Almanaque Chuva de Versos n. 383

33

Transcript of Almanaque Chuva de Versos n. 383

Page 1: Almanaque Chuva de Versos n. 383
Page 2: Almanaque Chuva de Versos n. 383

2

Uma Trova de Curitiba/PR

Nei Garcez

Numa sala pequenina, se prestarmos atenção, a própria criança ensina

como ensinar a lição.

Uma Trova do Rio de Janeiro/RJ

Gilson Faustino Maia

Eu te emprestarei os vinte, pois a minha idade aguenta.

E fico, nobre pedinte, com pouco mais de cinquenta.

Um Poema de Mogúncia/MA

Raimundo Correia (1859 – 1911)

Amor e vida

Esconde-me a alma, no íntimo, oprimida,

Este amor infeliz, como se fora Um crime aos olhos dessa, que ela adora, Dessa, que crendo-o, crera-se ofendida.

A crua e rija lâmina homicida

Do seu desdém vara-me o peito; embora, Que o amor que cresce nele, e nele mora,

Só findará quando findar-me a vida!

Ó meu amor! como num mar profundo, Achaste em mim teu álgido, teu fundo,

Teu derradeiro, teu feral abrigo!

E qual do rei de Tule a taça de ouro, Ó meu sacro, ó meu único tesouro! Ó meu amor! tu morrerás comigo!

Uma Trova Humorística do Rio de Janeiro/RJ

César Torraca

Ela é nova e ele velhinho... e veio um par de rebentos... - curioso é que, ao vizinho,

não faltaram cumprimentos...

Uma Trova do Rio de Janeiro/RJ

Antonio Cabral Filho

Por serem bens muito raros, de inestimável valor,

Page 3: Almanaque Chuva de Versos n. 383

3

paz, amor, são temas caros na vida do trovador.

Um Poema de Mogúncia/MA

Raimundo Correia (1859 – 1911)

Anoitecer

Esbraseia o Ocidente na agonia

O sol... Aves em bandos destacados, Por céus de ouro e púrpura raiados,

Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia...

Delineiam-se além da serrania Os vértices de chamas aureolados,

E em tudo, em torno, esbatem derramados Uns tons suaves de melancolia.

Um mudo de vapores no ar flutua...

Como uma informe nódoa avulta e cresce A sombra à proporção que a luz recua.

A natureza apática esmaece...

Pouco a pouco, entre as árvores, a lua Surge trêmula, trêmula.... Anoitece.

Uma Quadra Popular

Autor Anônimo

Mandei buscar na botica remédio para uma ausência, me mandaram a saudade,

coberta de paciência.

Uma Trova Hispânica da Venezuela

Luis Alfredo Rivas Mazzei

Al cambio de la palabra la utilizó con paciencia

como agricultor que labra honesto y con transparencia

Um Poema de Mogúncia/MA

Raimundo Correia (1859 – 1911)

A cavalgada

A lua banha a solitária estrada...

Silêncio!... Mas além, confuso e brando, O som longínquo vem-se aproximando

Do galopar de estranha cavalgada.

Page 4: Almanaque Chuva de Versos n. 383

4

São fidalgos que voltam da caçada;

Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando. E as trompas a soar vão agitando

O remanso da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece... Da cavalgada o estrépito que aumenta

Perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce... E límpida, sem mácula, alvacenta A lua a estrada solitária banha...

Trovadores que deixaram Saudades

Pedro Uzzo Paraibuna/SP (1901 – 1997) Santos/SP

Que pedra sem alma aquela da grota, ao sopé do monte:

sufoca debaixo dela os soluços de uma fonte!

Uma Trova de Bauru/SP

João Batista Xavier Oliveira

A dor cruciante impera quem abraça a solidão;

seu orgulho nada espera sozinho na multidão.

Um Poema de Mogúncia/MA

Raimundo Correia (1859 – 1911)

Desdéns

Realçam no marfim da ventarola As tuas unhas de coral felinas

Garras com que, a sorrir, tu me assassinas, Bela e feroz... O sândalo se evola;

O ar cheiroso em redor se desenrola; Pulsam os seios, arfam as narinas...

Sobre o espaldar de seda o torso inclinas Numa indolência mórbida, espanhola...

Como eu sou infeliz! Como é sangrenta Essa mão impiedosa que me arranca A vida aos poucos, nesta morte lenta!

Essa mão de fidalga, fina e branca;

Essa mão, que me atrai e me afugenta, Que eu afago, que eu beijo, e que me espanca!

Page 5: Almanaque Chuva de Versos n. 383

5

Uma Trova de Porto Alegre/RS

Flávio Stefani

Poesia, na verdade, é manter os pés no chão,

transformando a realidade em instantes de paixão!

Um Haicai de Curitiba/PR

Um Poema de Mogúncia/MA

Raimundo Correia (1859 – 1911)

O misantropo

A boca, às vezes, o louvor escapa

E o pranto aos olhos; mas louvor e pranto Mentem: tapa o louvor a inveja, enquanto

O pranto a vesga hipocrisia tapa.

Do louvor, com que espanto, sob a capa Vejo tanta dobrez, ludíbrio tanto!

E o pranto em olhos vejo, com que espanto, Que escarnecem dos mais, rindo à socapa!

Porque, desde que esse ódio atroz me veio,

Só traições vejo em cada olhar vetusto? Perfídias só em cada humano sei-o?

Acaso as almas poderei sem custo

Ver, perspícuo e melhor, só quando odeio? E é preciso odiar para ser justo?!

Page 6: Almanaque Chuva de Versos n. 383

6

Uma Trova de Porto Alegre/RS

Gislaine Canales

Navegando em meu veleiro, num mar, assim, tão bonito, procuro meu companheiro, nesse meu sonho infinito!

Uma Quadra Popular Portuguesa de S. Domingos

de Rana

João Baptista Coelho

Foi por não ter ido à escola com a atenção que é devida,

que ando, hoje, a pedir esmola na outra escola : a da Vida.

Um Poema de Mogúncia/MA

Raimundo Correia (1859 – 1911)

Na Penumbra

Raiava, ao longe, em fogo a lua nova, Lembras-te?... apenas reluzia a medo, Na escuridão crepuscular da alcova O diamante que ardia-te no dedo...

