    Qual foi o seu melhor marcador? Houve muitos marcadores compe-tentes. Mas, em geral, felizmente, o time deles perdia no fim. Entre os estrangeiros, o melhor foi Beckenbauer. Ele no era exatamente meu marcador, pois jogava na armao, como terceiro homem. Mas, nos jogos contra a seleo brasileira, costumava desempenhar esse papel. Ele era chato pra caramba: jogava bem, no dava pontap e era muito inteligente. Outro que destaco era o ingls Bobby Moore. Entre os brasileiros, dois marcadores chatos e inteligentes eram o Roberto Dias, do So Paulo, e o Dudu, do Palmeiras. Ainda tinha um quarto-zagueiro do Sorocaba que era bom marcador pra chuchu. Mas no era muito lembrado porque o Santos sempre ganhava deles.

    Costuma dizer que seu gol mais bonito foi contra o Juventus, da Mooca. E o mais im-portante? No acho justo escolher um s. Destaco alguns: contra o Corinthians de Santo Andr, na minha estreia; o da Copa de 1958 contra o Pas de Gales; o milsimo gol. Esse falam que no foi to importante por ser de pnalti. P, quero ver bater um pnalti naquela situao. Foi a nica vez na vida que tremi em campo. Uma coisa que pouca gente percebeu que, na hora do pnalti, os jogadores do Santos foram para o meio de campo. E se a bola batesse na trave? E se o goleiro rebatesse? Ainda chamei o Carlos Alberto pra bater. Ele res-pondeu: No, no, e virou as costas. Foi bem complicado. Vale a mxima: pnalti to importante que deveria ser batido pelo presidente do clube.

    Voc acaba de lanar um CD e j gravou com importantes msicos. Se no fosse jogador, seria msico? Poderia ser. Sempre gostei

    de msica. Vivia tocando violo nas concentraes. Tenho at um violo dado pelo Baden Powell. No sou bom no instrumento, mas gosto muito. Porque saber tocar mesmo com o Toquinho, o Pau-linho da Viola. O CD que fiz tem 12 msicas, todas com letra e melodia minhas. O arranjo ficou a cargo do maestro Ruri Duprat, que, inclusive, j ganhou um prmio Grammy.

    Voc conhece muitos msicos? Tem boa relao com eles? Tenho. E boa parte deles fala que craque: Chico Buarque, Jair Rodrigues, Toquinho, Chitozinho, Alexandre Pires, Leonardo... Um dia fui ao campo do Chico e disse: S jogo se for no gol. No deixaram. O Chico fogo, rapaz. Se no jogar ao lado dele, no tem como ga-nhar. O juiz rouba e o escambau. Ningum ganha dele por isso. A preferi ficar de fora e esperar pela hora da msica...

    E pra finalizar: o que brasilidade para voc? Em primeiro lugar, tenho que agradecer a Deus por ter nascido no Brasil. Na minha opinio, brasilidade acreditar que, sem dvida nenhuma, este o pas do futuro. acreditar neste pas, trabalhar por ele e ter orgu-lho de ser brasileiro.

  • 16

    jove

    li d

    e fr

    eita

    s/a

    e

    Mais do que musa da Bossa Nova,

    Nara emprestou seu incomparvel

    talento ao samba de morro, msica

    de protesto, ao Tropicalismo e ao

    que mais viesse pela frente. Sem

    preconceito, reverenciou o novo,

    o antigo e a vanguarda. Revelou

    compositores promissores, resgatou

    os esquecidos e bateu de frente

    com o regime militar. Tudo isso sem

    perder a ternura.

    que Ronaldo Bscoli apaixonou-se pela ento adolescente, e os dois comearam a namorar. Se ela ainda no era a musa da bossa nova, serviu de inspirao para uma srie de clssicos compostos pelo namorado: Lobo Bobo; Se Tarde, Me Perdoa; O Barquinho; Vagamente.

    CORAO DE LEOA partir de 1958, quando a bossa nova ganhou o Brasil e o mundo, a turma comeou a se profissionalizar, exceo de Nara. Ouvir seu canto doce era privilgio apenas dos mais n-timos. E, antes mesmo de gravar o primeiro elep, ela rompeu com a bossa. Depois de uma decepo amorosa com Bscoli, uniu foras com Carlos Lyra, outro dissidente do movimento. Estreou nos palcos em 1963 com a comdia musical Pobre Menina Rica, de Lyra e Vinicius de Moraes. No ano seguinte, lanou seus dois primeiros lbuns, os fundamentais Nara e Opinio de Nara.

    la nasceu em Vitria, a 19 de janeiro de 1942. Mas no teve tempo de ser capixaba: no primeiro ano de vida, mudou-se com a famlia para o Rio. Foi uma

    criana tmida e depressiva. Comeou a fazer psicanlise aos 5 anos. Tinha na irm mais velha, a linda e famosa modelo Danuza, seu exato contraponto. Ganhou dela apelidos como Caramujo e Jacarezinho do Pntano. Na msica, Nara encon-trava prazer e alento.No incio dos anos 1950, Roberto Menescal sempre a avistava em Copacabana, onde moravam. Um dia tomou coragem e con-vidou-a para uma festa em sua casa. Os dois logo descobriram afinidades musicais: odiavam os sucessos do rdio e idolatra-vam os mesmos cantores. O namorico durou dois anos.No seu enorme apartamento da avenida Atlntica onde se deram os famosos encontros da bossa nova, os quartos eram to distantes que podia-se tocar at altas da noite sem per-turbar o sono dos pais de Nara. Foi em uma dessas ocasies

    Nara Leo

    E

    Musa de opinio

  • O melhor produto do Brasil o brasileiroCMARA CASCUDO

    17

    SAIBA MAISNara Leo uma biografia, de Srgio Cabral (Lumiar, 2001).

    Musa de opinioPor pouco no foi

    enquadrada na Lei de Segurana Nacional. Sou a mulher mais

    corajosa que conheo. Na intimidade, podem

    me chamar de Nara Corao de Leo.

    Nesse perodo, ela e Lyra foram ao encontro dos sambistas do morro. No lendrio espetculo Opinio, a pobre menina rica da zona sul se apresentava de camisa de flanela listra-da e jeans, entoando versos speros como estes, de Z Kti: Podem me prender, podem me bater / Podem at deixar-me sem comer / Que eu no mudo de opinio.Nara queria ser uma cantora do povo, do samba puro. Em entrevista revista Fatos & Fotos, disparou: Chega de bossa nova. Chega de cantar para dois ou trs intelectuais uma musiquinha de apartamento. Numa entrevista histrica ao Dirio de Notcias, em 1966, soltou a lngua contra a ditadura: Os militares podem en-tender de canho ou de metralhadora, mas no pescam nada de poltica. Defendeu a devoluo do Pas aos civis e a extino do Exrcito. Por pouco no foi enquadrada pe-lo presidente Costa e Silva na Lei de Segurana Nacional. Sou a mulher mais corajosa que conheo. Na intimidade, podem me chamar de Nara Corao de Leo, afirmou.

