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ADI 3512 Nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade, que diz respeito a conceder meia-entrada a doadores regulares de sangue e órgãos, discute-se se ao Poder Legislativo é permitido atribuir, por meio de lei ordinária, a um órgão do Poder Executivo – no caso à Secretaria do Estado do Espírito Santo (SESA) -, a tarefa de emitir carteira que comprove a regularidade das doações. Ou seja, trata-se de um debate no qual o foco é a discussão sobre quem possui legitimidade de iniciativa para editar lei com tal conteúdo (dar atribuições a um órgão do Executivo). Na inicial, o Governador do Estado do Espírito Santo alega que a lei em tela colide com a sua atribuição disposta nos artigos 61, § 1°, II, “e”; 84, II e VI, “a”; e 199, § 4°, da Constituição Federal, visto que, por ser norma de seguimento obrigatório, o disposto nos artigos supracitados dão ao Governador do Estado a competência privativa para dispor sobre a organização administrativa do Poder Executivo Estadual, presente aí a competência para criar novos órgãos da Administração. Inicialmente, o ministro Eros Grau, relator da ADI, julga esse dispositivo inconstitucional considerando outras questões semelhantes em que o tribunal “declarou inconstitucionais leis, de origem parlamentar, que dispunham sobre atribuições conferidas aos órgãos subordinados ao governador”.

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ADI 3512

Nesta Ao Direta de Inconstitucionalidade, que diz respeito a conceder meia-entrada a doadores regulares de sangue e rgos, discute-se se ao Poder Legislativo permitido atribuir, por meio de lei ordinria, a um rgo do Poder Executivo no caso Secretaria do Estado do Esprito Santo (SESA) -, a tarefa de emitir carteira que comprove a regularidade das doaes. Ou seja, trata-se de um debate no qual o foco a discusso sobre quem possui legitimidade de iniciativa para editar lei com tal contedo (dar atribuies a um rgo do Executivo). Na inicial, o Governador do Estado do Esprito Santo alega que a lei em tela colide com a sua atribuio disposta nos artigos 61, 1, II, e; 84, II e VI, a; e 199, 4, da Constituio Federal, visto que, por ser norma de seguimento obrigatrio, o disposto nos artigos supracitados do ao Governador do Estado a competncia privativa para dispor sobre a organizao administrativa do Poder Executivo Estadual, presente a a competncia para criar novos rgos da Administrao. Inicialmente, o ministro Eros Grau, relator da ADI, julga esse dispositivo inconstitucional considerando outras questes semelhantes em que o tribunal declarou inconstitucionais leis, de origem parlamentar, que dispunham sobre atribuies conferidas aos rgos subordinados ao governador. O ministro cita a existncia de dois precedentes: duas medidas cautelares de ao direta de inconstitucionalidade advindas do Estado do Rio Grande do Sul, respectivamente: ADI 2443 de 2001 e ADI 2799 de 2004. Na primeira ao, o governador do Estado pleiteia a suspenso da vigncia de lei de origem parlamentar segundo a qual todos os servios telefnicos de emergncia passariam a adotar o mesmo dgito: 190. Segundo o governador, essa lei interferiria em atos tpicos da Administrao, conflitando deste modo com a competncia que a Constituio Federal lhe reservou com exclusividade. Nesta seara, admitem a maioria dos ministros que a lei no se compatibiliza com o disposto no artigo 61, 1, II, e, e deferem o pedido cautelar. Na segunda, tambm pleiteada pelo governador do Estado, ele sustenta a inconstitucionalidade da lei que cria o Programa de Desenvolvimento Estadual do Cultivo e aproveitamento da Cana-de-Acar e seus derivados (PRODECANA), pois, segundo seu entendimento, incorre ao Legislativo em vcio de iniciativa ao estipular que as responsveis pela gerncia do programa sero a Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento, e, pela coordenao do mesmo, uma nova Secretaria-Executiva, criada pela prpria lei. Acompanhado com unanimidade pelos ministros em seu voto, Marco Aurlio, defere o pedido sob o seguinte argumento: est-se