ALVES_ALMEIDA_O Gênero No Livro Didático de Português

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Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos 668 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, Nº 01 ANÁLISE DO DISCURSO, OS GÊNEROS NO LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS: CONCEPÇÃO DISCURSIVA OU TEXTUAL? Sione Alves (UFF) [email protected] Ricardo Luiz Teixeira de Almeida (UFF) RESUMO O presente trabalho propõe uma reflexão sobre a concepção de gênero presente no livro didático de língua portuguesa. Diversas teorias no campo da linguística e da linguística aplicada referem aos gêneros. Pode-se agrupá-las em dois blocos: as teorias de gêneros discursivos (ou do discurso) e as teorias de gêneros textuais (ou do texto), que, conforme Rojo (2005 e 2008), indicam formas distintas de análise. Embora a teo- ria de gênero bakhtiniana seja a principal referência desses estudos, cada qual apre- senta um enviesamento próprio, principalmente no que diz respeito à transposição di- dática. É possível traçar um paralelo entre as teorias de Bakhtin (2011), precursor da análise de gêneros, de Marcuschi (2010) e de Schneuwly & Dolz (2004), identificando semelhanças e diferenças, e reconhecendo essas teorias como pressupostos teóricos subjacentes ao ensino de língua portuguesa. Será feita, a partir dessa reflexão, uma análise das propostas de atividades com gêneros apresentadas no quarto volume da Coleção “Tecendo Linguagens”, aprovada pelo Programa Naci onal do Livro Didático (PNLD) de 2014 e usada, atualmente, nos quatro anos finais do ensino fundamental de toda a rede municipal de ensino de Magé. Tem-se, assim, o objetivo de reconhecer as teorias de gêneros que fundamentam as questões da referida obra didática, verifican- do se há predominância da concepção discursiva ou da textual e quais as possíveis im- plicações dessa predominância para o ensino da língua. Palavras-chave: Gêneros discursivos. Gêneros textuais. Livros didáticos. Português. 1. Introdução A partir da década de 80, as discussões acerca de mudanças no ensino de língua portuguesa se intensificaram. O ensino centrava-se em estratégias e procedimentos mecânicos, análise de frases isoladas, classi- ficações de palavras descontextualizadas e na desvalorização do conhe-

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Estudo sobre gêneros do discurso

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    668 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    OS GNEROS NO LIVRO DIDTICO DE PORTUGUS:

    CONCEPO DISCURSIVA OU TEXTUAL?

    Sione Alves (UFF)

    [email protected]

    Ricardo Luiz Teixeira de Almeida (UFF)

    RESUMO

    O presente trabalho prope uma reflexo sobre a concepo de gnero presente

    no livro didtico de lngua portuguesa. Diversas teorias no campo da lingustica e da

    lingustica aplicada referem aos gneros. Pode-se agrup-las em dois blocos: as teorias

    de gneros discursivos (ou do discurso) e as teorias de gneros textuais (ou do texto),

    que, conforme Rojo (2005 e 2008), indicam formas distintas de anlise. Embora a teo-

    ria de gnero bakhtiniana seja a principal referncia desses estudos, cada qual apre-

    senta um enviesamento prprio, principalmente no que diz respeito transposio di-

    dtica. possvel traar um paralelo entre as teorias de Bakhtin (2011), precursor da

    anlise de gneros, de Marcuschi (2010) e de Schneuwly & Dolz (2004), identificando

    semelhanas e diferenas, e reconhecendo essas teorias como pressupostos tericos

    subjacentes ao ensino de lngua portuguesa. Ser feita, a partir dessa reflexo, uma

    anlise das propostas de atividades com gneros apresentadas no quarto volume da

    Coleo Tecendo Linguagens, aprovada pelo Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD) de 2014 e usada, atualmente, nos quatro anos finais do ensino fundamental de

    toda a rede municipal de ensino de Mag. Tem-se, assim, o objetivo de reconhecer as

    teorias de gneros que fundamentam as questes da referida obra didtica, verifican-

    do se h predominncia da concepo discursiva ou da textual e quais as possveis im-

    plicaes dessa predominncia para o ensino da lngua.

    Palavras-chave: Gneros discursivos. Gneros textuais. Livros didticos. Portugus.

    1. Introduo

    A partir da dcada de 80, as discusses acerca de mudanas no

    ensino de lngua portuguesa se intensificaram. O ensino centrava-se em

    estratgias e procedimentos mecnicos, anlise de frases isoladas, classi-

    ficaes de palavras descontextualizadas e na desvalorizao do conhe-

  • XVIII CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

    LINGUSTICA TEXTUAL E PRAGMTICA. RIO DE JANEIRO: CIFEFIL, 2014 669

    cimento que o aluno j possua. Essa metodologia tradicional de ensino

    era considerada uma das causas do fracasso escolar.

    O advento de estudos inspirados no sociointeracionismo, em teo-

    rias do letramento e na sociolingustica, alm da proposta de reorganiza-

    o do currculo escolar, pelos Parmetros Curriculares Nacionais

    (PCN), contriburam decisivamente para a reformulao do ensino de

    lngua portuguesa (BEZERRA, 2010, p. 40). Reformulao essa que im-

    plicou um envolvimento maior dos profissionais de educao com o pro-

    cesso ensino-aprendizagem e a preocupao com a elaborao do livro

    didtico de portugus. Para garantir a qualidade desse recurso didtico, o

    Programa Nacional do Livro Didtico inseriu vrias mudanas em seus

    critrios de avaliao.

    Nesse sentido, os Parmetros Curriculares Nacionais sugerem o

    texto como unidade bsica de ensino, no s em seu aspecto composicio-

    nal, mas tambm que os aspectos temtico e estilstico faam parte da

    anlise textual. Dessa forma, introduzem a noo bakhtiniana de gnero

    como objeto de ensino. (BRASIL, 1998, p. 23)

    O presente trabalho mostra que diversas teorias dedicam-se a in-

    vestigar os gneros, em especial, os estudos de Bakhtin, precursor da

    anlise de gneros; os estudos francfonos, por Schneuwly e Dolz e os

    estudos da lingustica textual, por Marcuschi. Circulam entre essas teori-

    as os termos gneros discursivos (ou do discurso)73 e gneros textuais (ou

    de textos) que indicam modos diferentes de conceber os gneros, segun-

    do Rojo (2005 e 2008). Cumpre ressaltar que essas teorias tm como

    principal referncia os estudos bakhtinianos sobre gneros, mas cada qual

    com um encaminhamento, apreciaes valorativas e tratamento didtico

    que lhes so peculiares.

    Pensando nisso, pretende-se conhecer as concepes e crenas

    que subjazem um dos principais recursos didticos usados no contexto

    escolar o livro didtico, identificando a concepo de gnero que fun-damenta as propostas de atividades (se a teoria de gneros discursivos ou

    a de gneros textuais). Especialmente porque, parafraseando Almeida

    (2009), os professores devem ser incentivados a reconhecer as crenas

    73 Como esse trabalho enfatiza a perspectiva bakhtiniana, veremos a seguir que o termo gneros discursivos o adequado. Essa filiao justifica-se pela referncia dos Parmetros Curriculares Na-cionais, alm da minha identificao, enquanto pesquisadora e educadora, aos estudos de Bakhtin. Creio que um trabalho pedaggico luz dessa concepo significa instaurar um processo de trans-formao das prticas em que ainda predomina o tradicionalismo.

