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Ministrio da Educao Secretaria de Educao Especial

A Construo de Prticas Educacionais para Alunos com Altas Habilidades / Superdotao Volume 2: Atividades de Estimulao de Alunos

Organizao: Denise de Souza Fleith

Braslia, DF 2007

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FICHA TCNICA

Secretaria de Educao EspecialClaudia Pereira Dutra

Projeto GrficoMichelle Virgolim

Departamento de Polticas de Educao EspecialCludia Maffini Griboski

IlustraesIsis Marques Lucas B. Souza

FICHA CATALOGRFICADados Interncaionais de Catalogao na Publicao (CIP) Fleith, Denise de Souza (Org) A construo de prticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotao: volume 2: atividades de estimulao de alunos / organizao: Denise de Souza Fleith. - Braslia: Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Especial, 2007. 121 p.: il. color. ISBN 978-85-60331-15-4 1. Educao dos superdotados. 2. Atendimento

Coordenao Geral de Desenvolvimento da Educao EspecialKtia Aparecida Marangon Barbosa

FotosVini Goulart Joo Campello Banco de imagens: Stock Xchng

OrganizaoDenise de Souza Fleith

Reviso TcnicaRenata Rodrigues Maia-Pinto

CapaRubens Fontes

Tiragem5 mil cpias

especializado. 3. Aluno superdotado. 4. Desenvolvimento da criatividade. 5. Autoconceito. 6. Prtica pedaggica. I. Fleith, Denise de Souza. II. Brasil. Secretaria de Educao Especial. CDU 376.54

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APRESENTAO

A proposta de atendimento educacional especializado para os alunos com altas habilidades/superdotao tem fundamento nos princpios loscos que embasam a educao inclusiva e como objetivo formar professores e prossionais da educao para a identicao dos alunos com altas habilidades/superdotao, oportunizando a construo do processo de aprendizagem e ampliando o atendimento, com vistas ao pleno desenvolvimento das potencialidades desses alunos. Para subsidiar as aes voltadas para essa rea e contribuir para a implantao, a Secretaria de Educao Especial do Ministrio da Educao SEESP, convidou especialistas para elaborar esse conjunto de quatro volumes de livros didtico-pedaggicos contendo informaes que auxiliam as prticas de atendimento ao aluno com altas habilidades/superdotao, orientaes para o professor e famlia. So idias e procedimentos que sero construdos de acordo com a realidade de cada Estado contribuindo efetivamente para a organizao do sistema educacional, no sentido de atender s necessidades e interesses de todos os alunos, garantindo que tenham acesso a espaos destinados ao atendimento e desenvolvimento de sua aprendizagem. A atuao do MEC/SEESP na implantao da poltica de educao especial tem se baseado na identicao de oportunidades, no estmulo s iniciativas, na gerao de alternativas e no apoio aos sistemas de ensino que encaminham para o melhor atendimento educacional do aluno com altas habilidades/superdotao. Nesse sentido, a Secretaria de Educao Especial, implantou, em parceria com as Secretarias de Educao, em todas as Unidades da Federao, os Ncleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotao NAAH/S. Com essa ao, disponibiliza recursos didticos e pedaggicos e promove a formao de professores para atender os desaos acadmicos, scio-emocionais dos alunos com altas habilidades/superdotao. Estes Ncleos so organizados para atendimento s necessidades educacionais especiais dos alunos, oportunizando o aprendizado especco e estimulando suas potencialidades criativas e seu senso crtico, com espao para apoio pedaggico aos professores e orientao s famlias de alunos com altas habilidades/ superdotao. Os professores formados com o auxlio desse material podero promover o atendimento e o desenvolvimento dos alunos com altas habilidades/superdotao das escolas pblicas de educao bsica e disseminando conhecimentos sobre o tema nos sistemas educacionais, comunidades escolares e famlias nos Estados e no Distrito Federal.

Claudia Pereira Dutra Secretria de Educao Especial

SUMRIO

INTRODUO Captulo 1: Estratgias de Promoo da CriatividadeMnica Souza Neves-Pereira

9 13

Captulo 2: Desenvolvimento do AutoconceitoAngela Mgda Rodrigues Virgolim

35

Captulo 3: Modelo de Enriquecimento EscolarJane Farias Chagas Renata Rodrigues Maia-Pinto Vera Lcia Palmeira Pereira

55

Captulo 4: Desenvolvimento de Projetos de PesquisaRenata Rodrigues Maia-Pinto

81

Captulo 5: Grupos de EnriquecimentoJane Farias Chagas

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INTRODUOVolume 02: Atividades de Estimulao de Alunos Volume 02: Atividades de Estimulao de Alunos

Denise de Souza Fleith

Apesar do crescente reconhecimento da importncia de se criar condies favorveis ao desenvolvimento do potencial de indivduos com altas habilidades/superdotao, observa-se que pouco se conhece acerca das suas necessidades e caractersticas. Ademais, noes falsas sobre estes indivduos, fruto de preconceito e desinformao, esto profundamente enraizadas no pensamento popular, interferindo e dificultando a implantao de prticas educacionais que atendam aos anseios e necessidades deste grupo. Por exemplo, uma idia predominante em nossa sociedade a de que o aluno superdotado tem recursos suficientes para desenvolver suas habilidades por si s, no sendo necessria a interveno do ambiente, ou seja, os fatores genticos so supervalorizados em detrimento do ambiente, que ocupa um papel secundrio no desenvolvimento de habilidades e competncias. Entretanto, segundo Davis e Rimm (1994), um potencial no cultivado um potencial perdido. O aluno com altas habilidades/superdotao necessita de uma variedade de experincias de aprendizagem enriquecedoras que estimulem o seu desenvolvimento e favoream a realizao plena de seu potencial (Alencar & Fleith, 2001). Outro mito o de que o aluno superdotado apresenta necessariamente um bom rendimento escolar. Porm, atitudes negativas com relao escola, bem como um currculo e estratgias educacionais que no levam em considerao

diferenas individuais, quanto aos interesses, estilos de aprendizagem e habilidades, so alguns dos fatores que podem interferir negativamente no desempenho dos alunos com potencial elevado. Tendncias atuais na educao do superdotado destacam a relevncia de se preparar o aluno para a definio e soluo de problemas, produzindo conhecimento por meio de prticas que envolvam o pensamento crtico e criativo, paralelamente ao cultivo de um conjunto de traos de personalidade como persistncia, autoconfiana e independncia de pensamento, indispensveis a uma melhor expresso do potencial superior (Alencar & Fleith, 2006; Colangelo & Davis, 1997). Do ponto de vista da poltica de incluso defendida pelo Ministrio da Educao (Brasil, 2005), flexibilizaes curriculares e instrucionais devem ser pensadas a partir de cada situao particular e no como propostas universais. Assim, fundamentados nos princpios de ateno diversidade e direito de todos educao de qualidade, chamamos a ateno para a necessidade de se criar um ambiente educacional que acolha e estimule o potencial promissor de alunos com altas habilidades/superdotao. Este volume da coletnea sobre Construo de Prticas Educacionais focaliza atividades e estratgias de estimulao do potencial de alunos com altas habilidades/superdotao. No captulo 1,

10 10 Estratgias de Promoo da Criatividade, Mnica Neves-Pereira apresenta diversas abordagens tericas sobre criatividade, discute barreiras produo criativa e aponta caractersticas de uma atmosfera que favorece a expresso das habilidades criativas em sala de aula. Diante do cenrio atual em que vivemos, de rpidas transformaes e grandes desaos, inquestionvel a necessidade de instrumentalizar o aluno a prever problemas, romper barreiras, reformular contedos e desenvolver formas de investigao mais produtivas. Para isso, necessrio que ele esteja inserido em um ambiente que valorize e encoraje a criatividade (Alencar & Fleith, 2003; Wechsler, 2001). A preocupao em atender s necessidades intelectuais e acadmicas de alunos com altas habilidades/superdotao evidenciada em programas e servios para esta clientela. Entretanto, pouco investimento tem sido feito no que diz respeito ao desenvolvimento emocional e social destes alunos (Alencar & Fleith, 2001; Moon, 2002; Silverman, 1993). No captulo 2 deste volume, Angela Virgolim aborda o Desenvolvimento do Autoconceito, dimenso essencial de uma vida emocional saudvel. Neste captulo, a autora explica o que autoconceito, como ele formado e que fatores contribuem para a formao de um autoconceito positivo, alm de nos brindar com diversos exerccios interessantes e criativos de promoo do autoconceito no contexto escolar. No captulo 3, Jane Farias Chagas, Renata Maia-Pinto e Vera Lcia Pereira se dedicam a apresentar o Modelo de Enriquecimento Escolar. Este modelo, proposto por Joseph Renzulli, do Centro Nacional de Pesquisas sobre o Superdotado e Talentoso da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos, fornece alternativas de enriquecimento curricular que podem ser utilizadas no apenas em programas para alunos com altas habilidades/superdotao, mas tambm na sala de aula regular. Este modelo sugere que altos nveis de desempenho escolar e produo criativa podem ser alcanados pelos alunos, desde que sejam oferecidas oportunidades de aprendizagem significativa, autntica e que envolvam a construo do conhecimento pelos alunos. Ainda neste captulo, as autoras chamam a ateno para a necessidade do professor, ao planejar sua aula, selecionar tcnicas instrucionais e formas de avaliao, de considerar a diversidade de interesses e estilos de aprendizagem e de expresso dos alunos. Amabile (1989) sugere que os ambientes mais prejudiciais a um processo de ensino-aprendizagem produtivo e prazeroso so ambientes inflexveis que no conseguem acomodar a variedade de estilos e interesses que os alunos apresentam. Ademais, uma educao democrtica aquela que leva em considerao as diferenas individuais, promovendo oportunidades de aprendizagem compatveis com as habilidades, interesses e estilos de aprendizagem dos alunos (Fleith, 1999). No captulo 4, Desenvolvimento de Projetos de Pesquisa, Renata Maia-Pinto explica o que pesquisa, detalha as etapas de elaborao e implementao de um projeto de pesquisa e fornece inmeros recursos que podem auxiliar o professor e alunos nesta tarefa investigativa. De maneira geral, se reconhece, na escola, a importncia da atividade de pesquisa. Entretanto, pouco se sabe acerca de como implement-la de forma eficiente e produtiva. Finalmente, no captulo 5, Jane Farias Chagas apresenta a estratgia dos Grupos de Enriquecimento, que visam proporcionar a todos os alunos experincias de aprendizagem desafiadoras, auto-seletivas e baseadas em problemas reais, alm de favorecer o conhecimento avanado em uma rea especfica, estimular o desenvolvimento de habilidades superiores de pensamento e encorajar a aplicao destas em situaes criativas e produtivas (Renzulli, Gentry & Reis, 2003). Esperamos que estes captulos contribuam para o enriquecimento profissional dos educadores fornecendo subsdios para uma prtica docente que estimule um desenvolvimento criativo, saudvel e singular de cada aluno e oportunize experincias de aprendizagem prazerosa considerando a diversidade de interesses, estilos e habilidades presente em sala de aula.Volume 02: Atividades de Estimulao de Alunos

