Afonso, Janeiro - 2010 - Conectividade Plena Para Todos Um Desafio Mundial

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    RECIIS R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Sade. Rio de Janeiro, v.4, n.4, p.114-120, Nov., 2010

    [www.reciis.cict.fiocruz.br]e-ISSN 1981-6278

    Conectividade plena para todos: um desafio mundial

    Carlos A. AfonsoDiretor do Instituto NUPEF, Rio de Janeiro, e membro do conselho do Comit Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). [email protected]

    DOI:10.3395/reciis.v4i4.416pt

    Resumo A relativa precariedade tanto da universalizao como da qualidade da chamada banda

    larga para conexo do usurio final internet no pas , em boa parte, resultante dos

    caminhos de consolidao empresarial aps a privatizao das telecomunicaes.

    Um cartel de poucas operadoras privadas controla as espinhas dorsais de internet,

    bem como os circuitos que levam conexo discada ou permanente ao domiclio. A

    expanso segue a lgica estrita do mercado, condenando a maioria dos domiclios

    brasileiros desconexo eterna, se uma poltica pblica no inverter esse processo.

    O autor analisa a atual situao de fornecimento da conexo permanente internet

    para o usurio final, o papel das operadoras privadas e a proposta governamental

    de realizar um programa abrangente de universalizao da banda larga sob a

    coordenao de uma empresa estatal, a Telebrs o Programa Nacional de Banda

    Larga (PNBL). Analisa tambm a importncia de se considerarem critrios de

    neutralidade da rede, que contribuem para a melhora da qualidade do servio, como

    parmetros para estabelecer metas de servio no PNBL e em uma possvel regulao

    de servios de conectividade e transporte de dados.

    Palavras-chave banda larga; internet; neutralidade da rede; qualidade de servio; universalizao

    Ensaios

    O Idec considera a banda larga2 um servio essencial ao cidado, por isso luta por sua

    universalizao. Porm, pesquisa realizada pelo Instituto constata que ela lenta, cara e

    restrita a uma minoria. (Direito de todos, pesquisa sobre a banda larga publicada na

    Revista do Idec, So Paulo: julho de 2010.)

    A sntese da situao dos servios de conectividade

    para o usurio final fornecidos pelas operadoras brasileiras

    resumida de modo preciso na introduo do texto que

    descreve a pesquisa do Idec realizada com cinco operadoras

    (Ajato, GVT, NET, Oi e Telefnica). O Instituto Brasileiro de

    Defesa do Consumidor (Idec) constata que o cartel fixa

    preos e regras arbitrariamente, e que parecem competir pela

    pior qualidade de servio. Segundo a pesquisa, o brasileiro

    paga em mdia US$28 [por ms], valor que chega a 4,58%

    da renda per capita no pas [...] [enquanto] nos Estados

    Unidos o valor de apenas 0,5% da renda per capita dos

    americanos, e na Frana de 1,02%.3

    Acrescente-se que os brasileiros pagam muito mais para

    ter velocidades bem menores e pssima qualidade de servio.

    Em boa parte, essa situao decorrncia de uma opo

    necessria na poca em que se criou o Comit Gestor da

    Internet no Brasil (CGI.br), em 1995: os servios de conexo

    e transporte de dados, e todas as camadas acima destes

    (aplicaes e contedo), que em seu conjunto constituem

    a internet, passaram a ser considerados como servios de

    valor adicionado. A alternativa seria subordinar as camadas

    de conexo e transporte de dados da internet legislao

    (j em obsolescncia na poca) de telecomunicaes e

    correspondente estrutura de regulao ainda incipiente.4 A

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    privatizao da estrutura nacional de telecomunicaes em

    1998 preservou essa regra.

    Uma consequncia aparentemente no intencional da

    privatizao foi o fracasso das empresas espelho, resultando

    na consolidao de trs monoplios privados regionais

    (Telemar, BR Telecom e Telefnica) e trs monoplios

    setoriais (a rede de TV a cabo NET e duas operadoras de

    longa distncia, Embratel e Intelig). Como na telefonia (em

    que algumas empresas locais continuaram autnomas, mas

    irrelevantes em escala), na TV a cabo, a NET consolidou

    sua posio praticamente monoplica, s correndo riscos

    em seu setor agora, com o incio dos servios de IPTV

    por parte das empresas de telecomunicaes (ainda

    enfrentando problemas regulatrios). A privatizao foi

    to surpreendentemente abrangente que o pas ficou sem

    uma estrutura nacional de comunicao via satlite hoje a

    comunicao via satlite de nossos sistemas militares e de

    segurana depende de operadoras estrangeiras.

