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1 Afretamento de Navios Grande Porte no Transporte de Minério de Ferro: Estudo de Caso da Vale S/A Autoria: Fellipe Façanha Adriano, Léo Tadeu Robles, Sergio Sampaio Cutrim Resumo O transporte marítimo é responsável por 80% do transporte mundial de mercadorias. Navios graneleiros de grande porte reduziram custos logísticos na exportação de minério de ferro, apesar da sua relativa pouca disponibilidade e restrições físicas nos portos. O artigo analisa esse mercado de transporte pela oferta de navios, formas de contratação e a correlação entre valores de frete e preços do produto. Estudo de caso da Vale compreende referências bibliográficas e aplicação de entrevistas semiestruturadas, constatando-se a estratégia da Vale para operar navios de grande porte num mercado complexo e volátil com variações diretamente associadas à da economia mundial.

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Afretamento de Navios Grande Porte no Transporte de Minério de Ferro: Estudo de Caso da Vale S/A

Autoria: Fellipe Façanha Adriano, Léo Tadeu Robles, Sergio Sampaio Cutrim Resumo O transporte marítimo é responsável por 80% do transporte mundial de mercadorias. Navios graneleiros de grande porte reduziram custos logísticos na exportação de minério de ferro, apesar da sua relativa pouca disponibilidade e restrições físicas nos portos. O artigo analisa esse mercado de transporte pela oferta de navios, formas de contratação e a correlação entre valores de frete e preços do produto. Estudo de caso da Vale compreende referências bibliográficas e aplicação de entrevistas semiestruturadas, constatando-se a estratégia da Vale para operar navios de grande porte num mercado complexo e volátil com variações diretamente associadas à da economia mundial.

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1. Introdução

O cenário globalizado atual tem como característica relações comerciais entre regiões geograficamente distantes, como Brasil e países da Ásia, decorrentes da necessidade crescente de matérias primas e produtos manufaturados. O transporte marítimo é o maior responsável pela transferência dessas cargas. Segundo Magalhães (2007), esse modal responde por mais de 80% do comércio mundial de mercadorias. No Brasil, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ, órgão regulador das atividades de transporte aquaviário e da infraestrutura portuária o transporte de mercadorias, via marítima, em tonelagem, foi responsável por 96% das exportações. (Antaq, 2011). Do ponto de vista tecnológico, têm se se apresentado avanços significativos, por exemplo, o aumento da eficiência dos navios tanto em velocidade como capacidade de carga, representando redução de custos e economias de escala. Um exemplo típico é o da Vale S/A. Após a crise financeira mundial de 2008, o principal centro consumidor do minério de ferro, passou da Europa para a China. Para continuar com o produto viável, a Vale buscou economias de escala com utilização de navios maiores, obtendo a redução do custo unitário do frete por tonelada transportada. No entanto, essa estratégia apresenta limitações, a saber, comparativamente, são poucos os navios de grande porte ofertados para afretamento e restrições físicas em portos, seja pela profundidade de canal de acesso e berços, como pela extensão desses berços, fazendo com que apenas alguns clientes conseguem receber navios desse porte. A empresa tem desenvolvido alternativas para superar tais obstáculos, inclusive algumas já em prática, como a utilização de navios da classe Valemax (navios com capacidade superior a 400.000 DWTi) contam com um ponto de transhipment em Subic Bay, Filipinas, onde o produto é transbordado para navios de menor porte capazes de atracar nos portos dos grandes centros consumidores. A Vale também se apresenta como uma das maiores contratantes de navios graneleiros de grande porte e, nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo compreender o funcionamento desse mercado de afretamento para o transporte de minério de ferro, focalizando o caso da empresa. Dessa forma, apresentam-se os processos de contratação de navios, característica de sua oferta mundial e analisa-se a correlação entre o índice de preços do mercado de afretamento e a evolução do preço do minério de ferro no mercado internacional.