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    670 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    circundantes para que possam adot-las conscientemente ou revis-las

    criticamente na prtica educacional.

    Alm de apresentar uma viso geral de uma das colees aprova-

    das pelo Programa Nacional do Livro Didtico 2014 (OLIVEIRA et al,

    2012), foi selecionado o quarto volume da mesma para a anlise. Espera-

    se que as atividades voltadas para o 9 ano de escolaridade do ensino

    fundamental (EF) tenham um nvel de exigncia, complexidade e consis-

    tncia bem maior que os anos anteriores, o que justifica a escolha pelo re-

    ferido volume. A coleo Tecendo Linguagens, voltada para os quatro

    anos finais do ensino fundamental, est sendo usada em toda a Rede Mu-

    nicipal de Mag. Como o segmento e local onde leciono, analisar essa

    obra didtica significa contribuir, principalmente, para minha prtica do-

    cente.

    O procedimento de anlise pode ser dividido em dois momentos:

    primeiramente, ser feito um panorama de toda coleo, em torno dos ei-

    xos leitura, conhecimento lingustico, produo textual e oralidade, tendo como base a resenha apresentada no Guia de Livros Didticos Programa Nacional do Livro Didtico 2014 (BRASIL, 2013) e o que foi possvel observar nos quatro volumes; logo aps, ser analisada uma

    atividade de cada eixo, do quarto volume, luz das reflexes tericas

    aqui expostas.

    Na prxima seo, analisamos as teorias de gneros com a contri-

    buio da viso crtica de Rojo (2005 e 2008) sobre o que as distingue.

    Na sequncia, uma seo que apresenta um breve percurso do ensino de

    lngua portuguesa. Logo aps, a anlise das propostas de atividades do

    livro didtico de portugus.

    2. Paralelo entre as teorias de gneros discursivos e gneros textuais

    A partir das consideraes de Rojo (2005 e 2008), possvel tra-

    ar um paralelo entre as teorias que tratam dos gneros discursivos (ou

    do discurso) e gneros textuais (ou de texto). Ambas enraizadas na teoria

    bakhtiniana, mas que, segundo Rojo (2005, p. 185), so vertentes meta-teoricamente diferentes.

    [...] teoria dos gneros do discurso centrava-se sobretudo no estudo das situ-aes de produo dos enunciados ou textos e em seus aspectos scio-

    histricos e a segunda teoria dos gneros de textos -, na descrio da materi-alidade textual. (ROJO, 2005, p. 185)

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    LINGUSTICA TEXTUAL E PRAGMTICA. RIO DE JANEIRO: CIFEFIL, 2014 671

    De acordo com Rojo (ibidem), as teorias de gneros discursivos

    tm como referncia os seguintes autores: Bakhtin e os membros do cr-

    culo, seus comentadores: Brait, Faraco, Tezza, Castro etc. J Bronckart e

    Adam so referncias das teorias de gneros textuais. Ambas vertentes

    possuem autores comuns como Charaudeau, Maingueneau, Ducrot, entre

    outros.

    Para Rojo (ibidem), Marcuschi, voltado tambm para a vertente

    dos gneros textuais, aproxima seus estudos tanto da teoria de gneros de

    extrao anglfona, como Biber (1988) e Swales (1990), como francfo-

    na, Adam (1990) e Bronckart (1999). E quanto abordagem dos gneros

    textuais da Equipe Didtica de Lngua da Universidade de Genebra

    (Schneuwly e Dolz), a referida autora identifica uma mescla de aborda-

    gens.

    As teorias classificadas como teoria de gneros textuais so filia-

    das ou propem trabalhos semelhantes aos da lingustica textual. J as

    teorias de gneros discursivos tm como ponto de partida a situao de

    enunciao e as relaes entre os interlocutores. As marcas lingusticas

    so enfatizadas a fim de relacion-las construo dos significados e ao

    tema do gnero.

    A teoria de gneros discursivos de Bakhtin (2011) converge para

    uma interao dialgica e uma concepo de linguagem como atividade

    humana. As prticas de comunicao so constitudas pela infinidade de

    gneros discursivos, por isso eles orientam os sujeitos nas relaes de

    qualquer esfera comunicativa e sua utilizao no ensino garante maior in-

    terao, bem como uma interpretao com foco nas prticas sociais.

    Bakhtin (2011, p. 262) define a noo de gneros como tipos re-lativamente estveis de enunciados que se elaboram no interior de cada

    esfera da atividade humana. Os gneros so constitudos historicamente, so produtos sociais e culturais, e apresentam uma viso de mundo. O

    autor articula a historicidade e os elementos reproduzveis no fluxo da

    transformao dos gneros. O dinamismo obedece s condies especfi-

    cas e finalidades de cada campo da atividade humana, bem como s de-

    mandas sociais.

    Pode-se notar que noo de gnero, o linguista articula estabili-

    dade e mudana, reiterao e abertura para o novo. Esta relativa estabili-

    dade cumpre o papel de organizar e orientar as atividades sociais e per-

    mite o reconhecimento das semelhanas entre os gneros.

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    672 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    Os gneros so heterogneos e possuem uma variedade que no se

    esgota, em razo de essa ser tambm uma caracterstica da atividade hu-

    mana da qual eles decorrem, surgem e se transformam. Tanto aos gne-

    ros orais quanto aos gneros escritos, o autor confere o carter heterog-

    neo. Por conta dessa caracterstica que no pode haver um plano nico

    para o estudo dos gneros, ou seja, da materialidade textual, pois os g-

    neros so constitudos por relaes dialgicas, que no podem ser com-

    preendidas apenas pelo sistema da lngua.

    Bakhtin (ibidem) destaca trs elementos, que numa relao intrn-

    seca definem os gneros discursivos, a saber:

    contedo temtico: que consiste no significado lingustico, segundo fa-tores sociais, econmicos, culturais, tempo e histria. No est relaciona-

    do somente ao assunto do texto, mas, sobretudo, forma como esse con-

    tedo ganha sentido e como se materializa, tendo em vista o contexto em

    que foi produzido.

    estilo: so os recursos fraseolgicos, lexicais e gramaticais escolhidos para compor o enunciado, destacando o destinatrio e as relaes dial-

    gicas com outros enunciados. O destinatrio um elemento importante

    na constituio do estilo, pois a escolha deste tem base no perfil daquele

    (idade, classe social, localizao espacial etc.). O gnero pode acomodar

    o estilo individual ao estilo coletivo, apresentando, assim, singularidades

    do locutor e tambm reconfiguraes, do estilo coletivo, a cada contexto

    especfico.

    construo composicional: refere-se organizao e estruturao dos elementos lingusticos no gnero, de acordo com cada esfera social, pos-

    sibilitando que o gnero seja reconhecido tambm pela sua forma.

    Cumpre ressaltar a distino entre os gneros primrios, conside-

    rados gneros simples, e os gneros secundrios, que so os complexos.

    Segundo Bakhtin (ibidem, p. 263), os secundrios surgem nas condies

    de um convvio cultural complexo e organizado (geralmente, escrito),

    como por exemplo, os gneros artsticos, cientficos, sociopolticos, etc.