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RefernciasAlencar, E. M. L. S. & Fleith, D. S. (2001). Superdotados: determinantes, educao e ajustamento. So Paulo: EPU. Alencar, E. M. L. S. & Fleith, D. S. (2003). Criatividade: mltiplas perspectivas. Braslia: EdUnB. Alencar, E. M. L. S. & Fleith, D. S. (2006). A ateno ao aluno que se destaca por um potencial superior. Cadernos de Educao Especial, 27. Disponvel: www.ufsm.br/ce/revista/index. htm (05/05/2006). Amabile, T. M. (1989). Growing up creative. Bualo, NY: The Creative Education Foundation Press. Brasil. (2005). Educao inclusiva. Documento subsidirio poltica de incluso. Braslia: Ministrio da Educao/Secretaria de Educao Especial. Colangelo, N. & Davis, G. A. (Orgs). (1997). Handbook of gifted education (2a. ed.). Needham Heights, MA: Allyn and Bacon. Davis, G. A. & Rimm, S. B. (1994). Education of the gifted and talented (3a. ed.). Needham Heights, MA: Allyn and Bacon. Fleith, D. S. (1999). Psicologia e educao do superdotado: denio, sistema de identicao e modelo de estimulao. Cadernos de Psicologia, 5, 37-50. Moon, S. M. (2002). Counseling needs and strategies. Em M. Neihart, S. M. Reis, N. M. Moon. (Orgs.), The social and emotional development of gifted children. What do we know? (pp. 213-222). Waco, TX: Prufrock Press. Silverman, L. K. (1993). (Org.). Counseling the gifted and talented. Denver, Co: Love. Renzulli, J. S., Gentry, M. & Reis, S. M. (2003). Enrichment clusters. A practical plan for realworld student-driven learning. Manseld Center, CT: Creative Learning Press. Wechsler, S. M. (2001). Criatividade na cultura brasileira: uma dcada de estudos. Teoria, Investigao e Prtica, 6, 215-226.Volume 02: Atividades de Estimulao de Alunos Volume 02: Atividades de Estimulao de Alunos

Captulo 1

Estratgias de Promoo da Criatividade

Mnica Souza Neves-Pereira

15 riatividade um tema de interesse geral. No h quem no se encante com os grandes criadores da humanidade. Falar sobre as grandes invenes, a arte, a literatura, as descobertas cientcas sempre muito envolvente e nos enche de prazer. Criar d prazer! muito bom constatar que nossa espcie conseguiu chegar at aqui por causa desta competncia especial. melhor ainda saber que temos esta competncia, mesmo que no tenhamos muita compreenso sobre a criatividade. Para iniciar nossa conversa vamos considerar que todos somos criativos, pelo menos em potencial. Vamos pensar em criatividade como um recurso humano, como uma funo psicolgica que todos ns possumos, desenvolvida em diferentes graus e dimenses, de acordo com a histria de vida de cada um. Sendo assim, a criatividade no s existe em potencial, como pode ser desenvolvida de fato. A partir destas idias que organizaremos os contedos deste captulo, que se prope a discutir um pouco sobre criatividade, o que este fenmeno to complexo, o que caracteriza as pessoas que se destacam por sua criatividade, quais barreiras so comuns e impeditivas do processo de criar e como podemos trabalhar no sentido de aprimorar nossas ferramentas criativas, nosso potencial latente, nosso talento. Falar sobre criatividade, portanto, exige esforo e certo talento criativo. Algum disse, um dia, que a necessidade a me da criao. Vamos partir do princpio de que a criatividade tem, tambm, um pai, que o divertimento. Criar pode e deve conter uma dimenso de prazer, de alegria, de realizao. Ao brincarmos com o pensamento eCaptulo 1: Estratgias de Promoo da Criatividade

C

as idias estamos aprimorando nossas habilidades criativas. Dentro deste princpio, vamos explorar o signicado da palavra criatividade, seus conceitos e suas mltiplas signicaes. Vamos comear com uma brincadeira! Criar, em japons, se escreve assim:

Use este espao para construir sua definio de criatividade, usando as letras inventadas e apresentadas acima. No esquea de que voc pode criar outras letras diferentes. Depois que voc escrever a palavra criatividade neste idioma diferente, traduza para o portugus o conceito inventado por voc.

Na verdade, a palavra escrita na vertical. Diferente, no ? A pronncia da palavra corresponde ao som kuriaru. O signicado literal algo novo que nasce. No idioma japons as letras so diferentes, os signicados tambm. Se voc fosse denir o que criatividade, a partir de um idioma s seu, como seria esta palavra? Qual seria o seu signicado? Voc acrescentaria algo novo ao signicado de criatividade escrito em japons? Vamos imaginar que o alfabeto do seu idioma particular fosse composto, em parte, pelas letras abaixo. Que letras so estas? O que signicam? Use estas letras para escrever a palavra criatividade. D um significado a cada uma delas, um significado que se relacione com o fenmeno criativo. Brinque com estes smbolos e construa o seu conceito de criatividade. Voc pode acrescentar novas letras, se quiser.

Uma vez construda sua prpria denio sobre o que criatividade, podemos retomar a discusso sobre este conceito, que apresenta algum consenso em sua denio e tambm expressa diferentes formas de abordagem do tema por parte de diversos pesquisadores. Se voc utilizou, na sua denio de criatividade, a expresso produzir algo novo aproximouse da maior parte dos conceitos existentes.

16 Se tambm argumentou sobre a necessidade deste algo novo ser til em alguma instncia, tambm chegou perto do que pensa a maioria dos investigadores da rea. Criatividade parece incluir estas duas caractersticas, alm de outras mais. Vamos ver o que dizem diferentes pesquisadores: Criatividade o processo que resulta em um produto novo, que aceito como til e/ou satisfatrio por um nmero signicativo de pessoas em algum ponto no tempo. (Stein, citado em Alencar, 1995, p. 13) Pessoas de mente cientca (...) geralmente denem criatividade como combinao original de idias conhecidas (...). As combinaes originais precisam ter algum tipo de valor, pois chamar uma idia de criativa dizer que ela no apenas nova, mas interessante. (Boden, 1999, pp. 81-82) A criatividade, como conceito, constitui uma construo terica elaborada para tentar apreender uma realidade psicolgica que se dene, essencialmente, por dois critrios que so relativos: os critrios de novidade e de valor; existindo consenso entre os especialistas de que a criatividade se refere capacidade de produzir algo que, simultaneamente, novo e valioso em algum grau. (Martnez, 2001, p. 92) Novidade ou originalidade devem ser caractersticas imediatamente associadas com criatividade (...). Para ser criativo, uma idia ou produto deve ser novo. O segundo aspecto da criatividade a apropriao. Um fator importante na determinao da apropriao o contexto cultural no qual a criatividade baseada (...). Os veculos e o foco da criatividade variam de cultura para cultura e ao longo do tempo. (Starko, 1995, p. 5) O que ns chamamos de criatividade um fenmeno que construdo por meio de interaes entre produtores e audincia. Criatividade no produto de indivduos singulares, mas fruto de sistemas sociais que fazem julgamentos sobre estes indivduos e seus produtos. (Csikszentmihalyi, 1999, p. 314) H vrios conceitos sobre criatividade, cada um deles acrescentando uma nova dimenso ao fenmeno. Em geral, todos concordam que algo criativo tem que atender aos critrios de ser original e til, em um determinado tempo histrico. Um produto ou idia, para serem considerados criativos, tm que contar com a concordncia de um grupo social, em um determinado momento do tempo. Esta proposio fcil de ser vericada. Vamos examinar o exemplo de Van Gogh. Vincent Van Gogh (1853-1890), pintor holands, considerado um dos maiores mestres da histria da arte de todos os tempos. Por meio do seu trabalho, Van Gogh estabeleceu as bases da pintura do sculo XX. Mais ousado do que os impressionistas, o holands expressou seus sentimentos por meio de uma representao totalmente subjetiva da realidade. Van Gogh criou uma nova linguagem plstica, desconstruindo modos de pintar e propondo variaes de pinceladas originais nunca antes experimentadas. Este notvel pintor, entretanto, no foi compreendido pela sociedade de sua poca. Sua obra, hoje considerada genial e vendida por preos exorbitantes, no foi reconhecida quando Van Gogh era vivo. O seu grupo social no conseguiu identicar a originalidade do seu trabalho, apenas a dimenso de transgresso da sua obra, que no foi bem recebida pela sociedade da poca. Foi necessria a passagem do tempo para que a obra deste grande artista pudesse adquirir reconhecimento e exercer profunda inuncia na arte contempornea. O exemplo de Van Gogh nos mostra que a criatividade necessita da chancela do grupo social e histrico para emergir, precisa ser reconhecida pelo outro, que vai atribuir valor e utilidade para a produo criativa. Alguns autores (Boden, 1999; Smolucha, 1992a, 1992b; Vygotsky, 1987, 1990) destacam uma dimenso da criatividade que consiste em produzir algo novo a partir da combinao de idias j existentes. Parte-se do princpio de que ningum cria alguma coisa do nada. indispensvel que o sujeito criativo domine sua rea de criao, tenha conhecimentos adequados para ser capaz de combinar idias e gerar um resultado original. Vygotsky (1987), renomado estudioso do desenvolvimento, foi um dos defensores desta viso da criatividade. Este pesquisador compreendia a criatividade como fenmeno potencialmente universal, isto , patrimnio de todos, e tambm considerava a criatividade muito mais como regra do que exceo. Vygotsky tambm refora a percepo da criatividade como fenmeno presente, de modo potencial, em todos os seres humanos. Na sua concepo, no podemos denir se um indivduo criativo ou no apenas a partir de sua performance ou desempenho individual. As caractersticas que compem o fenmeno da criatividade so dadas pelas experincias de vida de cada sujeito em seu cenrio histrico e cultural. Este autor compreende a criatividade como fenmeno psicolgico, isto , a criatividade faz parte do nosso repertrio psicolgico, assim como

