Pág. 24 UFRJ Jornal da Personalidade · 12 milhões são africanos; a cada ano, três milhões de...

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Gabinete do Reitor – Assessoria de Comunicação da UFRJ • Setor de Mídia Impressa – Ano 2 – nº 14 • Março de 2006 Pág. 24 Personalidade O deus e o diabo de Guimarães Rosa Jornal da UFRJ http://www.jornal.ufrj.br Marco Fernandes Pág. 16 O poeta seduziu, com simplicidade e elegância, a audiência que lotou o Auditório Roxinho do Centro Cultural Horácio Macedo, do CCMN, no campus da Ilha do Fundão. Com modéstia, Gullar afirmou ser “mais do não saber do que do saber”, mas, mesmo assim, acredita que o conhecimento é imprescindível. Também se disse condenado a reler tudo, como se nunca houvesse lido, como fora da primeira vez. Ao final, uma afirmação contundente: o homem, para Gullar, é uma criação de si mesmo, condenado a, permanentemente, se (re) inventar. Assim, por ser produto humano, o conhecimento está destinado a constantemente ser reelaborado. O debate acerca da política econômica será, segundo o entrevista- do dessa edição, Fernando Cardim, mais uma vez, rebaixado. Para o professor do Instituto de Economia da UFRJ, as possibilidades de que venhamos assistir, durante a campanha eleitoral para presidente que se aproxima, um “debate mais profundo e significativo” sobre o desen- volvimento do Brasil, “parece ter se estreitado bastante” depois da es- colha, pelo PSDB, de Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, como candidato à Presidência da República. Pág. 12 a 14 Economia sem horizontes Entrevista Fernando Cardim Ferreira Gullar Aula Magna “Não existem verdades indiscutíveis” Universidade Pág. 18 e 19 A proposta de Plano Qüinqüenal de Desenvolvi- mento Institucional da UFRJ (PDI) é lançado e abre oportunidade da comunidade universitária discutir como será a UFRJ nos próximos anos. PDI da UFRJ é lançado ao debate Pág. 22 A arte tecnocientífica é uma inevitabilidade da cul- tura midiática? Existem possibilidades de interação entre arte e ciência? O debate está lançado. Cultura As formas artísticas da tecnologia Governo francês tenta normatizar o ensino da dis- ciplina e abre polêmica com intelectuais, que lançam o manifesto Liberté pour l’histoire. I nternacional Pág. 4 Liberdade para a História Pág. 8 e 9 Nacional O silêncio que cala a pesquisa acadêmica Decreto sobre a abertura dos arquivos secretos da ditadura militar é debatido por cientistas sociais. Marco Fernandes jornal14UFRJ.indd 1 3/4/2006 11:48:32

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Gabinete do Reitor – Assessoria de Comunicação da UFRJ • Setor de Mídia Impressa – Ano 2 – nº 14 • Março de 2006

Pág. 24

Personalidade

O deus e o diabo de Guimarães RosaJornal da

UFRJhttp://www.jornal.ufrj.br

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O poeta seduziu, com simplicidade e elegância, a audiência que lotou o Auditório Roxinho do Centro Cultural Horácio Macedo, do CCMN, no campus da Ilha do Fundão.

Com modéstia, Gullar afi rmou ser “mais do não saber do que do saber”, mas, mesmo assim, acredita que o conhecimento é imprescindível. Também se disse condenado a reler tudo, como se nunca houvesse lido, como fora da primeira vez. Ao fi nal, uma afi rmação contundente: o homem, para Gullar, é uma criação de si mesmo, condenado a, permanentemente, se (re) inventar. Assim, por ser produto humano, o conhecimento está destinado a constantemente ser reelaborado.

O debate acerca da política econômica será, segundo o entrevista-do dessa edição, Fernando Cardim, mais uma vez, rebaixado. Para o professor do Instituto de Economia da UFRJ, as possibilidades de que venhamos assistir, durante a campanha eleitoral para presidente que se aproxima, um “debate mais profundo e signifi cativo” sobre o desen-volvimento do Brasil, “parece ter se estreitado bastante” depois da es-colha, pelo PSDB, de Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, como candidato à Presidência da República.

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Economiasemhorizontes

Entrevista

Fernando Cardim

Ferreira Gullar

Aula Magna

“Não existem verdades indiscutíveis”

Universidade

Pág. 18 e 19

A proposta de Plano Qüinqüenal de Desenvolvi-mento Institucional da UFRJ (PDI) é lançado e abre oportunidade da comunidade universitária discutir como será a UFRJ nos próximos anos.

PDI da UFRJ é lançado ao debate

Pág. 22

A arte tecnocientífi ca é uma inevitabilidade da cul-tura midiática? Existem possibilidades de interação entre arte e ciência? O debate está lançado.

Cultura

As formas artísticas da tecnologia

Governo francês tenta normatizar o ensino da dis-ciplina e abre polêmica com intelectuais, que lançam o manifesto Liberté pour l’histoire.

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Liberdade para a História

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Nacional

O silêncio que calaa pesquisa acadêmica

Decreto sobre a abertura dos arquivos secretos da ditadura militar é debatido por cientistas sociais.

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2 Março•2006UFRJJornal da

Reitor: Aloísio Teixeira – Vice-Reitor: Sylvia da Silveira Mello Vargas – Pró-Reitoria de Graduação – PR-1: José Roberto Meyer Fernandes - Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PR-2: José Luiz Fontes Monteiro – Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento – PR-3: Joel Regueira Teodósio – Pró-Reitoria de Pessoal – PR-4: Luiz Afonso Henriques Mariz – Pró-Reitoria de Extensão – PR-5: Laura Tavares Ribeiro Soares – Superintendente de Graduação SG-1: Deia Maria Ferreira dos Santos – Superintendente de Ensino SG-2: Leila Rodrigues da Silva – Superintendente Administrativa SG-2: Regina Dantas

– Superintendente SG-3: Almaísa Monteiro de Souza – Superintendente SG-4: Roberto Antônio Gambine Moreira – Superintendente SG-5: Isabel Cristina Azevedo – Superintendência Geral de Administração e

Finanças – SG-6: Milton Flores – Chefe de Gabinete: João Eduardo do Nascimento Fonseca – Forum de Ciência e Cultura: Carlos Antônio Kalil Tannus – Superintendente do FCC: Marcos Maldonado – Prefeitura Universitária: Hélio de Mattos Alves – Escritório Técnico da Universidade /ETU: Maria Angela Dias – Sistema de Bibliotecas e Informação/SiBI: Paula Maria Abrantes Cotta de Melo – Assessor de Comunicação: Fernando Pedro Pahl Campos Lopes

ExpedienteJORNAL DA UFRJ É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO SETOR DE MÍDIA IMPRESSA DA ASSESSORIA DE COMUNICA-ÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – Av. Brigadeiro Trompovsky, s/n. Prédio da Reitoria - Andar Térreo - Cidade Universitária - Ilha do Fundão - CEP 21941-590 - Rio de Janeiro - RJ – Telefones: (21) 2598 1621 – Fax: (021) 2598 1605 – [email protected] – Editor/Jornalista Responsável: Fortunato Mauro – Reg. 20732 MTb – Pauta: Fortunato Mauro e Francisco Conte – Editoria de arte/projeto gráfi co: José Antonio de Oliveira – Ilustração: Jefferson Nepomuceno – Reportagem: Coryntho Baldez, Geralda Alves (da Agência UFRJ), Joana Jahara, Rafaela Pereira e Rodrigo Ricardo – Estagiários de jornalismo ECO/UFRJ: Bruno Franco, Carlos Eduardo Cayres, Luciana Campos (do Olhar Virtual) – Estagiários de arte, ilustração e fotografi a: Anna Carolina Bayer, Patrícia Perez, Pina Brandi e Marco Fernandes (EBA/UFRJ) – Estagiária de revisão de texto: Daniele Robert (Faculdade de Letras/UFRJ) – Estagiário de web: Virgílio Fávero Neto (Instituto de Matemática/UFRJ) – Resenhas: Francisco Conte

Fotolito e Impressão – JORNAL DO COMMERCIO – 15 mil exemplares

Internacional

Bruno Franco

Notas

ilustração Jefferson Nepomuceno

Os dados sobre o continente africano disponibilizados por organismos in-ternacionais tais como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e o Programa das Nações Unidas para a Aids (Unaids), impressionam: a renda per capita é a mais baixa do pla-neta (650 dólares por habitante/ano); dos 18 milhões de refugiados registrados pela Organização das Nações Unidas, a ONU, 12 milhões são africanos; a cada ano, três milhões de africanos descobrem ser portadores do vírus HIV.

A África continua sendo a região com a mais alta taxa de mortalidade infantil do mundo, sinal exemplar, de acordo com a ONU, das dificuldades sócio-econômicas assim como da insufi ciente política de saúde pública.

De acordo com o professor Silvio de Almeida Carvalho, do Departamento de História do Instituto de Filosofi a e Ci-ências Sociais (IFCS/UFRJ), a crise eco-nômica africana se agravou a partir das décadas de 1970 e 1980. Após as lutas emancipatórias dos anos 1960, os estados subsaarianos, embora fossem pobres, não possuíam dívidas públicas elevadas. Os cultivos agrícolas tradicionais e a expan-são da atividade mineradora engendra-ram um ciclo de crescimento industrial sustentado de 7,2% ao ano.

Conforme explica Carvalho, a crise defl agrada nos anos 1980 teve quatro causas: a primeira seria o crescimento demográfi co que absorveu o excedente que seria destinado a investimentos. Em segundo lugar, “a crise do petróleo na dé-cada de 1970 - multiplicando seis vezes o preço desse combustível - deixou vários países subsaarianos em posição extrema-mente vulnerável. A Tanzânia, por exem-plo, gastava 60% de suas importações no pagamento do petróleo importado”, destaca o professor. Além disso, a cota-ção das commodities negociadas pelas nações africanas atingiu níveis desfavo-ráveis e o comércio internacional passou a privilegiar a troca de produtos indus-triais entre os países desenvolvidos. O quarto fator, explica Carvalho, seria “a questão da instabilidade e da corrupção política vigente nesses países”, que torna os mercados dessa região pouco atraentes aos investimentos estrangeiros.

Em 1991, a dívida externa da África subsaariana excedia o Produto Interno Bruto (PIB) da região. Seis anos mais tar-de, o montante perfazia 68% do total de riquezas produzido em todo o continente. Para Silvio Carvalho, a responsabilidade é

um continente à derivaCom os piores indicadores sócio-econômicos do

planeta, a África refl ete, em sua conjuntura atual, séculos de opressão estrangeira e décadas de

fracassadas políticas liberais

África,tanto de credores como de devedores. “Se a situação do endividamento africano é, também, a conseqüência de más adminis-trações locais, as potências hegemônicas toleraram e apoiaram governos corruptos por vários anos, por estarem ganhando com eles. Logo, os atuais países credores possuem alguma culpa pela atual situa-ção”, conclui o professor.

Herança MalditaAs difi culdades vividas pelo povo

africano não se devem apenas a alguns anos de conjunturas desfavoráveis e liberalismo equivocado, não obstante estas tenham agravado as mazelas pré-existentes.

Segundo Silvio de Almeida Carvalho, as elites locais herdaram maus exemplos do período colonial, exacerbando-os em muitos aspectos. “O Estado, tornando-se um botim sustentador de uma elite local sucedânea dos antigos colonizadores, mais que prestador de serviços públicos essenciais para as populações pobres, transformou-se, em grande parte, num órgão meramente cobrador de impostos, cujos frutos serviam para fornecer pro-ventos à elite governante”, argumenta o especialista.

As instituições democráticas não prosperaram, em um contexto no qual as relações entre sociedade civil e classe política se pauta pela corrupção e pela incerteza. O aparelho estatal aparenta ao povo ser irrelevante para a melhoria de suas condições de vida.

Líderes como Kenyatta (ex-presidente do Quênia) e Nyerere (ex-presidente da Tanzânia), “por mais que tenham tido ideais libertadores iniciais, tornaram-se prisioneiros de clãs corrompidos encas-toados nos aparelhos estatais”, analisa Carvalho.

Acrescente-se a isso, o fato de os dirigentes africanos terem herdado – além de “práticas estatais autoritárias e desigualitárias” – fronteiras nacionais em desacordo com a história do conti-nente. O desenho feito pelas potências européias dividiu etnias entre Estados diferentes e reuniu grupos étnicos rivais em um mesmo Estado. “Essas frontei-ras, não refl etindo as regiões naturais ou étnicas, tornaram-se, muitas vezes, porosas, favorecendo ao contrabando, já que, cortando antigas zonas de comércio regional, são freqüentemente ignoradas na vida quotidiana das populações”, explica o professor.

Na visão do especialista em História Africana do IFCS, a debilidade das ins-tituições públicas em muitos Estados do

Desde o começo do ano as biblio-tecas da UFRJ, que abrigam acervos raros, já contam com equipamentos de segurança e conservação. A aquisição resultou de uma parceria do Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI) com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Agora dotado com circuito-fechado de TV, desumidifi cadores, bancadas de higienização, purifi cadores, termo-higrômetros, sistemas antifurto e aspi-rador especial, o SiBI pode, segundo Rosane da Silva Wendling Apparicio, assessora de projetos, desenvolver várias iniciativas na área. “Nesse ano já apresentamos duas delas: uma para a Petrobras, que prevê a construção de um laboratório de restauração, e outra que foi apresentado à Caixa Econômica Federal, que leva em conta a compra de estantes deslizantes para a Coleção Anísio Teixeira, da Biblioteca do Cen-

tro de Filosofi a e Ciências Humanas (CFCH), para proteção da coleção con-tra furtos”, adianta a assessora.

As bibliotecas contempladas com os equipamentos são as da Faculdade de Direito, do Centro de Ciências Ma-temáticas e da Natureza (CCMN), do Centro de Ciências e da Saúde (CCS), da Faculdade de Farmácia, do Centro de Fi-losofi a e Ciências Humanas (CFCH), do Instituto de Filosofi a e Ciências Sociais (IFCS), da Escola de Música, da Facul-dade de Letras, do Centro de Tecnologia, Obras Raras, Pedro Calmon, do Museu Nacional, do Centro de Memória do Museu Nacional, do Instituto de Física, do Programa de Pós-graduação em An-tropologia Social (Museu Nacional), do Centro de Ciências Jurídicas e Econômi-cas (CCJE), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Escola de Belas Artes (EBA) e do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (IPUB).

Mais segurança e conservação dos acervos de obras raras

Rafaela Pereira

O SiBI promoveu, dia 14, no Fórum de Ciência e Cultura, em comemoração ao Dia do Bibliotecário (12 de março) um encontro com os funcionários juntamente com os estudantes da primeira turma do curso de Biblioteconomia e Gestão de Unidades de Informação da universidade, que começa no segundo semestre.

Terezinha Elizabeth da Silva, professora do Departamento de Ciência da In-formação, do curso de Biblioteconomia da Universidade Estadual de Londrina, foi convidada para proferir palestra sobre a imagem do bibliotecário nos fi lmes de Hollywood, trabalho que faz parte de pesquisa desenvolvida por ela, sobre as manifestações em torno do livro no cinema.

Terezinha exaltou os especialistas dizendo que “essa é uma data importante para um profi ssional que sempre foi desvalorizado no passado” e que, hoje, a profi ssão de bibliotecário é “considerada de futuro”.

Homenagem aos bibliotecários

A história de uma universidade se expressa em seus prédios, seus pro-fi ssionais – docentes, técnicos e ad-ministrativos –, seus estudantes e em suas bibliotecas. Foi pensando nisso que o Sistema de Bibliotecas e Infor-mação (SiBI) organizou o seminário As bibliotecas da UFRJ contam suas histórias, realizado dia 30 de março, no Fórum de Ciência e Cultura. Se-gundo o bibliotecário José Tavares da Silva Filho, coordenador do evento, apenas as bibliotecas mais antigas têm suas histórias lembradas: a Biblioteca Central, a da Faculdade de Medicina,

A história através das bibliotecasa da Escola Politécnica, a do IFCS e do Museu Nacional.

“Nosso objetivo é resgatar a memó-ria das bibliotecas da UFRJ. Nossas escolas possuem acervos muito va-liosos e, com isso, existe um trabalho também de muito valor dos nossos primeiros bibliotecários”, explica José Tavares. Assim, as ex-funcio-nárias das bibliotecas mais antigas da UFRJ vão contar histórias do tempo que trabalhavam na unidade, mostrando as difi culdades da época, as alegrias do serviço e os projetos desenvolvidos.

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Internacional

continente impede a elaboração de programas nacionais e/ou regionais de longo prazo, limitando estes países a planos de ação contingenciais. “Na verdade, não have-rá possibilidade de qualquer desenvolvimento social efi caz sem o pré-requisito da construção de sistemas políticos estáveis, democráticos e eqüitativos, assim como sólidas instituições da sociedade civil em vários Estados africanos”, afi rma Silvio Carvalho.

Liberalismo mal-sucedidoAs tentativas de solucionar a crise africana (mais

nítida ao sul do deserto do Saara) agravaram-na ain-da mais. Essa foi a contribuição do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao criar os Planos de Ajuste Estru-tural (PAE). Silvio de Almeida Carvalho acredita que os PAE tenham imposto ao continente uma agenda de percalços: “expansão do capital internacional sem limi-tes, privatizações, supressão de proteções aduaneiras, austeridade orçamentária como pré-requisitos para se alcançar o crescimento e para se lutar contra a pobreza”, exemplifi ca o professor.

O resultado da adoção de políticas liberais foi a re-dução de investimentos públicos em saúde, educação e infra-estrutura. Os efeitos são danosos, como é o caso da Nigéria, cujo salário mínimo perdeu 85% de seu poder aquisitivo ao longo da década de 1980. “Os PAE têm acentuado o empobrecimento africano”, resume Silvio Carvalho.

Outra iniciativa para reduzir a pobreza, e garantir um desenvolvimento sustentado no continente, é a Nepad (Nova Parceria para o Desenvolvimento da África, na tradução para a língua portuguesa). Articu-lado por governantes africanos e endossado pela OUA (Organização da Unidade Africana), “a Nepad assume a responsabilidade para criar as condições para o de-senvolvimento, pondo fi m aos confl itos locais e regio-nais, melhorando a administração pública dos Estados Africanos, aprofundando a integração entre as regiões”, explica o professor.

No entanto, na avaliação de Almeida Carvalho, o apoio dado pelo G8 (grupo dos setes países mais in-

dustrializados do mundo: Estados Unidos, Japão, Ale-manha, Reino Unido, França, Itália e Canadá, mais a Rússia) e instituições fi nanceiras, bem como a ausência de questionamentos ao modelo dos PAE torna o Nepad um alvo de críticas.

Combate à fomeA crença de organismos internacionais como o FMI

e o Banco Mundial é que reformas econômicas que dinamizem iniciativas privadas tragam em seu esteio melhorias sociais. No entanto, outras entidades como o Ipalac (International Programme on Arid Land Crops), sediado em Niamey, no Níger, preconizam que o comba-te à fome passa por uma revolução no sistema agrícola do continente, particularmente pelo uso judicioso de cultivos em terras áridas.

O projeto do Ipalac, Africa Market Garden, prevê ganhos em produtividade com a utilização de sistemas mais efi cientes de irrigação e com a adoção de culturas adequadas aos ecossistemas africanos.

De acordo com Silvio de Almeida Carvalho, a África precisa de uma mudança nas relações técnicas e sociais presentes em sua agricultura, que em nada se asseme-lhem à “Revolução Verde”, dos anos 1960 e 1970, que junto com o aumento da produção agrícola trouxe a dependência dos camponeses em relação aos insumos (fertilizantes, pesticidas) de empresas multinacionais e seu conseqüente endividamento.