2. O transporte marítimo

O transporte marítimo tem papel relevante no desenvolvimento da humanidade, pois foi pelo mar que foram feitas as primeiras trocas comerciais e, mais tarde, as grandes descobertas (Ferreira, 2010). A evolução do transporte marítimo de cargas está ligada ao desenvolvimento dos portos e o aperfeiçoamento dos navios, numa relação intrínseca de causas e efeitos. O comércio mundial ocasionou a necessidade da produção e de transportes cada vez maior. Magalhães (2007) aponta o modal marítimo como a “espinha dorsal” da globalização, respondendo por mais de 80% do comércio mundial de mercadorias e apresentando taxa média anual de crescimento estimada em 3,1% nas três últimas décadas. O modal marítimo tem seu comportamento associado à evolução da economia global, acompanhando as crises econômicas, como a que ocorreu em 2008. Dados da Conferência para Desenvolvimento e Comércio das Nações Unidas – UNCTAD (sigla em inglês), a economia mundial terminou 2009 apresentando recessão de 2,1%, primeiro cenário de queda

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desde a década de 30. Refletindo esse indicador, o comércio marítimo mundial também apresentou retração de 13,6%. No entanto, já em 2010, com a economia mundial em recuperação, crescendo 3,9%, o comércio marítimo responde apresentou a significativa taxa de 15,7%. (Unctad, 2010). No Brasil, segundo dados da ANTAQ, a via marítima em 2011 foi responsável por 84% em valor e 96% das exportações, conforme ilustra a Figura 1.

Figura 1. Participação do modal marítimo no comércio exterior brasileiro. Fonte: ANTAQ (2011).

O ano de 2009 foi sido marcado por queda nas operações dos portos brasileiros, cerca de - 4,6% em relação a 2008, porém em 2010, observou-se a retomada do seu crescimento, inclusive batendo recorde movimentação. Em 2011, novamente o recorde foi superado (Antaq, 2011). A Figura 2 apresenta que o granel sólido é, em volume, o tipo de carga mais movimentado no Brasil, com cerca de 60% de todas as cargas transportadas..

Figura 2. Brasil: Evolução na movimentação de cargas, por natureza. Fonte: Adaptado de ANTAQ (2011).

2.1 Características Transporte Marítimo O transporte marítimo apresenta-se como a alternativa mais econômica para o transporte de grandes volumes, tais como granéis sólidos e líquidos, principalmente por taxas de frete relativamente menores, compensando a menor velocidade na movimentação, a qual, integrada no sistema logístico poderá funcionar como uma forma de armazenagem em trânsito. (Bowersox, Cooper e Closs, 2001). No transporte internacional, aponta Ballou (2006), o transporte marítimo é o que melhor se apresenta, pois, com o aumento da capacidade dos navios, o transporte mais econômico garantiu o acesso a matérias primas geograficamente dispersas, colocando-as a preços competitivos em mercados cada vez mais distantes.

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2.2 Transporte de Granéis Sólidos O transporte de granéis sólidos possui quatro peculiaridades, segundo Stopford (2009):

- Elevado volume: Transportes de granéis, para serem viabilizados, são necessários que haja um volume suficiente para o movimento de um navio;

- Manuseio e acondicionamento: Produtos como minérios e carvão são movimentados a granel por equipamentos automáticos e especializados;

- Valor da carga relativamente mais baixo: Para produtos de maior valor agregado é mais vantajoso transportá-los em lotes menores. Commodities, como o minério de ferro, podem ser estocadas por mais tempo;

- Regularidade do fluxo de comércio: quanto maior a regularidade de recebimento e expedição das cargas, mais se tornam viáveis sistemas de manuseio de granel.

A maior movimentação marítima de granéis é de minério de ferro, seguido pelo carvão (Stopford, 2009). A Tabela 1 evidencia que a soma todas as outras cargas negociadas em mercado spot, em bolsas de mercadorias, entre os anos de 2001 e 2002, não se iguala às transações de minério de ferro. Observa-se também que sua consignação média é a maior, atingindo quase 150.000 t por viagem, indicando o uso de navios de grande porte.

