AFRICANOS NO BRASIL, BRASILEIROS NA ÁFRICA: A TRAJETÓRIA ...

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1 AFRICANOS NO BRASIL, BRASILEIROS NA ÁFRICA: A TRAJETÓRIA DOS AFRICANOS QUE VOLTARAM À ÁFRICA Autor: Raimundo Cerqueira Santos* Universidade do Estado da Bahia** Resumo: Este trabalho objetiva discutir a trajetória dos afro-brasileiros e africanos libertos e alforriados, e seus descendentes à África, suas travessias do Atlântico para o Brasil, bem como suas identidades entre culturas diferentes. Compreender a história de países africanos, principalmente os que forneceram e acolheram os afro-brasileiros que retornaram à África, sua interrelação na construção destas identidades é um dos objetivos deste trabalho. Este trabalho, também objetiva compreender a relação social entre a africanos e afro brasileiros e colonizadores africanos a partir de análise historiográfica. Sabe-se que os “retornados” criaram comunidades que se destacaram, a exemplo dos “Tabons” e “Agudás”, nos países hoje denominados Togo, Benin, Gana e Nigéria. Um dos motivos mais impactantes que causaram o retorno dos africanos libertos à África, foram as leis de nº 9 de 13 de maio de 1835 e a de nº 14 de 2 de junho do mesmo ano. Elas foram criadas com o intuito de criar dificuldades para a permanência de africanos no país, e regulamentava a deportação destes. Na Costa Ocidental, no período em questão, os retornados tornaram-se excelentes profissionais, a exemplo de pedreiros, carpinteiros, alfaiates e grandes comerciantes. As diferenças culturais entre os retornados e os nativos, é que os primeiros queriam serem vistos como brasileiros, no caso, Agudás e Tabom e não como iorubás ou qualquer outra etnia. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com base em revisão bibliográfica e documentos existentes no Arquivo Público do estado da Bahia. Palavras chave: Retornados; África; Escravidão; Escravos; Libertos. INTRODUÇÃO O Brasil que recebeu africanos, de uma forma perversa como escravizados desde o período colonial, vieram para trabalharem na plantação da cana e produção do açúcar. No início do século XIX, grupos de afrodescendentes libertos, forros e deportados por motivos de

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AFRICANOS NO BRASIL, BRASILEIROS NA ÁFRICA: A TRAJETÓRIA DOS

AFRICANOS QUE VOLTARAM À ÁFRICA

Autor: Raimundo Cerqueira Santos*

Universidade do Estado da Bahia**

Resumo: Este trabalho objetiva discutir a trajetória dos afro-brasileiros e africanos libertos e

alforriados, e seus descendentes à África, suas travessias do Atlântico para o Brasil, bem como

suas identidades entre culturas diferentes. Compreender a história de países africanos,

principalmente os que forneceram e acolheram os afro-brasileiros que retornaram à África, sua

interrelação na construção destas identidades é um dos objetivos deste trabalho. Este trabalho,

também objetiva compreender a relação social entre a africanos e afro brasileiros e

colonizadores africanos a partir de análise historiográfica. Sabe-se que os “retornados” criaram

comunidades que se destacaram, a exemplo dos “Tabons” e “Agudás”, nos países hoje

denominados Togo, Benin, Gana e Nigéria. Um dos motivos mais impactantes que causaram o

retorno dos africanos libertos à África, foram as leis de nº 9 de 13 de maio de 1835 e a de nº 14

de 2 de junho do mesmo ano. Elas foram criadas com o intuito de criar dificuldades para a

permanência de africanos no país, e regulamentava a deportação destes. Na Costa Ocidental,

no período em questão, os retornados tornaram-se excelentes profissionais, a exemplo de

pedreiros, carpinteiros, alfaiates e grandes comerciantes. As diferenças culturais entre os

retornados e os nativos, é que os primeiros queriam serem vistos como brasileiros, no caso,

Agudás e Tabom e não como iorubás ou qualquer outra etnia. Trata-se de uma pesquisa

bibliográfica com base em revisão bibliográfica e documentos existentes no Arquivo Público

do estado da Bahia.

Palavras chave: Retornados; África; Escravidão; Escravos; Libertos.