    NOVO, ANTIGO E VANGUARDASe a recepo de Opinio j fora espetacular, Nara experi-mentaria um sucesso ainda maior em 1966, quando defen-deu A Banda, do novato Chico Buarque, no Festival da M-sica Popular Brasileira da TV Record. O compacto vendeu feito gua e Chico entrou de vez para o panteo da MPB.Incansvel, Nara juntou-se ainda turma do Tropicalismo, com a gravao de Lindonia, no disco Tropiclia ou Panis et Circensis (1968). O fato de apoiar todos os movimentos,

    desde que fossem bons, fez com que eu reunisse o maior repertrio do Brasil. As pessoas podem ter discutido se eu canto ou no canto, se gostam ou no gostam, mas tm que admitir que a minha falta de preconceito em relao aos movimentos fez com que eu gravasse coisas antigas, novas e de vanguarda.Assim como tantos intelectuais e artistas, partiu para o ex-lio depois do AI-5, em 1968. Com o marido Cac Diegues, mudou-se para Paris, onde nasceram os filhos Isabel e Francisco. De volta ao Brasil trs anos depois, diminuiu o ritmo da carreira, mas seguiu lanando grandes dis-cos e envolvendo-se em projetos como o filme Quando o Carnaval Chegar (1972), de Diegues, e o musical infantil Saltimbancos (1977).Em 1979, enquanto tomava banho, sentiu uma forte tontu-ra. Escorregou e foi internada. Estava com um tumor ma-ligno no crebro. Conviveu uma dcada com a doena, que a fazia perder a concentrao no meio de shows e a obrigou a trancar a matrcula de Psicologia na PUC. No Japo, em 1986, foi a primeira artista brasileira a gravar um disco (Ga-rota de Ipanema) no formato CD, que acabara de surgir.Com a sade progressivamente debilitada, foi internada e veio a falecer um ms depois, em 7 de junho de 1989. Cerca-da dos amigos que testemunharam sua doce e contundente passagem pelo mundo.

  • 18

    lguns poucos ficaram milionrios, outros tan-tos lutaram e ainda lutam pelos direitos de patente sobre suas invenes. Os inventores do Brasil nos proporcionaram muitos mo-

    mentos de glria. E tambm vrias controvrsias. O exemplo clssico a eterna discusso sobre a paternidade da aviao, contrapondo os ir-mos Wright a Santos-Dumont.O 14-Bis, primeiro avio a voar por seus pr-prios meios, sem qualquer tipo de fora extra, o smbolo mximo da capacidade de criao brasileira; e Santos-Dumont, patrono absolu-to dos nossos inventores. Mas temos ainda muito mais do que nos orgulhar.Em 1893, um ano antes do italiano Guglielmo Marconi, tido como criador do rdio, o padre Landell de Moura transmitiu sua prpria fala da avenida Paulista para o Alto de Santana, a oito quilmetros dali. Chamaram-no de impostor, de bruxo. Desiludido, abandonou os experimentos. Deixou para trs as patentes do transmissor de sons (ondas hertzianas), do telefo-ne e do telgrafo sem fio.Conrado Wessel, em 1922, teve destino diferente. Descobriu uma nova frmula para a revelao fotogrfica. Patenteou a inveno e fundou a primeira fbrica de papis fotogrficos

    do Brasil. A Kodak comprou a patente e a fbrica, trans-

    ferindo os lucros a Wessel durante 25 anos. O inventor fez

    fortuna e determinou em seu testa-mento a criao da Fundao Conra-

    do Wessel, que agracia pesquisadores e escritores com at 100 mil reais iniciativa conhecida como o prmio Nobel brasileiro.Em 1971, Euryclides Zerbini abriu cami-

    nho para importantes avanos na medici-na com a inveno da vlvula coronria. Nelson Bardini criou em 1978 a tecnologia dos cartes telefnicos que usamos ho-je. Tambm somos especialistas em solues de genial sim-plicidade, como o aquecedor solar criado em 2002 por Jos Alcino Alano, usando apenas materiais reaproveitados, como garrafas pet. H ainda a criao da paulistana Terezinha Beatriz Alves de Andrade, que no se conformava com a pia de casa entupida depois de lavar arroz. Criou, ento, um prottipo de alumnio que misturava bacia e peneira: o popular escorredor de arroz, usado no mundo todo. simples, mas por que ningum pen-sou nisso antes?

    Das criaes advindas da sabedoria popular, passando pelas experincias

    dos padres pioneiros at os mais recentes avanos tecnolgicos, o Brasil tem uma

    vasta gama de inventores notveis. Se, por um lado, enfrentamos problemas na rea da cincia e da

    tecnologia, podemos contar sempre com a fonte inesgotvel de criatividade da nossa gente.

    ESPECIAL

    18

  • 19

    O feito est registrado em documentos do Vaticano. Em 5 de agosto de 1709, 74 anos antes dos irmos franceses Montgolfier, o padre brasileiro Bartolomeu de Gusmo promoveu o primeiro voo de um aparelho movido a ar quente. O religioso aplicou um princpio cientfico que descobrira observando uma bolha de sabo subir, impulsionada pelo calor da chama de uma vela. Gusmo, paulista de Santos que j gozava de certa fama por invenes nas reas de mecnica e engenharia naval, ficou conhecido como o Padre Voador. Feito de papel grosso, o balo apelidado Passarola, no tripulado, subiu quatro metros durante uma demonstrao em Lisboa, testemunhada porDom Joo 5 e sua corte.

    Nossa embarcao no precisa de lemeUma das nossas invenes mais geniais no tem pai

    conhecido, muito menos patente. A jangada em si no exatamente brasileira. Foi criada na sia muitos

    sculos atrs, e trazida para c pelos portugueses, por volta de 1570. Aqui usada, sobretudo, por pescadores. Sofreu adaptaes at surgirem variantes tipicamente nossas, como a jangada de piba, de origem cearense,

    provavelmente a nica embarcao no mundo que no precisa de leme. A jangada, que esconde extrema

    sofisticao tecnolgica por trs da aparncia primitiva, inspirou o navegador Amyr Klink a construir seu

    moderno barco Paratii 2.

