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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 3501/05.0TBOER.L1.S1 Nº Convencional: 1ª SECÇÃO Relator: GARCIA CALEJO Descritores: DIREITOS DE AUTOR OBRAS CONTRAFACÇÃO USURPAÇÃO DIREITO PATRIMONIAL PROPRIEDADE INTELECTUAL TÍTULO Nº do Documento: SJ Data do Acordão: 29-04-2010 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - Para que um facto (ilícito) possa ser considerado contrafacção (cf. art. 196.º do CDADC) devem concorrer, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) alguém proceder a uma utilização fraudulenta; b) arrogar-se como sendo sua obra alheia; c) que seja mera reprodução de obra alheia; d) que essa reprodução seja tão semelhante que não tenha individualidade própria. II - Diversa da contrafacção é a figura da usurpação, a que alude o art. 195.º do CDADC: enquanto, nesta, o usurpador utiliza a obra de outro sem autorização (ou para além dos limites da autorização concedida), na contrafacção o visado utiliza como própria uma obra alheia. III - Resulta do n.º 1 do art. 196.º do CDADC que, desde que cada uma das obras possua individualidade própria, a semelhança entre duas obras não constitui contrafacção. O critério da individualidade, no exacto sentido de criatividade, prevalece sobre a semelhança objectiva. Decisivo para determinar a contrafacção é nada se acrescentar à criação alheia a que se recorreu. IV - O critério determinante para que se diga que não há contrafacção, é afirmar-se que a obra possui um conjunto de características intrínsecas que permite dizer que, não obstante as semelhanças, se trata de uma obra diferente e não uma reprodução ou cópia da outra, i.e., que é uma obra que tem uma individualidade própria, por comparação com a outra. V - A obra é o objecto da protecção no direito de autor o que pressupõe a sua existência, não podendo falar-se sequer de direito de autor sem a realidade de uma obra, entendida como exteriorização duma criação do espírito, uma criação intelectual por qualquer modo exteriorizada, não beneficiando da sua tutela as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas, por si só e enquanto tais. VI - O direito de autor engloba direitos patrimoniais e direitos pessoais ou morais (cf. art. 9.º do CDADC): a) no que toca aos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e4b4... 1 de 30 27-09-2012 08:48

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 3501/05.0TBOER.L1.S1Nº Convencional: 1ª SECÇÃORelator: GARCIA CALEJODescritores: DIREITOS DE AUTOR

OBRASCONTRAFACÇÃOUSURPAÇÃODIREITO PATRIMONIALPROPRIEDADE INTELECTUALTÍTULO

Nº do Documento: SJData do Acordão: 29-04-2010Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1Meio Processual: REVISTADecisão: NEGADA REVISTASumário : I - Para que um facto (ilícito) possa ser considerado contrafacção (cf.

art. 196.º do CDADC) devem concorrer, cumulativamente, osseguintes requisitos: a) alguém proceder a uma utilização fraudulenta;b) arrogar-se como sendo sua obra alheia; c) que seja merareprodução de obra alheia; d) que essa reprodução seja tãosemelhante que não tenha individualidade própria.II - Diversa da contrafacção é a figura da usurpação, a que alude oart. 195.º do CDADC: enquanto, nesta, o usurpador utiliza a obra deoutro sem autorização (ou para além dos limites da autorizaçãoconcedida), na contrafacção o visado utiliza como própria uma obraalheia.III - Resulta do n.º 1 do art. 196.º do CDADC que, desde que cadauma das obras possua individualidade própria, a semelhança entreduas obras não constitui contrafacção. O critério da individualidade,no exacto sentido de criatividade, prevalece sobre a semelhançaobjectiva. Decisivo para determinar a contrafacção é nada seacrescentar à criação alheia a que se recorreu.IV - O critério determinante para que se diga que não hácontrafacção, é afirmar-se que a obra possui um conjunto decaracterísticas intrínsecas que permite dizer que, não obstante assemelhanças, se trata de uma obra diferente e não uma reprodução oucópia da outra, i.e., que é uma obra que tem uma individualidadeprópria, por comparação com a outra.V - A obra é o objecto da protecção no direito de autor o quepressupõe a sua existência, não podendo falar-se sequer de direito deautor sem a realidade de uma obra, entendida como exteriorizaçãoduma criação do espírito, uma criação intelectual por qualquer modoexteriorizada, não beneficiando da sua tutela as ideias, os processos,os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ouas descobertas, por si só e enquanto tais.VI - O direito de autor engloba direitos patrimoniais e direitospessoais ou morais (cf. art. 9.º do CDADC): a) no que toca aos

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direitos de carácter patrimonial, o seu titular tem o direito exclusivode fruir e utilizar a sua obra, no todo ou em parte, tendo,nomeadamente, a faculdade de a divulgar, publicar e explorareconomicamente por qualquer forma, directa ou indirectamente, noslimites da lei; b) no que concerne aos direitos morais, o autor goza dodireito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a suagenuinidade e integridade, de se opor à sua destruição, a toda equalquer mutilação, deformação ou outra modificação e, de um modogeral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra ereputação do autor, o direito de a retirar a todo o tempo de circulaçãoe fazer cessar a respectiva utilização, direitos estes que sãoinalienáveis, e irrenunciáveis, perpetuando-se após a morte do autor,competindo esse exercício aos seus sucessores, enquanto a obra nãocair no domínio público.VII - No caso concreto, se a titularidade originária da propriedadeintelectual de um guião pertencia a um terceiro (em exclusivo) e, sóapós a celebração de escritura pública, o conteúdo patrimonial doreferido direito foi transmitido ao recorrente, este não adquiriu, porforça da transmissão operada, a qualidade de autor ou de co-autor daobra, pois que não a criou, tornando-se, única e exclusivamente, otitular do conteúdo patrimonial de um direito sobre a obra. O autor oucriador intelectual do guião (terceiro) manteve (e mantém) os direitosmorais sobre essa obra.VIII - A protecção da obra é extensiva ao título, nos termos do art.4.º, n.º 1, do CDADC, desde que este tenha originalidade, traga algode novo, e não seja banal.IX - O termo “público” a que se refere o art. 6.º do CDADC deve serentendido com o “público em geral”, só existindo divulgação quandoa obra sai fora da esfera de controlo do autor e passa a ser acessível atodos aqueles que procuram ter conhecimento dela. Assim, agravação de ensaios de um programa em videocassete não traduz acomunicação pública de uma obra autónoma: tal comunicaçãoimplica, necessariamente, para além da existência de uma obra, a suaapresentação ao público, ou seja, dar a conhecer à generalidade daspessoas, permitindo, assim, o acesso à mesma.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- Relatório:1-1- AA, residente na Av. …, C.P. …-…, Porto, propôs a presenteacção com processo ordinário contra BB ... de Comunicação, SA,com sede na …, C.P. …-…, … e CC, Produções de Televisão S.A.,com sede na …, nº …, Edifício …, .., piso .., C.P. ..-.., … pedindo queas RR. sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de € 1.780.000,00 atítulo de indemnização pela prática do ilícito de contrafacção queindica, acrescida dos juros legais a contar da citação e até efectivo eintegral pagamento.

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Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que é produtor detelevisão, tendo contactos privilegiados com a estação de televisãoDD, para a qual produziu o programa “A... “, cuja autoria e ideiaoriginal foram suas. O guião de tal programa foi elaborado, a pedidodo A., por EE. Este EE, no dia 2 de Dezembro de 2003, entregou aoA., a 1ª versão do guião do programa “U.... s...”. O novo programa,ideia original do A., teria o título de “U.... s...” e como objectivo o deencontrar o sonho de mulher de todos os portugueses. O EE tratou decriar um guião onde as candidatas seriam sujeitas a várias provas,desfile em fato de banho e em vestido de gala, prova de canto e/oudança e/ou expressão corporal e provas de cultura geral, onde semostraria não a cultura, mas a incultura, das candidatas, criando umafigura bonita e bem arranjada, mas que raramente é culta. Efectuadoo guião, o A. adquiriu total e definitivamente a EE, na sequência deum contrato particular com este celebrado em Fevereiro de 2004, porescritura pública lavrada em 8 de Outubro de 2004, os direitos depropriedade artística e intelectual do guião, conceitos e conteúdos, deum programa intitulado “U.... s...”. O cedente dos direitos em causa,EE, procedeu em 17 de Fevereiro de 2004 ao pedido de registo daobra na qual se incluem o guião, o titulo, conceito e conteúdos, noIGAC — Inspecção Geral das Actividades Culturais e na SPA -Sociedade Portuguesa de Autores, que foi devidamente deferido em29 de Abril de 2004. Em 10 de Março de 2004 foi efectuado o registono IGAC da cassete vídeo gravada no dia 13 de Janeiro de 2004 noCasino da Povoa do Varzim e que constituiu o programa ... de “U....s...”, pedido de averbamento esse que foi deferido pelo IGAC em 30de Abril de 2004. A venda de cada programa far-se-ia ao canal detelevisão DD, já contactado e interessado na aquisição do mesmo, porvalor dependente de negociação, mas nunca inferior a trinta e cincomil euros por programa. Em Março de 2004, o A. foi alertado poramigos presentes na gravação do programa ..., para o facto de a 1ª R.ter começado a anunciar que, a mesma, iria estrear o programa “u....s...”. O objectivo, nome e conteúdo do programa publicitado pela 1ªR. eram exactamente idênticos ao seu programa, previamenteidealizado, gravado e registado, apesar de a 1ª R. acrescentar ao titulo“U.... s...” “o subtítulo“ Miss Portugal 2004 “, consistiam nas mesmasprovas de desfile em fato de biquini, vestido de noite, bem como atónica de humor existente no seu “U.... s...”. Ao verificar estasituação o A., por carta registada de 13 de Abril de 2004, informou asRR. do facto, solicitando-lhes que não emitissem o referidoprograma, sob pena de o A. ser forçado a agir judicialmente. Apesarde notificadas, as RR. emitiram o referido programa, incorrendo emcontrafacção, nos termos do Código dos Direitos de Autor e DireitosConexos (CDA), por apropriação ilícita do programa concebido eidealizado pelo A., impedindo este último de fechar contrato com aoperadora de televisão interessada na aquisição do programa.

