ALgUNS PoNtoS dE INtERRogAção SobRE IdENtIdAdE(S) E ... · vés da analogia com os exemplos...

14
SPAL 22 (2013): 47-60 ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924 http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03 Recepción: 18 de mayo 2012. Aceptación: 21 de agosto de 2012 ALGUNS PONTOS DE INTERROGAÇÃO SOBRE IDENTIDADE(S) E TERRITÓRIO(S) EM TARTESSOS some questIons About IdentIty(Ies) And terrItory(Ies) In tArtessos PEDRO ALBUqUERqUE* Resumo: Este trabalho pretende testar a relevância dos con- ceitos modernos de Identidade, Etnia, Mestiçagem e Terri- tório na análise do registo arqueológico e das fontes escri- tas gregas que referem Tartessos entre os séculos VII e V a.C. Inicialmente, definem-se os conceitos, bem como um questio- nário centrado na comparação com a política colonial portu- guesa em Angola e com a formação de Spirit Provinces na re- gião de Cacheu (Guiné-Bissau). Esta análise permite colocar várias questões sobre os citados conceitos, enquadrando-os numa interpretação metodologicamente mais crítica dos re- gistos escrito e arqueológico. Permite também ponderar, atra- vés da analogia com os exemplos africanos, a existência uma possível desconstrução das perceções territoriais indígenas em prol de uma nova ideologia dominante que edificou novos marcadores territoriais. Palavras-chave: Identidade étnica; Território; Analogia et- nográfica; Spirit Province; Fontes escritas; Registo arqueo- lógico; Tartessos. Abstract: This work aims to test the relevance of the modern day concepts of Identity, Ethnicity, Miscegenation and Ter- ritory in the analysis of the Archaeology and of the Greek written sources, which refer to Tartessus between the 7th-5th centuries BC. It begins by defining the concepts and some questions based on a comparative study involving Portu- gal’s colonial politics in Angola and the construction of Spirit Provinces in the Cacheu region (Guinea - Bissau). This anal- ysis ended up raising several questions regarding the use of concepts in a methodologically accurate interpretation of the data provided by the written and archaeological sources, as well as questions (by analogy with African examples) about the existence of a possible deconstruction of indigenous terri- torial perceptions by a new dominant ideology that constructs new territorial markers. Keywords: Ethnic Identity; Miscegenation; Territory; Spirit Provinces; Written Sources; Archaeological Sources; Tartessus. 1. INTRODUÇÃO Partindo da análise da documentação escrita e do registo arqueológico, este trabalho pretende colocar al- guns pontos de interrogação sobre identidades e ter- ritórios em Tartessos. Sem perder de vista o percurso historiográfico do tema (entre outros, Álvarez 2005, 2009), apresenta-se uma breve discussão sobre os con- ceitos manejados, nomeadamente: Identidade (I), Et- nia/Grupo Étnico, Etnicidade (II), Mestiçagem (III) e Território (IV). Esta discussão faz parte de um trabalho mais amplo que incide sobre a interpretação das necrópoles e dos santuários de origem ou influência oriental no Baixo Guadalquivir como marcadores territoriais e, conse- quentemente, como elementos determinantes para a construção, reconstrução e desconstrução de identi- dades. A delimitação da área de estudo, bem como da * Universidade de Lisboa. Faculdade de Letras. 1600-214. Lis- boa (Portugal). Correo-e: [email protected]

Transcript of ALgUNS PoNtoS dE INtERRogAção SobRE IdENtIdAdE(S) E ... · vés da analogia com os exemplos...

  • SPAL 22 (2013): 47-60ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    Recepcin: 18 de mayo 2012. Aceptacin: 21 de agosto de 2012

    ALgUNS PoNtoS dE INtERRogAo SobRE IdENtIdAdE(S) E tERRItRIo(S) EM tARtESSoS

    some questIons About IdentIty(Ies) And terrItory(Ies) In tArtessos

    PEDRO ALBUqUERqUE*

    Resumo: Este trabalho pretende testar a relevncia dos con-ceitos modernos de Identidade, Etnia, Mestiagem e Terri-trio na anlise do registo arqueolgico e das fontes escri-tas gregas que referem Tartessos entre os sculos VII e V a.C. Inicialmente, definem-se os conceitos, bem como um questio-nrio centrado na comparao com a poltica colonial portu-guesa em Angola e com a formao de Spirit Provinces na re-gio de Cacheu (Guin-Bissau). Esta anlise permite colocar vrias questes sobre os citados conceitos, enquadrando-os numa interpretao metodologicamente mais crtica dos re-gistos escrito e arqueolgico. Permite tambm ponderar, atra-vs da analogia com os exemplos africanos, a existncia uma possvel desconstruo das percees territoriais indgenas em prol de uma nova ideologia dominante que edificou novos marcadores territoriais.Palavras-chave: Identidade tnica; Territrio; Analogia et-nogrfica; Spirit Province; Fontes escritas; Registo arqueo-lgico; Tartessos.

    Abstract: This work aims to test the relevance of the modern day concepts of Identity, Ethnicity, Miscegenation and Ter-ritory in the analysis of the Archaeology and of the Greek written sources, which refer to Tartessus between the 7th-5th centuries BC. It begins by defining the concepts and some questions based on a comparative study involving Portu-gals colonial politics in Angola and the construction of Spirit Provinces in the Cacheu region (Guinea - Bissau). This anal-ysis ended up raising several questions regarding the use of concepts in a methodologically accurate interpretation of the data provided by the written and archaeological sources, as well as questions (by analogy with African examples) about the existence of a possible deconstruction of indigenous terri-torial perceptions by a new dominant ideology that constructs new territorial markers.Keywords: Ethnic Identity; Miscegenation; Territory; Spirit Provinces; Written Sources; Archaeological Sources; Tartessus.

    1. INtRodUo

    Partindo da anlise da documentao escrita e do registo arqueolgico, este trabalho pretende colocar al-guns pontos de interrogao sobre identidades e ter-ritrios em Tartessos. Sem perder de vista o percurso historiogrfico do tema (entre outros, lvarez 2005,

    2009), apresenta-se uma breve discusso sobre os con-ceitos manejados, nomeadamente: Identidade (I), Et-nia/Grupo tnico, Etnicidade (II), Mestiagem (III) e Territrio (IV).

    Esta discusso faz parte de um trabalho mais amplo que incide sobre a interpretao das necrpoles e dos santurios de origem ou influncia oriental no Baixo Guadalquivir como marcadores territoriais e, conse-quentemente, como elementos determinantes para a construo, reconstruo e desconstruo de identi-dades. A delimitao da rea de estudo, bem como da

    * Universidade de Lisboa. Faculdade de Letras. 1600-214. Lis-boa (Portugal). Correo-e: [email protected]

  • 48 PEDRO ALBUqUERqUE

    SPAL 22 (2013): 47-60 ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    cronologia (c. sc. IX-VI a.C.) deve ser vista como um ponto de partida para uma anlise mais alargada. deste modo que o trabalho que agora se apresenta pre-tende definir algumas bases para a colocao de per-guntas, mais do que para a obteno de respostas.

    Para levar a efeito esta anlise, optou-se pela lei-tura crtica da documentao escrita grega (scs. VII-V a.C.) com base nos conceitos assinalados, por um lado, e em recentes contributos para a Histria de frica, por outro. Estabelecendo alguns critrios de leitura, estes dois campos de estudo revelam-se importantes para uma proposta de anlise do registo arqueolgico.

    Apesar de diferentes, as vertentes assinaladas apre-sentam importantes pontos em comum e colocam os mesmos problemas. A literatura grega (tal como a eu-ropeia sobre frica que lhe posterior) produziu repre-sentaes que resultaram na construo de entidades cujas caratersticas nem sempre so percetveis. Boa parte, seno a totalidade, destas representaes, diz respeito a uma realidade costeira ou das margens de um rio navegvel, deixando de lado (por desconheci-mento ou por desinteresse) comunidades que viviam no interior e que foram englobadas na mesma designao (Bhnen 1992: 45ss). Com a colonizao em frica, p.ej., registam-se casos bvios de apropriao dessas categorias tnicas para o surgimento de novas identi-dades (Amselle e MBokolo 1999, Moret 2004, Hen-riques 2004).

    A anlise destes processos permite constatar, por um lado, que existe um grande desfasamento entre a realidade do observador e a realidade vivida ou sentida pelo observado. Por outro, que a identidade um fen-meno que depende das circunstncias histricas e so-ciais de um indivduo ou de uma comunidade.

    neste sentido que devemos colocar a tnica na ter-minologia utilizada para descrever comunidades huma-nas nos dois mbitos literrios. Isso permite assinalar que os conceitos manejados na anlise das chamadas Et-nias pr-romanas so mais herdeiros das concees co-loniais europeias do sculo XIX do que, propriamente, da terminologia grega ou mesmo latina. Uma anlise desta terminologia permite matizar alguns apriorismos e, consequentemente, extremamente til para uma aproximao aos critrios que presidem a uma designa-o tnica. A um cenrio de unidade presente numa de-signao sobrepe-se outro, marcado pela diversidade e, sobretudo, pela permeabilidade mudana. Tal pers-petiva obriga a uma leitura crtica das tradues das fontes escritas, sobretudo quando estas no permitem verificar o alcance do termo original, como veremos (cf. Heintze 2007: 126-128).