    J a n gad a

    Bartolomeu vooumuito antes dos franceses

    B a l oPadre inventou mquina, mas s expusemos matria-prima

    M q u i n a d e e s c r e v e r

    A soluo para substituir o

    manuscrito veio de mais um

    padre brasileiro, o paraibano

    Francisco Joo de Azevedo. Em 16 de novembro de 1861,

    ele apresentou na Exposio Industrial e Agrcola

    da Provncia de Pernambuco sua revolucionria mquina de escrever. Pedro 2 premiou o padre pelo invento. A

    mquina, no entanto, no foi exposta no pavilho brasileiro da Exposio Internacional de Londres do ano seguinte.

    Alegou-se falta de espao. Preferimos expor caf, madeiras, minrios, borracha, frutos, algodo e fumo.

  • 20

    O lado B de Santos-DumontAlberto Santos-Dumont, o brasileiro que deu asas humanidade, era aficionado por mquinas desde a infncia.

    Alimentou o desejo de voar observando os pssaros e lendo as aventuras fantsticas de Julio Verne. Alm do lendrio 14-Bis, de 1906, desenvolveu vrios modelos de balo e avio, alm de invenes em diversas reas.

    Nunca patenteou uma criao. Ofereceu-as como presentes para a humanidade.

    Uma das criaes mais populares de Santos-Dumont, sua mquina voadora n 19, ficou pronta em apenas 15 dias. Foi projetada em 1907 para participar de um concurso. O aviador perdeu a disputa, mas arrebatou a admirao de todos com sua elegante aeronave. Oito vezes menor do que o 14-Bis, o avio ganhou o apelido Demoiselle (senhorita, em francs).

    A senhorita mais charmosa de Paris

    Ao contrrio do que se difunde amplamente, a inveno do relgio de pulso no pode ser atribuda a Santos-Dumont. Em um jantar com Louis Cartier, dono de uma das joalherias mais chiques de Paris, o aviador queixou-se que no conseguia olhar para o relgio de bolso durante os voos porque tinhas as mos ocupadas. Cartier, ento, retomou uma inveno que tambm no era sua. O relgio de pulso j havia sido usado pelo filsofo Pascal, pelo exrcito alemo e pela rainha Elizabeth 1, da Inglaterra, mas no havia se popularizado. O joalheiro presenteou o amigo com um exemplar exclusivo, chamado Santos, que Dumont nunca mais tirou do pulso.

    Inventor do relgio de pulso?

    Santos-Dumont lanou tambm tendncias de moda. Criou sapatos com saltos disfarados para aumentar a estatura, o colarinho alto e uma capa para ir pera, forrada de seda. O chapu de abas abaixadas, sua marca registrada, surgiu quando ele usou o acessrio para conter as chamas de um pequeno incndio. Para se habituar a comer nas alturas, o inventor suspendeu no teto a moblia da sala de jantar, usando cordames. O teto acabou cedendo, e Dumont optou por mesas e cadeiras de dois metros de altura, acessveis com escadas portteis. Tambm inventou uma catapulta salva-vidas, aparelho com um arpo que lana bias de borracha presas a

    cordas em direo ao local onde houver uma pessoa se afogando.

    E no para por a

    Avistada frequentemente nos cus de Paris, a donzela causava sensao por onde passava. O avio foi produzido em srie, a preos razoavelmente acessveis. Seu criador, porm, abriu mo de receber qualquer dinheiro pelo invento. O Museu Asas de um Sonho, em So Carlos, possui uma rplica da aeronave em seu acervo.

  • 21

    Nasceu aqui o tocadorporttil de msica

  • 22

    Pala

    vras

    Cru

    zada

    sO Calculista das Arbias

    Nossa homenagem a Jlio Csar de Mello e Souza, o Malba Tahan

    No caminho de peregrinao meca, o maraj de Laore e Dlhi, Cluzir Sch, foi apresentado ao gemetra Beremiz Samir. O calculista lhe contou uma lenda sobre o sbio Bhskara. Para homenagear a filha Lilavti, Bhskara perpetuou seu nome em um livro. Pois o prncipe nunca esqueceu da histria e quis tambm escrever um livro para sua prpria menina. Entusiasmado com as lies numricas do homem que calculava, preparou-lhe um bilhete para enviar junto com a obra: Admirado Beremiz,

    se leres trs pginas por dia, ter consumado a leitura 16 dias mais tarde do que se dedicasse cada dia a cinco pginas. Seja como for, espero o tempo necessrio para ter sua opinio. Antes mesmo de ver o livro, certamente Beremiz soube quantas pginas ele tinha. E voc?

    ac

    ervo

    da

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    mli

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    Cor do movimento Diretas J!, deflagrado em 12/1/1984:(a) Branca (b) Preta (c) Vermelha (d) Amarela

    Hino lanado em 21/1/1890, com o verso Abreas asas sobre ns:(a) da Independncia (b) da Proclamao da Repblica(c) Bandeira (d) do Expedicionrio

    Figura central da bandeira mineira, institudaem 8/1/1963:(a) Losango (b) Tringulo (c) Estrela (d) Arco-ris

    Objetivo da poltica do Encilhamento, estabelecida em 17/1/1890:(a) Industrializao (b) Importao(c) Represso (d) Comemorao

    Sarney lana o Cruzado Novo em 15/1/1988 com o Plano:(a) Novo (b) Janeiro (c) Vero (d) Carnaval

    Proclamou o Fico em 9/1/1822:(a) Joo 6 (b) Pedro 1 (c) Pedro 2 (d) Isabel

    Casou-se no Cemitrio da Consolao, em 5/1/1930:(a) Anita (b) Rita Lee (c) Pagu (d)Leila Diniz

    Baa que, em 1/1/1502, portugueses pensaram ser um rio:(a) Todos os Santos (b)Guaruj(c) Guanabara (d) Porcos

    a Filho e pai de palhao. Com o filho fez sucesso em programa da tv Bandeirantes. O nome artstico um petisco associado cozinha mineira.

    b O legtimo artista brasileiro, para os modernistas. Seu aniversrio virou Dia Nacional do Circo. De to magrinho, o apelido era barbante, em espanhol.

    c Com 1,91 m, passou seus quase cem anos divertindo o pblico. Dono da saudao: Como vai?, como vai?, como vai? Muito bem, muito bem, bem, bem!

    d Hoje tem marmelada? Tem sim, senhor! Filho de trapezista, nasceu em pleno picadeiro. Foi o primeiro circense da tev, aparecendo na Tupi em 1950.

