Adoecimento Da Vontade - SILVA
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ADOECIMENTO DA VONTADE DE ENSINAR E ADOECIMENTO DA
VONTADE DE APRENDER DIRIA O PROFESSOR NIETZSCHE
Srgio Pereira da Silva
Resumo:
Apoiado em trs pesquisas sobre a formao de professores no Sudeste Goiano, concepes e
tendncias metodolgicas, o autor analisa o que chama de adoecimento da vontade de
ensinar e aprender evidenciado nas prticas de ensino das escolas pblicas, privadas e
mesmo ensino superior, da regio do sudeste goiano e o nomeia niilismo pedaggico.
Analisa este fenmeno, na perspectiva da filosofia de Nietzsche, como conseqncia da
derrocada dos valores e certezas da cultura; discute o conceito de vontade de potncia e
finaliza sugerindo a vontade dionisaca como afirmao da vida e antdoto ao fenmeno em
questo.
Palavras-chave: Niilismo pedaggico. Vontade de potncia. Prticas de ensino.
Consideraes iniciais
H nas nossas escolas do Sudeste Goiano e Tringulo Mineiro, onde atuo como
profissional do ensino, da pesquisa e da extenso universitria, um adoecimento da vontade de
ensinar e um adoecimento da vontade de aprender que paralisa ou fragiliza muitos projetos e
iniciativas desejantes. Paira sobre a maioria de ns, educadores ou profissionais direta ou
indiretamente vinculados ao ambiente escolar, uma atmosfera de imprevisibilidade,
individualidade, burocracia, descompromisso, perda do sentido da ao pedaggica, enfim,
um pessimismo pedaggico que entendo ser uma micro expresso, em nvel do espao
escolar, do pessimismo maior, que de uma forma ou de outra, atinge toda a sociedade e j
um trao cultural deste perodo histrico (2006). Nietzsche, no sculo XIX, alertou para o fato
do pessimismo ocupar espao na cultura, sob forma de Niilismo1, tacitamente. Segundo ele, a
derrocada de valores sobre os quais erguia-se o edifcio da modernidade produziria um
momento cultural2 com caractersticas de um pessimismo atroz quietista, paralisante e
Filsofo, mestre e doutor em educao. Professor do departamento de Pedagogia da UFG-CAC. Membro do
Grupo de Estudo Nepeduca. UFG/CAC. E-mail: [email protected]
O conceito de niilismo, vontade de potncia sero abordados, com maior destaque, ao longo do texto.2
Por cultura, neste texto, refiro-me ao agir e pensar moral, poltico e social de um grupo, tacitamente assumido, e que se torna um elemento integrador das singularidades inerentes ao grupo. Por cultura escolar/pedaggica
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negativo nos moldes do pessimismo shopenhaueriano. O desafio do indivduo esprito livre,
e moralmente compromissado com os grandes dilemas da humanidade, seria o de contrapor a
este pessimismo um outro de natureza dionisaca, grvido de vontade de potncia, irreverente,
viril, alegre e afirmativo perante a vida. Como seria o niilismo se manifestando no terreno
educacional sob forma de niilismo pedaggico? Como curar a vontade adoecida, nas prticas
de ensino, e forjar um currculo com nuances dionisacas?
Este trabalho pretende responder problemtica posta no pargrafo anterior e, para tal,
analisar o processo cultural e social que culmina no Niilismo; em seguida, mais
especificamente, pensar niilismo pedaggico, os condicionantes objetivos e subjetivos deste
fenmeno, conceito de Vontade Potncia e, guisa de contribuio para este debate, apontar
algumas aes afirmativas que possam contribuir no debate em torno deste impasse
educacional e escolar.
Morte das certezas e derrocada de valores:
Escrever sobre os desafios educacionais do mundo contemporneo, no incio do novo
sculo e de um novo milnio , no mnimo, uma tarefa simbolicamente instigante. Os meios
de informao, nessa primeira dcada, apresentam reiteradamente, por um lado, o pujante
desenvolvimento cientfico, tcnico, industrial de parte da humanidade e, por outro, a
relevante excluso social, de grande parcela da sociedade, que constrange qualquer analista de
conjuntura.