Tabela 1: Cargas de granéis sólidos negociadas em mercado spot (2001 - 2002)

Fonte: Adaptado de Stopford (2009).

Somente seria possível tornar o minério de ferro brasileiro competitivo no mercado do Extremo Oriente, ao se transformar distâncias “físicas” em “econômicas”, afirmou Magalhães (2007), com a utilização de navios especializados de grande capacidade, sem guindastes de bordo, com roteiros fixos a partir de terminais de alto desempenho nas operações de embarque e desembarque de minério.

2.3 Navios graneleiros e suas classes No presente trabalho, o termo “navio graneleiro” será usado para se referir aos navios para o transporte de granéis sólidos, visto que os granéis líquidos não fazem parte do seu escopo. Os navios graneleiros são destinados ao transporte de grandes quantidades de carga homogênea, a granel, como minério de ferro, carvão, cimento, trigo, dentre outros, e se caracterizam por um longo convés principal em que o único destaque são os porões por onde são feitas as operações de com carga/descarga.

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Tabela 2: Classes de navios graneleiros e suas respectivas dimensões

Fonte: Adaptado de Magalhães (2007) e Propulsion Trends in Bulk Carriers – MAN B&W (2007).

A Tabela 2 apresenta a classificação desses navios em relação ao seu porte expresso em DWT. O termo Panamax designa os navios que têm o tamanho máximo para transitar através do canal do Panamá, ou seja, 275 m de comprimento; 32,3 m de largura e 12 m de profundidade. A denominação Capesize se refere a navios de grande porte e que excedem as dimensões dos Canais do Panamá e de Suez, utilizando-se do contorno do Cabo da Boa Esperança como rota. Os navios Very Large Bulk Carrier - VLBC são navios com DWT acima de 250.000 MT como o Bergh Stahl e o Brasil Maru. A classe Valemax se refere a navios com projeto realizado pela própria Vale S.A., representando uma nova geração de navios graneleiros, com capacidade de 400.000 DWT. A Figura 3 apresenta distribuição de navios por idade, mostrando a tendência de navios cada vez maiores. Navios Smallsize com menos de cinco anos praticamente não tem representação na frota, enquanto que no mesmo período, os VLBC têm a maior quantidade de unidades. Salienta-se que o relatório da MAN B&W é de 2007, não considerando os 18 Valemax atualmente em operação.

Figura 3. Idade da frota mundial de navios de granéis sólidos. Fonte: Man B&W - Propulsion Trends in Bulk Carriers (2012).

O aumento dos tamanhos dos navios graneleiros se iniciou por volta de 1960 com a classe Handysize. O aumento do porte dos navios apresenta desafios e limitações sob dois pontos de

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vista: da engenharia naval e do sistema portuário. A engenharia naval evoluiu bastante nas últimas décadas, desenvolvendo embarcações cada vez maiores e mais eficientes. No entanto, o projeto de estrutura que consiga suportar os esforços causados por cargas superiores a 400.000 DWT ainda não se apresenta viável tecnicamente. Além disso, há a questão do consumo de combustíveis (bunker), pois, quanto maior for a capacidade, maior será seu consumo, conforme é mostrado na Tabela 3. A necessidade de armazenar uma quantidade maior de bunker reduz a capacidade de carga útil do navio, reduzindo assim sua eficiência econômica.

Tabela 3: Consumo diário de bunker

Fonte: Vale (2012).

Outra restrição se refere ao próprio sistema portuário. A Tabela 2 apresenta que os maiores navios, classe Valemax, precisam de cais com uma profundidade mínima de 23 m e de extensão superior a 400 m, o que, por si só, restringe a quantidade de portos que esses navios conseguem operar. Apesar da consignação média apresentada na Tabela 1 (30.119 t), no transporte de minérios e carvão, os navios da classe Capesize ou superior são os mais utilizados para a movimentação de minério de ferro, sendo que os Capesize representam 29,5% da capacidade total da frota. (Tabela 4). A Vale conta com 18 Valemax em operação, sendo previsto que até o final de 2013, deve haver 35 navios dessa classe em operação (Valor Econômico, 2012).