17 a inteligncia, a memria, a afetividade, as emoes, dentre outros. O sujeito criativo desenvolve suas funes psicolgicas em um cenrio social que , tambm, histrico e cultural. O modo como este sujeito vai construir as rotas de desenvolvimento de sua criatividade se relaciona com este cenrio, ou seja, como ele signicado, percebido e internalizado. Alm disso, Vygotsky considera o sujeito como ser ativo nesta construo do desenvolvimento, um sujeito que vai atuar no sentido de produzir o novo e reconhecer o novo. Desta forma, parece que a relao criatividade & indivduo & cultura faz parte de um mesmo sistema, em que o indivduo se torna sujeito por meio da cultura, desenvolve suas habilidades criativas em um cenrio scio-histrico e devolve a este cenrio o produto de sua criatividade, que pode ser traduzido em arte, cincia e/ou conhecimentos cotidianos. Csikszentmihalyi (1999), um dos autores citados nas denies de criatividade, aproxima seu modo de ver o fenmeno criativo das concepes de Vygotsky. Uma vez compreendida desta forma, como fenmeno psicolgico humano, como funo tpica do homem, o conceito de criatividade se amplia e, segundo Vygotsky (1987), se liberta da concepo corriqueira que julga a criatividade como atributo de alguns poucos iluminados, desconsiderando a capacidade criativa presente no homem comum. reconfortante saber que todos somos criativos, em alguma competncia, alguma instncia, algum cantinho do nosso saber-fazer e sentir. Mas, o que criatividade para Vygotsky? Ao falar sobre criatividade,Vygotsky (Smolucha, 1992a) no dissociou este fenmeno de outras funes psicolgicas, especialmente da imaginao. Em seus trabalhos, encontraremos os conceitos criatividade e imaginao compondo um pequeno sistema que ele denominou imaginao criativa. A imaginao , tambm, uma funo psicolgica humana. Costumamos pensar sobre a imaginao como o exerccio de um pensamento aberto a todas as possibilidades. Por meio da imaginao podemos tudo: visitar planetas desconhecidos, imaginar pessoas que no existem, pensar em idias malucas ou simplesmente divertidas. A imaginao, porm, uma atividade mental totalmente conectada com a realidade, pois seus contedos so retirados da realidade e, posteriormente, transformados e/ou recombinados pela funo imaginativa, construindo novas realidades. Se a imaginao permite combinar idias, ela no s pode como deve ter muito a ver com a produo da criatividade. Boden (1999), quando deniu criatividade, destacou a combinao de idias como aspecto constituinte do ato de criar. Vygotsky tambm apostou na imaginao como elemento essencial para que houvesse expresso criativa. A atividade criativa, para Vygotsky, originria da funo da imaginao, uma ao relacionada com a interpretao da realidade feita pelos sujeitos e depende, diretamente, das experincias do homem em contato com sua realidade cultural objetiva e subjetiva. A imaginao est ligada emoo. Ela retira fragmentos da realidade e, por meio de novas signicaes destes fragmentos, devolve cultura, em forma de um produto criativo, leituras renovadas desta mesma realidade. Esta a essncia do processo criativo na concepo de Vygotsky. Concluindo a conceituao de criatividade na perspectiva de Vygotsky (1987) vamos destacar a distino que este autor fez entre imaginao reprodutiva e imaginao combinatria. A imaginao reprodutiva est diretamente vinculada aos processos de memria e consiste na cpia, por parte do indivduo, de situaes passadas, objetos ou elementos apreendidos, dados de experincias afetivas, entre outros fatores. J a imaginao combinatria, corresponde criao de novos elementos, no vivenciados pelo sujeito, por meio da unio e/ou fuso de idias, experincias concretas ou subjetivas anteriores, dando origem a novas formas, comportamentos, produtos. uma ao eminentemente de origem social, pois corresponde aos anseios humanos de projeo no futuro, buscando solues para situaes do presente ou atendendo a desejos de produtividade pessoal. Dessa forma, todo ato criativo nasce da imaginao que, por sua vez, se origina no contexto histrico-cultural. Uma vez apresentados e discutidos distintos conceitos sobre criatividade, compreendendo que este fenmeno tem uma natureza extremamente complexa e que seu desenvolvimento sistmico, isto , envolve vrias dimenses da existncia humana, podemos nos aventurar em outro tema relevante: o sujeito criativo! Quem o sujeito criativo? O que diferencia esta pessoa das outras? Por que algumas pessoas conseguem produzir arte, cincia e tecnologia com superioridade, quando comparadas a outros sujeitos? Examinemos o quadro a seguir: Jlio, Luzia, Andr, Paula e Kika so pessoas comuns, cada um com suas caractersticas prprias, que as denem como personalidades distintas. Certamente conhecemos vrias outras pessoas queCaptulo 1: Estratgias de Promoo da Criatividade

18 possuem traos de personalidade parecidos com os das nossas personagens acima. Jlio, Luzia, Andr, Paula e Kika, potencialmente, podem ser considerados criativos. Porm, se entre as nossas personagens h alguma, em especial, que se destaca por uma produo criativa em maior grau, como saberemos? Denir quem o sujeito criativo consiste em uma tarefa difcil. Parece mais fcil identicar uma produo criativa. Anal, uma obra de arte, um modelo cientco, um produto inovador costumam ser reconhecidos por uma gama de indivduos (pelo menos) dentro de um contexto social. Entretanto, se desejamos conhecer sobre criatividade no podemos abrir mo de tentar compreender quem o sujeito criativo. importante saber o que diferencia este sujeito das outras pessoas e investigar quais os seus principais traos de personalidade. A psicologia da criatividade j avanou bastante nesta rea de investigao e tem algumas contribuies a dar. Para identicar traos de personalidade que caracterizam pessoas criativas parece bvio procurar conhecer os sujeitos que se destacam por elevada criatividade e tentar analisar o que caracteriza a personalidade destes indivduos. Foi o que zeram Barron e MacKinnon (citados em Alencar, 1995). Estes pesquisadores elaboraram estudos com o propsito de conhecer quem o sujeito considerado criativo, como ele funciona cognitivamente e quais as caractersticas e traos de personalidade que o diferenciam dos demais. As pesquisas realizadas utilizaram como amostra sujeitos representantes de vrios campos do conhecimento, como: artes, cincias, arquitetura, matemtica, entre outros, todos considerados altamente criativos pelas contribuies prestadas s suas respectivas reas. Por meio destes estudos, evidenciou-se que as caractersticas e os traos de personalidade dos sujeitos estudados apresentavam pontos comuns percebidos nas diversas amostras analisadas. Alencar (1992) procurou articular os diferentes traos de personalidade tpicos de sujeitos criativos em quatro tpicos, a saber: (a) autonomia, iniciativa e persistncia; (b) exibilidade e abertura a experincias; (c) autoconana, independncia e (d) sensibilidade emocional, espontaneidade e intuio. Starko (1995) considera que a identicao de sujeitos criativos consiste em um grande desao para a cincia. Indivduos criativos so dotados de

Jlio - 15 anos Muito inteligente, sensvel e romntico. Desenha muito bem.

Luzia - 19 anos Aventureira, gosta do perigo e de desafios. Na escola, porm, apresenta problemas.

Andr - 25 anos Curioso, tem senso investigativo e gosta de mistrios. No muito comunicativo e gosta de silncio.

Paula - 30 anos uma pessoa triste, mas escreve lindas poesias. J publicou 3 livros e tm recebido convites para palestras.

Kika - 12 anos Rebelde e indisciplinada, no gosta de seguir regras. a lder do seu grupo e admirada por todos.

19 personalidades complexas, como todas as pessoas, porm com traos personolgicos diferenciados. Como ainda no avanamos o suciente no campo cientco, a ponto de sabermos o que acontece na mente de um sujeito criativo, a autora prefere apostar nesta identicao por meio de trs fatores distintos: (a) anlise das caractersticas cognitivas do sujeito; (b) identicao de traos de personalidade relacionados com a criatividade e (c) eventos biogrcos, que nos permite conhecer melhor o sujeito criativo por meio da sua histria de vida. Um aspecto que podemos destacar no sujeito criativo a alta probabilidade dele apresentar inteligncia superior. A relao entre criatividade e inteligncia vem sendo investigada h tempos, por diversos autores (Barron, 1969; Barron & Harrington, 1981; Getzels & Jackson, 1962; Guilford, 1967, 1979; MacKinnon, 1978). Os resultados apontam para aspectos interessantes e ambguos, porm de relevncia na composio do intricado quebracabea que representa a compreenso do sujeito que se destaca por sua criatividade. Inteligncia e criatividade parecem se relacionar de modo singular. Os achados de MacKinnon (1978), por exemplo, no permitem avaliar a criatividade de uma pessoa por meio de um escore de QI, mas indicam que sujeitos que se destacam por uma produo criativa costumam apresentar inteligncia superior. Barron (1969) identicou, em seus estudos, uma moderada relao entre criatividade e inteligncia. Na perspectiva deste autor, qualquer contribuio criativa exige, do seu autor, um padro regular ou superior de inteligncia. Quando o sujeito que cria apresenta inteligncia superior mdia, este fator parece no exercer efeito signicativo sobre os resultados do esforo criativo. Criatividade exige inteligncia, sem dvida, porm a recproca no parece proceder. Entretanto, h casos de sujeitos com dcits de aprendizagem e desenvolvimento que apresentam criatividade em grau signicativo. H relatos de indivduos savant (um quadro em que o sujeito apresenta dcits cognitivos e, ao mesmo tempo, grande talento em rea especca) que apresentam produes altamente criativas, em domnios distintos (Starko, 1995). Estes casos representam excees regra. Em geral, sujeitos criativos so muito inteligentes. Pode-se evidenciar tal relao em pessoas com altas habilidades. A criatividade um dos elementos que permite a identicao da superdotao. Com relao aos traos de personalidade, os estudos de MacKinnon (1978) tambm identicaram que o sujeito criativo : (a) original, capaz de gerar mltiplas idias; (b) independente, o que gera motivao para lidar com situaes onde a liberdade valorizada e o conformismo no tem vez; (c) intuitivo, ou seja, valoriza inspiraes, insights, metforas e aspectos subjetivos do saber; (d) interessado em mltiplas reas do conhecimento e (e) acredita em seu potencial criativo, no valor do seu trabalho e do seu esforo. O sujeito criativo, portanto, dotado de distintos traos de personalidade que costumam ser comuns a todos aqueles que se destacam por uma produo criativa. O desenho abaixo apresenta asCaptulo 1: Estratgias de Promoo da Criatividade

O SUJEITO CRIATIVO TEM...Senso de humor elevado; Independncia para julgar suas pr-prias idias; Flexibilidade mental; Pensamento metafrico; Abertura para novas idias; Muita indignao; Habilidades de pensamento lgico; Preferncias complexos; Coragem; Foco na tarefa; Compromisso com a tarefa; Curiosidade; Perseverana; Disposio para correr riscos; Auto-estima positiva; Abertura a novas experincias; Tolerncia ambigidade; Interesses do saber; amplos por diferentes campos por situaes e pensamentos

Gosto pela aventura; Percepo de si mesmo como criativo; Resistncia a seguir regras.

principais caractersticas personolgicas identicadas em pessoas com alto desempenho criativo. O sujeito criativo apresenta traos de personalidade bem especcos. Porm, mesmo de posse destes saberes, identicar uma pessoa como altamente criativa baseado apenas em evidncias de traos de personalidade pode no levar a resultados precisos.