    Enquanto os gneros primrios se formam em situaes comunicativas

    imediatas, como por exemplo, uma conversa em famlia, entre amigos,

    etc. Os novos gneros discursivos so formados atravs da incorporao

    e reelaborao dos diversos gneros j existentes. Apesar da grande dife-

    rena entre os primrios e os secundrios, a relao entre eles mtua.

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    LINGUSTICA TEXTUAL E PRAGMTICA. RIO DE JANEIRO: CIFEFIL, 2014 673

    Outra questo relevante dos estudos de Bakhtin consiste em con-

    siderar o estilo como elemento indispensvel aos gneros discursivos. O

    autor destaca (ibidem, p. 266) que, nos gneros, pode-se refletir a indivi-

    dualidade do falante, uma vez que todo enunciado individual. Os gne-

    ros menos propcios ao reflexo da individualidade so os que possuem

    uma forma padronizada, como os documentos oficiais, ordens militares,

    entre outros. Diferentes gneros podem apresentar aspectos de uma per-

    sonalidade. O estilo individual pode manter relaes de reciprocidade

    com a lngua nacional.

    Sob essa perspectiva, os estilos de linguagem so concebidos co-

    mo os estilos de gneros de determinadas esferas da atividade humana.

    Os estilos correspondem s especificidades de cada gnero, assim como

    os gneros correspondem s condies peculiares do campo. O estilo in-tegra a unidade de gnero do enunciado como seu elemento (ibidem, p. 266). As unidades, temtica e composicional, tambm se integram ao es-

    tilo.

    Para compreender as mudanas histricas dos estilos de lingua-

    gem faz-se necessria uma anlise da histria dos gneros discursivos,

    pois neles se manifestam a histria da sociedade e a histria da lingua-

    gem. Nos gneros, h um reflexo preciso e flexvel de todas as mudanas

    da vida social. Qualquer fenmeno, seja fontico, lexical ou gramatical,

    integra-se no sistema da lngua atravs dos gneros e dos estilos. Para

    Bakhtin (ibidem, p. 268), Onde h estilo h gnero. A passagem do esti-lo de um gnero para outro no s modifica o som do estilo nas condi-

    es do gnero que no lhe prprio como destri ou renova tal gnero.

    J Marcuschi desenvolve seus estudos concebendo a lngua como

    atividade social, histrica e cognitiva. Nesse contexto, a lngua tida como uma forma de ao social e histrica [...] os gneros textuais se

    constituem como aes sociodiscursivas para agir sobre o mundo e dizer

    o mundo [...] (2010, p. 23).

    O autor prope um estudo sobre gneros textuais como prticas

    scio-histricas. Para ele (ibidem, p. 19), os gneros so entidades socio-

    discursivas e contribuem para a ordenao e estabilizao das atividades

    comunicativas. Tambm so eventos textuais maleveis, dinmicos e

    plsticos que surgem, segundo s demandas socioculturais e inovaes

    tecnolgicas.

    Pertinente aos estudos sobre gneros a distino entre gneros e

    tipos textuais:

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    674 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    a) Usamos a expresso tipo textual para designar uma espcie de sequncia

    teoricamente definida pela natureza lingustica de sua composio (aspec-tos lexicais, sintticos, tempos verbais, relaes lgicas). Em geral, os ti-

    pos textuais abrangem cerca de meia dzia de categorias conhecidas co-

    mo: narrao, argumentao, exposio, descrio, injuno.

    b) Usamos a expresso gnero textual como uma noo propositalmente va-

    ga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida

    diria e que apresentam caractersticas sociocomunicativas definidas por contedos, propriedades funcionais, estilo e composio caracterstica. Se

    os tipos textuais so meia dzia, os gneros so inmeros. Alguns exem-

    plos de gneros textuais seriam: telefonema, sermo, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalstica, aula expositiva

    [...] (2010, p. 23 destaques da autora)

    O trabalho com gneros textuais no contexto escolar uma das

    preocupaes de Marcuschi (2010). Ele observa o equvoco existente em

    muitos livros didticos em tratar os gneros e os tipos textuais como sen-

    do da mesma natureza. Deve ficar claro que nos gneros ocorrem tipos

    textuais. Geralmente, num gnero possvel identificar vrias sequncias

    tipolgicas conferindo, assim, a heterogeneidade tipolgica. Como

    exemplo, ele mostra que o gnero carta pessoal pode conter sequncias

    descritivas, narrativas, injuntivas etc. (cf. quadro das sequncias tipolgi-

    cas de uma carta, ibidem, p. 26 et seq.).

    Os tipos textuais so definidos por traos lingusticos predomi-

    nantes que formam uma sequncia textual. Marcuschi adota a sugesto

    de Werlich (apud MARCUSCHI, 2010, p. 24) em relao aos critrios

    que formam a base do texto dando origem aos tipos textuais. Em sntese,

    os tipos textuais podem ser identificados pelo elemento central de cada

    sequncia: na narrao encontra-se uma sequncia temporal; na descri-

    o, tem-se uma sequncia de localizao; na exposio, predominam

    sequncias analticas ou explicativas; na argumentao, h sequncias

    contrastivas explcitas; e na injuno predominam sequncias imperati-

    vas.

    De acordo com Rojo (2005), os conceitos apresentados por Mar-

    cuschi (2010) sobre tipo e gneros textuais, assim como domnio discur-

    sivo74, no ratificam o carter social dos gneros enquanto universal con-

    creto. Para a autora:

    74 Usamos a expresso domnio discursivo para designar uma esfera ou instncia de produo dis-cursiva ou de atividade humana. Esses domnios no so textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante especficos. Do ponto de vista dos domnios, falamos em discurso jurdico, discurso jornalstico, discurso religioso etc., j que as atividades jurdica, jornalstica ou reli-

  • XVIII CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

    LINGUSTICA TEXTUAL E PRAGMTICA. RIO DE JANEIRO: CIFEFIL, 2014 675

    [...] Definir gnero textual como noo vaga para referir textos materializa-dos mesmo que adiante (p. 29) v se fazer referncia a famlias de textos implica diluir a fronteira entre gnero e texto de tal maneira que texto aparece

    como um evento ou acontecimento lingustico pertencente a uma famlia de textos que tem por designao social um (nome de) gnero, acompanhado de

    sua representao (noo) de base social. Apesar do dialogismo com as vozes

    bakhtinianas apontado acima, esse tipo de definio est bastante distante da viso de enunciado ou texto como produto material (materializao) de um

    universal igualmente concreto que o gnero (2005, p. 188).

    Rojo (2005, p. 188) observa que em alguns momentos Marcuschi

    no se preocupa em distinguir gnero, texto e discurso, rompendo assim

    o dilogo com a teoria de Bakhtin.

    Outra questo apontada pela autora diz respeito definio de hi-

    bridismo de gneros, em que Marcuschi se distancia da definio bakhti-

    niana. Esta trata a construo hbrida dos gneros como mecanismos dia-

    lgicos, ou seja, quando um enunciado possui ndices gramaticais e com-

    posicionais de um falante, mas se confunde a dois enunciados, dois mo-

    dos de falar, dois estilos, duas perspectivas semnticas e axiolgicas

    (BAKHTIN, 1935, p. 110, apud ROJO, 2005, p. 188). J Marcuschi sin-

    tetiza o hibridismo dos gneros, denominado tambm de intertextualida-

    de intergneros, em um mescla de forma e funo de distintos gneros

    (MARCUSCHI, 2002, p. 31, apud ROJO, 2005, p. 188).