Nesse ambiente tépido, enervante, Os meus desejos quentes, irritados, Circulavam-te a carne palpitante,

Como um bando de lobos esfaimados...

Como que estava sobre nós suspensa A pomba da volúpia; a treva densa Do teu olhar tinha tamanho brilho!

E os teus seios que as roupas comprimiam,

Tanto sob elas, túmidos, batiam, Que estalavam-te o flácido espartilho!

Uma Trova de Angra dos Reis/RJ

Jessé Nascimento

Nos meus momentos tristonhos, quando a incerteza me alcança,

vou acalentando os sonhos com a canção da esperança.

Uma Glosa de Fortaleza/CE

Nemésio Prata

Glosando Arlene Lima (Maringá/PR)

MOTE... As minhas mãos calejadas

Page 7: Almanaque Chuva de Versos n. 383

7

plantam sementes de amor, que nascem e são cuidadas e se transformam em flor!

GLOSA...

As minhas mãos calejadas na semeadura do Amor

serão sempre abençoadas pelo Sumo Lavrador!

Todos que no seu canteiro

plantam sementes de Amor colherão, o ano inteiro, os frutos do seu labor!

Quando fizeres lavradas

planta sementes de Amor, que nascem e são cuidadas

pelas mãos do Criador!

As sementes mais assentes são as sementes de Amor; formam rebentos latentes

e se transformam em flor!

Um Poema de Mogúncia/MA

Raimundo Correia (1859 – 1911)

As Pombas

Vai-se a primeira pomba despertada...

Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas Das pombas vão-se dos pombais, apenas

Raia sanguinea e fresca a madrugada.

E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais, de novo elas, serenas,

Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam Os sonhos, um a um, céleres voam,

Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam, Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,

E eles aos corações não voltam mais.

Um Haicai de Manaus/AM

Zemaria Pinto

o pouso silente da borboleta de seda

Page 8: Almanaque Chuva de Versos n. 383

8

celebra a manhã

Uma Trova de Caicó/RN

Paulo Roberto da Silva

Traçadas pela quimera... as rugas que hoje pranteio,

são marcas da minha espera de um amor que nunca veio!

Um Poema de Mogúncia/MA

Raimundo Correia (1859 – 1911)

Saudade

Aqui outrora retumbaram hinos; Muito côche real nestas calçadas

E nestas praças, hoje abandonadas, Rodou por entre os ouropéis mais finos...

Arcos de flores, fachos purpurinos,

Tons festivais, bandeiras desfraldadas, Girândolas, clarins, atropeladas

Legiões de povo, bimbalar de sinos...

Tudo passou! Mas dessas arcarias

Negras, e desses torreões medonhos, Alguém se assenta sobre as lájeas frias;

E, em torno os olhos úmidos, tristonhos,

Espraia e chora, como Jeremias, Sobra a Jerusalém de tantos sonhos!...

Recordando Velhas Canções

Nossa canção (canção, jovem guarda, 1966)

Luiz Ayrão

Olha aqui,preste atenção

essa é a nossa canção vou cantá-la seja onde for

para nunca esquecer o nosso amor, nosso amor

Veja bem, foi você a razão e o porquê

de nascer essa canção assim pois você é o amor

que existe em mim

Você partiu e me deixou

nunca mais você voltou

Page 9: Almanaque Chuva de Versos n. 383

9

pra me tirar da solidão e até você voltar

meu bem eu vou cantar essa nossa canção

Uma Trova de Caicó/RN

Prof. Garcia

Sê feliz na caminhada, esquece o bem que te fiz...

Nem sempre o fim de uma estrada é o fim de quem foi feliz!!!

Um Poema de Mogúncia/MA

Raimundo Correia (1859 – 1911)

Último porto

Este o país ideal que em sonhos douro;

Aqui o estro das aves me arrebata, E em flores, cachos e festões, desata

A Natureza o virginal tesouro;

Aqui, perpétuo dia ardente e louro Fulgura; e, na torrente e na cascata,

A água alardeia toda a sua prata,

E os laranjais e o sol todo o seu ouro...

Aqui, de rosas e de luz tecida, Leve mortalha envolva estes destroços

Do extinto amor, que inda me pesam tanto;

E a terra, a mãe comum, no fim da vida, Para a nudeza me cobrir dos ossos,

Rasgue alguns palmos do seu verde manto.

Um Haicai de Pereira Barreto/SP

Teruko Oda

Insetos que cantam... Parece que as sombras se amam

nos cantos escuros.

Uma Trova de Belém/PA

Antonio Juraci Siqueira

Nas manhãs ensolaradas, papagaios de papel

são bandeiras desfraldadas que a infância agita no céu!

Page 10: Almanaque Chuva de Versos n. 383

10

Um Poema de Mogúncia/MA

Raimundo Correia (1859 – 1911)

Mal Secreto

Se a cólera que espuma, a dor que mora N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,

Tudo o que punge, tudo o que devora O coração, no rosto se estampasse;

Se pudesse o espírito que chora Ver através da máscara da face,

Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo Guarda um atroz, recôndito inimigo,

Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe, Cuja a ventura única consiste

Em parecer aos outros venturosa!

Hinos de Cidades Brasileiras

Torres/RS

Torres. Tu és, cidade - menina,

A mais formosa praia sulina.... Tu és vida, luz e calor,

Tu és um poema de amor.

Entre as praias gaúchas, Tu és a mais bela;

És uma linda aquarela. De cor e de poesia...

És magistral sinfonia.

O teu mar de verdes águas, Batendo contra os rochedos, Vai cavando entre penedos

Tuas furnas deslumbrantes...

O Mampituba sereno, A Torre Sul e a Guarita, O Farol e a Torre Norte, A Igrejinha tão bonita.

Recantos cheios de sonhos... Torres : Ó praia tão sedutora,

Tens a beleza morena Da menina sonhadora, Da moça que devaneia

Sobre a tua areia...

Ó Torres : Das três torres,

Tu és a rainha das praias...

Page 11: Almanaque Chuva de Versos n. 383

11

Uma Trova de Curitiba/PR

Vanda Alves da Silva

Se o motivo me balança, deixo de lado a quimera, faço do amor esperança, onde a razão desespera...