20 terizam criatividade no adulto no necessariamente garante que estes mesmos traos apaream em crianas criativas, ou mesmo em crianas que crescem em companhia de adultos muito criativos. Na perspectiva desta autora, os conhecimentos que dominamos sobre a criatividade e suas manifestaes em crianas so, ainda, bastante limitados. Tal limitao, entretanto, no impede que se pense sobre estratgias de promoo da criatividade na infncia. O conhecimento acerca dos aspectos personolgicos que caracterizam o sujeito criativo muito tem a auxiliar neste contexto. Um ponto, que tem sido tambm destacado nas discusses sobre a personalidade criativa, diz respeito importncia de se possuir conhecimentos, sejam gerais ou especcos. A maioria dos autores concorda que, sem algum conhecimento prvio sobre um assunto, torna-se pouco provvel produzir algo que possa ser considerado inovador ou original. Uma bagagem de conhecimentos fundamental para o processo criativo. Quanto maior esta bagagem, maior o nmero de padres, combinaes ou idias que se pode alcanar (Alencar, 1992). A motivao outro aspecto que tambm tem recebido destaque por diferentes estudiosos, como Amabile (1983), Amabile e Hennessey (1987) e Torrance (1987). Torrance, em suas consideraes sobre o comportamento criativo, identificou que se pode esperar altos nveis de performance criativa de pessoas que apresentam motivao e habilidades necessrias ao ato criativo. Amabile defende a hiptese de que a motivao intrnseca a chave mestra que abre as portas do processo criativo. Motivao intrnseca aquela fora interna que nos mobiliza e nos leva a realizar e produzir coisas, idias, objetos, arte ou cincia pelo simples desejo de querer produzir. A motivao intrnseca interna, surge no mago do nosso desejo de realizar coisas. Para que haja criatividade, a motivao intrnseca indispensvel. Amabile enfatiza, ainda, a diferena entre motivao intrnseca e extrnseca, alegando que esta ltima pode ter efeito danoso sobre o processo criativo, uma vez que desvia o interesse do indivduo da tarefa para elementos exteriores de carter compensatrio. At aqui apresentamos mltiplas possibilidades de identicao de sujeitos criativos, com base em seus processos cognitivos e traos de personalidade. Entretanto, podemos dizer que as nossas personagens so criativas a partir da evidncia destes elementos? Vamos rever nossas personagens. Se formos analisar o breve histrico de cada personagem vamos encontrar traos de personalidade que se associam criatividade em quase todas. Entretanto, a identicao destes traos suciente para avaliarmos se Kika, por exemplo, uma menina criativa? A presena destas caractersticas fator indicativo, mas no garante que o sujeito seja, de fato, criativo. Criatividade, como todo fenmeno complexo, exige mais trabalho em sua identicao. Avaliar a criatividade de um sujeito demanda, tambm, compreender sua histria de vida, a sua construo de rotas de desenvolvimento, seus processos de aprendizagem e sua produo criativa. A histria do sujeito tem muito a nos informar sobre sua criatividade, por isso a relevncia em investigarmos os traos biogrcos que se relacionam com um perl criativo.

Uma pessoa mais do que o somatrio dos seus traos de personalidade. Ela fruto de uma histria pessoal, nica e intransfervel. Mesmo cientes de que estes traos, por si ss, no so capazes de informar sobre o nvel ou grau de criatividade de uma pessoa, eles representam um avano nas investigaes sobre criatividade, pois lanam luzes importantes sobre esta tarefa complexa, que conhecer a personalidade de pessoas com alto potencial criativo. A identicao dos traos de personalidade que caracterizam sujeitos criativos tambm representa uma opo metodolgica quando pensamos em promover criatividade. Se conhecemos os traos que esto associados aos sujeitos com alto potencial criativo, podemos atuar no sentido de auxiliar pessoas comuns a trabalharem estes traos em si mesmas e, conseqentemente, abrir campo frtil para o cultivo da criatividade. Identicar adultos criativos a mesma coisa que identicar crianas criativas? Starko (1995) destaca que a identicao de traos que carac-

21 desenvolver suas habilidades criativas do que outras crianas, desprovidas destes aspectos ambientais. O fenmeno criativo revestido de uma natureza muito complexa e parece indispensvel abord-lo a partir de, pelo menos, dois eixos, a saber: (1) um eixo de anlise do indivduo criativo, que vamos chamar de eixo intrapessoal, isto , uma perspectiva de avaliao do sujeito em seus processos internos e, (2) um eixo de anlise do ambiente social e cultural do sujeito criativo, que vamos chamar de eixo interpessoal, ou seja, uma perspectiva de avaliao do sujeito em suas interaes com os outros e com o ambiente social e cultural (Neves-Pereira, 2004). Criatividade investigada em uma perspectiva intrapessoal vai enfatizar aspectos constituintes do fenmeno, como a dimenso cognitiva, o processo criativo e alguns traos de personalidade. Tais dimenses ampliam nosso conhecimento sobre a criatividade e seus processos, mas ofertam uma viso ainda limitada da dinmica e funcionamento da ao criativa inserida em um contexto ambiental e cultural. Ao considerar a perspectiva interpessoal, as pesquisas sobre o fenmeno criativo privilegiam tpicos como: (a) as barreiras sociais presentes no ato de criar; (b) as dimenses social e cultural que outorgam a chancela de criativo para determinados produtos e/ou idias e (c) a relevncia do suporte social para que a criatividade se desenvolva. Compreender a criatividade como fenmeno que s existe em uma relao de interdependncia com o ambiente e a cultura muito importanteCaptulo 1: Estratgias de Promoo da Criatividade

Jlio - 15 anos Muito inteligente, sensvel e romntico. Desenha muito bem.

Luzia - 19 anos Aventureira, gosta do perigo e de desafios. Na escola, porm, apresenta problemas.

Andr - 25 anos Curioso, tem senso investigativo e gosta de mistrios. No muito comunicativo e gosta de silncio.

Paula - 30 anos uma pessoa triste, mas escreve lindas poesias. J publicou 3 livros e tm recebido convites para palestras.

Kika - 12 anos Rebelde e indisciplinada, no gosta de seguir regras. a lder do seu grupo e admirada por todos.

Em Starko (1995) encontramos alguns indicativos sobre aspectos biogrcos que se relacionam com a criatividade. Esta autora comenta que sujeitos criativos so, em grande parte, lhos primognitos e so criados em ambientes ricos em estimulao e diversidade de informaes. Tambm aparece como resultado de pesquisa que os sujeitos altamente criativos, na infncia, gostavam muito da escola, adoravam a leitura, adotavam diversos hobbies e tinham mltiplos interesses extra-escolares.

Entretanto, h registros de sujeitos criativos que no apresentavam estas caractersticas biogrcas. O que os estudos nos mostram que estas variveis se relacionam de modo signicativo com a expresso criativa, mas no so elementos presentes em todos os sujeitos criativos. Porm, crianas que tm a oportunidade de vivenciarem um clima familiar harmonioso e estimulador, que esto cercadas por adultos inteligentes e criativos e que recebem escolaridade de qualidade possuem melhores condies de

22 para entender quem o sujeito criativo e o que o motiva a criar. Segundo Amabile (1983), para que o sujeito possa estar intrinsecamente motivado necessrio um ambiente propcio e favorvel, que valorize a criatividade e que no imponha restries ou contextos competitivos, detrimentais a uma produo original. Neste sentido, a motivao intrnseca no compreendida como um fenmeno psicolgico apenas interno, dissociado de uma perspectiva maior, que representada pelo contexto ambiental e/ou social. A proposta desta autora de uma Psicologia Social da Criatividade, na qual as dimenses ambientais vo operar de modo signicativo no incentivo motivao intrnseca, que consiste na semente do ato criativo. Csikszentmihalyi (1999) tambm destaca a importncia de analisarmos a criatividade considerando sua dimenso social e ambiental. Ele destaca que a criatividade tem sido investigada mais como fenmeno mental do que fenmeno social e cultural, aspectos que a caracterizam com mais nfase. A partir de suas reexes e estudos sobre o fenmeno criativo, este autor desenvolveu um modelo sistmico por meio do qual tenta explicar as complexas relaes entre criatividade, sociedade e cultura (Csikszentmihalyi, 1988). O modelo proposto por este pesquisador parte da premissa de que no possvel a emergncia da criatividade sem um aval scio-cultural. Conceituar ou mesmo identicar criatividade com base em traos personolgicos ou mesmo a partir de signicados subjetivos que o sujeito d sua produo no consiste em postura correta neste domnio. Algo s reconhecido como criativo quando exposto ao julgamento de outras pessoas. Este julgamento parte de premissas culturais, historicamente datadas e construdas por estas pessoas ao longo de suas trajetrias desenvolvimentais. Portanto, a menos que um determinado grupo social d a chancela de criativo a determinado produto, este no tem chances de adquirir este valor por si s. Como destaca o prprio autor: Assim, se uma idia ou produto so criativos ou no, no depende de suas qualidades intrnsecas, mas do efeito que so capazes de produzir em outros sujeitos expostos a eles (1988, p. 314). Csikszentmihalyi dene criatividade, ento, como um fenmeno construdo por meio de interaes entre criador e audincia. Criatividade no produto de indivduos singulares, em aes individuais, mas sim fruto do julgamento e aceitao de determinados grupos de indivduos acerca dos produtos apresentados como criativos. A dimenso social que vai signicar a criatividade, porm, em uma perspectiva sistmica, onde cada sujeito relevante para o processo, mas dependente do grupo social para reconhecimento e validao de sua criao. Na formulao do seu modelo explicativo do fenmeno criativo, Csikszentmihalyi (1999) acrescentou outros conceitos aos j discutidos anteriormente. Ele identicou a relevncia de se considerar a cultura como representante do aspecto simblico do processo, que ele nominou como domnio, assim como uma dimenso social, neste modelo denominada como campo. A estas duas dimenses foi somada a dimenso individual, correspondente ao sujeito co-autor do processo criativo. A partir deste modelo e das interaes entre as partes constituintes que surge a criatividade.