Tabela 4: Oferta mundial de navios graneleiros

Fonte: Adaptado de Man B&W (2012) - Propulsion Trends in Bulk Carriers.

2.4 Serviço de navegação livre – Tramp O serviço tramp é caracterizado por não operar com rota e nem escalas programadas. As viagens geralmente são marcadas pela eventualidade e o valor do frete acordado a cada caso em função das características da viagem (distância, quantidade) como também pela oferta e demanda de frota, dentro de um mercado altamente competitivo. É mais comum observar a operação desses no transporte de matérias primas, geralmente granéis. Os navios utilizados são de grande porte e raramente se utilizam da unitização de

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cargas. Outra característica é que, como não possuem grande estrutura física, os armadores se utilizam de brokers para encontrar seus clientes (Botter, 2012).

2.5 O mercado e seus agentes Stopford (2009) definiu quatro tipos de mercados de transporte marítimo:

- Construção de navios novos: novas embarcações encomendadas aos estaleiros;

- Compra e venda de navios usados: navios são vendidos ou comprados para continuarem em operação;

- Demolição: ou por grande tempo de uso, ou baixo desempenho, o navio é vendido como sucata;

- Afretamento: é aquele onde são celebrados e encerrados os contratos de frete.

O foco do trabalho será o mercado de afretamento. A movimentação de cargas e as distâncias entre o local de produção e o cliente tornam a contratação de um navio bastante dificultosa, visto as inúmeras possibilidades de navios, bem como sua localização. Nesse sentido, Botter (2012) aponta que esses mercados estão fragmentados e espalhados pelo mundo, de tal forma que as transações são feitas por meios de comunicação, em vez de um local físico. Assim, os brokers, agentes responsáveis pela intermediação entre interessados viabilizam para qualquer afretador, aquele que busca transporte para sua carga, contratar o armador, empresa mercantil que opera um navio próprio ou alugado com fins comerciais. Botter (2012) propõe três tipos de brokers:

- Broker do armador: sua função é procurar utilização para os navios do armador, o representando na contratação de transportes, com conhecimento das embarcações e domínio da situação do mercado de fretes, fornecendo ao armador um relatório diário sobre os fechamentos do dia anterior;

- broker do afretador: é a função oposta a do broker do armador, sendo responsável por conseguir um navio para a carga de seu cliente. É requisito conhecer as informações do tipo de carga que ele representa, como fator de estiva, condições de manuseio e transporte e restrições dos portos;

- Broker competitivo: em uma situação ideal, apenas armadores, afretadores e os brokers que os representam estariam envolvidos em uma negociação. No entanto, existem os brokers competitivos, que prestam auxílio aos dois outros tipos de agentes, disseminando as informações do mercado.

O resultado dessas interações entre esses agentes é o fechamento dos contratos de afretamento. Existem quatro principais tipos de contratos praticados no mercado Tramp: Voyage Charter, Time Charter, Contract of Afreightment – COA e Bareboat charter. As vantagens de cada um estão nas diferentes durações e responsabilidades de armadores e afretadores. Não se pode afirmar que existe a melhor modalidade, mas aquela que, dentre uma série de trocas compensatórias, melhor se adequa as necessidades dos envolvidos. Stopford (2009) as definiu como segue:

a) Voyage Charter É a forma de contratação mais simples. Consiste no afretamento para o transporte de uma dada carga entre dois portos por um preço pré-determinado. Vieira (2003) afirma que a responsabilidade pela posse e gestão do navio, como custos com tripulação e combustíveis, é do armador. Com relação aos custos operacionais de embarque e desembarque da carga, podem ser acordadas de várias maneiras.

