Aline Do Carmo Costa Barbosa (1)

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Didática da História e Educação de Jovens e Adultos Aline do Carmo Costa Barbosa 1 Há e houve no extenso campo da História divisões que distinguiam a didática da história, esta relacionada ao ensino de história e ao modo como o conhecimento histórico poderia ser transferido aos ‘não historiadores’, e a ciência histórica, esta relacionada ao processo de produção do conhecimento histórico científico. (RÜSEN, 2006, 2007). Esta divisão pressupôs durante muito tempo que havia uma História a ser ensinada e uma História a ser produzida, e caberia à didática da história trabalhar nos meios de apreensão do conhecimento histórico produzido pelos historiadores, tarefa que foi facilmente confundida com a pedagogia. Percebemos, porém, atualmente no Brasil 2 , o início de novas discussões que tratam da didática da história como uma disciplina que investiga os mais variados modos com que a prática está relacionada com o conhecimento histórico, seja ele sistematizado cientificamente ou não, e também como a ciência histórica se relaciona com a práxis, ou seja: de que maneira a Didática da História está posicionada em relação à produção do conhecimento histórico. Esta discussão remete a reflexões originadas na Alemanha, especialmente na década de 70, que se revelaram em um importante processo para uma nova inserção da Didática da História nos estudos históricos. As traduções do historiador Jörn Rüsen 3 no 1 Mestranda em História – UFG 2 Autores como Maria Auxiliadora Schmidt (Cognição histórica situada: que aprendizagem história é esta? Ijuí: Unijuí, 2009), Luis Fernando Cerri (Os Conceitos de Consciência Histórica e os desafios da Didática da História. Revista de História Regional., Inverno 2001)., Oldimar Cardoso (Para uma definição de Didática da História. Revista Brasileira de História, São Paulo, June 2008)., e Rafael Saddi (Didática da História enquanto sub-disciplina da Ciência Histórica. História & Ensino, Londrina, 2010), são exemplos de pesquisadores que vem desenvolvendo reflexões nesta área, sob influência da historiografia alemã. 3 RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão in Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, p. 07 – 16, jul.-dez. 2006.______, Jörn. Rüsen e o Ensino de História. Curitiba. Ed. UFPR, 2010.______, Jörn. História viva Teoria da História III: Formas e funções do conhecimento histórico. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Ed. UnB, 2007.______, Jörn. Razão histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Ed. UnB, 2001______, Jörn. Reconstrução do Passado – Teoria da História II: Os Princípios da Pesquisa Histórica. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Ed. UnB, 2007.

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  • Didtica da Histria e Educao de Jovens e Adultos

    Aline do Carmo Costa Barbosa1

    H e houve no extenso campo da Histria divises que distinguiam a didtica da histria, esta relacionada ao ensino de histria e ao modo como o conhecimento histrico poderia ser transferido aos no historiadores, e a cincia histrica, esta relacionada ao processo de produo do conhecimento histrico cientfico. (RSEN, 2006, 2007). Esta diviso pressups durante muito tempo que havia uma Histria a ser ensinada e uma Histria a ser produzida, e caberia didtica da histria trabalhar nos meios de apreenso do conhecimento histrico produzido pelos historiadores, tarefa que foi facilmente confundida com a pedagogia.

    Percebemos, porm, atualmente no Brasil2, o incio de novas discusses que tratam da didtica da histria como uma disciplina que investiga os mais variados modos com que a prtica est relacionada com o conhecimento histrico, seja ele sistematizado cientificamente ou no, e tambm como a cincia histrica se relaciona com a prxis, ou seja: de que maneira a Didtica da Histria est posicionada em relao produo do conhecimento histrico.