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A 1ª R. contestou alegando, em síntese, que ao tempo da apresentaçãoda providência cautelar apensa (Abril de 2004), por inobservância daforma legalmente prevista por lei - escritura pública -, o negócio, peloqual EE terá alienado ao A. o conteúdo patrimonial do alegado direitode autor, era nulo. A escritura pública de alienação de tal conteúdoapenas foi lavrada em 8 de Outubro de 2004, referente a umprograma intitulado “U.... s...”. Em 16 de Fevereiro de 2004, a 1ª R.procedeu ao pedido de registo, junto do Instituto Nacional dePropriedade Industrial, da marca “U.... s... — Miss Portugal 2004” naclasse 38ª. O programa “U.... s... — Miss Portugal 2004”, sobre oqual o A., alegadamente, invoca deter os respectivos direitos, já tinhasido emitido muito antes da data da escritura de 8 de Outubro de2004, tendo as respectivas transmissões cessado em 28 de Maio de2004.Conclui pela ilegitimidade do A, enquanto excepção dilatória queobsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa.Acrescenta que a causa de pedir aduzida pelo A. configura um crimede contrafacção, cuja apreciação e julgamento cabe aos tribunaiscriminais.Ainda que assim se não entenda, é inepta a petição inicial, porininteligibilidade da causa de pedir, que o A. não concretiza nemidentifica e nem sequer alega qualquer dano moral. A indemnização aeventualmente ter lugar, em benefício do A. deveria ser relativa aoscustos suportados com a produção do programa, mas o A. nada alegaa este respeito, ferindo, também, de ineptidão a petição inicial, comfundamento na ininteligibilidade do pedido.“U.... s...” é uma expressão totalmente genérica e sem qualquercarácter distintivo particular. O mesmo não se verifica relativamenteà marca “U.... s... — MISS PORTUGAL 2004”, uma vez que estaconjuga e associa a expressão genérica “U.... s...” à já anterior marca“Miss Portugal”, conferindo-lhe, assim, a necessária capacidadedistintiva. O A. entra em contradição com o referido nos artigosiniciais da sua peça processual, ao associar «U.... s...» ao programa«A...».O conceito e estruturação dos programas - o referido pelo A e oexibido pela 1ª R., não coincidem. Diferentemente, a propósito doprograma «U.... s... — Miss Portugal 2004» era eleger a MissPortugal 2004. O A. não tem o direito de prioridade do uso de marcalivre, pois, como consequência do que alega, esse direito teria de serexercido até 13 de Junho de 2004, nos termos do art. 227º, nº 1 doC.P.I..Pede, a final, a condenação do A. como litigante de má fé, porproferir afirmações que não correspondem à verdade dos factos,tentando obter um beneficio económico ilegítimo, em indemnizaçãoconsistente no montante dos honorários e despesas que a A. venha adespender no decurso da presente acção e em resultado dela.

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Pede ainda seja julgada totalmente improcedente por não provada apresente acção, com absolvição das RR. do pedido.A R. «CC de Televisão, S.A.» contestou, em síntese, seguindo osargumentos da R. «BB».O A. replicou, em resumo, sustentando não é parte ilegítima, porque,em Outubro de 2003, contratou verbalmente a compra do guião aoreferido EE. A dedução de pedido cível é alternativa ao seguimentode processo criminal.No caso de assim se não considerar, pede a intervenção principalespontânea do dito EE e remetidos os autos ao Ministério Público,para procedimento criminal.A R. «CC» pronunciou-se sobre o requerimento de intervençãoprincipal espontânea do dito EE , a propósito do que acusa o A. demisturar conceitos jurídicos e alterar a sua versão dos factos ao saborda defesa apresentada pelas RR. e concluindo que a admissão de talintervenção não produziria a sanação da ilegitimidade processualactiva do A..O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-seproferido o despacho saneador, onde se indeferiu a intervençãoprincipal provocada requerida nos articulados e onde se julgaramimprocedentes as excepções dilatórias de incompetência material dotribunal, a ineptidão da petição inicial e ilegitimidade processual.Após fixaram-se os factos assentes, organizou-se a base instrutória,realizou-se a audiência de discussão e julgamento e respondeu-se aesta base.Proferiu-se, por fim, a sentença, onde se julgou a acção improcedentepor não provada, absolvendo-se as RR. do pedido.Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o A. de apelaçãopara o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de18-06-2009, julgado improcedente o recurso, confirmando-se asentença recorrida.1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para esteSupremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e comefeito devolutivo.O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintesconclusões:1ª- As RR., com a sua actuação violaram inequivocamente os direitosautorais do aqui recorrente;2ª- Direitos esses que incidem sobre a obra radiodifundida que crioue o sobre o guião que desenvolveu a ideia original que esteve nagénese daquela;3ª- Os programas das RR. constituem evidente contrafacção dosdireitos do recorrente;4ª- Contrafacção essa que constituiu causa dos danos patrimoniais emorais supra invocados;5ª- O que não pode deixar de impor às RR. o dever de indemnizar o

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A. no montante peticionado;6ª- Indemnização essa que deve ter em conta os proventos obtidospelas RR., os danos emergentes e os lucros cessantes sofridos peloA., bem como todos os encargos suportados pelo A. com a protecçãodos seus direitos;7ª- Devendo, nomeadamente, ter-se em conta na fixação do quantumindemnizatório a gravidade do comportamento das RR.;8ª- Ora, in casu, as RR. são entidades profissionais, com grandeexperiência e elevada dimensão financeira;9ª- Donde resulta que o comportamento de ambas em muito excedeua mera culpa ou a simples negligência, até porque devida eantecipadamente avisados;EM SÍNTESE:10ª- Por um lado, a primeira parte do programa das RR. éinequivocamente idêntica - em tudo - ao programa do A.;11ª- Depois, o título do programa das RR constitui reproduçãomutatis mutandis do título do programa do A.;12ª- Nessa sequência, o logótipo utilizado na divulgação do programadas RR. é absolutamente decalcado do logótipo utilizado naidentificação do programa do A.;13ª- E, impressionantemente, tudo isto é reconhecido pela própriasentença recorrida;14ª- Depois, como antes se evidenciou, ficou claro que o programado A. foi divulgado antes do das RR;15ª- A isto acresce, sem prescindir, que o comportamento das RR. sesubsume inquestionavelmente na figura da “concorrência desleal”;16ª- Mais, os proventos obtidos pelas RR., na sequência, do seucomportamento abusivo, constituem manifesto enriquecimento semcausa.17ª- Perante isto, resulta claro que a sentença proferida violou, entreoutros, os arts. 4º, 6º, 17º, 21º, 196º e 211°, todos do Código doDireito de Autor e dos Direitos Conexos, bem como os arts. 317° doCódigo da Propriedade Industrial e 473º e ss. do Código Civil.Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso,procedendo-se à integral revogação da sentença proferida e àrespectiva substituição por outra que considere integralmenteprocedente a presente acção.As recorridas contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação doacórdão recorrido.O recorrente veio apresentar o parecer elaborado pelo Prof. daFaculdade de Direito de Coimbra, Filipe Cassiano dos Santos, juntoaos autos de fls. 1927 a 1966.Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:II- Fundamentação:2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelasconclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as

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questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 doC.P.Civil).Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar edecidir:- Se os programas das RR. constituem contrafacção dos direitos doA..- Se as RR. violaram os direitos autorais do A..- Se existem danos do A. que mereçam ser indemnizados.2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:1) No âmbito da sua actividade profissional, após o sucesso doprograma “A...”, o A., em Setembro/Outubro de 2003, teve novaideia original para novo programa de televisão;2) E, de novo, contactou o EE, para que este efectuasse o guião namesma linha do anterior, contendo também entrevistas mordazes,cáusticas e a roçar o ridículo;3) O referido EE, no dia 2 de Dezembro de 2003, entregou ao A. a 1ªversão do guião desse programa;4) Esse novo programa teria o título de “U.... s...” e como objectivo ode encontrar o “sonho de mulher” de todos os portugueses;5) O referido EE criou um guião onde as candidatas seriam sujeitas avárias provas, desfile em fato de banho e em vestido de gala, provade canto e/ou expressão corporal;6) Onde se mostraria não a cultura, mas a “incultura” das candidatas;7) Criando uma figura bonita e bem arranjada, mas só por vezesculta;8) A “U.... s...” foi dado um formato e conteúdos destinados apenas atelevisão, com alinhamento original e a ser emitido em trezeprogramas semanais com duração aproximada de cinquenta minutoscada;9) A “venda” de cada programa far-se-ia ao canal de televisão “DD”,já contactado e interessado na aquisição do mesmo, por valordependente de negociação, mas nunca inferior a trinta e cinco mileuros por programa;10) Uma vez escrita a redacção do guião pelo indicado EE,seguiram-se os ensaios, com registos dos mesmos em videocassete;11) O programa gravado em cassete de vídeo no Casino da Póvoa doVarzim a 13.1.04 tem mais de 10 horas de imagens;12) E constitui o programa ... de “U.... s...”;13) Que se destinava a ser apresentado à DD;14) Correspondendo à obra averbada referida em 20);15) O que se registou no IGAC foi uma compilação onde sepretendeu garantir o conteúdo, o nome do programa “U.... s...”, aideia original do objectivo de encontrar o “sonho de mulher” de todosos portugueses, e as provas fundamentais, por forma a apresentar oreferido programa à “DD”;16) E ajustar o programa, mantendo o seu conteúdo, aos interesses e