É de uma agricultura ecológica, justa e solidária, que a África carece, acredita Carvalho, “pois a fome pode ser aliviada não somente por tecnologias agrícolas respei-tosas do meio-ambiente ou pelo aumento da produção de alimentos, mas também por uma redistribuição de renda que permita aos famintos produzir ou comprar os alimentos”, apregoa o professor.

O fl agelo da AidsEm um continente assolado por guerras, corrupção,

precariedade de serviços públicos, fome e desigual-dade, um drama se faz visível além dos demais. A pandemia de Aids.

Apesar da população equivaler, em 1998, a 13% da mundial, a África possui dois terços dos casos da doença em todo o mundo. m 2005, segundo a Unaids, enquanto em toda a América Latina havia um milhão de portadores do HIV, só na África Subsaariana existiam 25,8 milhões.

Doze milhões de crianças africanas se tornaram ór-fãs em decorrência da infecção de seus pais. No sul do continente a situação se agrava. Na Suazilândia, 38,8% de homens e mulheres em idade adulta estão infectados com o vírus HIV. Em Botswana, a porcentagem fi ca em 37,3%, e em Lesoto 28,9%.

Em meio a dados e prognósticos pessimistas, o caso ugandense surge como uma luz no fi m do túnel. O país - que era o mais afetado pela doença em toda a África, no começo dos anos 1990 – conseguiu baixar sua taxa de contágio a 4,1%, segundo estatísticas da ONU referentes ao ano de 2003. Concentrando esfor-ços em valores como abstinência, fi delidade e o uso de preservativos e utilizando a ajuda humanitária internacional de forma não-perdulária, o governo lo-cal conduziu, em tempo, uma campanha educacional bem-sucedida.

De acordo com Silvio Carvalho, o sucesso de Uganda em combater a expansão da Aids deve ser seguido por todos países africanos: “esses podem reduzir essa pandemia na medida em que tiverem ajuda internacional tanto fi nanceiramente quanto através do aporte de medicamentos e da formação de recursos humanos qualifi cados para tratar e prevenir a doença”.

Especialistas da Unaids acreditam que seja rela-tivamente barato reduzir os índices de infecção e citam como exemplo a desproporção entre a oferta de preservativos em locais pouco (4,6 preservativos por homem em idade adulta por ano) ou muito assolados pela doença (17 por ano). O custo para suprir esse dé-fi cit de 1,9 bilhão de preservativos seria de apenas 47 milhões de dólares.

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Bruno Franco

UniversidadeInternacional

ilustração Pina Brandi

Assinada por 19 renomados historiadores, o mani-festo é uma reação de setores da intelligentsia francesa contra leis aprovadas pelo Parlamento de seu país, que estipulam uma abordagem ofi cial a eventos do pas-sado. Na visão de intelectuais – Jean-Pierre Vernant, Jaccques Julliard, Marc Ferro e Pierre Vidal-Naquet, dentre outros – a intervenção política é indigna do regime democrático.

O texto publicado pelo Libération refere-se a quatro artigos de lei: a lei de 13 de julho de 1990 – conhecida como lei Gayssot – que visa reprimir todo ato racista, anti-semita ou xenófobo; a lei de 29 de janeiro de 2001, que reconhece o genocídio armênio (1915) como um crime contra a Humanidade; a lei de 21 de maio de 2001 – lei Taubira – que dá à escravidão o mesmo re-conhecimento concedido ao drama armênio e a lei de 23 de fevereiro de 2005, na qual, em seu artigo quarto, dispõe que “os programas escolares reconheçam em particular o papel positivo da presença francesa no ultramar, especialmente no norte da África”. Este úl-timo artigo foi retirado em 31 de janeiro de 2006 pelo Conselho Constitucional.

Conforme esclarece Andréa Daher, professora do De-partamento de História do Instituto de Filosofi a e Ciên-cias Sociais (IFCS/UFRJ), o manifesto dos historiadores visa à “supressão de artigos de lei que dizem respeito, por exemplo, a programas escolares e de pesquisa, ou seja, que defi nem a pauta da produção e da reprodução do conhecimento histórico, estabelecendo uma verdade reconhecida e afi rmada pelo Estado”.

De acordo a visão manifesta em Liberté pour l’histoire, a história “não é uma religião”, portanto, os historiadores “não aceitam dogmas, proibições, não conhecem tabus”. Para os signatários (no começo de janeiro, mais de 400 adesões tinham sido registradas), o “historiador não tem o papel de exaltar ou condenar, ele expica. A História não é escrava da atualidade”.

Para o historiador René Rémond, presidente da Associação que leva o nome da petição, a história não deve ser objeto jurídico. Em entrevista à revista francesa L’Histoire, Rémond afi rma que “as memórias são plurais, fragmentadas, freqüentemente passionais e parciais. A história é crítica e laica: ela é o bem comum”.

“Não confundamos tudo”No dia 20 de dezembro, veio a resposta, com a pu-

blicação de Ne mélangeons pas tout (não confunda-mos tudo), assinada, em sua maioria, por intelectuais judeus, tais quais Serge Klarsfeld, Yves Ternon, Claude Lanzmann, Marc Lévy e Alain Jakubowicz, advogado da LICRA (Ligue Internationale Contre le Racisme et le Anti-Sémitisme) para a região de Rhône-alpes.

Para este segundo grupo de historiadores, apenas a lei de 23 de fevereiro de 2005 deveria ser revogada. Se-gundo Ternon, Liberté pour l’histoire fez “um amálgama contestável de textos completamente diferentes”. Para Laurent Leylekian, diretor da Federação euro-armenia-na, “negacionismo é um atentado direto à dignidade das vítimas”, e portanto, “não pertence ao campo do debate histórico”.

Ainda que Leylekian e seus colegas defendam as leis referentes à criminalização do anti-semitismo e da ne-gação do Holocausto, a petição veiculada no Libération fora assinada também por historiadores judeus, como Elisabeth Badinter e Pierre Vidal-Naquet.

Liberdade para a HistóriaCom este título, foi divulgada, dia 13 de dezembro de 2005, no jornal francês Libération, a petição

(manifesto) Liberté pour l’histoire, estopim de um rico debate sobre a tentativa do governo francês normatizar a discussão e o ensino de História

Não há verdades históricasPara Andréa Daher, dispositivos como a Lei Gays-

sot emitem verdades históricas a serem ofi cialmente admitidas, sob pena de sanção judicial. “Creio não ser esta uma maneira de se lutar contra o racismo, nem mesmo de se produzir memória ou lugar de memória”, complementa Daher.

Além disto, acredita a historiadora, o equívoco do anacronismo, pois a lei de maio de 2001 “qualifi ca o tráfi co negreiro como crime contra a humanidade, desde o século XV, quando esta noção não havia ainda sido sequer elaborada. Ou seja, aplica anacronicamente a nossa própria sensibilidade contemporânea a eventos de um passado desencarnado”, explica.

A noção de genocídio também, apenas seria fi xada juridicamente em 1945, sendo inapta para dar conta – segundo Daher – sobretudo do ponto de vista jurídico, dos episódios da segunda década do século XX envol-vendo o povo armênio. “Em suma, são essas defi nições aplicáveis a crimes de hoje, para punir criminosos de

hoje. Não há quem punir no passado e, muito menos, herança da culpa”, afi rma a professora.

Para Andréa Daher, o Estado francês erra ao legiferar sobre práticas e fenômenos históricos que não dizem respeito exclusivamente à França. “Contextualizados, atores e eventos funcionam e ganham sentido em uma grande máquina, para além dos Estados, em todo caso, para além de suas defi nições atuais”, conclui.

A escravidão atinge 30 milhões de pessoas no mun-do, segundo Daher e a “normatização de uma memória da culpa não muda e nem faz avançar o combate ne-cessário a esta prática”.

Andréa Daher acredita que o manifesto vem dizer, de fato, “que a verdade histórica é a pérola dos histo-riadores”, e que não compete aos legisladores dizer a história, sobretudo porque o fariam de modo parcial. Segundo Daher, mais doloroso para os historiadores, “não é, sem dúvida, o Estado enunciar a verdade ofi -cial, mas instituir meias-verdades, partindo ao meio a sua pérola”.

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UniversidadeNacional

Coryntho Baldezfotos Marco Fernandes

As peças, à primeira vista, não se encaixam. A maio-ria dos brasileiros (54%) quer “mudanças profundas” na política econômica em vigor e mais crescimento. Está lá na pesquisa CNI/Ibope, divulgada em 15 de mar-ço, sem grande alarido. Em 2005, a economia taxiou na pista, mas não levantou vôo: a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 2,3%, bem abaixo da média de 4,3% dos países latino-americanos, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal). Ainda assim, Lula recuperou seu prestígio junto à população e, hoje, seria reeleito presidente com folga, apontam os institutos de pesquisa, sem exceção.

Fatores complexos tornam insondáveis, muitas vezes, as sondagens de opinião pública. Ou exigem esforço de análise que extrapolam a soma numérica de vontades individuais. Um assessor mais astuto do presidente, ao analisar as pesquisas, talvez lhe cochichasse algo sobre o risco de o debate sobre o crescimento econômico – ou a falta dele – conta-minar a campanha eleitoral. Lula o rebateria com o argumento de que o tema sempre dividiu situação e oposição. E seria lembrado que, desta vez, é governo e responderá pelas escolhas que fez para conduzir a economia do país, similares às que criticava antes de se instalar no poder.

Mais do mesmoO diretor do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, João

Sabóia, se diz cético quanto a mudanças na economia pelo menos nos próximos quatro anos. “O quadro eleitoral aponta seja para a reeleição de Lula ou para a eleição do candidato do PSDB. Os outros candidatos não têm força para ganhar essa eleição. Assim, vejo um cenário de continuidade da atual política econômica

e do baixo crescimento do país, que deve continuar perdendo espaço na economia mundial”, afi rma o professor de Macroeconomia.

O que o espanta, na verdade, é que o governo atual está “felicíssimo” consigo mesmo e alardeia que “a infl ação está baixinha, a moeda brasileira está forte e o chamado risco Brasil nunca esteve tão baixo”. O governo está satisfeito com seus próprios resultados – completa – porque o combate à infl ação é “a meta da política econômica” e tal exclusivismo não permite maior ousadia. “Corremos o risco de continuar nessa lenga-lenga”, lamenta Sabóia.

O que fazer?Há espaço no Brasil – realça – para a adoção de uma

política que favoreça o crescimento econômico. “A moeda brasileira, por exemplo, não precisaria estar tão valorizada como está hoje e as condições são propícias para reduzir as taxas de juros”, observa. Essas medidas provocariam efeitos benéfi cos sobre as taxas de cres-cimento da economia. E com juros menores haveria, ainda, a possibilidade de reduzir os “megas” superávits fi scais que asfi xiam o orçamento. “Sobrariam recursos para o governo poder gastar um pouco mais, gerar mais empregos, sem sacrifi car o controle da infl ação”, destaca João Sabóia.

Para o professor, o resultado dessa política econô-mica se evidencia no baixo crescimento do país não apenas em relação à América Latina, mas ao mundo em geral. “E o Brasil, inclusive, não tem aproveitado a conjuntura internacional para crescer. O comércio mundial está bastante aquecido, puxado pela China, que há 20 anos apresenta crescimento perto de 10% ao ano”, analisa.

Embora crescimento não seja sinônimo de redistri-buição de renda, Sabóia considera que um ambiente de maior dinamismo econômico facilita, também, o combate à vergonhosa e renitente concentração de

Economia

Engrenagem emperradaCrescimento da economia em apenas 2,3% revela fracasso de

estratégia que se repete há mais de 10 anos

Ainda o país dos

contrastesA crônica tendência à concentração de renda e riqueza no Brasil parece ter se acelerado durante o governo Lula. A partir de 2003, além do aumento expressivo do hiato de crescimento do Brasil em relação a outros países, as evidências indicam – de acordo com Reinaldo Gonçalves – que aumentou o fosso entre a taxa de lucro do capital fi nanceiro e o salário do tra-balhador. Para comprovar a análise, o professor do IE/UFRJ lança mão dos números. “No governo FHC (1995-2002), por exemplo, a taxa média de lucro do capital fi nanceiro foi de 18,7%, enquanto a variação média anual do salário real foi de 0,7% nas regiões metropolitanas e de 0,5% no conjunto do país”, lembra. E nos dois primeiros anos do governo Lula (2003-04) – acrescenta – os dados disponíveis mostram que a taxa média de lucro do setor fi nanceiro foi de 22,1% e a variação média anual do salário real foi negativa nas regiões metropolitanas (-6,0%) e no conjunto do país (-3,8%).São dados que mostram que as políticas de redistribuição de renda atuais continuam deixando muito a desejar.

renda e riqueza brasileira. “O governo optou por fazer transferência direta de dinheiro através do programa bolsa-família”, diz. Mas há outras formas, como o Imposto Sobre Grandes Fortunas – “que é muito in-teressante” – e a valorização do Salário Mínimo. “O Salário Mínimo, embora continue baixinho, cresceu 40% em termos reais na última década, entre 1995 e 2005. É um mecanismo positivo para a transferência de renda no país, mas fi ca ao sabor de conjunturas político-eleitorais”, frisa.

Falta vontadeOutro professor do Instituto de Economia da UFRJ,

Reinaldo Gonçalves, também faz críticas ao que chama de falta de coragem e vontade do governo Lula para realizar “as mudanças estruturais necessárias e colocar o país em uma trajetória de desenvolvimento robusto e sustentável”.

O aumento da taxa de juro real e do diferencial en-tre as taxas de lucro do capital fi nanceiro e do capital produtivo, a queda do salário médio real, a elevação da taxa de desemprego e a queda da participação rela-tiva do salário na renda, segundo Reinaldo Gonçalves, apontam para uma única direção: maior concentração da riqueza e da renda.

“A taxa de lucro médio dos grandes bancos privados brasileiros tem sido cerca de três vezes maior que a média de lucro do capital produtivo. E essa diferença aumentou nos últimos 10 anos”, assinala Gonçalves. Também ao confrontar a evolução da renda do trabalho com a do capital, verifi ca que “ela perde para o capital produtivo e, principalmente, para o capital fi nanceiro, que vem avançando e consolidando o seu domínio desde 1995”.

Ele considera, ainda, que o contingenciamento do orçamento e as metas elevadas de superávits primários são camisas de força para o desenvolvimento brasileiro e agravam o atraso relativo do país.

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NacionalNacional

Dez anos de Internet comercial no Brasil

Rodrigo Ricardoimagens Zé Antonio

Para a professora de Comportamento do Consumi-dor, Letícia Casotti, do Instituto Coppead de Adminis-tração da UFRJ, “ocrescimento da Internet comercial tem sido bem menor do que o desejado, devido à brutal má distribuição de renda no país. Essa causa, aliada a outros problemas socioeconômicos, ainda impedem o acesso de grande parte dos brasileiros a essa tecnologia. Inicialmente, houve uma enorme expectativa que não se confi rmou. O resultado disso tudo é que as pessoas colocaram mais o pé no chão”, explica.

Para Raul Colcher, ex-vice-presidente do Centro para Facilitação de Negócios e Comércio Eletrônico da ONU (Cefact), em Genebra; professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e mestrando em Ciências da Computa-ção, na UFRJ, a Internet comercial trouxe implicações em diversas esferas. “As questões tecnológicas estão costuradas às decisões políticas, que por sua vez estão amarradas às econômicas, conduzindo a aldeia global às atuais derrubadas de barreiras para o comércio”, comenta o pesquisador. O desenvolvimento da rede propiciou o desenvolvimento de novas tecnologias, caso contrário, não se construiria o comércio interna-cional na complexidade como se apresenta hoje. As empresas que mais geram receita são as que se utilizam intensamente da Informática e da rede.

De fato, desde o ano de 1998, as instituições bancárias realizam transações pela Web. Além disso, os donos das maiores fortunas do mundo são justamente os empre-sários que investiram nesse segmento, como Bill Gates,

da Microsoft, e os fundadores da Google, Larry Page e Sergey Brin, que possuem uma fortu-

na avaliada em US$ 22 bilhões. Mas, segundo Letícia Casotti, não existe hegemonia absoluta no mundo dos negócios, assim como fórmulas e receitas prontas. “Hoje, diria que esses impérios estão ameaçados. Não diria o mesmo há dois anos,

mas são cenários que estão sempre sofrendo modificações. Apesar do poder desses gru-pos, torna-se impossí-vel controlar a concor-rência e outros fatores externos. A Apple, por exemplo, que estava apagada, conseguiu um

sucesso extraordinário com a marca Ipod. Já a Google, depois do episódio com a China, teve uma des-valorização de suas ações, pois se gerou a desconfi ança de que a empresa guarda informações dos usuários durante os seus acessos. Os líderes são sempre mais visados nessas guerras que existem tanto no mundo real como no virtual, apenas que

dentro do ramo tecnológico, há uma exigência maior de velocidade devido às inovações”, avalia Casotti.

Para Colcher, ao longo do tempo, a Internet vem to-mando diversas formas. Mesmo hoje ela não está estabi-lizada, continua em movimento. Há, por exemplo, uma convergência com a telefonia celular, também digital, que promete mudar, mais uma vez, o relacionamento com a rede e facilitar cada vez mais a conexão sem fi o (wireless).

O Brasil possui hoje cerca de 32 milhões de usuários com acesso à Internet, o que equivale a aproximadamente 17,5% da população segundo pesquisa do Ibope/NetRa-tings. Já o acesso com Banda Larga (conexão acima da velocidade padrão de modems analógicos) abrange apro-ximadamente seis milhões de internautas. Estatísticas essas que alguns consideram razoável, descontadas as difi culdades econômicas e sociais do país. “Se conside-rarmos o número de habitantes em nosso país, esses nú-meros ainda são pequenos. Agora, a Internet aumentou o poder de compra e pesquisa dos consumidores, que hoje tem a tendência de ser multicanal, aproveitando todos os meios disponíveis para adquirir os produtos desejados. Livros e CDs são os campeões de vendas, curiosamente, quando as livrarias atravessam ótimo momento. Excetuando casos como o Submarino, que existe apenas no plano virtual, as empresas que fazem mais sucesso são as que existem tanto na realidade e possuem suas páginas na rede. Isto acontece porque as regras ainda são falhas e o público procura quem passa uma imagem de confi ança” sublinha Casotti, ressaltando que as pessoas, após superarem a barreira da primeira encomenda, tornam-se fregueses habituais.

O volume do comércio eletrônico, pessoas conec-tadas, transação de dinheiro e até mesmo a geração de worms e trojans, (vírus espiões produzidos por hackers), conferem ao Brasil uma posição de destaque na América Latina. Por isso, o país tem participado ativamente nos debates acerca da regulamentação política da rede junto da Organização Mundial do Comércio (OMC) e outros organismos internacionais. Mas por se tratar de algo extraterritorial, os resultados são lentos.

“A discussão de regras e normas é importante, pois a Internet vem causando um deslocamento de poder mundial para autoridades anônimas, ligadas às em-presas”, explica Raul. Os espaços de liberdade da rede acabam, muitas vezes, ameaçados pelas tentativas de se coibir fraudes e piratarias.

A rede de infl uências

Para Ivan da Costa Marques, professor do Depar-tamento de Ciências da Computação do Instituto de Matemática da UFRJ, a penetração da Internet nas esferas econômicas causa mudanças no próprio com-portamento das pessoas.