Um Poema de Mogúncia/MA

Raimundo Correia (1859 – 1911)

Plenilúnio

Além nos ares, tremulamente,

Que visão branca das nuvens sai! Luz entre as franças, fria e silente;

Assim nos ares, tremulamente, Balão aceso subindo vai...

Há tantos olhos nela arroubados,

No magnetismo do seu fulgor! Lua dos tristes e enamorados, Golfão de cismas fascinador!

Astro dos loucos, sol da demência,

Vaga, sonâmbula aparição!

Quantos, bebendo-te a refulgência, Quantos por isso, sol da demência,

Lua dos loucos, loucos estão!

Quantos à noite, de alva sereia O falaz canto na febre a ouvir, No argênteo fluxo da lua cheia,

Alucinados se deixam ir...

Também outrora, num mar de lua, Voguei na esteira de um louco ideal;

Exposta aos euros a fronte nua, Dei-me ao relento, num mar de lua,

Banhos de lua que fazem mal.

Ah! quantas vezes, absorto nela, Por horas mortas postar-me vim

Cogitabundo, triste, à janela, Tardas vigílias passando assim!

E assim, fitando-a noites inteiras,

Seu disco argênteo n’alma imprimi; Olhos pisados, fundas olheiras, Passei fitando-a noites inteiras, Fitei-a tanto, que enlouqueci!

Tantos serenos tão doentios, Friagens tantas padeci eu;

Chuva de raios de prata frios

Page 12: Almanaque Chuva de Versos n. 383

12

A fronte em brasa me arrefeceu!

Lunárias flores, ao feral lume, - Caçoilas de ópio, de embriaguez -

Evaporaram letal perfume... E os lençóis d’água, do feral lume

Se amortalhavam na lividez...

Fúlgida névoa vem-me ofuscante De um pesadelo de luz encher,

E a tudo em roda, desde esse instante, Da cor da lua começo a ver.

E erguem por vias enluaradas

Minhas sandálias chispas a flux... Há pó de estrelas pelas estradas...

E por estradas enluaradas Eu sigo às tontas, cego de luz...

Um luar amplo me inunda, e eu ando

Em visionária luz a nadar, Por toda a parte, louco arrastando

O largo manto do meu luar...

_____________________________________ Chuveirão Biográfico do Poeta

Raimundo da Mota de Azevedo Correia , nasceu em 13 de maio de 1859, a bordo do navio brasileiro São Luís, ancorado na baía de Mogúncia/MA, e faleceu em Paris, França, em 13 de setembro de 1911.

Foram seus pais o desembargador José Mota de Azevedo Correia, descendente dos duques de Caminha, e Maria Clara Vieira da Silva. Vindo a família para a Corte, Raimundo foi matriculado no Internato do Colégio Nacional, hoje Pedro II, onde concluiu os estudos preparatórios em 1876. No ano seguinte, matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Ali encontrou um grupo de rapazes entre os quais estavam Raul Pompéia, Teófilo Dias, Eduardo Prado, Afonso Celso, Augusto de Lima, Valentim Magalhães, Fontoura Xavier, Silva Jardim todos destinados a ser grandes figuras das letras, do jornalismo e da política.

Em São Paulo, no tempo de estudante, colaborou em jornais e revistas. Estreou na literatura em 1879, com o volume de poesias Primeiros sonhos. Em 1883, publicou as Sinfonias, onde se encontra um dos mais conhecidos sonetos da língua portuguesa, “As

pombas”. Este poema valeu a Raimundo Correia o epíteto de “o Poeta das pombas”, que ele, em vida, tanto detestou.

Page 13: Almanaque Chuva de Versos n. 383

13

Recém-formado, foi para o Rio de Janeiro, sendo logo nomeado promotor de justiça de São João da Barra e, em fins de 1884, era juiz municipal e de órfãos e ausentes em Vassouras.

No final deste ano casou-se com Mariana Sodré, de ilustre família fluminense. Em Vassouras, começou a publicar poesias e páginas de prosa no jornal O Vassourense, do poeta, humanista

e músico Lucindo Filho, no qual colaboravam nomes ilustres: Olavo Bilac, Coelho Neto, Alberto de Oliveira, Lúcio de Mendonça, Valentim Magalhães, Luís Murat, e outros.

No início de 1889, foi nomeado secretário da presidência da província do Rio de Janeiro, no governo do conselheiro Carlos Afonso de Assis Figueiredo. Após a proclamação da República, foi preso. Sendo notórias as suas convicções republicanas, foi solto, logo a seguir, e nomeado juiz de direito em São Gonçalo de Sapucaí, no sul de Minas.

Em 22 de fevereiro de 1892, foi nomeado diretor da Secretaria de Finanças de Ouro Preto. Na então capital mineira, foi também professor da Faculdade de Direito.

No primeiro número da Revista que ali se publicava, apareceu seu trabalho “As antiguidades romanas”. Em 1897, no governo de Prudente de Morais, foi nomeado segundo secretário da Legação do Brasil em

Portugal. Ali edita suas Poesias, em quatro edições sucessivas e aumentadas, com prefácio do escritor português D. João da Câmara.

Por decreto do governo, suprimiu-se o cargo de segundo secretário, e o poeta voltou a ser juiz de direito. Em 1899, residindo em Niterói, era diretor e professor no Ginásio Fluminense de Petrópolis. Em 1900, voltou para o Rio de Janeiro, como juiz de vara cível, cargo em que permaneceu até 1911. Por motivos de saúde, partiu para Paris em busca de tratamento. Ali veio a falecer. Seus restos mortais ficaram em Paris até 1920. Naquele ano, juntamente com os do poeta Guimarães Passos

também falecido na capital francesa, para onde fora à procura de saúde foram transladados para o Brasil, por iniciativa da Academia Brasileira de Letras, e depositados, em 28 de dezembro de 1920, no cemitério de São Francisco Xavier.

Raimundo Correia ocupa um dos mais altos postos na poesia brasileira. Seu livro de estréia, Primeiros sonhos (1879) insere-se ainda no Romantismo. Já em Sinfonias (1883) nota-se o feitio novo que seria definitivo em sua obra, o Parnasianismo. Segundo os cânones dessa escola, que estabelecem uma estética de rigor formal, ele foi um dos mais perfeitos poetas da língua portuguesa, formando com Alberto de Oliveira e Olavo Bilac a famosa trindade parnasiana. Além de poesia, deixou obras de crítica, ensaio e crônicas.

