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ALTERNÂNCIA E FORMAÇÃO NA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO
CAMPO
Maria de Fátima Almeida Martins
Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
O artigo apresenta inicialmente o contexto histórico do Movimento da Alternância no
Brasil, bem como o seu nascedouro iniciado nas primeiras décadas do século XX na
França, quando agricultores e agricultoras, preocupados com a escolarização e o futuro
dos filhos no campo empreenderam esforços para criar uma escola, cujo funcionamento
possibilitasse a permanência dos mesmos junto à família. Pela significância e
correspondência na mediação entre trabalho e escola na vida dos trabalhadores rurais
franceses, é que, em meados deste mesmo século houve um processo de expansão dessa
experiência para vários outros países. Na sequencia, por ter tido a alternância uma
importância na formação e estruturação da escola do campo, essa metodologia passa a ser
assumida na universidade, por ser esta uma das condições de acesso e integrar dois
espaços intrínsecos às escolas do campo. Assim é que considerando a especificidade da
formação de professores do campo, e, tendo em vista os sujeitos envolvidos, a forma
metodológica da alternância foi assumida para a organização dos tempos e espaços. Na
formação destes, a incorporação ao processo de ensino aprendizagem, a prática cotidiana,
assim como os contextos referentes à reprodução ampliada do capital que se realiza no
campo passam a ser centrais. E isto só foi possível com o processo de formação por
alternância. É importante frisar que, no caso da formação de professores para o campo,
alcançar com objetividade uma aprendizagem significativa, é fundamental ter o campo e
suas dimensões econômicas, sociais, culturais e políticas como base para a formação, mas
é também importante a interdisciplinaridade para a orientação do trabalho pedagógico.
Palavras-chave: Alternância, Licenciatura em Educação do Campo, Formação de
Educadores
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 300917
ALTERNÂNCIA E FORMAÇÃO NA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO
CAMPO
Maria de Fátima Almeida Martins
Universidade Federal de Minas Gerais
A alternância e sua historicidade no Brasil
A Alternância enquanto metodologia tem uma de suas raízes fincadas e iniciadas nas
primeiras décadas do século XX na França, quando agricultores e agricultoras,
preocupados com a escolarização e o futuro dos filhos no campo empreenderam esforços
para criar uma escola, cujo funcionamento possibilitasse a permanência dos mesmos junto
à família. Pela significância e correspondência na mediação entre trabalho e escola na
vida dos trabalhadores rurais franceses, é que, em meados deste mesmo século houve um
processo de expansão dessa experiência para vários outros países.
No Brasil, a primeira experiência foi efetivada em 1969 na cidade de Anchieta no Estado
do Espírito Santo. Esta experiência se iniciou como pratica educativa alternativa, isto é,
fora do sistema oficial de ensino. Porém ao longo das décadas subsequentes foram sendo
estabelecidos diálogos com o sistema público, que, sensibilizado passou a ofertar as séries
finais do ensino fundamental e o ensino médio articulado à formação profissional.
A partir destas experiências, o que há hoje na escola básica é a articulação a nível nacional
através dos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs), congregando as
Escolas Famílias Agrícolas (EFA), as Casas Familiares Rurais (CFR) e as Escolas
Comunitárias Rurais (ECOR) somando 247 experiências, espalhadas por mais de 20
estados do país. Contudo, estas experiências, embora possam reforçar as evidencias da
pratica por alternância que é a de possuir “uma das características, [mas] às vezes mais
evidente e a mais ignorada, [que] é a diversidade” como bem argumenta (MAYEN, 2012,
p. 188). Já para Queiroz (2004) a alternância é a condição vital para as experiências de
formação dos CEFFAs.
Pela riqueza, seja na organização, seja na efetivação da prática docente, a alternância não
significa apenas um alternar físico, um tempo na escola separado por um tempo em casa.