    Como resultado, temos hoje, com a continuidade da

    consolidao de mercado, duas grandes operadoras de

    telefonia fixa (Oi-BRT e Telefnica) e uma operadora de TV

    a cabo em processo de desnacionalizao concentrando

    a quase totalidade dos servios de banda larga no pas.

    Nesta situao de monoplios regionais, a fixao arbitrria

    de preos finais e a pssima qualidade do servio so

    consequncias objetivas que precisam ser confrontadas

    por uma estratgia nacional abrangente de universalizao

    da conectividade plena de qualidade. nesse cenrio que

    surge, no Brasil, a proposta do Plano Nacional de Banda

    Larga (PNBL), com a mesma motivao que em pases

    como a Austrlia, Estados Unidos, frica do Sul e vrios

    pases europeus resultado da percepo de que o mercado

    no universalizar a conectividade plena, condenando os

    mais pobres desconexo eterna em uma era em que essa

    conectividade passa a ser um servio essencial. Mais que

    isso, um direito humano j sendo incorporado como tal na

    legislao europeia.

    Para entender melhor como estabelecer a velocidade que

    definiria uma banda larga de conectividade plena, e quais os

    elementos que compem a chamada qualidade de servio

    no trnsito de dados pela rede, preciso uma digresso

    sobre os conceitos de neutralidade da rede.

    A internet, do ponto de vista das tecnologias envolvidas,

    uma rede de redes cuja infraestrutura (conexes fsicas

    terrestres, enlaces de rdio geodsicos e via satlite,

    roteadores, sistemas de endereamento etc.) mantida por

    milhares de operadoras de telecomunicaes e provedores

    de servios em todo o mundo. Essa rede transfronteiras ,

    de certo modo, isomrfica a uma gigantesca malha rodoviria

    internacional, cuja concesso est entregue a empresas que a

    mantm e que, para isso, exploram o pedgio. Pelas rodovias

    passam veculos, e pelos circuitos da internet passam

    datagramas (os pacotes de dados que constituem cada

    mensagem de email, vdeo, conversa de voz sobre IP etc). Tal

    como em uma rodovia a concessionria no pode discriminar

    entre um carro azul e um vermelho, ou se um carro est

    levando gua ou maconha (este um problema da polcia,

    no da concessionria), na internet as operadoras no devem

    interferir no trfego de qualquer datagrama. Sintetizando,

    podemos dizer que todos os datagramas so iguais perante

    a Rede!

    Se interferirem de algum modo (fazendo com que os

    datagramas atrasem, se percam, ou mesmo sejam copiados

    para bisbilhotagem de terceiros), estaro violando princpios

    da neutralidade da rede. Lembremos que violaes desses

    princpios podem ocorrer em vrias das camadas em que a

    internet organizada. No s um provedor de acesso pode

    manipular a qualidade do trfego de cada usurio, como

    provedores de sediamento podem tambm interferir nesse

    trfego, e mesmo provedores de contedo podem restringir

    como e com que qualidade cada usurio obtm ou interage

    com esse contedo. Os usurios tambm tm que enfrentar

    o desafio da violao frequente da privacidade de seus dados

    (sejam cadastrais ou contedos), por parte de sistemas de

    minerao de dados, com o objetivo de estabelecer perfis

    de interesse e monetiz-los.

    O tema da neutralidade da rede em seus vrios aspectos

    um assunto central da governana da internet. Se no for

    rigorosamente garantido, o futuro da internet ser o das redes

    dedicadas a servios, onde o usurio ter muita escolha, mas

    no necessariamente a escolha que deseja. Por exemplo, se

    quiser ver um filme oferecido pela sua operadora de banda

    larga, poder v-lo com alta qualidade, mas se o filme for

    oferecido por outra, ter dificuldades em v-lo pela mesma

    conexo.

    Vamos a um exemplo: voc, classe mdia alta de

    Ipanema ou do Morumbi, compra a caixinha AppleTV em um

    desses shoppings de luxo a um preo escorchante (trs

    vezes mais caro que na Europa e quatro vezes mais caro que

    nos EUA), conecta sua switch caseira ligada ao modem

    de seu provedor de acesso. Seu contrato de acesso (conexo

    e transporte de dados) de 3 Mb/s5 suficiente para ver

    em modo streaming sem interrupes um filme em alta

    definio (formato H.264 720p) na sua nova TV HD. Voc

    consegue solucionar, de algum modo, a barreira do contrato

    do servio iTunes (no aceita cartes de crdito do Brasil

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    etc.), liga sua caixinha e escolhe, digamos, o captulo mais

    recente de uma srie de TV favorita que s ser visto na TV

    por assinatura brasileira daqui a alguns meses.

