Administrar a cidade como uma empresa

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© Luiz Valério de Paula Trindade Página 1 02.03.2013 Administrar a cidade como uma empresa Breve análise de aspectos que causam perda de competitividade da cidade de São Paulo az já algum tempo que foi incorporada ao vocabulário de negócios em nosso país a expressão “Custo Brasil” o qual representa os inúmeros entraves que existem em nossa realidade econômica e que, geralmente tornam nossos produtos mais caros do que o de vários outros países. São Paulo, a maior cidade e mais vibrante centro econômico do país, e um dos principais da América do Sul, vive uma situação no mínimo paradoxal. O perfil econômico da cidade tem passado por muitas mudanças, notadamente ao longo das últimas duas décadas, e grande parte da atividade econômica está centrada na área de serviços. No entanto, ao mesmo tempo em que ocorre este desenvolvimento, em detrimento à área industrial como foi por muitos anos, tem aumentado também a necessidade por constantes deslocamentos. Contamos com uma frota da ordem de 6,424 milhões de automóveis, quase 15.000 ônibus e pouco mais de 74 km de linhas de metrô (64 estações) transportando 3,2 milhões de passageiros por dia. Com os atuais investimentos e obras de expansão da malha metroviária, até 2010 deverá atingir 88,5 km. Com índices de congestionamentos diários que facilmente superam os 100 km ~ 120 km em dias normais e da ordem de 150 km ou mais em dias muito chuvosos ou com ocorrência de acidentes graves, transitar pela cidade para cumprir compromissos de negócios, emergências diversas (médicas, policiais, resgates, etc.), entregas de encomendas, entre outros, têm se tornado um grande desperdício de recursos de toda ordem. Ou seja, tanto materiais quanto de tempo das pessoas. Naturalmente que trânsito é uma realidade presente em inúmeras metrópoles ao redor do mundo, porém, nem por conta disso, considero que se deva acomodar com a situação e não se procurar por alternativas viáveis de minimizar a situação e que realmente promovam uma diferença significativa no tráfego. O Rodízio Municipal que restringe a circulação diária de 20% dos caros da cidade no Centro Expandido já está em vigor desde 1996, no entanto, quando de sua implantação, a frota era inferior a 4,7 milhões de automóveis. Entendo que é difícil mensurar em cifras, mas é possível ter-se uma idéia bem clara da dimensão dos prejuízos provocados pelo trânsito exagerado da cidade e sua conseqüente perda de competitividade como, por exemplo: F F

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Breve análise de aspectos que causam perda de

competitividade da cidade de São Paulo

az já algum tempo que foi incorporada ao vocabulário de negócios em

nosso país a expressão “Custo Brasil” o qual representa os inúmeros

entraves que existem em nossa realidade econômica e que, geralmente

tornam nossos produtos mais caros do que o de vários outros países.

São Paulo, a maior cidade e mais vibrante centro econômico do país, e um dos

principais da América do Sul, vive uma situação no mínimo paradoxal.

O perfil econômico da cidade tem passado por muitas mudanças,

notadamente ao longo das últimas duas décadas, e grande parte da atividade

econômica está centrada na área de serviços. No entanto, ao mesmo tempo em que

ocorre este desenvolvimento, em detrimento à área industrial como foi por muitos

anos, tem aumentado também a necessidade por constantes deslocamentos.

Contamos com uma frota da ordem de 6,424 milhões de automóveis, quase

15.000 ônibus e pouco mais de 74 km de linhas de metrô (64 estações) transportando

3,2 milhões de passageiros por dia. Com os atuais investimentos e obras de expansão

da malha metroviária, até 2010 deverá atingir 88,5 km.

Com índices de congestionamentos diários que facilmente superam os 100 km

~ 120 km em dias normais e da ordem de 150 km ou mais em dias muito chuvosos ou

com ocorrência de acidentes graves, transitar pela cidade para cumprir

compromissos de negócios, emergências diversas (médicas, policiais, resgates, etc.),

entregas de encomendas, entre outros, têm se tornado um grande desperdício de

recursos de toda ordem. Ou seja, tanto materiais quanto de tempo das pessoas.

Naturalmente que trânsito é uma realidade presente em inúmeras metrópoles

ao redor do mundo, porém, nem por conta disso, considero que se deva acomodar

com a situação e não se procurar por alternativas viáveis de minimizar a situação e

que realmente promovam uma diferença significativa no tráfego.

O Rodízio Municipal que restringe a circulação diária de 20% dos caros da

cidade no Centro Expandido já está em vigor desde 1996, no entanto, quando de sua

implantação, a frota era inferior a 4,7 milhões de automóveis.