No ciberespaço, os softwares estabelecem o que pode ou não ser feito. Os programas condicionam e regulam o movimento dos usuários, como se fossem corredores, paredes, portas, ruas e geram ambientes propícios ao comércio em geral. Às vezes o usuário é obrigado a dar informações (que pode funcionar como uma chave) para acessar um site. Diversas questões são levanta-das sobre o armazenamento de dados pelas empresas, como os números dos cartões de crédito, identidades, preferências pessoais dos consumidores e o uso feito

No dia 31 de maio de 1995, os brasileiros passaram a ter acesso à Internet comercial. Nessa data foi criado

o Comitê Gestor da Internet (www.cgi.br), entidade que coordena e integra todas as iniciativas de

serviços da rede no país. Dois anos após, cerca de 700 mil brasileiros já faziam a declaração do Imposto de

Renda pela rede, on-line. Começava, assim, uma nova experiência que ainda está longe de atingir a todos

contra ou a favor das privacidades indivi-duais.

O que seduz na rede é justamente a comodidade posta à disposição num mundo em que o tempo escas-seia. “Já se percebe a infl uência desses programas, ou novas leis, em nossas vidas. É preciso que os governos refl itam e discutam as regras impostas à Internet”, comenta Costa Marques.

Cronologia da Internetno Brasil

1988: a UFRJ, o Laboratório Nacional de Computação Cientí-fi ca (LNCC) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), se conectam à Bitnet, rede que permitia a troca de mensagens;

1989: é criada a Rede Nacional de Pesquisa (RNP) reunindo as universidades brasileiras; o Instituto Brasileiro de Análi-ses Sociais e Econômicas (Ibase) inaugura a rede Alternex, primeiro serviço internacional de correio eletrônico (e-mail) e de provimento de acesso fora do meio acadêmico (nascimento da Internet brasileira);

1991: surge o termo World Wide Web – www - (literalmente, “teia do tamanho do mundo”);

1992: a cobertura da Eco-92 é realizada via Internet;

1994: a Embratel inicia o serviço comercial de acesso à In-ternet;

1995: Jornal do Brasil, O Globo, O Estado de São Paulo e A Folha de São Paulo criam suas versões on-line; sites de busca, como Altavista, tornam-se populares;

1996: surgem os primeiros grandes provedores de acesso discado, como o Uol, o Bol, o Zaz e salas de bate-papo (chats); Gilberto Gil lança a canção Pela Internet;

1997: primeiros passos do comércio eletrônico no Brasil; foram registrados os primeiros casos de e-mails indesejados (spams);

1998: sites de notícias divulgam, em tempo real, a apuração das urnas que reelegeram Fernando Henrique Cardoso; surge o Zipmail, primeiro serviço de e-mail gratuito; a Jovem Pan inaugura a transmissão de rádio on-line;

1999: foram criados os sites Mercado Livre (compra e venda de produtos) e a loja virtual Submarino;

2000: crescem os provedores de acesso gratuito; a conexão de Banda Larga se populariza; o iMusica é a primeira loja brasileira de canções em MP3 (compressor de arquivos de áudio);

2001: a Uolsat disponibiliza a conexão de Banda Larga via satélite.

2002: comunicadores instantâneos como o Messenger, blogs e fotologs ganham popularidade;

2003: lançada a primeira versão do Skype (software capaz de fazer conexões de Voz Sobre Internet Protocol - VoIP);

2004: surge o site de comunicação e relacionamento virtual Orkut, cujos brasileiros se tornam maioria em pouco tempo;

2005: o número de internautas em todo o mundo ultrapassa a marca de um bilhão.

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A segunda edição do Fórum Mundial de Educação (FME), realizada em Nova Iguaçu, na Baixada Flumin-ense do Rio de Janeiro, foi encerrada no domingo, 26 de março, com a conferência Estado e Sociedade na construção de políticas públicas: por uma plataforma mundial de lutas pelo direito à Educação. Educadores e representantes de entidades que lutam por melhorias na Educação, de diferentes países da América Latina e África Central falaram, por pouco mais de duas horas, sobre os sistemas educacionais de cada região e da necessidade de se lutar por uma educação mundial menos excludente.

Representando o Brasil, Jussara Dutra, da Confeder-ação Nacional dos Trabalhadores em Educação(CNTE), Maria Ondime, da Central Única dos Trabalhadores(CUT) e Laura Tavares, pró-reitora de Extensão da UFRJ, que abriu a conferência e arrancou aplausos do público que lotava o ginásio do Serviço Social do Comércio (Sesc) de Nova Iguaçu. “A UFRJ esteve aqui, apresentando vários dos seus trabalhos. A presença de uma universi-dade pública nesse Fórum não é nenhum favor, é uma obrigação, é um dever da universidade pública estar aqui em Nova Iguaçu, divulgando o seu conhecimento”, disse ela.

Segundo Laura, a Educação não pode ser vista como uma mercadoria. “Nós não formamos capital humano e nem capital social, como gostam de dizer os organismos internacionais. Nós estamos aqui para formar gente, seres humanos”, afi rmou, lembrando que as universi-dades públicas ainda precisam ser reconstruídas e que o acesso a elas, como direito efetivo, ainda não existe. “Assumo aqui um compromisso de continuar lutando por vocês, pela universidade pública e pela América Latina”, concluiu a professora.

UFRJ no FórumNa Vila Olímpica da Escola Municipal Monteiro

Lobato, no Centro de Nova Iguaçu, foram expostos diversos trabalhos desenvolvidos pelas instituições de ensino inscritas no Fórum. A UFRJ expôs 15 pro-jetos: Cidades digitais: a construção de uma sociedade de informação democrática; Conexões dos saberes – diálogos entre a universidade e as comunidades populares; Programa de Alfabetização da UFRJ para jovens e adultos de espaços populares; Pré-vestibular

Fórum Mundial de Educação

UFRJ marca sua participação

Luciana Campos, do Olhar Virtual Comunitário; Projeto Vila Residencial; LipE/Minerva – Laboratório de Informática para Educação do Depar-tamento de Eletrônica da Escola Politécnica; LabLata; Papo Cabeça; Maria Black – música e conscientização; Bio Na Rua; Casa da Ciência – Centro Cultural da Ciên-cia e Tecnologia da UFRJ; Núcleo Interdisciplinar do UFRJMar; NCE – Tecnologia na Educação; Educação a Distância – o caminho para a interiorização do conheci-mento; Teorias sociais e produção do conhecimento; Água e cidadania – Ensino, Pesquisa e Extensão.

Segundo a avaliação dos comitês de organização e internacional, a presença da UFRJ, em Nova Iguaçu, foi marcante. Foi a maior participação de uma insti-tuição federal no evento, afi rmou a professora Laura Tavares.

Ausência dos estudantesO prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, lamentou

a ausência dos estudantes universitários no Fórum. “Vi por aqui, nestes últimos três dias, muitos educadores e pessoas do povo, mas faltou o estudante universitário”, disse ele. Na opinião do prefeito, a ausência dos estu-dantes está relacionada a crise política pela qual passa o país. Além disso, segundo Farias, não houve uma articulação por parte da própria Prefeitura para trazer os movimentos para dentro do Fórum.

“Não vivemos um momento político bom, o que ajuda a criar um sentimento de apatia em todos. Além disso, faltou articulação por nossa parte. Se tívessemos ligado para o movimentos estudantil, conversado di-retamente com ele, talvez ele estivesse aqui. Mas não tivemos tempo para fazer isso”, afi rmou Gustavo Petta, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), que foi o mediador da última conferência. Petta, disse que, embora ainda não tenha visto os números de quantos estudantes universitários haviam se inscrito no Fórum, houve sim, uma boa participação deles, reconhecida, inclusive, em vários debates que aconte-ceram no evento.

O presidente da UNE lembrou que é preciso lutar constantemente para ampliar a participação dos es-tudantes neste tipo evento. “É preciso ganhar mais pessoas para estar realmente discutindo os temas importantes abordados aqui. E eu tenho a certeza de que, os que vieram para cá, os poucos representantes estudantis, irão servir de estímulo para que no próximo Fórum haja maior participação dos universitários”, afi rmou Petta. Extensão da UFRJ: 15 projetos em exposição no FME

fotos Marco Fernandes

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8 Março•2006UFRJJornal da

Nacional

O silêncio que cala a pesquisa acadêmica

Rodrigo Ricardo

Quase trinta anos depois do término da ditadura, o acesso aos documentos produzidos pelo Estado, durante o regime militar, segue a lógica da distensão lenta, gradual e segura. Os arquivos mantidos como confi denciais vão, porém, além dos que documentam episódios do regime militar, apesar de serem esses os mais polêmicos. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, a expectativa pela abertura era enorme. Entretan-to, com a vigência do Decreto 4.533, de 27 de dezembro de 2002, criado ainda na gestão Fernando Henrique Cardoso, os prazos para a abertura de dados sigilosos foram alterados. Pela nova legislação, os documentos considerados ultra-secretos somente podem ser co-nhecidos daqui a meio século. Pior, esse período que pode ser estendido indefi nidamente.

Após a publicação da lei, foram lançadas inúme-ras campanhas pela sua revogação, e que, agora, devem ganhar mais fôlego após o exemplo dado pela Argentina: às vésperas do feriado que recor-da o golpe de Estado (1976/1983), o presidente

portenho, Nestor Kirchner, ampliou acesso aos arquivos das Forças Armadas e do Ministério da Defesa, lembrando, em seu discurso que ”o

povo está dizendo presente pelos que estão e pelos que não estão”.

Por aqui, a atual lei brasileira alterou o antigo Decreto 2.134/97, que regulamentava

o assunto, prevendo uma série de possibilidades. Entre elas, a de que todos os órgãos de posse de documentos classifi cados como sigilosos teriam que instituir comissão permanente de acesso.

De acordo com o diretor geral do Arquivo Nacio-nal, Jaime Antunes da Silva, havia na instituição os documentos da Divisão de Segurança e Informação (DSI) do Ministério da Justiça. Um material, até então, lacrado. “Quando saiu a nova determinação (o Decre-to 4.553/02), os prazos de sigilo dobraram e tivemos novamente que impedir o acesso a eles”.

Acordo e preservação de biografi as“A minha hipótese é de que isso fez parte de um

acordo político durante a transição. O documento pu-blicado no apagar das luzes do governo FHC surgiu, também, para encobrir a caixa-preta das privatizações,

que também levou o carimbo de ultra-secreto. Afi nal, não faltam suspeitas sobre essas transações que, ao

longe, parecem ter sido uma negociata. Du-rante dois anos, junto com diversas entida-

des e outros profi ssionais, tentamos revogar o decreto, mas não conseguimos”, lembra a diretora do Instituto de Filosofi a e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ), Jessie Jane, que analisa o fato como um retrocesso evidente.

A historiadora afi rma ainda que o autoritarismo es-tatal perdura e que temos, até hoje, um acesso bastante

ilustração Marco Fernandes

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Nacional

limitado a registros como os da Guerra do Contestado (1913/1916) – movimento social que teve lugar en-tre os estados de Santa Catarina e do Paraná, sendo sufocado pelo governo - e outras revoltas nacionais. “Certamente, algumas biografi as seriam maculadas. Mas isso não impossibilitou, por exemplo, linhas de estudo sobre o período dos anos de chumbo que já estão delineadas. Tam-bém não acredito que a abertura tenha impacto signifi cativo para as vítimas do regime. Seria de um primarismo imaginar que torturas tenham sido formalizadas em relatórios. O direito à memória é, porém, um dos direitos humanos fundamentais”.

Outros arquivos pelo mundoPara o coordenador do Programa de

Pós-graduação em História Social e membro do Grupo de Estudos sobre a Ditadura Militar do IFCS/UFRJ, Car-los Fico, sem documentos não há pesquisa, frisando que a questão, mais do que acadêmica, traz prejuízo para toda a sociedade. “Inúmeras pessoas e instituições estão envolvidas na luta para que tenhamos uma legislação adequada de acesso a documentos sigilosos. No caso da UFRJ, vários professores vêm se pronunciando nesse sentido em diversas ocasiões e instâncias. A atual legis-lação expressa a incapacidade da elite política brasileira de encarar o legado da repressão. Porém, o assunto dos arquivos merece tratamento profi ssional, devido à complexidade das áreas envolvidas como preservação da imagem, segredo de justiça e privacidade”.

Fico aponta que o problema não é exclusivo do Brasil. ”Nesse momento, historiadores norte-ame-ricanos estão lutando contra uma decisão do executivo daquele país que reclassifi cou documentos que já estavam liberados”. A diferença, segundo ele, é que nos EUA, “o di-retor do National Archives recebeu os historiadores e pôde tomar deci-sões. No caso brasileiro, a direção do Arquivo Nacional não tem poderes para decidir coisas assim”, destaca o pesquisador, que, atualmente, estuda os períodos de exceção da Argentina e do Brasil de um ponto de vista comparativo e a partir da perspectiva norte-america-na, através da documentação dos departamentos de Estado, Defesa e do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos. “A pesquisa no exterior também é difícil, havendo muitos documentos cujos prazos de classifi cação são constantemente renovados por

conta de supostos riscos para a segurança nacional. Na verdade, no mundo inteiro, ninguém sabe ao certo o que os governos escondem”.

Jaime Antunes pensa de maneira semelhante: “os militares brasileiros foram extremamente ciosos de suas missões, registrando tudo em documentos. Por isso, o país detém o maior acervo de informações sobre o período. No Chile não há mais documentos ofi ciais, todos foram destruídos e os únicos registros são de Or-ganizações Não Governamentais (ONG). No Paraguai, apenas o que está no Arquivo do Terror, que funciona junto a uma universidade. Já no Uruguai até hoje não se sabe onde estão os documentos, apesar dos avanços do presidente Tabaré Vasquez”.

Reparação“A reparação dos torturados políticos no Brasil é

uma história que ainda está por ser contada, já que as leis foram feitas basicamente para os que tiveram pro-blemas no trabalho ou foram demitidos”, analisa Ana Miranda, militante do movimento Tortura Nunca Mais. A entidade, que defende a completa abertura dos do-cumentos, estima que haja em torno de 50 mil pedidos de indenização ao Governo Federal. Somente no Rio de Janeiro, são aproximadamente 1.100 processos. Ana enfatiza que “na Comunidade Européia, os arquivos fi cam fechados por 30 anos no máximo. Aqui há casos que chegam a quase 150 anos, como se especula sobre a Guerra do Paraguai (1865/1870)”.

Carlos Fico acrescenta que não há nenhuma razão para que esses documentos continuem fechados: “isso se deve à perspectiva equivocada do Exército e do Ita-maraty”. Jaime Antunes destaca que o Arquivo Nacio-nal guarda documentos que remontam ao século XVI. Entretanto, explica que não tem como afi rmar se há efetivamente documentos inacessíveis em outros órgãos.

”Isso não é legalmente possível, pois a Lei de Arquivos é clara quando diz que nenhum documento pode ser retido ao acesso público por mais de 60 anos”.

Os arquivos abertos e os aguardadosAutora da Lei 2.027/92, que permitiu

o envio das fi chas e documentos elabo-rados pelo Departamento de Ordem e Política Social (Dops) para o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (Aperj), Heloneida Studart, deputada

estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT/RJ), pensa ser absolutamente insuportável que as pessoas não sai-bam ainda o que os órgãos de segurança diziam delas. ”Ainda vamos descobrir horrores sobre nós mesmos e muitos heróis de pés de barro irão cair dos seus pedestais. Por enquanto, a nossa democracia é frágil e ainda lhe falta plena musculatura para derrubar certos feudos reacionários”.

Sobre o excesso de cautela da admi-nistração Lula, a parlamentar pondera que “os governos não fazem o querem, mas o que podem dentro do capitalis-mo e dos pactos existentes”. Apesar disso, entende que houve certos avanços e critica a impunidade permitida pela Lei de Anistia.

Para Jessie Jane, o Aperj tem impor-tantes arquivos, principalmente sobre a polícia política, criada nos anos 20. “Na época de Getúlio havia esse instrumen-to. Mas com o golpe de 64, as polícias estaduais passaram a trabalhar como auxiliares. O comando era da força ar-mada, que se envolveu como instituição nesse processo. O que imaginamos é que existam documentos nos órgãos da

repressão do Exército, Marinha e Aeronáutica”.O mistério sugere que os documentos guardados são

extremamente reveladores. Contudo os pesquisadores ainda desconhecem o que eles efetivamente dizem. “Ninguém ainda viu o material produzido pelos centros de informação dos comandos militares. Eles podem ter informações extremamente importantes sobre, por exemplo, a Guerrilha do Araguaia – organizada pelo

Partido Comunista do Brasil – PcdoB – e dizimada entre 1972 e 1974”, explica Jaime Antunes.

Jessie aponta que, apesar das difi culdades dos mi-litares em admitirem sua participação institucional, “seria a chance de reverem o seu papel perante a nação. Os militares da ativa continuam guardiães de uma me-mória que não é deles. Os cadáveres sempre saem dos armários. Em algum momento, isto vai acontecer”.

Farsa documental?Por decisão presidencial, no ano passado, os docu-

mentos de órgãos de repressão que foram extintos e estavam guardados na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em Brasília, foram transferidos para o Arquivo Nacional. Nesse montante, três conjuntos se destacam. O primeiro refere-se ao Conselho de Segurança Nacional (CSN), que contém processos sobre cassações políticas. O segundo trata da Comissão Geral de Investigação (CGI), que guarda processos de enriquecimento ilícito em cerca de 1.200 caixas. Por último, o do extinto Serviço Nacional de Informação (SNI), que dirigia uma rede de

comunicação montada em todo o país, envolvendo as delegacias de ordem política e social dos estados.

“Essa remessa foi uma farsa. Tudo indica que os documentos que estão sendo transferidos são, em sua maioria, dossiês, que apenas costumam chamar a atenção dos próprios envolvidos e, por vezes, trazem curiosidades, como acusa-ções absurdas. É certo que o alcance

histórico de fontes desse tipo é menor”, denuncia o pesquisador Fico, observando que um estudo feito pela secretaria-geral do CSN sobre a implantação do Siste-ma CODI-DOI (Centro de Operações de Defesa Interna – Destacamento de Operações de Informações) traria informações muito mais signifi cativas do que as pre-sumíveis acusações levianas presentes nos inquéritos. “Parte desse acervo já é conhecido. No que se refere ao SNI, talvez esteja em jogo apenas a transferência da responsabilidade pela emissão das certidões que a ABIN já fazia (que passaria ao Arquivo Nacional)”.

Segundo Jaime Antunes, todos os documentos do SNI foram fotografados e catalogados em microfi chas entre o fi nal dos anos 1970 e o início dos anos 1980. “Fatos como esses levantam a suspeita da destruição de arquivos confi denciais. Não podemos afi rmar que houve essa eliminação quando fi zeram a microfi lma-gem, mas observamos que há dossiês que indicam, claramente, a presença de anexos que não conseguimos achar”, destaca o diretor geral do Arquivo Nacional.

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“Inúmeras pessoas e instituições estão

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sigilosos.”Carlos Fico

“A reparação dos torturados políticos no Brasil é uma história

que ainda está por ser contada.”Ana Miranda

“Quando saiu a nova determinação (o Decreto 4.553/02), os prazos de

sigilo dobraram e tivemos novamente que impedir o

acesso a eles”.Jaime Antines da Silva

Jessie Jane: Luta pela revogação do decreto 4533/02Heloneida Studart: “Muitos heróis de pés-de-barro irão cair de seus pedestais”.