    1

    2

    3

    4

    ligue os pontos

    Respostas

    CARTA ENIGMTICA Juntou-se turma do amor, do sorriso e da flor dos primeiros

    passos da bossa nova. (Maysa)

    ENIGMA FIGURADO Luiz Melodia. O QUE O QUE ? tv a cabo.

    SE LIGA NA HISTRIA 1c (Arrelia); 2d (Carequinha); 3a (Torresmo); 4b (Piolim)

    BRASILIMETRO 1d; 2b; 3b; 4a; 5c; 6b; 7c; 8c.

    O CALCULISTA DAS ARBIAS O livro tem 120 pginas. Para descobrir, basta formular uma

    expresso numrica de primeiro grau a partir do bilhete do prncipe. Considerando X o nmero

    de pginas, temos: (X/5) + 16 = X/3. aN

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    8Conte um ponto por resposta certa

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    teste o nvel de sua brasilidade

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  • ilustraces: lu

    ciano tasso

    www.lucianotasso.blogspot.com

    www.lucianotasso.blogspot.com

    Televiso X Janela

    Cada nmero no diagrama abaixo corresponde a uma pgina do AlmAnAque. Descubra a letrinha colorida na pgina indicada e v preenchendo os quadrinhos at completar a mensagem cifrada que escrevemos para voc.

    Pode acreditar: Slvio Santos era uma das estrelas da TV Globo em 1969. Aos domingos, o atual dono do SBT ficava oito horas e meia no ar, das 11h30 s 20h. Se ele mantivesse seu programa semanal com o mesmo tempo de durao, teria passado dois anos no ar sem descanso! Isso porque, de l pra c, passaram-se 40 anos. Como cada ano tem 52 semanas, Slvio teria ficado 17.680 horas fazendo suas palhaadas o mesmo que dois anos e um ms ininterruptos. como se voc ligasse a tev hoje e visse o dono do SBT no ar at fevereiro de 2013. E 24 horas por dia!

    J PENSOU NISSO?

    O tatuador tatuado na tev tatuou

    a tatuano tatu

    Trav

    a-Lngua

    pa

    ra ler e repetir e

    m vo

    z al

    ta

    A tev diverte e emociona. Mas o aparelho tambm recebe crticas, inclusive de quem j trabalhou nela. Para o novelista Dias Gomes, a televiso nada inventou. Ela apenas adicionou imagem programao criada pelo rdio. O ator Paulo Autran via pouca qualidade artstica na programao: O teatro a arte principalmente do ator, o cinema do diretor e a televiso do patrocinador. J o escritor Nelson Rodrigues achava que o aparelhinho havia tomado o espao de velhos costumes, como passar tardes olhando pela janela. Com seu jeito irnico, concluiu: A televiso matou a janela.

    ra 18 de setembro de 1950 quando, num estdio de So Paulo, comeava a primeira transmisso

    da tev brasileira. A TV Tupi estava no ar. Es-trelas do rdio, msicos e humoristas apresen-taram pequenas atraes para celebrar o acon-tecimento. Um bispo at benzeu as cmeras. O dono da emissora tratou de distribuir aparelhos por pontos estratgicos da cidade, que ficaram rodeados de curiosos. ramos o quinto pas do mundo a ter transmisso diria.No comeo, a novidade fez pouca diferena na vida da populao. S as famlias ricas tinham o aparelho em casa. Para agradar os amigos, era comum receb-los para ses-ses de tev (sempre tarde ou noite, porque no havia programas de manh). Mas tambm havia quem torcesse o nariz para

    E a tecnologia. A televiso no dar certo. As pessoas tm de ficar diante de uma tela, e a famlia no ter tempo para isto, afirmou um jornal anos antes.Desligada para as crticas, a tev comeou a ganhar espao nos lares brasileiros. Mudou o rumo da m-sica por meio dos festivais das canes. Fez milhes de pessoas se emocionarem com os captulos finais de novelas antolgicas. Espremeu torcedores de fute-bol em sofs. Deixou o povo bem informado em mo-mentos fundamentais da poltica. Ao mesmo tempo, constantemente criticada por baixar o nvel para atrair

    audincia. Um pequeno aparelho retangular que mudou a forma de o brasileiro ver o mundo.

    Para o bem e para o mal.

    H 60 anos, tudo passa pela tev

    qual e a

    teve que

    so funciona

    se for puxada?

    SOlUO NA P. 22

    23

    4 5 6 7 8 4 8 5 9 10 11 12 8 11 10 5

    11 6 15 14 6 16 11 17 22 14 16 8 23 8

    14 9 14 13 11 6 14 2617 8 10 14 23 8 24 6

    9 10 5 13 10 14 12 14

    24 10 14 25 11 11 14 27

    ?

  • 24

    No centro do Pas esconde-se uma joia que artesos portugueses j descobriram e o Iphan tratou de tombar.

    Com seus artefatos em filigrana, esculturas em pedra canga e biscoitos que inspiram o amor perfeito,

    Natividade, no Tocantins, busca seu papel no futuro.

    o sete horas da manh, mas a quentura de meio-dia. No casaro de esquina, com muitas portas e janelas, em frente praa da Matriz, paira uma fumaceira so-

    bre o telhado dos velhos tempos. Ela denuncia que a lenha j aquece os fornos. So cinco. Dos grandes. Deles, durante toda a manh, sairo fornadas do biscoito pequeno com nome e gosto doce: amor perfeito. Na ampla cozinha tomada de aromas, Lvia Cerqueira conta que sua me, Ana Benedita, mais conhecida por dona Naninha, aprendeu a receita com a av Corina. Os ingre-dientes so produtos frescos da terra: polvilho to fino quanto talco, manteiga, acar, leite de coco. Sovar a massa sem d

    S

    NATIVIDADE

    apenas um dos segredos. J o sabor, ah, este tem gosto de briga de namorado. Que gosto esse? S indo l provar. O que ningum explica por que o biscoito, feito um a um pelas moas especialistas em amor perfeito, ganhou ares reais com seu formato de coroinha. Sabe-se l se no foi para igualar-se em nobreza s joias produzidas na cidade.Arruando por Natividade, que fica a 218 quilmetros de Palmas, em Tocantins, a viagem vai ficando mais gostosa. Isso porque as ruas criam becos ou atalhos inesperados, abrem-se em espa-os harmoniosos ou acolhem em sombreadas pracinhas. Estes espaos, que seguem a topografia dos terrenos, deixando livres

    Artes do tempo

  • 25

    os riachos ou zonas alagadas, diferenciavam Natividade da Me de Deus, fundada em 1734, das outras cidades da poca colo-nial. O casario, as igrejas, os vestgios da minerao, as trilhas pavimentadas com pedras, alm da paisagem de Natividade, foram tombadas em 1987 pelo Iphan, Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional.