INTRODUÇÃO

O Brasil que recebeu africanos, de uma forma perversa como escravizados desde o

período colonial, vieram para trabalharem na plantação da cana e produção do açúcar. No início

do século XIX, grupos de afrodescendentes libertos, forros e deportados por motivos de

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envolvimentos políticos ou por vontade própria, retornam à África, partindo do desejo de rever

as terras de suas origens e alguns dos seus antepassados AMOS (2007). Estando lá, criaram

comunidades que se destacaram como os “Tabons” e “Agudás” foram para as regiões que hoje

se denominam de Togo, Benin, Gana e Nigéria. O nosso recorte será direcionado para essas

regiões que hoje são esses citados países.

A viagem para a América portuguesa foi regada a sofrimento e muita dor, muitos dos

negros escravizados não chegavam ao Brasil com vida. Durante a viagem de travessia pelo

Atlântico, inúmeros negros africanos eram acometidos por várias doenças, devido as condições

precárias de suas acomodações. Dentro dos navios, os africanos mais inconformados com o

destino desconhecido, eram surrados em meio aos outros, alguns até a morte para servir de

exemplo aos mais rebeldes. Sendo que muitos eram surrados até a morte AMOS (2007).

No século XIX no Brasil, os escravos que possuíam um ofício, podiam trabalhar, ganhar

dinheiro e guardar parte para comprar sua alforria e mais algum tempo para pagar sua viagem

e dos familiares, retornando para a África. Entre os escravos libertos brasileiros que rumaram

para a África, havia pedreiros, mestre de obra carpinteiros, alfaiates, ferreiros, agricultores e

outros profissionais. Em Togo há famílias de Agudás que se tornaram poderosas, o baiano

Francisco Felix de Souza, filho de português com escrava, que se fixou no Benin para se tornar

um traficante negreiro, ganhou o título de Chachá e o direito de monopolizar de escravos e

outras mercadorias. Os escravizados no Brasil eram utilizados como mão-de-obra e além disso

representava riqueza, era uma mercadoria que poderia ser vendida, alugada, doada e leiloada.

Era visto como símbolo do poder e prestígio dos senhores na sociedade colonial.

No início do século XIX, houve o movimento antiescravista e a Inglaterra desenvolveu

uma violenta ação contra o tráfico de escravo que determinou sua interdição com navios

ingleses perseguindo duramente os negreiros. Motivos pelo qual os grandes grupos industriais

estavam ganhando importância na política e interessava ampliar o mercado consumidor.

Durante o período das revoltas no Brasil, a população negra livre, muitos escravos libertos

eram induzidos a retornar a África, que incluía muçulmanos pertencentes aos grupos étnicos

Auçá, Nupé e Coniurí. Eles tinham vindo da região do Sudão Central. Após a revolta dos Malês

em 1835, houve deportação massiva de libertos como ameaça â população branca. Quando os

afro-brasileiros chegaram em Acra, estavam influenciados e organizados pelos grupos

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estrangeiros, principalmente dos holandeses por volta de 1829 AMOS, (2007) chega a citar que

o segundo grupo de afro-brasileiros que chegou em Acra por volta de 1836 que inclui 200 entre

mulheres e crianças.

A historiadora VIOTT (1998 p.21), cita que em novembro de 1826, foi feito um tratado

entre a Inglaterra e o Império, este se comprometia a restringir e a suprimi-lo em 1830 o tráfico

de escravos. Em 1831, foi ele interdito, impondo-se aos traficantes severas penalidades e

consideravam libertos os negros que entrassem no país a partir de então. A consciência que

autoridades locais revelam, ter desta natureza das revoltas malês como uma luta de diferenças

que se constrói em torno de negros africanos, pois resolvem deportar os detidos para a África

e ainda incentivar a partida de outros africanos libertos que desejassem retornar às terras

africanas BARROS (2009 p.186).