    Rojo (ibidem) analisa a seguinte afirmao de Marcuschi:

    A questo da intertextualidade intergneros evidencia-se como uma mes-

    cla de funes e formas de gneros diversos num dado gnero e deve ser dis-tinguida da questo da heterogeneidade tipolgica do gnero, que diz respeito

    ao fato de um gnero realizar vrias sequncias de tipos textuais. (MARCUS-

    CHI, 2002 apud ROJO, 2005, p. 188)

    A autora mostra que mais uma vez a fronteira entre gnero e texto

    foi diluda e que as palavras gnero grifadas deveriam ser substitudas por textos ou enunciados. E, ainda nessa citao revelado que descries de sequncias tipolgicas (ADAM, 1990) poderem integrar a descrio da composio de um texto em um gnero heterogneo (ibi-dem).

    Marcuschi (2002) busca distinguir texto e discurso:

    giosa no abrangem um gnero em particular, mas do origem a vrios deles. Constituem prticas discursivas dentro das quais podemos identificar um conjunto de gneros textuais que, s vezes, lhes so prprios (em certos casos exclusivos) como prticas ou rotinas comunicativas institucionali-zadas (MARCUSCHI, 2010, p. 24 - 25).

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    676 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    [...] pode-se dizer que texto uma entidade concreta realizada materialmente e

    corporificada em algum gnero textual. Discurso aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma instncia discursiva. Assim, o discurso se realiza

    nos textos. (MARCUSCHI, apud ROJO, 2005, p. 189).

    Embora texto e gnero apaream mais bem distinguidos, Rojo

    (ibidem) observa que a definio de discurso apresentada o que Bakhtin

    denomina de sentido, significao ou tema do enunciado.

    Com essas atentas observaes, Rojo (ibidem) estabelece a dife-

    rena entre as abordagens de gneros discursivos e gneros textuais. Na

    descrio do enunciado, a primeira prioriza o tema, o significado, a acen-

    tuao valorativa atravs das marcas lingusticas, do estilo e da forma

    composicional do texto, enquanto a segunda prioriza a materialidade lin-

    gustica do texto e o aspecto funcional/contextual ao tratar dos gneros.

    Integra-se abordagem dos gneros textuais a concepo de ori-

    gens francfonas (cf. dilogo entre Bronckart, 1997 e Adam, 1999, apud

    ROJO, 2005, p. 189-193). Rojo (2005) destaca quatro principais caracte-

    rsticas comuns entre as teorias de gneros textuais:

    todas se aproximam de uma definio wittgensteiniana de gnero como famlia de textos, sendo que famlias podem ser reconhecidas por simila-

    ridades (no dizer de Wittgenstein, por formatos). Essas similaridades po-dem se dar no nvel do texto (e aqui, faz-se referncia s formas do texto

    textuais/de composio; lingusticas/de estilo ou do contexto ou situa-o/condio de produo e aqui, faz-se referncia a funo, finalidade ou critrios pragmticos/utilitrios;

    todas buscam compatibilizar anlises textuais/da textualidade com as des-cries de (textos em) gneros, seja por meio de sequncias e operaes

    textuais (Adam, Marcuschi), seja por meio dos tipos de discurso (BRON-

    CKART);

    todas remetem a uma certa leitura pragmtica ou funcional do contex-to/situao de produo; e, finalmente,

    todas mencionam a obra de e estabelecem uma aproximao no isenta de repulso e, logo, polifnica com o discurso bakhtiniano. (Ibidem, p. 192-193)

    Rojo (ibidem, p. 193) analisa que a finalidade dessas teorias

    sempre a descrio de textos, gneros, contextos, o que causa o distanci-

    amento do mtodo socioideolgico e dialgico de Bakhtin. Adam (1999),

    dentro da lingustica textual, defende claramente seus objetivos; Bron-

    ckart (1997) tem interesse no contexto sociossubjetivo e produo dos

    discursos, todavia a descrio lingustica-textual possui relevncia; e

    Marcuschi (2002) no apresenta consistncia em sua teoria, uma vez que

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    LINGUSTICA TEXTUAL E PRAGMTICA. RIO DE JANEIRO: CIFEFIL, 2014 677

    no estabelece claramente as relaes entre a noo de tipos e de gneros

    textuais, embora apresente a distino entre essas noes e mencione so-

    bre as sequncias textuais que compem um gnero.

    Pertinente a aluso a Bakhtin, no que concerne a educao lin-

    gustica de sua obra, em Rojo (2008):

    O ensino das disciplinas verbais conhece duas modalidades escolares da transmisso que assinala o discurso de outrem (do texto, das regras, dos

    exemplos); de cor e com suas prprias palavras. [...] Esta segunda moda-lidade de transmisso escolar da palavra de outrem com nossas prprias pa-lavras inclui toda uma srie de variantes da transmisso que assimila a pala-vra de outrem em relao ao carter do texto assimilado e dos objetivos peda-

    ggicos de sua compreenso e apreciao. (BAKHTIN, 1934-35/1975, p. 142, apud ROJO, 2008, p. 96)

    De acordo com Rojo (2008, p. 96), o autor identifica duas atitudes

    ideolgicas na transmisso da palavra alheia: a palavra autoritria e aquela internamente persuasiva. Esta caracterizada pelo dialogismo e pela compreenso e assimilao ativa e livre; j o discurso autoritrio (como o do pai, o dos adultos, o dos professores) exige a aceitao e o

    reconhecimento.

    A adoo dos diversos gneros na esfera escolar, ou seja, a didati-

    zao, coloca em confronto as formas do dialogismo inerentes aos gne-

    ros, aos textos e as formas autoritrias de transmisso e assimilao.

    Segundo Rojo (2008, p. 97), os estudos sobre gneros discursivos

    bakhtinianos consistem numa abordagem criativa, persuasiva, centrfu-ga, enquanto os estudos com as formas, tipologias e normas gramaticais, so formas autoritrias, modelares, prescritivas, centrpetas.

    Quanto aos estudos francfonos, atravs de Schneuwly e Dolz

    (2004) conhecemos a transposio didtica e o tratamento dos gneros da

    Equipe de Didtica de Lnguas da Universidade de Genebra. Assim como

    os Parmetros Curriculares Nacionais, os gneros nesses estudos tam-

    bm so propostos como objetos de ensino de lngua materna. Os autores

    refletem sobre a noo de gneros com base na lingustica textual e bus-

    cam vnculo com a concepo bakhtiniana de gneros discursivos e a

    concepo vygotskiana de desenvolvimento e aprendizagem.