So imagens, mensagens e fatos que fluem e desfilam diante de nossos olhos e almas
atnitos numa sociedade de smbolos e consumo. Nas cincias bio-mdicas, o projeto
Genoma dominou os nossos mais longnquos e privados territrios; nas exatas produzem
objetos outrora inimaginveis; a eletrnica e a ciberntica espantam-nos com robs e viagens
virtuais, que colocam em dvida at a nica certeza cartesiana3.
Nenhum outro sculo da histria do Ocidente trouxe tantas revolues no campo das
relaes de trabalho, tanto desenvolvimento dos meios de produo ou mesmo conflitos
polticos, tnicos e religiosos e de outras minorias sociais quanto o sculo XX. Em outras
palavras, jamais o tecido cultural e social, em to pouco tempo, sofreu tantas transformaes.
Vale enfatizar o processo de globalizao a partir da internacionalizao da produo das
refiro-me s concepes de educao, s metodologias e prticas escolares que norteiam nosso cotidiano na escola, ou seja, refiro-me ao currculo.3
O cgito cartesiano Penso, logo existo
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mercadorias e do trnsito de capitais, assim como uma globalizao cultural, tnica sem
precedentes.
Porm, a velocidade do processo de globalizao no foi acompanhada pelo avano na
qualidade de vida das populaes. Pelo contrrio, possibilitou a acumulao de riqueza para
uma minoria que garante seus privilgios scio-econmicos, perpetuando-se no poder, e
aumentou os bolses de misria, inclusive nos pases ricos. A segurana e as perspectivas de
bem-estar-social, pactuadas com o Estado, so abolidas e o cidado fica merc das
cambiantes vicissitudes da lgica do Mercado. Haver futuro para a civilizao?
H, ainda, um efervescente debate cultural e intelectual em torno da superao dos
paradigmas que dominaram os ltimos sculos; da emergncia, ou no, de um novo sentido
para categorias, tais como o conhecimento, o intelectual, a histria, o poder e o trabalho. A
incerteza do conhecimento ou o fim das certezas foram alardeados por muitos autores, dentre
os quais eu destaco Prigogine (1996) e Morin (2004). Este ltimo utilizou-se da metfora: o
conhecimento a navegao em um oceano de incertezas, entre arquiplagos de certezas
(2004, p.86) para ilustrar suas incertezas epistemolgicas no processo de busca de um
conhecimento pertinente.
. De qualquer forma, a reflexo e ao do educador reveste-se de suspense, apreenso
e dvida diante desse panorama em que tecnologia, idias e utopia tornam-se diariamente
obsoletos. As dvidas cientficas e de f (poltica ou religiosa) pem em evidncia um
momento poltico, psicolgico e social de desterritorializao de valores, ou seja, de
transvalorao ou aparente findar das referncias valorativas.
Verdades que h trinta anos uniformizavam grupos em antagonismos bem definidos
(esquerda versus direita), que h vinte sustentavam debates pedaggicos de
progressistas entre si, ou contra liberais, psicologistas etc., no existem mais. Discursos
que promoveram lutas e utopias universais diluram-se em ativismos locais, ecolgicos,
cosmolgicos, msticos e outros rituais alternativos, revelando, pelo forte aroma irracional,
uma indiscutvel crise do sentido. Haver um discurso e uma prtica polticos eficientes,
eficazes? Qual o sentido e o princpio de tudo? O que isto viver?Por que tanta violncia,
tanto sofrimento humano? Qual perspectiva poltica realmente forja uma prxis
transformadora? Qual o sentido da existncia humana? Estas questes advindas da morte das
certezas e da derrocada dos valores compem parte fundamental das razes que levaram-nos
ao adoecimento da vontade de potncia, ao ruir do sentido maior da existncia humana.
Ruir do sentido maior, dos valores e desejabilidade. (..) queda dos valores
cosmolgicos, conscincia de um longo desperdcio de fora, desnimo, sentimento
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depressivo, adoecimento da vontade de potncia. Nietzsche percebeu estes sintomas
emergindo na cultura europia do sculo XIX e chamou-o de Niilismo4. Trata-se de um
perodo e um contexto frteis para um pessimismo imobilizante e nostlgico. Talvez por isso,
nas igrejas, nos sindicatos, nas fbricas, nas escolas, enfim, na sociedade e na cultura de um
modo geral, acossa-nos este adoecido sentimento de perda de referncias e valores que aqui
caracterizei como sendo o niilismo..