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Nessa modalidade existe a incidência de cobrança ou prêmio, caso o embarque ou desembarque ocorra fora do prazo acordado. São conhecidos no mercado como demurrage, tarifa diária cobrada pelo atraso no carregamento, e despatch, gratificação ao afretador por operar o navio em tempo menor que o prazo contratual.

b) Time Charter Nesse tipo contrato o controle operacional dos navios fica com afretador, deixando a sua propriedade e gestão de responsabilidade do armador. Essa modalidade subdivide-se em charter trip, em que é contratado pelo tempo necessário para completar uma única viagem, ou charter period, quando o navio pode ficar contratado por meses ou anos. Os principais clientes desses armadores são empresas de petróleo e da cadeia siderúrgica. Durante o contrato, o armador continua arcando com os custos de operação do navio, a equipe de manutenção e tripulação, por exemplo, e também decidindo acerca das questões náuticas. Já o afretador dirige as operações comerciais do navio e paga todas às despesas de viagem (bunkers, tarifas portuárias e taxas de uso de canais) e de movimentação de carga. Apesar aparentemente simples essa modalidade de contrato é complexa, envolvendo riscos para ambas as partes. Os detalhes contratuais devem contemplar informações como a velocidade do navio, o consumo de combustível e capacidade de carga. Caso esses padrões não sejam atendidos, os termos de contratação deverão ser ajustados.

c) Contract of Afreightment – COA É a forma de contrato no qual armadores e afretadores pactuam transportar uma série de cargas parceladamente por um preço fixo por t, sendo a maior parte dessas negociações grandes cargas de granéis sólidos, como carvão e minério de ferro. A vantagem sob o ponto de vista do afretador consiste no fato de acertar os termos contratuais em um momento apenas. Para os armadores, pode-se citar como vantagem poder planejar o uso de seus navios da maneira que ele julgar mais eficiente. Caso exista um intervalo suficientemente grande entre os carregamentos, o armador consegue alocar esse navio em outras viagens.

d) Bareboat charter Em português, afretamento ou arrendamento a “casco nu”, essa modalidade é adequada para a companhia que possua pleno domínio operacional dos navios, mas que não deseja ser proprietário do mesmo. O afretador fica responsável pela embarcação durante um período pré-determinado (geralmente entre 10 e 20 anos). Vieira (2003) afirma que suas obrigações vão desde a armação, nomeação do capitão e tripulação, bem como arcar com todos os custos, sejam eles fixos ou variáveis. O fretador por sua vez, tem que arcar apenas com os custos de capital, sendo remunerado mensalmente baseado no porte do navio (em DWT). O frete é pago mesmo que a embarcação esteja fora de operação, como em momentos de reparos.

2.6 Fechamento de contratos de afretamento Botter (2012) indica que o processo de negociação começa com o afretador comunicando ao mercado, mais especificamente ao broker, sua necessidade de transporte, contemplando quantidade da carga e períodos para o embarque e para descarga no destino. Esses agentes têm a função de colher as informações que os armadores repassam acerca das características e posição de seus navios. De posse dessas informações e da necessidade do afretador, o broker repassa uma relação da oferta de navios, questionando se a carga existe alguma peculiaridade ou preferência pelas embarcações sugeridas. Após a análise, o afretador pode pedir uma oferta de frete de um ou mais armadores. Depois de definir sua preferência, a negociação ocorre em condições normais, permitindo que os

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afretadores possam fazer contra ofertas, prosseguindo até que ambas as partes cheguem a um acordo. A Figura 4 resume o processo de negociação proposto por Botter (2012).

Figura 4. Representação do processo de negociação apresentado Botter (2012) Fonte: Autores.