    Esta discusso remete a reflexes originadas na Alemanha, especialmente na dcada de 70, que se revelaram em um importante processo para uma nova insero da Didtica da Histria nos estudos histricos. As tradues do historiador Jrn Rsen3 no

    1 Mestranda em Histria UFG

    2 Autores como Maria Auxiliadora Schmidt (Cognio histrica situada: que aprendizagem

    histria esta? Iju: Uniju, 2009), Luis Fernando Cerri (Os Conceitos de Conscincia Histrica e os desafios da Didtica da Histria. Revista de Histria Regional., Inverno 2001)., Oldimar Cardoso (Para uma definio de Didtica da Histria. Revista Brasileira de Histria, So Paulo, June 2008)., e Rafael Saddi (Didtica da Histria enquanto sub-disciplina da Cincia Histrica. Histria & Ensino, Londrina, 2010), so exemplos de pesquisadores que vem desenvolvendo reflexes nesta rea, sob influncia da historiografia alem. 3 RSEN, Jrn. Didtica da Histria: passado, presente e perspectivas a partir do caso

    alemo in Prxis Educativa. Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, p. 07 16, jul.-dez. 2006.______, Jrn. Rsen e o Ensino de Histria. Curitiba. Ed. UFPR, 2010.______, Jrn. Histria viva Teoria da Histria III: Formas e funes do conhecimento histrico. Traduo de Estevo de Rezende Martins. Braslia: Ed. UnB, 2007.______, Jrn. Razo histrica. Teoria da histria: os fundamentos da cincia histrica. Traduo de Estevo de Rezende Martins. Braslia: Ed. UnB, 2001______, Jrn. Reconstruo do Passado Teoria da Histria II: Os Princpios da Pesquisa Histrica. Traduo de Estevo de Rezende Martins. Braslia: Ed. UnB, 2007.

  • Brasil no comeo deste sculo foram fundamentais e influenciaram vrios pesquisadores que atualmente caminham por novas concepes a respeito desta rea. A produo do autor nos traz importantes contribuies para repensar tanto o modo como os homens se relacionam com a histria como a prpria produo do conhecimento histrico.

    Rsen (2006), em seu artigo Didtica da Histria: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemo, tratou dos assuntos concernentes a didtica da histria explicitando concepes que mudaram no processo denominado de virada paradigmtica que ocorreu na Alemanha nas dcadas de 60 e 70.

    Segundo o autor, a viso estreita de Didtica da Histria enquanto disciplina que trata somente dos processos de ensino e aprendizagem da Histria, sem relaes com a produo do conhecimento histrico, foi um processo constitudo no sculo XIX, pois a historiografia da antiguidade at as ltimas dcadas do sculo XVIII indicava que a escrita da histria era orientada pela moral e pelos problemas prticos da vida, e no pelos problemas tericos ou empricos da cognio metdica (RSEN, 2006). Esta viso estreita foi absorvida pela comunidade de historiadores no sculo XIX no processo de tentar garantir a autonomia da cincia histrica. Rsen chama este processo de irracionalizao da histria (RSEN, 2006). Segundo Rafael Saddi,

    (...) uma mudana profunda havia ocorrido entre os dois mil anos em que a Histria foi entendida como uma mestra da vida, dotada de uma essncia didtica fundamental, escrita para ensinar os homens do presente e do futuro; e o tempo em que ns vivemos, em que o historiador, vestido em seu glamoroso mtodo cientfico, se tornou incapaz de perceber os elementos didticos que compem a sua prpria disciplina. (SADDI, 2010, p. 68)

    O reconhecimento de elementos didticos presentes na disciplina de histria, bem como as preocupaes de que ela pudesse ter relevncia pragmtica, deram lugar as preocupaes metdicas da pesquisa histrica e da reflexo racional. A Histria, neste momento, em quase nada esteve preocupada em fornecer aos homens uma orientao temporal refletida que os guiasse em seu agir. E ainda hoje, a pergunta para que serve a Histria? ronda os homens, os alunos, os professores, e os pesquisadores, e por estes ltimos em geral silenciada. Retomar esta pergunta essencial para ns, pesquisadores e professores, no por pensarmos o sentido de uma histria como um discurso de utilidade que criamos, mas porque pensamos uma Histria como constituinte da vida de qualquer indivduo, porque somos seres histricos, porque estamos situados em um