diante de disciplina de tema que, a teor da Carta da Repblica, dependeria da provocao do chefe do Poder Executivo, o que no ocorreu. Volta-se anlise da lei capixaba. Cabe aqui, esclarecer quais as consequncias fticas da declarao de inconstitucionalidade deste dispositivo especificamente. Por ele eleito um rgo que ir emitir as carteiras de identificao dos doadores; portanto, este artigo da lei que d eficcia a todo o sistema de concesso da meia-entrada. Sem a entidade que controle a emisso da carteira, diretamente ligada sade, dar-se- uma abertura fraude que, no limite, poder inviabilizar o fim da meia-entrada, que incentivar a doao de sangue. Esta observao levantada em debate pelos ministros. Destaca-se essa discusso, visto que ela indita, pelo menos em relao a ADI 1950, no qual em todo o seu teor, no se questiona a quem competir emitir a carteira de identificao estudantil. Desta maneira, somente neste acrdo, os ministros se preocupam com a fiscalizao e controle da emisso das carteiras, subordinando a eficcia da norma a eles. Contudo, o ministro Eros Grau, tentando defender a inconstitucionalidade desta disposio, apresenta outra forma de controle. Segundo ele, existe uma dualidade de documentos que comprovam a regularidade da doao de sangue, pois, os hemocentros e bancos de sangue tm registrados os nomes dos doadores. Da seria perfeitamente possvel retirar a eficcia do artigo 4, e permanecer o controle, agora somente pelo documento expedido no hemocentro. Discorda-se novamente do ministro, por uma razo que tambm os outros ministros constataram. Uma questo o registro do indivduo no hemocentro, que prova apenas uma transfuso de sangue e outra, totalmente distinta, a carteira de identificao, que demonstra a periodicidade da doao. Diz o ministro Nelson Jobim, in verbis: Vamos devagar. Aqui, indutor para doar sangue; ou seja, a pessoa que tenha efetivamente doado sangue dentro de um perodo de tempo. Agora, se voc meramente se inscreve como doador e no doa, passa a gozar de meia-entrada? Aqui voc est alimentando a possibilidade de todo mundo se inscrever e no doar sangue. Ou seja, um instrumento necessrio. o artigo 4, porque, seno, tira o artigo 4 e fica s o registro da doao. Embora aqui, assim como em outras passagens, note-se que o voto do ministro foi feito oralmente, sem ao menos ser alvo de reviso para a sua publicao, em seu contedo, as palavras do ministro apontam novamente que a falta de regulamentao poder levar a um aumento significativo dos registros nos hemocentros, sem que seja dada pelo beneficirio a contraprestao exigida: a regular doao de sangue. Tendo em vista a insistncia do argumento dos demais ministros, Eros Grau volta atrs, para declarar constitucional o artigo 4, que atribui a SESA o papel de emitir as carteiras. Afastando-se de uma anlise formal, na qual se ditaria se o rgo do Legislativo realmente competente para atribuir encargos a uma secretaria de Estado, voltar-se- a crtica s consequncias concretas da deciso tomada. Pela fiscalizao e controle da SESA, a meia-entrada seria mais eficiente, na medida em que somente os doadores regulares de sangue seriam beneficiados. Nestes termos, garantir essa fiscalizao seria viabilizar a finalidade dessa medida, que aumentar o volume de doaes de sangue. Aponta-se esta crtica na mudana de opinio de Eros Grau quanto constitucionalidade do art. 4 da lei. Ora, trata-se de uma evidente contradio do ministro. Por fora do debate posterior ao seu voto, Eros Grau volta atrs na sua deciso e declara constitucional o artigo 4 da lei, ignorando a questo por ele mesmo levantada sobre a incompetncia do Poder Legislativo exigir de um rgo do Executivo a emisso de um documento e mais, fundamentada em precedentes da Corte. O ministro no justifica juridicamente a sua mudana de posicionamento e no arca com o nus argumentativo dessa operao. Ao contrrio, em poucas linhas retifica o seu voto e julga integralmente constitucional a lei n 7737. Critica-se, deste modo, a falta de esclarecimento do ministro, at mesmo ao Governador do Estado do Esprito Santo, que o impetrante da ao.