    Outro dos aspetos que podem ser alvo de discus-so o impacte da presena colonial em frica, mais concretamente na atual Angola. Este caso interessante pelo facto de permitir colocar algumas questes sobre a noo de Territrio (e dos seus marcadores) como es-pao manipulado pelo Ser Humano e como elemento de relao com a natureza e com outras comunidades. A presena colonial portuguesa implicou o desmante-lamento de algumas estruturas que organizavam, con-solidavam e mantinham as identidades dos grupos humanos que a habitavam. Teremos oportunidade de assinalar os mecanismos desenvolvidos pelas comuni-dades residentes na adaptao a novas circunstncias histricas e polticas, bem como a materializao des-tes processos.

    Esta perspetiva destaca o papel das necrpoles e dos santurios como elementos determinantes na constru-o de identidades, como mecanismos de transmisso da histria de um grupo humano e como smbolos da presena e/ ou domnio de um grupo. por este mo-tivo que a definio de Spirit Province, defendida por E. Crowley (1993), pode ser til como ferramenta de anlise para processos de imposio de uma ideologia dominante, sem que isso comprometa a diversidade de identidades em cenrios de contacto e em espaos onde convivem grupos de origens muito variadas.

    2. IdENtIdAdE

    Em termos gerais, a identidade um aspeto do com-portamento determinado por uma relao de afirma-o (identificao) ou negao (identizao) que o Ser Humano estabelece consigo mesmo e com os outros (Knapp 2008: 32). Dependendo da alteridade e, con-sequentemente, de uma representao justificada pelo contacto, a identidade pode ser egorreconhecida ou al-teroadscrita (Tern 2002: 46). Afirmao e negao so dois elementos que se alimentam reciprocamente e, como tal, esto sujeitos a transformaes consoante as exigncias das circunstncias histricas, sociais, polti-cas ou econmicas de uma sociedade (Hernando 2002, Lalanda 2005).

    Podendo tambm tratar-se de uma estratgia de so-brevivncia e integrao, a identidade acompanha o in-divduo num processo constante de imitao ou mimesis que lhe confere originalidade (Potolsky 2006: 115ss.). Como tal, uma personalidade individual ou coletiva es-tabelece critrios que a identificam e diferenciam de outras, criando com isto um filtro para a construo e reconhecimento de sentimentos de pertena ou de

  • 49ALGUNS PONTOS DE INTERROGAO SOBRE IDENTIDADE(S) E TERRITRIO(S) EM TARTESSOS

    SPAL 22 (2013): 47-60ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    no-pertena que s fazem sentido quando esto sujei-tos a uma circunstncia determinada (Knapp 2008: 32). A identidade surge tambm como consequncia de re-laes entre dominadores e dominados, fazendo com que possa ser um fenmeno histrico ou um rapport de forces (Amselle 1990: 54ss., Ruby 2006: 65). Em 1997, P. Jenkins prope um modelo scio-antropol-gico da etnicidade, equilibrando o pensamento de M. Weber sobre a diferena sentida, de G.H. Mead sobre a construo do Eu social e de F. Barth sobre a orga-nizao social das diferenas tnicas(segundo Tern 2002, Hernando 2002: 50ss.).

    Permita-se-me apresentar um exemplo: a identidade dos Portugueses na Literatura afirmada atravs da ne-gao do Castelhano quando se tratava de garantir a independncia (Albuquerque 2008, Knapp 2008: 32, Sousa e Santos 2010). Esta relao de negao deixava de fazer sentido a partir do momento em que o inimigo era o Muulmano, assistindo-se a uma unio baseada no critrio da religio (Cristos). Do mesmo modo, o termo sincretismo () assinala a unio de dois cretenses contra um terceiro (Plu., Moralia 490b).

    tambm no cenrio da guerra contra os Persas que surge a identidade grega (Cardete 2004: 19ss., com bi-bliografia), uma vez que a presena de uma entidade exterior criou as condies necessrias para a constru-o de uma unio de vrios grupos em torno de uma de-signao comum. Estes esto, claramente, expostos por Herdoto (7.144.2) quando apresenta alguns critrios que estruturam esta unidade (v. Hdt. 1.142-148). A uma ideia de consanguinidade acrescenta-se uma unidade ao nvel da lngua. Os usos e costumes daqueles que inte-gram este grupo alargado so similares, mas no ne-cessariamente os mesmos. Para alm disso, Herdoto assinala uma comunidade de santurios e de sacrif-cios aos deuses. Apesar de o nome Grego (definidor de um conjunto de grupos diferentes entre si) colocar alguns problemas (Cardete 2004: 20-24), as invases persas sustentaram, em boa medida, esta afirmao, confirmando a ideia, anteriormente exposta, de que a identidade um processo que resulta de uma represen-tao. Ou seja, a alteridade que confere sentido a uma autoafirmao, resultando da a polarizao Gregos/ Brbaros ( ) que Her-doto apresenta no prlogo da sua obra (sobre o conceito de Brbaro, cf. Dubuisson 2001).

    Estes exemplos permitem destacar a importncia da linguagem na construo dos nomes (nome prprio, dos pais, famlia, cidade, regio) que estruturam a iden-tidade de uma personalidade individual e coletiva (Am-selle 1990: 65), como resultado da interao de vrios

    fatores que a individualizam e que determinam a auto e a heteroperceo (Dias 1999, Garca 2009). Ou seja, um nome exprime um significado, o que se aplica, p.ej., toponmia (cf. Sanmartn 1994). Permitem tambm assinalar que a construo do Outro assenta sobre os critrios que o Eu utiliza na sua autoperceo (lngua, rituais, sacrifcios, alimentao, sistemas sociais, posi-o social, etc.) e que nem sempre requerem um an-tepassado comum (cf. Escacena 1992, Bourdieu 2011: 57ss., Od. 8.572-576, Hdt. 8.144.2, Th. 1.8.1).

    Estes breves apontamentos so importantes para afirmar que a identidade , essencialmente, um fen-meno histrico cujas transformaes nem sempre so percetveis. Consequentemente, torna-se claro que uma perspetiva essencialista insuficiente para expli-car a complexidade desta questo, no s em termos individuais, mas tambm em termos coletivos. Uma vez que o alvo desta contribuio Tartessos, penso que pertinente desenvolver alguns aspetos das iden-tidades tnicas.

    3. EtNIA/gRUPo tNIco

    Para Garca Martnez (2004: 141),

    [...] la etnicidad no es slo un asunto del tipo de la auto-identidad que siente la gente, sino tambin el tipo de identidad social atribuida por los otros. As sucede en ocasiones que las mayoras no suelen atri-buirse tales rasgos, pero los proyectan en las mino-ras, que seran las nicas poseedoras de etnicidad, con lo que habitualmente los miembros de los grupos dominantes se olvidan de considerarse a s mismos como un grupo tnico.

    O uso atual do conceito de Etnia ou Grupo tnico reveste-se de alguma controvrsia pelo facto de nascer em contextos coloniais, como oposio ao conceito de Nao. Este primeiro aspeto conduz a uma necessidade de rever alguns princpios que esto na base da sua ela-borao, ao mesmo tempo que contrastando o seu con-tedo com o de na lngua grega. Atendendo s ocasies em que Etnia descreve um grupo humano, ve-rificamos que se aplica a um grupo minoritrio (p.ej., etnia cigana) ou a grupos que entram em conflito dentro de um mesmo Estado (em pases africanos). Talvez por este motivo, (ethnos) raramente traduzido por etnia, o que tambm se justifica pelo facto de o termo grego no ter o contedo racial que reveste o conceito a partir do sc. XIX (Cabanes 2005: 850, Amselle e MBokolo 1999).

  • 50 PEDRO ALBUqUERqUE

    SPAL 22 (2013): 47-60 ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    Neste contexto, importa dar um especial destaque a algumas ocasies em que (= .) surge na litera-tura grega, comeando pelos Poemas Homricos. Nes-tes, aplica-se aos mortos (. : Od. X, 525), aves (. : Il. 2.459), abelhas (. : Il. 2.87), homens/ companheiros (. : Il. 3.32; 7.115; 11.595, etc.), grupos humanos alargados (p.e Aqueus/ . : Il. 17.552), etc., num sentido de multiplicidade, grupo, comunidade ou conjunto sem uma conotao cul-tural, traduzindo-se por raa, tribo, etc. (cf. Cardete 2004). Alis, a prpria designao do . integra as vrias comunidades individualizadas que so assina-ladas no Canto II da Ilada.

    Este sentido de conjunto est tambm presente na obra de Herdoto, mas neste caso refere-se, exclusi-vamente, a grupos humanos (cf. Powell 1938: 98-99). O seu discurso, como aponta C.P. Jones (1996: 315), no costuma tratar com detalhe os conceitos que uti-liza, provocando no leitor atual alguma confuso relati-vamente ao significado de termos como e . Apontemos alguns exemplos.

    Herdoto apresenta Creso como rei dos Ldios e de outros povos ( ) em 1.53.2, deixando entrever que . nem sempre est associado a uma comunidade especfica e que pode ter uma conotao de aliana poltica (Cruz 2010: 20). Por este motivo, traduzido por otras na-ciones (C. Schrader). Esta situao repete-se ao longo do texto herodotiano (1.69.1- 2, 171.3, 177, etc., cf. Po-well 1938). O mesmo ocorre com a representao de outras comunidades (p.ej. .: 1.57.3; .: 1.172.1; .: 4.99.3, etc.), independentemente de estas serem gregas ( : 1.56.2) ou br-baras ( : 1.58). Esta variedade parece colocar algumas dificuldades de traduo (p.ej. , tribo em 4.71.1 e 171, e povo em 4.197.2). Neste ltimo caso, trata-se de uma referncia aos povos autctones (Lbios e Etopes) e estrangeiros (Fencios e Gregos) na Lbia, em que (Gregos) um termo gen-rico independente da origem dos colonos. No primeiro, tomando como exemplo a traduo de C. Schrader, o termo traduzido por tribo e povo na mesma pas-sagem. Acrescenta-se ainda o uso de termos compostos como (i.e., do mesmo povo) numa oca-sio (1.91.5).