    ______, Jrn. Aprendizagem Histrica Fundamentos e Paradigmas. W.A editores. Curitiba, 2012.

  • tempo que no compreendemos e, principalmente, porque nos guiamos com o que temos de arcabouo temporal, mesmo sem saber e, portanto, nos servimos da Histria cotidianamente. Perceber como a Histria produz orientaes para os homens e ampliar de forma complexa a conscincia histrica dos homens so tarefas fundamentais da Didtica da Histria.

    Neste sentido, a Didtica da Histria tem ganhado novos conceitos e definies. Segundo Rsen, at a dcada de 60 a Didtica da Histria estava situada como disciplina independente da Histria, e a Cincia Histrica por sua vez, no estava preocupada com a suas relaes com a prtica:

    Questes referentes ao inter-relacionamento entre a pesquisa histrica e o mundo experiencial (Lebenswelt) do investigador, bem como todas as suas questes referentes educao histrica foram relegadas a uma disciplina separada, extra-histrica: portanto, a histria formal no se dirigia essncia do saber histrico escolar, diretamente. Os historiadores consideravam que sua disciplina estava legitimada pela sua mera existncia. (RSEN, 2006).

    No processo de virada paradigmtica tais concepes sofreram profundas mudanas. Segundo Rsen, esta virada foi propiciada por uma reorientao cultural presente na Alemanha nas dcadas de 60/70. Os historiadores foram confrontados com o desafio do papel legitimador da histria na vida cultural e na educao. Eles responderam este desafio ampliando o campo da auto-reflexo e do auto-entendimento histrico. (RSEN, 2006). Ou seja, neste processo, as questes prticas comearam a importar e serem reconhecidas no processo de produo do conhecimento histrico, onde no s o ensino, mas todas as formas e funes do conhecimento histrico na vida cotidiana passaram a ser levados em considerao.

    Segundo Rsen, em 1986, quando publicado o seu artigo, estavam presentes quatro pontos principais nas discusses sobre a Didtica da Histria na Alemanha. O primeiro est relacionado metodologia de instruo na sala de aula, este elemento perpassa pelas discusses curriculares e pelos processos de ensino e aprendizado definidos pela pedagogia e, quando postos na Didtica da Histria, precisam ser reavaliados pensando pelos meios prprios da produo de conscincia histrica. O segundo elemento diz respeito investigao da conscincia histrica produzida pela vida pblica. Este elemento reconhece que h vrios espaos em que a histria utilizada e influi na conscincia histrica dos homens, como museus, filmes, jornais, monumentos, etc.

  • O terceiro elemento retoma as questes dos objetivos da educao histrica e de como estes seriam alcanados. Histria como uma matria a ser ensinada e aprendida tem de passar por um exame didtico referente sua aplicabilidade de orientar para a vida. J o quarto elemento colocou em debate a anlise da natureza, funo e importncia da conscincia histrica, que Rsen define como uma combinao complexa que contm a apreenso do passado regulada pela necessidade de entender o presente e de presumir o futuro, e como esta no diz s respeito ao ensino e aprendizagem, mas tambm ao agir humano em geral, pode-se afirmar que est presente em todos os outros elementos acima apresentados, tornando a Didtica da Histria uma disciplina que investiga a conscincia histrica. (RSEN, 2006)

    Entender o conceito de conscincia histrica possibilita compreendermos em que medida o conhecimento histrico est relacionado com o modo com que os homens se orientam, esperam, e interpretam o tempo.