Para retornar à África não foi tão fácil como imaginamos, foram encontrados vários

obstáculos que causaram vários transtornos. Como exemplo alguns deles tinham medo de serem

ré-escravizados se entrassem pelo interior, embora que as melhores oportunidades ocorriam nas

cidades costeiras perto do mar AMOS, (2007). A distinção entre os retornados e os demais

africanos, terem sidos os primeiros moradores a introduzirem a cultura europeia ao retornar

para a África, levavam consigo os costumes e saberes assimilados com os portugueses, no

Brasil. Os retornados à África, desembarcaram na região do Golfo do Benin, onde hoje se

denomina de Benim, Nigéria, Togo e Gana. Alguns foram deportados do Brasil, depois da

Revoltas dos Malês na Bahia em 1835, outros retornaram por conta própria FIGUEREDO,

(2009)

A contribuição dos negros africanos na Costa da África nas artes, culinária, língua e a

sua importância na cultura brasileira. Para VERGER (2002), os brasileiros que voltavam à

região da África Ocidental provocavam sentimentos hostis da população local, porque se

consideravam diferentes e superiores aos que que lá permaneceram. Por outro lado, foi um

apego aos costumes e hábitos adquiridos no Brasil que eles fizeram questão de manter quando

de volta à costa africana. Circulavam bastante pelas regiões da Nigéria, Benin e Togo.

Aprendiam várias línguas a fim de poder se comunicar com os diferentes colonizadores

implantados na região e com várias etnias africanas FIGUEREDO (2009).

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OS LIBERTOS NO BRASIL

Quem eram os libertos no Brasil? Em Pernambuco, no século XIX, nas plantações de

cana, a proporção de pessoas livres era de três escravos para cada livre em média. Na Bahia na

mesma época haviam em média quatro escravos para cada livre, CUNHA, 2012, com notas de

EISENBERG (1977). Para os libertos, qualquer que seja sua fortuna, apenas podia votar nas

eleições primárias. Não podia ser delegado de polícia, jurado, juiz de paz, nem deputado ou

senador. Poderia ingressar na Marinha ou Exército, mas sem acesso ao oficialato, isso se fosse

nascido no Brasil. Os africanos libertos não gozavam de garantias de estrangeiros protegidos

por seu país de origem, era explicitamente enunciado durante o combate aos sediciosos. Para

Hobbes, é consequência do Estado de natureza, faz parte das disposições naturais do homem.

Para ele a escravidão é parte inalienável do poder e justifica, se dá em termos políticos e não

raciais.

A Revolução haitiana (1791-1804) também teve reflexo no Brasil quando em 1835, os

escravos africanos organizaram uma rebelião na Bahia, a Revolta dos Malês. Os ideais da

Revolução Francesa foi um dos fatores de grande repercussão mundial e gerador de várias

mudanças sociais, exercendo grandes influencias sobre a liberdade e o respeito dos direitos

humanos em todo o mundo KLEIN, (1987 p. 106). A rebelião no Haiti em 1791, dois anos

depois da Revolução Francesa, que resultou no final com abolição da escravatura.

Durante o período das revoltas no Brasil, a população negra livre, muitos escravos

libertos eram induzidos a retornar a África, que incluía muçulmanos pertencentes aos grupos

étnicos Auçá, Nupé e Coniurí. Eles tinham vindo da região do Sudão Central. Após a revolta

dos Malês em 1835, houve deportação massiva de libertos como ameaça â população branca.

Quando os afro-brasileiros chegaram em Acra, estavam influenciados e organizados pelos

grupos estrangeiros, principalmente dos holandeses por volta de 1829 AMOS, (2007) chega a

citar que o segundo grupo de afro-brasileiros que chegou em Acra por volta de 1836 que inclui

200 entre mulheres e crianças.

No século XIX, no Brasil, os escravos que possuíam um ofício, podiam trabalhar,

ganhar dinheiro e guardar parte para comprar sua alforria e mais algum tempo para pagar sua

viagem e dos familiares, retornando para a África. Entre os escravos libertos brasileiros que

rumaram para a África, havia pedreiros, mestre de obra carpinteiros, alfaiates, ferreiros,

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agricultores e outros profissionais. Em Togo há famílias de Agudás que se tornaram poderosas,

o baiano Francisco Felix de Souza, filho de português com escrava, que se fixou no Benin para

se tornar um traficante negreiro, ganhou o título de Chachá e o direito de monopolizar de

escravos e outras mercadorias.

