Almanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 08

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Toda a alegria é uma vitória, e uma vitória é uma vitória, por menor que seja.

Sumário

Diretor editorial Elifas AndreatoDiretor executivo Bento Huzak Andreato

Editor João Rocha RodriguesEditor de arte Dennis Vecchione

Editora de imagens Laura Huzak AndreatoEditor contribuinte Mylton Severiano

Redatores Bruno Hoffmann e Natália PesciottaAssistentes de arte Guilherme Resende e Soledad Cifuentes

Gerente administrativa Fabiana Rocha OliveiraAssistente administrativa Eliana Freitas

Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas AdvogadosJornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP)

O Almanaque de Cultura e Saúde está sob licença Creative Commons. A cópia e reprodução de seu conteúdo são autorizadas para uso não comercial, desde que dado o devido crédito à publicação e aos autores. Não estão incluídas nessa licença obras de terceiros. Para reprodução com fins comerciais, entre em

contato com a AndreAto ComuniCAção e CulturA.

Correspondências Rua Dr. Franco da Rocha, 137 - 11º andar Perdizes. São Paulo-SP CEP 05015-040 Fone: (11) 3873-9115 [email protected]

O AlmAnAque de CulturA e SAúde é uma publicação mensal da Andreato Comunicação e Cultura em parceria com a FEBEC – Federação Brasileira

de Entidades de Combate ao Câncer. A revista é distribuída por assinatura, pelos estabelecimentos filiados à Associação Paulista de Supermercados

(APAS) e pelos voluntários das Ligas de Combate ao Câncer.

5 carta enigmática

6 você sabia?

12 gente aJUDanDo gente Vanda Elena Checo de Azevedo Canto

13 PaPo-cabeça Karen Worcman

16 ilUstres brasileiros Paulo Autran

18 esPecial Mitos que metem medo

22 Jogos e brincaDeiras

23 o teco-teco

24 viva o brasil São Luiz do Paraitinga

28 temPeros e sabores Sopa paraguaia

29 almacrônica por Lourenço Diaféria

30 em se PlantanDo tUDo Dá Erva-Mate

32 rir é o melhor reméDio

33 caUsos De rolanDo bolDrin

34 mUito obrigaDo por Cícero Alves de Freitas

Presidente Antonio Luis Cesarino de Moraes Navarro

Nem tão monstros assim

Robert Browning, poeta e dramaturgo inglês

Rua Silva Airosa, 40. Vila LeopoldinaSão Paulo-SP Cep 05307-040

Fone: (11) 2166-4131

Departamento Comercial Jaques C. CeruttiRua Lourenço Prado, 218, conj. 151

Jaú-SP CEP 17201-000 Fone: (11) 2166 4106 • (14) 8129-8892

[email protected]

SAC (11) 2166-4111

ASSINE (11) 2166-4100www.febec.org.br

obisomens, sacis, mulas sem cabeça e outras criaturas pra lá de assustadoras. Esses mitos povoam – e apavoram – as mentes dos brasileiros há séculos. O AlmAnAque de CulturA e SAúde resolveu investigar o que,

de fato, esses monstrinhos são capazes de aprontar. Em todos os julgamentos, uma coincidência: todos foram acusados de atiçar a imaginação do povo, de se associar para disseminar a identidade brasileira. A revista, que chega a sua oitava edição, traz ainda mais histórias sobre o Brasil. Lembramos da visita do papa em 1997 (“Se Deus é brasileiro, o papa é carioca”), da luta corintiana pela democracia e dos 75 milhões de aficionados que se postaram diante das telinhas para assistir ao último capítulo da novela Roque

Santeiro. E, claro, não poderiam faltar histórias relacionadas à saúde, como os precários partos que aconteciam no Brasil e um museu que preserva o triste passado dos manicômios. Na seção Temperos e Sabores, uma delícia desconhecida da maioria dos brasileiros: a sopa paraguaia. Mas não venha de colher, pois essa sopa é para ser comida com garfo e faca. Para quem duvida, ensinamos como se prepara essa iguaria, típica do país vizinho e que conquistou os fogões do Mato Grosso do Sul. Há também histórias de dedicação ao próximo e de superação na luta contra o câncer, como a de dona Vanda, que há 13 anos comanda a Associação Voluntária do Câncer de Brotas, no interior de São Paulo. A dedicação ao trabalho voluntário é o mesmo – ou maior – do que a do tempo em que era gerente de banco. “Quero tirar das famílias mais pobres ao menos a preocupação financeira”, diz. Na seção Muito Obrigado, conheça a comovente história de Cícero, que chegou a ser desacreditado pelos médicos e hoje vive com saúde e uma porção de aprendizados sobre a vida. Para receber mensalmente este pedacinho do Brasil em sua casa e ainda contribuir com as ações de prevenção e apoio biopsicossocial aos pacientes de câncer, assine o AlmAnAque de CulturA e SAúde. É só acessar www.febec.org.br ou ligar para (11) 2166-4100.

Apoio

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Além da música, da boemia e do Carnaval, o futebol era outra paixão de Ary Barroso. Narrava partidas no rádio, torcia com fervor para o Flamengo e chegou a jogar no Aimorés Futebol Clube, de Ubá, sua cidade natal. Em 1961, na estréia do espetáculo Samba, Humor e Fantasia, recebia os cum-primentos quando alguém gritou: “Você ainda me conhece?”. Ary explodiu de alegria e apresentou a todos o velho amigo: “Este é Xandico! O Garrincha de Ubá!”. Quando a foto ao lado foi tirada, os dois eram companheiros no Aimorés. Ary era o goleiro do time. Devido a uma forte miopia, não podia tirar os óculos nem para jogar.

Solução na p. 22

adialista, cronista, compositor de músicas dor-de-cotovelo. Boêmio. Isso parece definir tudo, até mes-

mo a morte precoce aos 43 anos, em 15 de outubro de 1964, de infarto. Definia-se como “cardisplicente”: des-denhava o próprio coração. pouco antes de morrer, res-pondeu a convite para fazer o roteiro de um programa de tevê com o seguinte bilhete: Telefone: 36-1255, mas só até o dia 14, porque saio do ar...pernambucano, estudou agronomia, seguindo a tradi-ção de usineiros de açúcar da família. Mas se identificou mesmo com o rádio. Começou como apresentador da Rádio Clube pernambuco, aos 17 anos.Foi para o Rio. Dividiu apartamento com Fernando lobo e abelardo Barbosa, o Chacrinha. Quase matou o apre-sentador afogado na banheira, quando chegou bêbado e

deitou na água sem perceber a existência do outro. passou dificuldades, voltou para o Recife, casou, teve dois filhos.Em 1947 muda com a família para o Rio. Certa vez, na Boa-te Vogue, levantou-se e fez paródia com sua própria com-posição, ninguém me ama. Brincou: “ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire.” a vida doméstica não o agradava muito, confessou ao diário pessoal: Tenho impressão de que ser minha mu-lher acaba com a vida de uma pessoa.o amor por outra mulher talvez tenha acabado com a dele. Teve como grande paixão Danuza leão, mulher do dono do jornal em que trabalhava. Viveram juntos quase três anos, até ela voltar para o marido em 1964. Deprimi-do, fez nessa época as crônicas mais líricas. Morreu pou-co tempo depois, sob a mesa de um bar.

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30/10/1987 Por antecipação,

Nelson Piquet conquista o último de seus três títulos mundiais

de Fórmula 1.

30/10/1988Por antecipação,

Ayrton Senna conquista o primeiro de seus

três títulos mundiais de Fórmula 1.

futebol e da política brasileira: a Democracia Corintiana.Valendo-se da saída do presidente Vicente Matheus, os jogadores

propuserem aos novos dirigentes uma nova forma de gerir o clube. Todas as decisões passariam a ser tomadas por voto – desde o horário de treinamento até a escalação da equipe. E o voto do presidente teria o mesmo peso do que o de qualquer reserva.

A concentração – ou “campo de concentração”, como definia Sócrates – foi praticamente abolida. Os jogadores entravam com faixas alusivas à política nacional, como “Ganhar ou perder, mas sempre com democracia” e “Quero votar pra presidente do Brasil”.

Havia quem não gostasse nada daquele papo. As maiores resistências vieram do goleiro Leão, que se recusava a votar, e de Vicente Matheus, que queria voltar ao poder. Mas o bicampeonato paulista de 1982 e 1983 dava poucos argumentos aos desafetos.

A história acabou em 1985, com a volta da chapa favorável a Matheus à presidência. Ironicamente, no mesmo ano em que o Brasil via-se livre dos militares. Mas, para os jogadores da época, o episódio serviu de ensinamento para toda a vida. “Depois de ter passado pela Democracia Corintiana, nunca mais tive medo de falar a verdade, de defender o que acredito”, afirmou o zagueiro Juninho.

o começo dos anos 1980, o Corinthians tinha três jogadores que pouco se assemelhavam ao perfil típico

de boleiros. Sócrates era um meio-campista formado em Medicina; Wladimir, lateral-esquerdo, comunista; e Casagrande, centroavante, amante de rock e teatro. Juntos, encabeçaram um movimento que entrou para a história do

“Dia 15, vote”: Corinthians entra em campo no Paulista de 1982.

Na ditadura, Corinthians levanta a bandeira da democracia

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Saiba MaiS Adoniran: Uma biografia, de Celso de Campos Jr. (Globo, 2004).

Ernesto virou Arnesto e mancada que não houve virou obra-prima

Ernesto: sem mancada não tem samba.

rnesto nos convidou prum samba, ele mora no Brás / Nóis

fumo e não encontremo ninguém. O autor de Samba do Arnesto, Adoniran Barbosa, o grande cronista da cidade de São Paulo, tinha muita história para contar. De pequenas situações, surgiam composições. Na década de 1950, conheceu na Rádio Record o músico Ernesto Paulelli. Pediu um cartão. Leu em voz alta: “Arnesto Paulelli.” “Não é Arnesto, é Ernesto.” Adoniran insistiu e ainda apostou: “Seu nome dá samba. Você aduvida?”

Em 1955, lança o samba, em parceria com o músico Alocin. Ernesto ouviu no rádio e lembrou-se da promessa. As lágrimas rolaram.

Deu samba

A Demorou dois anos para reencontrar Adoniran. Agradeceu. Até então, o tal Arnesto ninguém conhecia.

Em 1979, o Clube dos Artistas da TV Tupi homenageia Ernesto e Adoniran. O personagem passa a ser reconhecido na rua. “Me paravam: ‘Por que você deu mancada com o pessoal?’ Tinha até quem olhasse meio de esguelha.”

Aos 95 anos, Ernesto mora na Mooca, em São Paulo, e guarda com carinho a dedicatória de Adoniran na partitura. E jura que nunca convidou ninguém para samba algum. Certo dia, tomou

coragem e foi tirar satisfação com Adoniran, que respondeu: “Arnesto, segura essa aí. Se não tem mancada, não tem samba.”

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Fases da Lua1 . 2 . 3 . 4 . 5 . 6 . 7 . 8 . 9 . 10 . 11 . 12 . 13 . 14 . 15 . 16 . 17 . 18 . 19 . 20 . 21 . 22 . 23 . 24 . 25 . 26 . 27 . 28 . 29 . 30 . 31

cheiaminguante nova crescente minguante

Saiba MaiS O Nobre Sequestrador, romance de Antônio Torres sobre o episódio (Record, 2003).

essa onDa vem De longe

Francês sequestra o Rio e só devolve após

receber resgatem 12 de setembro de 1711, um corsário francês chega

ao Rio de Janeiro. René Duguay-Trouin era mais ambicioso que os sequestradores de hoje: queria a cidade toda. Em sua esquadra de 18 navios, vêm 700 canhões e cerca de 6 mil homens a serviço da coroa francesa.

René entra numa Baía de Guanabara coberta pela neblina. Quando as tropas portuguesas se dão conta, é tarde. Pouco mais de uma semana depois, ele e seus homens bombardeiam a cidade amedrontada. Parte da população foge para o interior, inclusive o governador. Os

franceses levam tudo o que encontram. O sino da Sé se transforma em presente para o rei Luís 14.

A ação se deve a pelo menos duas razões. Uma, vingar o também corsário Jean-François Duclerc, preso e morto ao tentar invadir o Rio um ano antes. A segunda, deslocar para o Brasil o conflito com Portugal, um dos inimigos da França na guerra de sucessão espanhola.