    O campo de definio da Conscincia Histria no pensamento de Rsen amplo, porm, pode ter como base para sua constituio, a relao entre o conhecimento histrico e a orientao no presente, perspectivada no futuro e com base na experincia do passado. Segundo o autor, toda conscincia histrica est articulada com trs elementos: a experincia no tempo, a interpretao do tempo, e a orientao no tempo e, portanto, no pode ser

    (...) meramente equacionada como simples conhecimento do passado. A conscincia histrica d estrutura ao conhecimento histrico como um meio de entender o tempo presente e antecipar o futuro. Ela uma combinao complexa que contm a apreenso do passado regulada pela necessidade de entender o presente e presumir o futuro. Se os historiadores vierem a perceber a conexo essencial entre as trs dimenses do tempo na estrutura da conscincia histrica, eles podem evitar o preconceito acadmico amplamente aceito de que a histria lida unicamente com o passado: no h nada a se fazer com os problemas do presente e ainda menos com os do futuro. (RSEN, 2006).

    A Conscincia Histrica em Rsen definida como inerente a todos os homens, pois remete a um complexo de modos com que os seres humanos lidam com as mudanas experienciais orientando-se temporalmente. So as situaes genricas e elementares da vida prtica dos homens (experincias e interpretaes do tempo) que constituem o que conhecemos como conscincia histrica. (RSEN, 2001, p. 53).

  • No momento em que os homens procuram constituir sentido temporal, e todos procuram, esto revelando o modo como operam a conscincia histrica. Em Rsen, a conscincia histrica analisada como:

    (...) fenmeno do mundo vital, ou seja, como uma forma de conscincia humana que est relacionada imediatamente com a vida humana prtica. este o caso quando se entende por conscincia histrica a suma de operaes mentais com as quais os homens interpretam sua experincia da evoluo temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prtica no tempo. (RSEN, 2001, p. 56-57).

    Esta compreenso que estreita as relaes entre a histria e a vida cotidiana o eixo no qual se legitimam as reflexes que almejam produzir relevncia na vida prtica atual dos homens. Pois partindo do pressuposto de que o ser humano se orienta temporalmente e intencionalmente no mundo, atravs de sua conscincia da histria, no se pode negar que h no conhecimento histrico elementos que do arcabouos para os homens realizarem aes. Esta conscincia histrica reflete o que Rsen denomina de articulaes de experincias e intenes no tempo. No qual a Conscincia Histrica o trabalho intelectual realizado pelo homem para tornar suas intenes de agir conformes com a experincia do tempo. (RSEN, 2001, p. 59).

    Entre as tarefas da Didtica da Histria, que se preocupam com a investigao da Conscincia Histrica, o Ensino de Histria um campo fundamental4. preciso que a aprendizagem histrica dentro da sala de aula seja compreendida como um dos meios indispensveis de tornar a conscincia histrica mais complexa, garantindo aos alunos novas maneiras de constiturem sentido histrico. No se trata aqui daquela viso de didtica que transponha contedos e facilite os meios de compreenso atravs de recursos pedaggicos, mas de uma competncia maior que produza e analise o conhecimento histrico dentro da sala de aula. A didtica da histria juntou os assuntos orientados pela prtica sobre ensino e aprendizagem em sala de aula com uma

    4 Como define Rafael Saddi, Quando pensamos em Didtica da Histria, sobre este elemento

    de orientao temporal inerente a toda Histria que estamos pensando. Se dipo era ou no filho de Laio, importa no s por mera curiosidade intelectual, mas porque isto pode destruir ou construir uma vida. Neste sentido, a Didtica da Histria no lida simplesmente com a educao ou com o ensino, mas com o modo como as representaes sobre o passado produzem compreenses do presente e projees de futuro. Isto , a Didtica da Histria lida com a orientao temporal inerentemente produzida pela Histria. (SADDI, 2010, p. 74)

  • percepo terica dos processos e funes da conscincia histrica em geral. (RSEN, 2006).

    Debates a respeito do ensino de histria e a ateno que este merece nas reflexes da pesquisa histrica so recentes. Em pases como EUA, Inglaterra, Canad e Portugal os estudos concernentes ao ensino de histria como fundamentao na prpria cincia histrica, desde a dcada de 70, tem ganhado peso (BARCA, 2001).