    FiligranasAbraando a cidade, restaram as montanhas arqueanas, quase to velhas quanto a prpria Terra. A serra formada por negras pedras canga corrodas pelo tempo segundo alguns, moradas de seres mitolgicos. Nelas tambm se ocultava o ouro que fez de Natividade um dos mais importantes ncleos de garimpo no incio do sculo 18. Por l trabalhavam milhares de escravos h quem diga que eram 40 mil. O ouro era matria-prima de joias artesanais, confeccionadas segundo a antiga tcnica da filigrana. De origem fencia, foi levada a Portugal e de l chegou at ns pelas mos dos colonizadores. Com o tempo, o ouro foi minguando e a ourivesaria nativitana quase desapareceu. Em 1996, com o apoio do programa Monu-menta, do Iphan, foram criados cursos de aprendizes dirigidos por mestre Juvenal. Os novos jovens artesos produzem brin-cos, anis e pingentes nos tradicionais formatos de corao, da flor de maracuj, da pombinha do Esprito Santo, alm de um peixe malevel conhecido como peixa. Recentemente, empresrios de Gondomar, o mais importante

    centro da ourivesaria portuguesa, chegaram a Natividade atrados pela beleza das peas filigranadas. Valori-zaram sobretudo as pulseiras escra-vas, que no passado as mes portu-guesas gostavam de usar com tantas voltas quantos fossem seus filhos.

    Estando em Natividade, no perca uma apresentao de Scia, ou Sussa. Traduzida por baguna ou zoada, essa ginga mistura ritmos bantos e compassos guaranis ao som do tambor, da viola e do pandeiro. As danarinas se vestem de branco, com saias rodadas feitas com quatro metros de pano que se agitam para deixar

    entrever a calola enfeitada com babados. Na alegre dana da jequitaia, um d-lhe que d-lhe contorcer-se, as mulheres representam a picada dessa formiga que

    incha, coa, di e queima ao mesmo tempo.

    No deixe de assistir

  • 26

    Assim como os olhos so reflexos da alma, portas e janelas mostram o corao das casas. Corra o olhar nos diferentes

    desenhos, batentes, cores e embelezamentos que os moradores acrescentaram com o tempo nas janelas e portas da cidade. Note como os delicados autorrelevos lembram

    os arabescos das joias em filigrana.

    Preste Ateno

    Ponto alto do globoA produo de ouro nos arredores da Natividade jamais ces-sou. E os perigos de sua extrao permanecem. Em algumas minas o garimpeiro desce a profundidades de at 90 metros, acocorado em um cesto feito de pneu, preso a uma rudimen-tar tralha. Depois de encher o cesto de pedras, pede para su-bir falando em um tubo que fica grudado ao ouvido do traba-lhador que opera o guindaste.Outras vozes, desta vez acompanhadas do som de troves, angustiavam a neta de escravos Romana Pereira da Silva. Ela no entendia o que aquele quebra-pau no ouvido queria di-zer, at se estabelecer em 1989 em uma fazenda pontilhada de pedras canga. Ali Romana comeou a agrupar as pedras dando forma a esculturas e templos que via em sonhos. No lido de procurar o que essas peas querem dizer. S sei que o Brasil a terra escolhida e Natividade, quando o mundo re-encontrar seu equilbrio, ficar no ponto mais alto do globo. No tempo certo.

    As esculturas em pedra canga de Romana.

  • 27

    Casa da CulturaDe propores, portas e janelas diferenciadas, o imvel se destaca no centro histrico. Construdo no fim do sculo 19, seu telhado, como o da maioria das casas de Natividade, de serra machado, madeira que se for retirada na lua minguante tem mais durabilidade pelo menos o que dizem. Dedicado a nativitana Amlia

    Hermano Teixeira, o casaro hoje um espao cultural.

    Festa do Divino Esprito SantoEste importante festejo homenageia a terceira pessoa do Esprito Santo. Uma vistosa bandeira vermelha abre o cortejo da solene romaria. Nela, uma pomba enfeitada com fitas coloridas que representam os sete dons

    do Divino: Temor de Deus, Piedade, Fortaleza, Cincia, Inteligncia, Conselho e Sabedoria.

    PranccioGarboso com seu chapu de palha bico de jaca que ele mesmo teceu, Pranccio Gonalves de Carvalho, alm de cantar, bate o tambor que acompanha a Sussa. No sei de onde meu pai tirou esse nome se ele

    no sabia letra nenhuma, nem tinha naquela poca estrada nenhuma que levasse a canto nenhum. Por isso acredito que no tenho, em todo o Brasil, nenhum xar. Sou o nico Pranccio do Pas, embora todos

    me chamem de Z Folgado.

    Natividade tem mais

    Onde comerCasa de Dona Naninha Mais do que uma fabriqueta de biscoitos, o lugar situado na praa da Matriz uma das principais atraes tursticas da cidade.

    SE rvioOnde ficar Hotel Serra Geral Situado no centro histrico, oferece passeios pelos arredores da cidade. Fone: (63) 3372-1160. www.hotelserrageral.com.br

    Restaurante Serra Geral Com cozinha regional e internacional, o restaurante do hotel Serra Geral uma boa opo para os visitantes.

  • 28

    Como fazer

    REPR

    OD

    U

    O

    /AB

    FRANGO CAIPIRACOM ANGU

    Ingredientes para o frangoUm frango caipira em pedaosUm dente de alhoUm tomate Uma cebolaUma pitada de acar Cebolinha, salsinha e sal a gostoleo para refogar

    Ingredientes para o angu2 copos de fub4 copos de guaSal a gosto

    Modo de preparo do frangoEm uma panela, refogue o alho em leo quente. Acres-cente o frango em pedaos, o tomate picado e a cebo-linha. Coloque um pouquinho de gua e deixe cozinhar em fogo baixo, mexendo sempre. Tempere com sal e adicione a cebola e a salsinha picadas. Coloque tam-bm uma pitada de acar, para dar cor e sabor.

    Modo de preparo do anguPrepare o angu com antecedncia, pois demora mais para cozer. Basta misturar o fub com gua em uma panela, adicionar sal a gosto, deixar descansar por 10 minutos e depois cozinhar em fogo baixo. pre-ciso mexer o tempo todo, at engrossar. Leva apro-ximadamente 40 minutos. Se preferir usar a farinha de fub pr-cozida, o tempo de cozimento de 15 a 20 minutos.