ORÍGENS DE ALGUNS AFRICANOS

Discutir sobre as origens dos africanos na África, suas travessias, no atlântico para o

Brasil, identidade cultural entre culturas diferentes, tanto no que abrange a sua individualidade,

quanto a sua posição no âmbito social e coletivo, pesquisar sobre a cultura afro-brasileira nas

mais variadas manifestações. Compreender a história de países africanos, principalmente os

países que acolheram os afro-brasileiros que retornaram à África, sua interrelação na construção

de identidades afro-brasileiras. Com objetivo específico de identificar a origem dos grupos

africanos que vieram para o Brasil e retornaram para a África, perceber os diferentes tipos de

religiões, costumes e línguas. Constatar as diferenças de vida entre afro-brasileiros e negros do

continente africanos.

Os locais de origens dos escravizados foi mencionado por (VERGER,1996), que

segundo ele foram divididos em quatro ciclos. O primeiro ciclo da Guiné no século XVI;

Segundo ciclo a rota de Angola e Congo no século XVII; O ciclo da Costa da Mina no século

XVIII e o quarto ciclo do Benin no século XIX, entre 1770 e 1850 que inclui o período do

tráfico de escravo clandestino entre Benin e a Baia de Todos os Santos. A maioria dos Iorubás

viviam em grande parte no sudoeste da Nigéria, também há comunidades significativas no

Benin e Gana. Os Iorubás o principal grupo étnico de Lagos, milhares de Iorubás foram

escravizados que desembarcaram no Brasil. A partir do século XVI, havia quatro rotas da

escravidão do continente africano para o Brasil, Rota de Guiné, Rota da Mina, Rota de Angola

e Rota de Moçambique. Na Rota de Guiné no século XVI que foi a principal núcleo de obtenção

de africanos para serem escravizados pelos portugueses.

Vários grupos étnicos que viviam na região do antigo reino do Daomé, na atual

República do Benin e a maior parte da Nigéria de hoje. Grupos étnicos chamados nagôs na

Bahia citados por REIS (2003 p.308). Com isso, o novo perfil étnico dos africanos na Bahia

refletiu decisivamente sobre o resumo da rebelião de 1835. Segundo o Conde da Ponte, os

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escravizados pertenciam as nações mais guerreira da Costa Leste, traziam a tradição militar do

Império òyá ou experiência de oposição e resistência REIS, (2003) também observa que nas

participações das revoltas, a maioria eram de origem africana, crioulos e mulatos eram uma

minoria.

O reino de Gana formou-se no século III, viviam do comércio entre ganense e árabes.

Trocava-se ouro, nóz de cola por tecidos, cobre, sal, joias. Atingiu o apogeu entre os séculos

VII e XII. A revolta dos povos dominados, enfraqueceram o reino. Gana ficava na região oeste

da África, onde hoje é Mali e sul da Mauritânia, alcançou seu apogeu entre os séculos VII e XI,

com recursos como ouro e metais preciosos do território dominados pelo reino. Nio Imóle

CIVILIZAÇÕES AFRICANAS HISTÓRIA DO MUNDO (2015). Em 1076 KumbiSaleh, foi

tomada e saqueada pelas almorávidas. Um segundo saque ocorreu em 1203, que arruinaram o

reino de Gana que nunca mais conseguiu recuperar seu antigo poder. Um fato importante

ocorreu em 1856, um grupo de libertos, havia contratado uma viagem da Bahia até Lagos e

levados para Uidá, sua bagagem foi saqueada, os adultos foram executados e as crianças

escravizadas. O rei de Daomé alegou que os retornados eram originalmente de Abeokutá, uma

cidade inimiga.

O reino de Benin desenvolveu-se entre os séculos XII e XIII, habitados por povos edo,

se dividia em diversos minis estados que aos poucos foram fundidos. Viviam do comercio e no

século XV incluiu os europeus entre seus parceiros de negócios, fornecia escravos, tecidos,

marfim e pimenta. O reino foi desintegrado no fim do século XIX, pelos britânicos HISTÓRIA

DAS CAVERNAS AO TERCEIRO MILÊNIO (2018)

Em Salvador, em 1821, haveria 104.115 escravos negros homens, as mulheres seriam

55.890, em contrapartida, 25.393 homens negros eram livres (Libertos e ingênuos) para 26.150

mulheres negras livres M. GOULART (1949, p.144). Estipula em Salvador uma população de

65.000 pessoas em 1835, e estima-se que 42% era composta por escravos e o restante 58% de

libertos e livres. Os negros contabilizavam 71% da população e os brancos eram minoria racial

REIS, (1986). Na época, em 1835, o presidente da província na Bahia considerou que não sendo

os africanos libertos, nascidos no Brasil, e possuindo uma linguagem, costumes e religião,

diferentes dos brasileiros, jamais seriam considerados cidadãos brasileiros, para garantias da

constituição brasileira.

