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GRUPO I Ora certo dia de primavera, estava ele precisamente a podar uns arbustos, quando reparou num pequeno molho de penas que se movia. Era um molhinho cinzento pou- sado no chão, que parecia respirar, ali mesmo junto a uma aba de roseira. «O que é isto?» – perguntou Henrique Gaspar, pondo os óculos de ver ao perto. Mas logo se endireitou, todo arreliado. «Oh! Mais um! O estupor de um pardal!» É preciso dizer que nem sempre Henri- que Gaspar tinha bom génio. Como se sabe, ninguém é perfeito. Ora precisamente, se havia coisa com a qual ele embirrava era com pardais. Gostava de cotovias, melros, pintarroxos, rouxinóis, e outros de que nem sabia o nome, mas de pardais, isso não. Detestava esses pássaros, que dizia terem as penas enxovalhadas, cinzento encardido, além de serem, de entre todos os pássaros, os mais irrequietos, os mais glutões, os mais atrevidos. Tinha os seus motivos, pois por mais que fizesse, os pardais, em grandes bandos, assaltavam-lhe os telhados da casa, intrometiam-se nas frinchas, e embora os enxotasse com fúria, eles acabavam sempre por fazer ninhos debaixo das telhas. Um desassossego. Por sua vez, durante a noite, os gatos selvagens assaltavam os ninhos, levantavam o que quer que fosse até encontrarem os ovos, e era um festival de miados, voos, e telhas partidas e viradas. “Um horror, um horror!” – lamen- tava-se com frequência Henrique Gaspar que não se cansava de colocar, por cima das chaminés, grandes espanta-pardais com panos coloridos a voar. Além disso, sempre que um bando deles pousava no terraço, o dono da casa enxotava-os aos berros e aos saltos. Detestava-os. E agora, andava ele a assobiar todo descuidado, naquele domingo de manhã, e vai daí, como se nascido duma erva, aparecia-lhe rente aos pés, um pardal! Aquilo não ficava assim. «Não fica, não!» E ia para lhe dar um piparote. Mas de repente não soube como dar o piparote. Porque entre pensar e dar um piparote, vai uma grande diferença, acreditem em mim. Imaginem vocês que está ali um molhinho de penas a respirar, a respirar. Como se faz para o retirar de onde está? Ataca-se com o pé? Com a mão? Com o sacho? – Pensando nisso, só agora Henrique Gaspar reparava que, naquele instante da cena, já qualquer outro pardal teria voado. Por que não voava aquele pássaro? Por que se mantinha no mesmo lugar? – Curioso, aproximou-se mais, fez avançar um dedo até ao montinho de penas que respirava, e pôde ver para seu espanto que o pequeno pardal só tinha uma perna. O seu coração deu um baque. «Uma perna só! Oh! Pobre pardalinho!» Henrique Gaspar tomou o animal entre os dedos, pô-lo na palma de uma das mãos, acal- mou-lhe o coração com a outra, juntou a cabeça do pardal aos lábios para o aquecer e foi para casa fazer-lhe o curativo. LÍNGUA PORTUGUESA 5 12 © AREAL EDITORES 5 10 15 20 25 30 35 40 Ficha de avaliação 1

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GRUPO I

Ora certo dia de primavera, estava eleprecisamente a podar uns arbustos, quandoreparou num pequeno molho de penas quese movia. Era um molhinho cinzento pou-sado no chão, que parecia respirar, alimesmo junto a uma aba de roseira.

«O que é isto?» – perguntou HenriqueGaspar, pondo os óculos de ver ao perto.Mas logo se endireitou, todo arreliado.

«Oh! Mais um! O estupor de um pardal!»É preciso dizer que nem sempre Henri-

que Gaspar tinha bom génio. Como se sabe,ninguém é perfeito. Ora precisamente, sehavia coisa com a qual ele embirrava eracom pardais. Gostava de cotovias, melros,

pintarroxos, rouxinóis, e outros de que nem sabia o nome, mas de pardais, isso não. Detestavaesses pássaros, que dizia terem as penas enxovalhadas, cinzento encardido, além de serem, deentre todos os pássaros, os mais irrequietos, os mais glutões, os mais atrevidos. Tinha os seusmotivos, pois por mais que fizesse, os pardais, em grandes bandos, assaltavam-lhe os telhadosda casa, intrometiam-se nas frinchas, e embora os enxotasse com fúria, eles acabavam semprepor fazer ninhos debaixo das telhas. Um desassossego. Por sua vez, durante a noite, os gatosselvagens assaltavam os ninhos, levantavam o que quer que fosse até encontrarem os ovos, eera um festival de miados, voos, e telhas partidas e viradas. “Um horror, um horror!” – lamen-tava-se com frequência Henrique Gaspar que não se cansava de colocar, por cima das chaminés,grandes espanta-pardais com panos coloridos a voar. Além disso, sempre que um bando delespousava no terraço, o dono da casa enxotava-os aos berros e aos saltos. Detestava-os. E agora,andava ele a assobiar todo descuidado, naquele domingo de manhã, e vai daí, como se nascidoduma erva, aparecia-lhe rente aos pés, um pardal! Aquilo não ficava assim.