Na sua perspectiva, para que ocorra criatividade, uma srie de prticas, crenas e valores devem ser transmitidos do domnio para o indivduo. Este pode, por meio da signicao destas informaes culturais, produzir algo novo a partir do domnio. Entretanto, esta produo deve ser selecionada e aprovada pelo campo, para que haja futura incluso da novidade no domnio e, conseqentemente, transformao cultural. A viso sistmica de Csikszentmihalyi considera a cultura (domnio) como fonte da produo humana. Sem a cultura no h humanidade, nem signicao de obras, produes e inovaes. O modelo tambm assume a relevncia do indivduo no processo criativo e o diferencial que cada sujeito faz no contexto da criao, sem, entretanto, dissoci-lo de seu entorno social e cultural, que vai alimentar esta criatividade para que ela seja devolvida ao domnio, por meio de obras e novas idias. Csikszentmihalyi, porm, acrescenta o conceito de campo, considerando a organizao social do domnio a dimenso que vai decidir o

23 que aceito como criativo pela sociedade, em seus diferentes nveis. Em uma perspectiva sistmica, a criatividade sempre vai gerar modicaes em todas as instncias envolvidas no processo criativo: o sujeito, seu ncleo social e seu nicho cultural. Ao inovar, o sujeito parte de premissas, idias e informaes recebidas por meio dos mediadores culturais, devolvendo este saber em forma de um produto ou idia, sucientemente impactantes, a ponto de gerar novos padres nesta mesma cultura da qual foi originado. um processo que se auto-alimenta, que funciona modicando todas as dimenses envolvidas e que tem origem na complexidade das relaes homem e cultura. Portanto, compreender criatividade sem abordar uma viso sistmica e dialtica restringe a riqueza deste fenmeno, situando-o em dimenses isoladas, que no permitem a visualizao e o entendimento da dinmica e da estrutura desta funo humana to necessria para a nossa sobrevivncia. Mesmo investigando as mltiplas nuances que caracterizam a criatividade, ainda assim a identicao do sujeito criativo continua sendo tarefa difcil. Entretanto, se conhecemos os traos personolgicos que denem um perl criativo, se compreendemos a histria do sujeito e se conseguimos visualizar sua produo inserida em um contexto ambiental, social e cultural j somos competentes o suciente para levantarmos hipteses sobre a existncia de criatividade. H, porm, outros fatores que inviabilizam a expresso do talento criativo, como por exemplo, as barreiras de diferentes naturezas que impedem a criatividade. Falar sobre estas barreiras de extrema relevncia para o entendimento do processo de criar, pois o meio social e cultural tanto promove como inibe a expresso criativa dos sujeitos. So vrias as barreiras que impedem a emergncia da criatividade. Estas barreiras tm origem em aspectos individuais, coletivos, sociais e culturais. Em geral, as sociedades no se organizam de modo a promover ou mesmo estimular seus indivduos a serem criativos. Pessoas criativas transgridem, modicam as regras, mudam os sistemas, promovem inovao. Estes processos so complicadores da ordem social e, portanto, pouco estimulados na sociedade. Vivenciamos um paradoxo: necessitamos da criatividade, pois ela a mola mestra que promove progresso e adaptao vida, mas, ao mesmo tempo, tememos o novo, porque ele modica as estruturas j conhecidas. Diante deste impasse, o contexto social termina por impedir a expresso criativa como medida de manuteno da ordem e da estabilidade social. As barreiras surgem a partir deste contexto, desta necessidade de construirmos sociedades anticriativognicas, parafraseando Arieti (1976). Estas barreiras, entretanto, so de natureza diferenciada. Algumas expressam impossibilidades pessoais e so construdas por meio de crenas e valores disseminados mediante a educao informal e formal. As barreiras pessoais impedem que nos vejamos como criativos e embaam a percepo do sujeito no sentido de ver o novo. Estas barreiras, em geral, incluem o reforo de traos de personalidade que no so favorveis expresso criativa, promovendo no indivduo sentimentos de insegurana com relao ao seu potencial criador. Alencar (1992, 1995) elencou algumas destas barreiras, a saber: Medo do erro e da crtica; Baixa expectativa com relao a si mesmo; Preferncia por julgar idias ao invs de gerar idias; O desconhecimento, por parte do indivduo, de seus prprios recursos internos; Medo de arriscar e de fracassar; Diculdade em reestruturar um problema, vendo-o sob um novo enfoque, dimenso ou ponto de vista; A diculdade de reformular um julgamento previamente formado a respeito de algo; Inabilidade para observar e isolar aspectos diversos de um problema. As barreiras de natureza social surgem no seio da cultura de cada grupo e atuam no sentido de evitar comportamentos desviantes da norma social. As agncias sociais, como a escola, trabalham para educar e moldar as pessoas a partir de modelos estabelecidos de acordo com as ideologias dominantes. Inseridos neste sistema, os sujeitos apresentam diculdades signicativas para expressarem seus talentos, desejos e inspiraes. Alencar (1995) aponta para as seguintes barreiras de natureza social: As presses sociais em relao ao indivduo que diverge da norma; Aceitao pelo grupo como um dos valores mais cultivados; As expectativas com relao ao papel sexual, ou seja, h coisas que s os meninos fazem e outras que s as meninas podem fazer; Considerao da tradio como prefervel mudana; nfase na razo e na lgica, desvalorizando-se a intuio e os sentimentos. Estas barreiras, to comuns na vida diria, impedem o orescimento da criatividade em mltiplas instncias, em especial na escola. A partir de agora vamos direcionar nosso assuntoCaptulo 1: Estratgias de Promoo da Criatividade

24 para a escola, como local privilegiado de desenvolvimento humano e aprendizagem e como espao potencialmente capaz de promover a criatividade dos alunos. A escola, desde o seu surgimento nas sociedades industrializadas, vem assumindo a tarefa da educao formal, preparando crianas e jovens para a vida em sociedade, para a aquisio de um fazer prossional e para a construo de competncias de cidadania. Em quase todas as culturas ocidentais, as crianas esto ingressando cada vez mais cedo na instituio escolar. Por mltiplas razes, esse ingresso antecipado tem promovido transformaes qualitativas e quantitativas no desenvolvimento infantil. A escola o local onde parte signicativa dos processos de desenvolvimento e aprendizagem da criana acontecer, por meio das suas relaes com professores e colegas. A escolarizao formal implica insero do sujeito em uma instituio social, com regras e valores pr-estabelecidos e com um objetivo bem especco: transmitir o legado cultural de cada grupo social aos alunos, assim como o repertrio de crenas e valores cultuados pela comunidade onde se localiza a instituio. Para adquirir essa herana cultural, a criana necessita participar concretamente das atividades culturais (Rogo, 1990, 2003), permanecendo por um tempo em contato com essas mensagens (da a importncia da continuidade do ensino bsico). Ela precisa, portanto, vivenciar estas prticas por meio de exerccios, jogos e brincadeiras, para que a internalizao possa ocorrer de modo eciente. A despeito das escolas adotarem modelos pedaggicos muito diferenciados, todas assumem esse objetivo central: a transmisso do conhecimento. H sempre um ncleo de mensagens culturais a serem transmitidas (de forma intencional e/ou oculta) e esse trabalho cabe ao universo da educao formal, que advoga para si a funo de preparar os novos cidados de uma sociedade. A escola o destino da maioria das crianas das sociedades industrializadas. na escola que elas passaro anos, em convvio intenso com colegas, professores, educadores e os signicados da cultura. A escola no uma opo para estas crianas, a regra. Todos devero passar por ela e a ela se submeter. Sendo este espao de tamanha inuncia nos processos de desenvolvimento e aprendizagem infantil, bom que a escola se d conta disto e se prepare para atuar da forma mais competente e adequada possvel. Ao pensarmos em uma escola preparada para atuar de modo competente, no podemos desconsiderar a relevncia da criatividade como geradora de mtodos, contedos e habilidades a serem formadas, tanto em alunos como em professores. Ser que a escola est preparada para isto? Est pronta para promover a criatividade dos alunos? Est pronta para ofertar um ensino criativo? capaz de preparar seus educadores para, tambm, serem sujeito criativos em sala de aula e fora dela? A realidade escolar complexa e contraditria, quando se trata de criatividade e ensino. Geralmente, encontramos escolas, professores e pais muito interessados em criatividade e sua promoo. Na prtica, o cenrio um tanto diferenciado deste desejo. Em algumas escolas, possvel identicar nfase em atividades que auxiliam o desenvolvimento da autonomia, autoconana, criatividade e auto-estima das crianas. Em outras, o desenho pedaggico, por vezes, impede o pleno desenvolvimento das competncias citadas anteriormente, destacando tarefas e atividades que privilegiam a memorizao, a reproduo de conhecimentos, a obedincia e a submisso s regras, aspectos detrimentais expresso criativa. O que parece que a escola, historicamente, no assumiu seu papel de promotora da criatividade dos seus alunos e nem de um ensino criativo. Nos pases desenvolvidos, observamos iniciativas que mostram certo interesse em prover os educadores de programas e modelos que auxiliem na tarefa do desenvolvimento das habilidades criativas (Cropley, 1997; Davis, 1991; Starko, 1995; Torrance, 1987). Em pases em desenvolvimento, entretanto, esta no tem sido a tnica. No Brasil, em especial, os programas de formao de professores no tem considerado a relevncia de preparar o professor para a mediao de um ensino criativo. Salvo iniciativas pontuais, geralmente identicadas por meio de demandas de cursos e ocinas de criatividade, tanto o setor pblico como o setor privado do ensino no assumiram, ainda, um compromisso genuno com a promoo da criatividade na escola. Em um pas com tantas demandas educacionais urgentes, como vagas nas escolas pblicas, preparo e capacitao de professores, aquisio de recursos materiais, fomento nanceiro, entre outros aspectos, preocupar-se com a criatividade no ensino torna-se, aparentemente, quase um luxo. Mas no . Quem pesquisa e investiga criatividade no contexto educacional sabe da importncia deste tema para o desenvolvimento humano e cultural de uma nao. O desperdcio que se observa em sala de aula, com relao ao desenvolvimento do potencial criativo,

25 elevado e se reete no produto nal do ensino em nosso pas, como por exemplo: alunos mal preparados, com uma viso reprodutivista do conhecimento e sem auto-estima para inovar e/ou propor solues originais para os velhos problemas. Tal contexto detrimental para o pas, pois evidencia o pouco aproveitamento de competncias humanas totalmente disponveis, bem ali, na sala de aula. A escola, por falta de informao e formao, vem atuando muito mais na direo oposta, no que diz respeito ao fomento da criatividade. O que se registra, em grande parte das instituies de ensino, uma atuao no sentido de bloquear e desestimular o processo criativo nos alunos. As caractersticas estruturais da escola reetem uma postura educacional voltada para o passado, cuja principal preocupao se refere ao acmulo de conhecimentos. Permanece a conduta conservadora que no reconhece a necessidade de olhar o futuro e seus desaos e preparar os alunos para lidarem com um mundo em rpida mutao, dando-lhes instrumentos para solucionar problemas diferenciados e criar modelos novos. Dentro deste quadro de resistncia a modicaes, a escola vem se posicionando como no estimuladora do pensamento criativo. O ensino tem se pautado na reproduo e memorizao dos conhecimentos, com pouco estmulo pesquisa e soluo de problemas. Quase todo o tempo gasto na escola destina-se aquisio de conhecimentos. As metodologias, em geral, reforam o conservadorismo e estimulam a obedincia. A criana perde a oportunidade, dentro da escola, de desenvolver suas habilidades de pensamento criativo assim como sua capacidade de julgamento e avaliao. Uma dimenso vinculada criatividade, normalmente negligenciada pela escola, diz respeito ao desenvolvimento dos processos de imaginao. do senso comum a constatao de que a imaginao faz parte da estrutura psquica infantil, destacando-se como funo de grande valor no processo de desenvolvimento da criana (Vygotsky, 1987). Ainda no dotada de um raciocnio conceitual, a criana experimenta e compreende o mundo a partir da imaginao. Suas emoes se expressam tambm por meio desta funo. Mesmo quando inicia o domnio do raciocnio conceitual, a criana mantm atividades imaginativas, pois estas lhes proporcionam imenso prazer e sentimento de liberdade. Entretanto, a escola no tem se posicionado como um espao propcio ao exerccio da imaginao ou mesmo da fantasia. Em geral, propese a treinar os alunos para lidarem com a realidade, reforando todos os comportamentos no estimuladores da imaginao e da fantasia como o silncio, a ateno, a memorizao e a repetio de contedos. Segundo Alencar (1992): O treino da realidade comea, porm, bem cedo na vida de toda criana e a imaginao tem sido rejeitada e reprimida. Mesmo na pr-escola, a nfase tem sido cada vez mais no sentido de se transmitir informaes factuais e o espao para o jogo e para a brincadeira vem se reduzindo de uma forma signicativa. (p.77) A escola apresenta-se, ento, como um local onde se prepara o aluno para atitudes de conformismo e de no explorao de seu talento e potencial. A nfase no conformismo termina por propiciar campo frtil para o surgimento de sujeitos com uma viso de si mesmos limitada, no reconhecedores de seus prprios recursos. Em geral, este tipo de condutaCaptulo 1: Estratgias de Promoo da Criatividade