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10 Março•2006UFRJJornal da

Biocombustível

Rodrigo Ricardoilustração Jefferson Nepomuceno

O quê amendoim, babaçu, dendê, sementes de giras-sol e mamona têm em comum? Errou quem pensou em alguma receita culinária. Os ingredientes são algumas das matérias-primas utilizadas para a obtenção de uma fonte de energia alternativa aos derivados do petróleo.Criado a partir dos grãos das chamadas oleaginosas, o biocombustível também pode derivar de resíduos indus-triais, escuma (nata) de esgoto, óleos usados em frituras etc. No país, as pesquisas sobre o tema estão a pleno va-por. Apenas no estado do Rio, são cerca de oito projetos. Menos poluente e fruto de uma tecnologia inovadora, o biodiesel reúne todas as condições para abastecer, daqui há algumas décadas, as frotas de ônibus, caminhões e veículos comerciais de carga leve (pick-ups, vans e

as sementes da independência energética

Nacional

kombis), além de barcos, trens, usinas termelétricas e tudo que se mova a partir do diesel. Ainda mais impor-tante é que essa matriz energética gera, atualmente, 65 mil postos de trabalho no campo, graças ao cultivo das plantações necessárias à fabricação do produto.

A Lei 11.097/05 traçou uma meta de longo prazo. Segundo a legislação, será possível adicionar 2% de biodiesel ao tradicional diesel, o que cria a expectativa de uma economia de 800 milhões de litros em três anos. A partir de 2008 esta medida torna-se obrigatória e em 2012 o percentual de mistura sobe para 5%. Hoje, o Brasil importa 30% do óleo diesel que consome, o que representa cerca de US$ 1,2 bilhões.

“Mesmo hoje se poderia usar apenas biodiesel. A questão é que ainda não há fábricas sufi cientes para produzir toda a demanda. Uma distribuidora, por exemplo, somente pode acrescentar 2% no combus-

tível. Mas o proprietário de uma frota de caminhões pode usar os 100%. Atualmente existem empresas autorizadas a utilizar muito mais que o estabeleci-do. A própria Agropalma, que é uma grande rede de transportes, já utiliza o biodiesel integralmente como combustível alternativo”, explica o mestre e doutor em Engenharia Química da UFRJ, Donato Aranda.

O Brasil comercializa anualmente cerca de 40 bi-lhões de litros de diesel por ano. Isso signifi ca que o consumo desse combustível é maior que o de gasolina, álcool ou gás natural.O motivo deve-se à rede nacional de transportes de cargas serem calcadas em caminhões. Países como os EUA possuem um consumo de diesel menor por terem uma malha ferroviária extensa. “Como nosso consumo é muito alto, é impossível abastecer o país de uma hora para a outra. Daí surgiram as metas de porcentagem”, destaca Donato.

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Nacional

Por enquanto, a produção brasileira de biodiesel está na casa dos 300 milhões de litros anuais. Já a euro-péia é de dois bilhões de litros por ano. De acordo com o engenheiro químico Luiz Guilherme da Costa Mar-ques, pesquisador do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig) do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), o Brasil, diferentemente da Europa, tem potencial para produzir biodiesel das mais diversas oleaginosas seguindo vocações regionais. “Este traba-lho de conhecimento das matérias-primas disponíveis no país (inclusive resíduos), suas melhores rotas e rendimentos é o principal objetivo de pesquisa hoje no Ivig. Podemos ir substituindo gradativamente o diesel fóssil por biodiesel a fi m de proporcionar as vantagens deste combustível renovável. Mas nossa capacidade de matéria-prima disponível somente atenderá a de-manda se incluirmos a soja neste início”.

Meio ambiente e saúdeHoje, quatro caminhões da Comlurb (Companhia

de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro) utilizam 5% de biodiesel, sendo que em metade deles utiliza-se de óleo de fritura e, na outra, o de soja. Há um ano, esses veículos trafegam no município carioca em coleta hos-pitalar, sendo monitorados por técnicos do Ivig/Coppe. O laboratório, pioneiro nessas pesquisas desde 1999, em parceria com a Secretaria Estadual de Ciência, Tec-nologia e Inovação (Secti), lançou o primeiro ônibus movido a biodiesel em linhas comerciais de transporte coletivo (janeiro de 2006). O equipamento percorre o itinerário da linha 121 (Central do Brasil/Copacabana) e está em fase de testes. Fará, segundo projeções, 60 mil quilômetros no ano com 5% de biodiesel. Quando o Brasil conseguir adotar esse número em toda a sua frota, a medida diminuirá substancialmente a emissão de toneladas de gases que agravam o efeito estufa so-bre o globo terrestre. Os benefícios são a redução em mil vezes a quantidade de enxofre liberada no ar; a geração de 50% menos de monóxido de carbono, de 60% menos de material particulado e 80% menos de hidrocarbonetos aromáticos para a atmosfera. Esses elementos são responsáveis por enfermidades como sinusite, bronquite, câncer etc. Segundo uma pesquisa para saber o impacto da adoção de 20% de biodiesel nos combustíveis das cidades do Rio e São Paulo, a medida signifi caria menos 500 mortes anuais e 1500 internações nas cidades por doenças respiratórias, provocando uma economia de gastos para o poder público.

Fase de transiçãoSobre a expectativa do governo estadual em sensibi-

lizar os empresários a aplicar o biodiesel em todos os ônibus do município até os Jogos Pan-americanos de 2007, o professor Donato – prêmio da Finep de Inovação Tecnológica – lembra que isso dependerá de acordos políticos e a viabilização de uma legislação específi ca. “Não dá para prever qual será o percentual usado nos ônibus até os jogos Pan-americanos. Dependerá de de-cisões que envolvam estado, município e União”.

O coordenador do Programa Riobiodiesel, subsecre-tário da Secti e pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), Eduardo Cavalcanti, lembra que o experimento terá que enfrentar a fase de transição até o mercado. “Os empresários vão precisar de incentivos para abraçar a novidade. É uma questão de sensibili-zação. Essa etapa vem sendo tratada através de uma política pública exclusiva. É bom lembrarmos do que aconteceu no caso do gás natural veicular (GNV). Com a redução do Imposto sobre a Propriedade de Veícu-los Automotores (IPVA), tornou-se comum à procura pelos kits de conversão. O álcool também tinha uma série de problemas, por conta de corrosão, inviabili-dade econômica e boicote, mas conseguimos mudar o cenário com a mistura dele à gasolina. É claro que existe a curva do aprendizado e vamos atravessá-la. Precisamos disso, porque alguns estudos apontam que o petróleo na Bacia de Campos acabará em 18 anos”. Eduardo Cavalcanti também lembra que na Europa, a indústria automobilística permite de 20% a 30% na mistura de biodiesel. “Aqui, as montadoras dizem que

ainda precisamos de mais testes. Daí a importância de assegurarmos a qualidade do produto, algo que é avalizado pela ANP”, analisa Cavalcanti, lembrando que a meta do Estado do Rio é produzir oito milhões de litros de biodiesel mensais em 2008.

Seguindo os passos do álcoolA anunciada independência do Brasil em relação

ao petróleo se deve aos 16 bilhões de litros de álcool, que deverão ser produzidos só este ano. Em relação ao diesel, de acordo com Donato, a auto-sufi ciência do Brasil será econômica, visto que ainda importamos o produto e continuaremos a fazer isso por um bom tempo. “O biodiesel é estratégico e surge para reduzir a quantidade de diesel puro que se consome. Paula-tinamente poderá ser aquilo que o álcool está sendo para a gasolina, trazendo mais autonomia energética. Já exportamos subprodutos do petróleo como a gasolina. Isso se deve ao álcool que acompanha (agora em 2O%) na composição de toda a gasolina do país. Com o diesel, isso ainda não acontece, mas a tendência é de acontecer o mesmo“, comenta o professor, autor da pesquisa que aproveita os resíduos da extração do óleo de dendê, soja e mamona na transformação de biodiesel.

Onde está o biocombustível?O biocombustível já é utilizado em várias partes do

território nacional. Nos municípios do Rio e de Cabo Frio, pode-se encontrá-lo em alguns postos de abaste-cimento, porém, todo o biodiesel comercializado vem de Belém (PA), produzido a partir do dendê. Outras unidades da federação, que produzem o biodiesel, já detêm maior vocação agrícola na área de oleaginosas

como é o caso de municípios do interior do estado de São Paulo, onde existem unidades industriais em funcionamento.

Processo de transformação e cheque para UFRJQualquer processo de biodiesel faz uso da chamada

matéria graxa, que são óleos vegetais, animais ou resí-duos e mais o álcool. O álcool pode ser tanto o da cana de açúcar (etanol) quanto o metanol, obtido através da madeira ou do gás natural. Além disso, precisa-se de catalisadores, que são agentes que aceleram a rea-ção entre o álcool e sua matéria graxa. Cada matéria graxa tem o seu catalisador específi co. “Usamos um catalisador à base de nióbio, que é produzido na cida-de de Araxá (MG). O Nióbio é um elemento químico e 90% desse material no mundo está no Brasil. Isso signifi ca que nós usamos catalisadores brasileiros, matéria prima nacional e tecnologia nacional, tudo isso desenvolvido numa universidade pública (UFRJ). Como os padrões do nosso produto estão a nível inter-nacional, nós já exportamos o biodiesel para a Suécia”, comemora Donato.

Ainda neste semestre, a UFRJ deverá receber da Agropalma (Companhia Agroindustrial do Pará) o primeiro cheque de royalties devido à produção de biodiesel com tecnologia licenciada pela UFRJ. O di-retor da empresa entregará ao reitor da universidade a quantia de 3% do faturamento bruto com o biodiesel. O valor que a UFRJ receberá será de 270 mil reais, pago em parcelas. “É um orgulho ver o fruto do meu trabalho, não apenas estampado no papel, mas virar um produto real: combustível, fábricas, empregos, renda”, conclui Donato.

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Coryntho Baldezfotos Marco Fernandes

EconomiaO

espírito de Margareth Thatcher, autora da célebre frase de que “não há alternativas” para a economia fora do fi gurino liberal, deverá prevalecer nas eleições presidenciais deste ano. A conclusão é do professor titular do Instituto de Economia da UFRJ (IE), Fernando Cardim, respeitado especialista em Macroeconomia. Ele acredita que a polarização entre Lula e Geraldo Alckmin estreita as possibilidades de um debate mais

profundo e signifi cativo em torno de estratégias de desenvolvimento.Em entrevista ao Jornal da UFRJ, após a Aula Inaugural do IE, dia 17 – Caminhos e

Descaminhos da Política Econômica no Brasil Contemporâneo – Fernando Cardim afi rma que a liberalização fi nanceira talvez tenha sido a razão principal da hegemonia do projeto liberal, a partir da década de 1970, e defende – ao contrário do “Banco Central de Lula” – o controle de capitais. Em relação ao crescimento medíocre do PIB em 2005, superior apenas ao do Haiti entre os países da América Latina e Caribe, alerta que o Brasil está perdendo a chance de aproveitar o momento internacional favorável às trocas comerciais. “Isso acabará em algum momento e fi caremos a ver navios”, lamenta Cardim.

Jornal da UFRJ: Às vésperas de mais uma eleição presidencial, o debate acerca da política econômica tende a se intensifi car. Há algum projeto ou proposta original à vista ou os partidos políticos sucumbiram àquela célebre frase de Margareth Thatcher de que não há alternativas?Fernando Cardim: As perspectivas de que venhamos a ter um debate mais profundo e signifi cativo em tor-no de estratégias de retomada do desenvolvimento parecem ter se estreitado bastante depois da recen-te escolha por parte do PSDB pela candidatura do governador de São Paulo à presidência. O governo Lula evidentemente carece de qualquer defi nição es-tratégica, valendo-se mais de uma retórica, às vezes quase ininteligível, do que de defi nições claras. O que pensávamos ser uma tática eleitoral, que fi cou consa-grada pela expressão “Lulinha Paz e Amor”, mostrou ser, na verdade, a incapacidade de propor caminhos ao país que permitam pôr um fi m à seqüência de décadas perdidas que vivemos desde os anos 70 do século passado.

Jornal da UFRJ: O cenário, portanto, não é promissor?Fernando Cardim: O governo Fernando Henrique Cardoso parecia conformado, senão satisfeito, com a mediocridade dos resultados que alcançou, raciona-lizando sua impotência através de raciocínios mais elaborados a respeito das características de uma nova era, da modernidade etc. Em comum, o vazio de idéias, propostas e iniciativas. Havia uma expectativa de que uma eventual candidatura por parte de José Serra, dada sua formação como economista ligado à Cepal (Comis-são Econômica para a América Latina), suas críticas públicas às políticas adotadas pelo governo Cardoso, de que fez parte, é verdade, mas com reduzida ou ne-nhuma infl uência sobre a política econômica, poderia abrir novos horizontes de debate e novas escolhas. É preciso esperar para ver, mas uma polarização Lula x Alckmin parece pouco promissora. A probabilidade maior, neste ponto, é a de que o espírito de Thatcher, ao que tudo indica, deverá prevalecer, de modo que venhamos a ter um debate muito pobre, em que Lula se apóia na comparação entre seus resultados e os de Fernando Henrique, ao invés da comparação entre o

que prometia e o que efetivamente se tornou o seu governo, e seu principal adversário se veja levado a apoiar a mediocridade conservadora que foi o longo período de FHC.

Jornal da UFRJ: Por que a política macroeconômica liberal continua sendo vitoriosa na maior parte do mundo?Fernando Cardim: Este é um fenômeno complexo, com raízes objetivas e subjetivas. Há um fenômeno mais ou menos geral, desde os anos 70 e 80 que é a percepção de que o poder de intervenção política numa economia capitalista tem limites. É preciso lembrar que numa economia capitalista, o emprego, o crescimento econômico, o bem estar, portanto, depen-dem diretamente das decisões de empresários, e que esta é a regra do jogo, e que ela impõe limites ao grau de intervenção que se pode realisticamente almejar. O colapso das economias do tipo soviético mostrou que, pelo menos aquele tipo de arranjo alternativo, simplesmente não funcionou. Acabou sucumbindo ao peso da corrupção e da incompetência, para não falar do óbvio, a natureza totalitária desses regimes. Assim, a formulação de alternativas deve levar em conta a regra básica do jogo capitalista que é a prioridade do lucro das empresas.

Jornal da UFRJ: E que forças se movem nesse con-texto? Fernando Cardim: A social democracia tem se dado melhor neste contexto, apesar de seus próprios problemas, porque há muito tempo aceitou buscar mudanças sem mudar a natureza básica da sociedade capitalista. Mas o fato é que a confusão no meio da-queles que propõem transformações sociais reforçou o campo liberal, que se apóia em um princípio muito simples, o darwinismo social da sobrevivência do mais forte (ou mais poderoso). Mas não é apenas o problema ideológico que responde pela vitória das teses liberais. Há fatores objetivos também, e talvez o mais importante deles tenha sido o movimento de desregulação fi nanceira e liberalização de mo-vimentos de capitais que se iniciaram ao fi nal dos anos 1970.

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Fernando Cardim

A social democracia tem se dado melhor neste contexto, apesar de seus próprios

problemas, porque há muito

tempo aceitou buscar mudanças

sem mudar a natureza básica

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Jornal da UFRJ: E que chegou ao Brasil quando?Fernando Cardim: No Brasil, foi decisiva a abertura da conta de capitais, no governo FHC. Com a liberdade de saída e entrada de capitais que o Banco Central de FHC concedeu em 1996, os detentores de riqueza se libertaram da necessidade de acatar a vontade política da nação. Políticas que não agradem a esses segmen-tos simplesmente detonam saídas de capitais, crises cambiais, altas de juros, recessão etc. até que o gover-no se renda e reconheça sua impotência. Em 2002, o “mercado” mostrou sua capacidade de ação, levando à rendição de Lula antes mesmo dele ser eleito, for-çando-o a assinar sua famosa Carta aos Brasileiros, en-dereçada ao setor bancário. Não se trata, é importante frisar, de “demonizar” o setor fi nanceiro, um segmento empresarial como outro qualquer. Trata-se, sim, de mostrar que foram criadas condições políticas para o predomínio dos interesses desse segmento sobre todos os outros. É nesse sentido que muitos, e eu me incluo aqui, defendem a restauração de controles de capitais. Já o Banco Central de Lula, e não nos esqueçamos, este é o banco central de Lula, tem se movido na direção da intensifi cação da liberalização.

Jornal da UFRJ: Hoje, a guerra sangrenta entre PT e PSDB no espaço público em torno de denúncias de corrupção parece ser uma tentativa desesperada de diferenciação eleitoral de partidos que, na essência, já não são tão diferentes assim em suas políticas mais gerais, especialmente na área econômica. Na política econômica não se pode mesmo “fazer mágica”, como sustentou a equipe de Antônio Pallocci nesses últimos anos? Fernando Cardim: Tanto o PSDB, quanto o PT de Lula, se é que há algum outro, representam variantes de rendição. Devemos nos lembrar que, como o PT, o PSDB também se dizia uma alternativa de esquerda, ainda que mais ao centro, apropriando-se da expres-são “social democracia” e também se dizia ético. O governo FHC se iniciou, se alguém se lembra disso, com o escândalo Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), envolvendo um embaixador próximo a FHC que foi “punido” com um posto diplomático na Itália, para quem acha que FHC não era rigoroso no combate à corrupção. Do escândalo da reeleição nem é preciso falar muito, pois está na memória de todos. Já no governo do PT, pior que os casos de corrupção, me parece, foi, certamente, a admissão de Lula, depois repetida pelo então presidente da Câmara, hoje candi-dato a cassado, João Paulo Cunha, de que uma coisa você diz na oposição, outra você faz quando está no go-verno. Lula referiu-se às suas próprias palavras na sua encarnação como líder de oposição como “bravatas”. Nesse contexto, não surpreende nem o grau de hosti-lidade no enfrentamento dos dois partidos em torno de questões nem sempre relevantes, como o paradoxo do próprio posicionamento do PSDB com relação a Pallocci, por exemplo. Não se pode atacá-lo apenas porque suas políticas são idênticas às do PSDB, mas também porque o ministro reconhece isso em público. No fi nal, em termos de política econômica, parece se resumir ao contraste entre um FHC que racionalizava teoricamente sua incapacidade de propor mudanças e um Lula que, pelo menos em alguns momentos, la-menta as difi culdades intransponíveis em promover mudanças. No fi nal, o saldo é o mesmo.

Jornal da UFRJ: A expansão da economia brasileira, em 2005, fi cou aquém da média da América Latina. Parece que o governo Lula ainda não encontrou o rumo para fazer a economia crescer, mesmo em condições internacionais bem razoáveis nos dois últimos anos, segundo os especialistas. Por quê?Fernando Cardim: A razão não é muito complicada. Lembremo-nos que numa economia capitalista, o investimento, o crescimento, o emprego, dependem da expectativa que os empresários tenham de que, se aumentarem sua capacidade produtiva, encontrarão demanda para os bens que produzirem. No Brasil, a política econômica passou a ser defi nida pelo te-mor do aquecimento dos mercados. Para impedir o

superaquecimento, a política é a de manter sempre a economia fria. O princípio que parece reger a política econômica de Lula é o da mediocridade segura. Uma economia estagnada ajuda a manter a infl ação sob controle. Como o Banco Central domina a formulação de política, e se criou um regime de política monetária que absolve o banco de qualquer culpa pelos impactos estagnacionistas de suas decisões, o que se sinaliza aos setores produtivos é que não adianta se excitar e agir sob expectativas mais otimistas, porque se fi zerem assim o produto crescerá mais do que o banco consi-dera seguro e esse crescimento será reprimido, como ocorreu em 2005.