    No funciona. A conexo de trnsito, voc descobre, no

    de 3 Mb/s. Mas como, se eu vejo sem falhas todos os vdeos

    do provedor de contedo associado ao provedor de acesso?

    A resposta que sua conexo com o seu provedor de acesso

    no de trnsito uma conexo ponto a ponto com a

    rede desse provedor. O trfego entre a rede de seu provedor

    de acesso e o resto da internet limitado por sistemas

    de controle de banda, que seletivamente definem a que

    velocidade e com que regularidade ou ritmo (fundamental

    para streaming, voIP e outros servios de transferncia de

    dados em tempo real) ser feito o trnsito de sua caixinha

    AppleTV com os servidores iTunes da Apple l no norte da

    Califrnia. Voc tem em casa, portanto, acesso a uma banda

    pseudolarga.

    Por qu? Em boa parte, porque o modelo clssico de

    comercializao de acesso internet no Brasil (em que o

    ente regulador no imparcial e alguns legisladores no

    esto entendendo uma palavra do que estou tentando

    dizer) de subcomprar trnsito dos grandes fornecedores

    internacionais (os donos das principais espinhas dorsais da

    internet mundial) e sobrevender esse trnsito aos clientes.

    Como exemplo, suponhamos uma fornecedora de

    acesso de grande porte (chamemos de TeleVirtua),

    que tenha tambm um grande portal de contedo (o

    GloboTerra), detenha uma grande rede de fibra ptica pas

    afora e mantenha um contrato de trnsito com a internet

    mundial com a Global Crossing (esta realmente existe). A

    TeleVirtua do nosso exemplo tem cinco milhes de conexes

    domiciliares a uma banda mdia contratada de 512 kb/s

    (quilobits por segundo). Se todas essas conexes estivessem

    ativas simultaneamente e utilizando essa banda completa

    para trnsito com a internet mundial, a TeleVirtua teria que

    contratar com a Global Crossing algo como 2,5 Tb/s (terabits

    por segundo, ou 2,5 milhes de megabits por segundo).

    Na vida real, no difcil concluir que, mesmo que todos

    estivessem fazendo trnsito simultneo com a internet

    mundial, a banda real efetivamente usada seria muitas vezes

    menor que isso. Na verdade, grande parte dos usurios

    estar fazendo trnsito com servidores no Brasil (consultando

    jornais ou blogs brasileiros, email de um provedor brasileiro

    etc.), e o trnsito em geral raramente estar utilizando a

    banda plena fornecida pela TeleVirtua. Bom para a TeleVirtua,

    mas aqui camos em territrio impondervel. Como calcular

    quanta banda de trnsito internacional ter que ser contratada

    para no arriscar a qualidade do servio aos cinco milhes

    de clientes? E quanto de banda garantir nos pontos de troca

    de trfego (PTTs) nacionais para o trnsito a outros servios

    nacionais de internet?

    A julgar pelo volume de trfego total dos 12 pontos de

    troca de trfego (PTTs) brasileiros operados pelo CEPTRO6

    (hoje totalizando algo como 24 Gb/s gigabits por segundo),

    e mesmo lembrando que nem todo o trnsito internet do

    pas passa por esses PTTs, esses contratos internacionais

    de trnsito devem estar mais prximos dos gigabits do que

    dos terabits. Se a TeleVirtua contrata 25 Gb/s de trnsito

    internacional, isso significa 1% do mximo terico de seus

    cinco milhes de clientes.

    Neste caso, fica clara uma condio de subcompra de

    banda de trnsito, e esta a prtica dos grandes fornecedores

    de banda larga no Brasil, contando que a imensa maioria

    raramente estar usando em mdia mais do que uma

    pequena frao da banda contratada para esse trnsito

    internacional. Nesse sentido, a sobrevenda de banda a

    seus clientes incide na neutralidade da rede cada cliente

    corre o risco de no ter banda suficiente em um momento

    de alta demanda de trnsito, tal como no caso de uma

    rodovia pedagiada frequentemente congestionada. Nessa

    situao verifica-se (como ocorre frequentemente) que um

    streaming do Vimeo ou do Youtube vem muito mais lento

    e entrecortado que um streaming equivalente do provedor

    de contedo da fornecedora de banda larga no caso do

    nosso exemplo, um vdeo da GloboTerra continuar a chegar

    sem interrupes.