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Um dos motivos mais importante que causou o retorno dos africanos libertos a África,

foi a lei de nº 9 de 13 de maio de 1835 e a lei de nº 14 de 2 de junho do mesmo ano, a primeira

para dificultar a vida dos africanos e a outra que regulamentava a deportação de africanos

libertos que também estabelecia que todos libertos fossem suspeito ou não deveria deixar o país,

dependendo do governo negociasse um lugar na África para recebê-los Isso representava uma

deportação em massa REIS (2003 p.498). Nos testamentos analisados por Katia Mattoso, no

período de 1790 - 1826, sobre 75 testamentos que descrevem seus bens, 64 possuem escravos

e apenas 11 não possuem escravos. Em Salvador e zona rural da Bahia entre 1789 e 1822, 66%

para mulheres e 34 % para os homens, segundo CUNHA, (2012), p.63.

NA COSTA DA MINA

Conforme BARROS, (2009) existem etnias ditas africanas, que na verdade foram

identidades construídas posteriormente no nível transatlântico, significa construções brasileiras,

americanas de uma África imaginária. Como exemplo, identidade nagôs que não se viam como

nagôs no início da modernidade. No caso dos retornados a etnia e identidade o choque é duplo,

não há mais uma identificação com seu espaço de origem, apesar de carregar diversidades na

bagagem que TURNER (1995) chama de identificação conflitiva.

Uma coisa que chama à atenção, que todos os brasileiros em Lagos, pertenciam a

associações de ajuda mútua, em geral sob invocação religiosa, mas era tudo semelhantes às

egbés Iorubás, semelhantes às irmandades religiosas. As associações parecem ter sido os

verdadeiros instrumentos da solidariedade dos brasileiros. Em Lagos também levaram a cultura

brasileira como a burrinha, a festa do Bonfim, na culinária, as brasileiras vendiam mingau,

mungunzá, pirão de caranguejo, feijoada citado por CUNHA (2012).

As reinvindicações identitárias de um indivíduo podem ser ou não aceitas pelo grupo

que ele pretende representar. Quando há desacordo entre estas duas fontes de definição, a

dissonância cognitiva resultante pode conduzir ao que Gora designou como “O paradoxo da

identidade”. Pode ser encontrado nas situações migratórias quando a sociedade de acolhimento

continua a tratar como estrangeiros indivíduos que se consideram como assimilados e que seu

grupo de origem, não reconhecem como fazendo parte dos seus POUTIGNAT, STREIFF E

FENART, (1998.p.149).

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Com a relação à etnicidade, BARTH, (1998) cita que o grupo étnico consiste em uma

forma de organização social, cujo traço basilar é a auto atribuição ou a imputação por outros a

uma categoria étnica. Para BARTH, (1998), o grupo étnico é um conceito relacional, cuja

distinção só pode ser compreendida e analisada na interação com outro grupo. Dessa forma a

identidade étnica é tanto uma forma de estabelecer os limites entre os grupos, quanto um modo

de fortalecer os laços entre os indivíduos que integram um determinado grupo.

Consultando fontes primárias, fora encontrado liberação de passaporte para Rodrigo de

Oliveira, liberto de Nação nagô para Costa da África para tratar de negócios, natural da África

com 40 anos, solteiro, profissão: carregador em 17 de outubro de 1835. Emissão de passaporte

para Costa da África, Fortunato Jr. Da Cunha em 8 de Junho de 1841, 28 anos, cor preta, cabelos

crespos e olhos esfumaçados. Passaporte para Costa da África, o escravo Miguel. Pertencente

a Nicolau Regasso, o qual lhe concede três meses de licença e voltar em 14 de março de 1841.

