Acórdão TJSP - Tratamento Médico-Hospitalar e Fornecimento de Material Cirúrgico

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃC>PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA REGISTRADO(A) SOB N° ACÓRDÃO t MUI uni uni ii i i ii um um mi m Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 990.10.297095-7, da Comarca de Araraquara, em que é apelante FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO sendo apelado VERA LÚCIA DOS SANTOS PEREIRA. ACORDAM, em 3 a Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores MAGALHÃES COELHO (Presidente), LEONEL COSTA E ÂNGELO MALANGA. São Paulo, 26 de outubro de 2010. MAGALHÃES COELHO PRESIDENTE E RELATOR

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃC>PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA

REGISTRADO(A) SOB N°

ACÓRDÃO t MUI uni uni i i i i i i um um mi m

Vistos, relatados e discutidos estes autos de

Apelação n° 990.10.297095-7, da Comarca de

Araraquara, em que é apelante FAZENDA DO ESTADO DE

SÃO PAULO sendo apelado VERA LÚCIA DOS SANTOS

PEREIRA.

ACORDAM, em 3a Câmara de Direito Público do

Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte

decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de

conformidade com o voto do Relator, que integra este

acórdão.

O julgamento teve a participação dos

Desembargadores MAGALHÃES COELHO (Presidente), LEONEL

COSTA E ÂNGELO MALANGA.

São Paulo, 26 de outubro de 2010.

MAGALHÃES COELHO PRESIDENTE E RELATOR

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Voto n° 18.874

Apelação Cível n° 990.10.297095-7 - Comarca de

Araraquara

Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo

Apelado: Vera Lúcia dos Santos Pereira

PRESTAÇÃO SERVIÇO PÚBLICO -Obrigação de fazer - Fornecimento de material cirúrgico para portadora de osteotomia do fêmur "E" - Alegado direito à vida e à saúde, cabendo ao Estado propiciar o atendimento médico da impetrante - E necessário que esse direito venha a ser respeitado e implementado pelo Estado, destinatário do comando Constitucional - Recurso não provido.

Vistos, etc.

I. Trata-se de ação ordinária interposta

pela autora, portadora de osteotomia do fêmur "E", em

face da Fazenda do Estado de São Paulo, objetivando o

fornecimento de material cirúrgico para cirurgia corretiva.

II. Após a realização de perícia médica

pelo IMESC, a ação foi julgada procedente, condenando a

ré ao fornecimento do material cirúrgico discriminado na

inicial, ou de similar nacional ou importado de menor

Apelação Cível n° 990.10.297095-7- Voto 18.874

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custo, desde que obtenha resultado equivalente ao

tratamento indicado.

III. Interposto recurso de apelação pela

Fazenda do Estado de São Paulo pugnando pela reforma

da sentença monocrática.

IV. Foram apresentadas contrarrazões.

V. A Douta Procuradora de Justiça não

manifestou interesse.

É o relatório.

Trata-se de recurso de apelação

interposto pela Fazenda do Estado de São Paulo, em face

da sentença monocrática que concedeu o fornecimento do

material cirúrgico para tratamento de saúde da autora

portadora de osteotomia do fêmur "E".

O recurso não merece provimento.

Inicialmente, deve ser afastada a

preliminar de nulidade da decisão, já que o julgamento

antecipado da lide claramente não incorreu em

Apelação Cível n° 990.10.297095-7- Voto 18.874

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cerceamento de defesa.

Com isso, cabe ao Julgador, destinatário

da prova, indeferir aquelas que são impertinentes à

solução do litígio (artigo 130, CPC). Neste sentido:

"E preciso ponderar que a instrução

probatória poderá ser dispensada, pois se

o magistrado entender que a prova já

produzida é suficiente à solução da lide,

cabível a prolação da sentença desde

logo ".

No caso concreto, em relação à alegada

necessidade de produção de prova testemunhai, esta se

mostra impertinente para o desfecho da lide, já que não

tem o condão de comprovar o local da realização da

cirurgia, uma vez que essa questão é irrelevante em

relação ao objeto da lide, ou seja, o fornecimento de placa

para correção de sua patologia. Assim, agiu com acerto o

Juízo a quo ao julgar antecipadamente a lide, não havendo

cerceamento de defesa.

Apelação Cível n° 990.10.297095-7- Voto 18.874

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A pretensão posta na inicial visa o

fornecimento de material cirúrgico para o necessário e

eficaz tratamento da moléstia que acoberta a autora, sendo

de nítido caráter emergencial e totalmente amparada por

norma constitucional, de modo a justificar o evidente

interesse processual almejado.