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disponibilidades da referida estação de televisão;17) O guião original nem sempre coincide com a gravação doprograma ... e com o programa definitivo, uma vez que sãomomentos distintos em que participam o guionista, depois orealizador e depois o produtor;18) Sendo sempre comum e inalterável o conteúdo, o nome e osobjectivos do programa;19) Em Fevereiro de 2004, o A. combinara com o indicado EEadquirir a este o direito referido;20) Por carta datada de 29.4.04, com o teor constante de fls. 18 dosautos, o IGAC-Inspecção Geral das Actividades Culturais comunicoua EE o “deferimento do pedido de registo de Direito de Autor da obra... «U.... s...»”;21) E por carta datada de 30.4.04, com o teor constante de fls. 19 dosautos, o IGAC-Inspecção Geral das Actividades Culturais comunicoua EE o “deferimento do pedido de averbamento da obra ... «U....s...»”;22) O programa emitido pela 1ª R. sob o título “U.... s... - MissPortugal 2004” incluía provas de desfile em fato de biquini e vestidode noite;23) Em finais de 2003, a 1ª R., “BB”, contactou a 2ª R., “CC”, paraque esta desenvolvesse um formato inovador para a realização dotradicional concurso de eleição da “Miss Portugal”;24) O qual deveria conjugar os elementos utilizados no referidoconcurso (entre outros, desfiles em fato de banho e em vestido denoite), com aspectos inovadores, associados aos denominados“reality shows”;25) Este contacto teve origem em anteriores diligênciasdesenvolvidas, em Novembro de 2003, com a “FF”, e que estaagência de modelos desenvolveu, também, com a “GG” e a “DD”;26) No sentido de obter daquelas estações propostas inovadoras paraa emissão televisiva do concurso “Miss Portugal 2004”, tendo paratal elaborado uma sinopse do programa pretendido;27) A “FF” actuava por conta do “HH”, pertencente a “II-ImprensaLivre, S.A.”, que desde sempre organizou o evento “Miss Portugal”,sendo detentora dos direitos autorais e de transmissão televisiva sobreo mesmo;28) Tal contacto da “FF” (e do “HH”) teve por base a noção de que otradicional concurso “Miss Portugal” já não se encontrava adequadoao tipo de programa de televisão com interesse para o público,determinando a necessidade de criação de algo inovador que pudessevoltar a captar o interesse desse mesmo público;29) Uma vez contactada pela R. “BB” para desenvolver e produzir oreferido programa televisivo, a 2ª R., “CC”, criou um formato queconjugava o tradicional formato do concurso “Miss Portugal” com oformato dos reality shows, integrando aspectos do programa

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“Ídolos”;30) Aproveitando, dessa forma, o “know-how” adquirido naprodução do programa “Ídolos”, cujo formato havia já comprovadoter sucesso, quer ao nível internacional quer ao nível nacional;31) Durante a segunda semana do mês de Fevereiro de 2004, a R.“BB” contactou a R. “CC” informando-a que o seu programa tinhasido o escolhido pelos detentores do formato do concurso “MissPortugal” – “FF” e “HH” – como o programa “Miss Portugal 2004”;32) O tipo de provas a que são sujeitas as candidatas no programa“Miss Portugal 2004”, como a prova em fato de banho e a prova emvestido de noite, existem em todos os concursos de beleza feminina econstituem “provas obrigatórias” na selecção da “Miss Portugal”;33) Provas essas impostas pela organização internacional em que seintegra, que é o evento internacional constituído pela eleição da“Miss Universo”, e no qual Portugal é representado pela “MissPortugal” eleita no respectivo ano;34) O título do programa, no que respeita à parte “U.... s...”, resultoude uma reunião de trabalho em que estiveram presentesrepresentantes da “BB” e da “CC”, da “FF” e do “HH”;35) Nessa reunião de que resultou o nome do programa “U....s...-Miss Portugal 2004” não esteve presente JJ, nem tão pouco haviao mesmo sido convidado para exercer o papel de membro do júri doconcurso;36) A escolha da expressão “U.... s...” para integrar o título doprograma inspirou-se no filme “Uma Mulher de Sonho”, de 1979,realizado por Blake Edwards, e no título do filme “U.... s...”, de 1990,realizado por Garry Marshall;37) Tendo a músicaa “Oh Pretty Woman” de Roy Orbison (bandasonora do filme “U.... s...” de 1990 realizado por Garry Marshall einterpretado pelos actores Julia Roberts e Richard Geere) sido abanda sonora utilizada como música de fundo durante o início do seuprograma, bem como durante a gala final após a divulgação do nomeda vencedora do concurso;38) Em 16 de Fevereiro de 2004, a 1ª R., “BB”, procedeu ao pedidode registo junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial damarca “Miss Portugal”, na classe 38ª;39) Na designação “U.... s...-Miss Portugal 2004” foi conjugada eassociada a expressão “u.... s...” à já anterior marca “Miss Portugal”;40) O aspecto gráfico utilizado para representação do referido títuloadveio da criação dos editores da “BB”, associando as coresutilizadas no formato do canal televisivo “BB Mulher”;41) O programa emitido pelas RR. tinha como objectivo final aeleição da que, pelas suas características devesse representar o paísno concurso de beleza, utilizando um formato que conjugava otradicional formato do concurso “Miss Portugal”, com o formato doreality show, integrando aspectos do programa “Ídolos”;

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42) A expressão “u.... s...” é referida no título do programa das RR.como uma forma de alusão à futura vencedora do concurso;43) Constituía requisito para alguém se candidatar ao concurso “U....s... - Miss Portugal 2004” a idade entre os 18 e os 23 anos queconstitui elemento do regulamento do concurso “Miss Portugal”;44) No programa “U.... s... - Miss Portugal 2004”, tal como noprograma “Ídolos”, existe um júri “especialmente sincero” e porvezes cómico, composto por quatro personalidades com ligações aomundo da moda, que avalia e selecciona as candidatas a “MissPortugal”;45) A escolha final da vencedora pelo público no programa “U.... s...– Miss Portugal 2004” foi inspirada no programa “Ídolos”;46) A prova de canto consiste numa interpretação de uma canção porparte da apresentadora R... M..., em que as candidatas,alternadamente, cantarolam parte do tema musical;47) O A. enviou a cada uma das RR. carta registada, datada de 13 deAbril de 2004, com o teor constante de fls. 23 e 26 dos autos, cujoteor aqui se reproduz integralmente, solicitando-lhes que nãoemitissem o referido programa, sob pena de o A. “agirjudicialmente”;48) As RR. emitiram o referido programa;49) A apresentação de “U.... s... - Miss Portugal 2004” é feita por umhumorista a cantar onde se destaca na letra o conteúdo e objectivo doprograma;50) No programa “U.... s...” e no programa “U.... s... - Miss Portugal2004” interroga-se e responde-se ao que tem que ter “u.... s...”;51) Em ambos os programas foi convidado o jurado JJ;52) O programa “U.... s...” incluía provas de desfile em fato debanho/biquini e vestido de noite;53) No programa “U.... s...” as candidatas tiveram uma prova decanto;54) E no programa “U.... s...-Miss Portugal 2004” as candidatastiveram uma prova de dança;55) No programa “U.... s... - Miss Portugal 2004” as concorrentestiveram uma prova de “casting”;56) No programa “U.... s...-Miss Portugal 2004” eram necessárias 8semanas para escolher a vencedora;57) No programa “U.... s...” e com o objectivo de aligeirar a tensão,descomprimir, e cativar audiências recorreu-se à colocação, nodecorrer do concurso, de um “sketch” de humor;58) A 1ª R. auferiu com a emissão do programa “U.... s... -MissPortugal 2004”, em publicidade e patrocínios, o montante de €1.380.000,00;59) E a 2ª R. a quantia de € 400.000,00;60) No programa «U.... s... – Miss Portugal 2004» a escolha final davencedora pertence sempre ao público»;

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61) O A. é produtor de televisão, tendo produzido para a estação detelevisão “DD” o programa “A...”, cuja autoria e ideia original foramsuas;62) O guião desse programa foi elaborado, a pedido do A., por EE;63) Assentando o sucesso e formato do programa numa entrevista decarácter mordaz, satírico e a raiar o ridículo que era efectuada apersonalidades do mundo musical e artístico português;64) Em Março de 2004, o A. foi alertado por amigos presentes nagravação do programa ..., para o facto de a 1ª R. ter começado aanunciar através de promos e pela imprensa escrita, que a mesma iriaestrear o programa “U.... s...”;65) O A., de imediato, e na altura, considerou que o objectivo, nomee conteúdo do programa publicitado pela 1ª R. eram idênticos aoprograma por si antes idealizado, gravado e registado;66) Mediante escritura pública celebrada, em 8 de Outubro de 2004,no 4º Cartório Notarial do Porto, EE declarou que “é titular do direitode propriedade artística e intelectual registado no IGAC-InspecçãoGeral das Actividades Culturais sob o número de entrada … e naSociedade Portuguesa de Autores sob o número …, ambos de17.2.04, relativos ao guião que constitui o conteúdo e formatodestinados à divulgação pelos meios audiovisuais e designado por«U.... s...»” e que “pela presente escritura pública transmite total edefinitivamente ao segundo, AA, o referido direito de propriedadeartística e intelectual, podendo este explorá-lo, ceder a suaexploração, comercializá-lo, em ordem à sua divulgação pelo recursoa meios audiovisuais reconhecidos pela lei, nos termos e condiçõesseguintes: a) ... b) ... c) O segundo outorgante (ora A.) fica autorizadoe por essa forma investido do direito a realizar as adaptações queconsidere convenientes em termos de conteúdo e formato com vista àboa divulgação e comercialização do direito transmitido e ainda dereclamar de terceiros as indemnizações a que tiver direito pelo plágioou contrafacção do guião e divulgação através de canais televisivosou outros meios que sejam reproduções sem sinais distintivos que ocaracterizem do título identificador dos referidos direitos.”;67) Foi, ainda, dito naquele documento que: “O preço estipulado paraesta transmissão, é de sete mil e quinhentos Euros, que o primeirooutorgante mais declara ter recebido”, declarando ali o ora A. que“aceita esta transmissão nos termos exarados”;68) O programa “U.... s...” é um concurso para concorrentesfemininas cujo objectivo, essência e conteúdo é encontrar “a mulherde sonho” de todos os portugueses;69) Para isso, as concorrentes são sujeitas a várias provas;70) Desfilando em biquini e em vestido de noite;71) E são sujeitas a uma entrevista individual quando se pretendia,mais que a cultura, mostrar a “incultura” das mesmas;72) Daí o facto de o apresentador ser um humorista e cantor para dar