Esse movimento representa e constituísse como a espinha dorsal dos CEFFAs. Os
processos de ir e vir estão baseados em princípios fundamentais, tais como: a vida ensina
mais do que a escola; e isto e se aprende também na família, a partir da experiência do
trabalho, da participação na comunidade, nas lutas, nas organizações e nos movimentos
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sociais. O conceito de alternância vem sendo definido, entre muitos autores, Begnami
(2003) ressalta-o como um processo contínuo de aprendizagem e formação na
descontinuidade de atividades e na sucessão integrada de espaços e tempos. Neste sentido,
a formação está para além do espaço escolar e, portanto, a experiência vivida e
incorporada ao processo se torna um lugar com estatuto de aprendizagem e produção de
saberes, em que o sujeito conquista um lugar de ator protagonista, apropriando-se
individualmente do seu processo de formação.
Como princípio, compreendemos que a alternância agrega necessariamente o movimento
do sujeito no mundo em seus diferentes contextos e ritmos nos quais estejam inseridos.
Desta forma, a alternância propicia a integração entre o trabalho e a formação. Nesta
perspectiva analítica e prática, na alternância, a realização das atividades é entendida, não
como complementar, mas de interação permanente entre as atividades formativas e o
trabalho do formador no processo educativo, onde os sujeitos e os sistemas constituem-
se num movimento dinâmico de formação e não uma mera transmissão de conhecimentos.
Neste sentido, os alternantes são considerados pessoas autônomas, responsáveis e autoras
de si mesma no processo formativo.
Como espaços de realização destas práticas, os CEFFAs buscam estabelecer uma
dinâmica entre a família e a escola. No Tempo Comunidade, ou Tempo Socioprofissional,
os educandos trabalham e convivem com a família e a comunidade. No tempo Escola, os
educandos reelaboram, discutem e refletem sobre o Plano de Estudo, ou seja, a pesquisa
realizada na família e na comunidade. No retorno para a família os educandos levam
consigo o compromisso de aplicar o que aprofundaram na escola. O processo como um
todo se organiza no Plano de Formação que, por sua vez, está ancorado na tríade
“Observar, Refletir, Agir/Transformar”.
A experiência dos CEFFAs nos ajuda observar, refletir e transformar a alternância em três
perspectivas. A primeira diz respeito à centralidade na relação família e escola, onde o
eixo deste plano de Formação é a participação das famílias no processo de construção das
práticas pedagógicas desenvolvidas na família e na escola. Da experiência dos CEFFAS
podemos ter como referência a consolidação da alternância na perspectiva da relação
família - escola.
A segunda nos informa sobre os diferentes formatos que essa relação assume no que diz
respeito à participação das famílias na escola. Assim, é possível encontrar uma série de
experiências e teorias educacionais que utilizam o princípio da alternância e vão
caracterizando as variações da Pedagogia da Alternância. Queiroz, (2004) descreve-a nos
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seguintes formatos:
• Alternância justapositiva: caracteriza-se pela sucessão dos tempos ou períodos
consagrados a uma atividade diferente: trabalho ou estudo. Estes dois momentos não têm
nos casos extremos, nenhuma relação entre eles: nenhuma lei os rege e o conteúdo de um
não tem repercussão sobre o conteúdo do outro.
• Alternância associativa: trata-se de uma associação por alternância de uma
formação geral e de uma formação profissional. Este tipo de alternância permanece
equilibrado e se descobre aí a existência da relação entre a atividade escolar e a atividade
profissional, mas, é de fato constituída por uma simples adição e este vínculo aparece
apenas no nível institucional.
• Alternância real ou copulativa ou integrativa: é a compenetração efetiva de meios
de vida sócio-profissional e escolar em uma unidade de tempos formativos. Esta
alternância supõe uma estreita conexão entre estes dois momentos de atividades a todos
os níveis, quer sejam individuais, relacionais, didáticos ou institucionais. Os componentes
do sistema alternante recebem um lugar equilibrado, sem primazia de um sobre o outro.
Além disso, a ligação permanente que existe entre eles é dinâmica e se efetua em um
movimento de perpétuo ir e vir, facilitado por essa retroação, a integração dos elementos
de uma a outra. É também a forma mais complexa da alternância, seu dinamismo
permitindo uma evolução constante. As relações alternantes são essencialmente
dinâmicas.