    Por outro lado, o termo (gnos, = .) parece designar em Herdoto grupos unidos por consanguini-dade, da a sua relao com nascimento, linhagem, famlia, estirpe, ascendncia/descendncia e, eventualmente, com raa ou Nao (Chantraine 1968: s.v. ). O autor apresenta o . lacedemnio

    como de origem drica ( ) e o ateniense como de origem inica ([] ) em I, 56.2. A este respeito, M.C. Cardete (2004: 18) comenta que este sentimento de identidade, transmitido pelo termo , en ocasiones se confunde con el genos, enten-dido tambin en un sentido muy amplio tanto como el mecanismo por el que uno accede a una identidad que como el grupo que la proporciona. Herdoto, por ejemplo, utiliza ambas palabras para referirse a rea-lidades idnticas. Exemplo disso a referncia aos Citas como e como (4.46.1-2). Nestes ca-sos, . designa uma entidade que integra vrios po-vos unidos por um antepassado comum (p.ej., 1.143.2; 4.46.2; 5.91.1; 7.185.2), bem como espcies de animais (1.159.3; 3.113.1; 4.29, Jones 1996: 315ss.).

    Para alm disso, em 5.2.2, Herdoto faz uma distin-o (pouco frequente na sua obra) entre e , referindo-se s campanhas de Megbaso, que submeteu autoridade de Creso todas as cidades e todos os povos ( ) da Trcia (cf., igualmente, 6.27.1; Arist., Pol. 2.2/1261a; 3.19/1284a). Os trcios, segundo o autor (Hdt. 5.3.1), so o segundo povo mais numeroso da terra e so apresentados como um sem unidade poltica que se divide em vrias tribos.

    Os exemplos assinalados permitem verificar que um termo que adquire vrios sentidos. A sua aplicao nestes contextos aconselha a ter alguma cau-tela, na medida em que no exclui cenrios de diver-sidade. Adiantando parte das reflexes gerais deste trabalho, o sentido do conceito grego, quando aplicado ao Tartssio, pode refletir realidades muito di-versificadas, com contornos que variam ao longo dos tempos (cf. lvarez 2009).

    Apesar de se manter um sentido de grupo humano ou, se preferirmos, de um conjunto de indivduos uni-dos em torno de um sentimento de pertena e, que atra-vs dele, se individualizam face a outro (cf. Gonalves e Barata 1999: 1311, Hillmann 2001: 330-331), o uso cientfico de Etnia resulta de um processo que pode e deve ser questionado no seu alcance ideolgico. A cr-tica nasce das retrospetivas africanizadas, que desta-caram o uso atual do termo como um produto do racismo europeu do sc. XIX (Amselle e MBokolo 1999, Mo-ret 2004, Ruby 2006, Fernndez 2009), a tal ponto que Etnia ou Grupo tnico podem ser sinnimos de Raa (Bernal 1993: 115- 116, Gaulmier 1981), no obstante a gradual perda de importncia do ltimo. Por outras pa-lavras, pode entender-se o conceito de Etnia como

    [...] communaut de langue, de coutumes, de va-leurs et souvent, mais pas ncessairement, de cultes;

  • 51ALGUNS PONTOS DE INTERROGAO SOBRE IDENTIDADE(S) E TERRITRIO(S) EM TARTESSOS

    SPAL 22 (2013): 47-60ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    implantation dans un espace ou un territoire dfini ; conscience dappartenir un mme groupe (ce qui implique, le plus souvent, la revendication dune anctre commun ou pour le moins dune affinit de sang) ; existence dun nom dsignant de ce groupe (Moret 2004: 34).

    Atendendo ao panorama da obra de Herdoto, possvel assinalar a grande variabilidade destes senti-mentos de pertena em torno da lngua, dos costumes, dos valores ou mesmo dos cultos (cf. infra)

    Os conceitos de Raa e Etnia comearam a ser utilizados a partir do sculo XIX, substituindo termos como Reino, Nao e Regio, que faziam parte dos relatos de viagem anteriores (Amselle e MBokolo 1999: 70ss.). A organizao dos territrios coloniais acabou por justificar a ascenso de uma terminologia que marcava uma diferena entre o selvagem e o ci-vilizado, ao mesmo tempo que exprimia o desmante-lamento das estruturas polticas anteriores, com uma cada vez maior compartimentao dos reinos africanos (Amselle 1987: 469).

    Esta situao conduz a um exemplo que deve ser destacado: a elaborao dos mapas tnicos em frica segundo os critrios do poder colonial. Estes, em l-tima anlise, refletem o modo de pensar do colono e nem sempre as estratgias de individualizao das co-munidades representadas, o que alis visvel na ela-borao da obra As Raas do Imprio, de Mendes Correia e nas dificuldades que os observadores sen-tiram na definio de critrios de individualizao, fundamentais na elaborao destes mapas tnicos (Estermann 1983: 17ss., Amselle 1987, Henriques 2004: 72-3). A ttulo de exemplo, o Atlas de Portugal Ultramarino, publicado em 1948, baseou-se na diviso lingustica e esta, em muitos casos, no fazia qualquer sentido (Esterman 1983: 17). Do mesmo modo, outros critrios produziriam mapas diferentes, transmitindo uma ideia de unidade cultural que nem sempre corres-ponde aos mecanismos de identificao das comunida-des representadas.

    Assim, nas palavras de R. Batty (2000: 92), ...one cannot use a subway map in the same way as an Atlas. The former tells you how to get somewhere. The latter tells you how to think about, locate and separate hu-man communities. It embodies a way of thinking.

    A anlise dos exemplos africanos constitui, deste modo, um desafio s nossas percees e, consequente-mente, ao alcance dos critrios que utilizamos para de-finir os limites de Tartessos.

    quer isto dizer que nem sempre possvel deter-minar quais as senhas de identidade utilizadas por um

    grupo para se individualizar perante outro (Jones 1997: 74, Knapp 2008: 37), sobretudo quando as circunstn-cias dos contactos so pouco ou nada conhecidas. Por outras palavras, h que determinar qual o tipo de rela-o que as comunidades tm entre si para verificar se h, ou no, necessidade de desenvolver uma estratgia de individualizao e quais os critrios para lev-la a efeito. Por outro lado, h que considerar a discusso em torno da gnese de um sentimento/relao de pertena (Wulff 2005) e a elaborao de modelos que procuram explicar a Etnicidade (le caractre ou la qualit dun group ethnique, segundo P. Ruby 2006: 32, 39-40, cf. Jones 1997: 56ss., Bentley 1997: 26, Tern 2002: 47.3, Cardete 2004: 19, Knapp 2008: 36-37, Fernn-dez 2009: 190).

    Esta questo conduz a outra no menos importante: a formao dos nomes de grupo. Uma mesma comu-nidade pode ter quatro (ou mais) nomes diferentes: o nome com o qual o grupo se designa a si mesmo; o nome dado pelos vizinhos; o nome dado por um obser-vador externo em relao a 1 e 2 (viajante, colonizador, etc.) e, finalmente, o nome que transmitido pelos in-formadores deste ltimo (Crowley 1993: 280-284). As-sim, o nome pelo qual conhecemos uma comunidade nem sempre reconhecido ou utilizado por esta, como parece ser o caso dos Bosqumanes, etnnimo criado pelos colonos Holandeses do Cabo (Bosjesmannen; ing. Bushmen) para designar um grupo de homens da floresta (Estermann 1983: 35); esta designao, note-se, baseia-se na observao de uma diferena.

    Esta ideia deve, porm, ser matizada, uma vez que, tanto no caso africano como no caso das populaes mencionadas durante o domnio romano, assinala-se, dune part, lmergence ou la consolidation des eth-nies comme consquence de lentreprise coloniale; dautre part, la rappropriation par les populations in-dignes elles-mmes des catgories ethniques imposes depuis lextrieur (Moret 2004: 35, Garca 2007: 124-125). Noutros casos, assiste-se tambm a processos de desidentificao (Crowley 1993: 284).

    A ideia de unidade cultural acaba por estar pre-sente na elaborao destes mapas e nas perspetivas de anlise do registo arqueolgico. Esta ideia refletiu-se no critrio da materialidade como mecanismo de reconstru-o paleoetnolgica (Ruby 2006, Niculescu 1997-1998; Jones 2008: 321, Fernndez 2009), partindo do princ-pio de que uma cultura material equivale a um povo. Esta perspetiva tipolgico-comparativa parece estar pa-tente em Tucdides (1.8.1) quando refere os enterramen-tos dos Crios (cf. Ruby 2006: 28-29) no contexto da purificao de Delos por Pisstrato (Hdt. 1.64). Neste

  • 52 PEDRO ALBUqUERqUE

    SPAL 22 (2013): 47-60 ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    sentido, criou-se tambm a ideia de que os rituais fu-nerrios eram marcadores tnicos estveis (Niculescu 1997-1998: 203-204).