2.7 Dry Baltic Index - DBI O Baltic Dry Index – BDI, criado em 1999, é um índice emitido diariamente pelo Baltic Exchange em Londres, dos preços de fretes praticados no mercado mundial de afretamento de navios para transporte de granéis sólidos, como minério de ferro, carvão, cimento, madeira e grãos (Ying, 2010). O BDI mede o custo do espaço em navios cargueiros que transitam em 26 principais rotas marítimas e é obtido dos valores das modalidades Time Charter e Voyage Charter. As variações do BDI podem ser causadas não somente pelos movimentos da demanda dos produtos, mas também pelo aumento da oferta de espaço em navios. Além da oferta de espaço e da oferta e procura por commodities, o valor do frete, sofre impacto por outros fatores. Um dos mais relevantes é o preço do bunker. Estima-se que esse represente entre um quarto e um terço do custo total da operação de um navio. (Stopford, 2009).

Figura 5: Histórico do Baltic Dry Index (DEZ/2007 ~ DEZ/2012) Fonte: Bloomberg (2012).

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O BDI é composto pela média ponderada dos valores de frete, usando como base 1000 (valor inicial desse índice em 1999). A Figura 5 evidencia a grande oscilação do índice que apresenta um máximo acima de 11.000 pontos e mínimo abaixo de 700, nos meses de maio e dezembro de 2008, pelo impacto da crise financeira internacional. Nos cinco anos apresentados, o BDI não recuperou os patamares de 2007.

3. Metodologia

Este trabalho optou o método hipotético-dedutivo, o qual, segundo Marconi e Lakatos (2003), consiste na observação de fatos e fenômenos tal como ocorrem espontaneamente, na coleta de dados e registro de variáveis que se presumem relevantes. A metodologia compreendeu pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e visitas ao sítio da Vale (TPPM), onde foram realizadas entrevistas semiestruturadas com especialista em operações portuárias e, por e-mail com responsável pelo afretamento de navios, localizado no Rio de Janeiro (RJ). Da mesma forma, obteve-se acesso a sítios eletrônicos especializados, principalmente no que se refere a evolução de preços e fretes. Gil (1996) classifica a pesquisa, segundo seus objetivos gerais, em três grupos: exploratórias, descritivas e explicativas, referenciando-se a marco teórico e aproximação conceitual ao ponto de vista empírico. O autor aponta ainda a necessidade de se estabelecer um delineamento, ou seja, um planejamento da pesquisa, no qual, o elemento mais importante é o procedimento adotado para a coleta de dados, o qual divide em dois grupos: (a) Fontes de papel, dados obtidos da pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental; e (b) Fontes de pessoas, obtidos por meio de pesquisa experimental, ex post facto, de levantamento e do estudo de caso. De acordo com a abordagem de Bryman e Bell (2007), esta pesquisa caracteriza-se quanto a) ao seu propósito como um estudo de multicasos; b) à estratégia de pesquisa como qualitativa e c) seu método específico foi o de entrevistas por questionário semi-estruturado e internet research methods (método de pesquisa pela internet) Note-se que o estudo foi decorrente de trabalho final de curso de pós-graduação lato sensu desenvolvido em São Luiz (MA) em parceria entre a Valer, órgão de treinamento e desenvolvimento da Vale e a Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Dessa forma, conseguiu-se acesso a informações da empresa e aos responsáveis pela operação de afretamento, entretanto, por cuidados em relação a sua confidencialidade, foi assegurado seu uso essencialmente acadêmico, assim como, a omissão de valores específicos obtidos.

4. A Vale S.A. A Companhia Vale do Rio Doce foi criada em 1942, durante o governo de Getúlio Vargas. Suas operações se concentravam apenas no eixo Vitória-Minas. Já no final da década de 90, a empresa foi privatizada. Atualmente, com operações em diversas partes do globo, é a segunda maior mineradora do mundo e a maior empresa privada da América Latina. É também a maior empresa produtora de minério de ferro e a segunda maior produtora de níquel. Possui operações de exploração de cobre, carvão, manganês, ferro-ligas, fertilizantes e cobalto. Atua também no setor de logística, siderurgia e energia. (Vale, 2012).