    O gnero, nesse trabalho, concebido como um instrumento que

    cumpre a funo de desenvolver capacidades individuais; e tambm so-

    cial e mediador, possibilitando transformaes das atividades. concep-

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    678 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    o bakhtiniana, Schneuwly integra a noo de instrumento e desenvolve

    a prpria definio de gnero:

    [...] h visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador, que age discursivamen-te (falar/escrever), numa situao definida por uma srie de parmetros, com a

    ajuda de um instrumento que aqui um gnero, um instrumento semitico

    complexo, isto , uma forma de linguagem prescritiva, que permite, a um s tempo, a produo e a compreenso de textos. (SCHNEUWLY, 2004, p. 24)

    Conforme o autor, existem outros esquemas de utilizao que so

    abordados pelos nveis de operaes necessrias para a produo de um

    texto, como o nvel do contedo, comunicativo e lingustico, organizados

    pelo gnero. Nesse sentido, o gnero concebido como megainstrumen-to (ibidem).

    Poderamos aqui construir uma outra metfora: considerar o gnero como

    um megainstrumento, como uma configurao estabilizada de vrios subsis-temas semiticos (sobretudo lingustico, mas tambm paralingustico), permi-

    tindo agir eficazmente numa classe bem definida de situaes de comunica-

    o. [...] Esse megainstrumento est inserido num sistema complexo de mega-instrumentos que contribuem para a sobrevivncia de uma sociedade.

    (SCHNEUWLY, 2004, p. 25)

    Schneuwly (ibidem) analisa os gneros primrios e os secundrios

    bakhtinianos fazendo analogias ao processo de desenvolvimento da lin-

    guagem vygotskiano. Os gneros primrios so instrumentos que orien-

    tam as crianas nas diversas prticas espontneas de linguagem, assim

    como os conceitos cotidianos, que so adquiridos nas interaes sociais e

    experincias pessoais. Na medida em que novas situaes surgem, os g-

    neros tornam-se complexos. As prticas convencionais e culturais de

    contextos linguisticamente criados do acesso aos gneros secundrios,

    como os conceitos cientficos que se desenvolvem em situaes elabora-

    das de aprendizagem.

    Schneuwly e Dolz (2004) preocupam-se com os meios de ensino

    da expresso oral e escrita. Conforme os autores, o currculo escolar de-

    veria ser preciso e apresentar informaes concretas sobre os objetivos.

    Pensando nisso, propem a progresso curricular, que visa organizar a

    ordem temporal dos contedos. Ela deve consistir em sequncias de ati-

    vidades que garantam o avano da aprendizagem dos alunos. Com isso,

    sugerem os agrupamentos de gneros como instrumentos para construir a

    progresso.

    Os critrios usados para tais agrupamentos tm como base os do-

    mnios sociais de comunicao, aspectos tipolgicos e capacidades de

    linguagem dominantes. Os autores apresentam cinco agrupamentos (cf.

  • XVIII CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

    LINGUSTICA TEXTUAL E PRAGMTICA. RIO DE JANEIRO: CIFEFIL, 2014 679

    SCHNEUWLY & DOLZ, 2004, p. 51 e 102) que relacionam s tipologi-

    as: narrao, relato, argumentao, exposio e descrio de aes a fato-

    res sociais. A ttulo de exemplo os gneros orais e escritos: conto, fbu-la, lenda, narrativa de aventura etc. so agrupados devido semelhana

    da tipologia predominante: narrao; do domnio social: cultura literria

    ficcional; e a capacidade de linguagem: mimeses da ao atravs da cri-ao de intriga (ibidem, p. 51).

    Vale ressaltar que os agrupamentos no podem ser analisados de

    forma estanque, pois os gneros no podem ser classificados como per-

    tencentes a apenas um grupo. Levando em considerao o carter hetero-

    gneo dos gneros, possvel determinar certas caractersticas predomi-

    nantes como prottipo de cada agrupamento.

    Os autores propem que cada agrupamento faa parte do currculo

    em todos os anos de escolaridade, abordando diferentes nveis de com-

    plexidade. Torna-se fundamental que a organizao da progresso seja

    flexvel, tendo em vista que o processo de aprendizagem no comum a

    todos os alunos.

    Alm disso, os autores apresentam procedimentos para o trabalho

    com os gneros textuais com base na sequncia didtica. O trabalho com

    as sequncias inclui atividades de expresso e estruturao da lngua,

    pois segundo os autores, ambas as abordagens se complementam. Portan-

    to, um trabalho com base numa perspectiva textual. A perspectiva tex-tual, o que, como j foi sublinhado vrias vezes, implica levar em conta

    os diferentes nveis do processo de elaborao de textos (ibidem, p. 96).

    Uma sequncia didtica possui a seguinte estrutura: apresentao

    da situao, em que todas as informaes sobre o gnero sero expostas

    aos alunos; produo inicial, o primeiro texto (oral ou escrito) elaborado

    pelos alunos, em que ser possvel definir como e quantas sero as etapas

    seguintes; mdulo 1; mdulo 2; mdulo n, em que sero desenvolvidos diversos nveis da linguagem; e produo final, em que ser identificado

    o que os alunos conseguiram aprender.

    Diante do exposto, Rojo (2008, p. 97) defende que a crena sobre

    gneros como megainstrumento produtiva, inclusive para o ensino-

    aprendizagem. Instrumentos lingusticos, como os recursos lexicais, fra-

    seolgicos e gramaticais, ou o estilo, no sentido bakhtiniano, entram em

    funcionamento e so analisados atravs do grande instrumento, que o

    gnero. Porm, percebe-se uma mescla das duas vertentes: os gneros so

    concebidos como modelo e referncia (satisfazendo a abordagem pres-

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    680 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    critiva) e tambm pela sua flexibilidade e plurissemia (satisfazendo a abordagem criativa e persuasiva).

    Com base nos argumentos expostos, conclui-se que Rojo (2005 e

    2008) assevera inconsistncias na abordagem sobre os gneros textuais.

    Embora leve uma diversidade maior de textos para sala de aula, essa ver-

    tente no garante uma leitura crtica, reflexiva e cidad. A autora defende

    e se posiciona ao lado dos estudos com direcionamentos bakhtinianos, ou

    seja, os estudos que analisam os gneros discursivos, pelo vis dialgico,

    criativo e persuasivo.

    Em virtude dessas consideraes, convm identificar as aborda-

    gens que permeiam o livro didtico de portugus. Mas, antes da anlise

    das propostas, faremos um breve percurso metodolgico no ensino de

    lngua portuguesa.

    3. Um percurso do ensino de lngua portuguesa (Parmetros Curri-culares Nacionais, Programa Nacional do Livro Didtico e livro

    didtico de portugus)

    Em relao ao contexto das renovaes metodolgicas do ensino

    de lngua portuguesa, segundo Rojo (2008, p. 81), na primeira metade do

    sculo XX, a escola pblica ainda era restrita elite. O ensino centrava-

    se no latim, duas lnguas estrangeiras modernas, a histria da literatura, o

    estudo da gramtica e de filosofia. Os gneros, na tradio da potica e

    da retrica aristotlica, faziam parte das prticas didticas, que tinham

    como suporte a Antologia nacional. Esta apresentava textos como mode-

    los para a aquisio da norma culta (RAZZINI, 2000, p. 241, apud RO-

    JO, 2008, p. 85-86).

    Nas aulas de lngua portuguesa, os textos serviam para o estudo

    da lngua em si, ou como modelo para reproduzir ou compor, at que

    surge a chamada virada pragmtica ou comunicativa no ensino de ln-gua materna, atravs da Lei 5.692, de 1971, que impe a necessidade do

    acesso de toda a populao escola pblica (ibidem, p. 86).