    Em resumo: subcompra quer dizer que a fornecedora

    de banda larga compra banda de trnsito real; sobrevenda

    significa que essa fornecedora vende banda pseudolarga de

    trnsito terica a seus clientes, sendo a banda real muito

    menor. Como esse mercado de intermediao de banda no

    regulado, ns, usurios na base dessa pirmide, estamos

    sujeitos a uma poltica de preos arbitrariamente fixada por

    um cartel das grandes operadoras. O resultado para os

    brasileiros um preo de banda pseudolarga mais alto que

    em qualquer das outras nove maiores economias do planeta,

    e vrias vezes mais alto na maioria das comparaes com

    esses pases. por isso que as operadoras nos fazem assinar

    contratos de banda larga em que s garantem trnsito (seja

    nacional ou internacional) a 10% das velocidades contratadas.

    D agora para entender: eles estimam que 10% desses 10%

    (ou 1%) a mdia de uso de trnsito internacional de seus

    usurios ento contratam a banda bruta internacional de

    trnsito com base nesses clculos. medida que aumenta

    a demanda por servios que requerem mais banda, esses

    frgeis limites esto sendo facilmente ultrapassados.7

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    A importncia da neutralidade da rede destacada nos

    Princpios para a Governana e Uso da Internet no Brasil,

    elaborados pelo Comit Gestor da Internet no Brasil8. O

    sexto princpio trata da neutralidade da rede: Filtragem ou

    privilgios de trfego devem respeitar apenas critrios tcnicos

    e ticos, no sendo admissveis motivos polticos, comerciais,

    religiosos, culturais, ou qualquer outra forma de discriminao

    ou favorecimento. Quais so esses critrios tcnicos? Tal

    como em uma rodovia podem haver pistas para baixa e alta

    velocidade, na internet certos servios precisam de garantias

    que a sequncia de datagramas seja mantida entre remetente

    e recipiente em tempo real. o caso da telefonia via internet

    (servio voIP) ou da transmisso de programas de udio

    ou vdeo em tempo real (streaming). Os sistemas que

    interconectam as diversas redes que compem a internet (os

    roteadores) so programados para distinguir esses servios

    de outros que no requerem um fluxo constante de dados

    por exemplo, enviar ou receber emails, consultar uma pgina

    Web. Isso no viola a neutralidade ao contrrio, otimiza o

    trfego em funo das necessidades tcnicas especficas de

    cada servio.

    O problema que, como j vimos, os provedores em

    vrios nveis de servio podem interferir na experincia de

    uso por outras razes. E isso agravado pela situao de

    monoplio (sobretudo as capitanias hereditrias regionais

    de telecomunicaes) no provimento de acesso em que

    vivemos. Em consequncia, os servios de banda larga no

    Brasil, como comprova a pesquisa j citada do Idec, esto

    entre os mais caros do mundo, a qualidade baixa e a oferta

    restrita a poucos municpios os que tm mercado.

    Nossa esperana que o PNBL possa dar uma contribuio

    decisiva para melhorar radicalmente essa situao.

    O PNBL foi aprovado como um programa prioritrio de

    governo.9 Iniciativas similares tm sido discutidas ou adotadas

    por diversos governos (frica do Sul, Austrlia, Canad, Coria

    do Sul, Espanha, Estados Unidos, Finlndia e outros). Em

    praticamente todos os casos, as aes contemplam forte

    presena do Estado como agente catalisador e at mesmo

    operador (como o caso da Austrlia) de componentes

    estratgicos dos sistemas participantes.

    Estudo recente do Banco Mundial mostra que um

    aumento de 10% no nmero de conexes de banda larga

    em pases emergentes induz um crescimento adicional de

    mais de 1,3% no PIB.10 Se a estimativa do Banco Mundial for

    confivel, um programa estratgico incisivo de universalizao

    da banda larga pode gerar um crescimento incremental de

    cerca de 20% no PIB brasileiro (por exemplo, entre 7% e

    8%, em vez dos 6% projetados para 2010). Essas tentativas

    de quantificar o impacto, tanto do Banco Mundial como

    da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento

    Econmico (OCDE), revelam que esse componente da

    estratgia de desenvolvimento econmico no pode ser

    menosprezado.

    Tanto o plano do governo sul-africano como as propostas

    da sociedade civil organizada daquele pas apresentam

    desafios muito similares queles a serem enfrentados no

    Brasil. No calor dos debates sobre o plano na frica do

    Sul, uma coalizo de entidades civis apresentou um guia

    detalhado de metas a serem alcanadas, tendo em vista os

    seguintes objetivos gerais:

    Maximizar a infraestrura de fibra ptica e rdio digital

    em reas rurais e urbanas de forma equitativa e

    ambientalmente responsvel;

    Estimular a criao de contedo digital por provedores

    de contedo e de cidados, a fim de aproveitar o

    potencial da banda larga universalizada;

    Aprofundar o e-governo e a e-cidadania em um

    ambiente de banda larga universalizada;

    Acelerar a adoo e uso de conexes avanadas de

    banda larga, para que o potencial das tecnologias de

    informao e comunicao (TICs) para aprendizado e

    ensino seja plenamente realizado.