Jornal da UFRJ: E quais os efeitos disso?Fernando Cardim: Continuamos a viver o que é co-nhecido como stop-and-go e os mais nacionalistas preferem se referir ao vôo de galinha, em que as coisas nunca fi cam muito ruins, mas também não fi cam boas o sufi ciente para excitar o espírito empreendedor dos empresários. Com isso, perdemos a chance de aprovei-tar um dos mais propícios momentos internacionais, em que o comércio internacional cresce, os movimen-tos de capitais estão bem-comportados, os preços das mercadorias no mercado internacional estão elevados. Isso acabará em algum momento e teremos fi cado a ver navios e, o que é pior, ver esses navios sumirem no horizonte enquanto nós estamos aqui boiando.

Jornal da UFRJ: As previsões disponíveis apontam, tanto no sistema mundial de comércio como no siste-ma fi nanceiro internacional, uma tendência de desa-celeração. Ou seja, o Brasil deverá enfrentar maiores obstáculos na sua inserção econômica internacional. Isso vai signifi car, portanto, crescimento menor ainda, caso não haja mudança de rota na economia?Fernando Cardim: Uma desaceleração da economia mundial seria certamente um problema, porque fatores como, por exemplo, a alta de preços internacionais, que tem ajudado a amenizar os efeitos negativos dessa incrível política cambial praticada aqui nos últimos três anos, tenderiam a se deter ou mesmo reverter, pe-nalizando as exportações, que têm sido fundamentais para manter o piso de atividades no país. Mas é preciso esperar para ver se expectativas mais pessimistas real-mente se justifi cam. Há um fator novo na equação, que é a presença da China, que complica muito a previsão.

Jornal da UFRJ: O crescimento econômico, isolada-mente, parece sempre ser o divisor de águas entre go-verno e oposição, nos últimos dez anos. Essa discussão entre monetaristas e desenvolvimentistas em torno do crescimento não acaba empobrecendo o debate de al-ternativas que contribuam, de fato, para desconcentrar a renda e a riqueza no país?Fernando Cardim: É possível, mas é preciso tomar cui-dado com a alternativa discutir desconcentração sem crescimento. Não apenas se torna politicamente muito mais difícil, como também tende a levar a medidas de natureza mais assistencial ao invés de medidas efetivas de transformação social. O que é preciso é superar a dicotomia entre política econômica e política social, ao invés de tentar pensar a última independentemente da política econômica. É essa tentativa de dicotomizar que torna possível combinar políticas econômicas de natureza profundamente regressiva, como a política de juros estratosféricos, com políticas de assistência social, como as do governo Lula.

Jornal da UFRJ: Medidas como a taxação de grandes fortunas e uma reforma tributária progressiva seriam viáveis no Brasil? Fernando Cardim: Os estudantes franceses em maio de 1968 pichavam as paredes com a frase “seja realista, peça o impossível”. A priori nenhuma mudança jamais parece possível, porque é sempre fácil argumentar que o status quo se apóia no poder, que os interesses con-trários são muito fortes. É por isso mesmo que este é o status quo. A função da política é explorar possibili-dades e a dos partidos e grupos políticos interessados na transformação é a de propor mudanças. A única

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reger a política econômica de

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avaliação realista de viabilidade é aquela a posteriori. Quem se arriscaria a dizer, por exemplo, em 1988, que a União Soviética não duraria para sempre, ou que o Muro não cairia jamais? O que permitiu a Roosevelt promover reformas progressistas, inclusive a taxação progressiva, nos Estados Unidos?

Jornal da UFRJ: Por que tanto temor de enfrentar os interesses do sistema fi nanceiro no Brasil? A ameaça que o capital fi nanceiro faz de “quebrar” o Brasil caso seja contrariado é real ou jogo de cena?Fernando Cardim: Ela é real, mas não é uma conse-qüência inevitável da globalização, como na retórica de FHC, por exemplo, mas por causa de mudanças institucionais, como a liberalização dos movimentos de capitais. Por que não restauramos os controles de capitais? Não se pode subestimar os confl itos políticos que ocorreriam no caso de se tomar essa iniciativa, mas governar sem enfrentar confl itos talvez não seja possível nem no Jardim do Éden. Em outras palavras, para que se possa tomar essa iniciativa são necessárias duas condições: saber para que servem esses controles e ter a coragem política de levar a iniciativa adiante. Não me parece que o governo Lula preencha qualquer uma das duas condições.

Jornal da UFRJ: No dia 15 de março, a dívida interna ultrapassou pela primeira vez a casa do trilhão de reais. Qual são os efeitos para o país dessa política de geração de sucessivos superávits primários? Fernando Cardim: Se me permitem o trocadilho, a política de superávits primários não é o problema primário da política fi scal. Os superávits são resultado da política de juros altos, mantida pelo Banco Central, que oneram principalmente o próprio Tesouro Nacio-nal através da dívida pública. Em outras palavras, a política fi scal brasileira é largamente passiva, e esse é o seu principal problema. A política fi scal é residual, no sentido que ela serve para alocar basicamente o que sobra depois de fi xados os gastos fi nanceiros do governo, isto é, o serviço da dívida pública, e os gastos correntes obrigatórios, como transferências a estados e municípios, pagamento de funcionalismo, pagamento de inativos, assistência social etc. Premidos por esses limites, restam os gastos de investimento, que são os mais fáceis de cortar, porque são politicamente órfãos. Investimentos públicos seriam um bem para todos, mas por isso mesmo, ninguém em particular se organiza para defendê-los e o resultado é esse que vemos: transportes, energia, saneamento em condições literalmente miseráveis. Mas é preciso reconhecer, por outro lado, que apenas a redução drástica das despesas fi nanceiras não resolve. É preciso examinar melhor todos os gastos do governo, especialmente em vista da extraordinária inefi ciência do setor público em suprir serviços públicos fundamentais como saúde, educação e segurança pública, por exemplo. Um governo sério, comprometido com a transformação social tem de modernizar e dinamizar a ação do Estado.

Jornal da UFRJ: O contingenciamento de recursos do orçamento também vem afetando os investimentos em áreas como educação, saúde, infra-estrutura urbana, entre outras. Há condições políticas para tornar im-positiva a execução do orçamento?Fernando Cardim: A resposta aqui é similar à dada na questão da taxação progressiva. A vontade política não é tudo, não se pode desprezar obstáculos objeti-vos a qualquer iniciativa de mudança. No entanto, o “realismo” excessivo é paralisante e muitas vezes apenas uma desculpa para a inação, a falta de visão ou de coragem política, a ausência de convicções ou, em alguns casos, o simples estelionato político. Por-que o Brasil é tão abundante em grupos políticos que afi nam a voz tão acentuadamente quando chegam ao poder é tema para sociólogos, antropólogos e, talvez, até mesmo para psicanalistas. Economistas não têm insights muito poderosos neste campo.

Jornal da UFRJ: Hoje, existem pressões infl acionárias tão intensas para o governo continuar tendo como

meta prioritária de política econômica o combate à infl ação? E ainda: o remédio aplicado pela equipe econômica é adequado?Fernando Cardim: O problema é que há muito tempo política monetária, em tese pelo menos, não obede-ce a sinais objetivos de infl ação, mas a indicadores antecedentes, ou seja, indicadores que “prevêem” o comportamento da infl ação no futuro. Isso permite ao Banco Central dizer que não está preocupado com o que acontece agora, mas que está se antecipando a problemas que surgirão mais tarde. Se as pressões não surgirem, nunca podemos saber ao certo se é porque o Banco Central exagerou sua importância ou se é porque ele agiu de modo tão efi ciente que aquelas indicações de infl ação no futuro não se concretizaram. De qualquer modo, é bom ter em mente que a infl ação dos últimos anos deveu-se a choques de oferta, por exemplo, quan-do o dólar subiu em 2002, e não ao comportamento da demanda, que é o que o Banco Central infl uencia quando eleva a taxa de juros.

Jornal da UFRJ: Do ponto de vista macroeconômico, as diretrizes são favoráveis ou nocivas à geração de empregos?Fernando Cardim: Parece-me que os resultados falam por si. A redução de desemprego, depois de três anos, não foi sufi ciente para sequer trazer a taxa para menos que 9% ou 10%, em um contexto, voltemos a lembrar, favorável em todo o mundo. O pleno emprego não tem prioridade com Lula, como não tinha com FHC. É notá-

vel. Um governo liderado por um ativista sindical se segue a um governo de um político social-democrata e nenhum dos dois dá prioridade ao pleno emprego. Ambos se marcaram pela postura de que o papel do governo é garantir a estabilidade de preços, e com relação ao resto, a economia se vira. Isso não é um retrocesso em relação à esquerda mundial, é um re-trocesso até mesmo em comparação com o liberalismo rooseveltiano.

Jornal da UFRJ: O Mercosul ainda é uma alternativa para fortalecer as economias dos países da América Latina ou é uma meta distante? Como o senhor ana-lisa a política do governo Lula com seus parceiros da América do Sul?Fernando Cardim: Eu vejo o Mercosul como uma iniciativa principalmente política, apesar de não des-prezar o que ele representa em termos econômicos e comerciais. Ele foi importante na consolidação das democracias na região, depois do fi m dos regimes militares. Ele também é importante em fortalecer a posição da região nas negociações internacionais. Em termos mais estritamente econômicos, há uma difi cul-dade essencial, que é a similaridade de estruturas e ambições de Brasil e Argentina, o que dá um caráter muito confl itivo à parceria. Nós somos concorrentes em mais setores do que somos complementares. Mas os ganhos políticos da aliança são importantes e me parece que o esforço e a paciência mostrados no go-verno Lula nessa área são plenamente justifi cados.

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Universidade

Geralda Alves, da Agência UFRJGeralda Alves, da Agfotos Marco fernandes

O Centro de Ciências da Saúde (CCS) é o segundo maior centro da UFRJ. E não é grande apenas em es-paço físico e área construída, é também importante na produção científi ca e na quantidade de estudantes de graduação e pós-graduação. Somente em seu prédio - que sedia o Centro, na Ilha do Fundão, onde estão abrigados vários institutos - localizam-se cerca de 300 dos 400 laboratórios e grande parte das pesquisas rea-lizadas neles, faz experimentos com animais.

“Esse é o único centro da UFRJ que tem uma Comis-são de Ética e Pesquisa em Animais e é um dos maiores em pesquisas na área de Ciências da Vida do Brasil. Precisamos ampliar o prédio e melhorar as condições de trabalho dos laboratórios de forma compatível com a excelência do que se produz aqui”, diz o decano do Centro, João Ferreira, professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ.

Na quarta-feira de cinzas, dia 1º de março, as insta-lações do Laboratório de Vertebrados, do Departamento de Ecologia do Instituto de Biologia da UFRJ, pegou fogo matando 93 roedores e causando prejuízos da ordem de US$ 100 mil, além da perda de material coletado durante o desenvolvimento dos trabalhos científi cos, que tiveram sua continuidade prejudicada.

A morte desses animais poderia ter sido evitada se a UFRJ tivesse um biotério central. Segundo Paulo de Assis Melo, professor e responsável pelo Laboratório de Farmacologia de Toxinas, do Departamento de Far-macologia Básica e Clínica do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB/UFRJ), presidente da Comissão de Avaliação da Utilização de Animais em Pesquisa do CCS, é extremamente necessário a criação de um bio-tério central na UFRJ, para recepção e manutenção de animais de laboratório, com condições sanitárias segun-do padrões estabelecidos mundialmente. Segundo ele, há 30 anos vêm se discutindo a sua necessidade. “O que tem emperrado é a falta de verbas. É necessário que se construa uma edifi cação especifi camente para esse fi m e que, também, haja pessoal capacitado. O grande problema é que o custo é muito alto”.

Surge, porém, “uma luz no fi m do túnel” com o lan-çamento do edital da Agência Financiadora de Projetos (Finep) que disporá de até R$ 20 milhões para apoiar projetos de modernização de institutos de pesquisa tecnológica. Desses, R$ 14 milhões serão direcionados à modernização da infra-estrutura laboratorial, com ênfase nos setores prioritários da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE – do Go-verno Federal.

Biotérios em laboratóriosPaulo Eduardo Mansur Hobaica veterinário respon-

sável pelo biotério de criação do Instituto de Microbio-logia, relembra as diversas reuniões que já participou. “Já perdi as contas de quantas vezes sentamos para discutir projetos de construção de um biotério no CCS. Teve época que foi até escolhido o espaço onde seria instalado e nada aconteceu. Aí os laboratórios acabam criando seus próprios biotérios. O mais recente é o do Departamento de Farmacologia e do Instituto de Biofí-sica que está para ser inaugurado ainda nesse semestre para animais silvestres”, afi rma.

Atualmente a UFRJ possui aproximadamente dez biotérios de criação, manutenção e experimentos espa-lhados em laboratórios do Instituto de Microbiologia, do Departamento de Farmacologia, dos institutos de Bioquímica e de Biofísica. No Instituto de Microbiolo-gia fi ca o maior deles, com uma sala de 56 m² onde estão instaladas três estantes com diversas gaiolas de ratos e camundongos de criação. Outras duas salas, de 16 m²,

contêm coelhos e hamsters de manutenção. Existem ainda outras duas salas de lavagem e esterilização além de um depósito.

Nesse biotério se encontram as matrizes reprodutoras das diversas espécies animais e, segundo o veterinário, deve-se observar, antes do experimento, o estado de saúde do animal, sua carga genética, o manuseio feito com ele, de modo a torná-lo dócil, a alimentação em-pregada, o ambiente adequado, observar também fatores que possam ocasionar estresse nesses animais e criar boas condições para o bem estar dessas espécies.

Comissão de ÉticaA experimentação adota princípios éticos que evi-

tam o sofrimento das cobaias. “Os invasivos e drogas paralisantes nunca devem ser empregados sem a ad-ministração de agentes anestésicos”, diz Paulo Melo. Para cobrar e fi scalizar tais procedimentos foi criada, em 2004, a Comissão de Avaliação da Utilização de Animais em Pesquisa do CCS – CAUAP. A percepção principal da nova Comissão é de que seus membros sejam experientes e diretamente envolvidos com a experimentação em animais. O presidente Paulo Melo foi indicado, por unanimidade, por ser o docente com maior envolvimento com o tema, inclusive ministrando um curso sobre o assunto.

O protocolo é composto por um questionário onde o pesquisador terá que identifi car a espécie e o nú-mero aproximado de animais necessários à pesquisa. Terá que apontar também razões para o envolvimento de animais, porque utilizar aquela espécie, além de garantir que fará uso de anestésicos, analgésicos e drogas tranqüilizantes para minimizar a dor e o des-conforto do animal. “Desconforto e dor nos animais apenas quando for inevitável na conduta de pesquisa de valor científi co”, explica o presidente. Nesse caso, os pesquisadores terão que descrever os métodos de eutanásia a serem utilizados no animal após o término da pesquisa.

A norma protocolar de uso e cuidados com animais foi logo expandida por todos os laboratórios. Hoje pesquisadores que utilizam experimentos em animais submetem o projeto à Comissão, que o avalia e o aprova por três anos. “Caso haja alguma mudança no projeto nesse intervalo é necessária uma nova avaliação”, con-clui Paulo Melo.

sável pelo biotério de criação do Instituto de Microbio-logia, relembra as diversas reuniões que já participou. “Já perdi as contas de quantas vezes sentamos para discutir projetos de construção de um biotério no CCS. Teve época que foi até escolhido o espaço onde seria instalado e nada aconteceu. Aí os laboratórios acabam criando seus próprios biotérios. O mais recente é o do Departamento de Farmacologia e do Instituto de Biofí-sica que está para ser inaugurado ainda nesse semestre para animais silvestres”, afi rma.

biotérios de criação, manutenção e experimentos espa-lhados em laboratórios do Instituto de Microbiologia, do Departamento de Farmacologia, dos institutos de Bioquímica e de Biofísica. No Instituto de Microbiolo-gia fi ca o maior deles, com uma sala de 56 m² onde estão instaladas três estantes com diversas gaiolas de ratos e camundongos de criação. Outras duas salas, de 16 m²,

CCS pede um

biotério

central

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16 Março•2006UFRJJornal da

Universidade

Joana Jaharafoto Marco Fernandes

A inauguração do ano letivo de 2006 na UFRJ foi marcante para docentes, estudantes e técnicos-admi-nistrativos que estiveram presentes à Aula Magna pro-ferida pelo poeta, jornalista e crítico de arte, Ferreira Gullar. O evento, ocorrido em 17 de março, uniu a simplicidade e o humor do convidado ao simbolismo da reabertura do Auditório Roxinho, do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN), palco de eventos que marcaram a vida da comunidade universitária nos anos de 1980 e 1990 e que, agora, compõe o complexo do Centro Cultural Horácio Macedo, do CCMN, recém inaugurado.

Para Aloísio Teixeira, reitor da UFRJ, a Aula Magna é para ser proferida pelo reitor, que tem como trata-mento formal, o termo magnífi co, por obediência “a um ritual da vida acadêmica, uma formalidade com a qual nos submetemos”, mas “hoje magnífi co nessa sala é o cidadão maranhense que nasceu em São Luís, cidade reinventada por ele nas páginas de Poema sujo. É magnífi co por sua atividade, coerência, integridade e dedicação às causas pelas quais lutou durante a vida toda”, disse, para em seguida contar que conheceu o “poeta, crítico de arte, jornalista, militante político, ho-mem público, cidadão brasileiro e cidadão do mundo”, em 1953, em evento que reunia vários personagens da cultura brasileira. Aloísio lembra, ainda, que “Poema sujo, escrito no exílio, se tornou uma arma da luta pelas liberdades democráticas no Brasil. Era lido e relido em reuniões clandestinas”.

“Sou mais do não saber”Gullar inicia afi rmando que é “mais do não saber

do que do saber”, explicando que o convite para a aula inaugural deveria ser dirigido “a pessoas de indiscu-tível saber”. Com modéstia, o poeta se diz um homem não culto, pelo fato de esquecer tudo o que lê: “estou condenado a ler e a reler sempre, porque é como se eu nunca tivesse lido aquilo que eu acabei de reler. Con-clui-se que para mim a literatura é infi nita e inesgotável, já que um livro lido é esquecido”.

Mas, o que é o saber? Nas palavras do poeta, ele é necessário e imprescindível, pois sem ele seria impos-sível organizar a vida: é o saber para “plantar, colher,

Aula Magna

“Não existem

produzir as máquinas e equipamentos, construir nossas casas, cidades, preservar a saúde, curar as doenças, gerir a economia e planejar a produção. Mas, pouco sei disso e, se dependesse de mim, o homem ainda estaria na Idade da Pedra, não teria inventado nem a roda, porque assim são os poetas”, afi rma, para satisfação do público presente.

Incertezas e o homem invenção de si mesmoGullar afi rma que as certezas se apóiam no conhe-

cimento. Nessa linha de raciocínio, refl ete sobre essas certezas e sobre decisões e soluções para os problemas que a vida humana exige constantemente. Conclui que “não existem verdades indiscutíveis” e que “certamente é melhor saber alguma coisa do que não saber nada”.

Ao mesmo tempo, avisa ser arriscado imaginar que o que sabemos é sufi ciente e inquestionável: “a própria verdade científi ca muda e, por isso mesmo, passamos por um permanente exame e avaliação do que sabemos. Temos, sim, a necessidade de nos apegar em algumas certezas, que às vezes se tornam até inquestionáveis, mas num âmbito geral, elas são precárias, porque senão o homem não faria avançar a civilização. Com essa idéia, Gullar diz ter “inventado uma teoria”, a de que “o homem é uma invenção de si mesmo”, o que implica que o homem quer ser melhor do que é e, por isso, inventou até mesmo Deus “para que este o criasse”, buscando, assim, responder tudo que não tem resposta.