Seja qual for o motivo, o sequestro foi lucrativo para a França. Quase um mês depois, a 10 de outubro, são acertados os termos do resgate. O governador, a igreja e os moradores contribuem, mas demoram mais de um mês ainda para conseguir pagar.

Em 13 de novembro, René libera o Rio em troca de 1.624 libras de ouro em barras e em pó; 4 canastras de prata; 1.484 caixas, 3 barricas e uma quartola (pequena pipa) de açúcar; 1.167 barbatanas de baleia; e 200 cabeças de gado.

O fim da história é triste. O Rio fica completamente devastado. O governador fujão, o Vaca, segue degredado para a Índia. René passa os últimos anos de vida doente e só, pedindo favores ao rei. Hoje, há uma estátua em sua homenagem na cidade francesa de Saint Malo.

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René Duguay-Trouin

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Clientes de Espedito

Ernesto virou Arnesto e mancada que não houve virou obra-prima

o baú do Barão“Há um meio honesto e limpo de

você deixar de pagar as contas no fim do mês. É pagá-las no princípio.”

Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

papa João Paulo 2º devia gostar do Brasil. Até o começo de seu pontificado, não havia santos nem beatos brasileiros.

Por causa dele, só de beatos temos mais de 30. Visitou o Brasil três vezes. Em 1980, roda por 13 cidades em 12 dias. Volta em 1991 e beatifica a primeira brasileira, madre Paulina. Na última vez, vai ao Rio de Janeiro para o 2º Encontro Mundial do Papa com as Famílias. No discurso, críticas ao uso de contraceptivos, divórcio e aborto. Gera polêmica num país com elevada natali-dade e numerosos casos de Aids entre os pobres.

Em 5 de outubro de 1997 celebra importante missa. Emocio-na-se quando um coro de dois milhões de vozes entoa o refrão de Jesus Cristo, comandado por Roberto Carlos. Lágrimas sur-gem em seus olhos. Abençoa a multidão e diz:

“Se Deus é brasileiro, o papa é carioca. Em Porto Alegre di-zem que é gaúcho, na Bahia que é baiano...”

João Paulo 2º no papamóvel: santidade brasileiríssima.

Papa diz: “sou gaúcho, carioca, baiano...”

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Mazzaropi, em 1945.

Saiba MaiS Museu Mazzaropi, com sede em Taubaté: www.museumazzaropi.com.br.

Qual é mesmo o primeiro nome de Mazzaropi?

vai arrisCar?

E m 1946, depois de rodar o País contando causos sob lonas e teatros improvisados,

Mazzaropi estreou no rádio. O contrato com a Tupi era de apenas três meses, mas acabou se estendendo por sete anos, o que possibilitou que o personagem do caipira matuto fizesse suas primeiras aparições nas telinhas já no ano da chegada da tevê ao Brasil, 1950.

Apesar de se apresentar acompanhado por um sanfoneiro, Mazzaropi fez barulho. Na semana da estreia, mais de duas mil cartas. Um sucesso. Logo os Diários Associados, grupo de mídia da Rádio Tupi, lançaram um concurso para potencializar a fama do principiante: Qual seria o primeiro nome desse caipira com sobrenome italiano? Milhares de cartas arriscaram palpites. A apuração foi feita em grande estilo, em 12 de outubro de 1947, com uma festa no Cine São Francisco. Você é capaz de dizer a resposta correta? Se não, lá vai: Amácio.

enigma figuradoos 13 anos, tocava canções da Jovem Guarda em bailes. Mais

tarde criaria estilo único, regional e universal ao mesmo tempo.

Ele nasceu em Brejo do Cruz, Paraíba, em 3 de outubro de 1949.

Quando tinha dois anos, o pai afogou-se num açude. O avô, que

acumulou a função paterna, foi homenageado no disco de estreia

com a música Avôhai. Em 1997, emplacou um grande sucesso na

abertura da novela O Rei do Gado. Quem é essa figura?

A

R.: Confira a resposta na página 22

O que se colhe no mês Abacaxi, manga, jabuticaba, caju, mamão, melancia, mexerica, maçã, laranja.

estação colheita

reCeita inDigesta

epare os ingredientes: fígado cru e gordura de galinha recém-abatida. Ovos quentes, café, vinho do porto, cebola e cachaça. Leve tudo para um quarto, junto

com panos limpos e água fervente. Conte com a ajuda de quatro mulheres experientes para a realização desta receita um tanto indigesta: um parto no Brasil Colônia.

Cercado de misticismo, o nascimento de uma criança era tenso. O risco de morte da mãe e do bebê era alto e se acreditava que com amuletos e alimentos específicos o dano seria menor. Durante o trabalho de parto, a mulher se agarrava a escapulários e a uma pedra, chamada mombaza, que, segundo a historiadora Mary Del Priori, tinha a função mágica de atrair a criança para fora.

Um cordão de santo Antônio era colocado em volta da barriga. Nossa Senhora do Bom Parto, Nossa Senhora do Leite e santa Margarida eram algumas das invocações da futura mãe. Enquanto isso, as parteiras untavam suas partes íntimas com gordura de galinha e óleo de açucena. Ou, ainda, vinho quente.

A placenta era rompida com a unha do dedo mínimo da parteira. Quando começava a perder líquido, a parturiente ingeria ovos quentes, café e vinho do porto. Para espantar a dor, o indicado era mastigar cebola, tomar goles de cachaça e amarrar fígado de galinha na coxa.

Ao nascer, a criança era banhada com cachaça e estopada – uma mistura de ovos com vinho. Depois, era enrolada com uma faixa. Acreditava-se que a sujeira protegia. Estima-se que 30% dos bebês não sobreviviam ao primeiro ano de vida.

Saiba MaiS História das Crianças no Brasil, organizado por Mary Del Priori (Contexto, 2006).

Parto no Brasil misturava rezas e gordura de galinha

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Saiba MaiS História Cultural de Goiânia, de Eliézer Cardoso de Oliveira. (Alternativa, 2003).

Praça cívica da nova cidade, em 1942.

Outra capital nasce no Planalto Central no século 20

egião Centro-Oeste do Brasil, século passado. Para atender às conveniências

do governo, uma nova cidade é planejada para tornar-se capital. Pensou em Brasília? Errou. Esta-mos falando de Goiânia, cuja pedra fundamental foi lançada em 24 de outubro de 1933.

Já no século 19, com o esgotamento do ouro em Goiás, discutia-se a transferência da capital de Vila Boa (atual Cidade de Goiás) para uma nova região. A mudança só se deu de fato na

década de 1930, no governo de Pedro Ludovico Teixeira. O material de construção chegava puxa-do por juntas de bois. Os operários abrigavam-se em choupanas no meio do mato.

Em concurso para escolher o nome da nova capital, surgiram nomes como Petrônia, Goiané-sia, Eldorado e Pátria Nova. Um decreto de 1937 transferiu finalmente a capital de Goiás para Goi-ânia, mas a cidade só teve seu Batismo Cultural cinco anos depois.

R

Todo diatem um Santo

Sao Frei GalvaoFrei Galvão é o único santo nato do Brasil. Nasceu em 1739 na paulista Guaratinguetá. Fundou e construiu o Mosteiro da Luz, em São Paulo. Franciscano, viajava por toda a capitania a pé, reunindo multidões. Suas pílulas curadoras são feitas até hoje pelas religiosas da Luz.

Saiba MaiS Conheça outros projetos do açougue cultural: www.t-bone.org.br

té os 11 anos ele engraxava sa-patos em Brasília. Depois, tro-

cou flanelas, escovas e latinhas de graxa pelo trabalho em um açougue, onde passou a dormir. Só aprendeu a ler e escrever aos 16 anos. Aos 18, leu o primeiro livro. Apesar da infân-cia pobre e da educação prejudicada, Luis Amorim vem derrubando mitos e transformando a relação de milha-res de brasilienses com a leitura.

A história começou naquele mes-mo açougue que o empregou, e do qual, em 1998, tornou-se proprietá-rio. Lá, entre peças de carne, facas afiadas e clientes apressados, instalou uma prateleira com 10 livros. Logo começaram a sur-gir leitores, e o número de obras foi aumentando. Hoje o T-Bone – primeiro açougue cultural do mundo (e muito provavelmente o

Luis transformou açougue e pontos de ônibus em bibliotecas

muito alÉm Do lugar-Comum

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O T-Bone, em 2003; à direita, Luis Amorim.

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único...) – recebe também peças de teatro, shows e eventos literários.

Mas quem disse que Luis parou por aí? Transformou o açougue em uma ONG e mais uma vez extra-polou os limites do lugar-comum, criando uma biblioteca que funcio-na 24 horas por dia em 35 pontos de ônibus de Brasília. O projeto, ba-tizado Parada Cultural, possui um acervo de 24 mil volumes. Para tor-nar-se sócio, é só estender a mão e apanhar o livro. Não é preciso apre-sentar carteirinha, documentos ou

preencher fichas. E para quem imagina que uma coisa dessas não pode dar certo, as últimas informações: o projeto registra cerca de mil empréstimos por dia, e as taxas de não devolução são baixíssimas.

Parto no Brasil misturava rezas e gordura de galinha

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Confira a resposta na página 22

de quem são estes olhos?

Nascido em Caratinga Minas, esse senhor de orgulhosos cabelos brancos nasceu em 24 de outubro de 1932.

O traço decidido e o humor fino lhe renderam passagens pelos principais órgãos de imprensa. Entre as tantas

publicações que criou está Bundas, cujo lema era “Quem mostra a bunda em Caras não mostra a cara em

Bundas”. Suas histórias infantis, sucessos em todos os cantos, ganharam adaptações para cinema e tevê.

Saiba MaiS Umbanda, Essa Desconhecida, de Roger Feraudy (Conhecimento, 2006).

religião CentenÁria

Umbanda deixa de ser crime depois de congresso

umbanda é uma religião genuinamente brasileira. Surgiu

em 1908, no Estado do Rio de Janeiro, após o jovem Zélio Fernandino de Moraes incorporar o Caboclo das Sete Encruzilhadas. Os espíritas tradicionais não o aceitaram, por considerá-lo uma entidade menos evoluída. Zélio resolveu então criar uma religião nova e sincretista, em que todos os espíritos fossem permitidos, como pretos-velhos e índios. Também passou a usar elementos da Igreja

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Publicação do congresso.

Católica. As imagens de Jesus Cristo, Nossa Senhora Aparecida e são Jorge, por exemplo, estão presentes nas sessões.

As primeiras décadas da umbanda não foram nada fáceis. Alguns a tinham como bruxaria. Outros, como vadiagem. Os eventos eram reprimidos com rigor. Em 1934, uma determinação da Prefeitura do Rio a colocou sob fiscalização do Departamento de Tóxicos e Mistificação da Polícia, responsável por lidar com situações relacionadas a drogas, jogo ilegal e prostituição.

Para combater o preconceito e lutar pela legalidade, os líderes da religião promoveram, em 19 de outubro de 1941, o 1º Congresso Brasileiro de Umbanda, no Rio de Janeiro. A intenção era unificar as práticas e buscar respeitabilidade social. Houve críticas de outros grupos. Os palestrantes tiraram o caráter de feitiçaria e diminuíram a importância da origem africana. Fortaleceu-se o conceito de “umbanda de magia branca”.

Mesmo com as polêmicas, a religião saiu mais guarnecida. Três anos depois, em 1944, umbandistas entregaram ao presidente Getúlio Vargas um documento chamado O Culto da Umbanda em Face da Lei. Logo o governo brasileiro colocou a religião na legalidade. Hoje, a umbanda e o candomblé, que são contados juntos no Censo, possuem 600 mil praticantes declarados.

A

Pensar na morte da bezerra Está na Bíblia. Os hebreus

sacrificavam bezerros em nome de Deus.

Quando Absalão, filho do rei David,

sacrificou a última bezerra do rebanho,

seu filho menor entristeceu.

O garoto gostava tanto dela, que morreu

de tristeza, pensando na morte da

bezerra. A expressão passou a designar

quem está desnorteado, distraído.

Origem da expressão

75 milhões sem ação na frente das telinhas

gosto de 1975. A Globo prepara-se para levar ao ar a novela Roque Santeiro, de

Dias Gomes. O Departamento de Ordem Política e Social (Dops) descobre que o texto é adaptação de peça vetada pela censura dez anos antes. Com 36 capítulos gravados, a emissora cancela a estreia.