    Tartessos, como teremos oportunidade de ver, um nome que no apresenta grande unidade de sentidos na documentao escrita. A polarizao de entidades (Indgenas/Tartssios e Fencios) pode no fazer sen-tido quando a comparamos com o conceito de na lngua grega. A identificao de um etnnimo num documento escrito grego no implica que o grupo re-presentado tenha uma unidade cultural ou lingustica ou que seja puro ao ponto de justificar uma polariza-o rgida. por este motivo que podemos abordar, de forma breve, a questo da mestiagem.

    4. MEStIAgEM

    Ao descrever os Inios, Herdoto afirma que

    [...] desde luego es una solemne estupidez pre-tender que stos son ms jonios que los dems jo-nios o de ms noble origen, dado que, entre ellos, hay un ncleo no despreciable de abantes de Eubea, que nada en comn tienen con Jonia, ni siquiera el nom-bre; tambin hay mezclados con ellos minias orcome-nios, cadmeos, dropes, focenses disidentes, molosos, rcades pelasgos, dorios epidaurios y otros muchos pueblos [...] (1.146.1; Trad. C. Schrader).

    Nesta descrio (1.142ss.), o autor assinala que um , no sentido geral, pode ter dentro de si ou-tros , bem como uma ideia de mistura que acaba por estar presente na terminologia grega (Dubuisson 1982). Mais adiante, apresenta o exemplo dos Budi-nos: no territrio deste ter-se-o estabelecido gregos oriundos dos emprios martimos do Ponto Eu-xino, fundando a cidade de Gelono e estabelecendo a santurios consagrados a deuses gregos, com altares e imagens de modelo igualmente grego. Herdoto re-gista, porm, uma diferena em relao a arquitetura, uma vez que os santurios so construdos em madeira, semelhana dos Budinos. Apesar de se manter uma certa identidade grega, os habitantes de Gelono falam uma lngua meio cita, meio grega (4.198) e esto in-tegrados no dos Budinos.

    O exemplo dos cipriotas parece ser tambm ilustra-tivo: [...] segn el testimonio de los propios chipriotas, entre ellos hay elementos tnicos procedentes de todos estos pases: de Salamina y Atenas, de Arcadia, de Cit-nos, de Fencia y de Etiopa (Hdt. 7. 90). Como pode-mos ver, estes grupos de outsiders so integrados numa

    mesma designao numa determinada ocasio, po-dendo abandon-la em prol de uma identificao mais conveniente para os seus interesses (Crowley 1993: 284-285). O caso dos Luso-africanos tambm expres-sivo neste sentido, uma vez que nesta designao inte-gram-se indivduos de origens (locais e externas) muito diversificadas (Horta 2009: passim).

    Esta ideia de mistura entendida, em parte, pelo termo mestiagem (ou mestio), que pressupe a defini-o de dois elementos, entendidos como antagnicos, que se misturam (Twisselmann 1971). O termo mestio (ou misto) referia-se, primeiramente, a uma opo poltica, designando grupos de Cristos que se uniram aos Muul-manos na luta contra o rei Rodrigo (Bernand, apud Gru-zinski 1999: 36-37 e n. 11). Deriva do latim mixtu, i.e., misturado. Este termo, por sua vez, deriva do grego - ou - (p.ej., de Plb. 1.67.7 e de Pl., Mx. 245d; X., HG II, 1.15; E., Ph., 138).

    O Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa assinala, precisamente, o sentido biolgico desta terminologia: (a) mestiagem: 1. Cruzamento de raas diferentes. 2. Reproduo de mestios entre si; (b) mestiar: cruzar etnias diferentes ou indivduos da mesma et-nia com os de outra, gerando mestios; (c) mestio: aquele que tem pais de etnias diferentes entre si.

    Esta questo mereceu ateno em estudos sobre o papel da hibridao ou dos matrimnios mistos na cria-o de novas realidades culturais na Amrica. Estes processos irreversveis, ideolgica e tecnologicamente, mudaram por completo a relao das comunidades au-tctones com o ambiente que as rodeava, provocando uma europeizao dos Americanos e a americani-zao dos Europeus (Gruzinski e Bernand 2007: 617). Estas transformaes realizam-se selon les rythmes et des chronologies qui saccordent mal notre vision linaire de lhistoire (ibid.: 618).

    Embora este tema no possa ser desenvolvido com maior detalhe, gostaria de assinalar um aspeto que tem implicaes na leitura do registo arqueolgico: de acordo com a leitura de S. Gruzinski e C. Bernand (2007: 622),

    La gnralisation des mtissages accoutume les individus et les groupes les plus exposs a circuler entre les cultures et ls modes de vie. Ces va-et-vient dveloppent une sensibilit culturelle la diffrence, une aptitude varier les registres, tout comme ils sti-mulent la capacit mler ou a multiplier les mas-ques et les appartenances.

    Estas situaes podem provocar aquilo que os autores apelidam de mobilidade de identidades

  • 53ALGUNS PONTOS DE INTERROGAO SOBRE IDENTIDADE(S) E TERRITRIO(S) EM TARTESSOS

    SPAL 22 (2013): 47-60ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    (cf. Horta 2009), tornando difcil adquirir uma viso suficientemente clara do modo como essas diferenas so percebidas nas sociedades que procuramos anali-sar e como elas do origem a novos processos, novas ideias, etc. (Arruda 2010).

    Entendido como un passage de lhomogne et lhtrogne, du singulier au pluriel, de lordre au di-sorde (Gruzinski 1999: 36), a mestiagem pode apli-car-se s vertentes biolgica e cultural do Ser Humano, respondendo a uma noo de pureza que justifica um hbito intelectual polarizante que deve ser matizado. Neste sentido, alguns trabalhos importantes colocaram o acento tnico na mestiagem como ferramenta para a explicao de determinados processos de transforma-o (Gonzlez 1989: 159ss., Bandera e Ferrer 1995). Este hbito intelectual polarizante foi duramente criti-cado por J.L. Amselle (1990: 9), que, num importante estudo sobre os chefados Peul, Bambara e Malink (SW do Mali e NW da Guin) apresenta uma alternativa que consiste numa aproximao continuiste qui linverse mettrait laccent sur lindistinction ou le syncrtisme originaire (Amselle 1990: 9-10). Outras perspetivas, como a de F. Laplantine e A. Nouss, devem tambm ser assinaladas: le mtissage est une composition dont les composantes gardent leur integrit e le mtissage nest pas la fusion, la cohsion, losmose, mais la con-frontation et le dialogue (apud Gruzinski 1999: 38).

    Considerando o syncrtisme originaire de Am-selle, qualquer sociedade (ou qualquer indivduo), num determinado momento, o resultado de vrias influn-cias que produzem o resultado original que sustenta a identificao ou a identizao. Deste modo, im-porta perceber a Cultura como um ensemble de pra-tiques internes ou externes un espace social donne que les acteurs sociaux mobilisent en fonction de telle ou telle conjoncture politique (Amselle 1990: 13). A conjuntura poltica e social, vlida num determinado momento, pode desencadear a oposio entre duas en-tidades (p.ej., colonos e indgenas) que se excluem mutuamente, embora possam revelar sinais de inter-penetrao, convergncia e at mesmo identificao (Gruzinski 1999: 39-40).

    quer isto dizer que a mestiagem vai muito mais alm de uma fuso no sentido biolgico do termo, podendo ser abordada como um fenmeno de confron-tao, dilogo, adaptao ou apropriao (Gruzinski 1999: 38) que incide sobre o patrimnio imaterial de uma sociedade, produzindo novas identidades. No po-demos tambm ignorar o papel dos matrimnios no es-tabelecimento de alianas polticas e na transmisso de informaes (p.ej., 1Rs., 16, 29-33; Sil. 3.97-107). Um

    indivduo pode representar a confluncia de dois modos de vida distintos, fazendo com que exista uma neces-sria interpenetrao de culturas nas linhagens de in-dgenas e orientais, a tal ponto que, a longo prazo, se torna difcil distinguir, arqueologicamente, uns de ou-tros (Arruda 2010: 443ss.).

    Apesar do interesse desta perspetiva, a imposio de uma ideologia dominante um tema que importa destacar, tanto mais que permite uma aproximao a processos de violncia que podem caraterizar as rela-es sociais. Estes processos so percetveis, p.ej., na construo social do territrio.

    5. tERRItRIo E SPIRIT PROVINCE

    De acordo com I. Castro Henriques (2004: 20), o Territrio

    [...] o espao necessrio instalao das estru-turas e das colectividades inventadas pelos homens, sendo tambm indispensvel criao, manuteno e reforo da identidade. [...] sempre simultanea-mente o invlucro [...] e o suporte fsico, espiritual e identitrio das sociedades e das suas relaes com as naturezas e os outros.

    Esta definio surge no mbito de um trabalho so-bre a construo de identidades na Angola colonial, no contexto de um processo histrico que dar origem a um pas independente. O exemplo de Angola, como ve-remos, permite definir um questionrio importante para o estudo da presena fencia na Pennsula Ibrica e das suas relaes com as comunidades residentes.