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uma componente cómica a todo o programa;73) A vencedora desse concurso teria o estatuto de “sonho demulher” de todos os portugueses e poderia vir a ser incluída comoapresentadora de um programa de televisão;74) O conteúdo do programa “U.... s... - Miss Portugal 2004” incluíao objectivo de encontrar o “sonho de mulher” de todos osportugueses;75) A vencedora seria considerada o sonho de mulher de todos osportugueses e seria transformada em “Miss Portugal 2004”;76) O logótipo do programa “U.... s...” baseia-se nas curvas e formasde uma mulher e nas cores amarelo-torrado e bordeaux;77) E o logótipo do programa “U.... s...-Miss Portugal 2004”baseia-se nas curvas e formas de uma mulher fazendo-as coincidircom o “S” do nome e nas cores amarelo-torrado, bordeaux e rosa;78) No programa “U.... s...” um dos momentos caracterizados peloseu humor é o facto de se verem mulheres jovens, bonitas e bemapresentadas com falta de cultura através de uma prova de culturageral;79) O que também sucede, com referência à 1ª fase do programa“U.... s... - Miss Portugal 2004”;80) Em ambos os programas, foi convidado o jurado JJ, o qual écaracterizado pela sua imagem mordaz e satírica, visível noutrosprogramas;81) No programa «U.... s...», estava apenas em causa encontrar o“sonho de mulher” de todos os portugueses e não um concurso debeleza, sendo aquele apenas um dos objectivos do programa “U.... s...– Miss Portugal 2004”;82) No programa “U.... s...” para o conteúdo e objectivo de encontrara “mulher de sonho” de todos os portugueses, as concorrentestiveram uma prova de “casting”;83) No programa “U.... s...” a escolha das candidatas à final e davencedora seria feita pelo público através de telefonema ou SMS;84) O que também se verificou no programa “U.... s... - Miss Portugal2004”;85) No programa “U.... s...”, seriam 13 semanas para escolher avencedora;86) No programa “U.... s...-Miss Portugal 2004” e também com oobjectivo de aligeirar a tensão, descomprimir e cativar audiências,recorreu-se à colocação, no decorrer do concurso, de vários “sketchs”de humor;87) A emissão do programa das RR. impediu o A. de fazer acordocom a operadora de televisão interessada na aquisição do programa“U.... s...”;88) E, nessa medida, de comercializar o programa por ele produzidoe idealizado;89) E de recuperar todo o dinheiro relativo aos custos suportados com

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a produção do referido programa;90) Apenas uma variante do programa conhecido por «CandidCamera», que foi adaptado em quase todas as estações de televisãodo mundo, no caso português, foi primeiro utilizada por JoaquimLetria, tendo passado e ser utilizada em todas as estaçõesgeneralistas;91) Que tiveram e continuam a ter programas deste género decomédia, que assentam sempre na criação de situações inesperadasem que pessoas desprevenidas são apanhadas, como nos casos dosprogramas “A...” da “GG”, “M… e A…”, “B… a B…”, “F... D...” e“K... P...” da “BB”, e “A…”, “A...” e “I... s... V...” da “DD”;92) Todos eles baseados na mesma ideia, na preparação de umasituação em que certa pessoa é apanhada, sendo as imagens registadasatravés de câmaras escondidas, e depois divulgadas num programa detelevisão produzido para o efeito, após autorização escrita dosvisados;93) O programa “A...” foi, no período horário respectivo, entre as 0 e1 hora, o primeiro em audiências em apenas duas das suas noveedições emitidas em 2003;94) Tendo descido, a partir do quinto programa, de 33,1% para 18,4%de “share” de audiências, contra “share’s” da BB que variaram entre44,7% e 33,1%;95) O “share” desse programa foi sempre inferior ao “share” médioda “DD” no mesmo período horário;96) Não tendo sido encomendadas novas séries e tendo ficado oprograma limitado à emissão de apenas nove séries, das quais foramrepetidas uma em Setembro de 2004 e quatro em Janeiro de 2005,todas cerca das três horas da madrugada;97) No programa das RR. os três primeiros episódios dizem respeitoapenas aos “castings” das candidatas, os três subsequentes episódiosdizem respeito a pequenas galas e apenas o último concerne à galafinal do concurso, em que é eleita a Miss Portugal;98) Bem como a 1ª e 2ª Damas de Honor, a “Miss Fotogenia” e a“Miss Simpatia”, inexistentes no programa “U.... s...”;99) No programa das RR. os votos do público apenas tinham lugarvia chamada telefónica;100) Tal modo de votação foi usado no formato do programa“Ídolos”;101) No programa “O… T…” emitido pela “GG 1”, tal como nosprogramas “B… B…” e “Q… das C…”, em que a selecção doscandidatos a expulsar tem lugar através da votação do público, opúblico também podia votar através de chamada telefónica ou SMS;102) O processo de selecção é diferente nos programas “U.... s...” enas duas fases finais do programa “U.... s...-Miss Portugal 2004”;103) No programa “U.... s...”, na primeira sessão, uma das candidatasé seleccionada pelo júri e outra pelo público, sendo as restantes

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excluídas automaticamente;104) E no programa das RR. o método de selecção varia consoante afase do concurso, funcionando em sentido inverso;105) Sendo as candidatas seleccionadas pelas outras concorrentes epelo júri para abandonar o concurso e o público vota para as manterem competição;106) E só na gala final do programa é que o público vota nas novefinalistas para a eleição da “Miss Portugal”, da 1ª e 2ª Damas deHonor e das “Miss Fotogenia” e “Miss Simpatia”;107) Não existirem provas de canto;108) No programa das RR. todos os membros do júri foramescolhidos pelas suas ligações ao mundo da moda;109) No programa “U.... s... – Miss Portugal 2004” o júri avalia cadauma das candidatas, não só na fase de “castings” como durante aspróprias galas;110) Nas segunda e terceira fases do programa das RR., não existequalquer tentativa de degradação das candidatas, mas antes um carizformador associado ao tradicional concurso de beleza de eleição da“Miss Portugal”;111) Na segunda e terceira fases do programa das RR., as candidatasnunca são sujeitas a provas «surpresa», sendo preparadas e ensinadaspor formadores (especialistas no mundo da moda, nas suas váriasvertentes: maquilhagem, vestuário, expressão corporal e facial,desfilar em passerelle, etc.);112) Na segunda e terceira fases do programa das RR., as candidatassão depois avaliadas, no âmbito das provas a que são sujeitas nasreferidas áreas, em resultado da formação que lhes foi ministrada;113) No programa das RR. existem diversos tipos de provas e deactividades desenvolvidas por parte das candidatas, como a prova deexpressão artística (em que as candidatas tiveram a oportunidade defazer um curso intensivo de pintura), deslocações ao ginásio,actividade no circuito de manutenção de Monsanto, prova individualde talento, peditório para angariação de fundos com o objectivo decompra de brinquedos para entrega numa instituição de solidariedadesocial;114) Provas que não existem no formato do programa “U.... s...”;115) O programa das RR. possui uma prova de cultura geralincluindo várias questões de resposta múltipla e algumas questões deresposta aberta, com o intuito de avaliação do perfil de cada uma dascandidatas;116) No programa “U.... s...”, as perguntas de cultura geral a que ascandidatas são submetidas são efectuadas pelo apresentador durante aprópria gala em voz alta e enquanto todas as candidatas se encontramno palco, numa tentativa de criar um momento de humor baseado naridicularização das candidatas;117) Os comentários dos apresentadores do programa “U.... s...” são

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diferentes das avaliações e comentários do programa das RR.;118) A 2ª R. é detentora dos direitos de exploração, ao nível nacional,do programa “Ídolos”;119) No programa “U.... s... – Miss Portugal 2004”, existem apenas 4membros do júri, ao contrário do que sucede no programa “U.... s...”,onde existem 5. ------------------------------------------

2-3- Compulsando a petição inicial, verifica-se que o A. fundamentaa presente acção dizendo que o programa televisivo das RR. constituicontrafacção dos seus direitos autorais da obra que indica. Comefeito, segundo refere, as RR. apropriaram-se ilícita e ilegitimamentedo programa concebido e idealizado por si, tendo-lhe provocadodanos de que se quer ver ressarcido.Para a decisão das questões que nos são colocadas para apreciação,teremos que nos mover no campo dos direitos de autor, maisconcretamente nos princípios e regras estabelecidas pelo Código doDireito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), aprovado peloDL nº 63/85 de 14-03, alterado, sucessivamente, pelas Leis nºs.45/85, de 17-09, e 114 /91, de 03-09, pelos DL nºs 332/97 e 334/97,ambos de 27-11 (e pelas Leis nºs 50/2004, de 24-08, 24/2006, de30-06, e 16/2008, de 01-04, aqui inaplicáveis atendendo à data dafactualidade analisada) (1)

.Como resulta do disposto dos arts. 1º e 2º do CDADC, o objecto dodireito de autor é constituído por obras literárias ou artísticas, ou seja,por criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico,por qualquer modo exteriorizadas, quaisquer que sejam o género, aforma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo.Como diz Alexandre Libório Dias Pereira (2) “a interpretaçãoconjugada dos preceitos contidos nos arts. 1º e 2º do CDADCfornece uma noção geral de obra literária ou artística, que funcionacomo uma "porta de entrada" nos direitos de autor”.O art. 2º do CDADC (diploma de que serão as disposições a referirsem menção de origem) elenca exemplificativamente as diversascriações intelectuais susceptíveis de protecção no âmbito do direitode autor.Este art. 2º, para o que interessa para os presentes autos, englobacomo criações intelectuais as “obras cinematográficas, televisivas,fonográficas, videográficas e radiofónicas” (nº 1 al. f)).Quer dizer estas criações, beneficiarão da protecção autoral, casocumprirem os requisitos necessários para que essa protecção possa terlugar.Quanto à contrafacção estabelece o art. 196º que:“1 - Comete o crime de contrafacção quem utilizar, como sendocriação ou prestação sua, obra, prestação de artista, fonograma,videograma ou emissão de radiodifusão que seja mera reprodução