    O guia inclui 27 objetivos distribudos nas seguintes quatro

    categorias: acesso infraestrutura; contedo, aplicaes e

    servios; objetivos de e-governana e e-cidadania; objetivos

    de educao e aprendizado. A coalizo acredita que o plano

    sul-africano poder, em 2014, ser realizado de acordo com

    as seguintes premissas: assegurar a universalizao da banda

    larga em todas as cidades e vilas; ter o menor custo para o

    usurio final em todo o continente africano; e tornar a frica

    do Sul o primeiro pas em penetrao de banda larga de

    qualidade no continente.11

    O plano brasileiro tem certas peculiaridades que, em

    tese, facilitam de modo significativo, pelo menos, a realizao

    do componente de infraestrutura. O PNBL, como o plano

    australiano, insere uma empresa estatal (Telebrs) como

    operadora de uma grande infraestrutura de mais de 30 mil

    km de fibras pticas (meta a ser alcanada em 2014) que,

    estendida com ramos de rdio digital de alta velocidade,

    dever cobrir cerca de 4.200 municpios (mais de 80% da

    populao). Nessa perspectiva, o plano dever levar em

    conta algumas metas estratgicas para o desenvolvimento do

    pas, tais como:

    contribuir para aprofundar a qualidade, eficcia e

    alcance dos sistemas de e-governo (considerando

    todo o servio pblico), em todos os nveis;

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    RECIIS R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Sade. Rio de Janeiro, v.4, n.4, p.114-120, Nov., 2010

    em particular, garantir conectividade de qualidade

    com o melhor benefcio/custo possvel a todo o

    sistema pblico de educao, sade e segurana em

    todos os seus nveis;

    assegurar conectividade de qualidade com o melhor

    benefcio/custo possvel a todas as famlias em seus

    domiclios, sem exceo;

    assegurar trnsito internet isonmico aos pontos de

    presena das espinhas dorsais da internet, em todos

    os municpios, com o melhor benefcio/custo possvel

    para empreendedores locais, iniciativas de provimento

    local de servios internet, redes municipais e similares.

    garantir que a infraestrutura seja implementada com

    a viso de ser prova do futuro (future-proof)

    como, em especial, a infraestrutura fsica baseada em

    fibra ptica; no caso do programa australiano, a meta

    levar fibra a todos os lares e escritrios, enfatizando

    essa viso.

    O PNBL traz a oportunidade de discutir a definio legal

    do acesso internet no ltimo quilmetro como um servio

    a ser prestado em regime pblico. H, no entanto, vrios

    desafios para se concretizar essa definio. Um deles como

    caracterizar o regime pblico sem restringir as oportunidades

    de prestao de servios de conexo e de transporte de

    pequenos empreendedores locais, comerciais ou no. De

    fato, o PNBL contempla uma estreita parceria com esses

    servios locais de acesso, e dever estimular o surgimento de

    novos empreendimentos, ao reduzir o custo do componente

    que mais pesa nas despesas dessas iniciativas de menor

    escala o preo exorbitante (definido por um cartel de

    quatro grandes operadoras de espinha dorsal de rede)12 do

    trnsito internet no Brasil. Essa parceria crucial para realizar

    a misso central do PNBL: conexo permanente de boa

    qualidade para uso de todos os servios internet em todos os

    domiclios brasileiros.

    Outro desafio a definio precisa do que o servio

    de banda larga a ser categorizado em um possvel regime

    pblico. H um consenso de que a meta universalizar acesso

    s espinhas dorsais, com velocidade e qualidade de servio

    suficientes para se permitir plena experincia de uso de todos

    os recursos e servios da internet notemos que os valores

    para velocidade de descida (download) e subida (upload)

    tendem a continuar crescendo com o desenvolvimento e

    a progressiva sofisticao dos servios na rede, enquanto a

    latncia (tempo de resposta ao envio de pacotes) precisa

    diminuir. Portanto, a definio desse regime pblico ter que

    assegurar infraestrutura de trnsito no ltimo quilmetro,

    de tal modo que os investimentos atuais possam estar

    preparados para o aumento da demanda por velocidades (e

    qualidades) cada vez maiores por parte do usurio na ponta.