    A cartografia, atravs da qual concebemos o espao, apenas uma entre vrias formas possveis de repre-sentao ou abstrao (um exemplo nOs Lusadas, de Cames, em Albuquerque 2008: 153ss.). Atendendo a este aspeto, a existncia de marcadores territoriais tambm uma forma de conceber e apreender o espao, o mundo habitado e a fronteira entre o territrio do Eu e o territrio do Outro. A organizao simblica e so-cial do territrio materializa-se na construo de mar-cadores que exprimem a histria e a identidade de uma comunidade (p.ej. Nordman 2005, Black 1997: 239); podem, consoante as relaes intercomunitrias, de-sempenhar a funo de marcadores de fronteiras (cf. Castro e Gonzlez 1989: 10ss., Henriques 2004, Gar-ca 2007). Inevitavelmente, a construo social de um territrio etnocntrica e responde a vrias finalidades consoante a circunstncia histrica em que se inscreve (Black 1997: 239-240). Este comentrio estende-se

  • 54 PEDRO ALBUqUERqUE

    SPAL 22 (2013): 47-60 ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    organizao do discurso geogrfico (p.ej. Batty 2000: 88-89). Creio que este discurso exprime uma relao histrica e identitria com o mundo habitado e, con-sequentemente, com um territrio concreto (cf. Henri-ques 2004).

    Como smbolos da histria de um grupo humano, os marcadores territoriais esto frequentemente asso-ciados a relatos de fundao. Estes, por seu turno, so um ponto de partida til para a anlise das relaes so-ciais criadas a partir do momento em que uma nova entidade (p.ej., os fundadores de Gadir) ocupa um ter-ritrio, simbolizando a sua presena com um espao de culto e uma cidade. Nesta perspetiva, o colonizador aquele que, num determinado perodo de tempo, no tem os seus mortos enterrados nesse territrio, o que obriga construo de uma nova histria a partir da qual fabrica a sua identidade e legitima a sua presena. Creio que, nesse sentido, Melqart desempenha uma funo fundamental como antepassado que, em tempos remotos, teria estado naquele lugar no contexto de um ciclo de destruio de seres ctnicos.

    Estes processos trazem consigo novas percees e estratgias de ocupao/ explorao do territrio, conduzindo muitas vezes ao choque de interesses en-tre as entidades envolvidas (Moreno 1999, Gonzlez 2005, Henriques 2004, Albuquerque 2010: 53, n. 83). Abordando deste modo a implantao de necrpoles, espaos de culto e habitacionais, bem como a sacrali-zao de espaos naturais (rios, colinas, etc.), poss-vel propor um modelo de anlise que permite explicar processos de transformao no seio das comunidades residentes.

    neste sentido que podemos colocar um acento t-nico na construo da Angola colonial. Antes do incio deste processo, o territrio era ocupado por comunida-des com percursos histricos complementares que o organizavam segundo as suas prprias lgicas civili-zacionais (Henriques 2004: 9-10). Essa organizao passava por uma complexa rede de marcadores territo-riais que garantiam a coeso identitria dessas comuni-dades (Henriques 2004: 53-66). Apercebendo-se disso, o agente colonizador optou por desmantelar, progres-siva e violentamente, essas estruturas para impor o seu sistema de organizao poltica e econmica do territ-rio. Esta atitude foi fundamental para o exerccio (in)di-reto do poder colonial (cf. Amselle 1999: 153ss.).

    Aspetos como a posse de terra e os marcadores ter-ritoriais que recordavam heris fundadores (rvores sagradas, necrpoles, etc.) e assinalavam fronteiras e caminhos, acabaram por ser desmantelados e destru-dos. Para o colono, a terra um valor alienvel; para o

    colonizado, um elemento sagrado que condiciona a vida comunitria e os seus rituais: a terra habitada e gerida por foras religiosas, estabelecendo-se com ela uma relao simblica indispensvel criao, manu-teno e reforo da identidade (Henriques 2004: 20) e da sua histria.

    Isto resultou, por um lado, no choque entre concei-tos antagnicos (usos sociais e religiosos, ocupao/ organizao/ controlo do espao, marcadores simbli-cos que identificam o territrio, etc.) e, por outro, numa reao (no lado indgena) no sentido de garantir a so-brevivncia de alguns esquemas ancestrais, ao mesmo tempo que procurava reforar a sua autonomia atravs da adaptao de elementos de origem colonial s es-truturas preexistentes. Este processo indissocivel de algumas elites locais que, em determinadas ocasies, defenderam o estatuto inferior do Negro, definido pela entidade colonizadora, para reforar o seu poder. Se-gundo I.C. Henriques (2004: 83-87), registou-se uma apropriao de sistemas comportamentais e ideol-gicos (obteno de lucro e aquisio/ acumulao de riquezas, concorrncia, etc.), tcnicos (agricultura, ar-tesanato e arquitetura) e simblicos (representao do mundo), bem como a escrita e a esttica do corpo (ves-turio, recusa da nudez e de outros elementos externos ao corpo como, p.ej., tatuagens).

    A materializao deste processo permite questio-nar at que ponto as transformaes que so assinala-das no contexto indgena peninsular na I Idade do Ferro podem refletir reaes adaptativas resultantes dos no-vos modelos impostos pelas comunidades orientais e da referida necessidade de escrever uma nova histria num territrio. Neste sentido, podemos assinalar pos-sveis processos de dessacralizao ou ressacraliza-o de um territrio.

    O epiddio da purificao de Delos parece assina-lar a importncia de uma necrpole como marcador territorial e smbolo de uma identidade de grupo (Th. 1.8.1; Hdt. 1.64.2) e permite uma comparao interes-sante com o desmantelamento dos marcadores em An-gola. Do mesmo modo, o Antigo Testamento assinala processos similares (p.ej., 2Rs. 23; Dt. 12, 1-3) de des-truio de smbolos associados a uma comunidade com o intuito de apagar a sua memria num determinado es-pao. O mesmo pode ser dito em relao aos santurios, que em muitos casos simbolizam um episdio hist-rico, implantando-se em lugares previamente ocupados (p.ej. Caura: Escacena 2001).

    Estes processos acabam por conduzir elaborao de mecanismos de integrao e excluso ou, se preferir-mos, de fronteiras sociais (Garca Fernndez 2007).

  • 55ALGUNS PONTOS DE INTERROGAO SOBRE IDENTIDADE(S) E TERRITRIO(S) EM TARTESSOS

    SPAL 22 (2013): 47-60ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    A implantao de estruturas que simbolizam o dom-nio de um grupo sobre os outros um tema fulcral para a construo de Spirit Provinces. Este conceito, desen-volvido por Eve Crowley (1993: 215ss.) num estudo so-bre a regio de Cachu (Guin- Bissau), aplica-se a um territrio composto por comunidades diferentes que se unem em torno de uma ideologia dominante. Apesar de no pressupor a existncia de uma estrutura poltica cen-tralizada, uma SP cria mecanismos que a diferencia de outras, integrando indivduos de origens muito diversi-ficadas num mesmo sentimento de pertena: each spi-rit province became a local frontier, with an unusually fluid and mobile social organization capable of acco-modating outsiders in a variety of ways (ibid.: 223).

    No obstante as necessrias matizaes deste con-ceito quando aplicado ao registo arqueolgico da Pe-nnsula Ibrica, a sua utilidade reside no facto de permitir uma anlise que valorize a diversidade, sobre-tudo quando parece evidente que a expanso oriental era composta por grupos oriundos de vrios quadran-tes do Mediterrneo e no somente de Tiro (cf. Beln e Escacena 1995: 68-69, Gonzlez 1989: 144, 2000), apesar do vnculo estabelecido com a cidade de origem (Str. 3.5.5; Bordreuil e Ferjaoui 1988; Lpez 2004). Para alm disso, a implantao de marcadores territo-riais como os santurios um aspeto que pode, e deve, ser valorizado na anlise dos referidos processos de orientalizao das comunidades residentes e de oci-dentalizao dos orientais (Escacena 2011). Creio que um dos sintomas mais evidentes de adaptao a novas realidades a variedade das manifestaes de Astart ao longo do Mediterrneo (Bonnet 2010). Em todo o caso, a construo de uma Spirit Province permite uma integrao e um domnio eficazes quando centralizada num santurio.

    6. bALANo E PERSPEtIvAS

    Atendendo ao exemplo de Angola, as transforma-es das comunidades residentes podem ser analisadas numa perspetiva arqueolgica, sobretudo quando se se-gue o critrio da visibilidade dessas manifestaes ma-teriais (p.ej., Henriques 2004, Knapp 2008: 34-35). A arquitetura, os rituais, um tipo de vesturio ou adorno, etc., s so elementos de afirmao identitria quando se destinam a ser visveis perante a comunidade ou pe-rante outras, e podem no desempenhar as mesmas fun-es nos stios onde so identificados. Numa passagem de Herdoto possvel identificar um exemplo de ob-jeto que utilizado para afirmar a identidade de um

    grupo (IV,3.4): os chicotes dos cavalos, fundamentais para identificar os senhores perante os seus escravos:

    [...] En las presentes circunstancias soy de la opinin de dejar a un lado picas y arcos, y de mar-char a su encuentro provistos cada uno de nosotros del ltigo de su caballo. Pues, mientras nos veran con las armas en la mano, crean ser iguales a noso-tros y de nuestra misma alcurnia; pero, cuando nos vean con ltigos en lugar de armas, comprendern que son nuestros esclavos y, en ese convencimiento, dejarn de ofrecer resistencia (trad. C. Schrader)

    Do mesmo modo, os objetos descritos nos Poemas Homricos podem estar associados imagem do he-ri e das suas extraordinrias riquezas. Acrescentado os exemplos de Dt. 12, 1-3 e 2Rs. 23, os santurios, os al-tares e as necrpoles so elementos visveis da identi-dade de um determinado grupo, o que justifica a sua destruio.