A terceira nos informa sobre a possibilidade do uso da alternância no segundo segmento
do ensino fundamental e no ensino médio profissionalizante. A duração das atividades
varia entre três e quatro anos, em regime de semi-internato, com a adoção do método de
alternância, onde os jovens passam duas semanas na propriedade, no meio profissional
rural, e uma semana no Centro de Formação. Isto representa 14 semanas por ano em
atividades letivas presenciais no Centro de Formação e 28 semanas de atividades práticas
à distância nas propriedades rurais de suas famílias, acompanhados por monitores e
técnicos, visto que a propriedade agrícola funciona de forma ininterrupta durante o ano.
Em 2006, os Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFA), entidade que
agrega diferentes experiências de alternância entre escola/família, conseguiram aprovar
o Parecer CNE/CEB nº 1/2006, que considera como dias letivos o tempo de estudo na
família. Este é, sem dúvida, uma conquista que fortalece a experiência do CEFFAs, bem
como outras práticas vinculadas a (à) Educação do Campo.
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A alternância na formação de Professores
Considerando a especificidade da formação de professores do campo, e, tendo em vista
os sujeitos envolvidos apresentamos como forma metodológica para a organização dos
tempos e espaços para a formação destes, a incorporação ao processo de ensino
aprendizagem, a prática cotidiana, assim como os contextos referentes à reprodução
ampliada do capital que se realiza no campo. É importante frisar que, no caso da formação
de professores para o campo, alcançar com objetividade uma aprendizagem significativa,
é fundamental ter o campo e suas dimensões econômicas, sociais, culturais e políticas
como base para a formação, mas é também importante a interdisciplinaridade para a
orientação do trabalho pedagógico.
Os tempos e espaços, como contexto da e na alternância neste sentido, tornam-se
estruturantes para a viabilidade e concretização das atividades do curso de licenciatura do
campo, ou seja, são concebidos a partir de uma dimensão que é pratica para que possam
dialogar com os sujeitos e suas práticas e, ao mesmo tempo, realizar o movimento
reflexivo para pensar o seu espaço e o próprio fazer. Em outras palavras, descobrir como
os elementos constitutivos da vida no campo entram no processo de ensino e
aprendizagem.
A denominação TE – Tempo Escola e TC – Tempo Comunidade surge no contexto das
experiências desenvolvidas com apoio do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (PRONERA). A alternância, nesta experiência aconteceu para atender à
necessidade de formação dos monitores, que residiam nos assentamentos, para atuarem
como alfabetizadores de adultos. Esta experiência foi importante, para o desenvolvimento
deste processo nas universidades que juntamente com os movimentos sociais elaboraram
projetos pedagógicos, prevendo a formação em alternância. Nestes, os educadores se
deslocavam para os campi universitários, em períodos trimestrais e/ou semestrais.
Através desses encontros, que variavam segundo o nível de ensino, os professores
habilitavam os alfabetizadores. O formato se estendeu para as habilitações no nível
médio, profissionalizante, superior e, mais recentemente, nos cursos de pós-graduação.
Esse acumulo de experiência leva a Educação do Campo à Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão/Ministério da Educação
(SECADI/MEC), a organização em TE/TC que já era realidade em diferentes regiões
brasileiras. Na criação do Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em
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Educação do Campo (Procampo) e do Programa Saberes da Terra – Pro Jovem Campo -
a organização em TE/TC se constituiu como princípio e diretriz para organização dos
processos formativos. As universidades que implantaram o Curso de Licenciatura em
Educação do Campo, no caso, as Universidades Federais de Minas Gerais, Universidade
de Brasília, adotaram como matriz curricular a organização em TE/TC. Estas
universidades foram as que primeiro tornaram o Curso de Licenciatura como oferta
regular, e o fizeram mantendo a alternância como matriz organizadora dos tempos e
espaços formativos (Antunes-Rocha, 2010).