Page 14: Almanaque Chuva de Versos n. 383

14

Page 15: Almanaque Chuva de Versos n. 383

15

Luiz Otávio (Gilson de Castro)

Rio de Janeiro/RJ (1916 – 1977) Santos/SP

Saudade: um eco perdido de uma cantiga da infância...

Perfume de flor nascido lá nas brumas da distância…

–––––––

Aline Nascimento Toda criança ao nascer

traz do amor a pura essência, no aroma que, chego a crer,

só pode vir da inocência.

Alvaro Hilinski Fornecendo os alimentos do seu meio tão fecundo,

o mar, em todos momentos sacia a fome do mundo.

Amaury Miranda É trova uma ave pequena,

alegre, viva e feliz… que voa da mão serena

de São Francisco de Assis.

Américo Deg’liesposti Que no instante derradeiro, ao fechar meus olhos nus, ancore, enfim, meu veleiro num porto pleno de luz...

Ana Maria Guerrize Gouveia Eu sou como o cais vazio...

Um porto de despedida, o corroído navio...

sem chegada... nem partida!

Angelina Pereira Leite Prosseguindo espaço afora, minha trova, na amplidão, de saudade canta e chora

o trovador, meu irmão.

Page 16: Almanaque Chuva de Versos n. 383

16

Antoine Lascani Em nossa memória, irmão,

vive a tua poesia; tu vives no coração,

dia e noite, noite e dia.

Antônio Colavite Filho Em um jardim da cidade, tendo a sua companhia, eu já nem sinto saudade

da saudade que eu sentia...

Áurea Navarro Turini Da infância guardo a magia do meu veleiro encantado.

Era nele que eu fugia do mundo feio e pesado.

Bellarmino Franco Singra os mares desta vida nosso amor, forte veleiro, bate a procela atrevida

e chega ao porto, altaneiro.

Brites Quaresma Figueiredo No verde mar, o arrebol

reflete uma linda imagem, o veleiro, à luz do sol,

é a branca cor da paisagem.

Carmen Cerdeira Ventura No mar revolto da vida,

sangrando o peito de dor, sou teu veleiro, querida,

guiando as velas do amor!

Carolina Ramos De esperanças carregada, velejou por tantos portos; hoje retorna a jangada,

trazendo meus sonhos mortos.

Cidoca da Silva Velho Deram-me as rugas do rosto, finda a ansiedade de esperas,

a ternura de um sol posto e um luar de primaveras.

Page 17: Almanaque Chuva de Versos n. 383

17

Célia S. Oliveira A brisa leve balança

o veleiro sobre o mar, e traz de volta a esperança

na força do teu olhar!

Cláudio de Cápua Que esta trova seja um hino, que ouças o pobre a gemer

e, ouvindo o planger do sino, saibas o irmão socorrer.

Cynira Antunes de Moura Espera por mim, veleiro,

sem minhas malas não partas... leva o meu sonho primeiro

e as esperanças mais fartas!

Dalva de Araujo Infância, quanta beleza

nesta imagem estampada, a calma da natureza

reflete a paz desejada.

David de Araújo Olha o mar: nos seus arrancos,

ele adorna as enseadas, espalhando os búzios brancos entre as conchas nacaradas…

Edite Rocha Capelo O colorido das flores,

seja qual for a estação, traz alegria de amores, encanta o meu coração.

Edna Gallo O meu coração cansado, nas andanças da emoção, hoje está triste, ancorado,

no porto da solidão.

Enéas de Castro Veleiro singrando as águas,

qual cisne branco ele avança, joga no mar minhas mágoas, trazendo a minha esperança.

Page 18: Almanaque Chuva de Versos n. 383

18

Ilze de Arruda Camargo Juventude é primavera florindo dentro de nós,

traz sonhos, lutas, quimeras, depois se vai bem veloz!

Iracy Aparecida Carrijo Juventude, quero crer, é fé, força de vontade, por isso podemos ver

jovens de qualquer idade.

Íria Belchior Voa doce liberdade.

Voa nas asas do vento. Vai desenhando a saudade,

dando cor ao sentimento

Izabel Moraes Aguiar Segue o destino traçado da trilha a ti concedida,

não lamentes do passado a juventude perdida.

José Veiga de Carvalho Na concha do teu ouvido

espero um dia dizer, carinhoso e comovido:

hei de amar-te até morrer!

José Virgílio G. Alexandre Teus olhos, doces guaridas,

estrelas na escuridão, duas conchas prometidas ao mar da minha ilusão.

Lalita (Maria Eulália B. Oliveira)

Quanto mais o tempo passa, agradeço ao Criador

tudo o que me dá de graça, fé, discernimento e amor.

Lavínio Gomes de Almeida Veleiro, que ao vento avanças,

a demandar outras plagas, tu vais cheio de esperanças

sobre a esperança das vagas!

Page 19: Almanaque Chuva de Versos n. 383

19

Leonor Silveira Carvalho O sol surge no horizonte despertando a natureza

e a luz que vem dessa fonte, cobre a manhã de beleza!

Lília Stein Goulart de Souza A trova quando trovada

bem profunda e com amor, sabemos que foi tirada

de um coração trovador.

Lourdes Lago Felício No doce encanto do amor

reside a felicidade fica o mundo multicor,

quando se ama de verdade.

Margarida Maria Fortes de Mello

Contemplo o mar... E lembrando os dias da mocidade,

parece-me ver, singrando, o veleiro da saudade.

Maria da Glória C. de Vasconcellos

Censurar a juventude por seu desleixo ou pecado

é de fato um modo rude de olvidar nosso passado.

Maria José Aranha de Rezende Meu amor vai implorando

a esmola do teu olhar, como um veleiro singrando as águas mansas do mar...

Maria Lucy Figueiredo Meus louros ao trovador,

que na emoção do seu estro, rima os versos com primor,

qual talentoso maestro!

Maria Magdalena D. de Mendonça

O quintal da juventude tem horta, pomar, jardim,

tem céus, voos, amplitude... O meu quintal foi assim!