Vão-se dez anos. Em junho de 1985, a Globo aproveita a redemocratização do País e produz nova versão. Nos papéis principais, José Wilker (Roque Santeiro) e Regina Duarte (Viúva Porcina) substituem Francisco Cuoco e Betty Faria.

A saga do herói supostamente morto que volta para a cidade natal é sucesso imediato. Em 2 de outubro bate recorde: 60 milhões de espectadores. O capítulo final, em que Porcina esquece Roque para ficar com Sinhozinho Malta (Lima Duarte), não poderia ficar atrás: reúne 75 milhões de pessoas na frente das telinhas.

A

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m 1925, Albert Einstein esteve no Brasil. Mais especificamente, no Rio de Janeiro. A convite

da Universidade de Buenos Aires, partiu para uma temporada de 51 dias na América do Sul. Saiu de navio de Hamburgo, na Alemanha, em 6 de março, e chegou à capital carioca 15 dias depois. Passou apenas um dia na Cidade Maravilhosa, para voltar mais tarde: tinha que partir para a Argentina e, depois, para o Uruguai. Agenda cheia. O gênio da Teoria da Relatividade comentou que a vista do mar no caminho do porto até o Copacabana Palace foi uma das maiores emoções de sua vida. Em visita ao Jardim Botânico, ficou deslumbrado com a exuberância de nossa flora.

Um mês depois, estava de volta. Agora com uma semana à disposição. Apesar de mostrar-se amável e gentil, em seu diário queixava-se de discursos e solenidades enfadonhas que tinha de presenciar.

Fascinado, Einstein registrou a mistura étnica que viu nas ruas cariocas. Passeou no bondinho do Pão de Açúcar e encantou-se com a vista: “Viagem vertiginosa sobre floresta selvagem em cabo de aço. Em cima, magnífico jogo de alternância de neblina e Sol.”

Enviou cartões postais da cidade para lordes europeus, participou de encontros com a comunidade judaica e comeu vatapá com pimenta. Partiu para a Alemanha em 11 de maio. Encantado, mas exausto: “Finalmente livre, porém mais morto do que vivo.”

E

Até Einstein se encantou

com o Rio

sem relativiZar

Saiba MaiS Einstein – O viajante da relatividade na América do Sul, de Alfredo Tiomno Tolmasquim

(Vieira & Lent, 2003).

Einstein com o presidente Arthur Bernardes.

escorpião Os indivíduos nascidos sob o signo de Escorpião são apaixonados – por entes queridos, ideias e projetos –, além de profundos e misteriosos. Gostam de amores platônicos e, com boa dose de sensibilidade, sabem decifrar as pessoas ao redor. Persistência e lealdade são marcas do escorpiano. Se gosta de um deles, nem pense em brincar com a confiança que ele te depositou.

23-10 a 22-11

ão era um vagão comum de

passageiros. A gente reparando, notava as diferenças. Assim repartido em dois, num dos cômodos as janelas sendo de grades, feito as de cadeia, para os presos. Para onde ia, no levar as mulheres, era para um lugar chamado Barbacena, longe.” No conto Sorôco, sua mãe e sua filha, Guimarães Rosa sintetiza o drama de quem tomava o caminho do Hospital Psiquiátrico de Barbacena, o primeiro de Minas Gerais.

Inaugurado em 1903, abrigava toda espécie de “desajeitados”: de alcoólatras a sem-tetos; de deficientes físicos a pessoas nos estágios mais graves de psicopatia. Para lá partiam trens carregados de gente de todos os cantos. Chamavam de “trens de loucos”.

Os métodos de cura eram cruéis: leucotomia e lobotomia. Utilizadas a torto e a direito, transformavam pacientes agressivos em seres apáticos. Dificilmente saíam vivos do hospital. Ao todo, mais de 60 mil pessoas morreram em suas dependências.

Em 1996, página virada, foi criado o Museu da Loucura, que trouxe à

tona o terrível passado do manicômio. “Além de preservar viva a memória da cidade, a intenção é mostrar a mudança da conduta terapêutica e como são realizados os tratamentos atualmente”, conta Lucimar Pereira da Silva, coordenadora do museu. Instrumentos cirúrgicos, imagens e sons de arquivo, além de obras de arte de pacientes, são hoje os ocupantes desse espaço que um dia foi cenário de uma realidade que só deve mesmo ser preservada nos museus.

Museu congela o triste passado dos manicômios

que não se repita

Saiba MaiS Museu da Loucura: Rodovia MG 265, Km 5, Barbacena. Fone: (32) 3332-1477.

Museu da Loucura

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“Ajudar os outros é obrigação de todos”

A vida de Vanda Elena Checo de Aze-vedo Canto sempre foi tranquila.

Saúde nunca lhe faltou e tinha um bom emprego em São Paulo, como gerente do Banespa. Ao se aposentar, em 1995, re-solveu voltar com o marido para a cidade natal, Brotas, no interior do estado. A vi-da de aposentada seguia tranquila, mas sentia falta de ser mais útil para a sociedade. Até que uma tarde acompanhou a mãe numa reunião de um grupo de combate ao câncer. E decidiu: mesmo sem nenhum caso na família, a ajuda aos mais carentes seria a sua missão de vida dali para frente. Há 13 anos ajudou a fundar a Associação Voluntária do Câncer de Brotas, entidade da qual hoje é presidente. As 20 voluntárias ajudam os atuais 50 pacientes de todas as formas possíveis. “Não falta nada aos pacientes. Num momento duro como este, quero tirar das famí-lias pobres ao menos a preocupação financeira”, explica.Mas nem tudo são flores. Houve e ainda há um trabalho árduo para manter a entidade com seu ótimo nível de atendimento. A associação foi fundada “na cara e na coragem”, recorda Vanda. Aos poucos, conseguiu a simpatia dos moradores. Alguns começaram a doar dinheiro mensalmente. Há alguns anos, a entidade recebeu

uma bela quantia, parte da herança de um admirador do trabalho das voluntárias. E em 2006, enfim, pôde construiu sua sede, fundamental para manter um bazar per-manente, um dos principais meios de arre-cadação de recursos.Vanda mantém a atividade como presi-

dente da associação com o mesmo afinco dos tempos de banco. “E levo muito a sério minha missão de ajudar os outros. Não tem esse papo de só vir à sede quando tenho vontade. Estou aqui todos os dias.” O trabalho surtiu efeito. No começo, re-corda, não era possível ajudar a todos de forma ampla. “Hoje, se alguém precisar de 10 caixas de remédios, receberá essas 10 caixas”. Há ajuda também com alimentação, balão de oxigênio, cadeira de rodas, próteses. “Ajudamos cada um com o que pre-cisa. Não medimos esforços para deixar o paciente o mais tran-quilo possível. É o mínimo que podemos fazer pela sociedade.”Para ela, a maior alegria é ver um paciente recuperado. Se for criança, a emoção é ainda maior. “Esta é a minha missão para o resto da vida”, conta. “Não há aquele lema ‘Gente que Faz’?”, per-gunta Vanda, para finalizar: “Pois eu trocaria por gente que cum-pre seu papel como cidadã cristã. É a obrigação de todos nós”.

Vanda, da Associação Voluntária do Câncer de Brotas.

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O Brasil precisa saber que tem memória

Ela zombou das convenções e lançou a pedra fundamental de um museu invisível. Um museu virtual,

construído em rede por milhares de brasileiros. Aqui não há obras de artistas, versões oficiais ou

objetos históricos. O acervo é todo constituído de histórias de vida. Ou seja, uma instituição que

coleciona pessoas: o Museu da Pessoa. Ao longo de 17 anos, Karen Worcman e sua equipe reuniram

mais de 11 mil relatos em áudio, vídeo e escritos, colhidos nos quatro cantos do País. Romperam

fronteiras e criaram museus nos Estados Unidos, Portugal e Canadá. Desbravaram o mundo

empresarial, experimentaram o institucional, invadiram as escolas – sempre com o objetivo de

reconstruir diferentes universos a partir do ponto de vista das pessoas. Aos que repetem que o Brasil

é um país sem memória, ela retruca: “Somos o país mais rico em memória que conheço, só que as

memórias estão no cotidiano. Os museus é que estão vazios”.

KAREN WORCMAN

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Como surgiu a ideia do Museu da Pessoa? Comecei a me envolver com a história oral quando ainda estudava História, no Rio de Ja-neiro. Ao fazer alguns trabalhos – primeiro sobre o fotógrafo José Medeiros, depois sobre a imigração de judeus para o Rio de Janeiro –, me vinham algumas questões sobre a função social da história. Um dia, descendo a ladeira em que eu morava, me deu um estalo: deveria haver um lugar onde a alma das pessoas pudesse ser pre-servada, um museu da pessoa. Um museu não de coisas ou fatos, mas de histórias de gente.

Como a ideia se transformou no Museu? Foi quando vim para São Paulo. No fim de 1991, trouxemos para cá a exposição sobre os imigrantes judeus, adicionando cabines de coleta de depoimentos para que os visitantes registrassem suas histórias. Os jornalistas que me entrevistavam não entendiam como uma exposição sobre a vida de anônimos poderia atrair alguém. Ou por que as pessoas se interessariam em deixar seus depoimentos. Achavam tudo muito estranho. Mas foi um sucesso. Naquele momento, o grupo de fundadores começou a pensar como o Museu da Pessoa deveria ser. Já com a ideia de que uma história pode mudar seu jeito de ver o mun-do. Isso para mim é muito transformador. Trans-formador no sentido social, cultural, emocional. Aprender a ouvir os outros talvez seja o maior de-safio que a gente – como cultura ou como indiví-duo – tem a enfrentar.

Havia algum modelo a seguir? Não, o que havia eram arquivos de história oral. E a maior parte temáticos: histórias dos negros, dos imigrantes, dos sobreviventes do Holocausto. A ideia de um lugar que reúne histórias de todas as pessoas foi inovadora. Assim como o uso da internet. O Museu já nasceu virtual, com a consciência de que nos-so acervo não é físico. Os arquivos de história oral costumam ser acadêmicos, ou estão em espaços como bibliotecas públicas. Essa cadeia do museu, aberta a qualquer pessoa que pode visitar esse espaço e registrar sua história pela internet, faz dele uma experi-ência inovadora. Acho que o salto do Museu da Pessoa se deu por uma combinação de fatores: a ideia de ampliar a participação das pessoas como construtoras do acervo, de fazer uma coisa muito colaborativa bem antes da web 2.0 e de tentar não concentrar os produtos, mas disseminá-los. Já fizemos exposições ambulantes, cabines no metrô, exposições virtuais.

Mudar a concepção do que é um museu e lançar luz sobre a vida de anônimos não dificultou a viabilização do projeto? Quando co-meçamos, em 1991, vender o modelo cultural ou de memória era inviável. Estávamos na Era Collor, fim das produções cinemato-gráficas... Mas acreditávamos que, se realmente o projeto era bom, ele iria se viabilizar, independente de qualquer coisa. Víamos que a sociedade valorizava o que queríamos fazer. As pessoas compram revistas sobre pessoas, leem sobre pessoas... As pessoas gostam de pessoas. Apostando nisso, começamos a criar mil projetos. Sempre fomos autossustentáveis. E só começamos a trabalhar com patro-cínios há três anos. Até então, vendíamos projetos, e essas vendas

garantiam o desenvolvimento do Museu. Eu diria que criamos um modelo de negócio.

Como é uma entrevista do Museu da Pessoa? Preparamos a entrevis-ta para garantir um momento sagrado. Sabe aquelas fotografias de nossos avós ou bisavós, em que aparecem todos arrumadinhos? É algo assim. Temos todo um rito, um método. A pessoa vai lá para tirar a sua foto de marinheiro, ou a sua foto de casamento, ou a foto de quando o filho nasceu – que era quando os antigos eram fotografados. Muitas vezes me perguntam sobre o que as pessoas não contam, ou sobre a veracidade das histórias. O que interessa é o dado pela pessoa, como ela quer se deixar “fotografar”. É como ela vê o mundo, ou como ela quer que o mundo seja visto.