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total ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou nãodivulgada, ou por tal modo semelhante que não tenhaindividualidade própria.2 - Se a reprodução referida no número anterior representar apenasparte ou fracção da obra ou prestação, só essa parte ou fracção seconsidera como contrafacção.3 - Para que haja contrafacção não é essencial que a reproduçãoseja feita pelo mesmo processo que o original, com as mesmasdimensões ou com o mesmo formato.4 - Não importam contrafacção:a) A semelhança entre traduções, devidamente autorizadas, damesma obra ou entre fotografias, desenhos, gravuras ou outra formade representação do mesmo objecto, se, apesar das semelhançasdecorrentes da identidade do objecto, cada uma das obras tiverindividualidade própria;b) A reprodução pela fotografia ou pela gravura efectuada só para oefeito de documentação da crítica artística”.Nesta conformidade, para que um facto (ilícito) possa ser consideradocontrafacção devem, concorrer, cumulativamente, os seguintesrequisitos: a) alguém proceder a uma utilização fraudulenta; b)arrogar-se como sendo sua, obra alheia; c) que seja mera reproduçãode obra alheia; d) que essa reprodução seja tão semelhante que nãotenha individualidade própria.A este propósito refere Luís Francisco Rebelo (3) que “acontrafacção consiste, fundamentalmente, na apropriação abusiva doconteúdo de obra alheia, sendo irrelevante que a sua reproduçãoobedeça a um processo diferente ou não respeite as característicasexteriores (dimensões, formato, material utilizado, etc.) dessa obra.É, por exemplo, contrafacção o desenho que reproduz uma telapintada a óleo, se esse desenho for assinado por outrem que não oautor desta, ou a adaptação à cena de um romance de outrem,omitindo-se essa circunstância”.Diversa da contrafacção é a figura da usurpação (4) . a que alude oart. 195º. Enquanto nesta o usurpador utiliza a obra de outro semautorização (ou para além dos limites da autorização concedida), nacontrafacção o visado utiliza como própria uma obra alheia (5) .Como resulta do nº 1 daquele art. 196º, desde que cada uma das obraspossua individualidade própria, a semelhança entre duas obras nãoconstitui contrafacção.Neste mesmo sentido refere-se no Acórdão deste STJ de 10-7-2008que “a contrafacção, prevista e punida pelo art. 196º, nº 1, doCDADC é uma imitação ou alteração total ou parcial fraudulenta deuma obra alheia, exigindo a verificação daquela figura jurídica queo autor da reprodução apresente essa obra como sendo sua e queambas apresentem tal semelhança que a nova obra não tenhaindividualidade própria. Se a semelhança não excluir a

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individualidade própria de cada obra, não há contrafacção(6)..Também no mesmo sentido, o nº 4 al. a) do art. 196º indica-nos quenão há contrafacção nas obras que referencia se, apesar dassemelhanças decorrentes da identidade do objecto, tiveremindividualidade própria. O critério da individualidade prevalece sobrea semelhança objectiva. Mas individualidade tem aqui o exactosentido de criatividade. Decisivo para determinar a contrafacção énada se acrescentar à criação alheia a que se recorreu.Significa isto que o critério determinante para que se diga que não hácontrafacção, é afirmar-se que obra possui um conjunto decaracterísticas intrínsecas que permite dizer que, não obstante assemelhanças, se trata de uma obra diferente e não uma reprodução oucópia da outra, isto é, que é uma obra que tem uma individualidadeprópria, por comparação com a outra.Revertendo para o caso dos autos estes princípios, diremos que parahaver reprodução e/ou apropriação de obra alheia, no sentido daexistência de uma contrafacção, o recorrente (A.) teria de terdemonstrado, desde logo, que a obra relativamente à qual é titular deum direito de autor (do guião, como iremos ver mais à frente), haviaantecedido a obra das recorridas, isto é, que a sua obra havia sidoanterior ao guião criado pela recorrida “CC”.Por outro lado, teria de ter demonstrado que as recorridas conheciama sua obra (o guião criado pelo EE), quando criaram e divulgaram assuas próprias obras e quando procederam ao registo da marca doprograma “S…de M… – Miss Portugal 2004”, junto do INPI.Ora, nada disso se apurou no processo. Somente se sabe que ambosos guiões foram criados/desenvolvidos em 2 de Dezembro de 2003 eem finais de 2003, não tendo o recorrente provado, em concreto, queo guião de EE é anterior ao da criação da R. “CC” e não se tendoapurado, tão pouco, que as recorridas conhecessem aquele guiãoaquando da criação do seu programa.Acresce que emerge da matéria provada que o programa da recorridaBB assentava numa estrutura que conjugava o tradicional formato doconcurso “Miss Portugal”, com o formato dos reality shows,integrando aspectos do programa “Ídolos” (respostas aos quesitos 63ºe 64º). O mesmo se diga quanto aos logótipos, em que a par dasdissemelhanças de grafismo, tipo e tamanho de letras e cores, ficouprovado que o aspecto gráfico do logótipo do programa dasrecorridas adveio de criação dos editores da BB associando as coresutilizadas no formato do canal televisivo “BB Mulher” (resposta aoquesito 75º). São correctas as asserções da douta decisão recorridaonde se diz que “… o programa emitido pelas RR, não obstante o seuconteúdo incluir o objectivo de encontrar o sonho de mulher de todosos portugueses (ponto 74 da decisão de facto) tinha como objectivofinal a eleição da que pelas suas características devesse representar

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o país no concurso de beleza, utilizando um formato que conjugava otradicional formato do concurso “Miss Portugal” com o formato dosreality shows integrando aspectos do programa Ídolos, programaesse de cujos direitos de exploração ao nível nacional a 2ª Ré édetentora (pontos 41 e 119 da decisão de facto), sendo que avencedora seria considerada o Sonho de Mulher de todosportugueses e transformada em “Miss Portugal 2004”; a expressão“Sonho de Mulher” é referida no título do programa das RR comouma forma de alusão à futura vencedora do concurso e constituíarequisitos para alguém se candidatar ao concurso “Miss Portugal2004” (pontos 42 e 43 da decisão de facto). O programa televisivo“Sonho de Mulher” tinha como objectivo encontrar o “sonho demulher” de todos os portugueses, tendo o EE apresentado um guiãoonde as candidatas seriam sujeitas a várias provas, desfile em fato debanho e em vestido de gala, prova de canto e/ou expressão corporal,onde se mostraria não a cultura, mas a incultura das candidatascriando uma figura bonita e bem arranjada, mas só por vezes culta(pontos 3 a 7 da decisão de facto). Este programa é um concursopara concorrentes femininas cujo objectivo, essência e conteúdo éencontrar a mulher de sonho de todos os portugueses, sendo elassujeitas a várias provas, entre as quais uma entrevista individual emque se pretendia mais do que a cultura mostra a incultura dasmesmas, e vencedora teria o estatuto de “Sonho de Mulher” de todosos portugueses e poderia vir a ser incluída como apresentadora deum programa de televisão (pontos 68 a 73 da decisão de facto). Osobjectivos dos dois programas de televisão, do mesmo género quesão, têm objectivos diferentes: o das RR o de eleger Miss Portugal2004 que viria a representar o país num concurso de beleza; oprograma “Sonho de Mulher” por seu turno eleger uma dascandidatas que vencendo o concurso “poderia” vir a ser incluídacomo apresentadora de um programa de televisão. O programatelevisivo “Sonho de Mulher” tem por base um guião cuja ideianuclear é a de ridicularizar as candidatas, de evidenciar a“incultura” das candidatas ao concurso de beleza; e essa intençãosai reforçada com o “prémio” que é atribuído à vencedora: não acerteza de representar o país num concurso internacional de belezamas a “possibilidade” de vir a ser incluída como apresentadora deum programa de televisão, cujos contornos se desconhecem. Noprograma televisivo das Rés não existe qualquer tentativa dedegradação das candidatas, mas antes um cariz formador associadoao tradicional concurso de beleza de eleição da “Miss Portugal” –ponto 110 da decisão de facto”. Concluiu-se, dizendo que “não há,assim, no programa das Rés qualquer tentativa de apropriação dacriatividade do programa cáustico, mordaz “Sonho de Mulher”, oque tanto basta para se concluir pela individualidade da obra dasRés e pela impossibilidade da ocorrência da contrafacção ou plágio.