O niilismo , desse modo, uma experincia cultural de derrocada de valores e
perspectivas, perodo de transio que entre a desconstruo valorativa e reconstruo de
valores. Entre um modo de produo e outro, uma ruptura e outra de longos perodos nos
quais universos simblicos pautavam condutas morais, relaes de trabalho, representaes
diversas, vive-se (viveu-se) a instabilidade da cultura e um niilismo propedutico e
fomentador de novos valores que so sempre histricos, sempre cambiantes. So lampejos de
esperana em meio a trevas.
O niilismo pedaggico:
Algumas evidncias empricas, guisa de ilustrao e/ou fundamentao de minha
tese do niilismo pedaggico, na minha regio, podem ser conferidas em trs pesquisas5, por
mim coordenadas, nas quais investigamos a nossa cultura pedaggica, a formao de
professores e as demandas profissionais, culturais e sociais dos nossos egressos dos cursos de
formao de professores.
Na nossa escola, este fenmeno atinge as prticas escolares e o currculo evidenciando
um estado de insegurana e incerteza, com sintomas especficos de uma instituio
educacional6.
Penso que o adoecimento da vontade de ensinar e o adoecimento da vontade de
aprender so os primeiros e mais fundamentais dos sintomas niilistas, na escola. Ater-me-ei a
eles pelas dimenses e objetivos deste trabalho. Como j foi dito, as escolas onde atuo direta
4 Sobre o Niilismo, Nietzsche, Col. Pensadores, 1983:380-381.
5 Em 2003, a pesquisa Treze anos de formao de Profissionais do ensino, no Curso de Pedagogia (UFG-
CAC); avanos, limites e posssibilidades para a cultura pedaggica regional; em 2004, a pesquisa Crescente demanda pela Pedagogia do Saber-Fazer no cotidiano das prticas de ensino escolar do Sudeste Goiano: exausto da Pedagogia tico-poltica?; em 2005/6 Pedagogias do Ressentimento ou da Autonomia? Um olhar nietzschiano sobre o pensamento pedaggico brasileiro do sculo XX (Esta ltima em andamento.)6
Em meu artigo Desafio para o pensamento e cotidiano escolar: superar o niilismo pedaggico no prelo pela Revista da Faculdade de Educao da USP, a questo do niilismo pedaggico aprofundada com evidncias empricas e anlises de condicionamentos, por ser recorte privilegiado da problemtica do artigo em questo.
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ou indiretamente7, a despeito de algumas experincias positivas, h formas de adoecimento da
vontade de aprender e de ensinar. H um ruir de desejabilidade porque no balano final de
xitos e fracassos do trabalho escolar, vejo que esvaiu-se o sentido da ao educativa8. E na
ausncia do sentido das prticas de ensino e estudo prevalecem dinmicas mecnicas,
repetitivas e sem criatividade ou intencionalidade carentes de desejo! um estado de
alienao e desesperana pedaggicas.
Dentre as inverses valorativas responsveis pelo niilismo em questo aparece a
desvalorizao da figura do professor. Outrora este indivduo era um dos protagonistas e
cones dentre as personalidades que ocupavam lugar de destaque na sociedade do sudeste
goiano. Tal destaque se materializava em bons salrios e condies objetivas de trabalho
adequadas e motivadoras. Condies histricas que so objeto e problemtica de diversos
trabalhos e anlises operaram a desvalorizao profissional e social do professor.
Da desvalorizao profissional e do cotidiano escolar desestruturado, sobretudo
devido s polticas educacionais descontnuas e autoritrias, pelo absentesmo da
comunidade/famlia, do explcito desinteresse educativo dos alunos, do sucateamento da
estrutura e da mo de obra profissional presentes nas escolas pblicas, dentre outras razes,
emerge o adoecimento da vontade de ensinar. Devido s metodologias
inadequadas/superadas, aos professores desmotivados, ausncia de currculo participativo e
interdisciplinar, s infra-estruturas fsica e pedaggica inadequadas, inexistncia de
modelos-de-estudo na famlia, nos dolos e heris e , fundamentalmente, ausncia de
respostas convincentes para a questo aprender, pra qu? etc., resulta o adoecimento da
vontade de aprender.