    A regulao do possvel regime pblico ter que assegurar

    qualidade de servio (QoS), pelo menos em dois aspectos

    essenciais:

    banda real entre o terminal do usurio e o enlace

    da espinha dorsal de trnsito com a internet, com

    garantia permanente de manuteno das velocidades

    asseguradas em contrato e com a menor latncia

    possvel;13

    no interferncia no trfego de pacotes entre o

    usurio final e a internet por parte de qualquer dos

    fornecedores de conectividade e de transporte de

    dados nesse trfego.14

    Um objetivo comum aos planos dos vrios pases j citados

    o acesso de qualidade para uso pleno das facilidades da

    internet em todos os seus aspectos, a fim de acompanhar o

    desenvolvimento dessas facilidades conforme sua evoluo.

    Solues defendidas por setores empresariais, como a

    conectividade via celular para as camadas de menor renda,

    esto longe de permitir a plena realizao da experincia

    do usurio; no Brasil, elas tm um preo to elevado que

    inviabilizam o acesso limitado que um celular hoje permite

    para a maioria das famlias. Alm disso, a rede mvel de

    melhor desempenho existe somente em algumas reas das

    grandes cidades. Pregar, como alternativa, o celular de hoje

    com os preos exorbitantes aqui praticados15 sugerir que

    os usurios da internet estejam em duas castas, de acordo

    com seu poder de barganha por servios de qualidade, e

    aprofundar o sistema desigual j existente entre celular ps-

    pago e pr-pago. No se pode comparar o executivo que

    usa um smartphone como complemento de seu laptop

    ou computador de mesa, que tem recursos para pagar

    a alta conta de um servio 3G ou mesmo 4G16, com um

    trabalhador usando um celular pr-pago a um preo muito

    alto por minuto. No entanto, no se deve excluir do plano a

    utilizao da rede de telefonia celular, bem como conexes

    via satlite, para conexo e trfego de dados em locais em

    que no haja alternativas viveis a curto prazo.

    O PNBL dever pressionar para baixo os preos de

    trnsito atualmente praticados pelas operadoras privadas

    um dos mais altos do mundo. A democratizao do acesso

    passa necessariamente por uma melhora drstica da relao

    benefcio/custo para o usurio final. possvel demonstrar

    que os preos praticados no Brasil so to altos em relao

    a preos de servios similares, por exemplo na Europa, que

    a simples reduo dos impostos e taxas no far diferena

    significativa, especialmente para as famlias de menor renda.

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    Os preos praticados hoje para o usurio final, por exemplo

    em So Paulo, podem ser dezenas de vezes mais altos que

    na Europa.17

    importante destacar, ainda, que a rede a ser operada

    por uma empresa estatal deve ser uma referncia mundial

    quanto qualidade de servio e neutralidade/isonomia no

    acesso e no transporte de dados, respeitando o princpio de

    que os contedos so de responsabilidade de quem os gera

    e no de quem os transporta.

    essencial que o PNBL seja acompanhado de medidas

    de regulao que efetivem em curto prazo a desagregao

    estrutural das redes de telecomunicaes um assunto

    que vem sendo tratado pela Anatel h alguns anos. S a

    desagregao (unbundling) estrutural permitir, especialmente

    no territrio hoje dominado pelas principais operadoras de

    telecomunicaes, o surgimento de provedores alternativos

    de servios de conexo e de transporte em banda larga

    usando a infraestrutura fsica em mos dessas operadoras.

    a desagregao, em vrias formas, que tem contribudo

    decisivamente para a significativa reduo de custos, maior

    universalizao e grande melhora de qualidade de servio

    nas redes europias, alm de ser tambm papel da Anatel

    garantir reserva de espectro para aplicaes comunitrias

    e para os servios de rdio digital que complementaro a

    espinha dorsal do programa.

    A estratgia do plano envolve, ainda, a definio do espao

    de regulao (ou de limites regulao) de todas as camadas

    de internet acima da infraestrutura fsica de telecomunicaes

    conexo lgica, endereamento, roteamento e transporte

    de dados, bem como armazenagem e gerncia de contedos

    e de seus aplicativos. Devem-se levar em conta os princpios

    e recomendaes do CGI.br, para no subordinar os servios

    internet estrutura regulatria de telecomunicaes. Um

    dos cenrios ao CGI.br ser atribudo, por lei ou decreto,

    um mandato regulatrio formal nas camadas de conexo,

    endereamento e transporte de dados via internet.

    De qualquer modo, o PNBL deve considerar a banda larga

    como infraestrutura essencial, nos moldes de outros servios

    essenciais como eletricidade, gua e esgoto. A banda larga,

    em outras palavras, deve ser concebida como um direito do

    cidado, tal como formalizado pela Finlndia.18

    O PNBL deve, ainda, levar em conta um plano de

    formao em grande escala (possivelmente integrado rede

    de escolas tcnicas federais, com o apoio de universidades)

    para empreendedores e usurios, envolvendo tambm os

    milhares de telecentros comunitrios e iniciativas similares

    em mbito nacional.