Essa idéia, avisa Gullar, não nasceu com ele, mas que ela vem da própria natureza: “os animais nascem com todos os elementos necessários para a sobrevivência – com velocidade, presas para caçar, se alimentar e também para se defender. Já o homem nasce sem essas ferramentas. Ele criou o instrumento que o permitiu sobreviver, e é a partir daí que começa a inventar a si e ao mundo. Isso, no plano material, no imediato. No espiritual é o único animal que se pergunta sobre a sua existência”. Assim, “o sentido é inventado por nós que necessitamos dele. Em outro plano, o homem inventa a cultura, os valores e a justiça”.

O poeta chega, assim, à conclusão de que “se a so-ciedade é inventada, ela é transformável” e que, se o homem entender esse signifi cado, em qualquer época, dará conta de que “mudanças precisam ser feitas”. Segundo ele, por ser a sociedade conservadora “seria

Ferreira Gullaruma ilusão” se achar que possa acatar, imediatamente, “a chegada de novas idéias”. Gullar, mesmo assim, defende que “é fundamental para aqueles que queiram mudar, ganhar a opinião das pessoas” que tenham cla-ro que há sempre uma batalha de idéias a ser travada. “Essa é a minha convicção”, diz o poeta, com rigor militante.

Para ele, um aspecto importante é o fato de as so-ciedades terem sido marcadas, desde o fi nal do século XIX até os dias atuais, pelo Marxismo. “Essa visão revolucionária incendiou a imaginação de homens generosos, empolgou milhões de pessoas e mudou a história do mundo. Hoje, pode-se dizer que o impulso revolucionário do Marxismo arrefeceu, mas o mundo não permaneceu o mesmo antes e depois dele. Pode-se admitir, como alguns, que o Marxismo se esgotou. É certo, porém, que enquanto foi verdade para milhões de pessoas, moveu-as e as fez transformar o mundo”, sintetiza.

Quem ganha da telenovela?Ao fi nal de sua aula, várias perguntas, principal-

mente de estudantes sobre assuntos variados. Foram da violência às cotas na universidade. Uma delas indagava das possibilidades da poesia desbancar o público das telenovelas. Gullar pareceu cético: “se os homens são iguais em direito, não o são em qualidade. Algumas pessoas gostam de poesia e outras não”, isso sem levar em consideração o “problema de acesso á Educação”. Mas que “isso não diminui a poesia”, diz, arrematando que “os fi lmes de Wood Allen também não ganham da telenovela”.

O reitor, Aloísio Teixeira, no fechamento da Aula, aproveitou para destacar que o discurso de Gullar pode dar conta de que “a pior atitude do ser humano é a do conformismo. A vida é uma invenção nossa e a conseqüência que se pode tirar dessa teoria é a de que se nós nos pusermos de acordo sobre a vida que queremos inventar, seremos invencíveis. É nesse mo-mento, de reinauguração do auditório, de homenagem ao Horácio Macedo, e ouvindo as palavras de Ferreira Gullar, que devemos refl etir sobre a universidade, o nosso país, e sobre as idéias que devemos ter sobre a universidade em nosso país. Se estivermos de acordo com isso, poderemos ter uma nova universidade e um novo país”.

indiscutíveis”

verdades

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Universidade

Filho (HUCFF/UFRJ), 86,5% já haviam usado fórmulas para emagrecer contento anfetaminas. “A partir da ex-periência com a obesidade, é muito comum presenciar pacientes que já usaram ou fazem uso desse tipo de medicação. Seja de maneira isolada ou presente em compostos. Diante desta constatação, resolvemos fazer um estudo com essas pessoas” — explica João Regis.

O endocrinologista ainda ressalta que o uso de an-fetaminas é feito de maneira desordenada. “Quando estabelecemos uma comparação do que acontece no Brasil e nos países desenvolvidos, percebemos que neles essa substância é adotada como droga recreativa (ou ocasional), não sendo prescrita por médicos. Já aqui, o consumo é menor, mas, com o aval do profi ssional de saúde”.

O o b -j e t i v o d a pesquisa foi levantar o histórico de

pacientes que fizes-sem uso de anfetami-nas ou de fórmulas que conti-vessem a subs tân-cia, além de identi-

ficar quais os efeitos colaterais apre-

sentados: se houve emagrecimento e posterior aumento de peso; se somen-te emagreceram; com quantos anos começaram a usar a droga; qual a

freqüência de uso etc.

Efeitos colateraisIrritabilidade, insônia, aluci-

nações, taquicardia, hipertensão arterial, tremores, confusão men-tal, depressão, perda de memória

e cefaléia (dor-de-cabeça) são alguns dos efeitos colaterais proporcionados pelas anfetaminas. Os delírios e as alucinações podem até levar o usuário

ao suicídio.Segundo José Egídio, as pessoas se ex-

põem ao uso dessas substâncias fascinadas pelas promessas de emagrecimento rápido.

“As anfetaminas apresentam conse-qüências devastadoras. Muita gente se rende a elas sem saber que o seu tempo de ação anorética, de perda de fome, é curto. Dura, no máximo, de

duas a três semanas. Passando isso, apenas os demais efeitos são mantidos” — esclarece

AnfetaminasPesquisa realizada pela UFRJ comprova a inefi cácia das

anfetaminas no processo de emagrecimento

Kadu Cayres

é perdendo que se ganha

o professor, completando que na pesquisa, dos pa-cientes que recorreram aos compostos anfetamínicos, 91,5% conseguiram emagrecer, mas 97% ganharam, posteriormente, ainda mais peso ao interromper o tratamento. A maior parte recorreu ao uso da droga mais de três vezes, sempre voltando a engordar.

O mais surpreendente no estudo foi verifi car que metade dos pacientes não tinha qualquer informação sobre o tipo de medicamento e seus efeitos. “Boa par-te desse transtorno podia ser evitada se os médicos que prescrevem anfetaminas a seus pacientes fossem sinceros, explicando todos os efeitos que ela causa no organismo. E não se limitando a dizer que é milagrosa e pronto” — enfatiza o professor.

Sobre o uso entre os sexos, segundo João Regis, não foi encontrada qualquer diferença estatisticamente signifi cativa entre homens e mulheres. “Ambos, em algum momento, utilizaram a substância, sendo que os homens em menor freqüência que as mulheres. Na minha opinião isso acontece pelo fato de as mulhe-res sofrerem maior cobrança da sociedade por uma silhueta adequada e irem mais ao médico”, avalia o pesquisador.

O que são anfetaminasAnfetaminas são substâncias sintéticas oriundas de

um hormônio chamado neuro-hormônio adrenérgico. Esses hormônios são tidos como de luta, ou seja, são lançados no organismo quando o indivíduo está em situações confl ituosas, onde não pode sentir fome, sono e cansaço. Eles proporcionam uma sensação de euforia, de bem estar, de vigília constante.

O primeiro tipo de anfetaminas – a Benzedrina – foi sintetizada no fi nal do século passado na Europa. Seu uso medicinal acabou gradativamente ampliado e nas décadas de 1930 e 1940 já eram conhecidas 39 utilida-des para as anfetaminas, que logo passaram a ser usadas sem intenções medicinais.

João Regis condena a droga e não vê a menor utilida-de clínica nas anfetaminas. “Na minha prática médica, não vejo uma aplicação para elas. Para falar a verdade, o único argumento positivo que ouvi é de que ela é uma droga barata”.

João Egídio sustenta que todo medicamento deve ser usado de forma correta. A questão é saber escolher qual paciente vai fazer uso, avaliando o tempo de uso da droga. “Anfetaminas podem ser utilizadas como fase inicial do tratamento de um paciente jovem, obeso, porém saudável, que apresenta difi culdade em perder peso com dieta” — explica o professor, acrescentando que ela serve com trampolim para a adoção de outros métodos de emagrecimento.

O padrão estético hegemônico obriga todo mundo a ser magro, belo, elegante. Numa palavra: “sarado”. Isso propicia o uso de métodos milagrosos de emagre-cimento.

O doutorando João Regis Ivar e o professor José Egídio Paulo de Oliveira, ambos do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFRJ, entrevistaram pacientes entre 13 e 70 anos, sendo 247 mulheres e 66 homens, e constataram que dos 312 com obesidade mórbida, em preparação para realizar cirurgia bariátrica no Hospital Universitário Clementino Fraga

ilustração Pina Brandi

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Universidade

Rafaela Pereira e Bruno Franco

“(...)A missão da Universidade Federal do Rio de Janeiro

A fi nalidade que justifi ca a existência da Universida-de Federal do Rio de Janeiro e que baliza seus objetivos estratégicos consiste em proporcionar à sociedade bra-sileira os meios para dominar, ampliar, cultivar, aplicar e difundir o patrimônio universal do saber humano, capacitando todos os seus integrantes a atuar como força transformadora. Mais especifi camente, a Univer-sidade destina-se a completar a educação integral do estudante, preparando-o para:

- Exercer profi ssões de nível superior;- Valorizar as múltiplas formas de conhecimento

e expressão, técnicas e científi cas, artísticas e culturais;

- Exercer a cidadania;- Refl etir criticamente sobre a sociedade em que

vive;- Participar do esforço de superação das desigual-

dades sociais e regionais;- Assumir o compromisso com a construção de uma

sociedade socialmente justa, ambientalmente responsável, respeitadora da diversidade e livre de todas as formas de opressão ou discriminação de classe, gênero, etnia ou nacionalidade;

- Lutar pela universalização da cidadania e pela consolidação da democracia;

- Contribuir para solidariedade nacional e inter-nacional.

Os objetivos permanentes Constituem objetivos da UFRJ:

- a educação em nível superior — pública, gratuita e universal;- a formação de diplomados nas diferentes áreas de conhecimento e habilitação profi ssional, aptos a se inserir em qualquer campo de atividade e a participar no desenvolvimento da sociedade brasileira;- o trabalho de pesquisa e investigação científi ca, fi losó-fi ca e tecnológica, voltado para o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da criação e difusão da cultura ; o que permite o conhecimento do ser humano e do meio em que vive;- a criação artística;- a divulgação da cultura e dos conhecimentos científi -cos e técnicos, que constituem patrimônio da humani-dade, através do ensino nos níveis fundamental, médio e superior, de graduação e para graduados, da extensão e da difusão dos resultados da pesquisa, bem como por meio de outras formas de comunicação;- a formação de cidadãos movidos pelo desejo de aperfeiçoamento cultural e profi ssional permanente e capazes de contribuir para o desenvolvimento científi co e tecnológico, para a criação cultural e para a valoriza-ção da ciência, do pensamento refl exivo e crítico e das conquistas da razão humana;

- o conhecimento e a busca de soluções para os pro-blemas da sociedade humana como um todo, especial-mente os da sociedade brasileira;- a prestação de serviços especializados à comunida-de;- a contribuição, através de todos os meios à sua disposição, para a formação de uma opinião pública informada acerca dos grandes temas do desenvolvi-mento científi co, tecnológico e cultural e dos desafi os enfrentados para a construção de uma sociedade social e ambientalmente justa;- a extensão, aberta à participação da população, visan-do à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científi ca e tecnológica geradas na instituição;- o desenvolvimento de permanente intercâmbio com a sociedade civil, assegurando o ingresso e a circulação no interior da Universidade das múltiplas formas de saber e da experiência técnica, bem como da cultura e da arte, diversas daquelas que são associadas às práticas estritamente acadêmicas, com reconhecimento da rele-vância dos conhecimentos e experiências desses atores sociais para a pesquisa e o ensino universitários.

Os princípiosOs princípios que regem a vida universitária na

UFRJ são:

- Autonomia didático-científi ca, administrativa e de gestão fi nanceira e patrimonial;- Liberdade de cátedra e liberdade de expressão para todos os membros da comunidade universitária;- Gratuidade do ensino público em todos os níveis;- Democracia interna, de forma a assegurar a represen-tação de todos os segmentos na gestão da Universidade e respeito às decisões dos órgãos colegiados;- Conduta ética em todos os campos de atividade, com estrita observância dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade;- Defesa intransigente de seu mais precioso ativo: a diversidade interna, que corresponde às diferenças dos seus objetos de trabalho — cada qual com uma lógica própria de docência e de pesquisa — de suas visões de mundo e dos valores que pratica;- Compromisso com a construção de uma sociedade justa socialmente, ambientalmente responsável, res-peitadora da diversidade e livre de todas as formas de opressão ou discriminação de classe, gênero, etnia ou nacionalidade;- Valorização da cultura nacional;- Comprometimento com a expansão da rede pública de instituições de educação superior;- Envolvimento com o sistema de ensino como um todo, em particular com os níveis fundamental e médio.(...)

UFRJ discute o seu PDIDia 27 de março, durante a Plenária de Decanos e Diretores, que teve lugar no Hospital Escola

São Francisco de Assis (HESFA), o reitor da UFRJ, professor Aloísio Teixeira, informou que a UFRJ começa a discutir propostas globais para o seu futuro através do

Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento Institucional (PDI)

Leia abaixo, alguns trechos que compõem a proposta de Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento Institucional (PDI) que será levado à comunidade universitária para o debate e posterior aprovação

pelos órgão colegiados da UFRJ.

Aloisio Teixeira: “A construção coletiva do

PDI é uma oportunidade histórica de renovação

institucional”.

Segundo o reitor, Aloísio Teixeira, até o começo de abril próximo, a proposta de Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento Institucional (PDI) será amplamente divulgada na instituição. Decanias, unidades, conselhos superiores e comunidade organizarão processos de debate, que culminarão com a aprovação do texto fi nal pelo Conselho Universitário (Consuni), conforme um cronograma que está em fase de elaboração.

O PDI é uma exigência do Ministério da Educação, por decorrência da legislação educacional que derivou da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n 9.394/96). O Sistema Nacional de Avaliação da Edu-cação Superior (Sinaes) estabelece que cada Instituição de Ensino Superior – IES – tenha seu PDI elaborado e aprovado em suas instâncias internas.

Em linhas gerais, o Plano consiste em um documento no qual, além da missão institucional da universidade, de seu histórico e de um diagnóstico, devem fi gurar explicitadas as ações necessárias para alcançar as metas e os objetivos que se propõe a UFRJ.

Para além de sua importância legal e administrativa, o PDI pode constituir-se em um instrumento fundamen-tal de planejamento coletivo e de orientação programá-tica, capaz de conduzir a universidade no rumo de sua renovação e de seu desenvolvimento.

Para o reitor, a elaboração participativa e o aperfei-çoamento do PDI, pelo debate coletivo, devem contar com o envolvimento e a atenção integral de centros, unidades, colegiado e comunidade, desde já. “É um documento inédito e decisivo para a universidade”, afi rma o reitor. A intenção é ter o Plano aprovado no segundo semestre deste ano.

Mar

co F

erna

ndes

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Universidade

A atual estrutura da UFRJA estrutura organizacional da UFRJ é o resultado de

seus processos constitutivos e, em particular, da forma como resistiu e se ajustou às reformas impostas pela ditadura militar, a partir de 1964. A intenção da reforma era modernizar as estruturas acadêmicas, através dos conceitos de departamento e de centro universitário. A UFRJ adotou a nova nomenclatura, mas preservou sua estrutura original de escolas e faculdades indepen-dentes entre si, o que gerou com isso excesso de pro-cedimentos administrativos, superposição de funções e duplicação de meios.(...)O diagnóstico

A elevada qualidade das atividades de ensino, pes-quisa e extensão desenvolvidas pela UFRJ não oculta as difi culdades e problemas que a instituição enfrenta para cumprir sua missão institucional e tornar-se uma verdadeira “construtora de futuros”. Alguns desses problemas decorrem das políticas equivocadas das últimas décadas; outros, de sua estrutura peculiar e de seu próprio processo de constituição.

Entre os primeiros, podemos destacar:

i - As restrições à plena aplicação do princípio da au-tonomia universitária, estabelecido pela Constituição Federal em seu artigo 207;ii - A insufi ciência dos recursos orçamentários des-tinados ao custeio e à manutenção de instalações e equipamentos;iii - A inadequação dos mecanismos públicos de fi nan-ciamento e apoio institucional à pesquisa, no âmbito dos governos federal e estadual, que compromete a continuidade de vários programas;iv - A desvalorização do Estado, a desqualifi cação do serviço público e a perda de importância social dos servidores, promovidas nos últimos quinze anos.

Dentre os problemas relacionados com sua própria formação e cultura, destacam-se:

i - Sua organização federativa, com unidades quase autárquicas, des-providas de estruturas integrativas que as capacitem a atuar coordena-damente;ii - A compartimentalização das car-reiras profi ssionais em escolas auto-sufi cientes que desenvolvem a “cultu-ra da propriedade do estudante”;iii - A fragmentação e a tendência ao crescimento das áreas de ensino e pesquisa através da proliferação de institutos e órgãos suplementares, o que gera desperdício de recursos humanos e materiais;iv - O caráter instrumental e profi s-sionalizante do ensino, destinado a outorgar diplomas para o exercício de profi ssões, sem que as ciências básicas possam cumprir seu papel essencial na formação dos jovens estudantes;v - A estruturação inadequada dos curricula, que obriga o estudante a escolher uma carreira antes mesmo de ingressar na Universidade;vi - A limitada variedade de carreiras oferecidas à juventude, sem levar em conta as demandas da sociedade, que exige maior diferenciação de profi s-sionais de nível superior;vii - O caráter “elitista” dos mecanis-mos de ingresso, em virtude das res-trições às oportunidades de ingresso e da escassez de cursos noturnos;viii - As limitações à efetiva gratui-dade do ensino, pela inexistência de instrumentos que garantam a estu-dantes capazes, porém desprovidos de recursos, condições para dedicar-se exclusivamente aos estudos;

ix - O isolamento entre as unidades da universidade e entre esta e as demais instituições e instâncias da sociedade, pela falta de mecanismos integradores e de instrumentos de comunicação de massa, internos e externos;x - O caráter burocrático de sua organização administra-tiva, com excessiva regulamentação, tanto interna como externa (governamental), inibidora da criatividade e da liberdade de iniciativa.

A combinação desses problemas é responsável pela formação, no interior da UFRJ, de uma cultura universi-tária marcada pelo patrimonialismo e pela valorização da fragmentação; circunstâncias em que tudo — espa-ços, instalações, equipamentos, recursos humanos e até mesmo os estudantes — passa a ser considerado e apropriado particularizadamente por unidades de ensino e por departamentos.(...)O Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento (PDI)

O desafi o que se coloca para a Universidade Federal do Rio de Janeiro consiste em superar defi nitivamente esses problemas, preservando os níveis de excelência que caracterizam suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, elevando continuamente a qualidade de seu projeto acadêmico e explicitando seus compromissos com a sociedade, pensando criticamente a realidade do país e envolvendo-se no debate e na formulação de políticas públicas.

Objetivos para o planejamento de médio e longo prazosOs objetivos do planejamento estratégico, cujo pro-

cesso de discussão ora se inicia, são:

- Reconceber a estrutura organizativa e didático-peda-gógica da Universidade, adequando-a às exigências da sociedade brasileira e do mundo de hoje;- Permitir a superação da “cultura da fragmentação”, marca constitutiva da UFRJ, através da integração

completa entre as atividades de ensino, pesquisa e ex-tensão nas diversas áreas de conhecimento e formação profi ssional;- Proporcionar novas modalidades de formação cien-tífi ca e profi ssional, difíceis de ser conseguidas com o sistema fragmentado e unilinear atualmente existente, de modo a satisfazer as demandas sociais por novos tipos de habilitação, mediante a combinação de linhas de preparação básica com linhas de desenvolvimento profi ssional;- Eliminar duplicações e redundâncias de instalações e equipamentos que encarecem o custo do ensino e reduzem a efi cácia do gasto, pela pulverização de re-cursos;- Elevar o grau de comprometimento social da Univer-sidade, de articulação com as organizações representa-tivas da sociedade civil, de integração com os diversos níveis de governo e com o sistema produtivo do país e, principalmente, com o sistema de ensino em todos os níveis.