Entendo que é difícil mensurar em cifras, mas é possível ter-se uma idéia bem

clara da dimensão dos prejuízos provocados pelo trânsito exagerado da cidade e sua

conseqüente perda de competitividade como, por exemplo:

FF

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Desperdício de combustíveis;

Desgaste prematuro das vias de rodagem e conseqüente aumento de

gastos com freqüentes manutenções corretivas;

Perda de tempo em deslocamentos na medida em que estes acabam tendo

a duração dobrada quando não triplicadas;

Aumento no custo de fretes os quais invariavelmente acabam sendo

repassados ao consumidor final de uma forma ou de outra;

Aumento da poluição do ar e sonora e comprometimento da já precária

qualidade de vida na cidade;

Negócios diversos que deixam de ser efetivados em virtude destas

dificuldades;

Perda de arrecadação do município na medida em que potenciais

empresários deixam de investir na cidade temerosos de problemas de

ordem logística e perda de competitividade ante a concorrência global.

Além disso, deixa-se de criar postos de trabalho e geração de renda para

diversas camadas da sociedade;

Vidas que correm riscos, pois os serviços de ambulâncias, primeiros

socorros, resgates, bombeiros e policiais acabam demorando mais do que o

admissível para chegar ao local onde se faz necessário e também para

transportar pessoas feridas ou em necessidade de atendimento médico-

hospitalar.

Ou seja, como é possível constatar, são diversos os aspectos influenciados

pelos congestionamentos exagerados na cidade.

Obviamente que seria utópico imaginá-la totalmente sem trânsito. Mesmo

sendo o desejado, existe uma grande diferença entre o ideal e o possível. Entre o

factível e o imaginário.

Porém, mesmo assim, é inegável a parcela de responsabilidade do poder

público municipal em implementar projetos e soluções visando mudar este quadro no

futuro breve.

Os governantes vão se sucedendo no cargo e, lamentavelmente, o que

presenciamos são apenas iniciativas pontuais e paliativas desprovidas de um

planejamento mais abrangente, consistente e lastreadas em um projeto de futuro

para a cidade.

Não há planejamento, não há preparo, não há estudos. Ou, quando há algum,

não sobrevivem a um mandato e jamais saem do plano das intenções para o das

ações concretas.

Muito se fala também sobre a valorização do transporte público como uma

alternativa para estimular as pessoas a deixarem o carro mais vezes na garagem e,

desta forma, contribuir para melhorar o trânsito e o nível de poluição atmosférica e

até mesmo a sonora. Porém, fica-se muito mais no discurso do que na ação de fato.

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Qual a situação do transporte público na cidade atualmente?

Observa-se certo desequilíbrio na distribuição da frota de ônibus pela

cidade, pois em bairros mais distantes da região central, é comum a

queixa de moradores por esperas prolongadas nos pontos;

O metrô está já há muito tempo no limite de sua capacidade nos horários

de pico e fora dele a situação também não é tão diferente assim;

O alcance da malha do metrô é muito tímido para o tamanho de nossa

cidade e uma população de 11,3 milhões de pessoas. A título de exemplo, é

possível observar que em Londres, que constitui a linha mais antiga do

mundo, apresenta 408 km de extensão e já foi superada com folga pela

rede de Xangai na China, que possui 420 km e que atingiu esta marca em

apenas 16 anos. Inclusive, de acordo com recente reportagem publicada

pela BBC, afirma que no ritmo do crescimento da malha metroviária de

São Paulo, levariam 172 anos para que atingíssemos o tamanho da rede

atual do metrô de Londres1;

Analisando-se sob a óptica relativa de tamanho da população da cidade

em comparação com o tamanho da malha metroviária, os números são

ainda mais espantosos:

Metrópole Malha População Relação

Cidade do México 202 km 8,86 milhões 43.861 habitantes/km

Londres 408 km 8,17 milhões 20.024 habitantes/km

Paris 213 km 2,19 milhões 10.281 habitantes/km

Moscou 269 km 11,5 milhões 42.751 habitantes/km

Xangai 420 km 18,7 milhões 44.524 habitantes/km

São Paulo 74,3 km 11,3 milhões 152.086 habitantes/km

Ou seja, com base nos dados acima apresentados e tendo como referência a

rede de metrô de Londres, é possível constatar que, se fosse mantida a mesma

proporção de habitantes/km, teoricamente, a malha metroviária de São Paulo

deveria ser da ordem de 564 km (7 vezes superior à atual).

Desta forma, muito mais do que pontes, viadutos e avenidas espalhados por

toda parte, o que se faz necessário de fato é um planejamento estratégico de médio e

longo prazo para a cidade onde sejam estabelecidos metas e objetivos claros no que

concerne como queremos que ela seja daqui a 10, 20, 30 anos ou mais.

Sendo assim, não basta fazer obras relâmpagos no último ano de mandato

fadadas a se tornarem “esqueletos” a céu aberto ou, mesmo que concluídas, não

façam parte de um planejamento mais amplo.

É preciso que a cidade seja pensada como uma empresa que precisa

apresentar condições favoráveis e adequadas para produzir cada vez mais e melhor,

seja competitiva e, principalmente, que dê resultados aos seus acionistas-cidadãos.

1 Fonte: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/01/130111_metro_comparacao_sp_londres_rw.shtml