    O PNBL no ameaa diretamente o espao empresarial

    conquistado com a privatizao e os contratos de concesso

    recentes apenas efetiva as alternativas, em particular nos

    territrios onde as empresas privadas no operam servios

    de qualidade (ou no operam nenhum servio), tendo

    como marcos a eficcia e a melhor relao benefcio/custo

    do ponto de vista do usurio final, no do lucro. Essa ao

    certamente ter reflexos nas prticas atuais do setor privado,

    ao provar que possvel democratizar trnsito internet de

    qualidade por preos que qualquer famlia brasileira poder

    pagar e qualquer pequeno empreendedor poder suportar.

    Hoje, 30% dos domiclios no Brasil possuem computador

    de mesa e cerca de 66% dos que tm acesso internet o

    fazem via uma conexo de banda larga.19 Todavia, o total de

    conexes de banda larga no pas de apenas 11,1 milhes

    (final de 2009), ou 5,8% da populao brasileira.20 H,

    portanto um longo caminho a se percorrer para a efetiva

    universalizao.

    muito difcil prever qual a banda necessria na ponta do

    usurio daqui a dez anos. O fato que os servios internet

    evoluem rapidamente para multimeios, requerendo cada vez

    mais banda. Em breve, a TV via internet ser inteiramente em

    alta definio. Como j dito, a tecnologia at agora conhecida

    prova do futuro a fibra ptica o PNBL poderia considerar

    que, a longo prazo (mais ou menos em dez anos) todos

    os domiclios tenham conexo de fibra. Os planos mais

    abrangentes de banda larga hoje (o da Austrlia e o dos

    EUA) propem que todos os domiclios tenham pelo menos

    100 Mb/s de banda efetiva em 2020. A Austrlia vai mais

    longe, prometendo que a banda ser via fibra ptica em

    todos os domiclios.21 Os EUA, alm da banda a 100 Mb/s

    universalizada, especificam 1 Gb/s em todas as escolas,

    hospitais e centros militares, entre outros.22

    Por fim, em termos de estratgias de desenvolvimento,

    devemos lembrar que o Brasil hoje, mais do que ser

    considerado emergente, precisa comparar-se s outras

    nove maiores economias do mundo, j que a perspectiva

    que esteja, em breve, entre as cinco maiores. Deve, portanto,

    orientar os parmetros de sucesso (alcance, qualidade,

    universalidade, consistncia a longo prazo, entre outros),

    tendo como referncia esses outros nove pases. Isso vale

    para todos os outros setores do desenvolvimento humano

    sustentvel brasileiro.

    Notas

    1. Este texto uma consolidao e atualizao de vrios artigos

    recentemente produzidos pelo autor.

  • 120

    RECIIS R. Eletr. de Com. Inf. Inov. Sade. Rio de Janeiro, v.4, n.4, p.114-120, Nov., 2010

    2. Uma caracterstica central de qualquer conexo de banda larga

    que ela pode ficar permanentemente ativa (haja ou no trfego de

    dados entre a internet e o computador ou rede local do usurio final)

    por um preo fixo mensal e sem qualquer tarifao adicional por

    unidade de tempo. Ento, essa banda larga de qualquer tipo poderia

    mais apropriadamente ser chamada de conectividade permanente

    ou conexo permanente.

    3. Revista do Idec, p.21, So Paulo: julho de 2010.

    4. A Agncia Nacional de Telecomunicaes (Anatel) foi criada pela

    Lei Geral de Telecomunicaes (LGT, Lei n 9.472, de 16 de julho

    de 1997), seguindo basicamente o modelo da Comisso Federal

    de Comunicaes (FCC) dos EUA, com as seguintes atribuies:

    aprovar, suspender e cancelar concesses; regular os processos de

    licenciamento e provimento de servios; supervisionar as operaes

    das concessionrias; gerenciar o espectro eletromagntico, incluindo

    equipamento orbital; certificar produtos e equipamentos de

    telecomunicaes. O Ministrio das Comunicaes continuou com a

    responsabilidade regulatria sobre emissoras de rdio e TV.