(Para ser analisado essa licença)

Segundo Guran, o sobrenome Souza ainda significa, poder social no Benin. Em Aguê,

na mesma época, das noves casas comerciais existentes, seis eram de afro-brasileiros. Além de

grandes proprietários de imóveis, os afrodescendentes eram profissionais reconhecidos pelos

colonizadores franceses, como pedreiros, sapateiros, políticos de grandes influencias,

proprietários de jornais e gráficas AMOS, (2007). Na Costa Ocidental, onde hoje é parte de

Gana, chegaram os primeiros brasileiros retornados, eram traficantes de escravos, já

estabelecido em Acra, um deles era conhecido como Niga e era proprietário de uma grande casa

de negócio e tinha a proteção dos holandeses, isto em 1797. As diferenças culturais entre os

retornados e os nativos, é que os retornados comprovaram que os mesmos fossem vistos como

brasileiros. Agudás e Tabom e não como iorubá, fon, mahi ou outra etnia.

Por falar do Continente africano vale a pena lembrar dos países que acolheram os

afrodescendentes brasileiros que eram livres, libertos, forros e deportados que retornaram à

África. Os países citados como Gana com os “Tabons” (Togo, Benin, e Nigéria, com os

“Agudás”). Uma das razões principais dos retornados, foi a deportação de escravos libertos que

se tornaram revoltosos no Brasil, principalmente a Revolta dos Malês em 1835 REIS, (2003).

Esses países localizados na África Ocidental abrigaram e acolheram brasileiros, durante o

século XIX e até hoje existem essas comunidades, segundo GURAN (2000) da Universidade

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Fluminense que utilizou o laboratório de história oral e imagem da entidade para constituírem

um grupo social diferenciado.

As pessoas que vieram da África para o brasil, tinham um sonho de retornar um dia.

Sonhava em reencontrar sua comunidade imaginada. Mas não era isso que acontecia na

realidade. Ao retornar não conseguia retornar para a região de origem e reencontrar seus

antepassados, parentes e velhos amigos e quando conseguia voltar para região se batiam com

pessoas estranhas e se tornavam estrangeiros CUNHA (2012, p.137).

Na África, há mais diversidade do que outro continente. As diferenças genéticas entre

populações africanas são tão grandes, quanto em populações de continentes diferentes. Cabem

à África um papel especial na evolução humana de ter sido um reservatório de variabilidade

genética que a migração distribuiu nos outros continentes BARBUJANI, (2007.p.123 Foram

utilizados fontes primárias, como alvarás de concessão para navegar para a África a resgate de

escravos da costa da Mina, na série Judiciário, escravos de 1825 – 1887, Seção de arquivo

Colonial e provincial.

Para Vergê. Os brasileiros voltavam à região da África Ocidental provocavam

sentimentos hostís da população local por se considerarem diferentes e superiores aos que

permaneceram. Foi um apego aos costumes e hábitos adquiridos no Brasil, que eles fizeram

questão de ocultar quando da volta à África. Conforme BARROS, existem etnias ditas

africanas, mas que foram construídas identidades no nível posteriores transatlântico, significa

construções brasileira, americanas ou latino-americanas. Uma África imaginada, como

exemplo de identidade nagô que não se viam como nagôs na África no início da modernidade

(BARROS, 2009) para compra de sua alforria.

Entre os africanos que conseguiram liberta-se da escravidão, que teve uma ascensão

social, quem se destacou foi Luís Xavier de Jesus de nação jeje, viveu na Bahia durante trinta

anos em 1835, possuía propriedades no valor de mais de sessenta contos de reis. Em 1810,

conseguiu comprar a liberdade de Francisco Xavier de quem tomara o nome da família. P. 486.

O reino do Daomé enriqueceu através do comercio de escravos. BAY, (1998) coloca que a

escravidão foi uma bênção se comparado à vida no reino, nas palavras de observadores

europeus e americanos SILVA (2010). Para CUNHA (1985) quem “Os retornados” alcançaram

grande reputação na área da arquitetura, pois construíram grandes mesquitas e catedrais, seus

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sobrados construídos por brasileiros serviram de modelos, além de atestarem a fortuna de seus

proprietários OLIVEIRA (2013).