A responsabilidade pelo fornecimento de

tratamento médico à população necessitada é conjunta dos

três entes federativos, conforme rege a Constituição

Federal. Assim, independentemente de onde a autora trata

sua saúde, a Fazenda do Estado de São Paulo é

solidariamente responsável pelo fornecimento de

tratamento médico. Forçoso, pois, afastar a preliminar

suscitada.

Com efeito, o art. 5o da Constituição

Federal que trata dos direitos individuais, assegura aos

cidadãos o direito à vida.

E como essa garantia fundamental não é

um mero exercício de retórica, impõe-se ao Estado o dever

de garanti-la dentre outros modos, assegurando o acesso à

saúde pública. Apelação Cível n° 990.10.297095-7- Voto 18.874

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Bem por isso, o art. 196 da Constituição

Federal reconhece que a saúde é direito de todos e

obrigação do Estado, que promoverá o atendimento

integral do indivíduo, abrangendo a promoção,

preservação e recuperação de sua saúde.

Longe de se ver aqui normas

programáticas, recurso pelos quais usualmente os

administradores públicos se escusam de cumprir as

obrigações que lhes são dirigidas pela Constituição

Federal, há que se ver normas impositivas de eficácia

plena, que objetiva tornar real e não meramente retórico o

direito à vida proclamado no art. 5o da Constituição

Federal.

Estando provado nos autos que a autora

necessita de material cirúrgico por expressa indicação do

profissional competente, o Estado por qualquer de seus

entes políticos, seja a União, o Estado-Membro ou

Município está obrigado a fornecê-lo, pena de vulneração

do mais importante dos direitos garantidos

constitucionalmente. Afinal, se a vida perece de que

adiantará aos cidadãos outros direitos?

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O eminente Ministro Celso de Mello em

primoroso voto proferido no julgamento do RE 267.612-

RS, deixou consignado:

"Na realidade, o cumprimento do dever

político-constitucional consagrado no art.

196 da Lei Fundamental do Estado,

consistente na obrigação de assegurar, a

todos, a proteção à saúde, representa fator,

que, associado a um imperativo de

solidariedade social, impõe-se ao Poder

Público, qualquer que seja a dimensão

institucional em que atue no plano de nossa

organização federativa.

A impostergabilidade da efetivação desse

dever constitucional desautoriza o

acolhimento do pleito recursal ora deduzido

na presente causa.

Tal como pude enfatizar, em decisão por mim

proferida no exercício da Presidência do

Supremo Tribunal Federal, em contexto

assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246-

SC), entre proteger a inviolabilidade do

direito à vida e à saúde, que se qualifica como

direito subjetivo inalienável assegurado a

todos pela própria Constituição da República

(art. 5 o, caput e art. 196), ou fazer prevalecer,

contra essa prerrogativa fundamental, um

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interesse financeiro e secundário do Estado,

entendo - uma vez configurado esse dilema -

que razões de ordem ético-jurídica impõem ao

julgador uma só e possível opção: aquela que

privilegia o respeito indeclinável à vida e à

saúde humana, notadamente daqueles, como

os ora recorridos, que têm acesso, por força

de legislação local, ao programa de

distribuição gratuita de material cirúrgicos,

instituído em favor de pessoas carentes.

A legislação gaúcha - consubstanciada nas

Leis n°s 9.908/93, 9.828/93 e 10.529/95 -, ao

instituir esse programa de caráter

marcadamente social, dá efetividade a

preceitos fundamentais da Constituição da

República (art. 5", caput, e 196) e representa,

na concreção do seu alcance, um gesto

reverente e solidário de apreço à vida e à

saúde das pessoas, especialmente daquelas

que nada têm e nada possuem, a não ser a

consciência de sua própria humanidade e de

sua essencial dignidade.

Cumpre não perder de perspectiva que o

direito público subjetivo à saúde representa

prerrogativa jurídica indisponível assegurada

à generalidade das pessoas pela própria

Constituição da República. Traduz bem

jurídico constitucionalmente tutelado, por

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cuja integridade deve velar, de maneira

responsável, o Poder Público, a quem

incumbe formular — e implementar -políticas

sociais e econômicas que visem a garantir,

aos cidadãos, o acesso universal e igualitário

à assistência médico-hospitalar.