    A identidade, como construo social em perma-nente manipulao, resulta de circunstncias histricas que nem sempre podem ser definidas arqueologica-mente. A hierarquizao social somente um dos pa-tamares possveis da identidade, e mesmo assim pode no afetar a identidade de um grupo como um todo. Neste contexto, os comportamentos funerrios podem ser um mecanismo de identificao ou identizao de uma comunidade ou grupo social, operando por vezes (como no caso de Herdoto), como filtro de representa-o (Soares 2003).

    Vimos que a identidade, como construo social, afeta mbitos diferenciados consoante as circuns-tncias histricas que rodeiam a criao, manuten-o ou consolidao de grupos identitrios dentro de uma comunidade, ou de uma comunidade perante ou-tra. A hierarquizao social um entre vrios crit-rios de diferenciao mas, noutra perspetiva, haveria que questionar se estas manifestaes afetam (ou no) a identidade desse grupo como um todo. Por seu turno, a lngua nem sempre um critrio vlido de diferencia-o, uma vez que pode ser comum a comunidades que se consideram como diferentes (cf. Estermann 1983: 17-19, 22, Henriques 2004: 72-3). A implantao de uma Spirit Province, para alm de integrar uma grande diversidade de grupos sociais, lnguas, etc., um me-canismo til no controlo da reproduo social, uma vez que dentro destas que se contraem matrimnios mis-tos (Crowley 1993: 222ss.). este suposto cenrio de diversidade que pode ter caraterizado a gradual implan-tao de uma ideologia oriental, embora adaptada, no SW peninsular.

  • 56 PEDRO ALBUqUERqUE

    SPAL 22 (2013): 47-60 ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    Todas as questes colocadas podem ser aplicadas construo da(s) identidade(s) de Tartessos. A perspe-tiva essencialista que marcou boa parte dos estudos que se debruaram sobre o tema (cf. lvarez 2009) imps uma polarizao que pode no ser vivel quando anali-samos com maior profundidade a variedade de situaes em que os termos e so utilizados na litera-tura grega. Ou seja, o facto de se mencionar, implcita ou explicitamente Tartessos como um territrio pertencente a um (Tartssios) a partir do sc. VII a.C., no im-plica que essa comunidade seja puramente indgena ou fencia, ou que fale uma mesma lngua. Pode tratar-se de um grupo misto, tal como os cipriotas (Hdt. VII.90), mas que partilha uma mesma designao ou, simplesmente, de uma designao genrica cujo contedo nem sempre percetvel aos nossos olhos. Atendendo s palavras de M. lvarez Mart-Aguilar (2009: 92):

    [...] En lo relativo a la cuestin de la identidad hay que preguntarse sobre el significado de los tar-tesios del texto Son, simplemente, los habitantes de Tartessos, esto es, los sbditos de Argantonio, y no existe un contenido tnico-endgeno- tras esta deno-minacin? O bien los tartesios son un colectivo, un ethnos, definido por un comn sentimiento de perte-nencia expresada en ese nombre? O ambas cosas?

    Podemos apontar vrias questes formao de etnnimos ou de topnimos, uma vez que as repre-sentaes transmitidas nos relatos de viagem ou nos discursos geogrficos raramente ultrapassam a linha da costa ou o interior dos rios navegveis (J., Ap. I, 60-68, Bhnen 1992). Para alm disso, como se assinalou, um grupo humano pode ter vrios nomes consoante as circunstncias (Crowley 1993: 280-284) e, na maioria dos casos, estas designaes revelam um grande des-fasamento entre a realidade observada pelo agente ex-terno e a realidade vivida pela populao representada. Neste sentido, podemos assinalar as citadas questes colocadas por M. lvarez (2009: 92) ao texto herodo-tiano e a reflexo de M. Koch, quando afirma que uma aproximao a estas representaes ...exige determi-nar los conocimientos geogrficos sobre la Pennsula de los que se dispona en cada una de las pocas en las que estos nombres se formaron y estuvieron en uso (Koch 2003: 201).

    No caso que nos ocupa neste trabalho, evidente que Tartessos adquire significados muito diversifica-dos consoante o autor que menciona este nome. Este-scoro de Himera refere um rio ( , PMG 184; Str. 3.2.11), conduzindo associao pos-terior com o Btis ou Guadalquivir (Str. 3.2.11). Por

    seu turno, a paisagem onde habitava Grion, Ertia (cf. Hes., Th. 289ss.), foi muitas vezes identificada com Gadir (lvarez 2007, 2009: 90, cf. Albuquerque 2010).

    A esta primeira referncia acrescenta-se a de um aparente territrio poltico, com o texto de Anacreonte, numa clebre frase transmitida por Estrabo (3.2.14): No quisiera yo ni el cuerno de Amaltea ni ser rey de Tarteso ciento cincuenta aos. A presena de (reinar/governar) permite pensar na existncia desse espao poltico sobre o qual o poeta podia ter escutado algo, na medida em que viveu na corte de Polcrates de Samos por volta de 536-522 a.C. (Gangutia 1998: 125). Este dado permitiria relacionar o texto de Anacreonte com a viagem de Colaios, re-latada por Herdoto (IV, 152), mas a referncia a um surge na tradio transmitida pelos Foceenses (idem. I.153) e no naquela. No entanto, o excerto de Anacreonte no permite verificar se se trata de um to-pnimo ou de uma regio que pode ter como base de designao a bacia do rio, ou vice-versa. Devemos assi-nalar, porm, que o carter vago das informaes pode indicar uma certa familiaridade do nome (e do seu sig-nificado) entre a audincia destes autores, dispensando a exposio de pormenores.

    A posterior referncia de Hecateu de Mileto assi-nala um cornimo por duas vezes, relacionando-o com duas cidades: Elibirge, cidade de Tartessos e Ibila, cidade da Tartssia, a ltima das quais tinha minas de prata e ouro (THA IIA 23.I).

    As duas passagens herodotianas que referem Tar-tessos introduzem, no contexto que tem vindo a ser tra-tado ao longo destas linhas, questes interessantes. O primeiro desses relatos (1.163), transmite a viagem dos Foceenses, que depois de chegarem a Tartessos, trava-ram amizade com o rei local, chamado Argantnio, que a reinou durante oitenta anos e viveu, ao todo, cento e vinte (Trad. J.R. Ferreira e M.F. Silva). A traduo de (rei dos Tartssios) por rei local afasta a possibilidade de reconhecer o nome de um que ter sido tiranizado () por Argantnio. Embora o termo no aparea neste texto, subentende-se que se refira a um povo que est sob o governo de um ou de um (1.53.2). C.P. Jones (1996: 316) quem assinala este pormenor, embora no se refira a 1.163. Estabelecer-se-ia aqui uma relao com o texto de Ana-creonte, complementada com a referncia a um territ-rio dominado?

    O nome Tartssios pode significar, simplesmente, habitantes de Tartessos, segundo se depreende da se-quncia geogrfica da viagem dos foceenses, na qual

  • 57ALGUNS PONTOS DE INTERROGAO SOBRE IDENTIDADE(S) E TERRITRIO(S) EM TARTESSOS

    SPAL 22 (2013): 47-60ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    parece surgir um cornimo (lvarez 2009: 92). Porm, em 4.152, Herdoto refere Tartessos como um porto inexplorado ( ) localizado a Oci-dente das Colunas de Hracles ( ). Este texto, quando comparado com o anterior, levanta algumas dvidas relativamente dependncia do autor em relao aos seus informadores, uma vez que, para os Foceenses, Tartessos seria um cornimo e, para os S-mios, um porto. No entanto, podemos colocar um ponto de interrogao sobre o relato de Hdt. 1.163: possvel que Tartessos seja uma cidade integrada na designao de Ibria, uma vez que desempenha um papel decisivo na narrativa como ltima etapa da viagem que antecede a concretizao do seu objetivo.

    Esta ltima ideia pode ser contrastada com um texto de Herodoro, escrito em finais do sc. V, onde surge o etnnimo Tartssio numa sequncia de ca-riz periegtico. O texto, transmitido e introduzido por Constantino Porfiriognito, refere Ibria como um ter-ritrio dividido em muitos povos ( , Const. Porph., Adm. Imp. 23; THA IIA, 46). A transcrio re-vela, porm, que estes so representados por He-rodoro como (tribos): Cinetes, Gletes, Tartssios; Elbissnios, Mastienos e Celcianos. Estas tribos, por sua vez, pertencem a uma mesma entidade () que pode ser traduzida por povo, embora com a provvel conotao gentica que foi anteriormente apontada. Em que se baseia Herodoro para enquadrar estas num mesmo , neste caso ibrico?

    De todo o panorama apresentado, destaca-se a re-presentao de uma entidade com contornos vagos e at mesmo contraditrios. Entre o testemunho de Ana-creonte e o de Herdoto estaria o de Hecateu, que as-sinala um territrio no qual existiriam cidades, mas este autor no refere qualquer ou com esse nome.

    Em todo o caso, para admitir a existncia de um Tartssio indgena, torna-se necessrio assina-lar um acontecimento que tenha provocado uma ne-cessidade de coeso perante a ameaa de um elemento externo. Os sentimentos de pertena, compsitos e cambiantes, podem condicionar a formao de Spirit Provinces ou, para recorrer expresso de B. Ander-son, de comunidades imaginadas. Estas circunstn-cias histricas podem no ser percetveis atravs do registo arqueolgico. No entanto, a valorizao das ne-crpoles e dos santurios como marcadores territoriais e, consequentemente, como elementos fundamentais para a coeso identitria, pode ser til para uma apro-ximao formao de sentimentos de pertena capa-zes de integrar indivduos com origens diversas ou, por

    outro lado, refletir os resultados de uma desestrutura-o prvia do territrio indgena.