Diretrizes para implantação do PDIFidelidade aos princípios básicos da instituição

universitária, em sua experiência milenar, a saber:

- Respeito aos padrões internacionais de produção, acumulação e disseminação do saber;- Compromisso ativo com a busca de soluções para os problemas do desenvolvimento social;- Liberdade de cátedra e de manifestação do pensamento por todos os membros da comunidade universitária;- Subordinação das estruturas de administração geral aos objetivos de desenvolvimento acadêmico;- Consolidação da autonomia universitária, entendida como direito ao autogoverno, democraticamente exer-cido por seu corpo social, sem imposições externas de qualquer natureza (públicas ou privadas, nacionais ou internacionais), no que tange à sua organização in-terna, à constituição e funcionamento de seus órgãos

colegiados, à sua política de ensino, pesquisa e extensão e ao modo de escolha de seus dirigentes.

Afi rmação do caráter público da Universidade, o que signifi ca:- Garantia da gratuidade do ensino e de custeio a partir de recursos pú-blicos, oriundos do orçamento fi scal da União;- Afi rmação da natureza pública de todas as atividades da Universida-de;- Transparência e publicidade nas prestações de contas, tanto no que respeita às atividades acadêmicas (ensino, pesquisa e extensão), quanto no que tange ao uso dos recursos de que dispõe;- Consolidação e ampliação da demo-cracia institucional interna da Uni-versidade, através da representação e participação de todos os segmentos que compõem a comunidade uni-versitária nos órgãos colegiados de deliberação e assessoramento;- Envolvimento com os níveis de ensi-no pré-universitários, não apenas em decorrência de sua responsabilidade na formação de professores, mas em conseqüência de sua responsabilidade social enquanto cúpula do sistema de ensino como um todo (para isso a Área de Educação deve assumir atribuições renovadas, desenvolvendo projetos de experimentação educacional, de elaboração de material didático, de implantação de novos métodos pe-dagógicos e de formação de docentes para o terceiro grau, através do de-senvolvimento de uma verdadeira pedagogia do ensino superior).(...)”Capa da revista UFRJ Debate n°2 que será distribuiída para a comunidade universitária com a proposta de PDI da UFRJ

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20 Março•2006UFRJJornal da

Universidade

Fernando Pedro – do Olhar Virtual

Para o reitor Aloísio Teixeira, a inauguração das novas instalações do Nupem – Núcleo de Pesquisas Ecológicas e Desenvolvimento Sócio-ambiental de Macaé, abrigando o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, é um marco na interiorização da UFRJ e de sua participação no esforço de desenvolvimento regio-nal. “Trata-se da primeira experiência de interiorização, porém distinta da maneira como vem sendo feita por outras universidades. Não viemos a Macaé para buscar recursos adicionais ou, até mesmo, complementação salarial. Viemos devido à consolidação de um trabalho, inicialmente realizado com ações de Pesquisa e de Ex-tensão e que agora se desdobra no campo do Ensino de Graduação”, afi rmou o reitor durante cerimônia, dia 10 de março, no município fl uminense de Macaé.

Francisco Esteves, diretor do Nupem, diz que a interiorização é um compromisso irreversível, “se nós quisermos democratizar o ensino de qualidade no Bra-sil”. O professor também enfatiza o êxito de parcerias, constituídas ao longo de anos, entre a UFRJ, a prefeitura de Macaé e a Petrobras, que viabilizaram a existência do núcleo.

Com modernas instalações laboratoriais, salas de aula, biblioteca e alojamentos para pesquisadores e estudantes, o novo prédio foi construído com recursos da prefeitura de Macaé, que há 13 anos também cedera um pequeno galpão no Parque de Exposição Agropecu-ária de Macaé, local de partida às atividades do núcleo, criado ofi cialmente em 1994.

Conquistando a confi ançaA presença do Nupem em Macaé vem conquistando

o reconhecimento da comunidade local a partir de inú-meras iniciativas que associam o desenvolvimento das pesquisas científi cas a identifi cação das características e dos impactos no meio ambiente. Provocados pela forte expansão urbana e pela exploração de petróleo na região, tais impactos careciam de estudos sistemáticos e profundos, que permitissem formular alternativas sócio-ambientais em favor de um desenvolvimento sustentado para a região.

A degradação das lagoas costeiras e das áreas de manguezais, que desde 1984 vinha sendo registrada pelos pesquisadores da UFRJ, ajudou a defl agrar uma forte mobilização pela criação e demarcação do Par-que Nacional da Restinga de Jurubatiba, na década de 1990. Iniciativas pioneiras foram estabelecidas, a partir de convênios com a Petrobras, que extrai, no litoral norte fl uminense, cerca de 85% da produção nacional de petróleo.

Nasce, em 1992, o Projeto ECO-Lagoas, também fruto de acordo entre a UFRJ, a prefeitura de Macaé e a Petrobras que, entre outros êxitos, permitiu a gera-

Para além dos murosPela primeira vez, em seus 85 anos, a UFRJ promove um curso de graduação fora dos limites de seus campi localizados no município do Rio de Janeiro

ção de dezenas de dissertações de mestrado e teses de doutorado, além da promoção de trabalhos de Extensão Universitária. Professores e estudantes da rede de Ensi-no Fundamental e Médio participam de diversas ativi-dades realizadas nos próprios ecossistemas de Macaé, colaborando para uma consciência ambiental. Dessas atividades já participaram mais de 1200 professores e cerca de 10 mil alunos dos 15 municípios da região.

Também a Escola de Pescadores, projeto que teve início em 2003, sediada no antigo Iate Clube de Macaé, é mantida pela prefeitura e conta, em seu corpo docente, com professores da UFRJ.

Tais experiências alicerçaram, em Macaé, a presença da universidade, cujo vestibular, em 2006, ofereceu 50 vagas para o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas ministrado no município. Para tanto, foram contratados, por concurso público, oito docentes com doutorado, em dedicação exclusiva, respondendo a exigência da Pró-reitoria de Graduação em reunir pro-fessores que desempenharão, no Nupem, atividades de Pesquisa, Ensino e Extensão, comprometidas com o desenvolvimento regional.

“Trata-se de fortalecer os vínculos dos professores com a comunidade local, ampliando seus laços de inte-gração e conhecimento sobre a realidade sócio-ambien-tal, favorecendo o apoio técnico-científi co aos gestores de políticas públicas e à formação de professores qua-lifi cados para a rede de escolas da região. Esta política de interiorização foi aprovada no Conselho de Ensino de Graduação (CEG), que considera a criação desses cursos no interior do estado como um importante pas-so no caminho da democratização e universalização do Ensino Superior público”, afi rma o pró-reitor de Graduação José Roberto Meyer.

De acordo com Nelson Maculan, ex-reitor da UFRJ e atual secretário-executivo da Secretaria de Ensino

Superior (SESu), do Minis té r io da Educação, a iniciativa de in-teriorização tem pleno apoio do governo, que vê na expansão do ensino público uma prioridade. Mani fes tações semelhantes de representantes do governo estadual e municipal refor-çam o propósito da UFRJ de ocu-par a área de ter-

A Congregação do Instituto de Química (IQ) da UFRJ, se adianta e orienta a direção da unidade para que desenvolva projeto de criação de turma de Licenciatura em Química a ser oferecido em Macaé. Essa possibilidade, anunciada pelo reitor Aloísio Teixeira durante a cerimônia de inauguração das novas instalações do Nupem, naquele município, teve grande receptividade.

O prefeito de Macaé, Riverton Mussi, chegou a declarar que dará completo apoio a expansão das atividades da UFRJ, pois é sua intenção transformar a cidade em um pólo de ensino universitário público. “Tivemos um encontro com as universidades públicas do estado do Rio de Janeiro e, nessa conversa, pleiteamos a criação de um consórcio com a par-ticipação de todas elas aqui em Macaé”, disse o prefeito.

Para Cássia Turci, diretora do IQ, esse apoio indispensável da prefeitura soma-se ao pleito de novas vagas de professores a serem garantidas pelo Ministério da Educação. Nelson Ma-culan garantiu publicamente seu empenho para a obtenção de tais vagas, uma vez que a expansão das Instituições Federais de Ensino é uma das prioridades do governo.

Segundo Turci, a elaboração do projeto tende a ser rápida, uma vez que a Licenciatura em Química já é oferecida no campus da Ilha do Fundão. “Pretendemos, no entanto, agregar a possibilidade do licenciado também poder obter habilitação como bacharel em Química, caso deseje atuar na área indus-trial. Isto seria mais um atrativo para Macaé, que possui a forte presença da indústria petrolífera”, afi rmou a diretora.

A idéia de interiorização dos cursos da UFRJ parece animar outras unidades. Um dia antes da inauguração do Nupem, a professora Maria Isabel Sampaio dos Santos, diretora adjunta de Graduação da Faculdade de Farmácia argumentava com a professora Turci que caso se concretizasse o curso de Quími-ca, ela também proporia um curso de Farmácia naquele pólo avançado da UFRJ, na região Norte Fluminense.

Novas turmas

reno adjacente as instalações do Nupem, no bairro de São José do Barreto, em Macaé, com novos cursos, que também poderão ser concretizados em consórcio com outras instituições públicas de ensino superior.

fotos Marco Fernandes

Autoridades presentes a inauguração plantam um pé de Pau-Brasil, considerado um dos símbolos da resistência às agressões à Mata Atlântica

Mais de 500 pessoas prestigiaram o evento

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Março•2006 UFRJJornal da 21Notas

Fotônica, fi bras óticas, sensores e polímeros

Comemorando o centenário do vôo do 14 Bis, a Casa da Ci-ência da UFRJ homenageia o responsável por esse feito – Santos Dumont – com o espetáculo teatral infantil, Um vôo para Santos Dumont, da Companhia Preto no Branco.

Quem comparecer, será recebido por três simpáticos comis-sários de bordo e convidado a seguir numa prazerosa viagem rumo à façanha do “Pai da Aviação”. Além disso, poderá con-ferir, nos horários de 15 às 17h e de 18 às 19h, uma pequena exposição do Museu Aeroespacial, da Aeronáutica, que conta a história de Santos Dumont e apresenta suas invenções com objetos originais, réplicas em miniatura, fotos e vídeos.

O espetáculo acontece aos sábados e domingos, até 23 de abril, às 17 horas, na Casa da Ciência da UFRJ, na Lauro Muller, nº 3, em Botafogo. Os ingressos custam R$ 10 e estudantes e maiores de 65 anos pagam meia entrada.

Um vôo para Santos Dumont

Dia quatro de março foi inaugurada a nova Biblioteca Comu-nitária Maria Julieta Drummond de Andrade, da Associação Pro-Melhoramento do Parque Rubens Vaz, no Complexo da Maré.

A biblioteca é uma iniciativa de Aline de Andrade, alfabe-tizadora de jovens e adultos do Programa de Alfabetização da Pró-reitoria de Extensão e estudante da Faculdade de Letras da UFRJ, com o apoio da Associação Pro-Melhoramento do Parque Rubens Vaz e da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT).

Nova biblioteca na Maré

A Editora UFRJ está organizando, entre os dias 24 a 28 de abril de 2006, no campus da Praia Vermelha, das 9 as 18h, a II Feira do Livro das Editoras Universitárias do Rio de Janeiro. A feira tem como objetivos, entre outros, o incentivo à leitura; a divulgação do trabalho de autores, intelectuais e profi ssionais, além do catálogo das editoras das instituições envolvidas, para professores e bibliotecários; a promoção das editoras universitá-rias do Rio de Janeiro; e a produção de evento cultural periódico do livro universitário.

Participam da II Feira as editoras da UFRJ, da Universida-de Federal Fluminense (UFF), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A programação da II Feira conta com eventos de música e teatro. As obras serão vendidas com 50% de desconto. O ende-reço é avenida Pasteur, 250, Praia Vermelha.

II Feira do Livro das Editoras Universitárias

do RJFoi lançado, durante a 8ª Reunião da Conferência das

Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP8), em Curitiba (PR), dia 20, o XXII Prêmio Jovem Cientista, que neste ano tem como tema a Gestão Sustentável da Biodiver-sidade – desafio do milênio.

Iniciativa conjunta do Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científi co e Tecnológico (CNPq), da Gerdau, da Eletro-brás/Procel e da Fundação Roberto Marinho, o XXII Prêmio vai receber inscrições até o dia 29 de setembro.

Pesquisadores brasileiros têm na biodiversidade um impor-tante campo de pesquisa. Segundo dados divulgados pelo COP8, o Brasil é o principal país dentre os que possuem megadiver-sidade, afi nal, reúne de 15 a 20% do número total de espécies

XXII Prêmio Jovem Cientista 2006

Gestão sustentável da biodiversidadedo planeta. Alguns dos ecossistemas mais ricos do mundo em quantidade de espécies vegetais – a Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado – estão no Brasil.

As inscrições para o XXII Prêmio Jovem Cientista são individuais e podem ser enviadas ao CNPq pelo correio (Prêmio Jovem Cientista - SEPN 507 - Bloco B - 2º andar - Cep. 70740-901 Brasília - DF) ou para o endereço eletrôni-co http://www.jovemcientista.cnpq.br. Todos os trabalhos pre-cisam estar acompanhados de fi cha e comprovante de inscrição preenchidos, currículo atualizado e resumo da pesquisa com um máximo de quatro páginas. Neste resumo devem constar o nome do candidato e o título do trabalho.Mais informações em www.cnpq.br.

Pesquisadores e estudantes interessados em discutir os re-centes desenvolvimentos na área de fi bras óticas de polímeros e de polímeros micro-estruturados, apresentar pesquisas, co-nhecer melhor essa nova área e estabelecer contatos têm, entre os dias 25 e 28 de abril, uma boa oportunidade. Trata-se dos In-ternational Workshop on Polymer Optical Fibers e International Workshop on Micro-structured Polymer Optical Fibers que serão realizados simultaneamente na Unicamp, em Campinas/SP (25 e 26/04) e na UFRJ, no Rio de Janeiro (27 e 28/04).

O workshop, com duração de quatro dias, reunirá pesqui-sadores interessados nas áreas de fi bras fotônicas, fi bras ópti-cas plásticas, sensores a fi bra óptica e polímeros. Entre eles, estão confi rmados palestrantes internacionais, líderes em suas respectivas linhas de pesquisa, tais como Jonathan Knight (Inglaterra), pesquisador das primeiras fibras fotônicas; Yasuhiro Koike (Keio Univer-sity - Tóquio/Japão), diretor do International Committee of Plastic Optical Fibers; Masaki Naritomi (Asahy Glass Com-pany – Japão), pesquisador de novos polímeros com baixís-

Para além dos murosFortunato Mauro

Rafaela Pereira

Coordenado pelo professor Gustavo Porto de Mello, diretor do Observatório do Valongo (OV), da UFRJ, em parceria com outros cientistas de universidades e centros de pesquisas do país, o evento mobilizou estudantes e cientistas de diferentes áreas do conhecimento – em especial Astrono-mia, Biologia, Química, Física e Geologia – com interesse por Astrobiologia.

Representando a comunidade da UFRJ, vários professo-res e pesquisadores dos institutos de Física, de Biofísica, de Química e do Museu Nacional. Marcaram presença, tam-bém, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o Observatório Nacional, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Mackenzie (SP). Além desses, vários conferencistas interna-cionais como David Calting, da Universidade de Bristol, na Inglaterra e Janet Siefert, da Universidade de Rice, noTexas, Estados Unidos.

Segundo Porto de Melo o evento superou as expectativas e mostrou que a comunidade brasileira possui trabalhos científi cos de qualidade nessa área. Assim, “vamos desenvol-ver uma grande lista de discussão”, informa o diretor, para quem, para o crescimento do Brasil nesse assunto “é preciso fortalecer os grupos localmente”. O dirigente do OV revela ainda ser necessária participação da área de Geociências. “Conseguimos o equilíbrio da Biologia com a Astronomia, precisamos, agora, do saber das Geociências”, analisa Porto de Melo, adiantando ainda que em 2008 pretende organizar o segundo workshop no assunto, dessa vez mais abrangente e possivelmente em São Paulo.

Para Cleber Tavares, estudante do OV, esse é o momento ideal para a discussão: “é um acontecimento de relevância mundial. Pudemos ter uma idéia inicial do que se faz hoje em dia”, analisa o estudante.

Discutir a existência de vida fora do nosso planeta não é mais assunto de fi lme de fi cção científi ca. Os astrônomos já conhecem cerca de duzentos planetas que orbitam em torno de mais de cem estrelas e acreditam que, em vinte anos, terão descoberto, com segurança, planetas com condições para o desenvolvimento de vida. E a Astrobiologia, estudo da vida fora da Terra, vem ganhando respeitabilidade no mundo acadêmico.

Astrobiologia

Vida no universo

Existe vida em outro planeta? Quais os sinais dessa existência? Essa e outras questões foram abordadas no I Workshop Brasileiro de Astrobiologia que aconteceu dias 20 e 21 de março, no Fórum de Ciência e Cultura

da UFRJ

Realidade ou fi cção?

sima perda óptica; David Webb (Inglaterra), responsável pela primeira gravação de redes de Bragg em fi bras micro-estrutu-radas de polímero; Maryanne Large (Austrália – University of Sydney), responsável pelo desenvolvimento das primeiras PCF - Photonic Crystal Fibre – em polímero no mundo; e Marcelo Martins Werneck (Brasil – Laboratório de Instrumentação e Fotônica da Coppe/UFRJ), que desenvolve aplicações de fi bras ópticas plásticas em sensores.

Mais informações podem ser obtidas em http://www.workpof2006.coppe.ufrj.br ou em [email protected]. Contatos podem ser feitos em Campinas, no Centro de

Pesquisa em Óptica e Fotôni-ca da Unicamp, IFGW, DEQ, Sala 210 - Caixa Postal 6165 - CEP 13083-5435 - E-mail: cepofEifi @unicamp.br - Tele-fone (19) 3788-5453 – Fax (19) 3788-5428. No Rio de Janeiro, no LIF (Laboratório de Instru-mentação e Fotônica - COPPE/UFRJ) - Centro de Tecnologia, Bloco I, sala 036 - CEP 21949-900 – Ilha do Fundão - Rio de Ja-neiro – RJ – Telefone (21) 2562-8201 - E-mail: [email protected].

O acervo está sendo formado por doações de livros e já conta com mais de 500 volumes, entre eles títulos da escritora homenageada, Maria Julieta, e de seu pai, o poeta Carlos Drum-mond de Andrade.

A nova biblioteca está localizada na Rua João Araújo, 117, no Parque Rubens Vaz, no Complexo da Maré, em Bonsucesso, no Rio de Janeiro. Para doações de livros, é preciso fazer contato pelo e-mail [email protected].

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22 Março•2006UFRJJornal da

Cultura

Joana Jaharailustração Patrícia Perez

O computador permite, com efeito, ao público, in-teragir instantaneamente com imagens, textos e sons. Torna-se, assim, possível associar diretamente e, em alguns casos, mais ou menos profundamente, consumo e produção da obra de arte. Através dessa intervenção, o público dá a ela existência e sentido. Mas o impac-to das mudanças tecnológicas sobre a obra de arte, para Edmond Couchot, uma das maiores autoridades mundiais em arte eletrônica, professor, pesquisador e dirigente do ATI, (Art et Technologie de l’Image, Uni-versité Paris VIII, França), não é uma exclusividade de obras interativas que se utilizam dos meios eletrônicos contemporâneos. Na verdade, de acordo com Carlos Augusto Moreira de Nóbrega, professor da Escola de Belas Artes (EBA), da UFRJ, a relação mais imediata entre autor, obra e público, já era constituinte das obras de participação surgidas na década de 1960, tendo Lygia Clark e Hélio Oiticica como um dos principais expoentes dessa arte no Brasil.