Page 20: Almanaque Chuva de Versos n. 383

20

Maria Nelsi Sales Dias Quando, então, o sol desmaia e o vento assanha o coqueiro, completa o quadro na praia, se passa um barco veleiro.

Maryland Faillace Terminada a criação,

Deus olhou a terra nova e ao homem deu permissão

de eternizá-la na trova!

Mercedes Lisboa Sutilo Trova - apenas quatro versos

traduzem a vida, a fundo, do homem em seus universos - poesia que abraça o mundo!

Nair Lopes Rodrigues Por eu ser tão sonhadora

sentindo o amor e a emoção, tornei-me uma trovadora

e da trova fiz paixão!

Neiva Pavesi Neste belo e claro dia de sol forte e céu azul,

vem chegando frente fria no vento que vem do sul.

Nelquis Müller Sonho sereno, tão puro, dorme a criança feliz.

Seu lindo sorriso, eu juro, acorda e tudo bendiz!

Neusa Simões Carito Na juventude, a paixão traz feitiço verdadeiro pois grava no coração

o fremir do amor primeiro.

Nilo Entholzer Ferreira Guardas, porto, e silencias quando chegam ao teu cais,

solidões de calmarias... destroços de vendavais.

Page 21: Almanaque Chuva de Versos n. 383

21

Ochelcis Aguiar Laureano Ser irmão é sofrer tanto quanto aquele sofredor,

amenizando o seu pranto, dando de si por amor.

Odênia Damázio Um conceito antigo ensina:

"vale mais o interior". Na concha é que se confina

a pérola de valor.

Rita de Cássia Ventura Gaspar

Em longa espera, eu, a sós, ouço os teus passos perdidos,

e o eco da tua voz nas conchas dos meus ouvidos.

Rosália Helena G. Bonsegno Eu tenho sido um veleiro nos mares da fantasia,

mas faço sempre o roteiro levado pela poesia…

Rosalina Rosa Ainda que não pareça,

e mesmo em tempo mais rude, por mais que a gente padeça,

é feliz na juventude!

Sebastião Pereira Ilusão, muito contente, tu deixas meu coração

e eu quero pedir, somente, que não me abandones, não!

Selma Moraes Juventude trago na alma

e também no coração e assim enfrento com calma

os dias de solidão...

Silvina Antunes Leal Vi teu veleiro partindo...

Logo após, do cais sombrio, meu coração te seguindo deixou-me o peito vazio...

Page 22: Almanaque Chuva de Versos n. 383

22

Sônia Regina Rocha Rodrigues

O poeta faz a trova inspirado pela lua,

a excelência se comprova se é repetida na rua!

Sophia Leite Cruz Qual uma esteira de prata,

o luar cai sobre a areia, e o mar, numa serenata,

faz trovas à lua cheia!

Zaíra Almeida Gomes Borboletas multicores sobrevoam o jardim,

adornando nossas flores de uma beleza sem fim.

Zilda Pedroso Juventude! Quem me dera, que essa quadra colorida voltasse a ser primavera nos dias de minha vida!

Page 23: Almanaque Chuva de Versos n. 383

23

Lino Mendes O Trabalho e o Lúdico nos Meios Rurais

Naquela semana, alguns “ranchos de trabalhadores” iam sair para uma quinzena, pelo que a “praça da jorna” tinha sido das mais concorridas enchendo a Rua Grande, da taberna do Zé Gabirra até à Praça onde já terminara o “mercado semanal”, e no qual de quase tudo se vendia, desde os produtos da horta e do calçado do Badeirana, até aos tremoços e “pirolitos de chupar” da ti Ilda Pina. “E o povo era tanto que se dizia que se uma laranja caísse do céu não chegava ao chão.”

Era no entanto junto às tabernas que se verificava uma maior afluência de gente, pois era aí que se procurava patrão.

De uma maneira geral este( o patrão) estava lá dentro, e como as mulheres não podiam lá entrar (a não ser chegar à porta para chamar o sê homem), era o capataz que fazia a ligação. A propósito de capataz (ou manageiro) este era uma figura por quem os trabalhadores, salvo uma ou outra exceção não tinham simpatia. Às vezes, diziam-me as irmãs Ramira e Margarida, eram piores que o patrão, só não nos tiravam a pele se não pudessem. E cantaram-me uma quadra das “saias”, que dizia assim:

Vai-te sol,vai-te sol

lá para trás do outeiro alegria para o rancho tristeza pro manageiro

Claro que também cantavam uma destinada ao

patrão

Vai-te sol, vai-te sol para trás do barracão alegria para o rancho tristeza para o patrão

Isto e como se calcula, era cantado quando o dia de

trabalho estava a chegar ao fim Por volta da meia-noite começavam a regressar a

casa ,mas podia acontecer que pelo caminho até à entrada da vila, mesmo quem tinha patrão encontrasse quem lhe desse mais cinco ou dez tostões por dia, e lá ficava o outro sem trabalhador/a. E era por isso que no outro dia logo de manhãzinha havia outra “praça da

Page 24: Almanaque Chuva de Versos n. 383

24

jorna”, mas agora no Lugar da Farinha Branca, a uns cinco quilômetros da vila.

Diga-se entretanto, que especialmente as mulheres ,mas também alguns homens, era à entrada da vila que se calçavam, voltando a descalçar-se à saída. Quando se calçavam para entrar na vila, deixavam guardadas em qualquer sítio as meias e a rodilha com que limpavam os pés.

Vindas do campo havia duas entradas. A vida era, de fato, dura, pois bem cedinho, a pé e

descalços lá partiam levando o farnel e as mantas à cabeça (elas) ou nos alforjes (eles), dormindo ao relento e no meio do mato, quando por exemplo iam para as vindimas em Almeirim.