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Torna-se assim desnecessária a apreciação das semelhanças ediferenças (que as há), nas estruturas dos dois programastelevisivos”.Esta posição, repete-se, é absolutamente certa, sublinhando-se aquique as obras, pelas razões aduzidas, pese embora tenham algumassemelhanças entre si, têm individualidade e características próprias, oque só por si é suficiente para se concluir que não ocorre o ilícito(criminal) de contrafacção de que vimos falando (vide o que acima sereferiu, maxime o disposto no art. 196º nº 4).Quer isto dizer que o fundamento usado na acção pelo A.(contrafacção da sua obra) para deduzir o pedido de indemnização,não procede.2-4- O A. na acção e no recurso sustenta também que os seus direitosautorais sobre a obra em causa, foram violados.É sobre esta problemática que nos iremos de seguida debruçar.Remete-se para o que acima se referiu no que toca às consideraçõesfeitas com respeito aos dos arts. 1º e 2º do referido CDADC.Já vimos que o art. 2º (al. f)), considera criações intelectuais as obrascinematográficas, televisivas, fonográficas, videográficas eradiofónicas, beneficiando, assim, da protecção autoral, desde que(evidentemente) cumpram os requisitos necessários para que essaprotecção possa ter lugar.A obra é o objecto da protecção no direito de autor o que pressupõe asua existência, não podendo falar-se sequer de direito de autor sem arealidade de uma obra, entendida esta “como a exteriorização dumacriação do espírito, uma criação intelectual por qualquer modoexteriorizada(7)..Por isso é que as obras tuteladas pelos direitos de autor são ascriações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, porqualquer forma exteriorizadas (art. 1º) não beneficiando dessa tutelaas ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, osconceitos, os princípios ou as descobertas, por si só e enquanto tais,podendo, no entanto beneficiar de protecção uma vez fixadas emconcreto. Não se protegem as ideias mas sim as formas como elas seapresentam. A exteriorização implica que a criação intelectual deveter uma expressão comunicativa reconhecível através de uma formasensorialmente apreensível (ou "susceptível de percepção").O direito de autor, consiste no direito sobre a obra, qualquer que sejao género ou a forma de expressão, englobando, por um lado, direitospessoais ou morais (no sentido em que o autor tem direito areivindicar durante toda a sua vida a paternidade da obra e deassegurar a genuinidade e a integridade da mesma) e pelo outro,direitos patrimoniais (no sentido em que o autor tem direito a retirarvantagens económicas derivadas da exploração da obra). Nestesentido estabelece o art. 9º nº 1 que “o direito de autor abrange

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direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal,denominados direitos morais”. Acrescenta o nº 2 da disposição que“no exercício de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivode dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a suafruição ou utilização por terceiro, total e parcialmente”.“ Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois datransmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobrea sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respectivapaternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade” (nº 3 doartigo).Quer isto dizer que no que toca aos direitos de carácter patrimonial, otitular dos direitos de autor tem o direito exclusivo de fruir e utilizar asua obra, no todo ou em parte, tendo, nomeadamente, a faculdade dea divulgar, publicar, e explorar economicamente por qualquer forma,directa ou indirectamente, nos limites da lei (vide também arts. 67º e68º).No que concerne aos direitos morais, o autor goza do direito dereivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade eintegridade, de se opor à sua destruição, a toda e qualquer mutilação,deformação ou outra modificação e, de um modo geral, a todo equalquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra e reputação deautor, o direito de a retirar a todo o tempo de circulação e fazer cessara respectiva utilização, direitos estes que são inalienáveis, eirrenunciáveis, perpetuando-se após a morte do autor, competindoesse exercício aos seus sucessores, enquanto a obra não cair nodomínio público (vide arts. 9º nº 3, 15º nº 2, 42º; 56º, 57º, 62º, 31º esegs.).Só os direitos de autor de carácter patrimonial são susceptíveis de seralienados ou onerados (art. 40º). Os direitos morais do autor sobre asua obra perduram mesmo após a transmissão ou extinção dosdireitos patrimoniais.A dicotomia entre utilização pelo próprio autor ou por outrem éreconhecida no art. 68º nº 2, onde se assegura ao autor o direitoexclusivo de fazer ou autorizar vários actos que traduzem modos deutilização e exploração da obra.Temos, pois, que a utilização de uma qualquer obra por terceirodepende sempre da autorização (por escrito) do seu criador ou dossucessores deste, presumindo-se a sua onerosidade e o carácter nãoexclusivo (arts. 40º e 41º nº 2), princípio que é revelado, no que tocaà radiodifusão sonora ou visual da obra, no art. 149º.A utilização da obra, à margem do seu regime legal de autorização,implica uma violação do direito do seu autor, susceptível de fazerincorrer o terceiro utilizador, em responsabilidade civilextracontratual (art. 203º).Também o art. 196º, cuja análise já acima se realizou, prevê queincorre em crime de contrafacção quem utilizar, como sendo criação

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ou prestação sua, obra ou prestação de artista, fonograma,videograma ou emissão de radiodifusão que seja mera reproduçãototal ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou nãodivulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidadeprópria. Ou seja, existirá contrafacção quando houver uma utilizaçãoabusiva do conteúdo de obra ou prestação alheia, que se apresentacomo própria, ofendendo-se assim o direito moral consistente nareivindicação da paternidade da obra.Feitas estas observações preliminares, vejamos a questão que nos écolocada, que consistirá em saber se as RR. violaram os invocadosdireitos autorais do A. que, nas suas próprias palavras “incidem sobrea obra radiodifundida que criou e sobre o guião que desenvolveu aideia original que esteve na génese daquela”.Em primeiro lugar, haverá que esclarecer se o recorrente é titular dealgum direito autoral e, em caso afirmativo, como se constituiu essedireito.De modo a determinar que obras e que direitos de propriedadeintelectual sobre essas obras estão em questão nestes autos, impõe-serecordar a factualidade dada por provada sobre o assunto.Está provado, no que respeita ao recorrente, que “no âmbito da suaactividade profissional, após o sucesso do programa “A...”, o A., emSetembro/Outubro de 2003, teve uma ideia original para novoprograma de televisão”, “…contactou o EE, para que este efectuasseo guião na mesma linha do anterior, contendo também entrevistasmordazes, cáusticas e a roçar o ridículo” e que “o referido EE, no dia2 de Dezembro de 2003, entregou ao A. a 1ª versão do guião desseprograma” (respostas aos quesitos 4º, 5º e 6º). Esse novo programateria o título de “U.... s...” e como objectivo o de encontrar o “sonhode mulher” de todos os portugueses e uma vez escrita a redacção doguião pelo indicado EE, seguiram-se os ensaios, com registos dosmesmos em videocassete, tendo sido gravado em cassete de vídeo noCasino da Póvoa do Varzim, a 13 de Janeiro de 2004, um programacom mais de 10 horas de imagens, que constitui o programa ... de“U.... s...”, que se destinava a ser apresentado à DD (respostas aosquesitos 7º, 13º, 14º, 15º e 16º). Mediante escritura pública, outorgadaem 8 de Outubro de 2004, o EE transmitiu o direito de propriedadeartística e intelectual registado no IGAC – Inspecção Geral dasActividades Culturais sob o número de entrada 956 e na SociedadePortuguesa de Autores sob o número 8816, ambos de 17 de Fevereirode 2004, relativos ao guião que constitui o conteúdo e formatodestinados à divulgação pelos meios audiovisuais e designado por“U.... s...”, nos termos do documento constante de fls. 12 a 15 dosautos.Por seu turno, do lado das recorridas, está provado que “em finais de2003, a 1ª R., “BB”, contactou a 2ª R., “CC”, para que estadesenvolvesse um formato para a realização do tradicional concurso

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de eleição da “Miss Portugal”, o qual deveria conjugar os elementosutilizados no referido concurso (entre outros, desfiles em fato debanho e em vestidos de noite), com aspectos inovadores, associadosaos denominados reality shows”. “Este contacto teve origem emanteriores diligências desenvolvidas, em Novembro de 2003, com a“FF”, e que esta agência de modelos desenvolveu, também, com a“GG” e a “DD”, no sentido de obter daquelas estações propostasinovadoras para a emissão de televisiva do concurso “Miss Portugal2004”, tendo para tal elaborado uma sinopse do programapretendido” (respostas aos quesitos 57º, 58º, 59º e 60º).Está ainda provado que “uma vez contactada pela R. “BB” paradesenvolver e produzir o programa televisivo, a 2ª R. “CC” criou umformato que conjugava o tradicional formato do concurso “MissPortugal”, com o formato dos reality shows, integrando aspectos doprograma “Ídolos”, aproveitando, dessa forma, o “know-how”adquirido na produção desse programa, cujo formato havia jácomprovado ter sucesso, quer ao nível internacional quer ao nívelnacional”. Assim, “durante a segunda semana do mês de Fevereiro, aR. “BB” contactou a R. “CC” informando-a que o seu programa tinhasido o escolhido pelos detentores do concurso “Miss Portugal” –“FF” e “HH” - como o programa “Miss Portugal 2004” (respostas aosquesitos 63º, 64º e 65º).Está também demonstrado que “em 16 de Fevereiro de 2004, a 1ª R.“BB”, procedeu ao pedido de «registo» junto do Instituto Nacional dePropriedade Industrial da «marca» “U.... s... – Miss Portugal 2004”na classe 38ª” (resposta ao quesito 72º).Por último, em Março de 2004, o A. foi alertado por amigospresentes na gravação do programa ..., para o facto da 1ª R. tercomeçado a anunciar através de promos e pela imprensa escrita, que amesma iria estrear o seu programa, tendo iniciado a sua emissãotelevisiva em 16 de Abril de 2004 (resposta ao quesito 22º e alíneasG) e H) dos factos assentes).Conforme se referiu acima e resulta do art. 1º nº 2 “as ideias, osprocessos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, osprincípios ou as descobertas não são, por si só, protegidos nostermos deste Código”.No que tange ao âmbito das obras protegidas, como já se disse, o art.2º nº 1 al. f), engloba como criações intelectuais, entre outras, as“obras cinematográficas, televisivas, fonográficas, videográficas eradiofónicas” (al. f) do art. 2º).Porque os factos provados indiciam que a obra a que o A. se referefoi realizada em colaboração com o mencionado EE, importaverificar o estatuído no art. 17º que, expressamente, estatui sobre obrafeita em colaboração.Assim, estabelece esta disposição que:“1 - O direito de autor de obra feita em colaboração, na sua unidade,