favorece o surgimento de autoconceito negativo e/ ou inadequado nas crianas. Essa postura depreciativa em relao ao potencial e capacidades do aluno termina por desperdiar talentos, recursos e possibilidades disponveis, mesmo que em latncia, em todos os indivduos. A questo do erro, como sinnimo de fracasso, merece ateno dentro do contexto escolar. dado culturalmente, e a escola como agncia de socializao refora essa crena, uma regra com a qual a maior parte das pessoas concorda. A regra : proibido errar!, principalmente se almejamos ao sucesso. De posse dessa regra, toda vez que cometemos erros nos sentimos constrangidos e envergonhados. Esquecemos que o erro constitui fenmeno oposto, porm complementar ao acerto, so lados de um mesmo processo de ao. Em geral, a nfase no proibido errar nos leva a adotar comportamentos conservadores e assumirmos posturas onde no corremos riscos. Perdemos, assim, a oportunidade de vivenciarmos experincias instrutivas que, caso resultassem em erro, serviriam como ponto de partida para novas situaes e/ou

26 Comprometer-se com a promoo da criatividade na escola um grande desao. Exige da escola e de seus componentes uma srie de habilidades e saberes nem sempre disponveis. Demanda a necessidade de pesquisar sobre criatividade, de conhecer o fenmeno, de saber como se promove um ensino criativo, dentre tantas outras nuances que fazem parte deste contexto. Starko (1995) chama a ateno para a diferena entre ensinar para a criatividade (teaching for creativity) e o ensino criativo (creative teaching). Segundo esta autora: Uma atividade de ensino que produz prazer ou mesmo criatividade no necessariamente promove a criatividade, a menos que os alunos tenham a oportunidade de pensar criativamente... O ensino criativo (quando o professor criativo) no o mesmo que o ensino voltado para o desenvolvimento da criatividade... Ensinar para a promoo da criatividade tem um foco diferente; a criatividade essencial surge por parte dos alunos. (p.15) Esta autora traz uma contribuio relevante ao diferenciar estes dois aspectos da promoo da criatividade. Ao que parece, de nada adianta levar um circo para a sala de aula se os alunos no tiverem a oportunidade de trabalharem com suas habilidades criativas. Tambm no adianta privilegiar o desenvolvimento da criatividade do sujeito se o ensino no for dotado de abertura para o novo, de desaos, de elementos estimuladores da criatividade. Podemos at identicar alguns esforos de educadores em promover um ensino criativo, mas isso no signica desenvolver, de fato, o potencial criativo dos alunos. Os programas de formao de professores tm grande responsabilidade neste contexto. Em geral, os professores no so preparados nem para o ensino criativo, muito menos para o desenvolvimento do potencial criativo dos seus alunos. A falta de informaes gera uma grande quantidade de mitos com relao criatividade, distanciando os docentes de uma prtica pedaggica criativa e transformadora. O professor, com certeza, o principal mediador do processo de ensino e aprendizagem. Em sala de aula, sua inuncia decisiva na conduta futura dos alunos. Sua atitude extremamente poderosa no sentido de inuenciar o aluno, tanto positiva como negativamente. Ele pode e deve interferir no ensino das habilidades criativas, estimulando o aluno para que este apresente seu melhor desempenho. O que se observa, porm, so professores no oferecendo condies adequadas para a expresso da criatividade de seus alunos (Alencar, 1992). No h reconhecimento, por parte do professor, do potencial criativo dos alunos nem tampouco oferta de espao estimulante ao orescimento das habilidades criadoras. Normalmente, o docente tem baixas expectativas com relao aos seus alunos, no conando em suas capacidades e talentos. Torrance (1987) destaca que, se o professor no valoriza as habilidades de pensamento criativo, difcil para ele encorajar seus alunos a se expressarem criativamente. Uma viso ainda tradicional do ensino somada a uma falta de conhecimento acerca do fenmeno criativo reete um contexto onde as atitudes e comportamentos, tanto de professores quanto de alunos, permanecem arraigados a prticas pedaggicas que no conseguem inovar, ou mesmo transformar o tecido social e escolar. Um modelo

aes. A escola no deveria desperdiar os erros de seus alunos e sim aproveit-los como matria-prima geradora de novos comportamentos e aprendizagem. A utilizao dos conhecimentos cientcos sobre criatividade, no contexto escolar, enfrenta uma srie de diculdades, barreiras e mesmo contradies. Embora seja do interesse de todos ter sujeitos criativos na escola, a presena desses alunos termina por gerar situaes de conitos e oposio s normas vigente, o que resulta em insatisfao ou mesmo medo destas pessoas diferentes e ousadas. A escola quer desenvolver a criatividade de seus alunos, mas espera que eles atendam ao padro do aluno ideal, que bonzinho, educado, obediente e conformado com as regras. Abrir-se para o novo e lidar com pessoas diferentes tornam-se competncias que a escola deve adquirir se pretende promover criatividade e mltiplos talentos em suas prticas pedaggicas.

27 educacional com este perl mostra-se incapaz de incentivar o pleno desenvolvimento do potencial humano, necessitando de modicaes que visem promover condies adequadas promoo da criatividade em sala de aula. Neste ponto do presente texto chegamos ao nosso objetivo central: como podemos promover criatividade em sala de aula?. Parece que alguns indicadores emergiram a partir da discusso elaborada. Vamos tentar aproveit-los. A tarefa da promoo da criatividade ao complexa, que exige do educador conhecimentos acerca do fenmeno criativo assim como o domnio e treino de suas prprias habilidades e competncias criativas. No adianta ser um professor criativo se no h saberes construdos sobre como desenvolver a criatividade da criana. A recproca parece verdadeira: no adianta conhecer estratgias de promoo da criatividade do sujeito se, em sala de aula, o ensino permanece vinculado a um padro no-criativo. Para trabalharmos no sentido de promover criatividade de modo ecaz indispensvel atentarmos para dois aspectos constituintes deste processo, a saber: (1) a formao do professor capaz de ofertar ensino criativo e; (2) a construo de estratgias que facilitem a promoo da criatividade do aluno em sala de aula. Formar um professor criativo, capaz de organizar um ambiente escolar estimulador da criatividade e que domine diferentes estratgias de promoo da criatividade exige um esforo concentrado que se estende desde a formao inicial deste prossional at a oferta de formao continuada, em que contedos sobre criatividade sejam privilegiados. Neves-Pereira (2004) procurou identicar quais aspectos seriam relevantes para que o professor pudesse atuar, em sala de aula, de modo a promover a criatividade de seus alunos, assim como ofertar um ensino criativo. Algumas idias surgiram desta investigao. Vamos conversar sobre elas. Para que ocorra ensino criativo e promoo da criatividade dos alunos, importante considerar os seguintes aspectos: (1) Para que um professor promova, de fato, criatividade em sala de aula, necessrio que ele v alm dos conhecimentos especcos sobre criatividade; indispensvel o domnio de saberes pedaggicos consistentes e progressistas. Quando um professor tem formao slida e detm conhecimentos consistentes sobre modelos tericos que discutem aspectos de desenvolvimento e de aprendizagem das crianas, a probabilidade de que este professor perceba a criatividade como parte dos processos de desenvolvimento infantil e merecedora de ateno especial bastante representativa. Ao possuir domnio terico, o professor facilita sua prtica e favorece uma mediao mais rica em sala de aula, o que facilita a promoo da criatividade. Um professor competente, por mais que desconhea sobre criatividade e seus processos, tem mais chances de estruturar aulas criativas do que um professor pouco competente e tambm desconhecedor dos processos criativos. Portanto, a formao de qualidade critrio de extrema importncia na promoo da criatividade no ensino. (2) O domnio de saberes pedaggicos consistentes e progressistas, entretanto, no suciente para que um professor, particularmente, estimule o desenvolvimento da criatividade. necessrio que este fenmeno seja considerado, especicamente, no contexto educacional, trabalhado em termos conceituais e em termos de prticas pedaggicas orientadas para o seu desenvolvimento. Quando um professor bem formado e conhece sobre desenvolvimento infantil e processos de aprendizagem, sua viso de homem se amplia e suas concepes acerca dos processos psicolgicos se tornam mais complexas. Criatividade um processo psicolgico, assim como a imaginao, a cognio, dentre tantos outros. Um professor competente vai apresentar conhecimentos gerais sobre estes temas, porm sem o domnio necessrio para que, de fato, consiga atuar no sentido de fomentar criatividade em sala de aula. Parece claro que, para promover criatividade em sala de aula, muito importante uma formao prossional consistente e de qualidade, mas esta formao no determinante para que ocorra ensino criativo. S a formao prossional de qualidade no suciente. indispensvel que o professor saiba alguma coisa sobre o fenmeno criativo e sobre como trabalhar com a criatividade no contexto da sala de aula. Esta necessidade nos leva ao aspecto seguinte. (3) Um professor apto a desenvolver criatividade em seus alunos deve ter uma formao especca nesta rea. J sabemos que a promoo de um ensino voltado para o desenvolvimento das capacidades criativas exige uma formao de qualidade do professor, em aspectos diretamente relacionados sua prtica pedaggica. Tambm sabemos que esta formao, por si s, no suciente para queCaptulo 1: Estratgias de Promoo da Criatividade