Chegados ao trabalho, que era de sol a sol, arrumavam as suas coisas no “quartel”,que era uma cabana grande que por vezes compartilhavam com o gado, e onde à noite contavam histórias ou faziam rendas(por exemplo “marcavam”lenços que depois ofereciam aos rapazes)

Mas o seu grande divertimento era o balho, e neste caso os chamados “bailes do trabalho”que faziam duas vezes por semana, e em cujos dias por vezes faziam empreitadas para descansar ainda um bocado. Que o horário, e foi mais uma vez a cantar que a senhora Margarida me explicou:

O almoço quere-se às nove

e o jantar ao meio-dia. a merenda às quatro e meia

e a ceia ao fim do dia

E já agora, e sem que tal se pudesse considerar um

padrão, explica-me a senhora Margarida que a comida durante o dia poderia ser:

Logo ao levantar, e antes de se entregar no trabalho, comia-se um bocado de pão com queijo ou com azeitonas, depois ao almoço feijão frade ou batatas de azeite e vinagre, à merenda de novo pão com queijo ou com azeitonas, ao jantar feijão com couve ou sopas de carne e à ceia migas carvoeiras ou migas gatas

Mas voltemos à “balharada”. Naturalmente que levavam o fato com que trabalhavam.

(1) Gente havia sempre, até porque apareciam idos de outros ranchos que trabalhavam em herdades ali perto.

Naquele dia, não havia ainda tocador, mas esperavam que aparecesse o Ti Zé Bom Dia (2) com o seu Harmónio, ou Ti António Carqueja com o seu Realejo, mas a falta de músicos nunca impediu que um balho se fizesse, pois cantava-se, por aqui normalmente as “saias” (3). Se eram mais as raparigas, bailavam umas com as outras, se eram mais os rapazes, havia o “bota cá dispensa”.

Era bonito, dizia-me o senhor João, mais conhecido por Jarreta quando uma (que andava a bailar) lançava a primeira quadra das saias, e de outro par lhe respondiam, podendo ainda outros ou outras entrar na liça. Mas o que ti António mais gostava de ver, era quando nos dois passos, que naturalmente cada um bailava como sabia, uns o faziam, rasteiro, outros pulado e ainda outros escufinhado.

Page 25: Almanaque Chuva de Versos n. 383

25

A vida era, de fato, dura ,mas o baile era um refúgio, aliás o único divertimento que a vida rural lhes oferecia.

____________________________ (1) Como se compreende, só nos chamados “bailes

do trabalho” a mulher usava o traje de camponesa, porque nos outros usava a blusa domingueira, por vezes a única que tinha e que ao regressar a casa era logo lavada para estar em condições no fim de semana seguinte. Curioso, é que por vezes entregava um lenço ao par, para este colocar entre a mão e a blusa de maneira a não sujar esta.

(2) O alcunha de Bom Dia resultou do fato de ainda

gaiato, andando a guardar gado, fosse qual fosse a hora em que o cumprimentassem, respondia sempre com um “bom dia”.

(3) Bailava-se muito quando íamos à semana ou à

quinzena. Se houvesse baile duas vezes por semana, era à terça e à quinta, se houvesse só uma vez era à quarta ou à quinta. Depois isso acabou e era só ao fim se semana, ao sábado à noite (Maria Gertrudes).

Fonte: Lino Mendes (Montargil—Alto Alentejo-Portugal)

Page 26: Almanaque Chuva de Versos n. 383

26

Folclore Brasileiro

Cobra Norato, Honorato ou Cobra Grande

Page 27: Almanaque Chuva de Versos n. 383

27

Cobra Norato, ou Honorato, é uma das mais conhecidas lendas do folclore amazônico. Conta a lenda que em numa tribo indígena da Amazônia, uma índia, grávida da Boiúna (Cobra-grande, Sucuri), deu à luz a duas crianças gêmeas que na verdade eram Cobras. Um menino, que recebeu o nome de Honorato ou Norato, e uma menina, chamada de Maria Caninana.

Depois de nascidos, ao perceber que eram "Cobras", ela resolveu se aconselhar com um Pajé, e perguntou se devia matá-los ou jogá-los no rio. O Pajé, então respondeu que se os matasse ela morreria também. Então ela decidiu soltá-los no leito do rio Tocantins.

Lá no rio eles, como Cobras, se criaram. Honorato era bom e vinha sempre visitar a mãe. Por outro lado, sua irmã, "Maria Caninana", que era a mais pura expressão da maldade, nunca veio. Assim mesmo andavam sempre juntos e percorreram todos os rios da Amazônia.

"Maria", sendo muito má, um verdadeiro demônio, fazia muitas travessuras que desgostavam o irmão. Alagava canoas, mexia com os bichos, assombrava e afogava viajantes e banhistas, fazia naufragar embarcações, cometia, enfim, toda sorte de maldades.

Eram tantas as maldades e atentados praticadas por ela que, um dia, Honorato acabou por matá-la para por fim às suas perversidades. Honorato, em algumas noites de luar, perdia o seu encanto e adquiria a forma humana transformando-se em um belo rapaz, deixando as águas para levar uma vida normal na terra.

Outras versões dizem que, Honorato, como entidade encantada, quando queria, à noite (só à noite) transformava-se em gente, deixando à beira do rio, a monstruosa casca da cobra em que vivia. Gostava muito de dançar. Era um moço alto e bonito.

Muitas vezes ia dormir em casa de sua mãe, e então, pedia encarecidamente a esta que, antes do galo cantar, fosse ela à beira do rio, onde estava sem ação o seu corpo de cobra e que, deitando-lhe um pouco de leite na boca, lhe desse uma cutilada que o fizesse sangrar. Feito isso, ficaria ele desencantado para sempre.

A Mãe de Honorato foi muitas vezes tentar fazer isso, mas era tão grande, feia e monstruosa a cobra, que ela não tinha coragem e voltava sem ser capaz de cumprir o que lhe pedira o filho. Ele, porém, garantia que a cobra, apesar da aparência, nada lhe faria de mal.

O mesmo pedido fez eles a muitas outras pessoas, garantindo a mesma coisa, mas quando iam elas cumprir o pedido e viam tamanho monstro, corriam aterrorizadas para trás, e por isso ele não podia desencantar.

Como na tradição dos seres fabulosos das águas[1], Honorato, adorava a dança. Costumava então aparecer nos bailes ribeirinhos, encantando a todos com a sua elegância. Desaparecia para surgir, cinquenta léguas adiante, noutro baile. Na margem do rio ficava a pele enorme da cobra, esperando a volta do seu infeliz dono.