Como possibilitar a atratividade desse acervo? Hoje criamos coleções na internet, juntando histórias que têm alguma relação: histórias de mulheres, histórias de pessoas que mudam o mundo – mu-danças sociais, culturais, pessoais. Ou coleções por afinidades: catadores de papel, profissionais da indústria. Isso proporciona acesso ao acervo. É co-mo chegar a um museu e encontrar uma exposição de artistas modernistas, abstracionistas. Também fizemos muitos produtos. São cerca de 30 livros, documentários, intranet, museus temáticos...

A ideia inspirou museus similares? Depois que o projeto inicial ficou de pé, o Museu passou a ins-pirar a criação de vários outros Museus da Pessoa pelo mundo: o Musée de la Personne, no Canadá, o Museum of the Person, nos Estados Unidos, o Museu da Pessoa de Portugal – todos com uma cor local, mas com uma visão e uma metodologia do Museu da Pessoa. Aí percebemos o valor do que havíamos criado. Montamos uma área de forma-

ção, que trabalha com a mesma metodologia nas escolas, ensinan-do professores e alunos a construir a trajetória de seus lugares a partir da história das pessoas. Depois percebemos como o Brasil estava explodindo de iniciativas de redescoberta de seus tesouros locais, e começamos o Brasil Memória em Rede, que junta iniciati-vas para desenvolver um novo jeito de pensar a história do Brasil. E, a cada passo que dávamos, encontrávamos mais passos a dar. É incrível, não para nunca.

Quais histórias mais te marcaram? A entrevista que fiz com o edu-cador Paulo Freire foi lindíssima. Ele falou sobre como pensava a educação, mas também sobre a família, o amor, a primeira mulher. Resultou num material único sobre ele. Outro sujeito muito legal de entrevistar foi o Mestre Alagoas. Ele aprendeu a ler com a irmã, lá no sertãozão. Adolescente, pegou o pau-de-arara para São Pau-lo, virou faxineiro de um prédio e foi morar na casa de máquinas do edifício. Mas detestava fazer faxina. Gostava mesmo era de ler. Então foi seguindo o sonho. Andando pelo centro da cidade, en-controu um daqueles sujeitos que anunciam cursos em cartazes. O cara era paraplégico e dava cursos de auxiliar de contabilidade, inglês, francês e latim! Ele acabou fazendo todos eles. Deixava o salário todo... E, tanto que fez, entrou no curso de Chinês da usp.

“Sabemos que o País é múltiplo,

mas quando o reconstruímos

desse jeito fica ainda

mais claro.”

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Virou doutor em Desenvolvimento Rural. Mais tarde, criou uma biblioteca com mais de 60 mil livros em Paiaiá, na Bahia. É a maior biblioteca rural do mundo!

Se fosse ficção, diriam que é inverossímil... Uma vez perguntaram ao Gabriel García Márquez de onde ele tirava sua visão mágica do mundo. “De lugar nenhum. É só olhar pela janela.” A magia está no mundo. É tão bonita a história de cada um. Ao longo da vi-da, fui descobrindo o poder transformador dessas histórias. Nas instituições, nas escolas... O Museu foi absorvendo meus sonhos particulares, e hoje sou parte disso. Ele já não é parte de mim. Eu é que sou parte do Museu.

Como acontece o trabalho nas escolas? Esse trabalho existe há 10 anos. É um trabalho longo, de um a dois anos. Turmas de alunos escolhem personagens da cidade, se preparam, aprendem a fazer entrevistas. Um grupo tira fotos, outro desenha, outro entrevista. De lá saem materiais lindíssimos. As crianças aprendem a construir um texto coletivo, a reler, a reouvir. Os resultados são incríveis, como a va-lorização da memória local, o diálo-go entre diferentes gerações, a apro-ximação entre a escola e a comuni-dade, a percepção da importância do saber das famílias por parte dos professores. Ao longo desses anos, descobrimos o poder da memória como ferramenta.

As particularidades do País contribuí-ram para a criação do Museu? O Mu-seu da Pessoa só podia ter nascido no Brasil. Este é um país que está na fronteira entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento. Na Europa, por exemplo, a história está superinstitucionalizada. Em outros países, porém, há só a tradição oral. O Brasil mistura esses dois cenários. É também um país que vive entre o mundo rural e o urbano; o industrial e o artesanal. Somos muito ricos culturalmente. Sempre dizem por aí que o Bra-sil é um país sem memória. Mas o fato é que somos o povo mais rico em memória que eu conheço, só que ela está no cotidiano. Os museus é que estão vazios. As memórias estão em exercício o tempo todo. Sobretudo nos meios rurais. O Brasil tem esse desafio a superar, porque nos últimos 50 anos surgiram as grandes metró-poles e nelas um certo esquecimento, uma certa amnésia. As famí-lias vêm do interior com muita informação e aqui, com as novas gerações, há uma ruptura. Esse movimento cria outras culturas, mas também um limbo cultural. O problema da amnésia cultural é o sujeito virar uma tábula rasa, que aceita qualquer coisa que o mundo lhe ofereça. Um país com tanta qualidade cultural não pode admitir isso. Por isso estamos cada vez mais empenhados em disseminar o conteúdo que produzimos.

Contamos histórias de um jeito diferente? Dizer que somos os úni-cos a sentar e contar histórias não é verdade. Isso é humano. A relação entre os seres humanos por meio de histórias é poderosa

em qualquer lugar do mundo. Mas aqui isso é mais natural. Aqui, montamos uma cabine de depoimentos e o sujeito entra e conta sua história sem nem saber pra quê. Me parece que a noção de pú-blico e privado é mais ambígua. Compartilhamos a esfera privada com mais facilidade – seja o interior da nossa casa ou o interior da nossa vida.

O Museu é capaz de conquistar também os jovens das grandes cida-des, sempre tão estimulados? Cada vez mais o desafio é lidar com as novas mídias, e também com as mídias convencionais. De certo modo, foram surgindo na internet ferramentas que possibilitam caminhos parecidos com os do Museu: blogs, microblogs, redes sociais. O que, na verdade, só demonstra que as pessoas querem falar de suas vidas e ouvir sobre a vida dos outros. Em 2006, em parceria com outras instituições, demos início a um movimento chamado Um Milhão de Histórias de Vida de Jovens, que articula e incentiva jovens a construir suas histórias, transformadas em ar-

quivos de áudio, vídeo e outras mani-festações. Aqui em São Paulo, um dos jovens que participou das atividades saiu muito inspirado pela experiên-cia. Voltou para seu bairro, o Parque Residencial Cocaia – uma ocupação às margens da represa Billings – e resol-veu mobilizar os grafiteiros do lugar. Eles começaram a entrevistar os mo-radores, escolheram uma rua e pinta-ram nos muros das casas a trajetória daquela gente – de um lado da rua desenharam as histórias; do outro, reproduziram as frases que colheram. É emocionante.

O que você diria que aprendeu sobre o Brasil nesses 17 anos de Museu? Acho que aprendi os Brasis. Os mil Brasis

que existem. Sabemos que o País é múltiplo, mas quando recons-truímos o Brasil a partir do relato das pessoas isso fica ainda mais claro. Aprendi a valorizar não apenas o tradicional, mas também a reinvenção das culturas, porque estamos sempre reconstruindo nossas identidades. Aprendi a valorizar a periferia, notar como, em lugares aparentemente tão ruins, nasce uma convivência bacana com o espaço, motivada pelas relações entre as pessoas e pela rela-ção com a memória. E isso acontece independentemente do nosso trabalho. Entretanto, acredito que seja fundamental o trabalho do Museu e de outras pessoas e instituições que batalham pela valo-rização de alguns aspectos do Brasil que permanecem escondidos. A gente sabe que haverá sempre uma cultura dominante. Se con-seguirmos garantir um espaço adequado para a história dos luga-res, para os saberes das pessoas, teremos cumprido o nosso papel. Ou melhor: estaremos cumprindo o nosso papel, porque esse é um trabalho que não termina. O Brasil precisa saber que tem memória. E que essa memória tem valor.

SAIBA MAIS Site do Museu da Pessoa: www.museudapessoa.netMemórias de Brasileiros – Uma história em todo canto, organizado por José Santos (Museu da Pessoa / Peirópolis, 2008).

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Ele foi dos raros atores que se tornou

conhecido pelo teatro, não pela televisão.

Sabia dirigir, mas preferia interpretar.

Era mesmo uma exceção: não encontrou

dificuldades para se estabelecer nas artes

cênicas ou realizar as peças que quis.

Sorte? Sim. Mas não mais que talento e

paixão. Aclamado por crítica e público,

só deixou os palcos quando morreu,

após 57 anos de profissão.

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de Assis, franceses e russos, trepado na árvore do quintal. Acha-va bobos os versinhos do primário e não agradava os professores com suas redações complexas. Foi estudar Direito para ser di-plomata, mas enveredou pela advocacia.A comunidade do teatro, Paulo dizia, foi a primeira da qual sen-tiu-se parte. Começou de forma despretensiosa, num curso de um instituto cultural. Com colegas de lá, fundou uma trupe amadora. Atuou em algumas montagens e foi para o Grupo de Teatro Experimental. Quando a atriz Tônia Carreiro o viu ence-nando, em 1949, insistiu para que ele entrasse em sua compa-nhia. Só então o teatro viraria profissão.

Sem nem alterar a vozPaulo teve uma carreira completamente atípica: já estreou no topo. Calculou os ganhos que tinha no escritório, os gastos da mudança para o Rio de Janeiro, e pediu um ordenado altíssimo. O sócio de Tônia aceitou, e só depois ela soube que o ator ga-

Como é que eu faço pra sair dessa?”, perguntou Paulo Autran para Abílio Pereira de Almeida, dra-

maturgo e amigo. “Paulo, não saia dessa. Você é um ator, tem talento para fazer teatro, gosta de fazer teatro. Continue.” O jovem advogado, dono de um próspero escritório e ensaiando sua primeira peça profissional, seguiu o conselho. Entregou-se à paixão pelas artes cênicas, que o realizaria por toda a vida e o consagraria como “senhor dos palcos”. Apesar de ter tentado escapar, argumentando não entender de teatro, Paulo assistia a encenações desde os 8 anos. O pai era de-legado e ganhava ingressos para o Teatro Municipal. O garoto pegou gosto e aos 11 anos já não perdia nenhuma peça em car-taz na cidade. Nascido no Rio de Janeiro em 1922, ele morou no interior de São Paulo. Mudou-se com a família para a capital quando tinha 6 anos, mesma época em que, precocemente, per-deu a mãe. Além do teatro e recitais de piano, a grande diversão era a biblioteca da vizinha. Devorava Eça de Queiroz, Machado

PAULO AUTRAN

Uma vida nos palcos

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O melhor produto do Brasil é o brasileiroCÂMARA CASCUDO

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SAIBA MAIS

Um Homem no Palco, entrevista de Alberto Guzik (Boitempo, 1998).

Paulo Autran – Sem comentários, de Paulo Autran (Cosac Naify, 2005).

Já estreou no topo. Calculou os ganhos do escritório, os

gastos da mudança e pediu um ordenado altíssimo. Só depois

souberam que ganhava mais do que os donos da companhia.

nhava mais do que os donos da companhia. Com o sucesso de Um Deus Dormiu Lá em Casa, contudo, o saldo foi positi-vo para todos. O ator estreante ganhou os principais prêmios daquele ano – os primeiros de uma extensa coleção.Paulo e Tônia foram convidados para o Teatro Brasileiro de Comédia (tbc), aspiração máxima de qualquer ator na época. Lá Autran contracenou com outros grandes, como Cacilda Becker e Sérgio Cardoso. Em 1955, formou-se a companhia Tônia-Celi-Autran, de Paulo, Tônia e o marido, o diretor Adolfo Celi, a quem Paulo creditava sua formação técnica e teórica. Logo de cara Otelo, de Shakespeare. Ficam um ano em cartaz. O crítico Décio de Almeida Prado escreveu que, para passar toda a autoridade, força e dor do general, Autran não precisava nem alterar a voz. Mais tarde, Paulo fundou a companhia com seu nome. Pro-duziu montagens, sempre atuando nelas. Chegou a dirigir também, mas gostava mesmo era de interpretar. Ao lon-go da vida, participou de 90 peças. Encenou cinco textos de Shakespeare, além de uma lista invejável de grandes au-tores. Pirandello, Dickens, Sartre, Millôr, João Cabral. My Fair Lady (1962) e Rei Lear (1996) são os dois maiores su-cessos. Liberdade, Liberdade (1965) marca a participação política. Paulo não gostava muito do assunto, mas, no co-meço da ditadura militar, achou que “não se posicionar já era um posicionamento”.