28 ocorra criatividade em sala de aula, embora seja indispensvel. Para que um professor possa, de fato, ofertar atividades de ensino que privilegiem o desenvolvimento da criatividade em sala de aula, necessrio que ele domine, de modo incontestvel, os conhecimentos construdos sobre estratgias de ensino e fomento do potencial criativo no contexto escolar. Somente de posse desta ampla gama de conhecimentos especcos que ele poder trabalhar de forma mais ecaz com o desenvolvimento do potencial criador em sala de aula. Estudar, ler, investigar, pesquisar, conhecer sobre criatividade e seus modos de promoo indispensvel para o professor. (4) O professor torna-se mais apto a desenvolver criatividade em sala de aula quando este conceito, efetivamente, faz parte de sua histria pessoal e cultural. Quando o professor se percebe como criativo, valoriza a criatividade, convive com pessoas criativas, se interessa por atividades artsticas e/ou cientcas, tem diversos hobbies e interesses mltiplos, ele termina por promover sua prpria criatividade, o que vai sensibilizlo para promover a criatividade de seus alunos. Anteriormente, consideramos a relevncia dos aspectos biogrcos na identicao do sujeito criativo. De fato, parece que esta dimenso de anlise da criatividade procede. A pessoa imersa em um ambiente social e cultural que valoriza a criatividade, provavelmente, vai se contaminar pelo clima reinante e vai angariar habilidades criativas quando comparada com pessoas que no compartilham contextos sociais semelhantes. Um ambiente que valoriza a criatividade facilita a construo de uma viso holstica sobre o fenmeno criativo, o que auxilia a pessoa a lidar melhor com habilidades e competncias relacionadas criatividade. A familiaridade com a criatividade auxilia na sua promoo. (5) Muitas vezes, o professor pode enganarse com relao a sua prpria prtica e no perceber que est atuando no sentido oposto ao desejado, isto , ao invs de promover criatividade ele inibe sua expresso. Assim sendo, preciso um trabalho especco visando desenvolver no professor a capacidade de anlise da estrutura das atividades por ele selecionadas e a capacidade de auto-observao, para que perceba de que forma suas aes podem estar contribuindo ou dicultando a expresso criativa em sala de aula. Este ponto chama a ateno para a importncia do preparo do professor no sentido de dominar as estratgias adequadas para que haja ensino criativo e promoo da criatividade dos alunos em sala de aula. Conhecer sobre criatividade, identificar a personalidade criativa, compreender a relevncia do meio social e cultural para a expresso criativa no garante que o professor saiba como promover criatividade em sala de aula. Este profissional deve se apropriar de estratgias, tcnicas, metodologias e saberes especficos a respeito do fomento da criatividade e isto exige treino, estudo e superviso. Portanto, mais uma vez surge a necessidade de aquisio de conhecimentos tericos e prticos sobre a criatividade e suas estratgias de promoo. Caso contrrio, o professor corre o risco de organizar atividades que terminam por inibir o potencial criativo ao invs de promov-lo. Boas intenes nem sempre so eficazes. (6) Preparar um professor para a promoo de um ensino criativo no consiste apenas em prover conhecimentos acerca da criatividade, mas, principalmente, dot-lo de mltiplos saberes. Autoconhecimento e reexo sobre a prpria prtica tambm so elementos indispensveis. Este aspecto, na realidade, representa uma sntese dos anteriores. Sugere que, preparar um professor para promover criatividade em sala de aula consiste em uma tarefa muito mais complexa e que exige esforos de outra natureza. necessria uma formao multidisciplinar e de qualidade como requisito de valor na hora de capacitar um professor para a mediao de um ensino criativo. Estes aspectos dizem respeito necessidade de se trabalhar processos de autoconhecimento por

29 parte do professor e o hbito de realizar reflexes sobre a prpria prtica pedaggica. O professor que adota uma postura de avaliao e reflexo sobre sua prpria prtica, que partilha com seus colegas suas dvidas e saberes e que conta com a superviso de profissionais que investigam os processos criativos tem maiores chances de atuar de forma competente e, de fato, auxiliar seus alunos a descobrirem e realizarem seus potenciais e talentos. Ao pensarmos em programas de desenvolvimento de criatividade no contexto escolar, no podemos ignorar que a criatividade uma das funes psicolgicas originadas nas interaes sociais presentes na sala de aula e a elas submetida. Formar prossionais para desenvolver criatividade no contexto escolar consiste, portanto, em uma ao que pertence a um mbito maior do que o simples preparo instrumental. Consiste em uma ao diretamente vinculada ao contexto sociocultural que permeia a escola e seus agentes e que exige um esforo multidisciplinar para que o sucesso seja alcanado. Preparo tcnico, formao terica e prtica, especializao no tema criatividade, construo de processos de autoconhecimento e elaborao de reexes acerca da prpria prtica educativa representam aspectos indispensveis no currculo amplo, formador dos docentes aptos a proverem um ensino voltado para o fomento do potencial criativo. O desenvolvimento do potencial criativo do aluno deve ser mediado por meio do uso de diversas estratgias promotoras de criatividade em sala de aula. J discutimos sobre a formao do professor e sobre a importncia da apropriao de contedosCaptulo 1: Estratgias de Promoo da Criatividade

especcos sobre criatividade, por parte do docente. Agora podemos nalizar nosso texto reetindo sobre algumas estratgias que auxiliam na tarefa de mediar crianas e jovens no desenvolvimento de seus potenciais e talentos criativos. Promover criatividade em sala de aula demanda algumas medidas, como por exemplo: Promover um ambiente rico em estimulao de todo tipo, com oportunidades mltiplas de conhecimentos para as crianas e adolescentes; Construir,coletivamente,um clima de harmonia, respeito s diferenas e aceitao do novo; Adotar posturas de valorizao e aproveitamento dos erros e equvocos cometidos ao longo do processo de aprendizagem; Construir metodologias de ensino inovadoras, originais e instigantes; Ofertar situaes de ensino e aprendizagem diferenciadas, divertidas e com grau gradativo de diculdade; Atuar, de modo consistente, no reforo e estmulo auto-estima e autoconceito dos alunos; Valorizar expresses afetivas e incen-tivar o uso da imaginao e da fantasia; Prover diversas situaes, experincias, exerccios, desaos e prticas escolares onde as crianas e adolescentes possam exercitar competncias do pensamento criativo; Planejar cada dia de atividade escolar junto aos alunos, enfatizando a cooperao e o trabalho coletivo; Estimular a leitura, a reexo, a elaborao de

idias, a produo de idias e a soluo de problemas; Adotar bibliograas sobre criatividade como referncia para a construo das prticas pedaggicas. As medidas acima descritas auxiliam o professor que deseja organizar um espao escolar favorvel ao desenvolvimento da criatividade. Entretanto, conhecer sobre tcnicas e exerccios estimuladores das diferentes dimenses que compe o fenmeno criativo tambm atitude adequada. A este respeito, o leitor deve consultar as leituras recomendadas, ao trmino deste captulo. Porm, a ttulo de ilustrao, seguem algumas sugestes inspiradoras de prticas pedaggicas nutritivas da criatividade. Neste ponto do texto encerramos as consideraes acerca da formao do professor apto a ofertar ensino criativo. Em seu currculo no pode faltar: Uma formao de qualidade, com amplo domnio de saberes pedaggicos progressistas e atuais; Conhecimentos gerais sobre a criatividade e sua promoo em sala de aula; Formao especca em contedos sobre criatividade, seus processos e estratgias de promoo; Familiaridade com crenas, valores e hbitos culturais que priorizem a expresso criativa; Clareza sobre suas prticas pedaggicas relacionadas criatividade e domnio das estratgias de promoo da expresso criativa; Domnio de saberes interdisciplinares, investimento em processos de autoconhecimento e reexo sobre a prpria prtica.

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SUGESTES PARA ORGANIZAR UMA SALA DE AULA ESTIMULADORA DO POTENCIAL CRIATIVO

SUGESTES PARA ELABORAR METODOLOGIAS DE ENSINO PROMOTORAS DE CRIATIVIDADEUsar mtodos de ensino que valorizem a paz, a cooperao e o auxlio mtuo nas tarefas de aprendizagem. Uma sala de aula receptiva e psicologicamente confortvel auxilia na promoo da criatividade;

Um lugar s para coisas diferentes

Desafios, mistrios e Oportunidades Iguais para Meninos e Meninas problemas para solucionar

Organizar as atividades curriculares orientando-as para a estimulao da imaginao dos alunos;

UMA SALA DE AULA CRIATIVA

Estruturar as atividades realizadas em sala de aula de modo a explorar as habilidades e talentos dos alunos; Informaes sobre o mundo Materiais diferentes para manusear

Muitos Livros

Alinhavar os contedos curriculares para que o conhecimento seja compreendido como uma totalidade, vinculado com a vida diria, o cotidiano e a soluo de problemas;

Espao para pesquisa

Muita Diverso

Msica

Incluir a diverso em sala de aula, despertando o prazer pelo aprendizado, pela descoberta, pelo novo;

Estimular a participao do aluno em todas as atividades, garantindo um clima de respeito s diferenas e aproveitamento do erro como matria-prima do crescimento. Muita histria Muita Arte Espao para informao

31Captulo 1: Estratgias de Promoo da Criatividade

SUGESTES PARA ELABORAR SISTEMAS DE AVALIAO QUE AUXILIAM NA PROMOO DA CRIATIVIDADEIncentive seu aluno a participar ativamente do processo de avaliao de sua disciplina ou turma; Construa exerccios, atividades escolares, provas, seminrios, trabalhos em grupo que permitam ao aluno a percepo de que a avaliao parte das atividades escolares e tem a funo de orientar a trajetria de aprendizagem; No permita que o sistema de avaliao utilizado assuma carter punitivo. Avaliao deve ser momento especial e privilegiado de aprendizagem e no sistema de punio ao aluno; Planeje provas criativas, onde o aluno busque informaes extras, seja incentivado a pesquisa, a inserir seus prprios saberes na avaliao formal; Adote modelos de avaliao elaborados pelos alunos. Inclua a avaliao nas atividades co-construdas em sala de aula; Inove ao elaborar trabalho, provas e atividades a serem realizadas com o intuito de avaliar a criana. Experimente construir instrumentos de avaliao divertidos, estimuladores e desafiadores;

SUGESTES PARA TRABALHAR COM O AUTOCONCEITO E A AUTO-ESTIMA DOS ALUNOSValorize as qualidades dos seus alunos. Diga a cada um deles o que os destaca como indivduos e os tornam especiais; Aceite as contribuies de cada aluno sem julgamentos e crticas. Aprenda a valorizar as idias de cada criana, em sala de aula; Acredite em seus alunos, acredite no potencial de cada um, acredite que eles so capazes de realizar muitas coisas, coisas que at voc mesmo no tinha pensado; Oua, oua, oua! D escuta aos seus alunos. Oua o que cada um tem a dizer. Olhe em seus olhos e d-lhes a certeza de que esto sendo ouvidos; Seja amigo (a) dos seus alunos. No receie demonstrar sentimentos de afeto e considerao. Procure ser autntico nas interaes em sala de aula; Crie espao para que seus alunos falem sobre seus sentimentos, com confiana, sem medo de julgamentos ou avaliaes. Valorize o clima emocional da sua sala de aula. Procure torn-lo confortvel e receptivo; Organize situaes de aprendizagem que incluam a expresso das idias, pensamentos e emoes dos alunos; No incentive comportamentos pr-conceituosos ou discriminatrios em sala de aula. Oriente seus alunos a lidarem com o diferente, respeitando e incluindo pessoas que agem, vivem ou falam de modo peculiar.