Sendo assim, o par TE/TC foi-se constituindo como uma prática que pode na atualidade
ser considerada como um princípio na Educação do Campo. Nessa condição
consideramos a relevância desta reflexão, tendo em vista contribuir para os projetos em
andamento, bem como para àqueles em processo de gestação. Vale ressaltar que a
condição instituinte do formato em alternância está exigindo sistematizações e reflexões
em torno das experiências em desenvolvimento, visto que é a partir desse trabalho que
fortaleceremos princípios, conceitos e metodologias para compor a luta pela Educação
como uma política pública que reafirme o direito dos povos do campo.
A importância deste estudo reside, sobretudo, na sua contribuição para a compreensão da
alternância como forma metodológica e pedagógica na formação de educadores do campo
nas universidades que oferecem curso de Licenciatura em Educação do Campo hoje na
sociedade brasileira.
Por ter tido o campo francês a primeira experiência de constituição de um processo de
escolarização em alternância, a experiência de alternância no campo neste país acontece
na medida em que as mudanças neste espaço com processo de globalização foram
bastante significativa redefinindo todo o processo de trabalho, especialmente com a
modernização e a tecnificação.
No campo teórico ancoramos nossa análise sobre a alternância com de seus ritmos,
tempos e formas, ou seja, seus espaços e tempos formativos, ou seja, a incursão teórica
será através dos conceitos de: território, territorialidade e espaço. Para alcançar essa
proposição, utilizaremos o aporte teórico de autores como: LEFEBVRE (2000),
SANTOS, 1998, HAESBAERT ( 2007), MAYEN (2013) RAFFESTIN(1993), bem como
na categoria trabalho ( MARX).
A alternância na territorialidade da Escola do Campo
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Nesta pesquisa adotaremos a noção de território, tal como trabalhada por Fernandes
(2006), como referência analítica para refletir sobre os significados da alternância para a
construção dos princípios, conceitos e práticas na Educação do Campo. Para Fernandes,
o conceito de território permite a compreensão do espaço como articulado pelas
dimensões produtivas, culturais, educacionais, políticas e sociais. Sendo assim,
analisando o movimento entre o Tempo Escola -TE e o Tempo Comunidade –TC, se
coloca como o encontro entre dois territórios: o território do campo e o território da
escola. No encontro entre ambos é que poderemos ver as conflitualidades e os consensos,
isto é, a dinâmica entre sujeitos, princípios, conceitos e práticas que se articulam no
paradigma da Educação do Campo.
Compreendemos que o território do campo é onde se produz a experiência seminal da
Educação do Campo, é também onde vem sendo constituído o momento e o movimento
da luta pela terra,
[...] onde se realizam as diversas formas de organização do campesinato e também as
formas de organização da agricultura capitalista [...] Enquanto o agronegócio organiza o
seu território para a produção de mercadorias [...] o campesinato organiza o seu território
para realização de sua existência, necessitando desenvolver todas as dimensões
territoriais [...] Exatamente porque o território possui limites, possui fronteiras, é um
espaço de conflitualidade (FERNANDES, 2006, p. 28, 29, 33).
A Educação do Campo nasceu na luta do campesinato, se constituindo na atualidade
como um território imaterial, na acepção de Fernandes (2006). Vinculada ao conceito de
território, temos a noção de Territorialidade – como se constrói o território, como funciona
–, pode ser entendida como o que se encontra no território, estando sujeito à sua gestão,
como, ao mesmo tempo, o processo subjetivo de conscientização da população de fazer
parte de um território, de integrar-se a um Estado. Segundo Andrade (1995, p. 20), [...] a
formação de um território dá às pessoas que nele habitam a consciência de sua
participação, provocando o sentido da territorialidade que, de forma subjetiva, cria uma
consciência de confraternização entre elas.
Com esta referência, podemos dizer que os conceitos de território e territorialiade
permitem ver o TE/TC como articulações entre o campo e a escola como territórios, isto
é, organizados em múltiplas dimensões. Nesse processo, a Educação do Campo se
constitui também como território. Enfim, um conjunto complexo que exige atitudes dos
sujeitos que estão materializando as práticas.