    No Brasil, o prato conquistou maior es-pao nas culinrias paulista e mineira: Creio que os antigos paulistas eram co-medores de farinha de milho e angu, e at onde eles foram encontra-se monjolo e roda de fub., constatou um gegrafo francs viajando pelo Brasil em 1900. Na sua carta, Derby tambm reconhece a im-portncia do alimento na mesa de pobres e ricos, sem distino: Ricos e pobres preparam a farinha de milho socando no monjolo, depois de macerados os gros, assando depois a massa num forno.

    Hoje nem precisamos de tanto trabalho. Apesar de um bom angu sem pelotas exigir pacincia e esmero do cozinheiro, a farinha j est pronta e ensacada na prateleira dos supermercados. At a verso pr-cozida pode ser facilmente encontrada. Carne de porco, boi ou frango completam a refeio apesar de renegada aos escravos pelos senhores, que descon-fiavam das cozinheiras: debaixo desse angu tem carne. Sugerimos a opo com frango caipira, delcia da gastronomia tpica.

    H quem prefira chamar de polenta. A diferena? Ne-nhuma. O angu um prato to elementar que foi desenvolvido em vrias sociedades enquanto na regio da Itlia o denominaram polenta, por aqui disseminou-se a palavra de origem africana.Por isso no verdade que foram os imigrantes italianos que introduziram o prato em nossa cultura. Talvez eles tenham ajudado a propagar e manter o preparo nos cardpios, mas a prpria receita praticada na Europa que teve influncia americana.Essa espcie de piro fazia parte da base da alimentao no Imprio Romano. Consistia, porm, num preparo de aveia ou farinha de trigo engrossada. Os europeus s conheceram o milho e, consequentemente, o fub depois que pisaram na Amrica. A polenta ento passou a ser feita dessa farinha, assim como o angu continuou sendo feito por aqui. Apesar de ser a verso mais popular, encontra-se tambm angu de mandioca ou de arroz.

    Debaixo desse angu tem carneQuem pensa que fazemos polenta apenas desde a chegada dos imigrantes italianos, se engana.

    Com nome de angu, h tempos essa delcia apreciada por aqui. Escravos tinham que comer puro,

    mas o bom mesmo combin-lo com os nutrientes e sabor do frango caipira cozido.

    REPR

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    /AB

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    A VIDA SO MAGIAS

    por Loureno Diafria

    PP eo licena para vol-tar a escrever sobre mgicos. No se trata de falta de assunto. J lhes contei o caso, real, de um ra-paz (ento rapaz) especialis-ta na arte de criar a realida-de aparente com truques da vida. A princpio, tratava-se quase de um divertimento. O moo decidiu ento mu-dar de vida, no exatamente de destino. Passou a espe-cializar-se em truques com cigarros, fazer desaparecer lenos, gravatas e, depois, cartolas. Um belo dia descobriu ser capaz de apaixonar-se amavelmente por uma moa. Formaram um par bonito, contraram npcias, arrumaram vaga num navio que fa-zia o litoral. Fizeram um sucesso esplendoroso, tiveram uma filha graciosa, ganharam um senhor dinheiro, pro-grediram artisticamente. Viveram felizes durante vrios anos. Evidentemente, no sei contar o resto da histria. Perdi-os de vista.Narro o caso para lembrar que ser mgico uma atividade essencialmente masculina. No conheo mulher mgica profissional ou amadora, embora, como sabido, mulher se preste muito a prestidigitaes afetivas. Apenas que-ria afirmar que mulher, de modo geral, dificilmente opta pela profisso de mgica. Mulher prefere ser jogadora de futebol, boxeadora, pilota de helicptero, mdica, enfer-meira, poltica da situao ou da oposio, ministra dos transportes, conselheira sentimental, orientadora de ma-pas astrais, etcetera e tal. A propsito de profisses, uma das minhas muitas gros-seiras ignorncias no saber consertar pneu de autom-

    vel ou bicicleta. Ao viajar, me assombra a aflio de que por um incidente ines-perado me veja com pneu baixo, arrea-do. Um progresso da modernidade

    o pneu sem cmara. Por mim, no fao a me-

    nor questo de bomba atmica ou de hidrognio. No ligo a mnima

    para avies teco-teco. Sei que so pro-gressos da cincia. O que me apavora

    pneu arreado em rodovia. Penso que toda mulher, solteira, casada ou nem tanto, in-

    dependente de sua beleza e inteligncia, deveria passar por um curso de formao de habilidades tcnicas a ser-vio do elemento masculino. Mas no me tomem como machista. Prossigo defendendo a obrigao de se tirar o chapu diante de mulher feia, bonita ou mais ou menos, em qualquer circunstncia da vida cotidiana.Me desculpem se estou fugindo do assunto. Porm, ja-mais vi ou comprovei, ao vivo, mulher que soubesse fa-zer mgicas, profissionalmente falando. Em geral, toda mulher faz mgicas na vida. S que as mgicas femini-nas passam desapercebidas. No fundo, mgica termina em ilusionismo, tapeao, conversa mole. J a vida no tem sempre luzes alegres. o caso da parturiente pobre levada s pressas a um hospital popular. Deu luz um beb no mrmore gelado, por sorte desocupado. No se divulgaram nomes, endereo, lembrana de padrinhos, a sade, opinies, rvore genealgica, nem o destino de ningum dos desinteressados. No se ficou sabendo nada sobre o mgico, ou mgica. Apenas informou-se que o guri nasceu vivo. o que interessa na histria.

    A VIDA SO MAGIAS

  • 30

    manga

    Gostosura dos trpicosPura tentao: perfumosa, suculenta, saborosa. Digestiva. Depurativa. Fortificante.