Tevê e cinemaPaulo nunca teve dificuldades para realizar as peças que quis. Sorte? Quando o crítico Alberto Guzik lhe fez a per-gunta, respondeu: “Por sorte e amor ao teatro”. Exigente, só participava do que julgava bom. Chegou a deixar um espetá-

culo em Portugal, com os ingressos já vendidos, porque acha-ra o texto péssimo. Noutra vez, foi assinar o contrato para participar de uma novela, o diretor deixou cair tinta no papel e a assinatura ficou para a semana seguinte. Enquanto isso, Paulo leu os primeiros capítulos. Mesmo com o nome anun-ciado, disse que não faria a novela “em hipótese alguma”.Na verdade, o ator nunca gostou muito de televisão, apesar de ter participado dela desde o início, em quadros de progra-mas como Alô Doçura e Noite de Gala. Torcia o nariz para as histórias arrastadas em novelas e para a interpretação pouco apurada. Experimentou atuar em Pai Herói (1979). Fez ainda Guerra dos Sexos e Sassaricando, nos anos 1980. Se compa-rado ao teatro, no cinema também não integrou muitos elen-cos. Depois de Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, fi-cou 18 anos sem ir para a telona. Dos palcos era difícil se afastar. Em 1983, quando o médi-co diagnosticou um problema cardíaco que exigia cirurgia imediata (“Fiz um exame e descobriram um entupimento de 95% das veias do coração”), pediu para adiar a operação por mais um fim de semana. Queria cumprir a agenda de es-petáculos. Quando subiu no palco e prestou atenção ao te-atro lotado, ficou tão emocionado que achou que teria um enfarte. Resistiu. A morte ainda lhe daria tempo. Mas chegou em 12 de outu-bro de 2007, aos 85 anos. Fumante incorrigível, tratava um câncer no pulmão havia um ano. Ficou em cartaz até um mês antes de morrer.

Uma vida nos palcos

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ESPECIAL

MITOS E LENDAS

mitos que metem medoEm outubro, em várias partes do mundo, comemora-se o Halloween, ou Dia das Bruxas. Tradição norte-americana. Mas será que é o caso de importar lendas alheias se temos tantos mitos capazes de botar qualquer bruxinha na sandália? Para rebater a data, há quem defenda: 31 de outubro é o Dia do Saci. Do Saci e de toda a sua turma, esses meliantes que vivem à solta, praticando toda sorte de malfeitorias. É hora de puxar a ficha corrida dessa gente e dar o veredicto. Podemos ou não tolerar tamanha série de abomináveis maldades? E mais: haverá cadeia capaz de conter a imaginação?

tenção. Eles são capazes de qualquer coisa. De azedar o lei-te a raptar crianças que teimam em não dormir; de tirar gente do rumo de casa a roubar presentes. Quebram pon-

tas de agulha, desferem coices, queimam os desavisados. Tem de todo tipo, pra todo gosto e de todos os cantos. O Cabeça de Cuia vem do Piauí; o Negrinho do Pastoreio, do Rio Grande do Sul; a Co-bra Norato, do Pará; o Tibanaré, do Mato Grosso. Tem uns que não se sabe nem de onde vêm. A quadrilha é tão extensa que não cabe-ria num Especial todinho dedicado a ela. Ao longo do tempo, perseguida, essa turma acabou se refugiando longe das histórias que contamos para as crianças. Em 1947, Câ-mara Cascudo já alertava para o risco de extinção. Em Geografia dos Mitos Brasileiros, para garantir-lhes sobrevida, resolveu pren-

dê-los num campo, bem pobre e curto, mas enfim um campi-nho onde poderão ser vistos em maior número que no meio das matas, dos capoeirões e das várzeas brasileiras, dos rios, dos ares e das montanhas da Pátria. Fez efeito. Hoje, parte fundamen-tal dos registros sobre a nossa riqueza mitológica está nas páginas escritas por Cascudo. E de lá, vira-e-mexe, saltam de volta para o terreno da imaginação dos leitores.

Segundo o crítico literário Fábio Lucas, os mitos brasileiros ser-vem de referência para que nos identifiquemos como grupo social. “Se alguém fala na Iara, por exemplo, você sabe que é brasileiro. A nação identifica esses símbolos.” No interior do País, lendas

a

Mal necessario

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Agosto 2007

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viram romances e cantorias em feiras. “Remetem a tempos fabulo-sos, em que o homem era um prolongamento da natureza, as árvo-res e os animais falavam”, completa.Este atenuante é válido. Mas como justificar o medo que instilam nas pessoas, dos senis aos mais jovens? O psicanalista Mário Corso, no livro Monstruário, defende que essa sensação colabora para nosso bem-estar: “É ótimo para as crianças. É mais fácil saber do que se tem medo. Ruim com eles, pior sem”. Para Mário, na cultura ociden-tal, Deus e o Diabo travam batalha sem fim: enquanto um organiza, o outro bagunça o mundo. E com os dois em baixa atualmente, os entes fantasiosos cumprem bem o papel. “Precisamos desses mons-tros, pois sozinhos não conseguimos explicar o mal, por isso cria-mos símbolos para sintetizá-lo”. Que tenha início então o julgamento.

á foi tema de livros, filmes e programas de tevê. Há três tipos: o Saci Trique, o Saçurá e o Pererê. Os dois primeiros são coadjuvantes, mas o último, com vo-cação para a liderança, é altamente perigoso. Delinquen-te de uma perna só, com capuz vermelho e cachimbo na boca, é acusado de amarrar o rabo de cavalos, atormen-tar cachorros e atropelar galinhas. Na cozinha, estraga a sopa, azeda o leite, além de queimar a comida. Apron-ta também com as costureiras, derrubando dedais, que-brando a ponta de agulhas, escondendo tesouras e em-baraçando novelos. Deixa os pregos de ponta para cima. Apesar da brandura de suas malvadezas, é réu reinciden-te. Prova disso é que Monteiro Lobato, já em 1918, compi-lou num inquérito as acusações que pesavam sobre o ma-landrinho, reunindo depoimentos de crianças de todo o Brasil – hoje, seguramente, todas avós, bisavós e tataravós.

SACI

j

xistem ao me-nos três orga-

nizações que acobertam e incentivam as peraltices

do Saci. A Associação Nacional dos Criadores de Sacis reúne produtores de

diferentes regiões, demonstrando a franca expansão por que passa o setor, sobretudo no interior de São Paulo. Há também a SoSaci

(Sociedade dos Observadores de Saci) e aSaciS (Saciação de Amigos e Criadores Inte-

rioranos de Sacis). Todas estão sujeitas ao en-quadramento no crime de formação de

quadrilha e apologia de sacis.

lguns a conhecem como Burrinha de Padre. Origi-

nalmente, era uma mulher. Desavisada, envolveu-

se pecaminosamente com um padre. Daí em dian-

te, toda a noite de quinta-feira se transforma em uma mu-

la incrivelmente veloz, com uma chama no lugar da cabeça.

De longe se ouve seu galope fantástico e seu cavalgar pesa-

do, barulhento. Se calha de aparecer alguém atrás, desfere

coices que cortam como navalhas. Toda a gente se assusta,

bem como os bichos. Só quando o galo canta a terceira vez

na manhã seguinte, volta à forma humana. Pela história de

mulher sofrida, e pelo fato de já estar pagando por seus pe-

cados, provavelmente terá sua pena abrandada.

MULA-SEM-CABEcA

a

mul tipl ic adores

de saci

19

e

Crime de injúria, caracterizado por ferir a honra pessoal da vítima. A ação penal prossegue mediante representação. Detenção de um a seis meses, ou multa, caso não haja acusações de maltrato a animais.

Lesão corporal. Pena de três meses a um ano de

detenção. Cabível progressão de pena. O réu pode

responder a processo em liberdade.

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er urbano, esse sujeito aterrorizador caminha pelas ruas com um saco nas costas. Se uma criança sai de casa sozinha, o elemento rapta-a de prontidão. Apesar

de preferir crianças desobedientes, todas correm perigo. Uma vez dentro do saco, o apreendido descobre o que o homem carrega: mais crianças. Uma porção delas. É uma viagem só de ida. O modernista Menotti Del Picchia, em seu conto Salomé, relata a existência dessa figura, que se es-condia sob o pseudônimo de Tinoco. Dizem que o Homem do Saco começou suas atividades ilíci-tas na Inglaterra, onde pais malvados amarravam fitas ver-melhas nos pés da cama, indicando as crianças que pode-riam ser levadas. Há quem diga que isso tudo é balela; que são ameaças dos pais para que seus filhos não saiam de ca-sa inadvertidamente. Pelo sim, pelo não, cara criança, se vir um homem na rua com as características apontadas acima, volte correndo para dentro de casa.

homem do saco

s

de caso com o tinhosovioleiro Paulo Freire, exímio contador de causos e histó-rias, gravou Boi da Cara Preta em seu disco Brincadeira de

Viola, de 2003. Já em Rio Abaixo, do ano seguinte, narra a histó-ria de um violeiro

que fez pacto com o demônio.

No encarte, dá seu testemunho: senti a proximida-

de do capeta, o tinhoso. Convivi com os violeiros sapateando na pa-

rede, as violas que tocavam sozinhas e as receitas para se fazer o pacto.

o

Halloween nasceu com os celtas, povo que habitava a Gá-lia e a Grã-Bretanha séculos antes de Cristo. A noite de 31

de outubro marcava o fim oficial do verão no hemisfério nor-te, quando se homenageavam os espíritos. Era a hallow evening (noite sagrada, em inglês). Levada por imigrantes irlandeses para os Estados Unidos em meados do século 19, a festa ganhou força, transformando-se no Dia das Bruxas. Imensas abóboras e crian-ças fantasiadas buscando doces de porta em porta são os símbo-los maiores da comemoração.

de noite sagrada a noite do terror

o

20

obra de fogo, tem grandes e assustadores olhos. Vive

na água, mas é na terra que persegue suas vítimas,

com o pretexto de proteger as matas e os animais.

Diz que só ataca quem maltrata a natureza. Mas há evidên-

cias em contrário: o jesuíta José de Anchieta, em 1560, re-

latou o caso da labareda viva que perseguia gratuitamente

as pessoas. O que se sabe de concreto é que suas vítimas

morrem, ou de medo ou queimadas. E que o algoz camu-

fla-se atrás de vários pseudônimos: Boitatá, Bitatá, Bata-

tá, Batatão e Baetatá.

Um alerta. Se encontrar MBoitatá por aí, há duas saídas: ou

ficar parado, estático mesmo, de olhos fechados e sem res-

pirar; ou, caso você esteja sobre um rápido alazão, trate de

fazer uma armadilha com uma corda. Jogue-a por cima de-

la e saia em disparada. Quando alcançar boa velocidade,

atire a corda com força contra uma árvore. MBoitatá se es-

patifará. Mas não hesite: logo ela se reagrupa.

MBOITATa

c

Falsidade ideológica: pena de reclusão de um a cinco

anos e multa. Pode aguardar julgamento em liberdade.

E também homicídio doloso privilegiado, por motivo de

relevante valor social: pena mínima (seis anos).

Cárcere privado. Reclusão de até três anos. Caso se verifique a participação dos pais, agravamento da

pena por formação de quadrilha.

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riminoso astuto, começou suas atividades sabe-se

lá onde. Para alguns, veio da Grécia, onde Licaon,

rei da Arcádia, teria servido carne humana a Zeus.

Furioso, o deus supremo o teria transformado em lobo.

Fugiu então para Roma. Perambulou por séculos pela Eu-

ropa. Depois de muito fugir, o maldito veio parar no Bra-

sil. Dizem que se esconde hoje na paulista Joanópolis, no

sopé da Serra da Mantiqueira, embora haja indícios que

não seja um, mas muitos.

Corre à boca pequena que leva vida dupla: de dia age na-

turalmente, sem despertar suspeitas. Mas em noite de Lua

Cheia transforma-se em lobo. Vagando sobre quatro patas,

se não mata suas vítimas, transforma-as em lobisomem. No

dia seguinte, o bandido acorda com as roupas rasgadas,

cansado, apático, amarelo.