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pertence a todos os que nela tiverem colaborado, aplicando-se aoexercício comum desse direito as regras da compropriedade.2 - Salvo estipulação em contrário, que deve ser sempre reduzida aescrito, consideram-se de valor igual as partes indivisas dos autoresna obra feita em colaboração.3 - Se a obra feita em colaboração for divulgada ou publicadaapenas em nome de algum ou alguns dos colaboradores, presume-se,na falta de designação explícita dos demais em qualquer parte daobra, que os não designados cederam os seus direitos àquele ouàqueles em nome de quem a divulgação ou publicação é feita.4 - Não se consideram colaboradores e não participam, portanto, dosdireitos de autor sobre a obra aqueles que tiverem simplesmenteauxiliado o autor na produção e divulgação ou publicação desta,seja qual for o modo por que o tiverem feito.”“A obra em colaboração "na sua unidade" é um todo (ideal) nãofraccionável em substância. Admitimos, por outro lado, que forçar adivisão do direito relativo ao que é por natureza e definição indivisonão atinge necessariamente a obra na sua essência unitária e podeprovocar apenas a "dissolução da co-titularidade" ou a "divisãoeconómica" do direito. Tal permite que se considere que, constituídosoriginariamente em titularidade plural conjunta, os direitos na obraem colaboração assim devem permanecer – salvo acto que opere asua extinção apenas na esfera jurídica de um dos co-titulares,acrescendo então na esfera jurídica dos restantes colaboradores (8)..A obra que for criação de uma pluralidade de pessoas denomina-seem colaboração, quando divulgada ou publicada em nome doscolaboradores ou de algum deles, quer possam discriminar-se quernão os contributos individuais e denomina-se colectiva quando fororganizada por iniciativa de entidade singular ou colectiva edivulgada ou publicada em seu nome (art. 16º, nº 1, alíneas a) e b)do). Considera ainda a lei obra em colaboração, a obra aleatória emque a colaboração de um ou dos seus intérpretes se acheoriginariamente prevista (nº 2 do mesma disposição).O direito de autor de obra feita em colaboração na sua unidadepertence a todos os que nela tiverem colaborado, aplicando-se-lhe asregras da compropriedade, presumindo-se, salvo estipulação emcontrário, que é igual a colaboração de todos, assim como a cessãotácita dos colaboradores que não constem da publicação oudivulgação, não sendo colaboradores os que tiverem simplesmenteauxiliado o autor na produção e divulgação desta (art.17º nºs 1 a 4).Por outro lado, consideram-se co-autores de obra radiodifundida,enquanto obra feita em colaboração, os autores do texto, da músicaa eda respectiva realização, bem como da adaptação se não se tratar deobra inicialmente produzida para a comunicação audiovisual (art. 21ºnº 2).

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Voltando aos caso dos autos, é inequívoco, desde logo, que, comobem é salientado nas contra-alegações das recorridas (e decidiram asinstâncias), a ideia original para novo programa de televisão que orecorrente invoca ter tido em Setembro/Outubro de 2003, por si só eenquanto tal, não consubstancia uma obra ou criação intelectualmerecedora de protecção nos termos do CDADC (art. 1º nº 2).Como a acção intelectual do A. se limitou à ideia original para oprograma de televisão, somos em crer que a obra em causa não sepoderá reputar como feita em colaboração com o mencionado EE.A ideia apenas se pode considerar ter sido exteriorizada/concretizadacom o guião criado e entregue ao recorrente por EE, em 2 deDezembro de 2003, sendo essa a data a que se deve reportar a obraem causa, tal como concluíram as instâncias.Por outro lado, o guião da 2ª recorrida foi criado em finais de 2003,tendo o programa de televisão “U.... s... – Miss Portugal 2004” sidoemitido a partir do dia 16 de Abril de 2004.Os guiões em causa consubstanciam duas obras escritas, as quais seenquadram na alínea a) do art. 2º, n.º 1.Ao guião de EE seguiram-se os ensaios, com registo em videocassete,constituindo essa gravação (do “programa …”) uma obra audiovisual,mais especificamente uma obra videográfica, prevista na alínea f) doart. 2º nº 1).Tal obra videográfica distingue-se da obra televisiva ouradiodifundida pela 1ª recorrida, emitida na televisão, a qual seintegra na previsão dos arts. 2º, nº 1 alínea f) e 21º. O que se passou,no caso da obra do recorrente, foi uma gravação (fixação naexpressão legal) de imagens e sons, baseados num guião (obraliterária pré-existente) de modo a criar uma obra audiovisual quepodia ser radiodifundida ou não.Por isso, nos parece que o “programa …” mais não é do que a fixaçãoem videograma do “guião”.Mas mesmo que se deva considerar a obra em causa comoradiodifundida, o A. não é co-autor dela, tendo esta característica(somente) o autor do texto e da realização, como decorre do dispostono nº 2 do referido art. 21º.Com efeito, no que concerne à autoria do guião do programa “U....s...”, o mesmo foi criado pelo EE e não pelo recorrente (embora apedido deste). Ou seja, o criador intelectual do guião foi EE que,enquanto tal, é o seu autor (art. 11º). De resto, se assim não fosse, nãofaria qualquer sentido, o recorrente e o dito EE, terem outorgado aescritura pública de 8 de Outubro de 2004, em que este procedeu àtransmissão total e definitiva ao recorrente do direito de propriedadeartística e intelectual relativo ao guião. Claro que não écompreensível transmitir-se aquilo que já nos pertence, razão pelaqual, se o recorrente fosse titular de algum direito de propriedadeintelectual sobre o guião, não contrataria com EE a transmissão do

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direito, cessão efectuada pela dita a escritura pública (arts. 40º e 41º).Serve isto para dizer que não podem restar dúvidas de que atitularidade originária da propriedade intelectual sobre o guiãopertencia a EE (em exclusivo) e de que, só após a celebração daquelaescritura pública, o conteúdo patrimonial do direito referido foitransmitido para o recorrente (arts. 9º, 11º e 44º). O A., comoadquirente derivado não adquire, por força da transmissão operada, aqualidade de autor ou de co-autor da obra, pois que não a crioutornando-se, única e exclusivamente, o titular do conteúdopatrimonial do direito sobre a obra. O autor ou criador intelectual doguião, EE, manteve (e mantém) os direitos morais sobre essa obra.De resto, como se vê pelo teor da escritura celebrada, a ditatransmissão não incluiu (nem podia incluir) (9) o direito depropriedade moral sobre a obra audiovisual em si, obra que se veio atraduzir na cassete de vídeo gravada no Casino da Póvoa de Varzim a13 de Janeiro de 2004.Também segundo o art. 24º “consideram-se autores da obrafonográfica ou videográfica os autores do texto ou da música fixadae ainda, no segundo caso, o realizador”.Para além do facto do guião ser de EE, nada foi alegado, e muitomenos provado, quanto a saber quem foi o realizador do “programa...” (este, sim, igualmente autor da obra). Poderia o A. serconsiderado produtor, mas este numa obra audiovisual não éconsiderado autor ou co-autor dessa obra, como decorre dos arts. 24º,124º, 125º, 126º e 140º.Em síntese, no caso vertente, não ficou provado que o recorrentetenha realizado (ou sequer produzido) a obra videográfica, em que setraduziu o “programa ...”, motivo pelo qual não se vê que lhe assistaqualquer tipo de direito autoral sobre a mesma (fora os direitospatrimoniais sobre ela).Não tem, pois, qualquer razão, o recorrente quando sustenta que é ooriginário titular dos direitos do guião ou originário co-autor de obraem colaboração, ou seja, da obra radiodifundida.Apenas se pode concluir que o recorrente é titular do conteúdopatrimonial do direito de propriedade artística relativo ao guião queconstitui o conteúdo e formato destinados à divulgação pelos meiosaudiovisuais e designado por “U.... s...”, que adquiriu em 8 deOutubro de 2004 a EE.Esclarecido este aspecto, importará indagar se o título da obra “U....s...” escapa, ou não, à protecção legal do art. 4º, ou seja, iremosequacionar se, como vem alegado pelo recorrente, o título doprograma das recorridas constitui reprodução do título do seuprograma, o que redundaria na violação do art. 4º.Estabelece esta disposição que:“1 - A protecção da obra é extensiva ao título, independentemente deregisto, desde que seja original e não possa confundir-se com o título

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de qualquer outra obra do mesmo género de outro autoranteriormente divulgada ou publicada.2 - Considera-se que não satisfazem estes requisitos:a) Os títulos consistentes em designação genérica, necessária ouusual do tema ou objecto de obras de certo género;b) Os títulos exclusivamente constituídos por nomes de personagenshistóricas, histórico-dramáticas ou literárias e mitológicas ou pornomes de personalidades vivas.3 - O título de obra não divulgada ou não publicada é protegido se,satisfazendo os requisitos deste artigo, tiver sido registadojuntamente com a obra”.No nº 1 deste preceito legal visa-se proteger a originalidade, isto é, anão banalidade. O título será protegido desde que traga algo de novo.Logo por aqui se alcança que a utilização do título “U.... s...”, paramais num concurso destinado a encontrar “o sonho de mulher detodos os portugueses”, é claramente banal e destituído de qualquertipo de originalidade.Acresce que mesmo que esse título não se pudesse etiquetar de banal,trata-se, em todo o caso, de uma expressão vulgar, comummenteusada em contextos que versem sobre questões de beleza e estéticafeminina, com um significado bem vincado, de uso corrente einsusceptível de constituir objecto de direito exclusivo. Por outrolado, a expressão “U.... s...” já tinha sido utilizada no título de obrascinematográficas anteriores, como demonstra a factualidade assenteacima referida sob o nºs 36 e 37.Não se vislumbra, pois, qualquer resquício de originalidade no uso daexpressão em causa, de modo a erigi-lo a um título merecedor daprotecção autoral resultante do mencionado art. 4º.Acrescente-se ainda que o título “U.... s... – Miss Portugal 2004” nãoapresenta uma similitude bastante para poder ser considerado comouma mera reprodução do título da obra que o recorrente aqui invoca,surgindo no título dos programas das recorridas como um subtítulo oque, pela associação à expressão “Miss Portugal 2004”, o distingue,evitando qualquer confundibilidade.Por fim e contrariamente ao sustentado pelo recorrente (e no doutoparecer que acompanha as suas alegações) a obra em relação à qual orecorrente tem um direito (patrimonial) de autor (repete-se, tão só eapenas, o guião) não chegou, como já se disse, a ser divulgada. Naverdade, a gravação em videocassete não consubstanciou adivulgação da obra, nos termos e para os efeitos do art. 6º, tal comobem decidiu a decisão recorrida. O próprio parecer junto pelorecorrente parece acabar por aceitar esta circunstância na sua 15ªconclusão (10) .Estabelece esta disposição que:“1 - A obra publicada é a obra reproduzida com o consentimento doseu autor, qualquer que seja o modo de fabrico dos respectivos