    Indianos, primeiros a deleitar-se com a manga, a consideraram fruta destinada aos

    deuses. Ao chegar aqui no fim do sculo 17, a tropical mangueira sentiu-se em casa.

    omo resistir sedutora fruta? A forma ovoide que enche a mo; a maciez da casca amarela, ou rosa, vermelha,

    verde-escuro com pintas pretas; cheiro e sa-bor qual nenhuma outra. E a polpa carnuda, que a gente denta, e o sumo escorre boca adentro e boca afora e pelos dedos. S quem j se atracou com a fruta da mangueira sabe. E feliz a criana que pode chupar manga no p.A mangueira adora sol e detes-ta frio. Frequentemente passa dos 15 metros e pode atingir 50 metros altura de um prdio de 16 anda-res. A copa chega a abarcar 20 metros de dimetro, fornecen-do sombra permanente, pois tem folhas o tempo todo. As perfumadas florzinhas vo do branco ou amarelo-esverdeado ao cor-de-rosa, agrupadas em cachos. A polinizao feita por insetos, pelo vento ou por autopolini-zao. Pertence famlia das anacardiceas, de rvores pode-rosas, como pau-ferro, aroeira, cajueiro.No faz luxo para nascer. Dois caroos que atiramos a esmo no fundo de nosso quintal, num trecho de mata nativa, de repente nos surpreenderam com duas arvoretas, agora com seus seis anos e mais de dois metros de altura.A palavra manga vem de mankay, do tmil, lngua do sul da

    ndia, lugar de origem da Mangifera indica, na classificao do botnico sueco Lineu (1707-

    1778). Ela alguns ani-nhos mais velha que ns: quando o Homo sapiens surge neste planeta 250 mil anos atrs, a man-

    gueira j existe h pelo menos 25 milhes de anos.

    Na ndia a consideram sagrada; no Na-tal, indianos cristos como fazemos no ocidente com os pinheiros decoram as

    mangueiras. Tambm enfeitam as casas com suas folhas.

    Foram os portugueses que, du-rante o ciclo das navegaes,

    espalharam a manga pelas regies tropicais de todo o planeta. A fruta fresca mais consumida no mundo chega ao Brasil em 1699, importada das ndias di-reto para Salvador, informa Cmara Cascudo, que arremata: Comeariam ento os plantios nos quintais.O historiador Pio Corra anota que a mangueira foi a rvore asitica que melhor se adaptou ao clima brasileiro. Das mais de 500 variedades, cultivamos uma dezena, como as populares espada, rosa, bourbon, corao-de-boi. Hoje o Brasil um dos 10 maiores produtores do mundo. Tal como a banana, yes, ns temos manga, manga pra dar e vender. E um dos maiores compradores, veja s, quem a trouxe para c: Portugal.

    Mangifera indica, L.

    C

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    Gostosura dos trpicos

    elm, no fim do sculo 19, teve um prefeito pe-culiar, Antnio Jos de Lemos. Truculento, mas

    moderno: inaugurou a energia eltrica no Pas, ps em praa pblica espetculos europeus e arborizou as ruas com ps de manga. s vezes uma cai na ca-bea de algum, como aconteceu com o jornalista paraense Palmrio Dria, nosso amigo: A sensao desconcertante, diz ele, sem atinar que, via oral, manga faz bem ao crebro.Quiseram substituir as mangueiras por oitis, de fru-tos pequenos. Houve tal grita, liderada pela intelec-tual Eneida de Moraes, que a ideia de jerico gorou. Comenta Palmrio que as mangueiras refrescam a ci-dade e ajudam os pobres. Armam traquitanas de bam-bu, colhem as mangas e saem vendendo. Pena que os prefeitos de hoje no plantem frutferas, como fez Lemos. Que nem viu as mangueiras frutificar. Em 1911, deposto e arrastado por inimigos pelas ruas, sa-fou-se e exilou-se no Rio, onde morreu no ano se-guinte. Seria depois anistiado e seus restos mortais trasladados para Belm.

    A gente se lambuza, mas tambm pode no se lambuzar

    m portugus, a meno mais antiga data de 1537. Em Colquios dos Simples e Drogas e

    Coisas Medicinais da ndia, o naturalista portugus Garcia da Orta elogia a fruta e lista vrios jeitos de consumir: Em conserva de aucare, em conserva de vinagre, em azeite e sal; recheadas dentro com gen-givre verde e alhos; salgadas, cozidas; e de todas estas maneiras as vistes j, e provastes nesta caza.O brasileiro em geral come ao natural o melhor, mas no sabe o que perde por no experimentar dou-tras mil formas.

    Manga rica nas vitaminas: A, boa para pele e den-tes, e antiinfecciosa; C, que ajuda a absor-ver ferro a manga tem tanto, que a in-dicam contra ane-mia e para as gr-vidas. Seu potssio e seu magnsio comba-tem cibras e cansao. di-gestiva, depura o sangue, fortale-ce o corao e, expectorante, combinada com mel em xarope, trata bronquites rebeldes.No Brasil colonial, senhores de engenho inventaram que manga com leite mata, para ficar com o leite; e os escravos, com a manga. Sorte dos negros.

    E

    BAh, se sinhozinho soubesse

    Iola

    nd

    a H

    uza

    k

    O homemque transformou Belm na

    Cidade das Mangueiras

    Iola

    nd

    a H

    uza

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    REPR

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  • 32

    SolidariedadeO sujeito bate porta de uma casa: O senhor poderia contribuir com o Lar dos Idosos? Claro que posso! Espere um pouco que vou buscar a minha sogra.

    Preciso Juquinha, o que voc est estudando? Geografia, mame. Ento me responda: onde fica a Inglaterra? Humm Na pgina 83!.

    Sorte O caipira v uma mquina de refrigerante e fica maravilhado. Coloca uma fichinha e cai uma latinha. Coloca duas fichinhas e caem duas latinhas. Coloca 10 fichinhas e caem 10 latinhas. Ele vai ao caixa e pede 50 fichas: Desse jeito o senhor vai acabar com as minhas fichas. Desculpa moo, mas que eu no consigo parar enquanto estou ganhando...

    Corrida no interiorUm rapaz acaba de comprar uma Ferrari novinha. Para estrear, sai estrada afora. A certo momento, avista uma carroa sendo puxada por um caipira. Ele engata a terceira, passa rente carroa e acelera. Mas, ao olhar pelo retrovisor, percebe que a carroa continua prxima traseira do carro. Pe quarta marcha e acelera mais. Mal acredita no que v: o capiau continua na sua cola. Abobado, abre o vidro e vira a cabea pra trs, curioso. O caipira berra: Moo, o senhor pode, pelo amor de Deus, desenroscar o meu suspensrio da sua antena?

    GaranhoNo baile de carnaval, o sujeito conta vantagem ao amigo: Cara, tirando minhas cinco irms, j sa com todas as mulheres deste baile. Ento somos uma bela dupla! Por qu? que ns dois, juntos, j samos com todas as mulheres do baile.

    Uma de cada vezJuquinha chega em casa animado aps

    o primeiro dia no jardim de infncia: Hoje a professora ensinou qual a

    mo direita! Muito bem, e qual ?

    Ele mostra e o pai pede: Agora, mostre a esquerda.

    Ah, isso ela s vai ensinar amanh.