A ciência ainda não descobriu cura para readaptar esse

tipo à sociedade. Armas comuns são inúteis. Só há duas

maneiras de contê-lo, dizem: tiro de bala de prata ou com

projétil revestido de cera de vela de altar, no qual celebra-

ram-se três missas natalinas.

LOBISOMEM

cambém conhecida como Coca, é velha, feia e desgrenhada. Aparece de noite para levar em-bora crianças inquietas, que teimam em não dormir quando os pais mandam. Não por acaso, exis-te uma canção de ninar (na verdade um aviso para os mais levados): Nana, neném, que a Cuca vem pegar / Papai foi pra roça, mamãe pro cafezal. Articulou uma quadrilha que possibilita agir simulta-neamente em várias regiões do País, raptando crian-ças sem deixar rastro. Em diversas partes do mundo sabe-se de sua existência. Recentemente, passou por transformações tão radicais que testemunhas relataram parecer-se mais com um dragão, ou um jacaré: tem o corpo repleto de escamas, uma boca enorme e uma ca-beleira vermelha (não se sabe se usa tintura).

cuca

t

uvidas as testemunhas,

acusações e defesas,

esta revista resolve

livrar a barra dos acusa

dos. A favor deles pesam

os seguintes fatos:

aguçam a curiosidade,

revelam sobre nossa id

entidade, estimulam a

criatividade, engrossa

m com muita sustança n

osso caldo cultural.

Que venham novos acus

ados, que se somem mai

s relatos, que se cri

e, no

fértil terreno das ide

ias, tantos campos qua

nto puderem abrigar no

ssas

lendas e mitos. E nem

poderia mesmo ser dife

rente. Eles se multipl

icam,

estão em qualquer luga

r, surgem a qualquer h

ora em que se risque a f

agulha

de novas histórias. Afin

al, haverá cadeia capaz

de aprisionar a imagina

ção?

RS

UVS

saiba maisMonstruário: inventário de

entidades imaginárias e de mitos brasileiros, de Mário Corso

(Tomo Editorial, 2004).

Geografia dos Mitos Brasileiros, de Câmara Cascudo

(Global, 2002).

T

21

Homicídio qualificado praticado por motivo fútil:

vai a júri popular. Crime hediondo. Pena de 12 a

30 anos. Caso fosse réu primário, poderia cumprir

parte da pena em regime aberto. Como é estrangeiro

clandestino, está sujeito a extradição sumária.

Formação de quadrilha. Artigo 288 do Código Penal.Pena de um a três anos. Cárcere privado: até três anos de reclusão. Reincidente, circunstância agravante que aumenta o tempo de pena. Para diminuí-la, a defesa pode alegar crime continuado (dois ou mais crimesda mesma espécie).

Consultoria jurídica: Leonardo Sica e Bruno Caires

Page 22: Almanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 08

22

Pala

vras

Cru

zada

sO Calculista das Arábias

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

Depois de uma longa viagem pelo deserto, um admirador do calculista Beremiz Samir é aprisionado por um tirano persa. Ao modo dos desafios que seu ídolo enfrentava, vê-se na seguinte situação. Deveria escolher entre duas portas do palácio do tirano: uma o levaria à liberdade; a outra, à morte. Cada uma delas possui um guardião que conhece o destino por trás das portas. Um deles fala só a verdade; o outro, somente mentiras. O viajante sabe disso,

mas não é capaz de distinguir quem pretende enganá-lo. E, pior: pode apenas fazer uma única pergunta. Qual a questão que o discípulo de Beremiz Samir deve lançar para escapar do impiedoso tirano persa?

ac

ervo

da

fa

míli

a

Clube dono do estádio da Vila Belmiro, inaugurado em 22/10/1916:(a) Vitória (b) Santos (c) Cruzeiro (d) Flamengo

O Brasil entra na 1° Guerra Mundial, em 26/10/1917, ao lado da:(a) Itália (b) Alemanha (c) Inglaterra (d) URSS

Em 2/10/1961, o Congresso aprova o regime:(a) Militar (b) Comunista (c) Monárquico (d) Parlamentarista

Em 4/10/1991, Amyr Klink retorna da Antártica, para onde foi sozinho de:(a) Monomotor (b) Balão (c) Veleiro (d) Caiaque

Encontraram imagem de Nossa Senhora Aparecida em 12/10/1717:(a) Pescadores (b) Mineradores(c) Arqueólogos (d) Bandeirantes

Onde morreu o jornalista Vladimir Herzog, em 25/10/1975:(a) Barco (b) Avião (c) Exílio (d) Prisão

Drummond (nascido em 21/10/1902) não escreveu:(a) Morte e Vida Severina (b) José(c) Quadrilha (d) No Meio do Caminho

A revolução de 1930, iniciada em 3/10/1930, levaria à presidência:(a) Jango (b) Getúlio(c) Geisel (d) Juscelino

a Nasceu na China, como meio de comunicação, para depois inspirar brincadeiras e competições. Dependendo do formato, pode ser águia, estrela, maranhão.

b Quando feito artesanalmente, pode ter tecido, espuma ou telha, por exemplo. É invenção indígena. O nome significa “tapear”, em tupi.

c Brinquedo fácil de se improvisar, era feito de osso na Antiguidade. Já teve utilidade em eleições, distribuição de herança ou como oráculo.

d Estrela de diversos jogos. A língua do pirarucu é muito útil para a fabricação, na Amazônia. Existe desde a pré-história, feito de argila.

1

2

3

4

ligue os pontos

Respostas

CARTA ENIGMÁTICA Ele foi radialista, cronista e autor de algumas obras-prima da nossa música. (Antônio Maria).

ENIGMA FIGURADO Zé Ramalho. O QUE É O QUE É? Acento Agudo.

SE LIGA NA HISTÓRIA 1b (Peteca); 2c (Cinco-Marias); 3d (Pião); 4a (Pipa)

BRASILIÔMETRO 1b; 2c; 3d; 4c; 5a; 6d; 7a; 8b.

O CALCULISTA DAS ARÁBIAS O viajante deve perguntar a qualquer um dos guardiões: “Qual a porta que o outro guardião indicaria como sendo a da salvação?”. O que mente mostrará a porta da morte; o que fala a verdade também. Bastará, portanto, escolher a outra porta.va

lÉria G

oN

Ça

lveZ/ae

Ziraldo

DE QUEM SÃOESTES OLHOS? 3 4

21

0

56

7

8Conte um ponto por resposta certa

valiação

teste o nível de sua brasilidade

Page 23: Almanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 08

ilustracões: luciano tasso

www.lucianotasso.blogspot.com

23

Homem voa?ma das brincadeiras preferidas do garoto

mineiro era Pássaro Voa?. Ele mesmo é quem conta: As crianças colocam-se em torno de uma mesa, e uma delas vai perguntando: “Pombo voa?”, “Galinha voa?”, “Urubu voa?”. E assim sucessivamente. A cada chamada, todos nós devíamos levantar o dedo e responder. Acontecia porém que, de quando em quando, gritavam: “Cachorro voa?”... ou algum disparate semelhante. Se algum levantasse o dedo, tinha de pagar uma prenda. E meus companheiros não deixavam de piscar o olho e sorrir maliciosamente cada vez que perguntavam: “Homem voa?”... É que, no mesmo instante, eu erguia o meu

U

Catapultadas, até pedras voamApesar do feito de Santos-Dumont ser

reconhecido por todo o mundo, os norte-americanos contestam. Dizem que quem inventou o avião foram os irmãos Wright,

que teriam voado três anos antes, mas só apresentaram uma prova dois anos

depois do vôo de Santos-Dumont. E, ainda assim, uma prova duvidosa: uma foto que

não comprovava data. Mas uma coisa é certa: se realmente alçou vôo, o “avião” dos irmãos norte-americanos não o fez com força própria, mas com

a ajuda de uma espécie de catapulta. Ora bolas: catapultadas, até pedras voam!

Alberto viu de perto o céu inteiro aberto.

Trav

a-Língua

pa

ra ler e repetir em v

oz al

ta

O que esta em cima de nos?

SOlUçãO nA P. 22

dedo bem alto e respondia: “Voa!...”, com entonação de certeza absoluta. O tempo e a história provaram que o menino não estava enganado. Anos depois, uma multidão o cercava no Campo de Bagatelle, em Paris. Afinal, ele jurava: “Eu posso voar”. Com

asas? “não, com uma máquina mais pesada que o ar.” Um avião? “Sim.”

Parece simples hoje, não? Mas isso faz tempo. E nunca ninguém tinha entrado num avião. Aliás, ele nem existia. O inventor do avião, o tal menino que brincava de Pássaro Voa?, se chamava Alberto Santos-Dumont. E foi nesse dia, em 23 de outubro de 1906, que ele realizou o sonho de dar asas à humanidade.

A cidade de São Paulo tem a segunda maior frota de helicópteros do mundo. Só perde para nova Iorque, nos Estados Unidos. Seiscentas

dessas aeronaves percorrem os céus paulistanos diariamente. Além de pessoas que gostam de se deslocar com velocidade, eles são muito

usados por emissoras de tevê e rádio para trazer notícias quentinhas. Mas como este número não pára de crescer, especialistas alertam: já já haverá congestionamento de helicópteros em São Paulo. Era só o que faltava...

JÁ PENSOU NISSO?

Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do AlmAnAque. Descubra a letrinha colorida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos

até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.

6 7 8 5 9 5 7 10 115 14 5 15 16

9 7 17 18 5 9 15 19 8 5 17 18 9 16

23 26 7 8 7 10 7 25 24 27 11 9

˜

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No Vale do Paraíba, entre um mar de montanhas, há uma terra cheia de histórias, festas e tradições.

Por aqui, a tragédia serviu para a descoberta de um outro patrimônio: a solidariedade.

O

SÃO LUIZ DO PARAITINGA

Terra de festa e valentia

começo é o depoimento de alguém insuspeito. Be-nito Campos, contador de histórias, artista plástico e carnavalesco. Luizense de boa cepa, ele afirma que

“toda lenda tem pernas”. E que lenda é essa sobre São Luiz do Paraitinga? “Ahh! É a da cobra grande que habita as monta-nhas do Vale do Paraíba e que um dia surgirá para causar gran-de medo e alvoroço entre as pessoas da região.” A lenda se tornou realidade no primeiro dia de janeiro de 2010. A cobra sinuosa que contorna as montanhas nada mais é do que o rio Paraitinga. Naquela manhã confusa em que o dia anoiteceu, ou melhor, onde a noite assumiu a função do dia claro, uma chuva pra lá de fim do mundo desabou sobre a pe-quena cidade encravada nas montanhas da Serra do Mar.

Em menos de 24 horas, as águas do rio subiram mais de 10 metros e se represaram sobre centenas de casarões – neles, o retrato do melhor da arquitetura colonial paulista dos séculos 18 e 19. E também sobre a catedral, a biblioteca, a prefeitura e o cartório, que ficaram em ruínas ou parcialmente destruídos.Considerada a mais brasileira das cidades paulistas, São Luiz do Paraitinga foi engolida pela cobra d’água. Porém, em se-guida, uma enorme dose de solidariedade espontânea se mo-bilizou. Centenas, milhares de pessoas de várias cidades – vi-zinhas e até mesmo longíquas – sensibilizadas e com muita disposição, deixaram seus afazeres e foram à luta para ajudar na limpeza, na contribuição de remédios, de vestuário e toda sorte de bens. E muito mais ainda: os voluntários ajudaram

24

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na reconstrução da autoestima daquela gente, diretamente ligada a sua história, música, folclore e arquitetura. Bastou a chuvarada em São Luiz do Paraitinga para vir à tona uma joia de altíssimo quilate naquelas bandas: a solidariedade.

Ô povo festeiro...Aos poucos, a cidade fundada em 1769 volta à rotina. Talvez inspirada em um de seus filhos mais queridos, Elpídio dos San-tos (1909-1970), um dos responsáveis pela tradi-ção musical da cidade, Paraitinga está “tirando de letra” as dificuldades. Entre as mais de mil canções que esse tocador de muitos instrumen-tos compôs, está o tema da novela O Rei do Ga-do, e também trilhas sonoras e participações em 32 filmes do cineasta Amácio Mazzaropi. O Carnaval de Paraitinga é considerado o melhor do interior do Estado. E dá-lhe ânimo. Ainda com a cidade castigada, os foliões tomaram as ruas, es-pantando a tristeza. Ali, nestes dias, só vale mar-chinhas. Nada de sambas ou axés. Na dianteira, o bloco Juca Telles, o mais famoso da cidade. Logo a seguir, o do Lençol, que leva esse nome porque os integrantes se fantasiam com roupas de cama. Depois, o Misto-Quente (todo mundo agarradinho dois a dois, como as fatias de pão), o Espanta Vaca, o Cruis Credo e muitos outros.