    Diante do novo perfil de alunos e professores no contexto escolar,

    a reconfigurao dos objetos da disciplina tornou-se necessria. Nas d-

    cadas de 70, 80 e 90, muitos questionamentos e estudos foram levantados

    em prol da reformulao do ensino. Com isso, os Parmetros Curricula-

    res Nacionais (BRASIL, 1998) passam a adotar algumas dessas inova-

    es, destacando os textos (orais e escritos) e os gneros discursivos co-

  • XVIII CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

    LINGUSTICA TEXTUAL E PRAGMTICA. RIO DE JANEIRO: CIFEFIL, 2014 681

    mo objetos de ensino, a fim de garantir o desenvolvimento da competn-

    cia lingustica do educando, e proporcionar a reflexo e o uso adequado

    da linguagem em diversas situaes.

    A organizao dos discursos atribuda noo de gneros, os

    quais sob mltiplos aspectos envolvidos compartilham caractersticas. Os

    Parmetros Curriculares Nacionais, que se configuram em um conjunto

    de diretrizes norteadoras do ensino, recomendam que tenha como foco

    principal o texto em seus diversos gneros. Trata-se de uma verdadeira

    mudana de paradigma, que pode ser verificada no trecho do documento

    citado:

    Nessa perspectiva, necessrio contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade de textos e gneros [...] a seleo de textos deve privilegiar textos

    de gneros que aparecem com maior frequncia na realidade social e no

    universo escolar, tais como notcias, editoriais, cartas argumentativas, artigos de divulgao cientfica, verbetes enciclopdicos, contos, romances, entre

    outros. (BRASIL, 1998, p. 27)

    A preocupao de que o trabalho pedaggico parta de textos reais,

    que existam e circulem socialmente, e de que as condies de produo

    desses textos, suas formas, os temas sobre os quais eles discorrem, suas

    composies, seus estilos e suas finalidades sejam abordados, traz a no-

    o de gnero para o foco das discusses a respeito das inovaes das au-

    las de lngua portuguesa. O objetivo desta proposta de formar cidados

    capazes de participar, de forma consciente, crtica e criativa, de uma so-

    ciedade cada vez mais complexa, o que s acontecer se o aluno puder

    ter acesso a uma formao adequada para as demandas da sociedade atu-

    al. Essa formao passa pelo acesso e pelo estudo dos gneros, por meio

    dos quais nos comunicamos e agimos socialmente.

    Em sua fundamentao terica, os Parmetros Curriculares Na-

    cionais abrem um leque de referncias. Vrias vertentes sobre os estudos

    dos gneros discursivos so possveis de identificao. Tendo em vista as

    consideraes de Rojo (2008, p. 93), evidenciada a obra bakhtiniana:

    Os textos organizam-se sempre

    dentro de certas restries de

    natureza temtica, composicional e estilstica,

    que os caracterizam como

    pertencentes a este ou quele gnero. Desse modo, a noo

    de gnero, constitutiva do

    texto, precisa ser tomada como

    Todos esses trs elementos o contedo temtico, o estilo e a construo composicional esto indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e so igualmente determinados pela especificidade de

    determinado (a) esfera/campo da comunicao.

    Evidentemente, cada enunciado particular individual, mas cada esfera/campo de utilizao da lngua elabora

    seus tipos relativamente estveis de enunciados, sendo

    isso que denominamos gneros do discurso (Bakhtin,

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    682 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    objeto de ensino (BRASIL,

    1998, p. 23).

    1952-53/1979, p. 262)

    (ROJO, 2008, p. 93)

    A partir da identificao da referida teoria, possvel reconhecer

    as crenas sobre gneros que subjazem os Parmetros Curriculares Na-

    cionais. Ao se apropriarem dos estudos do Crculo de Bakhtin, o docu-

    mento prope tanto que os gneros sejam considerados como norteadores

    das atividades humanas, quanto uma anlise dialgica e scio-histrica

    dos mesmos.

    No que tange ao principal recurso de que dispe o professor, o li-

    vro didtico, houve tambm considerveis transformaes. O Estado,

    atravs de programas especficos de avaliao do Ministrio da Educa-

    o75, influenciou e pressionou inovaes nos livros.

    As obras didticas atualmente so compostas, em linhas gerais,

    por unidades com gneros diversos, contedos e atividades destinadas s

    aulas de lngua portuguesa. Tm-se a preocupao em oportunizar, ao

    aluno, o contato com gneros que circulam no meio social e em oferecer-

    lhe recursos lingusticos e expressivos, para que se possa instrumentali-

    z-lo para ampliar a compreenso de textos e sua competncia discursiva.

    O Programa Nacional do Livro Didtico representa um reflexo

    das renovaes metodolgicas e preocupao com a qualidade do ensino

    pblico. A partir de 1996, segundo Rangel (2002, p. 13), o Ministrio da

    Educao (MEC) passou a subordinar a compra dos livros didticos ins-

    critos no Programa Nacional do Livro Didtico aprovao prvia. Fa-

    zem parte da equipe avaliadora dos livros didticos, alm da comisso

    oficial do Ministrio da Educao, educadores e pesquisadores envolvi-

    dos no processo ensino-aprendizagem e em estudos cientficos.

    75 Segundo Batista (2000, apud BEZERRA, 2010, p. 45): A relao do Ministrio da Educao (MEC) com o livro didtico vem bem antes dos anos 1990: desde 1938, quando foi instituda a Comisso Nacional do Livro Didtico (CNLD), que estabeleceu condies para a produo, importao e utili-zao do livro didtico. Em 1966, foi criada a Comisso do Livro Tcnico e do Livro Didtico (COL-TED), para coordenar as aes relativas produo, edio e distribuio do livro didtico; em 1971, o Instituto Nacional do Livro (INL) passou desenvolver o Programa do Livro Didtico para o Ensino Fundamental (PLIDEF); em 1976, a Fundao Nacional do Material Escolar (FENAME) passou a ser responsvel pela execuo dos programas do livro didtico; em 1983, foi criada a Fundao de As-sistncia ao Estudante (FAE), que incorporou o PLIDEF; em 1985, o PLIDEF foi substitudo pelo Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD), que imprimiu vrias mudanas na avaliao do livro didtico; e, em 1996, iniciado o processo de avaliao desse livro, nos moldes atuais.

  • XVIII CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

    LINGUSTICA TEXTUAL E PRAGMTICA. RIO DE JANEIRO: CIFEFIL, 2014 683

    Vale ressaltar que os princpios e critrios definidos pelo progra-

    ma, especialmente no caso de lngua portuguesa, so um conjunto de

    crenas e valores sobre o ensino de lngua materna. Subjacentes s orien-

    taes esto as concepes dos idealizadores e integrantes do programa,

    influenciados por estudos sobre lngua e linguagem, que geraram tam-

    bm inovaes metodolgicas assumidas por documentos oficiais, como

    os Parmetros Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares para a

    educao bsica, por exemplo.