    Muitos pesquisadores que esto inseridos nestas reflexes, utilizam-se do conceito de Educao Histrica, que intenta analisar dentro da sala de aula as relaes dos alunos com o conhecimento histrico, atravs de pesquisas que identificam os nveis de compreenso de ideias histricas destes.

    Os estudos desenvolvidos no so nem especulativos, prescritivos, nem impressionistas. So estudos que seguem uma metodologia cientfica e analisam desempenhos concretos de alunos, em tarefas cuidadosamente desenhadas, com materiais histricos e instrumentos de inqurito testados. (BARCA, 2008, p. 20)

    As relaes destes estudos com as concepes tericas de Rsen se aproximam significativamente, o autor ao sustentar suas posies calcando-se em uma teoria que articula elementos prticos e didticos na cincia histrica realiza influncias fundamentais para estas pesquisas.

    Para Rsen, as articulaes da conscincia histrica so expressas mediante a narrativa histrica. atravs do narrar que podemos perceber como se do as constituies histricas de sentido. Nas narrativas podemos perceber como so formuladas representaes de continuidade da evoluo temporal dos homens no mundo, instituidoras de identidade, por meio da memria, e inseridas, como determinao de sentido, no quadro de orientao da vida prtica humana. (RSEN, 2001, p. 66-67). Portanto, uma metodologia que se volta para tais narrativas reformulam toda a concepo de um ensino de histria antes preocupado com a reproduo e apreenso de contedos histricos, dando lugar a um processo que reconhece nos alunos a tarefa de pensar historicamente, e no somente apreender o contedo histrico.

    Em um dos estudos de Isabel Barca, por exemplo, a relao com a narrativa histrica norteou um estudo emprico que identificou em alunos de 10-13 anos a capacidade de interpretarem/construrem narrativas como forma de constituio de sentido e apreenso de mensagens histricas (BARCA, GAGO, 2004).

    O incio dos estudos relacionados a estas pesquisas no Ensino de Histria se ancora principalmente em Alaric Dickinson, Peter Lee e Rosalyn Ashby. Em 1995 os

  • trs coordenaram um projeto denominado de Projeto Chata (Conceitos de Histria e Abordagens de Ensino), que realizou pesquisas com alunos entre 6 e 14 anos de idade, identificando uma variedade de percepes e compreenses por parte de alunos em relao a ideias histricas (BARCA, 2008).

    Ashby discutiu resultados desta pesquisa, com o intuito de analisar a compreenso dos alunos em relao s evidncias histricas. Os resultados da pesquisa identificaram diferentes percepes e formas de lidar com afirmaes histricas por parte dos alunos, destacando que as relaes de pretenso de validade no se esgotam na pesquisa cientfica, pelo contrrio, podem estar presentes e carecem de anlise tambm no ensino de histria. O resultado demonstrou que grande parte dos alunos recorre autoridade para garantir a validade das afirmaes histricas. (ASHBY, 2006).

    A exemplo de Rosalyn Ashby e Isabel Barca encontramos afirmaes de interesses de reflexes e pesquisas no interior do Ensino de Histria que ultrapassam as atribuies pedaggicas e esto fundamentalmente ligadas teoria.

    Tambm vrios investigadores, nos Estados Unidos e Canad, tm dedicado a sua pesquisa a trazer luz os critrios epistemolgicos que esto na base do raciocnio histrico, quer entre jovens estudantes quer entre historiadores e pais de alunos. Estes investigadores tm realado a natureza situada da construo do conhecimento histrico (Barton, 2001; Barton & Levstick, 2001, entre outros). Conceitos de significncia histrica, mudana, evidencia e narrativa tm sido centrais nestas pesquisas. (BARCA, 2008, p.15)