Na África, os negros não se viam como negros, negros foi de alguma forma uma

construção “branca”. Os povos africanos enxergavam a si mesmo como pertencentes a grupos

étnicos bem diferenciados BARROS (2009). Segundo Nina Rodrigues a insurreição de 24 de

janeiro de 1835, a nagô liberta Guilhermina, fez chegar ao conhecimento do juiz de paz e que

haveria uma grande sublevação de escravos. Assim foi iniciado a Revolta dos Malês

RODRIGUES (2010). Embora a África seja representada pelo imaginário da grande mídia

como sinônimo de guerras, fomes, corrupções e sem um futuro promissor. No caso dos

afrodescendentes brasileiros, tiveram ideias positivas e construíram juntamente com suas

famílias uma prosperidade, que somando suas culturas diversificadas com os africanos da Costa

Ocidental, principalmente religiões, sistema filosófico e suas multiplicidades de línguas, com

base no texto de LIMA, (2018).

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com baseamento em pesquisa científica que se

possibilita o aprofundamento do conhecimento do assunto como a narrativa da trajetória de um

povo de grande importância para o Brasil e o continente africano. Para BARROS E LEHFELD

(2000, P.70), a pesquisa bibliográfica pode colaborar com trabalhos científicos, com análises

críticas, novas interpretações em diversas áreas do conhecimento, o que possibilita informações

capaz de contestar, analisá-las, aprimorá-las ou formar novos conceitos. Pesquisa realizada da

coleção História geral da África por Ki – Zerbo e vários outros autores, Revisões bibliográficas

de vários autores historiógrafos de representações africanas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os retornados ao chegarem na Costa da África, conseguiram se fixar, se adaptar à

comunidade local, serem grandes profissionais, excelentes comerciantes, grandes líderes

políticos e econômicos que embora nem todos eles foram por vontade própria e sim por

deportação, mas conseguiram prosperar durante suas vidas. Apesar de ser considerados como

estrangeiros nas suas terras de origem eles continuaram a celebrar suas festas que tinham

hábitos aqui no Brasil. Uma das características dos retornados teria sido sua dedicação a dar

aos seus filhos uma educação possível, ou talvez a melhor.

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REFERÊNCIAS

APEB, Arquivo público do Estado da Bahia. Resgate de escravos de Costa da Mina, v 07 de 1756-

1787. Alvará de concessão para navegar.

APEB, Arquivo público do Estado da Bahia, Governo da província, Série: Judiciário, nº 2896.

Escravos (Assuntos), 1825 – 1887. Secção dede arquivo provincial e colonial.

APEB, Arquivo público do Estado da Bahia. Governo da província, Série: Judiciário, nº 2895-1.

Escravos (Assuntos), 1835 – 1886. Secção dede arquivo provincial e colonial.

AMOS, Alcione Meira. Os que voltaram: A história dos retornados afro-brasileiros na África

Ocidental no século XIX, Belo Horizonte: Tradição Planalto, 2007.

APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai. A África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro:

Contraponto, 1997. BARBUJANI, Guido. A Invenção das raças: Contexto. São Paulo-2007

BARROS, Aidil Jesus da Silveira; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos da

Metodologia Científica: Um guia para a iniciação científica. 2. ed. São Paulo: Makron Books,

2000.BARROS, José D´Assunção. A Construção Social da Cor. Petrópolis: Vozes, 2014

CUNHA, Manuela Carneiro, Negros estrangeiros: Os escravos libertos e sua volta à África. São

Paulo, Os brasileiros que retornaram Cadernos de Letras da UFF. Dossiê Dialógos Interamericanos nº

38 p. 51-70, 2009.

FIGUEREDO, Eurídice. Os brasileiros que retornaram. Cadernos de Letras da UFF. Dossiê

Dialógos Interamericanos nº 38 p. 51-70, 2009.

GURAN, Milton. Agudás - os “brasileiros” do Benin. 2000

KI-ZERBO, Joseph (org). História Geral da África, Vol. I - Metodologia e pré-história da África.

Brasília: UNESCO/ MEC, 2010, p. 59 - 76.

LIMA, Ivaldo Marciano. África Contemporâneo: representações, problemas e perspectivas.

Cadernos de África Contemporânea, vol. 1, n. 01,jan/jun.2018.

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