    Os livros didticos de portugus que no apresentarem os requisi-

    tos so excludos do processo de escolha pelas escolas. Estas tm acesso

    ao Guia de Livros Didticos, que as orienta nesse processo. Alm dos

    critrios (comuns e especficos) para a aprovao dos livros no Programa

    Nacional do Livro Didtico 2014, o Guia apresenta resenhas crticas de cada coleo aprovada e orientaes para analis-las no processo de es-

    colha. Com isso, oferece subsdios para o professor optar pela coleo

    mais adequada ao projeto poltico-pedaggico da unidade escolar e pro-

    porciona reflexo sobre as possveis intervenes: desdobramentos ou

    redues de atividades em sala de aula.

    De acordo com o Guia (BRASIL, 2013, p. 7-8), as colees apro-

    vadas pelo Programa Nacional do Livro Didtico fornecem parte dos re-

    cursos para o trabalho docente, ou seja, o livro no deve ser o nico re-

    curso. As colees visam:

    ampliar e aprofundar a experincia do aluno com a cultura da escrita;

    desenvolver sua proficincia nas prticas discursivas (oral, leitu-ra e produo textual), inclusive nas prticas menos cotidianas,

    que apresentam maior nvel de complexidade;

    propiciar reflexo e construo progressiva de conhecimentos sobre a lngua e a linguagem;

    aumentar a autonomia do aluno e o prosseguimento nos estudos.

    Em relao aos gneros discursivos, o documento menciona que

    o ensino deve organizar-se garantindo ao aluno: (...) a proficincia em leitura e escrita no que diz respeito a gneros discursivos e tipos de texto

    representativos das principais funes da escrita em diferentes esferas de

    atividade social (ibidem, p. 16).

    De acordo com o Guia:

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    684 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    (...) as prticas de reflexo, assim como a construo correlata de conhecimen-

    tos lingusticos e a descrio gramatical, devem justificar-se por sua funciona-lidade, exercendo-se, sempre, com base em textos produzidos em condies

    sociais efetivas de uso da lngua, e no em situaes didticas artificialmente

    criadas. (BRASIL, 2013, p. 17)

    Pode-se depreender dessa orientao, a crena de um ensino de

    lngua portuguesa que privilegie a real comunicao discursiva, inferin-

    do, assim, o estudo dos gneros, pois esses se efetivam nas prticas soci-

    ais e orientam os falantes nas diversas situaes.

    Considera-se que o livro didtico apresenta escolhas e nfases em

    assuntos e atividades didticas, que revelam um sistema de crenas, valo-

    res e concepes. Alm disso, obedecer s leis de consumo e aos critrios

    de aprovao do Programa Nacional do Livro Didtico imprescindvel.

    No se pode ignorar essas influncias na construo da obra didtica,

    mas tentar compreender como esse conjunto de concepes, orientaes

    e regras se materializam e se acomodam no livro didtico.

    Na prxima seo, reconheceremos como o conceito de gnero se

    efetiva no livro didtico de portugus, atravs da anlise de propostas de

    atividades na obra j referida.

    4. Anlise das propostas de atividades do livro didtico de portugus

    4.1. Um panorama da coleo Tecendo Linguagens

    Cada volume da coleo Tecendo Linguagens organizado em

    quatro unidades, que so divididas em captulos e subdividas em sees e

    subsees. A coleo contempla os quatro eixos que satisfazem o ensino

    de lngua portuguesa: leitura, conhecimento lingustico, produo textual

    e oralidade, conforme a resenha do Guia de Livros Didticos 2014 (BRASIL, 2013).

    O princpio organizador da coleo o tema. Temas como a vida

    em sociedade, identidade pessoal, o mundo da fico, cultura popular,

    consumo, lusofonia, lngua e linguagem, profisso, discriminao, vio-

    lncia entre outros so relacionados a diversos gneros escritos, como ar-

    tigos cientficos e de opinio, contos, crnicas, charges, histrias em

    quadrinhos, mang, poemas, propagandas, reportagens etc.; e gneros

    orais, como debate, entrevista, jri simulado e seminrio. Podem-se ob-

    servar as seguintes esferas ou domnios discursivos: cientfico, cotidiano,

    escolar, jornalstico, literrio, jurdico, publicitrio etc.; e os seguintes

  • XVIII CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

    LINGUSTICA TEXTUAL E PRAGMTICA. RIO DE JANEIRO: CIFEFIL, 2014 685

    suportes de gneros: cartazes, internet, jornais, revistas, livros, outdoor,

    panfleto, televiso etc.

    A coleo privilegia o eixo de leitura, associando o contexto esco-

    lar s prticas sociais e abordando os trs nveis de compreenso: o obje-

    tivo, o inferencial e o avaliativo. Apresenta textos multimodais e caracte-

    rsticos das novas mdias. As atividades propem a anlise estrutural dos

    gneros e suas funes comunicativas.

    O eixo de produo textual (escrita) prope gneros que foram es-

    tudados nos captulos, estabelecendo a relao entre os eixos de leitura e

    produo. Alm da produo criativa, so apresentados transcries e re-

    contos, bem como, orientaes para planejamento, avaliao e escrita.

    Esse eixo tem como fundamento a progresso curricular, pois visa adotar

    uma variedade tipolgica (narrativa, expositiva, descritiva, e argumenta-

    tiva) atravs dos gneros, em cada ano de escolaridade. Pode-se, aqui, re-

    conhecer a consonncia com a proposta didtica de Schneuwly e Dolz

    (2004) revisada neste trabalho.

    Observa-se que o eixo de oralidade no satisfatrio. A coleo

    apresenta poucos gneros orais. O prprio Guia (BRASIL, 2013) reco-

    nhece a escassez do trabalho com a oralidade na coleo e sugere aos

    professores, em sua resenha, um maior desdobramento das atividades em

    sala de aula.

    O eixo de conhecimentos lingusticos enfatiza a construo de co-

    nhecimentos gramaticais e o recurso nomenclatura tradicional. O Guia

    (ibidem) assevera que esse eixo visa a uma perspectiva tradicional e o

    considera um ponto fraco da coleo.

    Feito esse panorama e consideraes crticas de toda a coleo, fa-

    remos a seguir uma anlise das propostas de atividades do quarto volu-

    me.

    4.2. Propostas de atividades referentes ao 9 ano de escolaridade do ensino fundamental

    Esta seo apresenta uma reflexo sobre propostas de atividades

    do 9 ano de escolaridade do ensino fundamental, dos eixos de leitura,

    produo textual, oralidade e conhecimentos lingusticos, da coleo Te-

    cendo Linguagens.