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exemplares, desde que efectivamente postos à disposição do públicoem termos que satisfaçam razoavelmente as necessidades deste,tendo em consideração a natureza da obra.2 - Não constitui publicação a utilização ou divulgação de uma obraque não importe a sua reprodução nos termos do número anterior.3 - Obra divulgada é a que foi licitamente trazida ao conhecimentodo público por quaisquer meios, como sejam a representação de obradramática ou dramático-musical, a exibição cinematográfica, aexecução de obra musical, a recitação de obra literária, atransmissão ou a radiodifusão, a construção de obra de arquitecturaou de obra plástica nela incorporada e a exposição de qualquer obraartística”.O termo “público” a que se refere a disposição deve ser entendidocomo o “público em geral”. Só existe divulgação quando a obra saifora da esfera de controlo do autor e passa a ser acessível a todosaqueles que procuram ter conhecimento dela.Ora, no caso, o que foi filmado foram ensaios que podiam ou não seraproveitados para criar um programa em condições de serpublicamente exibido. Além disso, não se prova que a obraaudiovisual e o próprio guião tenham sido publicados ouradiodifundidos, distribuídos, reproduzidos, comercializados ou, porqualquer outra forma, trazidos ao conhecimento do público, poissomente se demonstrou o que consta nos nºs 10 a 13 dos factosassentes acima referenciados, designadamente que uma vez escrita aredacção do guião pelo indicado EE, seguiram-se os ensaios, comregistos dos mesmos em videocassete, tendo sido o programa gravadoem cassete de vídeo no Casino da Póvoa de Varzim a 13.1.04, tendomais de 10 horas de imagens, o que constituiu o programa ... de “U....s...”, que se destinava a ser apresentado à DD.As partes gravadas (do “programa ...”), com uma duração de mais de10 horas, teriam notoriamente de ser editadas, montadas, trabalhadas,para criar uma obra coesa que seguisse o guião, em condições de setraduzirem num programa.A gravação em videocassete não traduz, por outro lado, acomunicação pública de uma obra autónoma. Tal comunicaçãoimplica, necessariamente, para além da existência de uma obra, a suaapresentação ao público, ou seja, dar a conhecer a obra à generalidadedas pessoas, permitindo, assim, o acesso à mesma.Por conseguinte, não restam dúvidas de que a obra de que orecorrente é titular patrimonial, o guião, não chegou a ser divulgada,não se podendo considerar a mera gravação de ensaios como fazendoparte do conceito de divulgação (vide novamente o disposto no art. 6ºnº 1).Por este motivo, tal como bem decidiu o acórdão recorrido, o títuloda obra não divulgada ou não publicada só seria protegido se,satisfazendo os requisitos do art. 4º, tivesse sido registado juntamente

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com a obra, como resulta do nº 3 deste preceito.Como o título não satisfaz, como se viu, as condições estabelecidasna disposição, não pode ser protegido. Mas mesmo que assim nãofosse, considerando que o registo da obra (e do respectivo título) foiposterior à data em que a 1ª recorrida procedeu ao registo da suamarca (respectivamente, 29 de Abril e 16 de Fevereiro de 2004 – cf.alínea D) dos factos assentes e resposta ao quesito 72º), o titulo daobra de que o recorrente é titular (o guião), porque registadoposteriormente à da dita recorrida, nunca poderia gozar de respectivaprotecção legal derivada do registo, pelo que tal título não seriaoponível às recorridas.A posição da recorrente é, pois, insubsistente.Como se referiu, o recorrente adquiriu direitos patrimoniais sobre oguião do dito programa televisivo.O recorrente sustenta que as RR. ao conceberem e emitirem oprograma televisivo em causa, que tinha um conteúdo em tudoidêntico ao seu programa, violaram os seus direitos autorais, paraalém daquele constituir uma evidente contrafacção do seu.Quanto à contrafacção, remete-se para o que acima se referiu sobre oassunto, reafirmando que os factos provados não demonstram terexistido a dita contrafacção.No que toca à violação dos direitos de autor, para além do que já sedisse antes, acrescentaremos, de forma muito sintética, que para umaviolação nesse âmbito pudesse ocorrer seria sempre preciso que sedemonstrasse que as RR. conheciam a obra (guião) do A., o que nãosucedeu. Note-se a este propósito que o programa do A. não chegou aser divulgado, pelo que o conhecimento dele pelas RR., fora dadivulgação pública, teria que ser alegado e provado (11).. Além disso, nem se quer se demonstrou que o guião de que o A.adquiriu os direitos patrimoniais, é anterior ao guião do programa dasRR.. Em razão destas circunstâncias não se poderá dizer,coerentemente, que existiu uma apropriação pelas recorridas da obrado recorrente.Por outro lado, haveria também o A. que demonstrar que as obras sãoem tudo idênticas, o que não fez. Pelo contrário, somos em crer, queos programas em questão, como já se disse acima, pese emborapossuíssem alguns aspectos e características coincidentes (amboseram “reality shows” e, como é notório, estes tipo de programasrepetem conceitos e formatos), o certo é também que, como sesublinhou no douto acórdão recorrido (para onde se remete), eramprogramas com particularidades diferentes e que tinham objectivosdiversos.Por isso se conclui que não se prova que tenha existido, por parte dasRR., qualquer tentativa de apropriação do conteúdo do programa doA.A posição do recorrente é, também, quanto a este aspecto

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improcedente.Uma só nota para nos referirmos à invocada, à cautela, concorrênciadesleal, prevista no art. 317º do Código da Propriedade Industrial.É manifesto a insubsistência da invocação deste instituto. Com efeito,é pacífico que, não obstante não se ter provado, no concreto, qualquer“acto de concorrência contrário às normas e usos honestos dequalquer ramo de actividade económica”, tal acto teria de serpraticado entre concorrentes, o que pressupunha, evidentemente, queas actividades das recorridas e do recorrente o fossem entre si, o que,patentemente, não sucede, como se verifica compulsando afactualidade dada como assente.A recorrente sustenta ainda que os proventos obtidos pelas RR., nasequência, do seu comportamento abusivo, constituem manifestoenriquecimento sem causa.Porque não se aceita qualquer comportamento ilícito ou abusivo emrelação à recorrente por banda das recorridas, é claro que não ocorreo aludido seu enriquecimento sem causa.2-5- No que toca à indemnização pedida pelo recorrente,evidentemente que, não se provando a prática de qualquer ilícito porbanda das recorridas, não ocorre o essencial elemento paradeterminar e definir qualquer indemnização, não estando, assim,reunidos os pressupostos do instituto da responsabilidade civil a quese refere o art. 483º do Código Civil.Mas mesmo que os outros requisitos de responsabilidade civil porfactos ilícitos ocorressem, parece-nos duvidoso que os factosprovados possam demonstrar que existiu qualquer prejuízo por bandado A., em razão das condutas da R.. E sem dano não existe aobrigação de indemnizar.Com efeito, a nosso ver, não é possível retirar dos factos assentes queo A. iria concretizar a venda do seu programa à DD, sendo que sócom a materialização do negócio é que se poderia sustentar aocorrência de danos. Apenas se demonstrou que a “venda” de cadaprograma far-se-ia ao canal de televisão “DD”, já contactado einteressado na aquisição do mesmo, por valor dependente denegociação, mas nunca inferior a trinta e cinco mil euros porprograma (facto referido acima sob o nº 9), o que é diferente de umatransacção já efectivada e, como tal, com perspectivas patrimoniais jáconcretizadas.O recurso improcede in totum.

III- Decisão:Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se a douta decisãorecorrida.Custas pelo recorrente.Lisboa, 29 de Março de 2010Garcia Calejo (Relator)

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Helder RoqueSebastião Póvoas___________________________(1) O direito de autor é uma das vertentes da propriedade intelectual, abrangendo obras literáriase artísticas (romance, ensaio, poema, teatro, filme, desenho, escultura, arquitectura, etc...).Direitos conexos, como resulta do art. 176º do CDADC, são os direitos de que são titulares osartistas intérpretes ou executantes, sobre as suas prestações, os produtores de fonogramas evideogramas sobre os seus produtos e os organismos de radiodifusão sobre os seus programas derádio e televisão.A outra vertente da propriedade intelectual, é a da propriedade industrial que compreende asinvenções, as marcas, os desenhos e os modelos industriais e as indicações geográficas.(2) In Direitos de Autor e Liberdade de Informação, pág. 379.(3) In Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, pág. 252(4) Nos artigos 195º e 196º, que dizem respeito aos delitos de usurpação e contrafacção, bemcomo no art. 199º (aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada), estabelecem-se crimescontra o direito patrimonial do autor (vide refere Luís Francisco Rebelo (in obra citada, pág.249)(5) Como, a este propósito, refere Luís Francisco Rebelo (in obra citada, pág. 249) “a distinçãoentre a usurpação e a contrafacção, hoje muito nítida, não o era tanto na legislação anterior a1966… Face aos artigos 195º e 196º do Código actual, usurpação é toda a utilização nãoautorizada de uma obra … ou que exceda os limites da autorização concedida e contrafacção autilização como própria de uma criação ou prestação alheias, no todo ou em parte…”(6) ” In Revista n.º 1068/08 - 6ª Secção.(7) ” In “Direito de Autor e Direitos Conexos” (1992), pág. 70, Oliveira Ascenção(8) ” Professor Alberto de Sá e Mello, in “Contrato de Direito de Autor – A AutonomiaContratual na Formação do Direito de Autor”, pág. 180(9) Vide a este propósito o disposto no art. 9º nº 3 do CDADC)(10) Além da a factualidade provada, a nosso ver, não sugerir a divulgação da obra, uma merasugestão não é suficiente para se poder dar como assente essa circunstância. O próprio parecerparece aceitar esta ideia ao aludir à necessidade de uma melhor averiguação sobre a divulgação,indagação aqui e agora impossível.(11) O ónus da prova, caberia ao A., como decorre do disposto no art. 342º nº 1 do C.Civil.

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