    Este papel pode ter sido detido pelo santurio de Gadir, dedicado a Melqart, e por outros, convertendo o episdio de fundao num patrimnio comum domi-nado pelo agente oriental, aglutinador de vrios sen-timentos de pertena. No deixa, por isso, de suscitar alguma perplexidade a ausncia de relao entre Fen-cios e Tartessos quando estas fontes, cronologicamente situadas entre os sculos VII e V a.C., so contempo-rneas de um processo de ocupao consolidado e pro-vavelmente regido por uma identidade prpria, embora ligada aos fundadores Trios (Lpez 2004, lvarez e Ferrer 2009).

    Vimos tambm que um pode ser uma enti-dade multifacetada e compsita, suficientemente abran-gente para incluir diversas subdivises, cada qual com uma possvel identidade prpria. quer isto dizer que a designao de um pode derivar do nome genrico que utilizado por um grupo dominante, o que parece notrio no caso dos Citas de Herdoto (4.5-11).

    Esta questo pode ir para alm da materialidade, uma vez que a utilizao de um determinado ritual ou objeto pode representar uma apropriao do elemento externo que no compromete a identidade de grupo. No entanto, a organizao de um territrio em torno de um marcador (p.ej., santurio) pode resultar na res-truturao de identidades partilhadas e ser um veculo eficaz na transmisso e receo da ideologia oriental. Seria necessrio, porm, conhecer com rigor os aspe-tos que se transformaram, como, porqu e com que ob-jetivo (p.ej., Beln e Escacena 1995, Beln 2001: 37). por este motivo que creio que uma anlise que valo-rize a relao entre marcadores territoriais e identidade pode assinalar situaes de coexistncia pacfica, dom-nio, desmantelamento das estruturas preexistentes, etc.

    A questo da construo de identidades atravs do registo escrito complexa, mas no o menos quando o nosso olhar se dirige para o registo arqueolgico. A materialidade nem sempre um reflexo de etnicidade, mas em determinados casos, pode exprimir um modo de garantir a sobrevivncia (cultural) de um grupo humano ou transmitir as senhas de identidade de um grupo social, seja ele dominante ou no. As perspeti-vas que canalizam as observaes para o lado indgena (p.ej. Torres 2002), destacam o papel do autctone na construo da sua prpria identidade e da sua prpria histria. neste sentido que creio que Tartessos , no essencial, uma entidade mista que integra indivduos de origens muito diversificadas sob uma mesma de-signao. Falta saber, porm, se este nome deriva da

  • 58 PEDRO ALBUqUERqUE

    SPAL 22 (2013): 47-60 ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    observao externa (neste caso, grega) ou se se trata de um nome criado e assumido num territrio localizado a Ocidente das Colunas de Hracles (cf. lvarez 2007 para a associao entre Tartessos e Gadir).

    H que assinalar, finalmente, que a distribuio dos espaos de culto no Baixo Guadalquivir, analisada com esta perspetiva, parece indicar a existncia de vrios ter-ritrios polticos ou provncias espirituais e no ape-nas de um. Este tema ser desenvolvido noutra ocasio.

    momento de terminar este texto. Pretendi apre-sentar alguns pontos de interrogao sobre a comple-xidade da construo de identidades, com base em elementos to (aparentemente) dspares como o registo material, o registo escrito e alguns estudos sobre a His-tria de frica. Embora possamos identificar as dife-renas entre o contedo de cada uma destas fontes, todas elas colocam problemas comuns que contribuem para a elaborao de um questionrio que permita lan-ar um outro olhar sobre a questo tartssica.

    ABREVIATURAS

    As abreviaturas das fontes clssicas baseiam-se em Greek - English Lexicon (H.G. Liddell e R. Scott 1958) e Oxford Latin Dictionary (P.G.W. Glare, 2 ed. 2012).

    Arist., Pol.: Aristteles, Poltica; Const. Porf.: Constantino Porfiriognito; E., Ph.: Eurpides, As Fen-cias; Hdt.: Herdoto; Hes., Th.: Hesodo, Teogonia; J., Ap.: Flvio Josefo, Contra Apio; Pl., Mx.: Plato, Me-nexeno; Plb.: Polbio; Plu.: Plutarco; PMG: Poetae Me-lici Graeci (D.L. Page); Sil.: Slio Itlico, As Guerras Pnicas; Str.: Estrabo; Th.: Tucdides; THA: Testimo-nia Hispaniae Antiquae (J. Mangas e D. Plcido, dirs.); X., HG: Xenofonte, Historia Graeca (Helnicas)

    bIbLIogRAfIA

    Albuquerque, P. (2008): Cames e Tartessos: leituras em torno de dois excertos dOs Lusadas. Spal 17: 137-168.

    Albuquerque, P. (2010): Tartessos: entre Mitos e Re-presentaes. Cadernos da Uniarq 6. Lisboa, Uni-versidade de Lisboa.

    lvarez Mart-Aguilar, M. e Ferrer Albelda, E. (2009): Identidad e Identidades entre los fe-nicios de la Pennsula Ibrica en el periodo co-lonial, en F. Wulff Alonso e M. lvarez Mart Aguilar (eds.), Identidades, culturas y territo-rios en la Andaluca Prerromana, pp. 165-204.

    Mlaga e Sevilla, Universidad de Mlaga y Uni-versidad de Sevilla.

    lvarez Mart-Aguilar, M. (2005): Tarteso. La cons-truccin de un mito en la historiografa espaola. Mlaga, CEDMA.

    lvarez Mart-Aguilar, M. (2007): Arganthonius Ga-ditanus. La identificacin de Gadir y Tartessos en la tradicin antigua. Klio 89(2): 477-492.

    lvarez Mart-Aguilar, M. (2009): Identidad y Etnia en Tartessos. Arqueologa Espacial 27: 79-111.

    Amselle, J.L. e MBokolo, E. (1999): Au coeur de lEthnie. Anthropologie de lIdentit en Afrique et ailleurs. Paris, Payot.

    Amselle, J.L. (1987): Lethnicit comme volont et comme reprsentation: propos des Peuls du Wasolon. Annales (ESC), 42e anne 2, pp. 465-489.

    Amselle, J.L. (1990): Logiques mtisses. Anthropolo-gie de lidentit en Afrique et ailleurs. Paris, Payot.

    Arruda, A.M. (2010): Fencios no territrio actual-mente portugus: e nada ficou como antes, en M.L. de la Bandera Romero e E. Ferrer Albelda (coords.), El Carambolo. 50 aos de un tesoro, pp. 439-452. Sevilla, Universidad de Sevilla.

    Batty, R. (2000): Melas Phoenician Geography. Jour-nal of Roman Studies 90: 70-94.

    Beln, M. e Escacena, J.L. (1995): Interaccin cul-tural fenicios-indgenas en el Bajo Guadalquivir. Kolaios 4: 67-101.

    Beln, M. (2001): La cremacin en las necrpolis tar-tsicas, en R. Garca Huerta e J. Morales Hervs (eds.), Arqueologa funeraria: las necrpolis de in-cineracin, pp. 37-78. Cuenca, Ediciones de la Uni-versidad de Castilla-La Mancha.

    Bentley, G.C. (1997): Ethnicity and practice. Com-parative Studies in Society and History 29 (1): 24-55.

    Bernal, M. (1993): Atenea Negra. Las races afroasi-ticas de la civilizacin clsica, Vol. I, La inven-cin de la Antigua Grecia, pp. 1785-1985. Barce-lona, Crtica.

    Bertrand, J.M. (2005): Gnos, en J. Leclant (dir.), Dictionnaire de lAntiquit, p. 954. Paris, PUF.

    Black, J. (1997): Maps and History. Constructing im-ages of the Past. New Haven, London, Yale Uni-versity Press.

    Bonnet, C. (2010): Astart en Mditerrane. Reflec-tions sur une identit une et plurielle, en M.L. de la Bandera e E. Ferrer (coords.), El Carambolo. 50 aos de un tesoro, pp. 453-463, Sevilla, Universi-dad de Sevilla.

  • 59ALGUNS PONTOS DE INTERROGAO SOBRE IDENTIDADE(S) E TERRITRIO(S) EM TARTESSOS

    SPAL 22 (2013): 47-60ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    Bordreuil, P. e Ferjaoui, A. (1988): A propos des Fils de Tyr et des Fils de Carthage. Studia Phoeni-cia 6: 137-142.

    Bhnen, S. (1992): Place names as an historical source: an introduction with examples from Southern Sene-gambia and Germany. History in Africa 19: 45-101.

    Cabanes, P. (2005): thnos, en J. Leclant (dir.), Dic-tionnaire de lAntiquit, p. 850. Paris, PUF.

    Cardete del Olmo, M.C. (2004): Ethnos y Etnicidad en la Grecia Clsica, en G. Cruz Andreotti e B. Mora Serrano (eds.): Identidades tnicas-identidades po-lticas en el mundo prerromano hispano, pp. 17-29. Mlaga, CEDMA.

    Castro Martnez, P.V. e Gonzlez Marcn, P. (1989): El concepto de frontera: Implicaciones tericas de la nocin de territorio poltico. Fronteras. Arqueo-loga Espacial 13, pp. 7-18.