    Estas aproximaes foram bem reconhecidas por Klaus Bergmann, em seu texto A Histria na reflexo didtica (1989,1990) ao analisar a didtica como disciplina cientfica que se norteia por trs tarefas: emprica, reflexiva e normativa. Estas trs

    tarefas garantem a anlise da recepo, as atribuies e as mediaes que o conhecimento histrico pode desempenhar. Nesse sentido, a didtica da Histria se preocupa com a formao, o contedo e os efeitos da conscincia histrica num dado contexto scio histrico. (Jeismann, 1977) (BERGMANN, 1989/1990, p. 29-30)

    Estas tarefas reformulam as atribuies tanto da didtica da histria quanto do ensino de histria, insistindo em uma concepo que retira o carter meramente pedaggico destas reas. A reflexo racional e histrica includas nestas tarefas, bem como a compreenso do carter didtico presente no conhecimento histrico, produzido

  • cientificamente ou no, permite-nos analisar a aprendizagem histrica e a conscincia histrica sob uma tica voltada para as relaes com a prtica.

    Partindo da metodologia utilizada na concepo de Educao Histrica, e fundamentando na concepo de Didtica da Histria, a pesquisa que vem sido desenvolvida no Mestrado pretende investigar dentro da sala de aula a relao dos alunos jovens e adultos com o conhecimento histrico, a fim de perceber como estes alunos pensam historicamente. Para realizar tais investigaes, questionrios esto

    sendo respondidos por alunos que frequentam a modalidade EJA no Colgio Lyceu de Goinia.

    As investigaes que esto sendo feitas com os alunos em sala de aula partem de dilogos com outro autor alemo contemporneo, Hans-Jrgen Pandel, que define sete dimenses da conscincia histrica. Se para Rsen da presena ativa do passado no quadro de referncias de orientao da vida prtica atual que parte toda conscincia histrica. (RSEN, 2010:77), em Pandel (1987), h a estruturao da conscincia histrica em setes dimenses, sem que necessariamente se vinculem ao modo com que os indivduos se relacionam vivamente com passado. Para ele a conscincia histrica de um indivduo particular uma estrutura mental que tem como base as seguintes categorias-dupla: conscincia de tempo (ex: hoje/amanh), conscincia da realidade (real/imaginrio), conscincia de historicidade (esttica/mutvel), conscincia de identidade (ns, ele/ela), conscincia poltica (em cima, embaixo), conscincia econmico-social (pobres/ricos), e conscincia moral (correto/incorreto). Aqui nos interessa em especfico a conscincia de historicidade e a conscincia econmico-social.

    De acordo com Pandel, conscincia de historicidade Refere-se ao conhecimento da mudana que as pessoas, coisas e eventos sofrem no tempo, mas tambm no conhecimento de que certas coisas e eventos no podem mudar aparentemente, so imutveis no curto espao de tempo de suas prprias vidas. (PANDEL,1987). Ora, se um aluno, por exemplo, percebe a histria como imutvel, reduz suas esperanas ou expectativas a um presente esttico e suas aes, por consequncia, podem se constituir como incapazes de modificar este presente. Significativamente, de maneira positiva ou negativa, a conscincia de historicidade influi no cotidiano do indivduo. O mesmo vale para a conscincia econmico-social, em referncia ao modo como as distines econmicas e sociais podem dizer sobre determinadas concepes histricas dos indivduos:

  • Wacker relatou que os alunos queriam explicar com um modelo explicativo incongruente as causas dos pobres e ricos. Enquanto a pobreza vista como causada em grande parte por influncia das circunstncias...a riqueza, essencialmente, fruto de esforos individuais. (WACKER 1976: 76). Pobre uma caracterstica que vem de fora (externa) da pessoa. Riqueza uma caracterstica desenvolvida graas (atribuio causal externa e interna) prpria capacidade da pessoa (talento, trabalho duro...).Parece que as aulas de histria no esto inteiramente desvinculadas destas noes. Nossos livros didticos reforam estas explicaes incongruentes. (PANDEL, 19875)

    Paulo Freire, importante defensor da Educao de Jovens e Adultos, confronta com estas explicaes incongruentes. Para o autor se admitssemos que a desumanizao vocao histrica dos homens, nada mais teramos que fazer, a no ser adotar uma atitude cnica ou de total desespero. (FREIRE, 1987). E a luta pela humanizao somente possvel porque a desumanizao, mesmo que um fato concreto da histria, no porm, destino dado, mas resultado de uma ordem injusta (1987).