Nessa compreensão, a organização em TE/TC joga sentidos para dimensões territoriais
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do campo, da escola e da Educação do Campo. Essas dimensões podem ser apreendidas:
na estruturação da relação tempo/espaço, na articulação entre os saberes produzidos pelos
sujeitos em suas realidades e os saberes elaborados na escola, na produção/socialização
dos conhecimentos e na organização da prática pedagógica.
Relação tempo/espaço
Para início de conversa, o TE/TC não pode ser compreendido como termos e/ou práticas
separadas, mas são distintos no que diz respeito ao espaço, tempo, processos e produtos
relacionados à formação pedagógica. Vale ressaltar que a diversidade com relação ao
formato da distribuição das horas guarda relação com a distância da universidade ao local
de moradia dos alunos, a dispersão em termos geográficos dos locais de residência dos
educandos, a disponibilidade dos educadores e a negociação do espaço nas universidades.
Existem projetos em que a alternância se concretiza através de uma intensificação de
carga horária no Tempo Escola. Em alguns, todo o tempo previsto na legislação é
realizado no Tempo Escola.
Os projetos pedagógicos elaborados na perspectiva da Educação do Campo afirmam que
não se trata de um alternar físico, um tempo na escola separado por um tempo em casa.
Neste sentido, como princípio, a alternância agrega necessariamente o movimento do
sujeito no mundo, nos diferentes contextos em que esteja inserido, onde os processos de
ir e vir estão baseados em princípios fundamentais, tais como: a produção da vida (em
casa, no trabalho, na rua, nos movimentos sociais, na luta, dentre outros) é um espaço
educativo tal qual a escola. Nesta perspectiva analítica e prática, a realização das
atividades é entendida não como complementar, mas de interação permanente entre as
atividades formativas e o trabalho do formador no processo educativo, onde os sujeitos e
os sistemas constituem-se num movimento dinâmico de formação, e não uma mera
transmissão de conhecimentos. A formação está no e para além do espaço escolar e,
portanto, a experiência se torna um lugar com estatuto de aprendizagem e produção de
saberes, em que o sujeito conquista um lugar de ator protagonista, apropriando-se do seu
processo de formação.
Compreender a educação a partir de sua relação com o espaço, como ação formadora do
homem moderno, como bem afirma Milton Santos (1996; p. 44), contempla conceitos e
categorias como: “tempo, espaço e mundo [como] realidades históricas..., [que] em
qualquer momento, o ponto de partida é a sociedade humana em processo, isto é,
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
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realizando-se. Essa se dá sobre uma base material: o espaço e seu uso: o tempo e seu uso;
a materialidade e suas diversas formas; as ações e suas diversas feições.”
Ao falar da vida moderna, das pressões existentes nesta sociedade, Maria Rita Kehl
ressalta como as temporalidades, ou seja, as diferentes formas de organização e percepção
subjetiva do tempo, nesta sociedade, têm importância fundamental. Para Kehl (2009;123),
O homem contemporâneo vive tão completamente imerso na temporalidade urgente dos
relógios de máxima precisão, no tempo contado em décimos de segundo, que já não é
possível conceber outras formas de estar no mundo que não seja as da velocidade e da
pressa.
Para outro importante teórico contemporâneo, Henri Lefebvre
L'emploi du temps comporte des agréments et des désagréments, des pertes ou des
économies de temps, donc autre chose que des signes: une pratique. La consommation de
l'espace se donne des caractères spécifiques. Elle diffère de la consommation des choses
dans l'espace, mais ce n'est pas une simple différence de sgnes et des significations.
L'espace enveloppe le temps. On le scinde: on écarte le temps; celui-ci ne se laisse pas
réduire. A travers l'espace, un temps social se produit et se reproduit; mais ce temps social
se réintroduit avec ses traits et ses déterminations: répétitions, rythmes, cycles, activités.
(LEFEBVRE, 2000, 391-392)
Essas referencias que se tem sobre tempo e espaço, concebidas nas suas mais amplas
acepções, é que nos fazem pensar que, estes dois conceitos nos ajudam a compreender os
sujeitos, a natureza, a cultura e a sociedade como relações que educam, podendo ser
constituídas como “forma de praticar uma pedagogia da possibilidade, fundada num
conhecimento situado entre a teoria e a realidade.” (PEREZ, 1999, p.30).