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    686 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    A proposta a seguir integra o eixo de leitura. A unidade explora a

    esfera literria e o captulo aborda o gnero conto, sobre a temtica discriminao social. As questes referem-se ao conto O vagabundo na esplanada, de Manuel da Fonseca, da seo Prtica de leitura e subseo Por dentro do texto:

    (OLIVEIRA, T. A. et al., 2012, p. 22)

    Como se pode perceber as trs primeiras questes enfatizam a es-

    trutura do gnero e informaes de fcil identificao. As questes 1, 2,

    3.d e 3.e recorrem a elementos explcitos na materialidade textual e

    transcrio, que no exigem a reflexo do aluno. A questo 3.a prope a

    pesquisa do significado da palavra, sem estimular a construo e mani-

    festao do significado no referido contexto. A questo 3.b trata da pre-

    dominncia da tipologia textual, tal como as teorias dos gneros textuais

    propem (conforme os estudos de Marcuschi e Schneuwly e Dolz revisa-

    dos neste artigo). Porm, a questo no representa um nvel de complexi-

    dade para alunos do 9 ano de escolaridade do ensino fundamental, uma

    vez que a resposta j foi dada no enunciado 3. (Releia a descrio do

  • XVIII CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

    LINGUSTICA TEXTUAL E PRAGMTICA. RIO DE JANEIRO: CIFEFIL, 2014 687

    vagabundo). Enquanto a questo 3.c trata dos recursos gramaticais de forma tradicional, exigindo apenas a nomenclatura tradicional de classi-

    ficao das palavras sem evidenciar a funo desse recurso no processo

    de compreenso do gnero e sua acentuao valorativa. O que permite

    observar um distanciamento dos estudos de gneros discursivos, ou seja,

    da concepo discursiva de gneros.

    No eixo de produo textual (escrita), uma das propostas que o

    quarto volume apresenta consiste na produo de um conto, gnero estu-

    dado no captulo anterior, portanto, os alunos tiveram oportunidade de

    conhecer suas caractersticas para depois produzir. Na seo Produo de texto, so apresentadas orientaes relevantes para o planejamento e criao do conto, bem como trs opes de temas para a escolha do alu-

    no. Parte dessas orientaes encontra-se a seguir:

    (OLIVEIRA, T. A. et al, 2012, p. 50)

    Essa proposta aborda aspectos variados da linguagem, apresen-

    tando elementos essenciais para reflexo dos alunos nos itens 1, 2, 3 e 4

    Para escrever o conto e 2, 3, 4 e 5 Orientaes para a produo. Porm, no item 1 (em Orientaes para a produo), observa-se uma contradio ao tratar das tipologias textuais. O enunciado refere-se nar-

    rativa como sequncia encontrada no conto e a descrio como recurso.

    Infere-se, aqui, que narrao e descrio no so da mesma natureza, ou

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    688 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    seja, ambas sequncias tipolgicas como foram tratadas na proposta de-

    monstrada anteriormente (3.b). A coleo se apropriou dos estudos das

    tipologias, da lingustica textual, de forma inconsistente. Portanto, os

    alunos no foram bem orientados para essa produo.

    Em relao ao eixo da oralidade, como j dito anteriormente, os

    gneros orais, na coleo so escassos. O exemplo que se segue uma

    das poucas propostas que o quarto volume apresenta:

    (OLIVEIRA, T. A. et al., 2012, p. 197)

    Alm de no apresentar os diversos gneros orais que circulam no

    meio social, o trabalho tambm parece insatisfatrio, pois prope a retex-

    tualizao, que significa descaracterizar o gnero. O gnero oral entre-vista foi editado em determinado veculo de comunicao, que cumpre um papel social, tem determinada intencionalidade e em um tempo e es-

    pao disponvel; os atores da situao demonstram sua identidade e posi-

    cionamentos atravs de sua fala; enfim muitas revelaes podem ser fei-

  • XVIII CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

    LINGUSTICA TEXTUAL E PRAGMTICA. RIO DE JANEIRO: CIFEFIL, 2014 689

    tas. Propor a reescrita da entrevista sem os marcadores conversacionais

    descartar ricas possibilidades de anlise. Os professores devem mesmo

    fazer uso dessa proposta desdobrando-a, como sugere o Guia de Livros

    Didticos (BRASIL, 2013).

    Quanto ao eixo de conhecimentos lingusticos, encontram-se, no

    quarto volume, atividades de anlise gramatical com gneros apresenta-

    dos somente para esse fim, ou seja, usa gneros como pretexto, como os

    exemplos a seguir:

    (OLIVEIRA, T. A. et al., 2012, p. 158-159)

    As propostas de atividades acima fazem parte da unidade que ex-

    plora os temas: preservao ambiental e cultura; e os gneros-chave, para

    leitura e interpretao, so artigo de opinio e reportagem. Como pos-

    svel notar, o fenmeno da variao lingustica no foi explorado, que se-

    ria enriquecedor nesses casos. Na questo 2, o gnero abordado (fbula)

    nem sequer foi mencionado. Novamente prope a reescrita ao invs de

    mincias anlises. O destaque foi o da correo, ou seja, o enquadre de

    uma manifestao lingustica norma de prestgio; e mencionando, ain-

    da, que esse o papel do professor. Alm disso, o eixo de conhecimentos

    lingusticos tratado de forma estanque aos demais. Alguns gneros so

    apenas motivaes para anlises gramaticais.

    5. Consideraes finais

    Neste trabalho, conheceu-se um pouco da transformao do traba-

    lho com textos nas aulas de lngua portuguesa; o uso do livro didtico de

    portugus; e principalmente, a respeito dos gneros, foi possvel apro-

    fundar a definio e distino entre gneros discursivos e gneros textu-

    ais, bem como suas transposies pedaggicas.

    Compreende-se, pois, que as teorias de gneros discursivos enfa-

    tizam a manifestao dos discursos em cada situao de comunicao,

    considerando o tema, o estilo e a construo composicional (BAKHTIN,

    2011). J as teorias de gneros textuais enfatizam a descrio estrutural

    do gnero e sua materialidade. A ttulo de exemplificao, destacou-se

  • Crculo Fluminense de Estudos Filolgicos e Lingusticos

    690 CADERNOS DO CNLF, VOL. XVIII, N 01 ANLISE DO DISCURSO,

    que Bakhtin representa um terico que props um estudo sobre os gne-

    ros discursivos; Marcuschi, sobre gneros textuais; e Schneuwly e Dolz,

    se aproximam de ambas vertentes, conforme Rojo (2005 e 2008).

    Como resposta questo do presente trabalho, as propostas anali-

    sadas indicam que na coleo Tecendo Linguagens (vol. 4), aprovada pe-

    lo Programa Nacional do Livro Didtico 2014, h predominncia da concepo textual de gneros como embasamento terico. Convm res-

    saltar que, ainda assim, a apropriao dessas teorias (as de gneros textu-

    ais) no plena, pois foi observada inconsistncia ao tratar das tipologias

    textuais. O avano metodolgico est na adoo da diversidade de gne-

    ros, de variados temas, suportes e esferas sociais, mas a explorao dos

    mesmos, no referido volume, ainda limitada. Gneros representativos

    da vivncia real, com anlise superficial, no garantem interao eficien-

    te com o meio. Verifica-se nfase na materialidade lingustica, decodifi-

    cao de informaes explcitas e pouco complexas, transcries, corre-

    o e reescrita dos gneros. Atividades essas que no oportunizam uma

    viso reflexiva e crtica dos alunos, principalmente, os que esto prestes a

    concluir o ensino fundamental.

    Enfim, dentro dos limites do artigo, espera-se que estas reflexes

    contribuam para um trabalho pedaggico luz dos estudos da concepo

    discursiva de gneros. Esta no descarta a materialidade textual, apenas a

    complementa com uma abordagem criativa e dialgica. Que os docentes

    possam revisar as propostas do livro didtico de portugus a fim de bus-

    car consistncia e qualidade para sua prtica educacional.

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