O caráter programático da regra inscrita no

art. 196 da Carta Política - que tem por

destinatários todos os entes políticos que

compõem, no plano institucional, a

organização federativa do Estado brasileiro

(JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à

Constituição de 1988", vol. VÍII/4332-4334,

item n" 181, 1993, Forense Universitária) -

não pode converter-se em promessa

constitucional inconseqüente, sob pena de o

Poder Público, fraudando justas expectativas

nele depositadas pela coletividade, substituir,

de maneira ilegítima, o cumprimento de seu

impostergável dever, por um gesto

irresponsável de infidelidade governamental

ao que determina a própria Lei Fundamental

do Estado.

Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público,

a gravíssima obrigação de tornar efetivas as

prestações de saúde, incumbindo-lhe

promover, em favor das pessoas e das

comunidades, medidas - preventivas e de

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recuperação -, que, fundadas em políticas

públicas idôneas, tenham por finalidade

viabilizar e dar concreção ao prescreve, em

seu art. 196, a Constituição da República.

O sentido de fundamentalidade do direito à

saúde - que representa, no contexto da

evolução histórica dos direitos básicos da

pessoa humana, uma das expressões mais

relevantes das liberdades reais ou concretas -

impõe ao Poder Público um dever de

prestação positiva que somente se terá por

cumprido, pelas instâncias governamentais,

quando estas adotarem providências

destinadas a promover, em plenitude, a

satisfação efetiva da determinação ordenada

pelo texto constitucional.

Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples

positivação dos direitos sociais - que traduz

estágio necessário ao processo de sua

afirmação constitucional e que atua como

pressuposto indispensável à sua eficácia

jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Poder

Constituinte e Poder Popular", p. 199, itens

n"s 20/21, 2000 Malheiros) -, recai, sobre o

Estado, inafastável vínculo institucional

consistente em conferir real efetividade a tais

prerrogativas básicas, em ordem a permitir,

às pessoas, nos casos de injustificável

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inadimplemento da obrigação estatal, que

tenham elas acesso a um sistema organizado

de garantias instrumentalmente vinculado à

realização, por parte das entidades

governamentais, da tarefa que lhes impôs a

própria Constituição. "

O Estado de São Paulo não compreendeu

bem, o que é profundamente lamentável, que o que está

em causa é o direito à vida, bem supremo que é tutelado

constitucionalmente.

Não é suficiente, portanto, que o Estado

proclame o reconhecimento de um direito Constitucional,

para solapá-lo por meio de gestões de duvidosa eficiência

e moralidade.

E necessário que esses direitos venham a

ser respeitados e implementados pelo Estado, destinatário

do comando Constitucional.

Se não o fez, se pretexta a retórica com

argumentos destituídos de significação, como a

impossibilidade orçamentária, assiste ao cidadão o direito

de exigir do Estado a implementação de tais direitos.

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Não se está, aqui, absolutamente, o

Poder Judiciário se investindo de co-gestor do orçamento

do Poder Executivo.

Está tão-somente fazendo cumprir um

comando constitucional, que a insensibilidade própria dos

burocratas prefere ver perecer ante argumentos que se

contrapõem à principiologia constitucional.

O argumento tão ao gosto dos burocratas

de que o reconhecimento desse direito essencial ao

cidadão do acesso à saúde, pode implicar em

comprometimento de outras políticas públicas de saúde

não prevalece.

Basta se proceda a uma gestão racional,

eficiente e honesta da coisa pública. Que não se socorra

com dinheiro público grandes conglomerados econômicos,

que não se venda dólares a preços subsidiados a

banqueiros falidos, em afronta ao princípio da legalidade e

da moralidade administrativa. Que se faça, enfim, a devida

aplicação da contribuição tributária vinculada sobre

movimentação financeira destinada aos programas de

saúde pública.

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Se o Estado não atingiu, ainda, o grau

ético necessário a compreender essa questão, deve ser

compelido pelo Poder Judiciário, guardião da

Constituição, a fazê-lo.

Por fim, cabe ressaltar que o pedido

constante da inicial, e cuja sentença julgou procedente, é

do fornecimento do material cirúrgico, consistente de

"placa com oito parafusos 'Synthes'", portanto

irrelevantes os questionamentos fazendários no que toca

ao local da realização da cirurgia, uma vez que a sentença

monocrática concedeu, o que ora se confirma, o

fornecimento do material, e não de procedimento

cirúrgico.

Daí o porquê, nega-se provimento ao

recurso. \ \

MAGALHÃES COELHO iRelator

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