Ainda trilhando o percurso teórico sobre estes conceitos, dois autores brasileiros como
Paulo Freire e Milton Santos, importantes estudiosos do mundo contemporâneo,
ressaltam em suas análises esses conceitos e categorias e, por isso, nos ajudam a
problematizar e desvendá-lo. Assim, para Paulo Freire, “o homem se identifica com sua
própria ação: objetiva o tempo, temporaliza-se, faz-se homem história.” (FREIRE, 1979,
p. 31). Neste sentido, essa ação cotidiana do “viver-fazer humano” constitui a base da
produção do espaço, que, mediada por relações e técnicas, marcam as diferentes
temporalidades e identificam os tempos históricos do homem moderno. Ou, como
anuncia Milton Santos: “todos os dias o povo se renova; [renovando] cotidianamente o
seu estoque de impressões, de conhecimento, de luta.” (SANTOS, 1998, apud PEREZ,
1999, p. 30).
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Considerações finais
Desta forma e ancoradas nestas concepções, entendemos que a Educação do Campo,
aproximada da dimensão cotidiana, da imediaticidade do acontecer da vida, do fazer e ser
do sujeito do campo, aqui entendido como o tempo empiricizado, como território do uso,
onde marcam suas lutas e conquistas, ganha maior significação como proposição
pedagógica, concretizando uma aprendizagem significativa e transformadora.
Nesse sentido, e, tendo como principio a formação como sujeito de sua história, é que a
educação do campo ganha sua acepção mais ampla e ultrapassa as formas adjetivadas.
Sabemos que, alcançados pelos ritmos do trabalho, orientados pelas temporalidades
imediatas, dos meios de comunicação, das novas tecnologias, da luta pela sobrevivência
e por uma vida digna, os povos do campo vivenciam dimensões histórico-culturais,
consideradas como ultrapassadas. O relógio da natureza, o espaço como lócus para
produzir e reproduzir a existência e a manutenção de valores e hábitos seculares dialoga
com a urgência da internet, da produção da vida como mercadoria e da cultura
massificada. No TE/TC, essas diferentes formas de produzir a vida são inquietadoras e
seguem produzindo desafios e possibilidades.
As principais motivações da realização desta reflexão são oriundas da pesquisaque tem
como referencia o fazer da experiência vivida durante nove anos de acompanhamento de
constituição do curso de formação de professores do campo. Como coordenadora do curso
desde de 2010, tenho me debruçado sobre a prática de realização e organização dos
tempos Escola e Comunidade deste curso. A cada momento de realização destes tempos,
temos agregrado a cada tempo subseqüente, elementos novos a partir da experiência
vivida pelo anterior. Por ser um processo ainda muito recente nas universidades
brasileiras, essa formação por alternância, esse estudo terá um alcance bastante
significativo para o debate na formação de educadores do campo no Brasil.
Considero também que a produção bibliográfica decorrente do desenvolvimento da
pesquisa contribuirá para o debate sobre a Educação do Campo, sua constituição,
enraizamento e a afirmação como proposição efetiva não apenas formativa, mas
principalmente sua dimensão inclusiva, como forma de inserção da população do campo
aos processos formativos como direito a escola e a educação superior. A realização dessa
pesquisa, também contribuirá para a problematização de concepções em torno dessa
prática da alternancia, pensando nos significados que esta toma hoje nos debates sobre a
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constituição da forma metodológica como prática legítima na instituição escolar.
Consideramos que, embora no Brasil a alternância tenha iniciado em meados da segunda
metade do século XX, esta foi por muito tempo uma experiência circunscrita apenas a
escola básica. A importância desta pesquisa é descrever e avaliar como a alternância no
ensino superior no Brasil vem sendo configurada, ou melhor, qual e quais as diversidades
de formas estão sendo conformadas na formação de professores do campo no ensino
superior no Brasil.
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EdUECE - Livro 300927
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