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Figura 6. Participação dos países importadores de minério de ferro do TPPM Fonte: Vale (2012).

No TPPM, o maior destino das exportações foi o continente asiático, com quase 69% do total embarcado (Figura 6), com a China predominante, sendo que quase metade da produção do minério de ferro de Carajás lhe é destinada. A demanda chinesa por minério de ferro pode ser considerada mais favorável aos concorrentes da Vale situadas na Austrália, com a diferença entre os preços dos fretes (Figura 7) vantagem competitiva no mercado chinês, pela menor distância.

Figura 7. Comparação entre valores de frete originários do Brasil e Austrália para a China Fonte: Baltic Exchange (2010) as cited in Lloyd List (2010).

Tendo em vista a competitividade do seu minério de ferro a Vale integra suas operações logísticas desde suas minas até o porto. No entanto, a empresa considera o domínio sobre o transporte marítimo estratégico logisticamente, segundo informações obtidas, até o final de 2013 ela contará com uma frota própria constituída de 45 navios, incluindo 12 navios petroleiros de segunda mão que serão convertidos em VLBC, e duas Estações Flutuantes de Transferência – EFT convertidos a partir de VLBC. A Figura 8 apresenta a projeção de composição da frota de navios da Vale.

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Figura 8. Composição da frota própria da Vale Fonte: Vale (2012)

No entanto, conforme já citado, não são todos os portos que operam navios das dimensões dos Valemax. Na China, maior importador do minério da Vale, esses navios não estão autorizados operar. Para contornar esse problema, a empresa implantou estações de transbordo, também conhecidas por Estações Flutuantes de Transferência – EFT. Essas embarcações, por meio de guindastes grab, retiram o minério de um navio mãe e o transbordam para um receptor. As EFTs estão localizadas estrategicamente e a das Filipinas já se recebe navios Valemax dos terminais da Ponta da Madeira e Tubarão. A estação de Bulsan, na Malásia, está em fase de implantação. A Figura 9 apresenta a localização desses pontos de transbordo.

Figura 9. Localização de pontos de transbordo de minério de ferro Fonte: Vale (2012)

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4.1 Coleta e análise de correlação das séries de dados Uma das características do mercado de afretamento marítimo é a sua volatilidade, com inúmeros fatores o influenciando, o que com a dificuldade em obter séries históricas dessas variáveis, fez com que a análise desenvolvida se restringisse à correlação entre o valor do minério de ferro e o Dry Baltic Index no período compreendido entre janeiro de 2008 a novembro de 2012. A Figura 10 apresenta a evolução do preço do minério de ferro, podendo se constatar um pico com valor superior a US$ 197/t, no início de 2008, devido ao crescimento da demanda da China. No entanto, a crise financeira internacional nesse mesmo ano, fez com que o preço dessa commodity caísse significativamente até o mínimo de US$ 59,78/t. Após mais de um ano com valores abaixo da média do período observado, a economia volta a dar sinais de recuperação e assim até o final de 2011, sustentado pelo incremento da demanda devido à reconstrução no Japão, após terremoto seguido por tsunami do começo do ano de 2011 (UNCTAD, 2012).

Figura 10. Preços do minério de ferro no mercado spot Fonte: Adaptado de Ycharts (2012)

O DBI foi utilizado também para observar a evolução do cenário econômico mundial. No período apresentado na Figura 11, constata-se que a alta do preço do minério de ferro em meados de 2008 também se refletiu nos valores cobrados nos fretes marítimos nessa época com um recorde de 11.400 pontos. Ying (2010) associa esse fato ao aumento da produção industrial chinesa, que deixa de ser exportar para ser importadora de carvão.