No bastassem algumas das muitas razes do adoecimento da vontade, na escola,
reunir os professores para pensar o desafio deste cotidiano, ou mesmo os pais, alunos e a
comunidade revela-se um empreendimento estressante, frustrante porque o absentesmo e o
descompromisso so manifestados na ausncia da maioria e no mau humor geral dos que,
burocrtica ou coercitivamente, comparecem. Discutir, comparecer, cooperar, estudar,
ensinar, aprender etc. so verbos e aes que perderam legitimidade e razo de ser, deixando
escola o papel burocrtico e individualizado de aes pontuais neste ou naquele contedo.
7 Direta, porque, como pai, participo dos debates pedaggicos e dilemas da rotina da escola de meu filho.
Indiretamente, porque trabalho com a formao de professores.8
No sentido de respaldar empiricamente a firmao da existncia do adoecimento da vontade de ensinar/aprender h inmeros TCCs (Trabalhos de Concluso de Cursos) da graduao e Lato sensu da UFG-CAC tematizando o fracasso escolar e o que chamei de adoecimento da vontade de ensinar/aprender, Vale, ainda, descrever vrias razes de tal adoecimento que colhi quando do debate com professores e gestores da rede estadual goiana, em abril de 2006, que descrevo a seguir:
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No interior de uma cultura escolar alienada e adoecida na sua vontade, estabelecem-se,
as partes, um pacto segundo o qual o professor faz-de-conta que no percebe que o aluno est
ali por motivos outros que no aprender; este, por sua vez, faz-de-conta que ignora o
descompromisso e a desmotivao do professor, ao ministrar suas aulas incuas e estreis.
Este pacto extrapola os muros da escola e encontra reforo e respaldo na estrutura e hierarquia
organizacionais do fazer-escolar (Superintendncias e Secretarias de ensino). Torna-se
natural o fato de que em muitas escolas, a maioria no ensina e no aprende: este absurdo
adquire legitimidade tcita que, por sua vez, anestesia nossa indignao e nossa capacidade de
reao, fechando o ciclo do niilismo pedaggico.
Ora, aprender e ensinar so verbos que sinalizam para a vida, para o ato de viver; se
adoecidos, sugerem um adoecimento da vontade de viver ou adoecimento da vontade de
potncia porque a despeito de pontuais experincias de avanos na prxis educacional,
predomina uma descomunal apatia, indefinio e insegurana ante uma cultura pedaggica
que rui e outra que no logra efetivar-se9. Eis porque advm-nos uma nostalgia em relao
aos tempos cujos valores e as prticas educativas logravam resultados discutveis claro!.
Sobre isso, escrevi:
Quando assistimos s birras das crianas em luta pela suas experincias de prazer, ameaadas pelas regras dos adultos; quando estupefatos e indignados vemos os adolescentes dirigirem de forma ousada e espetacular, guiados por uma moralidade que os coloca alm do bem e do mal; quando alunos erguem o dedo em riste na face do professor e impem sua vontade diante do profissional imvel pelas coaes econmicas, pedaggicas ou jurdicas; quando ouvimos horrorizados relatos de crianas assassinas ou assaltantes, sentimos, clandestina e discretamente, uma saudade ou nostalgia pelos tempos em que o autoritarismo da educao tradicional era eficiente nos seus propsitos civilizatrios. Qual de nossos pais ousava desobedecer ou questionar quaisquer ordens explcitas no silncio do olhar inflexvel dos nossos avs? Devemos indagar pelo preo humano, psicolgico, poltico e social de tal eficincia. Devemos, ainda, operar uma interrogao semntica sobre o termo eficincia. Mas o que no podemos negar seu poder de construir indivduos e corpos dceis, morais e competentes para os interesses e modelos de homem, cidado e profissional dominantes daquele tempo. Se felizes, integrados, crticos ou autnomos (nossos valores atuais), esta uma outra questo. (Silva, 2003, p.111)
9 A cultura que ruiu, ou encontra-se em processo de extino, a chamada Pedagogia Tradicional; a cultura
que no logrou efetivar-se, ainda, no dia-a-dia escolar, so as chamadas Pedagogias Progressistas, quer sejam as marxistas, ps-estruturalistas ou as psicologistas.