Ocorre que, estando ele certa feita nas águas do rio Tocantins, chegou a cidade de Cametá] (município do

Page 28: Almanaque Chuva de Versos n. 383

28

Pará). À noite, ali, procurou um soldado, conhecido pela sua bravura, e lhe fez o costumeiro pedido[2].

Dessa vez, aquele destemido soldado, foi à beira do rio, viu o monstro inerte, mas não recuou como todos os outros. Colocou leite na boca da cobra, e em sua cabeça deu uma cutucada com um punhal que a fez sangrar.

Pronto, a partir daquele dia, Honorato finalmente desencantou e se transformou de vez em gente. Deixou de ser cobra D’água para viver na terra com sua família, como um homem normal.

O imenso corpo da cobra foi então queimado e reduzido à cinzas, que logo se espalharam pelo rio.

Esta é a versão corrente atualmente em todo estado do Pará. Já está integrada ao fabulário popular e perfeitamente assimilada pelos moradores locais.

Origem Provável: O mito, da forma como se apresenta, faz parte do

folclore europeu. Se ignorarmos os episódios semelhentes em todos os folclores do mundo, é amazônico.

Em Portugal existiam entidades fantásticas com o corpo de cobras. Em certos dias, abandonando a pele, a linda moça canta, suplicando que alguém fira a serpente para livrá-la do encanto. É sem dúvida muito semelhante à lenda da nossa Cobra Honorato.

Os elementos formadores desse mito são muitos e complexos. No Brasil, as serpentes fluviais tiveram seu ciclo com a Mboi-assu, a Boiúna. Na América do Norte com Bachue, e no México com outras tantas.

Os africanos trouxeram muitos mitos onde as serpentes figuravam, representando fenômenos meteorológicos, ou forças subterrâneas, misteriosas, que eles identificavam como sendo o "Espírito da Morte".

======================= (1) De acordo com a tradição, os seres misteriosos

que vivem na água amam a dança como a mais natural das ocupações. A Iara cantava, mas a Ondina não dispensava um baile.

(2) Para que se quebrasse o encanto de Honorato era preciso que alguém tivesse muita coragem para derramar leite na boca da enorme cobra, e fazer um ferimento na cabeça até sair sangue. Ninguém tinha coragem de enfrentar o enorme monstro, até que apareceu esse soldado da cidade de Cametá.

__________________________ A Lenda A Cobra grande é uma lenda amazônica que fala de

uma imensa cobra, também chamada Boiúna, que cresce de forma desmesurada e ameaçadora, abandonando a floresta e passando a habitar a parte profunda dos rios. Ao rastejar pela terra firme, os sulcos que deixa se transformam nos igarapés.

Conta-se que uma índia engravidou da Boiúna e teve duas crianças: uma menina que se chamou de Maria e um menino chamado de Honorato. Para que ninguém soubesse da gravidez, a mãe tentou matar os recém-nascidos jogando-os no rio. Mas eles não morreram e nas águas foram se criando como cobras.

Page 29: Almanaque Chuva de Versos n. 383

29

Criaram-se livremente, revirando ao sol os dorsos negros, mergulhando nas marolas e bufando de alegria selvagem. O povo chamava-os: Cobra Honorato e Maria Caninana. Cobra Honorato era forte e bom. Nunca fez mal a ninguém. Vez por outra vinha visitava a tapuia velha, em seu tejupar* . Nadava para a margem esperando a noite.

Quando apareciam as estrelas e a aracuã* deixava de cantar, A Cobra Maria saía d’água, arrastando o corpo enorme pela areia que rangia. Vinha coleando, subindo, até a barranco. Sacudia-se todo, brilhando as escamas na luz das estrelas. E deixava o couro monstruoso da cobra, erguendo-se uma moça bonita e vistosa. Assim como seu irmão Honorato saiam como pessoas normais.

Cobra Honorato salvou muita gente de morrer afogada. Desvirou embarcações e venceu peixes grandes e ferozes. Por causa dele a Piraíba do Rio Negro abandonou a região, depois de uma luta de três dias e três noites.

Maria Caninana era violenta e má. Alagava as embarcações, matava os náufragos, atacava os mariscadores que pescavam, feria os peixes pequenos. Nunca procurou a velha tapuia que morava no tejupar.

Numa cidadezinha do amazonas, vive uma serpente encantadora, dormindo, escondida na terra, com a cabeça debaixo do altar da Senhora Santa Ana, na igreja que é da mãe de Nossa Senhora. Sua cauda está no fundo do rio. Se a serpente acordar, a Igreja cairá. Maria Caninana mordeu a serpente para ver a Igreja

cair. A serpente não acordou, mas se mexeu. A terra rachou, desde o mercado até a Matriz.

Cobra Norato matou Maria Caninana porque ela era violenta e má. E ficou sozinho, nadando nos igarapés, nos rios e no silêncio dos paranás do arquipélago Mariuá.

Quando havia putirão de farinha, dabucuri de frutas nas povoações plantadas à beira-rio, Cobra Norato desencantava, na hora em que os aracuãs deixam de cantar, e subia, todo de branco, para dançar e ver as moças, conversar com os rapazes, agradar os velhos. Todo mundo ficava contente. Depois, ouviam o rumor da cobra mergulhando. Era madrugada e Cobra Norato ia cumprir seu destino.

Uma vez por ano Cobra Norato convidava um amigo para desencantá-lo. Amigo ou amiga. Podia ir na beira do Rio, encontrar a cobra dormindo como morta, boca aberta, dentes finos, riscando de prata o escuro da noite: sacudir na boca aberta três pingos de leite de mulher e dar uma machadada com ferro virgem na cabeça da cobra, estirada no areão.

A Cobra fecharia a boca e a ferida daria três gotas de sangue. Honorato ficava só homem, para o resto da vida. O corpo da cobra seria queimado. Não fazia mal. Bastava que alguém tivesse coragem.

Muita gente, com pena de Honorato, foi com aço virgem e fresquinho leite de mulher, ver a cobra dormindo no barranco. Era tão grande e tão feia que, dormindo como morta assombrava. A velha tapuia, ela mesma, foi e teve medo. Cobra Norato continuou nadando e assobiando nas águas grandes, do

Page 30: Almanaque Chuva de Versos n. 383

30

Amazonas ao Negro, indo e vindo, como um desesperado sem remissão.