Figura 11. Dry Baltic Index referente à janeiro/08 a novembro/12 Fonte: Adaptado de Bloomberg (2012)

A crise financeira de 2008, além do preço do minério de ferro, também causou queda no DBI, que permanece abaixo da média durante quase todo o período observado. A taxa de utilização

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cada vez maior dos navios reforçou os sentimentos de recuperação do mercado em meados de 2011. Um dos vários fatores que levou a elevação do indicador foi o aumento da demanda asiática por minério de ferro e carvão. Ainda no final de 2011 ocorreu uma redução contínua do índice, atingindo o seu recorde negativo de 680. (UNCTAD, 2012). Tendo em vista a análise da relação entre as variáveis selecionadas, foi feita a análise de correlação estatística. Ressalta-se que não é função dessa análise identificar relações de casualidade. A Figura 12 apresenta a evolução do preço do minério de ferro e do DBI, variáveis selecionadas, observando-se dois comportamentos distintos para essas séries. Até maio de 2010, as tendências para as duas variáveis seguem padrões semelhantes. No entanto, a partir desse período, elas divergem.

Figura 12. Comparação entre o preço do minério de ferro e o Dry Baltic Index Fonte: Autores

De forma análoga, têm-se os valores de correlação calculados que para o período todo foi de aproximadamente 0,5 e nos períodos de janeiro de 2008 a maio de 2010 e a partir de junho de 2010, 0,85 e 0,24, respectivamente. Esses resultados levam a considerar que o valor da matéria prima exerce influência no mercado de afretamento de navios, o que é mais perceptível quando se utiliza maio de 2010 como intervalo. A hipótese da existência de uma correlação a partir da Figura 12 para o primeiro intervalo é comprovada pelo seu valor de 0,85, ou seja, de alta correlação. No entanto, o outro intervalo diverge do primeiro, com coeficiente de correlação baixo, aproximadamente 0,24, o que pode ser explicado por algumas hipóteses, conforme identificado nas entrevistas realizadas. A primeira delas é que, caso o mercado tenha seguido a tendência de encomendar novos navios quando está em pico, assim como estava em 2008, a entrega dessas embarcações ocorreram aproximadamente dois anos depois, incrementando a oferta de espaço, mantendo o valor de frete abaixo da média do período, salvo alguns meses. A outra hipótese que o preço do minério de ferro no mercado spot tenha se elevado, sem haver necessariamente um aumento na quantidade transportada. Dessa forma, seria preciso que fosse analisada a quantidade de navios entregues nesse período e quantidade de minério de ferro transportada pelo modal marítimo, o que não foi possível pela não disponibilidade de informações para o período.

5. Considerações finais

A partir da revisão da literatura e busca em sítios especializados, pôde-se compreender, em linhas gerais, como se dá o processo de contratação de afretamentos marítimos e como os fatores intervenientes desse mercado se relacionam.

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Os valores analisados mostraram a oferta mundial de navios graneleiros, bem como a tendência do aumento de seu porte e as formas mais comuns de negociações, de fechamentos dos contratos e os principais termos e agentes do mercado. A análise de correlação identificou a relação entre as variáveis: preço do minério de ferro no mercado spot e o DBI e suas variações associadas à crise financeira de 2008. No entanto, a dificuldade em se obter mais dados sobre variáveis de impacto sobre o DBI foi uma das limitações do trabalho. Dessa forma, sugere-se como próximos estudos estender a análise utilizando mais variáveis e mesmo, a partir da série histórica de variáveis estatisticamente relevantes, a elaboração de modelo para estimar as possíveis relações e eventuais variações dos valores praticados no mercado de afretamento marítimo.

Referências

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i Os navios são classificados por tamanho medido em DWT (deadweight ton) ou seja, peso total que o navio movimenta, incluindo a carga, combustível, óleo, tripulação, peças sobressalentes, suprimentos, água potável e água de lastro expresso em toneladas métricas, como segue: Handymax: 30,000 – 50,000 DWT; Panamax: 50,000 – 80,000 DWT; Cape Size (Pos-Panamax) 80,000 – 200,000 DWT; Very Large Ore Carrier (VLC) 150,000 – 300,000 DWT; Ultra Large Ore Carrier (ULC) over 300,000 DWT (STOPFORD, 2009).