Origem renascentista

Pode-se dizer que a arte sempre esteve ligada à técnica (do grego teckné: designação dos fenômenos

As formas

Milhares de artistas vêm lançando mão de experiências tecnocientífi cas, o que se tornou inevitável em nossa cultura midiática. Mas, como entender as relações e interesses comuns entre arte e ciência?

artísticos). Mais precisamente, segundo Carlos Nóbrega, as relações entre tecnologia e arte remontam ao sécu-lo XV. Com o Renascimento, um período de grandes descobertas científi cas, a convergência entre arte e tecnologia começa a formar uma imagem mais nítida. Tais características sócio-culturais infl uenciaram pro-fundamente o surgimento de uma das tecnologias mais importantes para a evolução do conhecimento humano e do desenvolvimento epistemológico: a perspectiva linear”, afi rma o professor.

No Brasil, as primeiras experiências artísticas com as tecnologias digitais da informação ou o emprego do computador como instrumento heurístico no processo artístico, surgem com o ítalo-brasileiro Waldemar Cor-deiro. Em 1968, Cordeiro associa-se a Giorgio Moscati, pesquisador do Departamento de Física Nuclear da Universidade de São Paulo (USP), para realizar o que hoje são considerados os primeiros trabalhos de com-puter art. “Das experiências com imagens e algoritmos nasceram trabalhos como Beabá e Derivadas de uma imagem. Esse último tendo adquirido projeção nacional e internacional, conquistando a crítica de Jonathan Ben-thall, autor de Science and Technology in Art Today”, informa Carlos Nóbrega.

Segundo o próprio Waldemar Cordeiro, que também foi um dos expoentes do movimento concretista brasi-

artísticas da tecnologia

foi um dos expoentes do movimento concretista brasi-

leiro, “a arte concreta foi, no Brasil, a única que utilizou métodos digitais para a criação. Coincidindo com o período que apresentou o maior índice de industriali-zação, principalmente nas áreas urbanas, fornecendo algoritmos largamente utilizados para comunicação através dos meios industriais de produção”. Carlos Nóbrega também ressalta a importância da década de 1980 e o surgimento da geração high-tech, infl uenciada por Waldemar Cordeiro: “os seus trabalhos e articula-ções são analisados brilhantemente por Eduardo Kac em seu livro Luz & Letra (Editora Contra Capa, 2004), onde refl etem um pensamento original e ressonante às teorias e produções artísticas internacionais. Nessa mesma década, eventos como Electra, exibida no Museé dárt Moderne de la Ville de Paris (1983), ArtMedia, em Salermo, Itália (1985), e Electronic Arts Festival of Art and Technology, em Linz, Áustria (1989), demarcavam a cultura da communication art e ampliavam as bases para uma estética da comunicação”.

Conceituando a arteQuando se tenta conceituar essas tendências artís-

ticas, Carlos Nóbrega pensa na idéia de antiarte suge-rida por Eduardo Kac, onde as artes engendradas nas neotecnologias informacionais derivam, com algumas exceções, de um constante estado de emergência frente às turbulências que vivemos no agora. “Com o cresci-mento de uma cultura telemática (Ascott), em rede, vemos distribuídos e amplifi cados nossos poderes de

cognição e percepção. Isso afeta diretamente o pensar e o fazer artísticos, nos colocando constante-mente num estado de devir”, explica Carlos Nóbrega, afi rmando que “a mídia digital não introduz, por si, uma mudança paradigmática

no conceito de arte. O fato de estar fazendo uma aquarela com meios eletrônicos, através da

simulação, não enuncia, necessariamente, ques-tões conceituais, estéticas ou fi losófi cas, próprias

do fazer artístico. Mas, se um artista se apropria da interface, modifi cando-a, valendo-se deste novo meio como articulação criativa, pode, nesse sentido, estar operando no nível artístico e introduzindo novas questões. A técnica não

é a condicionante”. No famoso ensaio do fi lósofo da cultura Walter

Benjamim, A obra de arte na era da reprodutibili-dade técnica, datado de 1936, a autenticidade da

obra de arte está condicionada à sua existência única, seu “aqui e agora”. É essa autenticidade, a sua “aura”, que a reprodutibilidade põe em questão. Mas, para Carlos

Nóbrega, a cibercultura vai além e passa a não realizar-se mais no âmbito da

reprodutibilidade, e sim na atualização. “Com o auxílio das tecnologias numéricas da informação

a obra de arte assume sua existência no virtual e com isso incorpora atributos de emergência, ubiqüidade, telepresença e metamorfose de maneira seminal. Na cultura pós-moderna a imagem já se encontra virtual-mente nas redes, desterritorializada. Porém, esse texto traz uma refl exão profunda sobre os novos paradigmas introduzidos pelos fenômenos tecnológicos (fotografi a e cinema) e a sua repercussão. Analisar o passado é sempre um caminho para se entender o presente e o futuro”, fi naliza o professor.

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Março•2006 UFRJJornal da 23

Para lerCultura

Bruno Franco

Professor titular do Instituto de Física da UFRJ desde 1994, Nussenzveig, reconhece o papel central do curso universitário de Física Básica na formação de físicos, engenheiros e químicos, além de sua importância para matemáticos e biólogos.

O professor revela, em entrevista ao Jornal da UFRJ, que escreveu os quatro volumes – Mecânica; Fluidos e Oscilações; Eletromagnetismo; Ótica – quando ocu-pou a direção do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) de 1978 a 1982. “Para compensar essa interrupção em minhas atividades de ensino, resolvi empreender a redação do livro”, confi dencia o professor.

A obra é um esforço para entusiasmar e motivar os estudantes, recém chegados à universidade, “deforma-dos pelo aprendizado do Ensino Médio”. De acordo com Nussenzveig, esta deformação decorre de “condi-ções inaceitáveis de trabalho, formação, atualização, salário e desestímulo dos professores, além da falta de equipamentos, bibliotecas e laboratórios didáticos”.

Como forma de compensar essas defi ciências do ensino, em etapas anteriores à graduação, Nussenzveig - agraciado, em 1995, com a Grã-Cruz da Ordem Nacio-nal do Mérito Científi co – propõe a retomada de uma iniciativa lançada por Isaías Raw (professor emérito da USP), na década de 1970: Os cientistas. Consistia numa coleção de kits, distribuída, à época, pela Editora Abril para venda em bancas de jornal, “contendo materiais simples e baratos para reproduzir experimentos bási-cos”, relembra o físico, além ilustrações e biografi as de cientistas. “É importante que os jovens executem os experimentos com as próprias mãos”, ressalta Nus-senzveig.

Embora observe as difi culdades dos calouros, con-seqüência direta da má herança adquirida ao longo dos ensinos Fundamental e Médio, Moysés Nussenzveig destaca que os estudantes brasileiros nada devem aos seus colegas europeus ou norte-americanos. “Física é uma das áreas com melhor tradição: existem bons cursos de Física em universidades públicas das mais diversas regiões do país”, afi rma o professor.

Experimentos e demonstraçõesCurso de Física Básica (Edgard Blücher, 2002) prio-

riza o raciocínio e a intuição física. Assim, Nussenzveig enfatiza a compreensão dos conceitos e leis básicas da Física, o entendimento, em lugar da memorização de fórmulas. “Não basta um livro texto. É preciso que o curso teórico seja acompanhado por experimentos de demonstração em sala de aula e um bem planejado curso de laboratório”. Para tal “deve ser deixado bas-tante tempo livre, em lugar de manter alunos em sala de aula durante várias dezenas de horas por semana”, defende o professor.

Na obra, Nussenzveig esclarece que tentou “mostrar que a Física é um instrumento central para a compre-ensão da natureza”, apresentando-a “como um edifício acabado, mas sempre em construção, inclusive nos seus alicerces. Procurei esboçar a evolução histórica das idéias, que contribui para compreendê-las, e incluir a dimensão humana, retratando um pouco da carreira de alguns grandes físicos. Incluí a introdução de ferra-mentas matemáticas essenciais, sem pressupô-las co-nhecidas, no momento em que se tornam necessárias”, explica o físico. “A obra foi concebida como um todo, procurando introduzir cada conceito da forma mais simples e intuitiva possível, embora sem prejuízo da precisão”, conclui o professor.

Moysés Nussenzveig

Construindo bases sólidasInsatisfeito com os livros-texto, até então existentes, o professor Herch Moysés

Nussenzveig escreveu a prestigiada obra Curso de Física Básica

Autonomia e parceria: Estados e transformação industrialPeter Evans.Editora UFRJ, 2006, 404 páginas.

O papel do Estado na promo-ção do desenvolvimento está no foco dos debates econômicos atu-ais. Após décadas de hegemonia dos paradigmas neoliberais, que desqualificou, como anacrônica, qualquer atuação pública que vi-sasse disciplinar as regras do livre mercado, o pêndulo parece, pelo menos no que concerne à refl exão acadêmica, iniciar lentamente um

movimento em sentido inverso.Um dos méritos da obra de Peter Evans – atualmente na Univer-

sidade da Califórnia, em Berkeley, e autor do importante A tríplice aliança (Zahar, 1982), em que analisa as articulações entre Estado e capital (nacional e estrangeiro), que sustentaram a implantação da indústria petroquímica no País – é resgatar os estudos institu-cionais comparativos. Uma abordagem que procura explicações para as dinâmicas econômicas em determinações que vão além dos interesses utilitaristas imediatos dos indivíduos.

Evans evidencia que, apesar das suas diversas formas de organização e de relação com a sociedade, o Estado pode desem-penhar um papel efetivo na alavancagem da industrialização. A partir da análise do modo como, ao longo das décadas de 1970 e de 1980, agências estatais, empresariado local e corporações transnacionais contribuíram para o surgimento de importantes indústrias de informática no Brasil, na Índia e Coréia, mostra que o Estado predador, pronto a sugar os recursos da sociedade, sem lhe devolver nada em troca, não é a única alternativa no tabuleiro das políticas públicas.

Surge, assim, um quadro mais matizado e rico. Na Coréia, por exemplo, a análise de Peter Evans evidencia o caráter fundamental que jogou o Estado para o desenvolvimento dos setores de tecnolo-gia da informação, enquanto na Índia e no Brasil ele, algumas vezes, desempenhou nitidamente um papel positivo, outras, ao contrário, portou-se como um empecilho. Uma organização interna coerente de suas instâncias e fortes laços com a sociedade parecem ser pre-condições para que essas intervenções estatais tenham êxito.

Evans oferece, assim como assinala, com propriedade Paulo Bastos Tigre, do Instituto de Economia da UFRJ, no prefácio da obra, importantes sugestões para que o Brasil possa ingressar vantajosamente nos setores mais dinâmicos e tecnologicamente desafi adores da indústria globalizada.

Dialética e materialismo: Marx entre Hegel e Feuerbach

Benedicto Arthur Sampaio e Celso Frederico.

Editora UFRJ, 2006, 128 páginas.

Há, por certo, um retorno a Marx no campo dos estudos mar-xistas. Esse movimento, que se acelerou com a debacle das pri-meiras experiências socialistas no Leste Europeu, vem produzindo um conjunto de aportes instigantes sobre os fundamentos teóricos da produção do filósofo alemão. A obra de Benedicto Artur Sampaio, médico psiquiatra e preso político durante a ditadura militar, e de Celso Frederico, professor da Universidade de São Paulo (USP), que a Editora UFRJ acaba de publicar, se inscreve nesse esforço de (re) ler as obras marxianas, sobretudo as da juventude, sem os óculos deformadores do chamado marxismo-leninismo.

O foco principal dos autores é a Crítica da fi losofi a do direito de Hegel, obra de 1843, na qual Marx, então jornalista, analisa as teorias hegelianas do Estado que fundamentam tanto a crítica como a defesa do Estado prussiano. É bem conhecido que, quando editor do Rheinische Zeitung (Gazeta Renana), o jovem hegeliano se viu obrigado a opinar acerca de questões que envolviam os chamados “interesses materiais”, para as quais sua formação fi losófi ca anterior não oferecia qualquer base sólida. Ao contrapor-se a Filosofi a do direito, a obra mais conservadora de Hegel, Marx irá se apegar à fi losofi a materialista e sensualista de Feuerbach, autor infeliz-mente pouco estudado entre nós, e, em particular, à sua teoria da alienação. Aliás, o impacto da obra Feuerbach sobre Marx é objeto de controvérsia. Alguns verão nela, pelo menos em parte, a origem da conversão de Marx ao materialismo; outros, Althusser em particular, a acusaram de contaminar as produções do jovem fi lósofo de um “humanismo” que cabia expurgar. 1843 é, portanto, um ano crucial na trajetória marxiana.

Fugindo a tentação de tomar os textos marxianos juvenis como meras premonições e antecipações geniais de desenvolvimentos que apenas terão lugar nas obras da maturidade, Sampaio e Frederico sustentam a tese – sem dúvida polêmica – de que em sua crítica a Hegel de 1843, Marx teria recusado tanto o idealismo do velho fi lósofo como a própria dialética. Apenas nas obras posteriores, em especial em as Teses sobre Feurbach e em A Ideologia Alemã, a refl exão marxiana haveria de se reconciliar, agora defi nitivamente, com a dialética, essa fi lha do idealismo alemão.

Ao todo, são cinco ensaios que acompanham o amadurecimen-to de Marx e seu esforço por produzir uma síntese adequada entre o materialismo demandado pelas ciências empíricas e a dialética da grande tradição fi losófi ca alemã. É a essa encruzilhada de in-fl uências confl itantes que os autores nos conduzem.

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24 Março•2006UFRJJornal da

Personalidade

Joana Jaharailustração Jefferson Nepomuceno

Há 50 anos Guimarães Rosa revolu-cionava a literatura brasileira com Grande Sertão: Veredas. Considera-do pelos críticos como o principal

romance brasileiro do século XX, o livro inventou uma nova língua para traduzir a epopéia serta-neja. A história do amor proibido de Riobaldo, o narrador, por Diadorim, é o centro da narrativa, que além de técnica e linguagem surpreendentes, produz uma análise profunda dos confl itos psico-lógicos presentes na história. Este ano, também marca o aniversário de 60 anos de estréia literária do escritor, com a coletânea de contos Sagarana, e os 50 anos de Corpo de Baile.

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, centro-norte de Minas Gerais, em 1908. Formou-se em Medicina e clinicou pelo interior do estado. Mas, a profi ssão não foi o seu forte, nem a diplo-macia, atividade que se dedicou a partir de 1934, levado pelo domínio e interesse por idiomas. Em sua auto-análise, defi ne que “chegamos novamente a um ponto em que o homem e sua biografi a resul-tam em algo completamente novo. Sim, fui médico, rebelde, soldado. Foram etapas importantes de minha vida e, a rigor, esta sucessão constitui um paradoxo. Como médico, conheci o valor do sofri-mento; como rebelde, o valor da consciência; como soldado, o valor da proximidade da morte”. Guima-rães Rosa faleceu aos 59 anos, em decorrência de um enfarte, três dias após tomar posse na Acade-mia Brasileira de Letras.

Conservador?O lançamento do romance Grande Sertão: Ve-

redas, em 1946, causou um grande impacto na crítica. Essa, acostumada a um outro tipo de obra, de linguagem coloquial sóbria e narrativa de cará-ter social e temática nordestina, de autores como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Raquel de Quei-roz, José Lins do Rego, entre outros da segunda geração modernista, chocou-se com as inovações lingüísticas do livro. Guimarães Rosa, considerado um poeta da terceira geração, foi acusado de se dedicar excessivamente à forma, à linguagem, em detrimento do conteúdo.

Eduardo Coutinho, professor do Departamento de Ciência da Literatura da Faculdade de Letras/UFRJ e estudioso de Guimarães, afi rma que a acu-sação de ser conservador e alienado foi revista pela crítica posteriormente: “em princípio, não se havia percebido que essas inovações formais implicavam em algo muito mais amplo. A sua proposta era de caráter estético-político, onde a intenção era de parar, pensar e refl etir sobre as estruturas estabe-lecidas, verdades até então consideradas inquestio-náveis”.

Exemplos de trechos do livro não faltam para entender que as inovações postas por Guimarães Rosa ocorrem em todos os estratos da linguagem. Seja no plano do léxico, da sintaxe, da morfologia e também do fonético. “Em uma análise de caso morfolexical (morfológico e de vocabulário), logo no início do livro, o leitor se depara com a palavra sozinhozinho. Ele a estranha, porque ela não faz parte da norma corrente da linguagem. Esse estra-nhamento faz com que se pare um pouco a leitura e pense sobre qual o sentido em reduplicar o su-fi xo. A intenção é mostrar que a palavra sozinho é diferente de só. Isso é fascinante no Grande Sertão, porque são essas mudanças que alteram inclusive o plano da estrutura narrativa”, analisa Coutinho.

O romance é formatado inteiramente a partir da linguagem e é ela que dá vazão às ações e justifi ca

O deus e o diabo de

as façanhas dos jagunços, em um tempo indetermi-nado, mas num espaço defi nido, na fronteira entre Minas Gerais, Bahia e Goiás. É o sertão de Guima-rães Rosa, mítico, diferente do sertão circunscrito cientifi camente por Euclides da Cunha, em Os Sertões (1902), livro que, de acordo com Eduardo Coutinho, é re-metido com uma certa freqüência.

Ser e não serPara compreender a intenção de

Guimarães Rosa é preciso ir além. O ritmo do livro se diferencia em certos momentos, ora acelerado, ora lento, na mistura entre prosa e poesia. Elementos excludentes parecem se completar: Deus e o diabo, céu e terra, dia e noite, amor e violência, o bem e o mal, e a morte. “É uma formidável indagação sobre tudo isso, que vem de toda uma tradição literária. Afi nal, o diabo existe? É a pergunta que ele faz no livro. O protagonista Riobaldo se pergunta o tempo todo sobre o estranho sentimento que nutre em relação ao jagunço Diadorim (na ver-dade, uma mulher disfarçada de guer-reiro para vingar a morte do pai). Não ter percebido que era uma mulher é o que mais o atormenta. Para Guimarães Rosa, faz parte do aprendizado saber que é preciso haver distanciamento para enxergar uma devida situação”, afi rma Eduardo Coutinho. O Grande Sertão: Veredas conta com a experiên-cia biográfi ca do autor. Foi na região que ele cresceu. Relatar com um dis-tanciamento o faz entender e também descobrir situações ocorridas quando era jovem.

O olhar roseano desmonta toda uma tradição que sustenta a modernidade ocidental e que vem sendo posta em questão desde o início do século XX. Põe em xeque a perspectiva excludente da lógica cartesiana tradicional: “as coi-sas são ou não são. Isto é ou não é. To be or is not to be. No Grande Sertão, uma espécie de lógica inclusiva vai se opor a esse pensa-mento. Ao invés do ser ou não ser, tudo passa a ser e não ser. Com base nisso pode-se dizer da relação entre Rio-baldo e Diadorim: é e não é homosse-xual, é mulher e não é (inserindo o papel do sexto sentido), como todas as dúvidas de Rio-baldo que são e não são”, analisa Couti-nho. O que existe é o homem humano atravessado por es-pantos e perplexida-des onde o bem e o mal, ao invés de se oporem, acabam se completando. Enfi m, eternas contra-dições humanas. O diabo existe.

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