    5. Megabit por segundo. A transmisso de dados na Internet feita

    em uma sequncia de pulsos, os bits, compondo um caractere

    ou octeto (ou byte) a cada 10 bits (oito bits que compem

    o caractere mais dois bits de controle). Os octetos so agrupados

    primeiro em datagramas (packets) de tamanho padronizado mas

    varivel, e ento transmitidos em uma sequncia de bits. Por isso

    faz-se um clculo aproximado lembrando que uma pequena parte

    do datagrama informao identificadora do mesmo que um

    megabit por segundo corresponde a 100 mil caracteres por segundo,

    ou 100 kB/s. Neste texto usamos a notao do Sistema Internacional

    de Unidades (SI) adotado pelo Brasil (Mb/s em vez de Mbps, por

    exemplo).

    6. O CEPTRO uma diviso do NIC.br que gerencia, entre outros,

    os 12 PTTs localizados nas principais capitais brasileiras. Ver . Acesso em: 14/10/2010

    7. Especialmente agora que, finalmente, a Anatel liberou o

    licenciamento para que operadoras de telefonia possam oferecer

    servios de TV por assinatura via internet.

    8. Ver .Acesso em: 14/10/2010.

    9. Decreto n 7.175, de 12 de maio de 2010. O artigo primeiro define

    os objetivos gerais do plano: Art. 1 Fica institudo o Programa

    Nacional de Banda Larga - PNBL com o objetivo de fomentar e

    difundir o uso e o fornecimento de bens e servios de tecnologias

    de informao e comunicao, de modo a: I- massificar o acesso

    a servios de conexo Internet em banda larga; II- acelerar o

    desenvolvimento econmico e social; III- promover a incluso digital;

    IV- reduzir as desigualdades social e regional; V- promover a gerao

    de emprego e renda; VI- ampliar os servios de Governo Eletrnico

    e facilitar aos cidados o uso dos servios do Estado; VII- promover a

    capacitao da populao para o uso das tecnologias de informao;

    e VIII- aumentar a autonomia tecnolgica e a competitividade

    brasileiras.

    10. Banco Mundial, Information and Communication for

    Development: Extending Reach and Increasing Impact, Washington,

    DC: 2009. O estudo baseado em uma anlise de 120 pases entre

    1980 e 2006.

    11. Ver . Acesso em: 14/10/2010. A coalizo formada pela

    Associao para o Progresso das Comunicaes (APC), a Fundao

    Shuttleworth e o grupo South Africa Connect.

    12. Embratel, Intelig, Oi-BRT e Telefnica.

    13. Estudo recente da Sad Business School da Universidade de

    Oxford e da Universidade de Oviedo revela que o conjunto dos

    servios de banda larga no Brasil, em 2009, ocupava a 53 posio

    em qualidade de servio de um total de 66 pases (o primeiro foi

    a Coreia do Sul, e o 66, a Nigria). Ver . Acesso

    em: 14/10/2010.

    14. Este aspecto corresponde ao sexto princpio para a governana

    e o uso da internet no Brasil aprovado pelo CGI.br j mencionado.

    15. A telefonia celular no Brasil uma das quatro mais caras do

    mundo, segundo a Unio Internacional de Telecomunicaes (UIT)

    (ver ), sendo a segunda mais cara, segundo a Bernstein Research.

    Ver: . Respectivos acessos em: 14/10/2010.

    16. Siglas que definem tecnologias mveis de transmisso de dados

    de alta velocidade respectivamente, terceira e quarta gerao de

    transmisso mvel digital. A tecnologia 3G permitiu, pela primeira

    vez, a transmisso de dados via celular acima de 1 Mb/s. Na 4G/

    LTE, esperam-se velocidades de dezenas de megabits por segundo.

    17. Como exemplo, considerando o preo por megabit por segundo

    (Mb/s) para o usurio final, o preo da banda larga popular hoje

    proposta em So Paulo quase 58 vezes mais cara que o preo

    do mesmo servio em Londres, fornecido pela mesma operadora

    (Orange, subsidiria da Telefnica). Especificamente: o preo da

    banda popular de So Paulo de R$30 por ms, j descontados os

    impostos estaduais, para uma banda contratual de 200 kb/s (rede

    NET) ou 256 kb/s (rede Telefnica, s disponvel via rede de TV

    a cabo ou rede sem fio) ou seja, o valor por Mb/s estaria entre

    R$117 e R$150. A Telefnica fornece 8 Mb/s a 8 euros em Londres

    algo em torno de R$2,60 por Mb/s.

    18. A partir de julho de 2010, todo cidado finlands passou a ter

    direito ao acesso internet por banda larga no mnimo de 1 Mb/s.

    19. Dados da Pesquisa Sobre o Uso das TICs no Brasil 2009, CETIC.

    br, 2010.

    20. Ver . Acesso em:

    14/10/2010.

    21. Ver . Acesso em: 14/10/2010.

    22. Ver o documento do plano dos EUA em . Acesso em:

    14/10/2010.