Num putirão famoso, Cobra Norato nadou pelo rio Amazonas, até uma cidade vizinha. Deixou o corpo na beira do rio e foi dançar, beber e conversar. Fez amizade com um soldado e pediu que o desencantasse.

O soldado foi, com o vidrinho de leite e um machado que não cortara pau, aço virgem. Viu a cobra estirada, dormindo como morta, boca aberta, sacudiu três pingos de leite entre os dentes. Desceu o machado, com vontade, no cocuruto da cabeça.

O sangue marejou, a cobra sacudiu-se e parou. A cobra Norato deu um suspiro de descanso. Honorato veio ajudar a queimar a cobra onde vivera tantos anos. As cinzas voaram. Honorato ficou homem.

E Honorato só morreu, anos e anos depois. Não há nesse rio e terras do Amazonas quem ignore a vida da

Cobra Norato. São aventuras e batalhas. Canoeiros, batendo a jacumã, apontam os cantos, indicando as paragens inesquecidas: “Ali passava, todo dia, a Cobra Norato…”.

Vocabulário *Aracuã : é uma ave que faz muito barulho de manhã na

beiro do rio. *A tapuia: a índia. *Tejupar: cabana. Fontes: http://sitededicas.ne10.uol.com.br/folk_cobra_nor

ato2.htm http://noamazonaseassim.com/lenda-da-cobra-

honorato-norato-e-cobra-maria-caninana/

Page 31: Almanaque Chuva de Versos n. 383

31

Estante de Livros

Manoel de Barros Poemas concebidos sem pecado

Poemas concebidos sem pecado, é o primeiro livro de Manoel de Barros e foi publicado no Rio de Janeiro, em 1937. Foi feito artesanalmente por 20 amigos, numa tiragem de 20 exemplares e mais um, que ficou com ele. Como o próprio nome diz, a ingenuidade de uma produção poética fincada nos anos juvenis e que indica, de forma inequívoca, as feições das palavras em Manoel de Barros. A obra quebra os padrões “normais” do poema inserindo recursos narrativos próprios da prosa (diálogo, narrador, personagem etc.). É também já nesse livro que encontra-se uma escrita em que o passado flui para o presente” proporcionando um “mergulho” na experiência pessoal e uma prática de experimentação no campo da linguagem. Evidentemente essa articulação entre experiência e experimentação cabe numa possível definição de poesia: “inteligência sensível da existência formulada, através da

linguagem”. Em Poemas Concebidos sem Pecados, já aparecem marcados essa inclinação para as coisas sem importância na sociedade e o uso de uma sintaxe que se aproxima da modalidade da fala. Nessa obra inaugural, o título traduz para o leitor a expressão de desejos na forma de poemas, num estado singular de manifestação, driblando a tirania da educação ou dos “bons princípios”. Esse primitivismo na poesia de Manoel de Barros não se confunde com ingenuidade ou bondade da alma humana. Trata-se antes da espontaneidade do pensamento como artifício para ver o estado inominável das coisas.

Manoel de Barros apresenta um vocabulário ao gosto clássico, de influência parnasiana, entretanto numa relação problematizadora do tradicional e canônico levada a efeito pela estética modernista. Nesse livro, aparecem várias referências ao léxico parnasianista, como por exemplo, as palavras e expressões “soneto”, “Grécia de Péricles”, “hexâmetros”, “cítaras”, “éolicas harpas”, “Clitemnestra", “inspiração”, “lírica”, “musa”. Essas referências convivem com o vocabulário prosaico que o poeta busca nos simples e humildes do pantanal. E, para cada uma daquelas construções eruditas o poeta contrapõe palavras da sua realidade cotidiana e popular: para “harpas”, “viola”; para “Clitemnestra”, “Petrônia lavadeira”, “mãe de Raphael” que não é o anjo, nem o pintor; o “soneto”

Page 32: Almanaque Chuva de Versos n. 383

32

é “sonetos de dor de corno” e a “Musa” sabe “asneirinhas” e está muito mais para mulher da vida do que para uma realidade mitológica. E para finalizar, o poeta escreve que “nenhuma cidade disputará a glória de me haver / dado a luz”, como acontecia, muitas vezes onomasticamente, com os heróis clássicos. A presença desse léxico elevado nesse primeiro livro de Barros, embora possa ser remanescência do soneticista e do leitor dos parnasianos na juventude, consiste mais num jogo parodístico ao gosto dos modernistas. A predileção pela infância, que permeia toda a obra deste autor, está presente desde este primeiro livro. Notadamente autobiográfico, nele o poeta traça a mitologia de um menino de sete anos, criado em Cuiabá, no Beco da Marinha, e que parte para o Rio de Janeiro para estudar.

Em “Cabeludinho”, seu principal poema, o poeta narra fatos essenciais de sua vida, do nascimento à mocidade. “Postais da Cidade” e “Retratos a Carvão” marcam o distanciamento entre o poeta e seu mundo original. O livro tem raízes no Modernismo e, como tal, recebe forte influência oswaldiana: verso prosaico, construções coloquiais, excessivo uso de diálogos e de expressões erráticas. Segundo observações do critico Miguel Sanches Neto, o peso da poética, nesse momento, é o exaustivo trabalho de modificação da língua. Constata ainda que a infância e a cor local são o motor dessa obra. Fonte: http://www.passeiweb.com/estudos/livros/poemas_concebidos_sem_pecado

Page 33: Almanaque Chuva de Versos n. 383

33

Nota sobre o Almanaque Este Almanaque é distribuído por e-mail e colocado nos blogs http://www.singrandohorizontes.blogspot.com.br e http://universosdeversos.blogspot.com.br Os textos foram obtidos na internet, em jornais, revistas e livros, ou mesmo colaboração do poeta. As imagens são montagens, cujas imagens principais foram obtidas na internet e geralmente sem autoria, caso contrário, constará no pé da figura o autor. Este Almanaque tem a intencionalidade de divulgar os valores literários de ontem e de hoje, sejam de renome ou não, respeitando os direitos autorais. Seus textos por normas não são preconceituosos, racistas, que ataquem diretamente os meios religiosos, nações ou mesmo pessoas ou órgãos específicos. Este almanaque não pode ser comercializado em hipótese alguma, sem a

autorização de todos os seus autores.