«Não fica, não!»E ia para lhe dar um piparote.Mas de repente não soube como dar o piparote. Porque entre pensar e dar um piparote, vai uma

grande diferença, acreditem em mim. Imaginem vocês que está ali um molhinho de penas a respirar,a respirar. Como se faz para o retirar de onde está? Ataca-se com o pé? Com a mão? Com o sacho?– Pensando nisso, só agora Henrique Gaspar reparava que, naquele instante da cena, já qualqueroutro pardal teria voado. Por que não voava aquele pássaro? Por que se mantinha no mesmo lugar?– Curioso, aproximou-se mais, fez avançar um dedo até ao montinho de penas que respirava, e pôdever para seu espanto que o pequeno pardal só tinha uma perna. O seu coração deu um baque.

«Uma perna só! Oh! Pobre pardalinho!»Henrique Gaspar tomou o animal entre os dedos, pô-lo na palma de uma das mãos, acal-

mou-lhe o coração com a outra, juntou a cabeça do pardal aos lábios para o aquecer e foi paracasa fazer-lhe o curativo.

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«Seu tonto! Por onde andou você, seu pardalito maluco? Que loucuras andou a fazer paraassim perder a sua pata? Perder a sua perna direita? Diga lá, diga lá…» – E pensou-lhe a feridacom montes de sulfamidas e Bétadine em algodão.E com estes cuidados todos, escusado será dizer que o pardal não só sobreviveu como em

breve estava a ocupar um lugar de destaque na casa de Henrique Gaspar. Um caso sério, possogarantir-vos – Viesse quem viesse para jantar, o passarinho não arredava daquele espaço. Sal-tava de mesa em mesa, de cadeira em cadeira, empoleirava-se no rebordo das estantes, namoldura dos quadros, mas onde ele mais gostava de pousar era nos ombros do dono da casa.Pousado na sua pata só, saltitando um pouco de esguelha, o pardal subia e descia pelo braçode Henrique Gaspar, acocorava-se junto da gola, mantinha-se muito direito sobre as costas,quando o dono da casa se baixava para regar o assado no fogão. Os amigos, que eram muitos,fotografavam o pardal nesse preparo.«Isso é que é um amor! Hein?» - admiravam-se.

Lídia Jorge, O Grande Voo do Pardal, Dom Quixote

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1. De acordo com o primeiro parágrafo, localiza a ação no tempo e no espaço.

2. Classifica o narrador, ilustrando a tua resposta com um exemplo do texto.

3. Henrique Gaspar ficou irritado ao ver um pardal.

3.1. Transcreve o que ele disse ao vê-lo.

3.2. A personagem não gosta de pardais. Porquê?

4. Relê o parágrafo que começa por “Mas de repente não soube […]”.

4.1. O que espantou Henrique Gaspar?

4.2. Afinal, porque não voava aquele pássaro?

4.3. Retira do texto uma expressão que ilustre o que Henrique Gaspar sentiu quando se apercebeudessa situação.

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5. Que atitudes tomou a personagem em relação ao pardal?

6. Interpreta esta passagem do texto: “o pardal […] estava a ocupar um lugar de destaque nacasa de Henrique Gaspar”.

7. Refere as atitudes do pássaro que mostram que:

– ele se sentia livre na casa de Henrique;

– criou uma relação de amizade com ele.

GRUPO II

1. Atenta nesta citação do texto.

“Ora certo dia de primavera, estava ele precisamente a podar uns arbustos, quando reparounum pequeno molho de penas que se movia. Era um molhinho cinzento pousado no chão,que parecia respirar, ali mesmo junto a uma aba de roseira.”

1.1. Indica:

dois nomes comuns no feminino:

um nome no grau diminutivo:

três artigos indefinidos:

dois adjetivos qualificativos:

dois verbos no pretérito imperfeito do indicativo:

1.2. Em qual destas alíneas o adjetivo não pode ser colocado antes do nome?

a) Era um quintal grande.

b) Era um pássaro escuro.

2. Aquele pardal tonto e pequeno estava muito assustado.

2.1. Coloca toda a frase no plural, procedendo às transformações necessárias.

2.2. Reescreve-a, substituindo “pardal” por “cotovia”.

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3. “Henrique Gaspar tomou o animal entre os dedos, pô-lo na palma de uma das mãos, acal-mou-lhe o coração com a outra, juntou a cabeça do pardal aos lábios para o aquecer e foipara casa fazer-lhe o curativo.”

3.1. Refere o tempo verbal das formas verbais sublinhadas.

3.2. Assinala com ✗ a opção correta.

O tempo verbal destacado significa que

a ação foi realizada todos os dias.

a ação se realizou uma vez.

a ação se realizou lentamente.

3.3. “Saltava de mesa em mesa, de cadeira em cadeira, empoleirava-se no rebordo das estantes”;“subia e descia pelo braço de Henrique Gaspar”.

Completa a frase com a palavra adequada.

O tempo verbal utilizado em 3.3. é o pretérito imperfeito do indicativo que, neste caso, significaque a ação se realizou .(muitas vezes/poucas vezes) e é (dinâ-mica/estática).

GRUPO III

Imagina o diálogo que Henrique Gaspar teve com um amigo, no qual lhe explica onde en-controu o pardal, os cuidados que lhe prestou e a amizade que entre eles nasceu.

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