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SUGESTES PARA DESENVOLVER CRIATIVIDADE EM SALA DE AULAOuse, tenha coragem de propor coisas novas em sala de aula;

Pense que cada atividade a ser feita em sala de aula pode ser ensaiada de diversas maneiras. Ensaie todas as maneiras de dar uma aula e d cada aula de um jeito diferente, envolvendo os alunos a participarem ativamente de cada momento;

Adote a pesquisa em sala de aula como uma prtica corriqueira. Auxilie seus alunos a adotarem uma postura curiosa diante do conhecimento e da vida;

Introduza em suas aulas os seguintes ingredientes: imaginao + fantasia + senso de humor + informaes variadas + novidades + tudo o que possa instigar a curiosidade dos alunos;

Valorize a originalidade e estimule a produo de idias. Lembre-se: em criatividade, quantidade igual qualidade. Tenham muitas idias em sala de aula.

Transforme tudo em problema a ser solucionado. Estimule seus alunos a adotarem a postura do investigador, que sai em busca de mltiplas solues para situaes diversas;

Desenvolver a criatividade dos alunos possvel. Fomentar as competncias criativas do professor, para que ele promova ensino criativo tambm tarefa vivel. O presente texto pretende contribuir neste sentido, ao esclarecer sobre o fenmeno criativo e sugerir aes e prticas que facilitem o despertar deste potencial fantstico, que todos ns possumos e, por razes diversas, nem sempre conseguimos express-lo em sua plenitude. O compromisso com um ensino criativo exige conhecimento e prtica. Esperamos que este trabalho amplie os horizontes de todos os educadores que vm trilhando a senda do ensinar e aprender, tarefas fundamentais na construo do ser humano. Desejamos, tambm, que esta simples contribuio acenda a chama criativa em cada um dos leitores e os estimule a desenvolver e expressarem seus talentos e competncias. Como diz o mestre Caetano Veloso: gente para brilhar!. Vamos, ento, acender a luz da nossa criatividade? O convite est feito.

No critique! No critique! No critique! Aceite as diferenas. As pessoas no so iguais e a diversidade uma riqueza. J a crtica s inibe a expresso criativa;

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RefernciasAlencar, E M. L. S. (1992). Como desenvolver o potencial criador. Petrpolis: Vozes. Alencar, E. M. L. S. (1995). Criatividade. Braslia: EdUnB. Amabile, T. M. (1983). The social psychology of creativity. New York: Springer. Amabile, T. M & Hennessey, B. A. (1987). Creativity and learning. Washington, DC: National Education Association. Arieti, S. (1976). Creativity. The magic synthesis. New York: Basic Books. Barron, F. (1969). Creative person and creative process. New York: Holt, Rinehart and Wiston. Barron, F. & Harrington, D. M. (1981). Creativity, intelligence and personality. Annual Review of Psychology, 32, 439-476. Boden, M. A. (1999). O que criatividade. Em M.A. Boden (Org), Dimenses da Criatividade (pp. 81-123). Porto Alegre: Artmed. Cropley, A J. (1997). Fostering creativity in the classroom: General principles. Em M.A Runco (Org.), The Creativity research handbook (pp.83114). Cresskill, NJ: Hampton Press. Csikszentmihalyi, M. (1988). Society, culture, and person: A systems view of creativity. Em R. J. Sternberg (Org.), The nature of creativity. Contemporary psychological perspectives (pp.325339). New York: Cambridge University Press. Csikszentmihalyi, M. (1999). Implications of a systems perspective for the study of creativity. Em R.J. Sternberg (Org.), Handbook of creativity (pp.313335). New York: Cambridge University Press. Davis, G. A. (1991). Teaching creative thinking. Em N. Colangelo & G.A. Davis (Orgs.), Handbook of gifted education (pp.236-244). Boston: Allyn and Bacon. Getzels, J. W. & Jackson, P. W. (1962). Creativity and intelligence. New York: Wiley. Guilford, J. P. (1967). The nature of human intelligence. New York: McGraw-Hill. Guilford, J. P. (1979). Way beyond the IQ. Guide to improve intelligence and creativity. Bualo, NY: The Creative Education Foundation. MacKinnon, D. W. (1978). In search of human effectiveness. Bualo, NY: Creative Education Foundation. Martnez, A. M. (2001). La interrelacin entre investigacin psicolgica y prctica educativa: Un anlisis crtico a partir del campo de la creatividad Em Z.A.P. Del Prette (Org.), Psicologia escolar e educacional (pp.87-112). Campinas: Alnea. Neves-Pereira, M.S. (2004). Criatividade na Educao Infantil: Um estudo sociocultural construtivista de concepes e prticas de educadores. Tese de Doutorado, Universidade de Braslia, Braslia. Rogo, B. (1990). Apprenticeship in thinking: Cognitive development in social context. New York: Oxford University Press. Rogo, B. (2003). The cultural nature of human development. New York: Oxford University Press. Smolucha, F. C. (1992a). A reconstruction of Vygotskys theory of creativity. Creativity Research Journal, 5, 49-67. Smolucha, F. C. (1992b). The relevance of Vygotskys theory of creative imagination for contemporary research on play. Creative Research Journal, 5, 69-75. Starko, A. J. (1995). Creativity in the classroom. Schools of curious delight. New York: Longman. Torrance, E. P. (1987). Teaching for creativity. Em S.G. Isaksen (Org.), Frontiers of creativity research. Beyond the basics (pp.189-215). Bualo, NY: Bearly. Vygotsky, L. S. (1987). Imaginacion y el arte en la infancia. Mxico, DF: Hispnicas. Vygotsky, L. S. (1990). Imagination and creativity in childhood. Soviet Psychology, 28, 84-96.Captulo 1: Estratgias de Promoo da Criatividade

Leituras RecomendadasAlencar, E. M. L. S. (1990). Como desenvolver o potencial criador. Petrpolis: Vozes. Virgolim, A. M. R., Fleith, D. S. & NevesPereira, M. S. (2005). Toc, toc.... plim, plim! Lidando com as emoes, brincando com o pensamento atravs da criatividade (7a. ed.). Campinas: Papirus.

Captulo 2

Desenvolvimento do Autoconceito

Angela M. R. Virgolim

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37 37 etts e Neihart (1988) armam que a criana superdotada inuencia e inuenciada por suas famlias, sua educao, seus relacionamentos e pelo seu prprio desenvolvimento pessoal. Sabe-se que o ambiente tem um grande impacto no indivduo em desenvolvimento e no caso da criana superdotada , s vezes, difcil detectar se suas altas habilidades so frutos de caractersticas pessoais ou de caractersticas do ambiente onde vive. Neste sentido, importante entender que a criana no superdotada apenas no perodo em que est na escola; ela deve ser percebida como um ser humano que necessita de condies, seja na famlia, escola ou comunidade, que favoream seu desenvolvimento e aprendizagem. Cada um destes ambientes tem um papel importante na educao da pessoa com altas habilidades. A famlia, que seria a primeira escola da criana, tem o papel fundamental de nutrir suas necessidades afetivas, contribuindo para que ela possa desenvolver uma percepo positiva a respeito de si mesma, fortalecer sua auto-estima e desenvolver precocemente seus talentos. Ao entrar na escola, a criana encontra um ambiente privilegiado onde, se lhe for dada a oportunidade de fazer escolhas signicativas sobre sua prpria aprendizagem, de explorar livremente, manipular uma ampla variedade de materiais e receber estmulos variados, ter uma aprendizagem muito mais efetiva. A comunidade, por sua vez, por meio de museus, bibliotecas, teatros, estdios de rdio e TV, laboratrios, indstrias etc, oportunizam recursos humanos e materiais fundamentais para a educao avanada e especializada do aluno com altas habilidades/superdotao. Na comunidade encontramos, ainda, diferentes tipos de especialistasCaptulo 2: Desenvolvimento do Autoconceito Captulo 2: Desenvolvimento do Autoconceito

B

(por exemplo, cientistas, artistas, msicos, pesquisadores, tcnicos, lderes governamentais, entre outros) que podem servir de modelos para os jovens com alto potencial ou atuar como seus mentores. Todos estes recursos devem ser utilizados para uma educao mais ampla e completa do aluno superdotado, de forma que ele possa entender a extenso de seus talentos e aceitar a si prprio como pessoa nica e especial. Os educadores recomendam que a educao da criana que apresenta um potencial promissor deva se iniciar cedo, num ambiente de aprendizagem criativo, que a encoraje a explorar seus talentos, exercitar sua capacidade de aprender e entender suas habilidades especiais. Da mesma forma, diversos pesquisadores tm demonstrado a importncia dos fatores emocionais e sociais para a realizao do potencial do indivduo (Colangelo, 1997; Janos, Fung & Robinson, 1985; Neihart, Reis, Robinson & Moon, 2002). Um dos aspectos que tem consistentemente chamado a ateno de pesquisadores diz respeito ao autoconceito das crianas com altas habilidades/superdotao. Uma vez que as crenas e atitudes que temos com relao a ns mesmos so centrais em nossa personalidade e em nosso comportamento, torna-se fundamental entender este construto com mais profundidade. Vamos a seguir enfocar este tema, mostrando como o autoconceito surge e evolui, sua estrutura e os efeitos que o rtulo de superdotado pode ter na auto-estima do indivduo.

assim como a percepo que temos dos outros sobre ns. O autoconceito funciona como uma espcie de ltro, moldando nossas escolhas e afetando o modo com que reagimos aos outros e ao mundo. Algumas denies de autoconceito so apresentadas no Quadro 1 (Denies de Autoconceito). Quando falamos do autoconceito, ou da auto-estima, estamos nos referindo s vrias vises do si mesmo (e que os psiclogos chamam de self), o que inclui os vrios papis que assumimos e os atributos que fazem parte de nossa vida. Enquanto o autoconceito um termo mais amplo e geral que implica organizao de partes, peas e componentes internos hierarquicamente organizados e inter-relacionados de uma forma complexa, a autoestima implica julgamento, constituindo o aspecto avaliativo do autoconceito, composto pelos sentimentos de competncia e de valor pessoal. Assim,

O Self, o Autoconceito e a Auto-EstimaO autoconceito se refere imagem subjetiva que cada um tem respeito de si, o que inclui as crenas e atitudes que temos a nosso prprio respeito,

38 o autoconceito seria o termo utilizado para os aspectos descritivos do self em termos de papis e atributos (por exemplo, ser alto ou baixo), ao passo que a auto-estima deve ser usado para se referir ao aspecto avaliativo do self (por exemplo, sentir-se feliz por ser baixo). Vimos ento que o autoconceito o conjunto de percepes que o indivduo tem de si mesmo. Tais percepes so formadas a partir das experincias da pessoa nos ambientes em que vive e altamente inuenciadas pelas informaes do meio a seu respeito. A percepo que o indivduo tem de si inuencia seus atos, e estes, por sua vez, inuenciam a forma pela qual ele se percebe. Assim, o autoconceito um construto inferido das respostas do indivduo s diferentes situaes apresentadas em seu contexto social, cultural, escolar e familiar. Segue-se ento que o autoconceito se refere aos aspectos conscientes e inconscientes daquilo que achamos que somos - nossas caractersticas fsicas e psicolgicas, n