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Vontade de potncia: inquietude, insaciedade
A quietude, a saciedade e a enfermidade do desejo s podem ser enfrentados e
superados atravs de uma vontade afirmadora de vida, vontade dionisaca. No se trata, como
em Schopenhauer, de uma luta pela vida; tampouco como Darwin, de uma luta pela
sobrevivncia. Nietzsche acreditava na luta pelo poder na nsia pelo poder, na
vontade para o poder ou, vontade de potncia (Der Wille Zur Macht). Esta a clebre
denominao de Nietzsche para a vontade motivadora de todos os atos de todos os seres e
coisas, para o movimento e devir dos entes. Mas para entenderdes minha palavra de bem e
mal: para isso quero dizer-vos ainda minha palavra da vida, e do modo de todo vivente. (...)
onde encontrei vida, ali encontrei vontade de potncia, e at mesmo na vontade daquele que
serve encontrei vontade de ser senhor. (ZA II Da superao de si, 2002, p.96). Este
filsofo, nos textos de 1881, afirma:
E sabeis... o que pra mim o mundo?... Este mundo: uma monstruosidade de fora, sem princpio, sem fim, uma firme, brnzea grandeza de fora... uma economia sem despesas e perdas, mas tambm sem acrscimos, ou rendimento,... mas antes como fora ao mesmo tempo um e mltiplo,... eternamente mudando, eternamente recorrentes... partindo do mais simples ao mais mltiplo, do quieto, mais rgido, mais frio, ao mais ardente, mais selvagem, mais contraditrio consigo mesmo, e depois outra vez... esse meu mundo dionisaco do eternamente-criar-a-si-prprio, do eternamente-destruir-a-si-prprio, sem alvo, sem vontade... Esse mundo a vontade de potncia e nada alm disso! E tambm vs prprios sois essa vontade de potncia e nada alm disso!
Ns, o mundo, a totalidade somos vontade de potncia que cria e destri. Ora, o
adoecimento da vontade necessariamente esse momento que sucede derrocada dos valores
e verdades que a prpria vontade provocou, na sua nsia infinita de aambarcar tudo e todos
ao seu redor, sobretudo aquilo que lhe oferece resistncia. Em sendo assim, a vontade que
destri a mesma que constri pela afirmao de novos valores, que posteriormente sero
tambm destrudos nos eternos vir-a-ser e vir-a-no-ser.
Como superar a apatia, a derrocada dos valores, a desejabilidade enferma e o
adoecimento da vontade manifestos nas prticas de ensino?
A superao do niilismo pedaggico
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Aps a tomada de conscincia do contexto, a vontade dionisaca, afirmadora,
configura-se como o antdoto ao adoecimento da vontade de potncia. Em outras palavras,
entendo que uma verdadeira superao do niilismo pedaggico, s pode acontecer pela via da
afirmao e no pela negao, pelo dizer sim s mais annimas e corriqueiras experincias do
cotidiano escolar que lograram discreto xito, ainda que descontnuo: por exemplo, alardear o
sucesso imprevisto e inusitado de estratgias educacionais ordinrias tais como a conquista da
alfabetizao e do letramento de um grupo antes estereotipado como fraco ou limitado
intelectualmente; a construo da auto-estima de um grupo de educandos considerados
incapazes, marginais, a vitria de alguns alunos frente quele contedo considerado
dificlimo etc. Atitudes assim afirmativas representam um exerccio de desarmamento,
abertura e tolerncia frente ao outro, outreidade, s novas perspectivas pedaggicas com as
quais comungamos, ou no, ideologicamente; representam, ainda, a superao do exerccio
exclusivo de denncia e crtica sem a preocupao conseqente de operar uma proposio,
assunto que merece aprofundamento em uma outra oportunidade.
Nosso mpeto desconstrutor, filho de uma hermenutica da suspeita e da denncia,
precisa ouvir a ilgica msica do devir, os passos indefinidos da coreografia e da dana do
conhecimento, do ato de conhecer. Porm, por sermos avessos percepo da vida como
devir trgico, constrange-nos perceber que a competncia e a ao afirmativa pressupem o
indivduo tenha experimentado o abismo da falta de perspectiva e os pores onde escondemos
rasgados nossos mais preciosos valores e convices, nossa dor mais pungente10, para depois,
e s depois, ele ousar o novo.