    Ponto de vistaOs dois tomam cerveja no barzinho. Ela reconhece algum: Est vendo aquele cara ali tomando usque? Me separei dele h dez anos. Nunca mais parou de beber. Duvido! Ningum consegue ficar tanto tempo comemorando.

    Cpia quase fielA professora chama a me do Juquinha e reclama que ele colou toda a prova de histria do colega. Deve ser um engano diz a me. Aqui est: Duque de Caxias proclamou a Repblica, no teste do colega e no teste do Juquinha. Pedro 2 proclamou a Independncia, nos dois testes. Mas isso no quer dizer nada... E a ltima questo: Quem assinou a Lei urea? No sei, respondeu o colega. E o Juquinha: Nem eu.

    Bbado heregeO bbado entra na igreja, agarra o sacristo pelo brao e grita: Me v uma pinga! Aqui no vendemos pinga, meu senhor. Ento, me d um conhaque. Tambm no temos conhaque. Como no tem? Afinal, que tipo de bar esse? Isso aqui no um bar, uma igreja! Ah... Ento me d um So Remy!

  • 33

    E a ortografia, ento?

    OTadeu, cabco l da fazenda do cumpade Plcido, vai cidade, mais especificamente no cart-rio do doutor Rubens, que era quem regis-trava a gente quando do nosso nascimento, e trava com ele um dilogo suplicante: Dot Rubi, eu vim aqui pedi pro sinh fic com o meu fo, o Juquinha. Pro sinh, de pa-pr passado e tudo. Nis num queremo que ele cresce inguinorante quinm nis da roa. O sinh pe ele trabaiando aqui, ensina os ofcio e, quem sabe um dia, ele num vai s um juiz to bo como o sinh?Doutor Rubens s escutando, pacientemente, como era seu costume. O Tadeu continua: Ele esperto, dot. forte de sade. Qu diz, ele tem

    uma mardita dor de cabea l na cabea dele, mas isso num nada. Nis uma vez pensmo que fosse os aire do sli, mas que nada. Levmo ele no benzed, ele cort cum

    a tizra e num adiant nada. Depois nis le-vmo ele pra Rebero Prto. O dot tir uma

    geografia da cabea dele e num saiu nada nos retrato. Qu diz, por isso e mais aquilo, nis acha

    que a tar dor farta do qu faz.

    Falando nissoMinha me, a querida dona Alzira, quando tirava eletrocardiogra-ma pra ver seu coraozinho, costumava me mandar o recado: Meu fo, meu corao t bo. Inda nessa semana, eu fiz o eltrico, e num deu nada.

    Falta de arO caipira teve de voar para a capital. O avio sobe e ele fica roxo. A aeromoa pergunta: O que foi, senhor? Falta de ar?E ele: No, dona. farta de terra.

    Preo no se discuteNa loja de aves, um interessado pergunta: Quanto custa o papagaio da esquerda? 400 reais. Nossa, por que to caro? Ele sabe operar computador. Ah! E o da direita? 800, porque domina Windows e Macintosh. E o do meio? Esse custa 1500 reais. Uau! O que ele sabe fazer? Eu nunca vi ele fazer nada. Mas os outros s o chamam de chefe.

    Memria fracaDuas senhorinhas tomam ch da tarde: Acho que estou ficando esclerosada. Ontem, me peguei com a vassoura na mo e no lembrava se j tinha varrido a casa ou no. Isso no nada. Outro dia me vi de camisola e no sabia se tinha acabado de acordar ou estava indo dormir. Deus me livre ficar assim, bate na madeira diz a outra, dando trs batidas na mesa: toc-toc-toc. Olha para trs e emenda: Esperem que j volto, bateram na porta.

  • 34

    Minha vida melhorou depois de tudo que passei

    E

    Por Jos Dias Pereira

    u me lembro muito bem do dia

    em que recebi o diagnstico de

    que estava com cncer. Era 2001 e j esta-

    va desconfiado de ter a doena, pois sentia

    dores do lado esquerdo do rosto e inc-

    modos na garganta. Resolvi me consultar

    com um mdico da minha cidade, Getuli-

    na, no interior de So Paulo, que me enca-

    minhou para o Hospital Amaral Carvalho, em Ja. Na instituio,

    me deram a notcia do tumor de laringe e de outras complicaes

    vindas da doena. Quando o mdico me disse que eu poderia no

    falar mais, perdi os sentidos e desmaiei. Como ficar sem falar?

    Esse momento foi o mais complicado. Mas depois me acalmei e

    soube lidar com serenidade com a situao. Segui o tratamento

    risca. As sesses de radioterapia eram incmodas, mas por sorte

    precisei fazer menos do que as 35 previstas inicialmente. S me

    alimentava por sonda. Mas no foi to ruim quanto pode parecer.

    Eu confiava muito em Deus. Me apoiei na f para lidar com o trata-

    mento e no fiquei abalado. s vezes, chorava muito, mas tambm

    tinha momentos de grande alegria.

    Como Getulina fica a mais de trs horas de Ja, ia segunda-feira

    para o hospital e s voltava na sexta. Na cidade, ficava na Casa de

    Apoio, onde fui muito bem tratado. A ajuda que recebi de todos foi

    fundamental. Minha mulher me acom-

    panhava nas sesses de radioteraria,

    esperava a sesso acabar e voltava para

    Getulina. Ela foi muito carinhosa comi-

    go. Mas no s ela. Toda a minha famlia

    ficou ao meu lado, me ajudou, pois pre-

    cisei me aposentar para seguir o trata-

    mento. Tambm no posso esquecer da

    Liga Getulinense de Combate ao Cncer, que me apoiou incondi-

    cionalmente em tudo que precisei. E, claro, do doutor Joo Fanton,

    do Hospital Amaral Carvalho. Com a ajuda de todos, sa totalmente

    recuperado do tratamento.

    bvio que a doena dura, mas sinto que a minha vida melhorou

    depois de passar por tudo o que passei. Parei de fumar e de beber

    por recomendao mdica. Uma bela mudana de vida. Tambm

    aprendi a aproveitar os momentos ao lado da famlia com mais de-

    dicao. Hoje, minha vida feita s de alegrias.

    Eu digo para todos que passam por problemas parecidos que fiquem

    calmo, procurem o tratamento adequado e os resultados aparece-

    ro. Quando o diagnstico surge, d uma sensao de que tudo est

    perdido. Nada disso. Tendo f e fazendo o tratamento certo, tudo

    possvel. Hoje, graas a Deus, tenho uma vida saudvel, curto meus

    filhos, netos e esposa e vejo a vida com leveza e otimismo.

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