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Repare na reconstrução da igreja matriz e dos casarões. Quem assistiu às cenas pela tevê lembra que a cidade,

após a enchente, parecia ter sido destruída por um imenso bombardeio. Quem vê agora tem a impressão de

que estão construindo um cenário para novelas. Quase todas as casas estão sendo reerguidas. A igreja matriz de São Luiz de Tolosa, símbolo de Paraitinga, construída no

século 19, vai estar em pé novamente em 2012, graças a um trabalho de Hércules feito pelo Iphan e capitaneado

pelo arquiteto Paulo Galeão.

Preste atenção

Mas, de todos os festejos, o mais tradicional, popular e impor-tante da cidade é a festa do Divino Espírito Santo. A cidade pra-ticamente para durante os 10 dias de comemorações. Grupos de danças – de fitas, congadas, moçambiques e cavalhadas – surgem com vestimentas enfeitadas nas cores de sua devoção. Apesar de toda folia, da música e da diversão, o Divino reúne gente de fé para novenas, romarias e procissões. É um angu só. E por falar em angu, os gigantes mais queridos desta festa são o João Paulino e a Maria Angu, bonecos com três metros de altura que há mais de 100 anos desfilam pelas ladeiras estreitas do povoado.Na sequência das festas, vem a de Corpus Christi, que rivaliza com a do Divino em número de participantes e nos enfeites da cidade. Ô povo festeiro. “Se o sino da igreja não toca e rojão não estoura é porque a coisa tá feia”, dizem os de lá. Mas e agora que as duas principais igrejas ruíram? Quem vai tocar o sino? “Venham pra ouvir, pois vamos dar um jeito”, replicam os valentes e festeiros luizenses.

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27

Onde ficar Pousada Quinta das Amoreiras Excelente localização, na entrada da cidade. Tem aconchegantes suítes situadas num amplo jardim. Fone: (12) 9603-9861. www.pousadaquintadasamoreiras.com.br

se rviçO

Onde comer Cantinho dos Amigos Ponto de encontro de quem chega à cidade.Comida caseira em forno a lenha e pizzaria. Fone: (12) 3671-1466.Tempero da Terra Outra boa alternativa para saborear a comida regional luizense. Fone: (12) 3671-1474.

Uma das tantas figuras da

cidade é Benito Campos,

contador de histórias, artista

e carnavalesco. Não há placa

entregando o que se passa

em sua casa, assentada ao

lado da igreja do Rosário.

Mas vale bater palmas. Se ele

estiver, peça para conhecer

seu ateliê, povoado por

bonecões, máscaras e objetos

que parecem ter escapado de um livro de fábulas.

Não deixe de pedir que ele declame seus versos e

conte histórias de uma cidade que ainda encontra

tempo para ver o tempo.

Não deixe de conhecer

rafting no rio ParaibunaDaqui por diante é quase uma obrigação descer o rio Paraibuna

com os meninos do rafting, ouvindo suas histórias da grande enchente. Heróis da noite para o dia, esses jovens, graças à

coragem e destreza, resgataram com seus botes centenas de moradores aprisionados pela inundação, evitando assim perdas

muito mais graves.

Casa de Oswaldo CruzOutro filho ilustre de Paraitinga é o médico sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1912). Sua casa não sofreu danos por estar situada na parte alta da cidade, e ainda preserva o estilo colonial

da época da construção.

O afogadoNão é brincadeira, não. Prove o afogado. Antes de se espantar, o afogado não tem nada a ver com a inundação. É o prato típico da cidade.

Feito com carne cozida por três horas no fogão a lenha, é servido com arroz, batata e farinha de mandioca. Fica bem mais saboroso se ao lado tiver uma branquinha ou dourada da região.

Sao Luiz do Paraitinga tem mais

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28

ria em teoria, o fato é que a so-pa atravessou a fronteira e tam-bém se tornou muito popular no Mato Grosso do Sul.Entrou tanto na culinária do es-tado que hoje é considerado um dos pratos típicos dos sul-mato-grossenses. É encontra-

da até em tabuleiros de vendedores ambulantes. As cozinheiras locais abusam da criatividade na hora de preparar a delícia. Ao ponto de sur-gir uma frase conhecida por aquelas bandas: “Se você colocar 10 co-zinheiras da fronteira para preparar a sopa paraguaia, terá 11 receitas diferentes”. Seja qual for a receita, o importante é não esquecer de ca-prichar no queijo e na cebola. É isto que dá o sabor inigualável ao pra-to. Depois, basta levar ao forno. Simples e gostoso.

S

Sopa paraguaia

Uma sopa quedispensa colher

Uma das iguarias típicas do país vizinho – e, pela proximidade, do Mato Grosso do Sul – não tem nada a ver com a que você está acostumado a tomar. É preciso garfo e faca para se deliciar com a sopa paraguaia.

opa, pelo senso comum, é um alimento líquido que pode conter peda-

ços de vários ingredientes, co-mo carnes e legumes. Mas a sopa paraguaia não tem nada de sopa. É, na verdade, uma es-pécie de torta ou suflê, que de-ve ser comido com garfo e faca. Uma das explicações para o surgimen-to do termo é que sopa para os paraguaios da fronteira significa “torta”; o que os brasileiros chamam de “sopa” para eles seria “ensopado”. Uma outra teoria diz que o prato surgiu após a cozinheira do ditador paraguaio Carlos Antônio Lopez (entre 1844 e 1862) errar a mão ao preparar um caldo, jogar farinha de milho demais e acabar saindo algo como uma tor-ta. Só que López adorou a iguaria e mandou ela repetir a receita. De teo-

Ingredientes

2 colheres de sopa de manteiga

2 cebolas médias picadas

4 espigas de milho debulhadas

1 copo americano de leite

1 copo americano de água

3 ovos

1 prato fundo de queijo ralado grosso

6 colheres de sopa de fubá fino

1 colher de sopa de fermento em pó

Sal a gosto

Como fazer

Wik

imed

ia/

repr

od

ão

/aB

Modo de preparoPique as cebolas e refogue na manteiga, juntando sal a gosto. Adicione a água e cozinhe até que a cebola comece a se desfazer. Retire do fogo e deixe esfriar. Bata os grãos do milho no liquidificador com o leite, cuidando para que alguns fiquem mais ou menos in-teiros. Despeje sobre o refogado de cebola frio, acres-cente as gemas, o queijo, o fubá, o fermento e misture bem. Adicione as claras batidas em neve cuidadosa-mente, com movimentos de baixo para cima. Despeje a massa numa assadeira untada com manteiga e leve ao forno quente, até que se forme uma crosta dourada na superfície. Está pronto.

Page 29: Almanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 08

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por Lourenço Diaféria

Não pretendo ir fundo no Tietê, o mais paulistano rio do Bra-sil. A grafia legítima era Yetê, o

mesmo que muita água, ou rio de ver-dade. Antes do atual nome, chamou-se Anhembi, tinha variantes de grafia. Era povoado por anhumas, aves pareci-das com perdizes, que conviviam com ve-ados. Dou essas informações a partir de livros que fucei para redescobrir novidades velhas mais ou menos esquecidas.O Tietê é um rio desigual, bem de acordo com as desigualdades paulistas. Começa na Serra do Mar, humilde, assim como quem não quer nada, igual à maio-ria dos rios, espraia-se puro e límpido, transforma-se em re-canto de lazer da população, torna-se poluído e pérfido, e se-gue seu rumo não em direção ao mar, como seria natural, mas para desaguar no interior do território em outro cur-so de água, o Paraná. No longo trajeto de mais de mil quilô-metros civiliza-se, fica navegável, adorna várias cidades, en-tre elas Barra Bonita, que tem no rio seu principal cenário e atrativo turístico. Não é desse Tietê atual que escrevo. Quando nasci o rio já existia, bem ou mal funcionava, constava em mapas, porém sem as pontes de concreto. Não havia a da Casa Verde, a do Limão, a dos Remédios, a do Piqueri, a da Vila Maria. Na Fre-guesia do Ó o rio era atravessado por barcos. Daí que isola-da, acaipirada, a Freguesia de Nossa Senhora do Ó custou a ter edifícios de apartamentos e danceterias. Não se pen-sava em explorar as famosas coxinhas de galinha cremosas que agora atraem a gula de pessoas que não ligam para regi-

me. O que havia era o esporte de tiro-ao-pombo. No bairro da Vila Maria o rio era sobrepujado por

uma ponte de madeira vazada, pela qual os bondes aber-tos passavam deixando ver lá embaixo as águas sujas, mas

não tão barrentas.Na cidade de São Paulo, o Rio Tietê jamais teve educação refinada ou um mínimo de boas maneiras. Neles pescavam-se traíras, mandis, bagres e se ouvia falar, isso até mais re-centemente, de jacarés abandonados à própria sorte. Atu-almente na área urbana não se pesca nada, a não ser ilu-

sões. Havia nas margens do Tietê até restaurantes, um deles famoso por servir para eventuais suicídios. Tam-bém havia cochos onde se aprendia natação. O rio ti-

nha raias para competição de regatas disputadíssimas. Evi-dente que não fui testemunha ocular de todos esses even-tos. Sei por ouvir contar.O que sei, e sei bem, é que um colega meu, da minha idade, que tinha fama de excelente nadador, ia todo fim de semana dar suas braçadas no rio. Ia e voltava contando vantagens. Até que um dia foi e não voltou mais. Ou melhor, voltou morto, pálido, hirto, com um esgar de susto na boca man-chada de lodo. A partir desse dia larguei mão de elogiar o Rio Tietê. Não sou de guardar raiva de ninguém, menos ainda do principal rio da minha cidade. É a única razão por que às ve-zes estaco para ver levantar vôo uma ou outra garça branca que ainda habita as margens do canal eternamente retifica-do. Então também aproveito para curtir o lençol rubro que dissimula as águas sujas do Tietê quando baixa o crepúsculo à tarde, ou logo cedo quando desperta o arrebol.Mas o final desta história verídica é apenas rima para combi-nar com sol no fim do inverno.

N

PaulistaNo comdesvio de coNdutas

PaulistaNo comdesvio de coNdutas

Page 30: Almanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 08

30

ERVA-MATE

Erva da boaIndígenas que tomavam a infusão das folhas impressionaram os europeus pelo vigor

e vivacidade. O mate faz bem às funções hepáticas, digestivas, circulatórias. E, em forma

de chimarrão, congrega pessoas, estimula a camaradagem e promove a saúde mental.

ós dois gostamos de chimarrear en-quanto escrevemos. Cultivamos o hábito milenar dos índios, que

os espanhóis logo aprovaram. Em 1536, chegando ao lugar em que fundaram Asunción del Paraguay, notaram que o guarani era mais ativo que qual-quer aborígine que já haviam conhecido. Chamou-lhes aten-ção a bebida que ele tomava o tempo todo, quente (chimarrão) ou fria (tereré), chupitando de uma cuia por um canudo de bam-bu. Era a caá-y, “água da planta”, à qual o guarani atribuía poderes mágicos. A espanholada, dada à em-briaguez, viu que aquele chá em jejum depressa curava ressaca.Por sua origem, a planta rece-beu do botânico francês Saint-Hillaire o nome de Ilex paraguariensis (em Câmara Cascudo, encontramos paraguaiensis). A árvore de 7 a 15 metros de altu-ra espalhou-se pelo Uruguai, sul do Brasil e norte da Argentina, até as faldas dos Andes. Há manchas em São Paulo, Rio e Minas, pois a forma como as sementes se espalham é ornitócora – no-me técnico da dispersão promovida por pássaros. Eles adoram as frutas da erva-mate, bagazinhas vermelhas de menos de um centímetro, cujas sementes expelem por aí.