Da experincia da perda do sentido da vida e da ao escolar que emerge,
dialeticamente, o resgate significativo do que sou, porque sou e o que quero. So condies de
possibilidade para se ousar um projeto, ou uma proposta, como sendo um lampejo de vontade
numa tenebrosa noite do adoecimento do querer. J ento, no me basta a negao pela
negao, a denncia pela denncia; tampouco satisfaz-me a proposta aleatria e
descontextualizada. A denncia e a proposio, nesse nvel, relacionam-se em minha
compreenso dos desafios existenciais e escolares. Trata-se de uma dana repleta de sentido e
cadncia.
Afinal, nossa escola precisa ser um ambiente epistemolgico sensvel s alteridades, s
diferenas e aos seus condicionamentos. Porm, uma escola que afirma a vida no por alegrar
10 Esta dor pungente no sugere nem se inscreve na lgica do pessimismo romntico como o de Shopenhauer.
, pelo contrrio, como descreve Nietzsche (1983, p.222) um pessimismo dionisaco, clssico, que a partir da integrao do negativo e da tragicidade da vida humana, olha propositiva e afirmativamente para frente.
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e ludicizar o processo ensino-aprendizagem, mas por preparar o aluno para os desafios do
cotidiano, em todas as suas expresses. Uma escola que acolha, sem ser maternalista; que
instrumentalize a experincia do aluno sem eludir o caminho mais fcil de brincar no nvel e
ao redor do prprio aluno; que estimule a erupo da sua vontade de potncia, na intensidade
teraputica possibilitadora de uma auto-estima positiva e de uma ousadia construtiva no
terreno do conhecimento; que politize dando ao aluno a sua real dimenso de sociabilidade e
cidadania, sem cativ-lo e fanatiliz-lo em torno de convices, partidos ou credos de toda
natureza. Finalmente, uma escola eficiente que possibilite a competncia tcnica na proporo
exata de uma sensibilidade humana e poltica. Afirmao da vida, tal qual ela , revela-se
como o nico antdoto curricular face ao niilismo presente, atualmente, nas escolas de minha
regio e, talvez, de todo pas.
Consideraes finais:
Resgatar, legitimar afirmar! as positividades das aes das polticas pblicas tanto
quanto denunciar subservincias, acordos imorais e deturpaes de princpios e valores da
sociedade so tarefas cotidianas do educador consciente. Do mesmo modo, contribuir para a
implementao de uma pedagogia mais propositiva, no mbito escolar, local, surgem-me
como dois dentre tantos desafios postos aos educadores, atualmente, na minha regio.
Nesse trabalho, procurei enfatizar ao sobre a apatia, a desesperana, a indiferena e
o desnimo pedaggicos que aambarcam grande parte dos profissionais do ensino, e do
corpo discente, nesse contexto de desconstruo e reconstruo de valores, conceitos e
perspectivas do mundo contemporneo. No se trata de um enfoque exclusivamente subjetivo
porque entendo o subjetivo e o objetivo relacionados dialeticamente. Um enfoque macro-
estrutural com suas determinaes bem comum no pensamento pedaggico brasileiro, o que
confere pertinncia para anlises micro, que pensam o cotidiano e a cultura escolar, at
mesmo com propsito propedutico, de negao que busca uma sntese.
Enfim, necessrio superar o niilismo, em todas as suas manifestaes, sobretudo, no
nosso caso, no espao e cotidiano escolar. Afirmar a vida, sua imprevisvel capacidade de nos
surpreender; afirmar a nobreza do ato de educar e formar cidados integrados; afirmar a
urgncia de uma valorizao condizente com a estatura desse ofcio; afirmar a possibilidade
de superao dos limites (condicionados pelas vicissitudes econmicas, culturais, sociais etc.)
dos educadores e dos educandos, assim como das polticas educacionais, das instituies de
ensino e do currculo. Tais imperativos, aqui postos como imprescindveis superao do
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niilismo pedaggico, so parte de minhas propostas no sentido de se recuperar ou
implementar uma vontade triunfante de ensinar/aprender. Lembrando Nietzsche:
H uma vontade de trgico e de pessimismo que o signo, tanto do rigor quanto da fora do intelecto (do gosto, do sentimento, da conscincia). Com essa vontade no peito no se teme o temvel e problemtico que prprio de toda existncia; at mesmo se procura por ele. Por trs de uma tal vontade est o nimo, o orgulho, a aspirao por um grande inimigo.(1983, p.128)
Onde habita esta vontade que no vislumbro? ___Onde voc jamais imaginou existir
algo to singular.
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Consideraes iniciais