    No presente trabalho optamos por elaborar instrumentais que se relacionam, portanto, com a conscincia de historicidade e com a conscincia econmica-social definidas por Pandel. Analisar e compreender como se estruturam essas conscincias nos alunos jovens e adultos pode nos auxiliar a aproximarmos de questes fundamentais nas vidas prticas e cotidianas destes sujeitos, uma vez que esto na margem das distines de categorias sociais e econmicas, e podem nutrir tanto esperanas quanto desiluses no que se refere s mudanas e expectativas de futuro.

    Segundo Rsen, o estimulo e a fora pulsional do aprendizado histrico encontram-se nas necessidades de orientao de indivduos agentes e pacientes, necessidades que surgem para tais indivduos quando de desconcertantes experincias temporais. O aprendizado histrico pode ser posto em andamento, portanto, somente a partir de experincias de aes relevantes do presente. (RSEN, 2010)

    Por si s, a experincia de estudar depois de adulto j marcada pelo desconcerto. Compreender como a experincia destes alunos se comunicam com o conhecimento histrico, assim como as suas expectativas de futuro e as orientaes no presente no processo de constituio de sentido temporal so formuladas, a tarefa que a presente pesquisa pretende investigar.

    5 Traduo Rafael Saddi/Elke.

  • Referncias Bibliogrficas:

    ASHBY. Roselyn. Desenvolvendo um conceito de evidncia: as idias dos estudantes sobre testar afirmaes factuais singulares. In Educar. Curitiba. Ed. UFPR, 2006.

    BARCA, Isabel. Investigao em Educao Histrica: fundamentos, percursos e perspectivas. In. OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Et. Ali. Ensino de histria: mltiplos ensinos em mltiplos espaos. Natal, Ed. UFRN, 2008

    BARCA, I. GAGO, M. Usos da narrativa em Histria. In: MELLO, M. C. /LOPES, J.M. Narrativas Histricas e ficcionais. Recepo e produo para professores e alunos. Braga: Univeridade de Minho, 2004.

    BERGMANN, Klaus. A Histria na Reflexo Didtica. In: Revista Brasileira de Histria, So Paulo. V.9. set 1989/fev 1990.

    FREIRE, Paulo. A Pedagogia do Oprimido. Ed. Paz e Terra. So Paulo, 1987.

    PANDEL, Hans-Jrgen. Dimensionen des Geschichtsbewusstseins - Ein Versuch, seine Struktur fr Empirie und Pragmatik diskutierbar zu machen. 1987,

    RSEN, Jrn. Didtica da Histria: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemo in Prxis Educativa. Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, p. 07 16, jul.-dez. 2006. ______, Jrn. Rsen e o Ensino de Histria. Curitiba. Ed. UFPR, 2010.

    ______, Jrn. Histria viva Teoria da Histria III: Formas e funes do conhecimento histrico. Traduo de Estevo de Rezende Martins. Braslia: Ed. UnB, 2007.

    ______, Jrn. Razo histrica. Teoria da histria: os fundamentos da cincia histrica. Traduo de Estevo de Rezende Martins. Braslia: Ed. UnB, 2001

    ______, Jrn. Reconstruo do Passado Teoria da Histria II: Os Princpios da Pesquisa Histrica. Traduo de Estevo de Rezende Martins. Braslia: Ed. UnB, 2007.

    SADDI, Rafael. Didtica da Histria enquanto sub-disciplina da Cincia Histrica. Histria & Ensino, Londrina, v. 16, n. 1, p. 61-80, 2010.