Passagem para o século 17. Sete décadas depois dos espanhóis, jesuítas portu-

gueses também notam que gua-rani não vive sem caá-y, e estu-dam a planta. Ensinam os índios

a cultivar. E, por 150 anos, exploram o comércio interno e externo da er-va. Já os bandeirantes chegam em 1628 ao Paraguai, de onde trazem

prisioneiros guaranis e, com eles, o mate – negócio que, quatro séculos de-

pois, envolverá um milhão de brasileiros. Mas partiu de dois gaúchos argentinos uma

das mais belas homenagens que lhe prestaram: a rancheira Mate Amargo, de Francisco Brancatti

e Carlos Bravo, que já tocou muito no rádio e bem merecia ser resgatada.Os guaranis a chamam caá-emi (planta querida), caá-eté (planta

essencial), caá-yara (planta senhora). Ou apenas caá – a planta. Os andinos quíchuas e aymarás cha-mam a cuia de matty, nome que os espanhóis nos passaram, daí erva-mate. Os antigos incas dispunham ramos da erva nas sepulturas, a fim de “abrir caminho” no além para seus mor-tos. Como o clima e a altitude dos Andes não são propícios à planta, aqueles povos viajavam milhares de quilômetros levan-do bens que produziam e trocando-os pelas folhas. Veja que valor esses antepassados davam ao mate.

Ilex paraguariensis

N

Page 31: Almanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 08

31 s aspas são do médico alemão Ave-Lallemant, que visitou o Rio Grande do Sul em 1858 e par-

ticipou de uma roda de chimarrão – aberta, natural-mente, pelo anfitrião. Surpreso, o alemão registrou que, a seguir, foi a vez de um mulato; depois ele, um soldado, um mameluco; e um português. Era “um co-munismo moral, uma fraternização verdadeiramente nobre, espiritualizada!”, escreveu Lallemant. “Todos os homens se tornam irmãos, todos tomam o ma-te em comum.” E dizer que a Igreja tentou abolir o mate, acusado de afrodisíaco e erva do diabo. Graças a Deus não conseguiu.Chimarrão, companheiro também na solidão, se pre-para com folhas e galhinhos da erva-mate secos e tri-turados ou socados. Água à beira da fervura, ao chiar, para não queimar a erva. Dos ancestrais, conservou-se a cuia de porongo, mas o canudo – a bomba – hoje é de metal; gente chique usa de prata e ouro. Mateador toma ao acordar, e depois do almoço, ao entardecer. Como um guarani urbano, não vive sem matear – ver-bo que ele criou e o dicionarista adotou.

“Símbolo da paz, da concórdia, do completo

entendimento”

Presente de Tupã

m guarani, cansado do nomadismo, recusou-se certo dia a partir. Sua filha Yariy ficou com ele

para ampará-lo. Aparece um pajé, a quem oferecem de sua pouca comida. Agradecido, o curandeiro pergunta o que desejam. O pai pede forças para reencontrar a tribo. O pajé lhes dá uma muda e ensina: plantem, co-lham as folhas, sequem, triturem, ponham numa cuia e acrescentem água, quente ou fria. Bebam. Assim, reza a lenda, o velho, revigorado, partiu com Yariy ao encontro de sua gente, levando a planta mágica.

A

Saiba maiSDicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo (Global, 2000).

Plantas Medicinais no Brasil, de Harri Lorenzi e Francisco José de Abreu Matos (Plantarum, 2008).

Opa! Até afrodisíaco?s índios não mateavam só por prazer, mas pa-ra matar a sede e resistir ao cansaço. O mate

é rico em cálcio, ferro, magnésio, sódio, potássio; vitaminas B, C, D e E. É energético. Diurético. Aju-da a digestão. Seus alcaloides têm ação anestésica, analgésica. Benéfico nas gripes, cólicas renais, fadi-ga cerebral, depressão. Reduz a pressão e tonifica o coração. Reforça o sistema imunológico. Sem con-traindicações – mas, cá entre nós, sendo estimulante e afrodisíaco, não tome à noite, se quiser dormir.

O

REPR

OD

ÃO

/AB

U

Page 32: Almanaque de Cultura e Saúde - FEBEC Edição 08

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Almoço negociadoO sujeito está morrendo de fome, mas só tem cinco reais no bolso. Entra num restaurante e começa a olhar o cardápio. Filé mignon:

R$ 30. Contra-filé com fritas: R$ 25. Espaguete: R$ 12. Finalmente, encontra o item mais barato do menu, Canja de galinha: R$ 6. Explica ao garçom que,

como só tem uma nota de cinco, gostaria de um desconto.

– Olha, senhor, por esse preço só podemos lhe oferecer um prato alternativo:

canja de papagaio.O rapaz fica ressabiado, mas aceita. Enquanto

espera pelo prato, sente um puxão na barra da calça, por debaixo da mesa. Era o papagaio:

– Pede a de galinha que eu entro com um real.

Na sua idadeDecepcionado com a falta de empenho do filho na escola, o pai vocifera:– Na sua idade Rui Barbosa era o melhor da turma!O filho responde:– E na sua, papai, ele já era ministro.

Dois ladrõesOs irmãos Antônio e Pedro foram presos por roubo e levados à delegacia.– Vocês são ladrões? Perguntou o delegado.– Semo sim, senhô. Responderam os dois ladrões.– Semo, não. – Corrigiu o delegado –. Somos.

– Desculpe, dotô, mas nóis não sabia que o senhô também era do ramo.

ImprovisoDurante a peça, um ator devia queimar

uma carta em cena, mas esquece o fósforo nos bastidores. Isso seria a

deixa para a entrada de outro ator. Para remediar, rasga a carta. O outro ator

entra em cena e declama:– Nossa! Mas que cheiro horrível de

papel rasgado!

Porta de conventoMendigo, com a roupa toda esfarrapada, foi bater à porta de um convento de freiras. Dirigiu-se à irmã porteira e pediu:– Irmã, me arranje calças. As minhas estão muito velhas.A irmãzinha, com pena, explicou:– Posso arrumar outras coisas, mas calças é impossível. Aqui é um convento de freiras e não tem homem.Nesse momento, passou a madre superiora e, ouvindo a resposta da irmã, repreendeu-a:– Irmã, não diga que aqui não tem homem. É capaz de ele voltar de noite para roubar.E a porteira, querendo corrigir a falha, chamou o mendigo e explicou:– Olhe, de dia aqui não tem homem. Mas de noite isso aqui fica lotado de macho.

Uma de bebâdoTarde da noite, marido trançando

as pernas chega em casa e vai direto ao banheiro. Espantado, comenta:

– Coisa esquisita, mulher. Abri a porta do banheiro, a luz acendeu. E quando saí, apagou.

Mulher, indignada, lamenta:– Meu Deus! Fez xixi de novo na geladeira.

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O vendedor de cavalos

O

Na cara duraO sujeito passa no semáforo fechado e é parado pelo guarda:– Como é que é? Não viu o semáforo fechado?– O semáforo eu vi, sim, seu guarda. O que eu não vi foi o senhor.

causo que eu quero contar agora veio de um su-jeito que se chamava Adãozinho, que ven-

dia e trocava cavalos. Um belo dia, ele oferece a um cumpadi lá dele um cavalo, sem estar com o dito-cujo à mostra.Comprador – Mas o cavalo é bão mêmo, Adãozinho?Adãozinho – Craro. Mar-cha picada. Das mió. Ocê amonta nele e quando ele marcha ocê nem sente que tá amuntado num cavalo. Ocê desliza quiném em tapete das Arábia.Comprador – E esse cavalo é novo de idade?Adãozinho – Que é isso, sô?! Ocê acha que eu ia te oferecê um cavalo véio? Um pangaré? Esse cavalinho tem só dois ano. Tá na frô da idade…

Comprador – E quanto ocê qué por esse cavalo?

Adãozinho – Tô vendendo ele baratinho. Qual-quer 500 mir réis, tô entregando.Comprador – Tá feito. Toma aqui os 500 mir réis e traz logo o animá pra eu vê.

Adãozinho busca o bicho e dêxa que o cumpadi examine pra verificar a mercadoria. O tal cumpadi

verifica tudo e por fim vai examinar a boca do cava-lo, para ver pelos dentes a idade dele. Ao tentar abrir os beiços do cavalo, só aí percebe que o dito-cujo não tinha um pedaço dos tais beiços, ficando aqueles den-

tões à mostra – uma coisa feia de se ver. O cumpadi comprador, nessa verificação, estrila raivoso:Comprador – Ô Adãozinho! Ocê falou que o cavalo era bão. Mas tô vendo aqui que esse cavalo num tem um pedaço do beiço. Ocê me vendeu um cavalo aleijado!Adãozinho (matreiro) – Péra aí! Ocê qué um cavalo pra amon-tá ou um cavalo pra assobiá? Dêxa de sê insigente, sô!

Sentido opostoUm homem está dirigindo na estrada. Sua esposa liga no celular:– Amor, tome cuidado. Ouvi no jornal que há um carro na estrada andando na contramão.– Só um? Há milhares deles! A notícia

Na floresta, uma pequena tartaruga escala uma árvore. Depois de algumas horas, alcança o topo e pula, balançando as duas patas da frente. Não dá outra: se espatifa no chão. Mas não desiste. Levanta, escala a árvore, salta. E novamente se esborracha. E novamente volta a subir na árvore…Um casal de passarinhos, consternado, assiste às tentativas. Até que o macho propõe:– Querida, não tem mais jeito. Está na hora de contar que ele é adotado. Número errado

O telefone toca na loja de calçados e o gerente atende. Uma voz pergunta:

– De onde fala?– É da loja de calçados.

– Ih, acho que errei o número.– Não tem problema… É só trazer

até aqui que nós trocamos

Na padaria– Tem pão quentinho?

– Saiu agorinha, seu Manuel.– E a que horas volta?

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Minha vida é uma vitória

B

Por Cícero Alves de Freitas

rasilândia, onde nasci e sem-

pre morei, fica bem no leste

do Mato Grosso do Sul, quase em São

Paulo. Desde 2007, com frequência

eu atravessava a fronteira de carro e rodava 460 quilômetros até

Jaú. Lá fica o hospital Amaral Carvalho, referência brasileira em

tratamento de câncer. Eu levava, trazia e acompanhava meu ir-

mão Adalto, que tratava um linfoma. Numa dessas vezes – até ho-

je me lembro bem o dia, 10 de agosto de 2008 – senti uma dor de

estômago. Como já estava no hospital mesmo, aproveitei para fa-

zer alguns exames. Descobriram, então, que eu tinha exatamente

o mesmo problema do meu irmão: um linfoma estomacal. Minha

irmã Maria José também havia sido diagnosticada da mesma for-

ma 15 anos antes. Claro que nossos outros sete irmãos passaram

a ficar bem atentos. E, comigo em tratamento, minha família ti-

nha mais um motivo para frequentar o Amaral Carvalho.

A sorte é que o hospital é maravilhoso e tem uma equipe muito

atenciosa. Fiquei admirado com o trabalho da rede de combate ao

câncer, que faz um trabalho lindo. Tanto em Brasilândia quanto

em Jaú, prestam uma assistência fantástica. No meu caso, acom-

panharam todo o andamento do tratamento, oferecendo trans-

porte de uma cidade a outra para mim e minha família, além de

fornecer medicações e auxílio, sem-

pre que necessário. Precisei tomar

três vezes uma injeção bastante cara,

custeada pela rede.

Ao longo de um ano, passei por uma cirurgia e terapias, como a

quimio. Ficava uma semana no hospital, outra em casa. E assim ia.

Eram muitas as viagens. Mas a viagem mais dramática certamente

foi quando uma van saiu de Brasilândia para Jaú levando toda a mi-

nha família: meus dois filhos, meus irmãos e tudo mais. O médico

pediu para que fossem me ver, pois havia sofrido uma complicação

cerebral e a equipe me considerou desenganado. Juntou todo mun-

do para se despedir. É incrível dizer que, por fim, meu organismo

acabou recuperando-se e hoje eu esteja tão saudável.

Meu irmão também está curado, trabalhando e tocando a vida

normalmente. Eu tive alta em setembro do ano passado e agora é

só fazer um check up a cada três meses. Em breve poderei voltar

a trabalhar, como representante de uma marca de leite.

Minha vida é uma vitória para todo mundo que se envolveu, da rede

à equipe do hospital. Minha família é evangélica e orou muito pela

situação. O pastor Jovair, que tantas vezes me acompanhou até Jaú,

me fez várias campanhas de oração. Deus correspondeu. Acredito

nos milagres da medicina, mas acho também que Jesus é maior.

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