    Chantraine, P. (1968): Dictionnaire tymologique de la langue grecque: Histoire des mots. Paris, Klincksieck.

    Crowley, E.L. (1993): Contracts with spirits: Religion, Asylum and Ethnic Identity in the Cacheu region of Guinea-Bissau [fac-simil]. Michigan, UMI Disser-tations/ A Bell e Howell Company [texto original policopiado, 1990].

    Cruz Andreotti, G. e Mora Serrano, B. (eds.) (2004): Identidades tnicas-identidades polticas en el mundo prerromano hispano. Mlaga, CEDMA.

    Cruz Andreotti, G. (2010): Tarteso-Turdetania o la de-construccin de un mito identitario, en M.L. de la Bandera Romero e E. Ferrer Albelda (coords.), El Carambolo. 50 aos de un tesoro, pp. 17-52. Se-villa, Universidad de Sevilla.

    Dias, J.R. (1999): Identidade. Verbo. Enciclopdia Luso-brasileira de Cultura, Vol. 10, pp. 813-814. Lisboa e So Paulo, Verbo.

    Des Cus, E. (2001): La influencia de la arquitectura Oriental fenicia en las arquitecturas indgenas de la Pennsula Ibrica (s. VIII-VII), en D. Ruiz Mata e S. Celestino Prez (eds.), Arquitectura oriental y orientalizante en la Pennsula Ibrica, pp. 69-122. Madrid, CSIC.

    Dubuisson, M. (2001): Barbares et barbarie dans le monde grco-romain: du concept au slogan. LAn-tiquit classique 70: 1-16.

    Dubuisson, M. (1982): Remarques sur le vocabulaire grec de lacculturation. Revue Belge de Philologie et dHistoire 60(1): 5-32.

    Escacena Carrasco, J.L. (1992): Indicadores tnicos en la Andaluca prerromana. Spal 1: 321-344.

    Escacena Carrasco, J.L. (2001): Fenicios a las puertas de Tartessos. Complutum 12: 73-96.

    Escacena Carrasco, J.L. (2011): Variacin identitaria entre los orientales de Tartessos. Reflexiones desde el antiesencialismo darwinista, en M.A. Mart Agui-lar (ed.), Fenicios en Tartessos: nuevas perspectivas, pp. 161-192. Oxford, BAR International Series.

    Estermann, C. (1983): Etnografia de Angola (Sudoeste e Centro). Colectnea de artigos dispersos, coligi-dos por G. Pereira e apresentados por M.V. Guer-reiro, Vol. I. Lisboa, Instituto de Investigao Cien-tfica Tropical.

    Fernndez Gtz, M.A. (2009): La etnicidad desde una perspectiva arqueolgica: propuestas terico-meto-dolgicas. Espacio, Tiempo y Forma, serie II, His-toria Antigua 22, pp. 187-199.

    Gangutia Elcegui, E. (1998): La Pennsula Ibrica en los autores griegos: de Homero a Platn, en J. Mangas e D. Plcido (eds.), Testimonia Hispaniae Antiqua, IIA. Madrid, Editorial Complutense.

    Garca Calvo, A. (2009): Identidad, en R. Reyes (dir.), Diccionario crtico de Ciencias Sociales, pp. 1497-1504. Madrid, Plaza y Valds.

    Garca Fernndez, F.J. (2007): Etnologa y Etnias de la Turdetania en poca Prerromana. Cuadernos de Prehistoria de la Universidad Autnoma de Madrid 33: 117-143.

    Garca Martnez, A. (2004): A vueltas con la etnici-dad: de qu sirve el concepto de etna? Educa-tio 22: 139-156.

    Gaulmier, J. (1981): Poison dans les veines. Note sur le thme du sang chez Gobineau. Romantisme 31: 197-208.

    Gonalves, A.C. E Barata, O. (1999): Grupos tnicos. Verbo: Enciclopdia Luso-Brasileira da Cultura, Vol. 13, pp. 1311-1313. Lisboa y S. Paulo, Verbo.

    Gonzlez Wagner, C. (2000): Santuarios, territorios y dependencia en la expansin fenicia arcaica en oc-cidente. Arys 3: 4-58.

    Gonzlez Wagner, C. (2005): Fenicios en el Extremo Occidente. Conflicto y violencia en el contexto co-lonial arcaico. Revista Portuguesa de Arqueologia 8(2): 177-192.

    Gruzinski, S. e Bernand, C. (2007): Histoire du Nou-veau Monde, vol. II, Les Mtissages. Paris, Fayard.

    Gruzinski, S. (1999): La pense mtisse. Paris, Fayard.Heintze, B. (2007): Angola nos sculos XVI e XVII. Es-

    tudos sobre Fontes, Mtodos e Histria. Luanda, Kilombelombe.

    Hernando, A. (2002): Arqueologa de la Identidad. Ma-drid, Akal.

    Hillmann, K.-H. (2001): Diccionario enciclopdico de Sociologa, fundado por Gnter Hartfiel [ed.

  • 60 PEDRO ALBUqUERqUE

    SPAL 22 (2013): 47-60 ISSN: 1133-4525 ISSN-e: 2255-3924http://dx.doi.org/10.12795/spal.2013.i22.03

    Or. 1994]. Dir. da edio espanhola por A. Martnez Riu. Barcelona, Herder.

    Horta, J.S. (2009): Ser Portugus em terras afri-canas: vicissitudes da construo identitria na Guin do Cabo Verde (scs. XVI-XVII), en H. Fernandes et al. (eds.), Nao e Identidades. Por-tugal, os portugueses e os outros, pp. 261-274. Lis-boa, Centro de Histria da Faculdade de Letras de Lisboa/ Caleidoscpio.

    Jones, C.P. (1996): and in Herodotus. Classical Quaterly 46 (2): 315-320.

    Jones, S. (1997): The Archaeology of Ethnicity. Con-structing identities in past and present. London y New York, Routledge.

    Jones, S. (2008): Ethnicity: Theoretical approaches, methodological implications, en R.A. Bentley, H.D.G. Machner e C. Chippdale (eds.), Handbook of Archaeological Theories, pp. 321-333. Lanham, Altamira Press.

    Knapp, A.B. (2008): Prehistoric and Protohistoric Cy-prus. Identity, Insularity, and connectivity. Oxford, Oxford University Press.

    Koch, M. (2003): Tari e Hispania. Madrid, CEFYP.Lalanda, P. (2005): A identidade sempre uma relao.

    Uma introduo ao uso do conceito de identidade. Actas das III jornadas/ Congresso do Arquivo de Beja, I: 39-42. Beja: Cmara Municipal de Beja.

    Lpez Castro, J.L. (2004): La identidad tnica de los fenicios occidentales, en G. Cruz Andreotti e B. Mora Serrano (eds.), Identidades tnicas-identi-dades polticas en el mundo prerromano hispano: 149-167. Mlaga, CEDMA.

    Lpez Ruiz, C. (2005): Revisin crtica de la aparicin de Tartessos en las fuentes clsicas y semticas, en S. Celestino Prez e J. Jimnez vila (eds.), El Pe-riodo Orientalizante. Actas del III Simposio Interna-cional de la Arqueologa de Mrida: Protohistoria del Mediterrneo Occidental. Anejos de Archivo Es-paol de Arqueologa XXV: 347-362. Mrida, CSIC.

    Moreno Arrastio, F.J. (1999): Conflictos y perspectivas en el periodo precolonial tartsico. Gerin 17: 149-177.

    Moret, P. (2004): Ethnos ou Ethnie? Avatars anciens et modernes des noms des peuples ibres, en G. Cruz Andreotti e B. Mora Serrano (eds.), Identidades t-nicas-identidades polticas en el mundo prerro-mano hispano, pp. 32-62. Mlaga, CEDMA.

    Niculescu, G.A. (1997-1998): The material dimension of ethnicity, New Europe College Yearbook 1997-1998, pp. 203-262.

    Nordman, D. (2005): Identidades territoriales, en P. Boissinot e P. Rouillard (coords.), Lire les territoires des socits anciennes. Dossier des Mlanges de la Casa Velzquez, Nouvelle srie 35(2), pp. 147-157.

    Potolsky, M. (2006): Mimesis. London, New York, Routledge.

    Powell, J.E. (1938): A Lexicon to Herodotus. Cam-bridge, C.U.P.

    Ruby, P. (2006): Peuples, fictions? Ethnicit, identit ethnique et socits anciennes. Revue des tudes Anciennes 108 (1): 25-60.

    Sanmartn, J. (1994): Toponimia y antroponimia: Fuen-tes para el estudio de la cultura pnica en Espaa, en A. Gonzlez Blanco; J.L. Cunchillos Ilarri e M. Molina Matos (coords.), El mundo pnico. Histo-ria, sociedad y cultura, pp. 227-247. Murcia, Edi-tora Regional de Murcia.

    Soares, C. (2003): A Morte em Herdoto. Valores uni-versais e particularismos tnicos. Lisboa, Funda-o Calouste Gulbenkian.

    Sousa, R. e Santos, A.S. (2010): A incidncia do An-ticastelhanismo na Literatura Portuguesa. Letras Comvida 1: 141-154.

    Tern, E. (2002): La etnicidad y sus formas: aproxi-macin a un modelo complejo de pertenencia t-nica. Papers 66: 45-57.

    Twiesselmann, F. (1971): La mthodologie du mtis-sage. Bulletins et mmoires de la Socit dAnthro-pologie de Paris, XIIe Srie 7(2): 145-157.